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RESUMO
O presente artigo é o relato de uma pesquisa com pais cuidadores – homens que vivenciam a participação
constante no cotidiano dos filhos – no intuito de captar o sentido dado à paternidade e à masculinidade. Com
vistas a apreender o sentido atribuído pelos sujeitos da pesquisa à vivência da paternidade, foi utilizada a
técnica do Grupo Focal, analisando-se os dados colhidos a partir das práticas discursivas, à luz do cons-
trucionismo social. Como resultado, percebe-se que os pais cuidadores vivenciam a paternidade com espe-
cial intensidade emotiva, e demonstram uma disposição contrária ao estereótipo masculino, que pressupõe,
sobretudo, o autocontrole das emoções. Conforme se constata, a paternidade participativa implica a
reativação dos sentimentos de dependência oral do desenvolvimento humano, os quais se expressam pela
capacidade de cuidar e de se envolver numa relação de intimidade, comumente negados na experiência
masculina.
Palavras-chave: Paternidade participativa; subjetividade masculina; grupo focal; práticas discursivas.
ABSTRACT
Father who care for their children: the male experience of participatory fatherhood
The presente work is a study of male subjectivity in participatory fatherhood, attempting to capture the
meaning given to paternity and maliness by men who experience daily care of their children. In order for us
to apprehend the meaning given by the subjects of this research, regarding their paternity experience, we
used the Focal Group technique, analizing the data from the perspective of discursives practices, in light of
the social-constructionism. As a result, one notices that care-giving fathers do through patenity with a very
particular emotional intensity, sentiments that reveal an opposite tendency to the male stereotype which
presupposes, mainly, the self control of emotions. One arrives at the conclusion that participatory paternity
implies the reactivations of sentiments of oral dependence of human development, which express themselves
by means of capacity of caring and becoming involved, in a relation of intimacy, that are usually denied in
the male experience.
Keywords: Participatory fatherhood; male subjectivity; focal group; discursives practices.
afirma (1996), se caracterizar pela desvalorização dos zação do menino (Nolasco, 2001). Nesta discussão,
papéis – sobretudo o da autoridade – os papéis tradi- vários fatores têm sido apontados: as mudanças tecno-
cionais ainda se mantêm como balizadores das rela- lógicas nas quais o antigo modelo de homem identifi-
ções familiares. cado com a força física não faz mais sentido (Nolasco,
Em face destas constatações empíricas há de se 1995); a própria crise da modernidade que tradicio-
perguntar: o que está sendo chamado, então, de “nova nalmente traça a identificação entre o masculino, a
paternidade”? Entre os autores que descrevem este razão e a objetividade (Donzelli, 1997); o fracasso
fenômeno, não existe um consenso sobre o que deve do projeto de poder-dominação, como paradigma
ser considerado signo de emergência do novo pai. Sob dominante da cultura, identificado com o antropo-
a perspectiva de Ménard (2000), na verdade o que é centrismo e com o patriarcalismo (Boff, 1997); e, sob
novo não são os sentimentos, mas o modo como estes outra perspectiva, a erosão do modelo de masculini-
são manifestados, com o pai fisicamente íntimo, bus- dade moderna sustentado sobre as noções de ordem,
cando contato corporal com o filho. Com efeito, o pai força de vontade, autocontrole, honra e coragem
embalando o bebê tem sido uma imagem bastante ex- (Mosse, 1996).
plorada pela publicidade, o próprio símbolo de uma Entre os próprios homens, os estudos também in-
paternidade contemporânea que aponta uma grande dicam a busca por uma outra masculinidade – cansa-
novidade: a de que os homens são capazes de se inte- dos das mutilações emocionais sofridas (Cuschnir e
ressar pelo recém nascido. Mardegan, 2001; Hite, 1995), das vivências constran-
Neste sentido, como concorda Castelain-Meunier gedoras e agressivas no cotidiano destes (Boris, 2000),
(1993), o fenômeno realmente novo é o pai que toma e do status de dominadores perante, sobretudo, as
conta do bebê, capaz de se envolver nos cuidados com mulheres (Sloan e Jirón, 2000). Ademais, no respei-
os filhos pequenos. Pleck (1989) considera, inclusive, tante ao tema da paternidade, são os homens adul-
o “novo pai” uma imagem oposta à do pai “ganha- tos de hoje que se ressentem da falta, na infância,
pão”, porquanto ele está presente desde o nascimento, de um pai mais próximo e caloroso (Corneau, 1993;
disponibilizando tempo e dedicação não apenas para o Kindlon e Thompson, 2000; Osherson, 1998), o que
trabalho. Ramires (1997) vai mais longe ao afirmar pressupõe a necessidade de uma outra referência
que o novo pai é aquele que além de expressar a ne- paterna calcada num modelo mais afetivo de masculi-
cessidade e o desejo de participar na criação de seus nidade.
filhos prioriza a paternidade em relação a outras áreas Entretanto, ao mesmo tempo em que o modelo tra-
da vida, conforme os resultados de sua pesquisa sobre dicional de masculinidade parece se enfraquecer, o
o exercício da paternidade nos dias atuais. culto à hipermasculinidade permanece (Klein, 1993) –
No referente à realidade local, segundo Boris em que os traços masculinos, psicológicos ou físicos
(2000) afirma, em pesquisa sobre o ser homem em são levados ao exagero –, e se acentua o repúdio ao
Fortaleza, a maior proximidade afetiva dos homens “macho frouxo” carente da energia criativa da mascu-
para com os filhos, a despeito do pouco envolvimento linidade selvagem (Bly, 1991). Por outro lado, a crise
dos pais nos cuidados cotidianos com estes, represen- da masculinidade é uma concepção questionada e não
ta efetivamente um signo de mudança sociocultural, identificada na experiência de muitos homens que não
embora ainda muito sutil, como uma semente da nova problematizam a condição masculina na sua experiên-
paternidade ainda por florescer. cia de vida (Boris, 2000).
Contudo, para Hurstel e Parseval (2000a, 2000b), No concernente à paternidade participativa, den-
a “paternagem” seria apenas um dos signos das pro- tro destes múltiplos cenários, qual masculinidade lhe
fundas transformações que atingem famílias, funções é subjacente? Conforme advertem Castelain-Meunier
parentais, casamento, status jurídico e social dos pais, (1993) e Segalen (1999), se a paternidade contempo-
já que as verdadeiras novidades para a paternidade se rânea caminha numa direção de mimetismo em rela-
encontram nas inseminações artificiais, nas doações de ção à mãe, pode o homem preservar alguma especi-
esperma e nas famílias multiparentais. ficidade?
Quanto às mudanças que afetam a condição mas-
culina, a partir dos estudos de gênero como o sexo so-
A PESQUISA
cialmente construído – com conotações psicológicas e
socioculturais que não são universais (Barbieri, 1991) Considerando, portanto, as questões ora aponta-
–, a “crise da identidade masculina” tem sido um tema das, nossa pesquisa partiu da seguinte pergunta: Qual
discutido por alguns autores, como problematização da o sentido dado à paternidade e à masculinidade por
representação social masculina em torno da crença na homens que vivenciam o cuidado cotidiano com os fi-
existência do homem de verdade, base para a sociali- lhos?
PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 39, n. 1, pp. 74-82, jan./mar. 2008
Pais que cuidam dos filhos ... 77
Para responder a essa pergunta, nos apoiamos vência da masculinidade e da paternidade, do cotidia-
na metodologia qualitativa, adequada ao estudo da no com os filhos, da distribuição de papéis e tarefas
subjetividade, na medida em que o foco não é a entre o casal, da percepção que eles têm das mulheres,
generalização de dados, mas a complexidade da expe- da percepção que suas companheiras têm deles
riência de cada sujeito na sua singularidade (Rey, como pais e do relacionamento deles com seus pró-
1999). prios pais.
A técnica utilizada para a coleta de dados foi a Como referencial metodológico para a análise
do Grupo Focal, uma técnica de entrevista cole- das entrevistas, utilizamos a análise das práticas dis-
tiva destinada a investigar como as pessoas pensam cursivas, dentro da perspectiva do construcionismo
e agem em relação a determinado tema (Roso, 1997). social, segundo a qual o sentido é construído intera-
O objetivo do Grupo Focal é o uso explícito da tivamente, nas relações sociais cotidianas, quando
interação grupal para produzir dados e insights, duas ou mais vozes se confrontam (Spink e Frezza,
em que se busca a troca de experiências e o contraste 1999; Spink e Medrado, 1999; Spink e Menegon,
de perspectivas (Carlini-Cotrim, 1996). A situação 1999).
de entrevista grupal facilita a expressão de sentimen-
tos e convicções entre sujeitos que, no caso, compar- Categorias de análise
tilham a vivência da paternidade e o fato de serem
homens. No discurso dos sujeitos foram se entrelaçando di-
Os sujeitos da investigação foram homens perten- versas categorias, algumas sugeridas pelas perguntas
centes às camadas médias sociais que vêm vive- das moderadoras, outras geradas espontaneamente,
nciando a paternidade de uma forma participativa. tais como a percepção da mulher e o lugar da paterni-
Quanto à seleção dos sujeitos, se deu a partir da iden- dade dentro da conjugalidade. Os dados obtidos foram
tificação de homens que cuidavam dos filhos, expan- subdivididos em categorias referentes às dimensões
dindo-o por meio da técnica da bola de neve na qual os intrapessoal (ser homem, papel de homem, atributos
próprios sujeitos foram indicando outros que conside- masculinos, percepção da mulher, vivência da paterni-
ravam pais cuidadores. Escolhemos como critério de- dade, qualidades necessárias para a paternidade) e
cisivo para a definição dos sujeitos da pesquisa a interpessoal (inversão de papéis, distribuição de pa-
própria autopercepção desses homens como pais péis, divisão de tarefas, paternidade e relacionamento
cuidadores. Outro critério importante foi o fato de se- conjugal, relacionamento com o próprio pai, cotidiano
rem casados, pois a presença simultânea da mãe é fa- com os filhos, percepção das companheiras em rela-
tor significativo para avaliar a participação dos pais. ção a eles). A noção de papel aqui adotada compreen-
Também foram selecionados pais que estivessem de que qualquer organização envolve um conjunto de
vivenciando a etapa do ciclo vital familiar com filhos papéis mais ou menos diferenciados, que definem
pequenos, etapa que mais solicita a atenção dos adul- obrigações e coerções relativas a zonas de autonomia
tos e requer participação mais efetiva no cuidado condicionadas (Goffman, 1974).
diário. Quanto às associações (ver fragmento do quadro
O grupo focal foi constituído de seis homens casa- de resultados), estas foram distribuídas entre as de teor
dos entre a idade de 21 e 34 anos, cujos filhos tinham emocional – quando se trata de sentimentos e emoções
de 18 meses a 8 anos de idade. Entre os pais havia um evocados – e as de teor cognitivo – quanto se trata de
consultor de vendas, um auxiliar de escritório, dois explicações ou racionalizações, procedimento mera-
psicólogos, um arquiteto e um artesão. Os dois últi- mente organizador já que, na construção dos sentidos,
mos trabalham em casa. ambas são inseparáveis. As leituras vertical e horizon-
Conforme Roso (1997), o fluxo do debate pode ser tal das associações permitem a apreensão dos sentidos
estruturado ou não. Optamos pelo modelo estruturado, construídos interativamente, na qual várias vozes se
e partimos de questões mais gerais para mais específi- confrontam, não apenas a dos participantes, mas a de
cas, em torno dos dois temas principais da pesquisa, outras pessoas significativas. Da mesma forma, tor-
paternidade e masculinidade, embora nem todas as nam-se visíveis tanto as ressignificações e rupturas
questões necessitassem ser formuladas, pois surgiam para com o discurso institucionalizado (Spink e
espontaneamente durante a discussão. Os temas abor- Menegon, 1999) quanto as reproduções de tais dis-
dados durante a entrevista giraram em torno da vi- cursos.
TABELA 1
Resultados
Continua
Categorias Associações de teor emocional Associações de teor cognitivo
É como se fossem dois pais 6 Pela ótica da divisão dos papéis a mãe é a babá 6
A forma de ser feliz é ser barriga- Eu não me coloco no lugar de cobrar a minha mulher 3
branca 3
É natural compartilhar, dar uma força o quanto puder 2
Não há cobranças 3
Procuro ser um coadjuvante à Tem coisas que é o papel da mulher (arrumar o filho,
altura 3 escolher a roupa) 6
TABELA 1
Resultados
Conclusão
Tem que ter uma paciência tremenda, um amor O filho é a continuação do nosso sentimento, é o
muito grande 2 mesmo coração meu 3
Tesão em ver a filha se desenvolvendo, aquele amor que eu O umbigo vai se distanciar de você 1
tenho ali... 1
Participantes:
Sujeito 1: 34 anos, artesão, casado, filha de 5 anos.
Sujeito 2: 28 anos, arquiteto, casado, filha de 1 ano e 4 meses, enteado de 5 anos.
Sujeito 3: 32 anos, consultor de vendas, casado, filho de 8 anos e duas filhas de 3 e 1 ano e 6 meses.
Sujeito 4: 33 anos, psicólogo, casado, filho de 6 anos e esperando o segundo filho.
Sujeito 5: 21 anos, auxiliar de escritório, casado, filha de 3 anos.
Sujeito 6: 28 anos, psicólogo, casado, filho adotivo de 2 anos e quatro enteados entre 18 e 25 anos.
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CHRISTINA SUTTER
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Rocco. E-mail: tinasut@gmail.com