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OS TERMOS DO CONTRATO NA CIDADE LIBERAL Eduardo Portella* O discurso liberal, clarificado pelo sistema de iluminacao que o século XVII, e sobretudo o século XVIII, puseram em funcio- namento, sob os auspicios compulsivos da razao, experimentou o seu primeiro choque ao deparar-se com sucessivas sombras no ca- minho radiante do progresso. A aspiracio natural do Século das Luzes consiste em ser nao apenas livre de mas livre para, E por isso mesmo teve de conduzir a sua jornada pelas instancias do poder. Tratava-se de libertar-se de modelos institucionalizados, alguns desde a longinqua cena medieval, porém libertar-se para uma encarnacgéo do poder. certo que todo esse movimento emergente e laborioso ja- mais se apresenta como um bloco uniforme, como uma avalanche que atingisse por igual as diversas esferas. O seu tracado é antes picotado, intermitente, alternando avancos e recuos. Mais do que “na unidade do seu pensamento origindrio e do seu pensamento determinante”!, o Setecentos deve ser visto como “uma idade de profundes contrastes”’. Nao nos cabe estranhar se, em meio a0 individualismo classista que a época forjou, encontrarmos, exultan- te, uma inteligéncia monopolistica ou excludente. Os fildsofos, os intelectuais, os letrados, tinhem dificuldades em colocar o idioma * Ensafsta e professor da UFRJ. CASSIRER, Ernst. La philosophie des lumiéres. Traduit de l'allemand et présenté par Pierre Quillet. Paris, Fayard, 1966. 351 p (Collection Vhistoire sans frontiéres). 2 DIECKMANN, Herbert. Iluminismo e Rococd. Bologna, 11 Mulino, 1979. 211 p (Saggi, 193). 38 privado, purista e formalista, a servico da grande legenda daquela hora: a “felicidade piblica”. A época fez o percurso inverso do so- nho emiliano: perverteu-se. Perverteu-se gramaticalmente, nos mol- des de Port-Royal. A inteligéncia mitificada se expande como atributo autorit4- rio, em registro ainda hoje facilmente perceptivel. As margens culturais, vistas sob o prisma do centro opulento, sao estigmatiza- das como particulas inferiores ou residuos coletados pela barbdrie da desinteligéncia. O Iluminismo parte do pressuposto de que a razdo constitui © principio de tudo. Deus e os homens sao expressées suas. Nao supondo que, ao procurar provar que Deus existe, ele apenas afir- ma que a razao é divina, deixando-se conduzir pelo funda teolégico que o perseguira sempre. Estamos imersos num longo periodo judicial, onde se arti- culam engenhosamente as leis da natureza (Rousseau), as leis da tazao (Kant), as leis da histéria (Hegel). Em Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em que pese a sua localizacao cronolégica, jA se instaura a prospeccdo da sintese. Até porque a idéia do con- trato — o lugar da conciliacaio entre a animalidade e a humani- dade, entre a natureza e a cultura —, a prépria estrutura juridica desse protocolo de “trocas justas”, no qual as partes intervenientes Se obrigam e se reprimem reciprocamente, nao deixa de peutar-se pela antevisao da sintese. O consenso, que constitui o suporte legalizador das relacdes dos cidadaos entre si, e deles com o estado, é um contrato de jus- tiga social. O direito politico ancora na palpitacdo plebicitaria. A legitimidade, a liberdade politica sustentada pela norma, vai bus- car o seu sentido na “vontade geral”*. O povo, o conjunto das vontades individuais, é titular de um indivisivel direito de sobe- rania, em nenhuma hipétese passivel de cesséo. Mesmo o poder executivo eleito — o unico admissivel —, é provisério e revogével, devendo ser entendido come uma mera comissao, E que a teoria rousseauniana da legitimidade esforca-se tenazmente pela divisio do poder. Mas em nenhum instante o contrato abriu mao do aval ético, uma vez que o homem se mantem, ileso, enquanto entidade racional e moral. A reciséo contratual aparece prematuramente tachada de licenciosa. A surpresa ou o escdndalo que esse contratualismo possa pro- vocar reside, especialmente, na circunstancia de que, nesse mo- 4 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Oeuvres Complétes IIT. Du Contrat Social Ecrits Politiques. Paris, Gallimard, 1964. p. 365 (Bibliothéque de la Pléiade). 39 mento, diferentes motores libertérios preparam-se para decolar. Deixam de levantar ydo, no entanto, porque o liberalismo auto- contemplativo pensa a liberdade, sem questioner os limites da li- berdade. E é dentro desse quadro partido que irrompe um peculia- rissimo protagonista das Luzes, o intelectual, “orgdnico” ou inor- ganico, filho dileto de sua classe ou herdeiro bastardo do mundo. O governo da sintese, As voltas com o seu reducionismo tio engenador quanto persistente, nfo consegue dissimular o sotaque autoritério: quando fala, grita; quando aponta, elimina. De qualquer modo, irrompe neste momento a significacao maior do debate, o exercicio do didlogo, o intercAmbio de opinides, os diferentes géneros parecem transformar-se numa _ publicistica full time, Poderiamos perguntar: pratica politica ou apologética da razio? Uma e outra, certamente. © préprio trabalho intelectual pretende coletivizar-se, e a En- ciclopédia 6 ao mesmo tempo a suma e o modo de producao. Fal- sificada, no entanto, pela miragem de um universalismo ambicioso e esquemiatico. Quando Rousseau pergunta “quem sou?”, ele promove o re- encontro do outro, avanca legionariamente para além do egoismo que se mantinha trancado, sob as sete chaves do cogfto cartesiano. Rousseau assediou paradoxalmente a sintese. Foi, entretanto, me- nos na sintese ambicionada, do que no paradoxo experimentado, que a sua palavra alcancou a “trensparéncia” necessdria, em meio ou por cima de “obstaculos”! reconhecidos. As construgdes para- doxais, em virtude do seu raio de alcance, absorvem igualmente as possibilidades do dissidio. O contrato é a procura da sintese — aspiracio natural da época. O paradoxo reabre ou inviabiliza as sintetizacdes, e redistribui ou moderniza o discurso, A sintese, que escolhe agora a educacfo e a revoluc&o como sede e cidadela, re- conheceraé sempre mais, na arte, na religiao, na idéia da histéria ou na histéria da idéia, a sua residéncia definitiva. Se a teoria politica advoga a lei legitima e alarga-se, a teoria da arte cultua o cédigo até o estranho limite da submissao. E que no centro da construgo prometida, ainda impera o mito da “per- fectibilidade”, muito embora a rezio apaixonada de Rousseau con- fira uma oportuna vibracfo existencial aos dispositivos contratuais, Ele nao dispée, nem poderia dispor, dos trunfos dialéticos que o idealismo posterior colocaria em circulacio. Mas a pergunta iden- tificadora — “que sou eu?” —, traz dentro de si também a dife- 4 STAROBINSKI, Jean. J.-J. Rousseau La transparence et lobstacle. Suivi de Sept essais sur Rousseau. Paris, Gallimard, 1971. 40

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