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OS DESAFIOS PROPOSTOS PELO PENSAMENTO

SISTÊMICO E A RESISTÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES:


UMA ANÁLISE DO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

AMÁLIA KRÖNING1 - ROBERTO DA LUZ JÚNIOR2

Resumo INTRODUÇÃO
Partindo da idéia de esgotamento do paradigma
cartesiano, o artigo discute a importância dos desafios a Com o presente estudo, por meio de
serem enfrentados pela universidade frente à emergência
de um novo modelo de pensamento, centrado na visão referências bibliográficas selecionadas, pro-
sistêmica (ou holística), que objetiva uma percepção aca- cura-se introduzir alguns questionamentos
dêmica mais ampla da realidade e, ao mesmo tempo, mais
fidedigna à sua função social. sobre a necessidade de um desenvolvimen-
Palavras-chave: paradigma cartesiano; concep- to contínuo do conhecimento e sua aplica-
ção sistêmica; desafios universitários.
ção no ambiente universitário, em face dos
obstáculos conjunturais que compõem a
Abstract
sociedade contemporânea.
Departing from the idea of the Cartesian paradigm A justificativa para sua elaboração re-
exhaustion, the article discusses the importance of the
challenges to be faced by the universities before the urgent side numa tentativa de despertar o interes-
need for a new model of thinking centered in the systemic se pelo tema, como o subseqüente
(or holistic) vision. This model would lead to a broader
academic perception of reality and remain, at the same aprofundamento de seu conteúdo. Busca-
time, truthful to its social function. se, assim, a possibilidade de que sejam ge-
Keywords: Cartesian paradigm; systemic notion;
academic challenges. rados questionamentos e reflexões, na ten-
tativa de disseminar o conhecimento
sistêmico e aplicá-lo ao cotidiano universi-
tário.
Tendo em vista o interesse desperta-
do pela matéria, objetiva-se analisar alguns
de seus aspectos fundamentais, bem como
associar sua teoria ao ensino, gestão, pesqui-
sa e extensão, bem como aos demais aspec-
tos que compõem a vida acadêmica.
Constatado o mal-estar vivido pela
1
Especialista em Administração e Gestão Pública – UFSM/RS.
Servidora Técnico Administrativa da Universidade Federal de
sociedade como um todo, no qual se inclui
Santa Maria/Coordenação do Curso de Ciências Econômicas uma profunda crise de valores, admite-se
do CCSH/UFSM/RS.
2
Mestre em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo que é necessária a mudança na produção do
– USP. Professor Titular do Departamento de Ciências conhecimento, visando à superação de suas
Econômicas da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM/
RS. posturas cartesianas, garantindo a sobrevi-

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vência de conquistas históricas adquiridas ção subsidiária, senão incompatível com o


com a autonomia universitária. objeto de estudo acadêmico (Rossato, 2006,
Na tentativa de responder a essas pro- pp. 21-25). Daí a crença de que, à luz da
postas, num primeiro momento, faz-se uma razão, o todo poderia ser compreendido a
introdução acerca dos princípios que confe- partir da verificação das propriedades que
rem sustentabilidade teórica ao assunto. Em articulam as suas partes - não sendo possí-
seguida, busca-se apresentar uma aborda- vel que as mesmas fossem analisadas de
gem das organizações humanas sob a pers- maneira ulterior, salvo se reduzidas em fra-
pectiva do pensamento sistêmico. Por fim, ções ainda menores.
traça-se uma reflexão acerca dos desafios a Como reflexo dessa limitação herme-
serem enfrentados pelas universidades no nêutica, a razão prática impôs ao pensamen-
contexto conhecido como pós-moderno. to moderno inúmeros sacrifícios, acabando
por induzir à incompreensão da própria es-
1 A FALÊNCIA DO PARADIGMA sência humana. Isto porque trouxe consigo
MODERNO um generalizado mal-estar coletivo, a con-
trastar com seu relativo grau de desenvolvi-
Uma revisão histórica sobre o assunto mento tecnológico e científico4 .
evidencia que as idéias de Descartes foram Condenado o homem ao determinis-
determinantes à consolidação do sistema mo de seu suposto progresso econômico e
capitalista, em se orientando o pensamento político, a fragmentação do conhecimento
moderno pelas fórmulas de cunho pragmá- conduziria a humanidade a uma crise sem
tico. Trata-se de uma concepção filosófica precedentes em sua história. O colapso des-
que, a partir do século XVIII, passa a me- se sistema mostra-se ainda mais evidente
nosprezar os aspectos subjetivos no âmbito quando somado às críticas pela ausência de
da ciência oficial, conduzindo a uma altera- perspectivas comuns, pela fragilidade das
ção nas formas de analisar e interpretar o estruturas ético-morais e pela excessiva
mundo, em detrimento de uma perspectiva competição e individualismo5 .
mais abrangente do conhecimento. Submetido o método cartesiano a se-
Apoiado nas descobertas das leis da veras críticas e questionamentos, enquanto
mecânica e da física moderna, o método modelo para o implemento das promessas
cartesiano acabou por deslocar, em definiti- liberais, admite-se a necessidade de sua real
vo, o eixo de base científico, a ser consoli- superação, em vista de uma nova ciência
dado pelos avanços estruturais no sistema contemporânea (Capra, 2004, p.23). Nesse
de produção (Rossato, 2006, pp. 23-27). sentido é que se busca introduzir algumas
Nesse contexto é que a razão foi elevada à noções sobre o tema proposto, buscando
condição de verdade última, passando a ocu- persuadir e despertar o interesse acadêmi-
par lugar de destaque no ocidente, porque
decisiva ao seu desenvolvimento estrutural.
Em atenção a esses critérios, a preci-
são lógica e empírica3 é adotada como crité- 4
Para maiores aprofundamentos vide, entre outros: HALL,
Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
rio de cientificidade, fazendo com que os Janeiro: DP&A, 1999; FROMM, Erich. Ter ou ser? 4. ed. Rio
valores conotativos passem a ocupar posi- de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1987.
5
A competição e o conflito podem assim ser identificados como
processos sociais dissociativos, em que o primeiro,
diferentemente do segundo, é contínuo, impessoal e
inconsciente. A sua forte presença no seio da sociedade moderna
3
Qualidade daquele que procede, exclusivamente, da encoraja o consumo desenfreado e a hostilidade interpessoal,
experiência científica (Japiassú, 1996, p. 80), podendo também mostrando-se a regra do livre mercado contrária às finalidades
ser associado ao racionalismo, ao fisicalismo, ao positivismo últimas do Estado (OLIVEIRA, 2001, pp. 07-13), porquanto
lógico e ao neopositivismo. se apoie num agressivo processo de desestabilização social

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co pelas questões ligadas à dimensão priedades essenciais integram as proprieda-


holística6 . des do todo. E mesmo que fosse possível
discernir partes individuais em qualquer
2 A EMERGÊNCIA DE UM NOVO modalidade de sistema, essas não são isola-
MODELO: PRINCÍPIOS QUE das, de maneira que a natureza do todo apre-
FUNDAMENTAM A senta sempre diferenças significativas quan-
SUA TEORIA do comparada à mera soma de suas partes.
Dessa forma, a emergência do pensa-
No decorrer do século XX, processa- mento sistêmico acabou por romper com
se a ascensão de um outro modelo de pen- uma ditadura reducionista da cultura oci-
samento, na medida em que se observa a dental, tendo seu mais expressivo reflexo
falibilidade das certezas mecanicistas. To- na percepção de que não é possível com-
davia, esse processo de mudança não se dá preender os sistemas valendo-se de uma
de forma abrupta nem uniforme (Capra, apreciação meramente racional (Capra,
2004, p. 33), uma vez que é confrontado por 2004, p.49). Consolida-se, assim, a possibi-
resistências e oposições no meio científico. lidade de que sejam gerados questiona-
As tendências desse pensamento sur- mentos de caráter não empíricos, cujas re-
giram, na primeira metade do século XX, flexões não têm o intuito de encontrar ver-
em meio às mais diversas especialidades do dades absolutas.
conhecimento (Capra, 2004, pp. 33-35). Esse é, pois, um elemento interpre-
Seus pioneiros foram, contudo, os biólogos, tativo determinante na abordagem
ao enfatizarem a concepção dos organismos sistêmica, na medida em que objetiva,
vivos como totalidades integradas, sendo exaustivamente, obter o conhecimento ape-
sucedidos pelos psicólogos, pelos ecologis- nas aproximado das coisas. De acordo com
tas e pelos físicos - ramo em que exerce sua essa postura, reconhece-se que todas as con-
maior influência, especialmente junto aos cepções e todas as teorias científicas são li-
quânticos). mitadas e aproximadas (Capra, 2004, pp. 48-
A partir dessas considerações, torna- 49), uma vez que a ciência, em circunstân-
se possível relacionar alguns elementos que cia alguma, pode fornecer uma compreen-
fundamentam essa teoria, a começar pelo são completa e definitiva.
seu mais amplo e decisivo aspecto, que tra- Um segundo aspecto da teoria
ta de uma mudança de foco - das partes sistêmica diz respeito à percepção do mun-
para o todo. Em consonância com essa per- do vivo como uma de rede de relações
cepção, as propriedades fundamentais de (Capra, 2002, pp. 278-279). Daí resultar a
um determinado organismo integram a pro- contemplação do universo como uma dinâ-
priedade do todo, a qual nenhuma das par- mica conexão de eventos inter-relacionados,
tes possui7 . sem que quaisquer propriedades de partes
Os sistemas vivos configuram-se, as- possam ser consideradas mais importantes
sim, como totalidades integradas (Capra, que outras, vez que somente a consciência
2004, p. 43), em que não é possível reduzir global de suas inter-relações é capaz de de-
às partes menores, de forma que suas pro- terminar a estrutura de toda a teia

6
Devido ao fato de que as redes de comu-
Do grego holos, que concebe o mundo como um todo
integrado e não como fragmentos desencontrados. nicação podem gerar laços de realimenta-
7
As propriedades advêm da interação e do relacionamento ção, ela podem adquirir a capacidade de
estabelecido entre as partes (Capra, 2004, p. 46), de maneira
que podem ser destruídas no momento em que o sistema é
regular a si mesmas. Por exemplo, uma
dissecado, tanto no aspecto físico quanto teórico, em elementos comunidade que mantém uma rede ativa
isolados.

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de comunicação aprenderá com seus er- complementaridade, essencial tanto ao de-


ros, pois as conseqüências de um erro se senvolvimento da física quântica quanto ao
espalharão por toda a rede e retornarão da biologia sistêmica, apresenta-se como
para a fonte ao longo de laços de reali-
mentação. Desse modo, a comunidade
uma questão determinante no campo aca-
pode corrigir seus erros, regular a si mes- dêmico que privilegie a ótica do todo.
ma e organizar a si mesma. Realmente, Além da complementaridade, Capra
auto-organização emergiu talvez como a (2002, pp. 277-280) também destaca as ten-
concepção central da visão sistêmica da dências auto-criativas que os organismos
vida, e, assim como as concepções de rea- vivos apresentam como uma potencialidade
limentação e de auto-regulação, está es-
inerente para superarem a si próprios, com
treitamente ligada a redes. O padrão da
vida, poderíamos dizer, é um padrão de o propósito de desenvolver novas estrutu-
rede capaz de auto-organização. Essa é ras e espécies de comportamento9 . Nesse
uma definição simples e, não obstante, sentido, essa superação criativa conduz, em
baseia-se em recentes descobertas feitas busca da novidade, no tempo adequado, a
na própria linha de frente da ciência um desdobramento ordenado da complexi-
(CAPRA, 2004, p. 78). dade, que se demonstra como uma proprie-
dade essencial da vida e uma característica
A potencialidade de deslocar o foco de básica do universo.
atenção de uma direção para a outra confi- De acordo com uma concepção
gura-se como mais uma característica do sistêmica da vida, os sistemas vivos criam-
pensamento sistêmico (Capra, 2004, p. 45). se e recriam-se de maneira contínua, medi-
Em todo o mundo vivo, é possível encon- ante a transformação ou a substituição de
trar sistemas aninhados dentro de outros sis- seus componentes (CAPRA, 2005, p. 112).
temas, de forma que seja possível aplicar os Passam por mudanças estruturais contínu-
mesmos conceitos aos mais diversos orga- as e, simultaneamente, preservam os seus
nismos. padrões de organização em teia10 .
Sob outra perspectiva, é possível tam-
bém identificar que diferentes níveis de um 3 A ABORDAGEM DAS
sistema constituam diferentes graus de com- ORGANIZAÇÕES A PARTIR DE
plexidade, sem que haja prevalência ou hi- UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA
erarquia entre si (Capra, 2002, pp 279-280).
E no momento em que essa abordagem é Já no princípio da década de 50, o pen-
aplicada à ciência, denota-se que os fenô- samento sistêmico vem apresentar uma sig-
menos descritos pela física não são mais nificativa influência sobre os ramos da en-
importantes do que aqueles descritos pela genharia e da administração (Capra, 2004,
biologia ou pela psicologia, vez que essas pp.71-73), especialmente no que se refere
disciplinas pertencem a diferentes níveis
sistêmicos, com propriedades emergentes
específicas.
Evidencia-se, com isso, essa configu-
para o sujeito construir a si mesmo e, ao mesmo tempo, ir-se
ração como uma realidade integrada por construindo no processo de trocas que estabelece com outros
mais diferentes saberes, fazendo com que sujeitos. (Giordani, 2000, p. 89)
9
Pela noção de autopoiese, considera-se que tudo o que é vivo é
uma desejada ótica acadêmica (ou científi- autocriativo – sendo os organismos, como sistemas vivos,
também autopoiéticos, criadores de si próprios (Vaitsman, 1995,
ca) possa ser apreendida a partir de uma pp. 02-04).
perspectiva complementar8 . Essa noção de 10
Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes podem
ser compreendidas somente a partir da organização de uma
totalidade. Conseqüentemente, o pensamento sistêmico está
8
No ambiente acadêmico, como exemplo, a metodologia concentrado não em blocos de construção básicos, mas sim em
interdisciplinar deriva dessa visão de conjunto que possibilita princípios básicos de organização.

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à cibernética11 aplicada à resolução de pro- essa mesma razão, também nas organizações
blemas práticos. Essas aplicações originaram sociais, a criação, seleção e difusão das in-
novos conceitos na área de engenharia/aná- formações tornou-se uma das características
lise de sistemas, bem como na da adminis- mais essenciais à dinâmica cultural.
tração organizacional. O emprego dessa ótica sistêmica à te-
Assim, na medida em que as empre- oria administrativa possibilitou a difusão de
sas foram ampliando o grau de sua comple- estudos sobre as condições em que melhor
xidade, por meio do desenvolvimento de ocorrem, efetivamente, a criação e o apren-
novas tecnologias químicas, eletrônicas e de dizado, contribuindo para a formulação de
comunicação, tanto administradores quan- importantes diretrizes aplicáveis às organi-
to engenheiros precisaram preocupar-se não zações humanas (Capra, 2005, pp. 113-114).
somente com o grande número de seus com- Por este motivo é que a concepção básica
ponentes individuais, mas também com os da administração organizacional, subjacente
efeitos advindos de suas interações mútuas tanto à teoria quanto à sua prática, passou a
(Capra, 2004, pp. 72-74), no que diz respei- ser orientada pelos objetivos condizentes
to, respectivamente, aos sistemas físicos e com aqueles mesmos princípios.
organizacionais. Conseqüentemente, para bem dirigir
Além disso, agrega-se o fato de que a uma organização, um administrador precisa
compreensão das organizações pós-moder- compreender, de maneira detalhada, como
nas carece da percepção de suas mais ínti- ocorre o seu funcionamento e, também,
mas mudanças – aspecto esse que revela a como seus inúmeros componentes
complexidade desse desafio. Isto se dá pela (insumos, qualificação da mão-de-obra, ex-
velocidade/voracidade das transformações pedientes financeiros, análise de mercado,
trazidas pela revolução tecnológica e que a estratégias de vendas, etc.) estão fundamen-
vinculam, essencialmente, ao processo de talmente ligados entre si (Capra, 2005,
criação, seleção e difusão das informações. p.112). Para melhor elucidação do assunto,
Procurando adaptarem-se a essa nova é possível valer-se, inclusive, da utilização
realidade, engenheiros e administradores, de alguns recursos neurolingüísticos que
em médias e grandes organizações, formu- bem identificam essa perspectiva de inter-
laram estratégias e metodologias baseadas, relacionamento.12
explícita ou implicitamente, em concepções De qualquer forma, observa-se que a
sistêmicas (Capra, 2004, pp. 73-75). Daí ele- velocidade das transformações sociais e a
mentos como a administração do conheci- célere evolução da ciência exigem uma mai-
mento, o capital intelectual e o aprendiza- or agilidade e eficiência às organizações
do nas organizações ganharem novos e im- humanas (Capra, 2005, pp. 120-112). Essa
portantes conceitos (Capra, 2005, pp. 112- dinâmica contemporânea indica que uma
114). série de elementos precisam ser redefinidos,
Um exemplo claro dessa postura diz especialmente no âmbito universitário, em
respeito à constatação de que a elevação dos se exigindo uma formação acadêmica inte-
lucros não advém, tão somente, do aspecto
quantitativo da produtividade, mas também 12
Trata-se da utilização de metáforas (Capra, 2005, pp.112-114)
da capacidade de qualificação do produto que contemplam a organização ora como uma máquina,
direcionada para o controle e a eficiência; ora como um
por meio de novas técnicas/habilidades que organismo, ao incluir elementos para o seu desenvolvimento e
o tornem mais atraente e competitivo. Por adaptação; ora como um cérebro, referindo-se à aprendizagem
organizativa; ora como cultura, englobando valores e crenças e
ora como um sistema de governo, permeado por conflitos que
envolvem interesses e poderes. Busca-se, com isso, conciliar
uma ótica administrativa que se torne sensível às questões
11
Ciência do controle da comunicação no animal e na máquina. biológicas e cognitivas da vida, bem como à sua dimensão social.

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gral - não somente técnica, mas também das por aquelas possam ser permeadas/mo-
humanística – passível de contornar as mais dificadas por estas, permitindo que os indi-
diversas complexidades e desafios da soci- víduos possam valer-se de seu poder criati-
edade contemporânea. vo (Capra, 2005, pp. 121-123) diante das si-
tuações mais imprevisíveis. Portanto, o ide-
Nessa perspectiva, as universidades bra- al é que a organização formal seja capaz de
sileiras têm um papel estratégico a cum- reconhecer e apoiar as suas redes informais
prir: de funcionamento que, com isso, podem
atravessar seus muros e buscar novos
interlocutores, especialmente os menos
incorporar inovações à sua estrutura e fun-
letrados,demandantes do conhecimento cionamento.
acadêmico acumulado. Esse é o caminho Dessa forma, na extensão de flexibili-
para pôr em cheque o próprio conheci- dade quanto à delegação de competências
mento produzido intramuros sobre os pro- às comunidades informais é que se identi-
cessos sociais e políticos em curso e para fica, ainda que parcialmente, o potencial
se apropriar das percepções e experiênci-
criativo e a capacidade de aprendizagem de
as vividas e elaboradas pelos atores soci-
ais excluídos das universidades (LAGO, uma organização (Capra, 2002, p. 125). Tal
2007, p. 03) afirmação nos conduz a acreditar que a al-
ternativa mais eficiente para intensificar
Sob outra perspectiva, ligada ao estí- aqueles mesmos aspectos numa instituição
mulo à qualidade, empregadas nas diversas universitária consiste em prestar confiança,
áreas, refere-se a necessidade de restabele- apoio e fortalecimento às suas comunidades
cer a identidade dos indivíduos com a insti- de prática14 .
tuição, além de resgatar a participação de Essa idéia de oferecer impulsos signi-
seus recursos humanos. Essas são, pois, es- ficativos ao invés de instruções precisas
tratégias que não poderão ser ignoradas pelo pode parecer vaga demais aos administra-
administrador (Brasil, 1998, p. 2), vez que dores tradicionais, acostumados a buscar
fundamentais à melhoria da gestão univer- níveis mais elevados de eficiência contan-
sitária, à eficiência/diminuição de gastos ina- do apenas com resultados previsíveis. No
dequados e à estruturação acadêmica mais entanto, segundo Capra (2005, pp. 123-124),
adequada ao desenvolvimento de sua pro- quando as pessoas modificam as instruções
dutividade. que recebem, estão respondendo de forma
Para conduzir ao nível máximo sua criativa a um desafio que, resumidamente,
potencialidade de criação e de aprendiza- constitui a essência da vida.
do, faz-se também fundamental que se com- Por meio dessas respostas criativas, as
preenda o relacionamento existente entre redes vivas15 no interior das organizações
as estruturas formais e informais da institui- geram e comunicam significados, consoli-
ção13 , de modo que as políticas desenvolvi- dando a sua liberdade de recriar-se conti-

13
Compreendem as estruturas formais um conjunto de regras e oscilantes, de modo que essas comunicações possam configurar-
regulamentos capazes de definir as relações entre as pessoas e se como formas não verbais de participação num
as tarefas que determinam a distribuição do poder. Seus limites empreendimento conjunto, por meio das quais são permutadas
são demarcados por acordos de nível contratual, os quais habilidades e geradas práticas costumeiras.
14
delineiam subsistemas, isto é, departamentos e funções Trata-se de redes sociais autogeradoras, compostas por
adequadamente definidas. Essas estruturas podem ser indivíduos que compartilham ideais, conhecimentos e regras
identificadas nos documentos oficiais da organização, incluindo de conduta comuns, além de um espírito de coletividade.
15
seus organogramas, estatutos, manuais e orçamentos, os quais Redes vivas são aquelas sensíveis às mudanças estruturais de
descrevem as políticas, as estratégias e os procedimentos uma organização, isto é, capazes de compreender e colaborar
(formais) da universidade, geralmente detalhados em seu plano (reagir) com as instruções recebidas, porquanto seus indivíduos
de desenvolvimento. Por sua vez, as estruturas informais são estejam, de fato, envolvidos na dinâmica de uma mesmo
configuradas por meio de redes de comunicações fluidas e processo.

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nuamente. Assim, ainda que se obtenha dens hierárquicas - dentro de um parâmetro


uma resposta passiva (Capra, 2005, p. 124), de razoabilidade - ao mesmo tempo em que
essa pode ser identificada como uma ma- compartilham as experiências adquiridas no
neira pela qual as pessoas expressam a sua exercício dessa prática funcional - constitu-
criatividade, vez que a obediência estrita indo resultados satisfatórios sob o prisma
apenas pode ser obtida à custa da vitalida- humano e administrativo.
de das pessoas,. E se organizações humanas são mes-
Essa afirmação ganha uma especial mo constituídas por estruturas projetadas e
importância no contexto das universidades, emergentes, ambas essas modalidades es-
pelo fato dessas instituições estarem volta- senciais ao seu funcionamento16 . Entretan-
das à produção dos saberes. Por esse racio- to, no contexto pós-moderno, as estruturas
cínio, a compreensão de suas resistências ao formais e projetadas parecem não apresen-
pensamento sistêmico pode ser de grande tar a capacidade de aprendizado e
valia, possibilitando uma melhor desenvol- reatividade necessárias, tornando-se facil-
tura de suas funções que lhe são peculiares. mente defasadas.
Nesse contexto, o desafio reside em Isso não significa afastamento das es-
tornar esse processo de mudança significa- truturas projetadas em favor das emergen-
tivo para as pessoas, assegurando a sua par- tes porquanto (Capra, 2005, p. 132), em inú-
ticipação de maneira a proporcionar um meras situações, faz-se necessário desenvol-
ambiente em que a criatividade possa ser ver redes informais, além de canais de co-
estimulada (Capra, 2005, pp. 123-125). A municação e, em outros momentos, estru-
postura de oferecer princípios orientadores, turas firmes com propósitos concretos, além
ao invés de instruções rígidas, implica trans- de um cronograma definido ao redor do qual
formações significativas (Capra, 2005, pp. possa estruturar-se. Portanto, um dos maio-
125-127) por converter relações de domínio res desafios para as instituições universitá-
em relações de cooperação e parceria. rias torna-se o de localizar um ponto de equi-
Essa conversão equivale a uma mu- líbrio entre a criatividade de um surgimento
dança de poder coercitivo (que usa a amea- espontâneo e a estabilidade de um planeja-
ça de sanções para impor ordem e obediên- mento.
cia) e compensatório (que oferece incenti- A grande problemática é que as orga-
vo e recompensas financeiras) para um po- nizações humanas, como regra geral, não se
der condicionado (que por intermédio da configuram apenas como comunidades
persuasão e da educação, busca tornar sig- interdependentes, mas também instituições
nificativas as instruções proferidas). Além que se projetam num determinado contex-
do mais, essa postura parece dar vida às or- to social e econômico. Ocorre, porém, que
ganizações humanas, por meio do fortaleci- esse ambiente nem sempre é favorável à
mento de suas comunidades de prática ótica sistêmica, mostrando-se, não raras ve-
(Capra, 2005, p. 127), elevando não apenas zes, uma ameaça aos fins a que se destinam
sua criatividade e potencial de aprendiza- secularmente essas instituições.
do, mas também sua dignidade e conside-
ração. 16
Entende-se por estruturas projetadas ou planejadas as estruturas
Conseqüentemente, o poder incorpo- formais que integram os planos e metas oficiais da organização,
proporcionando as regras e rotinas básicas ao efetivo
rado pelas estruturas formais de organiza- funcionamento da organização, sendo responsáveis pela sua
ção passa a ser selecionado, modificado ou ordem e estabilidade. Já as estruturas emergentes são criadas
pelas informais da organização e, também, pelas comunidades
adaptado (segundo as necessidades do caso de prática, sendo responsáveis por oferecer novidade,
concreto) pelas comunidades de prática que criatividade e flexibilidade, apresentando características como
a versatilidade e a facilidade em adaptar-se, com maior potencial
criam suas próprias interpretações das or- a mudanças e evoluções.

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4 UM OLHAR SISTÊMICO a expansão do ensino universitário no país


DIRECIONADO AOS DESAFIOS foi acompanhada pela significativa redução
IMPOSTOS À UNIVERSIDADE dos recursos públicos e pelo forte controle
político exercido pelo Estado. Nesse senti-
As profundas modificações econômi- do, o estabelecimento de metas e padrões a
cas, sociais e políticas ocorridas nas últimas serem desenvolvidos pela Universidade,
décadas têm induzido ao questionamento fundados em critérios quantitativos (relaci-
do sentido e das finalidades universitárias, onados ao número de alunos atendidos) bem
repercutindo essa discussão sobre os seus revela uma exclusiva preocupação do Esta-
mais íntimos institutos. Caracteriza-se, pois, do na administração de recursos, quiçá
esse fenômeno mundial, de grande abran- objetivando desobrigar-se de suas funções
gência e dinamicidade, pela introdução de constitucionais para com a Educação.
novas tecnologias que tornam relativas as
Reduzida à sua faceta administrativa,
concepções de espaço e de tempo, poten-
a idéia de gestão universitária fez-se apro-
cializando a interatividade e a transmissão
ximar, em muito, a de grandes empresas,
de informações.17
sujeitando-se às mesmas imposições do
E, em se transformando a informação
mercado. Resta, com isso, absorvida pelas
e o conhecimento em requisitos indispen-
sáveis para a sociedade contemporânea, re- mesmas incertezas do âmbito econômico e
velam-se profundas transformações nas for- político, na medida em que prioriza o em-
mas de produção e relações sociais, bem prego dos recursos (públicos e privados) sob
como na estrutura e funcionamento das mais o domínio de regras estranhas à sua finali-
diversas organizações. Dão-se essas princi- dade.
pais mudanças em função de um processo
de universalização de acesso ao ensino su- Desde suas origens, a universidade bus-
cou efetivar os princípios de formação,
perior e da revisão de orientações na forma-
criação, reflexão e crítica, tendo sua legi-
ção acadêmica (Zabalza, 2004, pp. 23-25),
timidade derivada da autonomia do saber
passando pela simultânea redução de inves- ante a religião e o Estado. No contexto
timentos públicos18 . atual, a universidade vem perdendo essa
Essa incorporação da Universidade à característica secular de instituição social
dinâmica social importa, contudo, em alte- e tornando-se numa entidade administra-
rações significativas para o seu desenvolvi- tiva; ou seja, atuando segundo um con-
mento e compromissos historicamente as- junto de regras e normas desprovidas de
sumidos (Americano, 1980, p. 18)19 , vez que conteúdos particulares, formalmente apli-
cados a todas as manifestações sociais.
Transmudou-se numa entidade isolada,
17
Com o desenvolvimento do setor quaternário, a informação cujo sucesso e eficácia são medidos em
passa a ser matéria-prima e o seu processamento a base do referência à gestão de recursos e estraté-
sistema econômico vigente (Flecha, 2004, pp. 24-25). Em meio
a explosão de fontes informativas e a pluralidade dos modos de gias de desempenho, relacionando-se com
pensar, a seleção e o processamento das informações tornam- as demais por meio da competição. En-
se imprescindíveis à sobrevivência no mundo contemporâneo.
18
Com repercussão direta em suas propostas de formação e
quanto entidade administrativa, é regida
organização de recursos, essas mudanças submeter-se-iam, na por idéias de gestão, planejamento, pre-
Universidade, à dialética de forças contrapostas ligadas à a) visão, controle e êxito, não lhe competin-
pressão da globalização e internacionalização dos estudos e dos
pontos de referência e à b) crescente tomada de consciência da
do discutir ou questionar sua existência e
importância do contexto como fator determinante do que ocorre função social (PIMENTA, 2002, p. 168).
em cada Instituição, bem como das dificuldades para aplicação
de regras ou de critérios gerais.
19
V.g., a quantidade de laboratórios e núcleos de pesquisa Atualmente, as grandes problemáticas
existentes na Universidade, em confronto com a escassez de
centros de pesquisas no país, públicos ou privados, aliado à
que permeiam as instituições de ensino
ausência de incentivos públicos e investimentos no setor, induz apresentam a tendência cartesiana de serem
a consolidação de um estreito intercâmbio entre a Universidade
e os setores primário, secundário e terciário. reduzidas a termos de ordem quantitativa

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E A RESISTÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES:UMA ANÁLISE DO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

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ou, como aponta Morin (2005, p. 99), “mais Contrariamente à opinião hoje difundida,
créditos, mais ensinamentos, menos rigidez, o desenvolvimento das aptidões gerais da
menos matérias programadas, menos carga mente permite o melhor desenvolvimen-
to das competências particulares ou
horária”. Como extrema habilidade e suti- especializadas. Quanto mais desenvolvi-
leza, o Mercado tende a impor suas própri- da é a inteligência geral, maior é a sua ca-
as regras, sem maiores preocupações com pacidade de tratar problemas especiais. A
sua conveniência. E, por ambicionar exclu- educação deve favorecer a aptidão natu-
sivamente a competitividade e o lucro, seus ral da mente para colocar e resolver os
interesses nem sempre coincidem com os problemas e, correlativamente, estimular
o pleno emprego da inteligência geral
do conhecimento e do saber.
(MORIN, 2005, p.22).
Identifica-se, com isso, a necessidade
de proteger a Universidade de certas estra-
O bloqueio suscitado pela necessida-
tégias de legitimação e práticas de merca-
de de reformar as mentes para reformar as
do, estranhas aos seus interesses acadêmi-
instituições é adicionado a um bloqueio ain-
cos, sem que esta postura possa representar
da mais amplo (Morin, 2005, pp. 100-103)
seu isolamento institucional. Trata-se de
no que se refere ao relacionamento travado
conciliar restrições orçamentárias às pressões
entre a sociedade e a instituição universitá-
promovidas pelo sistema capitalista, com o
ria. Frente a isso, questiona-se a maneira
fito de preservar os seus mais particulares
como reformar a universidade sem reformar
fins.
a sociedade, impondo-se como desafio a re-
De fato, todos esses elementos são
alização de uma reforma social cujos refle-
necessários (Morin, 2005, p. 99), pois preci-
xos sejam projetados para a universidade.
sa-se de mais créditos, mais ensinamentos,
Considerando que existe um circuito
como também reformas e flexibilidade. To-
entre a universidade e a sociedade, - uma
davia, essas reformulações, processadas iso-
(re)produz a outra, numa postura de
ladamente, configuram-se como camufla-
integração que possibilita um grau de en-
gens que ocultam ainda mais a necessidade
tendimento direcionado à interação de pro-
de mudanças no modo de pensar.
cessos, à diversidade de interpretações e à
Para Morin (2005, pp. 100-101), as ins-
heterogeneidade de universos possíveis
tituições educacionais têm se caracterizado,
(Morin, 2005, p. 101) - qualquer interven-
como regra geral, por uma estrutura rígida,
ção que opere modificações em um dos seus
inflexível, fechada, burocratizada, assim
termos apresenta a tendência de exercer
como também inúmeros professores estão
modificações no outro.
instalados em seus hábitos e autonomias
Nesse contexto, a alteração de pensa-
disciplinares, demonstrando uma resistên-
mento torna-se uma necessidade funda-
cia obtusa em relação a qualquer espécie de
mental (Morin, 2005, pp. 103-105), uma vez
transformação - o que torna invisível qual-
que (re)formar cidadãos capazes de enfren-
quer espécie de desafio. A cada tentativa de
tar os problemas de sua época, fortalece a
reforma, por menor que seja, a resistência
consolidação da democracia e resguarda os
se eleva. Como as mentes, em sua maioria,
direitos humanos. O desenvolvimento de
são formadas em consonância com um mo-
uma democracia cognitiva, no contexto da
delo da especialização fechada, a possibili-
universidade, torna-se então possível na
dade de um conhecimento que ultrapasse
condição de uma reorganização do saber - o
um modelo de especialização parece insen-
qual exige a superação de modelos de pen-
sata.
samento que possibilitem não somente iso-
lar para conhecer, mas também atrelar aquilo
que está isolado.

SOCIAIS E HUMANAS, SANTA MARIA, V. 20 - EDIÇÃO ESPECIAL - SETEMBRO 2007 - p. 165-176

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A democracia é uma obra de arte políti- as atuais barreiras, tanto disciplinares quanto
co-cotidiana que exige atuar no saber que conceituais, que pairam sob as instituições
ninguém é dono da verdade e que o ou- de ensino, muitas vezes, guiadas por prin-
tro é tão legítimo quanto qualquer um.
Além disso, tal obra exige a reflexão e a
cípios arcaicos, rígidos e fragmentados.
aceitação do outro e, sobretudo, a audá- A visão cartesiana, ao separar para en-
cia de aceitar que as diferentes ideologi- tender, acabou por separar o homem de sua
as políticas devem operar como diferen- natureza biológica. Para essa teoria, o mun-
tes modos de ver os espaços de convivên- do material é uma máquina dominada pela
cia, que permitem descobrir diferentes razão humana a serviço de seu individualis-
tipos de erros na tarefa comum de criar
mo.
um mundo de convivência, no qual a po-
breza e o abuso são erros que se quer cor- Compreender que os organismos vi-
rigir (MATURANA, 2005, pp. 75-76). vos são regidos pela lógica sistêmica impor-
ta em ampliar nossa visão e nosso poder de
Visando a manter sua autenticidade, a transformação sobre a realidade. Para isso,
Universidade fez-se valer historicamente de há necessidade de que o tema seja objeto
importantes relações e estratégias, ora com de maiores aprofundamentos e discussões
o Estado, ora com a Igreja, buscando prote- no campo acadêmico.
ger-se em determinados momentos de cri- O paradigma mecanicista privilegia o
se econômica e política. Atualmente, agre- individualismo, o empenho por ideais
ga-se o desafio de preservar a sua indepen- egocêntricos e a competição. Já o paradigma
dência frente à afirmação de uma ideologia holístico faz a sua opção pelo coletivo, coo-
que, a exemplo de Midas, tende a transfor- perativo, solidário e complementar, deven-
mar em mercadoria tudo aquilo que alcan- do ser por isso perseguido como ideal nas
ça. instituições de ensino superior.
Esse processo, todavia, há de se con- A universidade como pólo qualifica-
cretizar pelo tomada de consciência de toda do de criação e difusão de idéias, precisa
a sociedade (Morin, 2005, pp. 103-104), fa- assegurar o debate em sua prática cotidia-
zendo renascer, de uma nova forma, as no- na, aberta a novas idéias e propostas. A dis-
ções pulverizadas pelo esmagamento disci- cussão e a reflexão sobre essas concepções
plinar, ou seja, o ser humano, a natureza, o deve garantir a geração de diretrizes inova-
cosmo e a realidade. Do contrário, a Uni- doras, adequadas à sua função primordial,
versidade, sem maiores possibilidades de qual seja, a formação com conhecimento
deliberar sobre sua conveniência ao ensino, reflexivo.
à pesquisa e à extensão, corre séria ameaça A nova ordem econômica mundial sus-
de subversão em sua lógica de funcionamen- cita resistência, com a possibilidade de con-
to, acabando por submeter à condição de fluir para um movimento que contemple um
mercado a sabedoria e o conhecimento. amplo conjunto de valores e crenças. O en-
tendimento sistêmico parece claro no sen-
CONSIDERAÇÕES FINAIS tido de que essa mudança é absolutamente
necessária, não apenas para o bem estar da
Uma visão da realidade, a partir da instituição universitária, mas também para
concepção sistêmica, está baseada na cons- sua sobrevivência e sua sustentabilidade.
ciência do estado de inter-relação e Um elemento essencial para se atin-
interdependência essencial de todos os fe- gir esses propósitos são novas atitudes que
nômenos, englobando os de natureza física, não só os administradores devem assumir,
biológica, psicológica, social e cultural. mas a comunidade universitária como um
Constata-se que essa concepção ultrapassa todo, que deve estar comprometida com

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SOCIAIS E HUMANAS, SANTA MARIA, V. 20 - EDIÇÃO ESPECIAL - SETEMBRO 2007 - p. 165-176

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