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03/04/2017 As lutas por espaços públicos em São Paulo e o caso Tempelhof | observaSP

As lutas por espaços públicos em São
Paulo e o caso Tempelhof
Publicado em março 29, 2017

— Tempelhof sendo utilizado em 2012, ainda durante debate público sobre seu destino. Foto:
Luanda Vannuchi

Luanda Vannuchi** e Mariana Schiller*

Seguindo a série de posts que pretende contribuir com o debate público sobre o futuro e a
gestão dos parques municipais paulistanos, trazemos aqui o caso do parque Tempelhof, na
cidade de Berlim, emblemático para se pensar as possibilidades da participação da população
nas decisões sobre o destino dos espaços públicos.

Para todos e 100% Parque

Quando em 2008 o aeroporto Berlin­Tempelhof, na capital da Alemanha, parou de operar, o
destino daquela enorme área livre localizada bem no meio da cidade se transformou em motivo
de debate.

A expectativa era grande. De um lado, moradores sonhavam em transformar o espaço em um
parque público aberto a todos. Do outro, o mercado imobiliário tinha, evidentemente, interesse
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03/04/2017 As lutas por espaços públicos em São Paulo e o caso Tempelhof | observaSP

em promover incorporação e desenvolvimento imobiliário na enorme área de localização
privilegiada e subitamente disponível em uma cidade com população e turismo crescentes. A
empresa (privatizada) responsável pelo patrimônio imobiliário e fundiário de Berlim se colocou
contra a abertura do parque, alegando “riscos e custos”, e a área permaneceu fechada e sem
uso ao longo de 18 meses. Grupos favoráveis ao parque passaram então a realizar protestos e
lançaram a campanha pública “Tempelhof para todos”, angariando apoio de várias organizações
sociais e do partido verde local.

Em meio às discussões públicas sobre as propostas para a região tocadas pelas autoridades de
planejamento urbano de Berlim, a intensa pressão popular permitiu que em maio de 2010 o
espaço de quase 4 milhões de m2  fosse aberto como uma espécie de parque experimental –
possivelmente provisório e ainda com a configuração do aeroporto, isto é, sem nenhuma
transformação significativa. O imenso vazio, as longas pistas e os extensos gramados
passaram a atrair multidões de berlinenses, interessados em passear, empinar pipas, pedalar,
andar de skate ou patins, fazer piqueniques e tomar sol.

Mas a administração pública da cidade tinha outros planos e começava a desenvolver um
projeto urbanístico que incluía a criação de uma área comercial e a construção de edifícios de
escritório, uma biblioteca pública e 4.700 unidades habitacionais, que deveriam incluir “affordable
housing”, isto é, moradia de custo acessível. A ideia era construir em 25% do terreno, deixando
230 hectares livres.

Grupos de defensores do parque rechaçaram a ideia. O governo defendia que essa era uma
oportunidade única para a construção de habitação de custo acessível, dada a disponibilidade
de terra pública bem localizada, mas o argumento gerava desconfiança. Se em 10 anos de
mandato o prefeito de Berlim não havia construído nenhuma unidade de habitação acessível, por
que o faria naquele momento, em terras de elevado valor, em frente a um parque cada vez mais
popular? Além disso, o conceito de habitação acessível é um tanto frouxo em Berlim e os
defensores do parque afirmavam que no projeto da prefeitura não havia garantias suficientes de
que a área teria destinação compatível com o interesse público. Eles não abririam mão do
parque público em prol do desenvolvimento imobiliário que geraria sobretudo ganhos privados.

Surgiu, então, a iniciativa “100% Tempelhofer Feld”, que defendia que a área deveria ser mantida
como estava – “100% parque”. Os apoiadores do parque lançaram um abaixo­assinado
reivindicando que fosse realizado um referendo para que os próprios moradores de Berlim
pudessem opinar sobre o destino de Tempelhof, já que o assunto era decididamente de interesse
público. Mesmo contra a vontade da administração municipal e do parlamento local, a
quantidade de assinaturas recolhidas permitiu que o referendo acontecesse e a proposta de
manutenção do parque sem construções venceu com 64,3% dos votos.

Respeitando a lei e as instâncias democráticas, a prefeitura acatou a decisão popular e
abandonou seu projeto. O desafio era então construir um modelo de gestão que desse conta das
especificidades do Tempelhof, que fosse sustentável financeiramente e permitisse participação
pública nos processos decisórios, uma vez que a população já estava definitivamente envolvida
com os cuidados e o destino do parque. Primeiramente foi aprovada uma lei impondo restrições
rígidas a qualquer tipo de construção no local ou alteração da paisagem. Durante dois anos, a
população trabalhou junto com o Departamento de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente
do Senado e com a organização Grün Berlin GmbH em um intenso processo participativo para
desenhar um plano de conservação para o parque. Hoje, sua gestão é feita pela própria Grün

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03/04/2017 As lutas por espaços públicos em São Paulo e o caso Tempelhof | observaSP

Berlin GmbH, uma empresa sem fins lucrativos cujo único acionista é o governo local. As
primeiras transformações para abertura e viabilização do Tempelhof foram custeadas com
recursos do Senado, e o parque hoje é mantido com recursos de um fundo federal.

O exemplo do Tempelhof Feld é inspirador e nos dá pistas sobre modos de fazer mais
democráticos e mais efetivos do que aqueles que vêm sendo debatidos na cidade de São Paulo.
Existem alguns casos paulistanos que, embora com características e escalas diferentes entre si
ou em relação ao caso berlinense, possuem paralelos interessantes com o Tempelhof: o
Autódromo de Interlagos e o Parque Augusta. Discuti­los à luz desse exemplo é uma forma de
ampliar e trazer mais elementos para o tão necessário debate sobre os bens públicos
paulistanos.

De volta a São Paulo

O Autódromo de Interlagos tem semelhanças óbvias com o Tempelhof, não apenas pelas suas
pistas e gramados, mas por se tratar de um imenso equipamento público que, com a
possibilidade de privatização, também levanta questões sobre quais novos usos deverá acolher.
A possibilidade de disponibilização de terra em área densa chama atenção do mercado
imobiliário e a incorporação é um destino provável, incentivado pela atual gestão municipal.

A mudança na gestão do Autódromo já vinha sendo estudada pelo ex­prefeito Fernando Haddad,
mas com modelo de concessão do espaço, mantendo­se a propriedade pública e permitindo ao
concessionário a exploração do uso do autódromo. Considerava­se então que manter a grande
área de Interlagos como propriedade do município era estratégico e permitiria planejamento de
longo prazo, na política de reserva de terras públicas. O prefeito João Doria vai além e pretende
privatizar inteiramente o autódromo, procurando investidores internacionais para replicar o
modelo de Abu Dabi, onde o autódromo é cercado por complexo hoteleiro, apartamentos de alto
padrão e centro de entretenimento automobilístico. Ironicamente, Doria omite do debate público
a informação que o modelo de sucesso de Abu Dabi é, na verdade, de propriedade estatal.

Embora não exista proposta ou pressão popular para que a área do autódromo se transforme em
parque ou seja adaptada para receber outros equipamentos públicos, chama atenção que a
decisão sobre o destino de uma área de 1 milhão de metros quadrados de terras municipais
possa ser realizada pelo prefeito sozinho, quando deveria ser debatido e desenhado em conjunto
com a população. Doria pretende vender o autódromo sem realizar sequer uma audiência
pública. O prefeito afirma que mesmo que o espaço seja vendido à iniciativa privada, poderá ser
utilizado como parque, com acesso gratuito e aberto à população. Mas, assim como no caso do
Tempelhof, estas afirmações geram desconfiança porque vêm desacompanhadas de garantias
concretas.

Sobre o Parque Augusta, já discutimos o caso anteriormente no blog . A luta dos ativistas pela
manutenção do parque “100% verde” e sua recusa ao projeto que prevê a construção de torres
residenciais em parte do terreno remetem imediatamente à mobilização pelo Tempelhof 100%
parque.

As principais diferenças aqui são a escala e a natureza da propriedade, já que o Parque Augusta
tem área ínfima se comparado ao caso alemão e é de propriedade privada. De resto são casos
muito semelhantes: ambos são áreas verdes bem localizadas que passaram a ser reclamadas
como parque pelos cidadãos. Nos dois casos, os agentes em prol do interesse imobiliário

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alegaram os “riscos e os custos” em manter o parque aberto – essa ainda é, inclusive, a
justificativa das construtoras Cyrela e Setin para manter o parque Augusta fechado, apesar de
recomendação do Ministério Público para que seja reaberto.

No período em que permaneceu ocupado e aberto ao público, o Parque Augusta funcionou de
forma semelhante ao Tempelhof em seus primeiros anos: sem uma infraestrutura e uma
programação promovida pela administração pública, os próprios usuários do parque se
encarregaram dos cuidados como sinalização e coleta de lixo, além de oferecerem uma
programação com atividades como aulas de yoga, debates, shows e etc. Mostraram, assim, a
possibilidade de realizar formas mais experimentais de gestão, com autonomia, horizontalidade
e imaginação. E deu certo. Visitantes entusiasmados têm chamado o Tempelhof de “uma utopia,
um lugar que não poderia existir e, no entanto, existe”. Essa dimensão utópica ao se pensar a
cidade e suas áreas verdes como um bem comum se fortaleceu em São Paulo durante a
ocupação do Parque Augusta e persiste até hoje na luta pelos espaços públicos na cidade.

Por aqui, embora tenhamos referendos, plebiscitos, iniciativa popular e outros instrumentos de
democracia direta previstos na Constituição Federal, bem como em legislações estaduais e
municipais, na prática eles são pouquíssimo utilizados. Nem mesmo audiências públicas,
instâncias sabidamente limitadas para participação cidadã nos processos decisórios, estão
sendo chamadas pelo Executivo para discutir propostas com enormes impactos na vida da
cidade, como a privatização dos parques e equipamentos. Se muitos podem argumentar que
São Paulo não é Berlim e que cada cidade apresenta contextos muito diferentes, mais do que
nunca se faz necessário evocar aqui um modelo de governança em que a população seja
ouvida, e que a coisa pública e as decisões democráticas da população sejam respeitadas,
ainda que contrariem os desejos do governante eleito. Debate público, transparência e
participação popular nos processos decisórios são fundamentais para um projeto de cidade
democrática, e devem preceder qualquer iniciativa de privatização ou transformação de áreas de
interesse público.

*Luanda Vannuchi é geógrafa, mestre em estudos urbanos pela Vrije Universiteit Brussel,
doutoranda em Planejamento Urbano na FAU USP e faz parte da equipe do ObservaSP

**Mariana Schiller é estudante de graduação da FFLCH­USP e faz parte da equipe do
ObservaSP

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