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DISCIPLINA: MÍDIA, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL (PPGMC/UFF)

AULA 6: A NOVA ESFERA PÚBLICA

CASTELLS, M. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global
Governance.ANNALS, AAPSS, 616, March 2008 (DOI: 10.1177/0002716207311877). (INTEIRO)

SOBRE O AUTOR:
Manuel Castells (9 de fevereiro de 1942) é professor de Comunicação, Tecnologia e Sociedade
da Universidade da Califórnia do Sul, em Los Angeles, desde 2003. Ele é professor emérito de
Sociologia da Universidade da Califórnia, Berkeley, onde lecionou por 24 anos, depois de ter
estado na Universidade de Paris por 20 anos. Ele também é professor visitante de Tecnologia e
Sociedade do MIT. Publicou 25 livros, incluindo a trilogia A Era da Informação: A sociedade em
rede, O poder da identidade e Fim de milênio, traduzida em 22 línguas. (adaptado/resumido do
artigo)

SOBRE A OBRA:
Trata-se de artigo de 2008 no qual Castells discute especificamente questões sobre a nova esfera
pública, como foco nas relações entre a sociedade civil organizada, as redes e a governança
global.

Resumo
A esfera pública é o espaço de comunicação de ideias e projetos que emergem da sociedade e
são endereçados aos tomadores de decisão nas instituições da sociedade. A sociedade civil
global é a expressão organizada dos valores e interesses da sociedade. As relações entre governo
e sociedade civil e sua interação por meio da esfera pública definem a política da sociedade. O
processo de globalização transformou o debate do domínio nacional para o debate global,
apontando a emergência de uma sociedade civil global e de formas de governança ad hoc global
[surgidas com esta finalidade específica]. Nesse sentido, a esfera pública como espaço de debate
sobre assuntos públicos também mudou do nacional para o global e é cada vez mais construída
em torno de redes de comunicação global. Diplomacia pública, entendida como a diplomacia do
público, não do governo, intervém nesta esfera pública global, preparando o terreno para que
as formas tradicionais de diplomacia atuem além da estrita negociação de relações de poder por
meio da construção de significados culturais compartilhados, que seriam a essência da
comunicação. [Tradução nossa]

A Esfera Pública e a Constituição da Sociedade

Entre o Estado e a sociedade se encontra a esfera pública, “uma rede para comunicar
informação e pontos de vista” (Habermas, 1996, p. 360). A esfera pública é um componente
essencial da organização sociopolítica porque é em seu espaço onde pessoas se reúnem como
cidadãos e articulam seus pontos de vista autônomos para influenciar as instituições políticas da
sociedade. A sociedade civil é a expressão organizada destas visões; e a relação entre o estado
e a sociedade civil é o pilar da democracia.

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A esfera pública não é somente a mídia ou os sites socioespaciais de interação pública. É do
repositório cultural/informacional de ideias e projetos que se alimenta o debate público. É por
meio da esfera pública que diversas formas da sociedade civil promulgam este debate público,
em última análise, influenciando as decisões do Estado (Stewart, 2001).

Se cidadãos, sociedade civil, ou o estado falham em preencher as demandas de sua interação,


ou se os canais de comunicação entre dois ou mais dos componentes chave dos processos são
bloqueados, o sistema como um todo de representação e tomada de decisão entram em
impasse.

Além disso, pode ser argumentado que existe uma esfera pública na arena internacional
(Volkmer, 2003). Ela existe dentro do espaço político/institucional que não está sujeito a
nenhum tipo específico de poder soberano, mas, ao contrário, é moldado pela variedade
geométrica de relações entre estados e atores globais não estatais (Guidry, Kennedy, e Zald,
2000). É amplamente reconhecido que uma variedade de interesses sociais se expressam nessa
arena internacional: negócios multinacionais, religiões mundiais, criadores de cultura,
intelectuais públicos e cosmopolitas que se autodefinam globais (Beck, 2006). Há também uma
sociedade civil global (Kaldor, 2003), como eu tentei argumentar acima, e formas ad hoc
[estabelecidas com esta finalidade] de governança, como eu tentarei argumentar adiante,
promulgadas por instituições políticas internacionais, co-nacionais e supranacionais (Nye e
Donahue, 2000; Keohane, 2002).

A crise da esfera pública nacional torna a emergência de uma esfera pública internacional
particularmente relevante. Sem o florescimento de uma esfera pública internacional, a ordem
sociopolítica global se torna definida pela realpolitik [sistema de políticas ou princípios baseado
em aspectos práticos, mais do que em considerações baseadas na ideologia ou moral] das
nações-estado que se agarram à ilusão da soberania apesar das realidades construídas pela
globalização (Held, 2004).

Nem todas coisas ou todos são globalizados, mas as redes globais que estruturam o planeta
afetam todas as coisas e pessoas.

Nem todos são globalizados: as redes conectam-se e desconectam-se ao mesmo tempo. Eles
conectam tudo o que é valioso, ou aquilo que pode se tornar valioso, de acordo com os valores
programados nas redes. Eles ignoram e excluem qualquer coisa ou qualquer pessoa que não
agregue valor à rede e / ou desorganize o processamento eficiente dos programas da rede.

Entre essas questões estão a gestão do meio ambiente como uma questão planetária
caracterizada pelos danos causados pelo desenvolvimento insustentável (por exemplo, o
aquecimento global) e a necessidade de combater essa deterioração com uma estratégia global
de conservação de longo prazo (Grundmann, 2001); a globalização dos direitos humanos e o
surgimento da questão da justiça social para o planeta em geral (Forsythe, 2000); e a segurança
global como um problema compartilhado, incluindo a proliferação de armas de destruição em
massa, o terrorismo global e a prática da política do medo sob o pretexto de combater o
terrorismo (Nye, 2002).

A lacuna crescente entre o espaço onde as questões surgem (global) e o espaço onde as
questões são geridas (o Estado-nação) está na origem de quatro crises políticas distintas, mas
inter-relacionadas, que afetam as instituições de governança:

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1. Crise de eficiência: problemas não podem ser adequadamente gerenciados (tais como
questões ambientais macro, como o aquecimento global, regulação de mercados financeiros,
ou inteligência contra-terrorista) (Nye e Donahue 2000; Soros 2006).

2. Crise de legitimidade: Representação política baseada em democracia em nações-estado se


tornam simplesmente votos de confiança na habilidade das nações-estado em gerenciar os
interesses da nação na teia global de elaboração de políticas.

3. Crise de identidade: À medida que as pessoas veem sua nação e sua cultura cada vez mais
desarticuladas dos mecanismos de tomada de decisão política em uma rede multinacional
global, sua reivindicação de autonomia assume a forma de identidade de resistência e políticas
de identidade cultural em oposição à sua identidade política como cidadãos (Barber, 1995;
Castells, 2004b; Lull, 2007).

4. Crise da equidade: O processo de globalização liderado pelas forças do mercado no quadro


da desregulamentação aumenta frequentemente a desigualdade entre países e entre grupos
sociais dentro dos países (Held e Kaya, 2006).

Como resultado dessas crises e da diminuição da capacidade dos governos de mitigá-las, os


atores não-governamentais tornam-se defensores das necessidades, interesses e valores das
pessoas em geral, enfraquecendo ainda mais o papel dos governos em resposta aos desafios
impostos pela globalização e pelas transformações estruturais.

A Sociedade Civil Global

Em todos os países, existem atores locais da sociedade civil que defendem interesses locais ou
setorizados, assim como valores específicos contra ou além do processo político formal.

Uma segunda tendência é representada pelo surgimento de organizações não-governamentais


(ONGs) enquadradas em um cenário de referência global ou internacional para nortear suas
ações e objetivos.

Para entender a conformação das ONGs internacionais, três características devem ser
enfatizadas:

- Ao contrário dos partidos políticos, essas ONGs têm considerável popularidade e


legitimidade

- Sua atividade se concentra em questões práticas, casos específicos e expressões concretas


de solidariedade humana

- Finalmente, as táticas chave para as ONGs para atingir resultados e ganhar apoio para suas
causas é a política de investimento midiático

Os movimentos sociais que visam controlar o processo de globalização constituem um terceiro


tipo de ator da sociedade civil. Na tentativa de moldar as forças da globalização, esses
movimentos sociais constroem redes de ação e organização para induzir um movimento social
global por justiça global (o que a mídia rotulou, incorretamente, como o movimento
antiglobalização) (Keck e Sikkink, 1998; Juris, a princípio).

Há um quarto tipo de expressão da sociedade civil global. Este é o movimento da opinião


pública, composta por turbulências da informação em um sistema de mídia diversificado, e do

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surgimento de mobilizações espontâneas, ad hoc, usando redes de comunicação horizontais e
autônomas.

A sociedade civil [G]lobal tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das
instituições políticas e dos meios de comunicação de massa. No entanto, a capacidade dos
movimentos sociais de mudar a opinião pública ainda depende, em grande medida, de sua
capacidade de moldar o debate na esfera pública.

Governança Global e o Estado da Rede

A crescente incapacidade dos Estados-nação de confrontar e administrar os processos de


globalização das questões que são objeto de sua governança leva a formas ad hoc de governança
global e, finalmente, a uma nova forma de Estado. Os Estados-nação, apesar de sua crise
multidimensional, não desaparecem; eles se transformam para se adaptar ao novo contexto.
Sua transformação pragmática é o que realmente muda a paisagem contemporânea da política
e da formulação de políticas. Por Estado-nação, quero dizer o conjunto institucional que
compreende todo o Estado (ou seja, os governos nacionais, o parlamento, o sistema político-
partidário, o judiciário e a burocracia estatal). Como um Estado-nação experimenta crises
forjadas pela globalização, este sistema se transforma por três mecanismos principais:

1. Os Estados-nação se associam, formando redes de Estados. (ex. União Europeia)

2. Os Estados podem construir uma rede cada vez mais densa de instituições internacionais e
organizações supra-nacionais para lidar com questões globais (ex. as Nações Unidas)

3. Os Estados também podem descentralizar o poder e os recursos em um esforço para


aumentar a legitimidade e/ou tentar explorar outras formas de lealdade cultural ou política
através da devolução de poder aos governos locais ou regionais e às ONGs que ampliam o
processo de tomada de decisões na sociedade civil.

A prática da governança global através de redes ad hoc confronta um grande número de


problemas importantes que evoluem a partir da contradição entre a natureza historicamente
construída das instituições que entram na rede e as novas funções e mecanismos que eles têm
que assumir para desempenhar na rede, enquanto ainda se relacionam com suas sociedades
ligadas à nação. O Estado da rede enfrenta um problema de coordenação com três aspectos:
organizacional, técnico e político. O Estado enfrenta

- problemas organizacionais porque os órgãos que anteriormente floresceram através da


territorialidade e da autoridade em relação às suas sociedades não podem ter a mesma
estrutura, sistemas de recompensa e princípios operacionais como agências cujo papel
fundamental é encontrar sinergia com outras agências.

- Problemas de coordenação técnica ocorrem porque os protocolos de comunicação não


funcionam. A introdução da Internet e das redes de computadores geralmente desorganizam as
agências, em vez de facilitar as sinergias. As agências geralmente resistem à tecnologia de rede.

- Os problemas de coordenação política evoluem não apenas horizontalmente entre as


agências, mas também verticalmente, porque o trabalho em rede entre órgãos e órgãos de
supervisão exige uma perda de autonomia burocrática. Além disso, as agências também
precisam se relacionar com seus cidadãos, o que pressiona as burocracias a serem mais
receptivas aos cidadãos-clientes.

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- O desenvolvimento do Estado da rede também precisa enfrentar um problema ideológico:
coordenar uma política comum significa uma linguagem comum e um conjunto de valores
comuns.

- Há também um problema geopolítico persistente. Os Estados-nação ainda veem as redes de


governança como uma mesa de negociação sobre a qual impor seus interesses específicos.

Enquanto essas contradições persistirem, é difícil, se não impossível, que os atores geopolíticos
do mundo passem da prática de uma forma de rede negociada ad hoc pragmática para um
sistema de governança global em rede, aceito constitucionalmente (Habermas, 1998).

Existe um processo de emergência da governança global de fato sem um governo global.

A Nova Esfera Pública

A transição dessas formas pragmáticas de organização sociopolítica e tomada de decisão para


um sistema institucional global mais elaborado requer a co-produção de significado e
compartilhamento de valores entre a sociedade civil global e o Estado da rede global. Essa
transformação é influenciada e contestada por materiais culturais/ideacionais através dos quais
interesses políticos e sociais trabalham para encenar a transformação do Estado. Em última
análise, a vontade do povo emerge da mente das pessoas.

A esfera pública global contemporânea é amplamente dependente do sistema de mídia


global/local. Este sistema de mídia inclui televisão, rádio e mídia impressa, bem como uma
variedade de sistemas multimídia e de comunicação, incluindo a Internet e redes de
comunicação horizontal, que agora desempenham um papel decisivo (Dahlgren, 2005,
Tremayne, 2007).

O sistema de mídia atual é local e global ao mesmo tempo.

Portanto, estimular a consolidação dessa esfera pública baseada na comunicação é um


mecanismo fundamental com o qual os estados e as instituições internacionais podem se
engajar com as demandas e projetos da sociedade civil global. Isso pode ocorrer estimulando o
diálogo sobre iniciativas específicas e registrando, de maneira contínua, as contribuições desse
diálogo para que ele possa informar a formulação de políticas na arena internacional. Aproveitar
o poder da opinião pública mundial através da mídia global e das redes de Internet é a forma
mais eficaz de ampliar a participação política em escala global, induzindo uma conexão frutífera
e sinérgica entre as instituições internacionais baseadas no governo e a sociedade civil global.
Este espaço de comunicação multimodal é o que constitui a nova esfera pública global.

Conclusão: Diplomacia Pública e a Esfera Pública Global

A diplomacia pública não é propaganda. E não é diplomacia do governo. Não precisamos usar
um novo conceito para designar as práticas tradicionais de diplomacia. A diplomacia pública é a
diplomacia do público, isto é, a projeção na arena internacional dos valores e idéias do público.
O público não é o governo porque não é formalizado nas instituições do Estado. Pelo público,
geralmente queremos dizer o que é comum a uma determinada organização social que
transcende o privado. O privado é o domínio de interesses e valores auto-definidos, enquanto o
público é o domínio dos interesses e valores compartilhados (Dewey, 1954).

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Porque vivemos em um mundo globalizado e interdependente, o espaço da co-decisão política
é necessariamente global. E a escolha que enfrentamos é construir o sistema político global
como uma expressão de relações de poder sem mediação cultural ou desenvolver uma esfera
pública global em torno das redes globais de comunicação, das quais o debate público poderia
informar o surgimento de uma nova forma de governança global consensual. Se a escolha é a
última, a diplomacia pública, entendida como comunicação em rede e significado
compartilhado, torna-se uma ferramenta decisiva para a obtenção de uma ordem mundial
sustentável.

ENTREVISTA
Manuel Castells: "a comunicação em rede está revitalizando a democracia"
por Malu Fontes/Correio da Bahia - 11.05.2015
(Fonte:https://www.fronteiras.com/entrevistas/manuel-castells-a-comunicacao-em-rede-esta-
revitalizando-a-democracia, acesso em 25 de setembro de 2018, 16:13)
O sociólogo espanhol Manuel Castells é um pioneiro quando se trata de pesquisar os reflexos da
sociedade em rede na economia e na convivência social em todo o mundo a partir do fenômeno
da internet. Desde 1979, na Universidade da Califórnia e, portanto, vizinho há décadas do Vale
do Silício, é um tradutor sofisticado das transformações do mundo proporcionadas pela web. Em
entrevista ao Correio da Bahia, ele fala de suas impressões sobre o Brasil e os últimos
movimentos sociais no país:
Como observador dos grandes protestos ocorridos no mundo nessa segunda década do Século
XXI, da Primavera Árabe ao Ocuppy Wall Street, passando pelas manifestações de rua em
Londres, Paris até os protestos nas metrópoles no Brasil e as marchas dos trabalhadores sem
terra, o senhor identifica alguma marca em comum entre estes movimentos?
Manuel Castells: Todos eles são protestos sociais, porque as pessoas protestam contra as muitas
injustiças em todos os âmbitos. Mas há movimentos específicos, que eu chamo de movimentos
em rede, que têm características similares em todo o mundo. Meu livro é sobre isso: identifico
os traços característicos dos movimentos sociais da sociedade em rede, movimentos que
articulam a presença na internet com a presença espontânea nas ruas e praças, movimentos
descentralizados, que surgem espontaneamente da indignação contra a injustiça, sem
organização partidária e sem liderança centralizada. Seus temas e origens são muito diversos,
mas repetem as mesmas formas e em todos eles o espaço de autonomia que a rede representa
é essencial.
Uma das obras seminais sobre a sociedade em rede é a sua trilogia A era da informação,
produzida nos últimos anos da última década do século XX. Diante da velocidade da
tecnologia, das possibilidades de suas redes e conexões e consequentes intervenções na
sociabilidade global, quais os aspectos que, hoje, ao revisitar sua própria obra, o senhor
identifica?
Manuel Castells: Já os identifiquei nos seis livros que publiquei depois, em particular
Comunicação e poder e A galáxia da internet. O essencial é que agora todo o planeta está
conectado. Existem sete bilhões de números de telefones celulares no mundo e 50% da
população adulta do planeta tem um smartphone. O percentual será de 75% em 2020.
Consequentemente, a rede é uma realidade generalizada para a vida cotidiana, as empresas, o
trabalho, a cultura, a política e os meios de comunicação. Entramos plenamente numa
sociedade digital (não o futuro, mas o presente) e teremos que reexaminar tudo o que sabíamos
sobre a sociedade industrial, porque estamos em outro contexto.

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Um dos maiores desafios que se apresentam para os governos, a sociedade global de modo
geral e os atores sociais interessados na garantia dos direitos humanos são as células de
intolerância que se multiplicam e se aparelharam economicamente e belicamente em diversas
partes do planeta. Há, em sua avaliação, alguma estratégia em curto prazo, em se tratando de
discursos morais tão distintos em cena, passível de ser usada no enfrentamento à intolerância
e ao fundamentalismo? Se sim, qual? Se não, como os governantes de diversos países do
mundo podem agir, se não para eliminar, mas para reduzir os tentáculos dos grupos terroristas
em seus territórios e fronteiras?
Manuel Castells - Não se pode vencer o fanatismo apenas com a ação policial e militar. A
violência alimenta a violência. Essa onda de terror foi provocada pelo ocidente invadindo, sem
razão, Iraque e Afeganistão, em vez de fazer como Obama fez, posteriormente: liquidar Bin
Laden e os responsáveis pelo bárbaro atentado cometido contra Nova Iorque. Na Europa, as
minorias muçulmanas sofrem diariamente humilhação e discriminação, que é o que alimenta o
Estado Islâmico. Os fundadores do Estado Islâmico se radicalizaram nos cárceres estadunidenses
no Iraque. E Israel continua negando aos palestinos o direito de um Estado próprio. O Ocidente
não poderá conter um milhão e quinhentos de muçulmanos raivosos com ações policiais. Porém,
o fanatismo religioso se acentua por outras razões, porque também se dá entre Sunitas e Xiitas,
de forma cada vez mais atroz. Deter esse horror requer diálogo inter-religioso e um
compromisso da ONU, com o apoio de todos os poderes para ir eliminando as guerras religiosas
como forma de autodestruição da humanidade.
Qual a contribuição, em sua avaliação, das conexões em rede para o fortalecimento da
democracia? As manifestações convocadas pelas redes sociais e com ampla reverberação
nesses espaços virtuais seriam a tradução das manifestações do passado apenas organizadas
a partir de novas estratégias para chamar aliados ou representam um novo modo de
participação política e social? Em que elas se diferenciam, ou seja, as de antes e as de agora?
Manuel Castells - Como disse, os movimentos em rede são de um novo tipo e se formam a partir
de ideologias diferentes e com diferentes motivações. São um sintoma da crise da democracia
representativa atual, dominada por partidos a serviço deles mesmos e não dos cidadãos,
eleições controladas por dinheiro e meios de comunicação, corrupção sistêmica de todos os
partidos políticos e em quase todos os países. Se houvesse vontade de participação política e
democrática por parte das elites, a comunicação em rede oferece enormes possibilidade de
incrementar a participação cidadã ao invés de reduzir a democracia a um voto midiatizado a
cada quatro anos. E como há canais institucionais, a sociedade se expressa através de suas
formas autônomas de debate, organização e manifestação, online e nas ruas. Nesse sentido, a
comunicação em rede está revitalizando a democracia mediante a crítica aos partidos
burocratizados e aos políticos corruptos.
O século XXI configura-se como o século das grandes metrópoles e dos desafios econômicos
representados pela complexidade que é garantir a subsistência, a mobilidade, a convivência e
a sustentabilidade do meio ambiente de milhões de pessoas habitando os mesmos espaços e
com necessidades tão similares. Como o urbanismo contemporâneo pode se beneficiar das
novas tecnologias para tornar a vida nas cidades mais humana, evitando a divisão em castas
de classes sociais que não se toleram e são apenas obrigadas a dividir os menos espaços,
permeado de intolerância, ódio social e racial e preconceitos?
Manuel Castells - A tecnologia em si pouco pode fazer, se a utilizam para acentuar a dominação
política e a exploração comercial das pessoas. Os urbanistas sabem utilizar o potencial
tecnológico atual para melhorar transporte, qualidade de vida, saúde, educação, meio
ambiente. Mas as empresas só se ocupam de suas ganâncias e os políticos se dedicam
prioritariamente a manter seu poder. Dessa forma, ainda que estejamos conectados, estamos

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cada vez mais desconectados do poder que delegamos e da riqueza que produzimos com nosso
trabalho.
Até onde pode ir a galáxia da internet, tema de uma de suas obras mais importantes? Na
escala de desenvolvimento tecnológico, no que a economia da web ainda pode transformar a
vida das pessoas?
Manuel Castells - Não sou futurólogo, mas o mais importante é que todos nós já vivemos
hibridamente em presença física e presença virtual na rede. Em um mundo assim, a educação é
decisiva para aproveitar as imensas oportunidades que a conexão permanente e o acesso a
bases de dados oferecem. Isso pode se aplicar a todos os âmbitos da economia e da vida
cotidiana. Mas essa mesma educação tem que mudar, isso é o mais importante, pelo fato de a
educação ser, talvez, a instituição mais atrasada e conservadora em todos os países. Não se trata
de educar só pela internet. Trata-se de uma educação que forme pessoas com capacidade
mental autônoma de processar informação e aplicá-la a cada tarefa e projeto de vida.
Qual o futuro da política diante das novas tecnologias? Quais as principais alterações que a
sociedade em rede e on line provocou nas estruturas políticas tradicionais?
Manuel Castells - As formas de controle tradicionais estão se dissolvendo, por isso o sistema
político atual está em uma crise profunda de legitimidade e representatividade, no Brasil, na
Espanha e em muitos outros países. Ao mesmo tempo, a vigilância eletrônica e o controle social
mediante a tecnologia estão aumentando as capacidades do estado autoritário de utilizar a
fundo a tecnologia para contrariar as mobilizações democráticas e a demanda de transparência,
ou seja, para reforçar o domínio e limitar a democracia.
Nessas primeiras duas décadas do século XXI, qual o acontecimento que o senhor apontaria
como a principal marca dessa nova sociedade, descrita em seus livros como a sociedade em
rede da era da informação?
Manuel Castells - Precisamente, eu diria que se construiu por completo a estrutura social que
eu conceituei como sociedade global em rede e que, ainda que de forma desigual, estendeu sua
lógica pelo conjunto do planeta. Não substituiu o capitalismo, que está mais onipresente do que
nunca, mas constitui a trama social e tecnológica em que vivemos, em todas as dimensões e em
todas as práticas. Por isso eu não falei da sociedade da informação, e sim de sociedade em rede,
uma nova estrutura social cujo funcionamento depende de tecnologias digitais de informação e
comunicação.
Como pesquisador e com um olhar distanciado de um analista social, qual a visão que o senhor
tem hoje do Brasil, imerso em um momento político e econômico delicado?
Manuel Castells - Acho que o modelo colaborador, extrator e exportador para novos mercados
se esgotou. O sistema político está esgotado: os cidadãos querem democracia, mas não essa. A
corrupção política e policial chegou a um extremo intolerável. E as elites são cada vez mais
cínicas e egoístas. Como a rua está mobilizada e é autônoma em sua comunicação e organização,
é bem possível que o Brasil entre em uma situação altamente conflituosa. Nessas condições,
seria essencial a construção de uma liderança ética, mais que política.

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