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REFLEXÕES LEIGAS PARA A

FORMULAÇÃO DE UMA AGENDA DE


PESQUISA EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Elisa P. Reis

No contexto do tema geral desse evento – ra e imediata como suas análises interpelam si-
Ciência Política e Justiça Social – parece-me opor- tuações concretas, examinam tecnicamente pro-
tuno lembrar algumas questões que permeiam blemas empíricos específicos e podem servir para
toda a prática da ciência social e, em particular, legitimar ou deslegitimar as escolhas políticas
da ciência política. Quero, contudo, pensar isso efetivas. É precisamente esse aspecto da relevân-
no caso específico da subárea de políticas públi- cia prática que mais me atrai nessa área. Ou seja,
cas. O tema é importante demais para ser reserva- o fato de que, em princípio, ela não se furta ao
do exclusivamente aos especialistas. Considero as imperativo da utilidade social e que, mesmo
questões a serem discutidas tão centrais que sin- quando adota uma postura crítica, ela o faz apos-
to-me a vontade para refletir sobre alguns pontos, tando na possibilidade de cursos de ação alterna-
ainda que, pessoalmente, eu não seja uma pes- tivos. Em outras palavras, trata-se de uma área
quisadora dessa área e sim uma consumidora de propositiva, pelo menos em tese.
seus resultados de pesquisa. É importante salientar, porém, que contraria-
Como ponto de partida, quero chamar aten- mente a uma crença errônea, mas persistente, a
ção para o fato de que “políticas públicas” é uma preocupação com a relevância não significa que
das especializações que responde mais direta- as reflexões teóricas são rebaixadas a segundo
mente ao imperativo da relevância na prática das plano. É claro que o especialista em políticas pú-
ciências sociais. Seja analisando a formulação, a blicas pode se refugiar no território técnico. Entre-
implementação ou os resultados de policies, os tanto, para fazer de sua prática, mais do que uma
especialistas podem ver de maneira bastante cla- rotina técnica, uma prática de ciência social, ele

RBCS Vol. 18 nº. 51 fevereiro/2003


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não pode se furtar ao exercício de uma análise Para alguém, como eu, que tem uma visão de
teórica, seja da perspectiva da ciência política, fora da área, quais seriam os temas candentes? Que
seja da sociologia política. Em outras palavras, o temáticas privilegiar nessa agenda? Sem dúvida, a
cientista social que se dedica à política pública gama de temas e problemas a serem investigados
precisa ter clareza tanto em relação à perspectiva é imensa e são vários os critérios ordenadores que
teórica em que está inserido seu trabalho, quanto poderiam ser invocados para se elaborar as priori-
em relação às discussões que confrontam essa dades de pesquisa. O que é que esperaríamos ver
perspectiva com outras, alternativas a ela. enfatizado pelos especialistas? De fato, parece-me
Além disso, analisar a viabilidade política de que a comunidade acadêmica tem respondido bem
uma determinada policy é uma questão tão técni- aos desafios do momento e a prova disso pode ser
ca quanto as de natureza instrumental específicas vista no próprio programa desse evento. Os traba-
a cada issue. Mas, essa é também uma questão tão lhos listados cobrem uma vasta gama de aspectos
moral quanto aquelas que inspiraram Marx e We- da política pública, muitos deles lidando com rea-
ber. Nesse sentido, qualquer que seja o ângulo da lidades novas e desafiadoras em nosso contexto.
política pública contemplado por um pesquisa- Eu iria ainda mais longe para sugerir que os títulos
dor, as questões morais, teóricas e técnicas encon- dos painéis programados para esse Grupo de Tra-
tram-se bastante interligadas. balho nos sugerem uma excelente agenda de pes-
É evidente que não se exige de ninguém quisa para a área.
que, a cada texto ou a cada discussão, se detenha O que gostaria de propor para reflexão não
na consideração das pressuposições analíticas é uma listagem de temas relevantes para uma
que sustentam sua análise. Tampouco se espera agenda de pesquisa, mas uma moldura geral para
uma confissão de fé em determinado paradigma a discussão. Como “observadora externa” não es-
teórico ou uma explicitação recorrente de prefe- taria apta a identificar os pontos fortes e fracos do
rências normativas. Mas, deve-se esperar sim que estado das artes dessa subárea. Isso é tarefa para
o cientista político tenha claro em que campo teó- a comunidade interna. Considero, porém, legíti-
rico se inscreve seu trabalho e quais os principais mo um esforço de minha parte para sugerir um
competidores desse marco. Isso é condição bási- arcabouço teórico geral onde possa ser situada
ca para que o diálogo intelectual seja frutífero. uma agenda de pesquisa em análise de políticas
Nesse sentido, o primeiro ponto que eu públicas. Entendo a expressão “agenda de pes-
lembraria para uma agenda de pesquisas em po- quisa” no sentido da filosofia da ciência, ou seja,
líticas públicas é que os projetos tenham uma como um programa de trabalho que define uma
sustentação teórica. Isso parece demasiado óbvio comunidade científica. Nesse contexto, minhas
para requerer atenção. Contudo, na prática ve- observações devem ser vistas como considera-
mos que com muita freqüência descuramos des- ções teóricas sobre a inserção de temáticas de
se princípio. Talvez o problema seja mais agudo pesquisa no quadro geral das questões políticas,
na prática do ensino do que na da pesquisa em econômicas e sociais que desafiam o mundo hoje.
políticas públicas, mas em ambos os casos vale a Acho proveitoso partir da constatação de
pena enfatizar que nós nos beneficiamos e mui- que as relações entre recursos de autoridade e re-
to ao adotar uma postura atenta aos parâmetros cursos de mercado, por um lado, e entre critérios
teóricos que modelam nossas análises, por mais de autoridade e critérios de solidariedade, por ou-
empíricas que sejam. tro, passaram por modificações profundas no pe-
O problema inverso deve nos preocupar ríodo histórico recente.
igualmente. Pesquisas e cursos que são rotulados No caso do primeiro pólo, o surpreendente
como análises de políticas públicas, na realidade, revival do liberalismo a que assistimos levou a
apenas se referem a policies, sem tratá-las de for- uma súbita erosão da legitimidade do Estado
ma específica e sistemática. Em muitos casos, a in- como agente econômico no Segundo e no Tercei-
dignação moral é tomada como justificativa teórica. ro mundo. O que mais me impressiona aqui é a
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rapidez com que crenças firmemente estabeleci- mitações paramétricas e voluntarismo. Mas é o se-
das no âmbito da academia e no âmbito dos go- gundo, a comparação sistemática, que nos faculta
vernos foram suplantadas quase da noite para o as condições para checarmos o alcance de nossas
dia. Subitamente, por exemplo, os livros sobre explicações e interpretações. Nunca é demais in-
desenvolvimento e planejamento caducaram, dei- sistir que a comparação é nossa melhor proxi a
xando anômicos os especialistas no assunto. uma situação experimental. Esses seriam, portan-
No caso dos países ex-socialistas, as tendên- to, na minha opinião, os elementos preliminares
cias mais recentes sugerem que tanto o governo de uma agenda de pesquisa em políticas públicas.
quanto o mercado começam a dar sinais de se É preciso assumir o compromisso de articular as
reequilibrarem, mas busca-se avidamente um ar- perspectivas individualista e institucional. Isso me
cabouço teórico e ideológico capaz de sistemati- parece o desafio crucial, desafio que é tanto teó-
zar novos arranjos. Já no caso da América Latina, rico como prático.
se a situação econômica e social é menos anima- Voltemos à linha central de meu argumento,
dora, não deixa de ser claro que o eclipse do Es- a idéia segundo a qual as relações entre autorida-
tado desenvolvimentista deixou um enorme vazio de, mercado e solidariedade passam por mudan-
ideológico que introduz aqui e ali novas incerte- ças profundas no momento atual. No que diz res-
zas políticas. Nesse novo contexto, a análise e a peito à interação entre autoridade e solidariedade,
discussão de políticas públicas pode ser vítima de as transformações não são menos relevantes. As-
um tecnicismo exagerado, e isso é o que muitas sim, por exemplo, as transformações recentes nas
vezes se critica nas análises dos economistas. relações entre o Estado e a nação são igualmente
O problema inverso é também bastante dis- dignas de nota: identidades coletivas são redefini-
seminado, ou seja, a negação dos constrangimen- das por toda parte, cruzando fronteiras e desa-
tos técnicos em favor de uma adesão a-crítica a fiando autoridades nacionais. Mas, na medida em
ideais doutrinários no mais das vezes arcaicos e que a política pública continua sendo definida no
anacrônicos. Pois bem, a nós cientistas políticos, contexto dos Estados nacionais, quero me deter
sociólogos e antropólogos caberia o empenho de apenas em outra dimensão desse relacionamento
analisar policies como práticas políticas, práticas entre autoridade e solidariedade, o que concerne
essas onde a interação entre interesses, valores e às organizações voluntárias – ONGs, instituições
normas merece tanta consideração quanto os cri- filantrópicas etc. Também aqui observamos um
térios técnicos e as restrições orçamentárias. movimento notável em escala mundial que cria
Lembraria também que a erosão do ideário um novo tipo de ator relevante para a prática da
planificador (socialista ou capitalista) deu ensejo política pública, o chamado Terceiro Setor, reino
a uma situação nova onde a formulação de poli- da solidariedade.
cies constitui causa e efeito das mudanças políti- Em síntese, é necessário reexaminarmos as
co-institucionais em curso. Poucas conjunturas relações do Estado com o mercado, por um lado,
são tão propícias a evidenciar a dinâmica interati- e com a sociedade civil, por outro. No primeiro
va entre instituições e motivações individuais. Um caso, parece-me que à área de políticas públicas
programa de pesquisa amplo que se dedicasse a compete, por exemplo, analisar como é que o Es-
explorar essa questão, comparando tanto as di- tado age e/ou poderia agir para assegurar a pro-
versas formas institucionais quanto as motivações visão de bens públicos que não são mais produ-
variáveis de atores estratégicos que atuam nelas, zidos e/ou distribuídos pelo setor público. Nesse
ou com elas, seria extremamente relevante não só sentido, a análise das agências de regulação é um
em termos teóricos, mas também práticos. dos objetos de estudo cruciais. Como são conce-
Quero enfatizar aqui tanto o foco simultâneo bidas essas novas instituições? Quais suas atribui-
na instituição e no ator, como o recurso à compa- ções? Como vêm desempenhando seu papel de
ração. O primeiro aspecto permite-nos captar o articuladoras entre a autoridade pública e o mer-
jogo entre constrangimento e liberdade, entre li- cado provisor de bens públicos? De que maneira
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suas atribuições e prerrogativas constituem obstá- mente de adotar uma postura crítica e analítica
culos ou recursos para a eficácia de políticas pú- ante um ator ainda pouco estudado pela área.
blicas específicas? Enfim, há toda uma série de Também gostaria de ressaltar a importância
questões da maior relevância para a análise de de se inserir no quadro geral de orientações a mo-
políticas públicas que, para serem respondidas, delar uma agenda de pesquisa em políticas públi-
precisam que o formato institucional e a prática cas a questão das tensões e possíveis contradições
dessas agências sejam esclarecidos. entre os princípios orientadores da ação. Univer-
Com relação ao binômio autoridade/solida- salismo e ação focalizada, afirmação da igualdade
riedade, seria de extrema relevância pesquisar os e afirmação das diferenças são termos que po-
novos padrões de funcionamento da política so- voam os discursos de teóricos e práticos sobre a
cial, que conta mais e mais com o voluntariado. afirmação da cidadania. No entanto, a discussão a
Noções como “democracia participativa”, “capital respeito disso poucas vezes se volta para a análi-
social”, “inclusão social”, “governança” e tantas se sistemática de resultados a curto ou a longo
outras que incorporamos ao nosso léxico nas dé- prazo de políticas sociais que privilegiem um ou
cadas recentes têm, certamente, inspirado estudos outro dos termos dessas disjuntivas. Aqui, poder-
de grande interesse e importância. Mas, é oportu- se-ia abrir um amplo leque de estudos extrema-
no lembrar que a componente virtuosa associada mente importantes, tanto no interior da área de
a cada um desses conceitos não nos dispensa do políticas públicas como no âmbito da ciência po-
exame crítico, sem o qual a prática da análise po- lítica como um todo. Isto é, essa discussão diz res-
lítica perde sua dimensão científico-reflexiva para peito ao próprio escopo da cidadania hoje, tema
tornar-se prática política. que se situa no cerne da teoria social e política.
Cabe examinar, por exemplo, as conse- Enfim, essas são minhas sugestões gerais,
qüências do recurso cada vez mais utilizado à preliminares à elaboração de uma agenda de pes-
atuação da sociedade civil em contextos onde a quisa em políticas públicas. Sugestões, conforme
extrema desigualdade torna difícil postular uma já mencionei, de uma simples usuária de resulta-
sociedade civil no singular. Se os custos de orga- dos de pesquisa produzidos pela área.
nização e de participação são tão desiguais den-
tro de um país, faz sentido falar de uma socieda-
de coincidente com o Estado nacional? Não é só
a globalização que coloca desafios ao Estado na-
cional. Interage estreitamente com ela um parale-
lismo entre setores sociais que experimentam
condições e oportunidades de vida tão desiguais.
Nesse contexto, o próprio engajamento da socie-
dade civil pode implicar novas formas de oligar-
quização de recursos.
Ou seja, onde os custos e as oportunidades
de participação dos cidadãos são tão desiguais, os
que já estão incluídos podem vir a aumentar suas
vantagens relativas em relação aos excluídos. A ló-
gica do capital social pode comportar tanta forma-
ção de monopólios quanto a do mercado. O que
estou sugerindo é que a agenda de pesquisa em
políticas públicas deveria incluir entre suas preo-
cupações o exame crítico da interação entre o ator
público e o voluntariado na execução de policies.
Não se trata de demonizar esse ator, mas simples-
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REFLEXÕES LEIGAS PARA OUTSIDER’S CONSIDERA- RÉFLEXIONS LIBRES POUR


A FORMULAÇÃO DE UMA TIONS FOR THE FORMULA- LA FORMULATION D’UN
AGENDA DE PESQUISA EM TION OF AN AGENDA ON PU- AGENDA DE RECHERCHE EN
POLÍTICAS PÚBLICAS BLIC POLICIES RESEARCH SCIENCES POLITIQUES

Elisa P. Reis Elisa P. Reis Elisa P. Reis

Palavras-chave Key words Mots-clés


Teoria e pesquisa; Estado-nação; Theory and research; Nation-State; Théorie et recherche; État-nation;
Autoridade e mercado; Autoridade e Authority and market; Authority and Autorité et marché; Autorité et soli-
solidariedade. solidarity. darité.

O que deve integrar a agenda de To answer the question “what Que doit intégrer l’agenda de recher-
pesquisa da área de políticas públi- should be included in the research che dans le domaine des politiques
cas? Este texto reproduz os comen- agenda of the specialist in public publiques? Ce texte transcrit les com-
tários feitos pela autora a esse pro- policies?” the author chooses to mentaires faits par l’auteur à ce pro-
pósito. A autora destaca, comment on theoretical issues that pos. L’auteur souligne, particulière-
particularmente, a importância da she thinks should not be neglec- ment, l’importance de la dimension
dimensão teórica subjacente às ted. She suggests that the proces- théorique sous-jacente aux questions
questões de pesquisa. Sugere, ain- ses of change that pervade contem- de recherche. Elle suggère aussi que
da, que os processos de mudança porary societies make it necessary les processus de changement qui
que permeiam toda a sociedade to introduce changes also in the passent par toute la société contem-
contemporânea impulsionam tam- theoretical and conceptual frames poraine donnent également une im-
bém mudanças no arcabouço teóri- that inform the way we see the in- pulsion aux changements dans le
co e conceptual que modela a ma- teraction of the nation-state with squelette théorique et conceptuel
neira como vemos as relações do both market and society. qui donne forme à la façon par la-
Estado nacional com o mercado e a quelle nous concevons les relations
sociedade. entre l’État national avec le marché
et la société.

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