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JOÃO PESSOA
2014
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JOÃO PESSOA
2014
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AGRADECIMENTOS
“O Mantra é uma palavra rítmica direta e elevada, a mais intensa e divina, que
encarna uma inspiração intuitiva e reveladora, animizando a mente com a visão e a
presença do próprio Atman, a realidade intima das coisas, com sua verdade, suas
formas anímicas divinas, as Divindades nascidas da verdade viva. Ou, diríamos
também: é uma linguagem rítmica que se detém na consideração do infinito inteiro,
trazendo a cada coisa a luz e a voz de seu próprio infinito.”
(Sri Aurobindo)
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RESUMO
Nossa dissertação tem como objetivo geral proporcionar uma visão crítica sobre a
prática dos mantras no contexto do Purna Yoga (ou Yoga Integral), lançando no
âmbito das Ciências das Religiões um olhar etnográfico sobre uma das principais
heranças espirituais da Índia, que continuam a ser parte importante do Sadhana de
diversas linhas e ramos do Yoga, buscando assim compreender estas sonoridades,
efeitos e seus significados. Para termos uma compreensão geral sobre os Mantras
abordaremos no primeiro capítulo alguns desses fonemas sagrados que são
considerados importantes para a tradição do Yoga, haja vista sua grande frequência
e utilização. Os mantras selecionados foram: O mantra OM, o Gayatri Mantra, o
Mantra Hare Krsna (Maha Mantra Vaishnava). Estes são considerados mantras
universais que são praticados em várias tradições, inclusive a tradição específica
sobre a qual nos debruçaremos, o Purna Yoga ou Yoga Integral de Sri Aurobindo.
No segundo capítulo aprofundamos conceitos sobre o Yoga Integral e apresentamos
elementos da pesquisa de campo, através de nossa experiência de viagem pelos
ashrams da Índia, onde vivenciamos importantes praticas de mantras vinculados a
este Yoga. No terceiro capítulo, apresentamos o resultado das entrevistas com os
principais mestres e professores do Yoga Integral em diversas regiões da Índia bem
como mestres e instrutores brasileiros. Além disso, também apresentamos uma
descrição de toda a atmosfera espiritual dos ashrans visitados, através de uma
pesquisa participante na qual o pesquisador, mantendo um olhar acadêmico,
experiência o campo através de sua práxis. Buscamos através de nossa pesquisa
de campo observar justamente como estes mantras vêm sendo praticados na
atualidade no contexto do Yoga Integral.
ABSTRACT
Our dissertation main objective is to provide a critical view about the practice of
mantras in the context of Purna Yoga (or Full Yoga), launching under the Sciences of
Religions an ethnographical look over one of the main spiritual heritage of India,
which continue to be part important Sadhana of several lines and branches of Yoga,
thus seeking to understand these sounds, effects and their meanings. To have a
general understanding of the Mantras we will discuss in the first chapter some of
these sacred phonemes that are considered important for the tradition of Yoga. The
mantras selected were: The OM mantra, the Gayatri Mantra, Mantra Hare Krishna
(The Vaishnava Maha-Mantra). These are considered universal mantras that are
practiced in various traditions, including the specific tradition on which we had
observed the Purna Yoga or Full Yoga of Sri Aurobindo. In the second chapter we
deepen concepts of Full Yoga and present elements of field research, through our
travel experience by the ashrams of India, which experienced important practices of
Yoga mantras linked to this. In the third chapter we present the results of interviews
with leading masters and teachers of Full Yoga in different parts of India as well as
Brazilian masters and instructors. In addition we also present a description of all the
spiritual atmosphere of the visited ashrans through a participatory research in which
the researcher, maintaining an academic look, experience the field through its praxis.
We strive through our field research to observe exactly how these mantras are being
practiced today in the context of full Yoga.
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS INICIAIS .....................................................14
CAPÍTULO 1 - PRÁTICAS DE MANTRAS NO PASSADO E NO PRESENTE:
ANÁLISE DOS MANTRAS SELECIONADOS .....................................................18
1.1 O MANTRA OM .................................................................................... 20
1.1.1 O Mandukia Upanishad .......................................................................... 22
1.1.2 O Mundaka Upanishad .......................................................................... 23
1.2 GAYATRI MANTRA .................................................................................... 24
1.2.1 A Natureza de Gayatri .......................................................................... 28
1.3 O MAHA-MANTRA DE KRISHNA ............................................................... 33
CAPÍTULO 2 - YOGA INTEGRAL: CONCEPÇÕES E VIVÊNCIAS DE CAMPO 38
2.1 SRI AUROBINDO - BREVE HISTÓRICO BIOGRÁFICO ............................... 38
2.2 A MÃE .......................................................................................................... 40
2.3 YOGA INTEGRAL - FILOSOFIA E CONCEPÇÕES ............................... 43
2.4 METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO .......................................... 54
2.5 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA: ÍNDIA 2013-2014 ..................... 56
CAPÍTULO 3 - ENTREVISTAS E DISCUSSÃO .......................................... 66
3.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO .......................................................................... 66
3.2 ENTREVISTAS COM PRATICANTES INDIANOS ............................... 66
3.2.1 Swami Bramdev - Aurovalley Ashran – Haridwar ............................... 66
3.2.2 Bragkishore Vrage .................................................................................... 73
3.2.3 Dr. Narendra - Chefe do departamento de Sânscrito do Sri Aurobindo
Ashram- Pondcherry .................................................................................... 75
3.2.4 Yogaratah Bharatal - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo Ashran
.................................................................................................................... 76
3.2.5 Madhumita Patnaik .................................................................................... 77
3.2.6 Madhusudan Mahapatra - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo
Ashran-Pondicherry .................................................................................... 79
3.2.7 Debiprassad Pramanik .......................................................................... 80
3.2.8 Karunamayee – Mestra de Mantras do Sri Aurobindo Ashram Nova Delhi
.................................................................................................................... 83
3.2.9 Latajiji - Professora de línguas do Sri Aurobindo Ashran – Pondicherry
.................................................................................................................... 85
3.3 ENTREVISTAS COM OS BRASILEIROS .....................................................86
3.3.1 Professor Horivaldo Gomes-RJ ............................................................... 86
3.3.2 Ana Beatriz Ribeiro (Tilak) - Instrutora de Yoga-RJ ............................... 89
3.3.3 Ana (Arati) - Instrutora de Yoga-RJ .....................................................90
3.3.4 Ramai Pandita Das (Ronald Regis) - Instrutor de Yoga Integral da ANYI
.................................................................................................................... 91
3.3.5 Jocelina Vieira (Jô) - Govinda - Instrutora de Yoga da ANYI ......... 92
3.3.6 Suzete Issa Foligno (Suzi) - Samata - Instrutora de Yoga (Rio de Janeiro)
.................................................................................................................... 92
3.3.7 Maria Fernanda Trindade Ramos – Nandi - Instrutora de Yoga Integral
(Salvador) .......................................................................................................... 93
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 95
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 97
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INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa tem como objetivo geral trazer para o âmbito das Ciências
das Religiões uma análise vinculada a práxis de uma das principais heranças
espirituais da Índia, que continuam a ser parte importante do Sadhana de diversas
linhas e ramos do Yoga. A saber, o Mantra.
Mantra é um termo em sânscrito que denota instrumentalização do som.
Podemos definir mantra como uma prática de religare, associada ao som ou a uma
vibração sonora, que pode ser emitida pela repetição de palavras, sílabas ou sons
de poder.
O mantra enquanto tradição deve ser compreendido como algo que vai além
de uma prática humana; deve ser compreendido através do próprio conceito de
Verbo Criador e poder da palavra, que, segundo Possebon:
Corroborando com esta ideia, George Feuerstein (2006), nos fala deste poder
divino do mantra à partir de sua sua grafia original em sânscrito.
1
O nome Veda designa um conjunto de textos sagrados, sobre os quais se fundamentam a
sociedade e espiritualidade indianas. A influência deste cânone védico sobre a cultura indiana vai
desde o segundo milênio antes de Cristo até a atualidade (GNERRE, 2011, p. 25).
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Outro conceito que Eliade utiliza como uma prática próxima ou similar ao
mantra é o de Dharani. As dharani seriam esses fonemas, utilizados como proteção
ou fórmulas de concentração, e estariam, para a tradição do yoga, ligados à
respiração, que conduziriam seu ritmo. Para Eliade, tanto os mantras quanto as
dharani, para terem seus poderes ilimitados, deveriam ser aprendidos através de um
mestre, e não nos livros.
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Junto com estes elementos, que Eliade aponta como essenciais para a
eficácia do mantra, há também um fator importante associado à própria respiração
do praticante. Quando o mantra é entoado de forma correta, seguindo a métrica do
sânscrito védico, percebemos que a própria respiração se altera em função desta
métrica. O praticante, para emitir a pronúncia correta de determinadas palavras do
sânscrito, e respeitar sua entoação mântrica, acaba por praticar momentos de
Kumbhaka (retenção do ar) e Rechaka (exalação do ar), através de um trabalho
diafragmático vigoroso. Como se sabe na tradição do Yoga, estas práticas de
alteração da respiração, similarmente aos Prānāyāma (controle do prānā)2, são
poderosos alteradores de consciência. Por isso, acreditamos também que o mantra
exerce este efeito junto ao praticante, que além de entrar na sintonia das deidades,
também altera seu próprio fluxo de prana.
Ainda sobre os estudos dos efeitos e poderes dos mantras, autores
contemporâneos adeptos à linhagem espiritual de Swami Dayananda ressaltam os
poderes espirituais que os praticantes de mantra passam a dispor:
2
O prānā é a força vital que circula pelos cakras, e por todas as estruturas dos corpos sutis.
16
Nos estudos dos Mantras, tem-se que, com o som, por meio do seu
poder divino e com as repetições em sânscrito das palavras
sagradas, pode-se alcançar as camadas mais profundas do nosso
psiquismo. Estudam-se as vocalizações ou fórmulas sagradas e
secretas, que podem ser entoadas normalmente, em forma de som
ou mentalmente. Foram os rsis (sábios) que, com suas intuições,
revelaram o poder do Divino nos mantras. Para eles, a combinação
dos sons proporcionava um efeito magnético no praticante,
atribuindo-lhe poder espiritual. (NOVAES et al; 2011, p. 11)
Assim, em seu contexto de origem na cultura indiana, o mantra tanto pode ser
compreendido como um som emitido pelo aparelho fonador humano, quanto pode
ser entendido como a vibração geradora da existência que permeia todos os seres,
e que, em determinados estados de consciência, pode ser percebido ou acessado
pelo sadhaka3.
A proposta de nosso trabalho é justamente esta, de compreensão do
significado da prática do mantra em sua cultura de origem, e a partir daí, estabelecer
um olhar sobre como esta prática vem sendo desenvolvida na contemporaneidade
entre praticantes de Yoga Integral no Brasil.
3
Aquele que pratica a disciplina, ou Sadhana.
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1.1 O MANTRA OM
Uma importante parte da nossa pesquisa versa sobre o Pranava Om, tido
como o mais conhecido e praticado Mantra entre todos. Este som monossilábico
seria a união do (A-U-M), e a sílaba representaria a vibração sonora mais elevada, a
própria corporificação sonora do Divino. Dizem os Iogues que, quando todos os sons
cessam, a vibração que permanece no universo é o Pranava Om.
O Om, no entanto, difere dos mantras que apresentaremos a seguir, onde
encontramos palavras em sua composição. O Om é composto apenas por um
fonema, e neste único fonema estaria contido todo seu poder de elevação da mente
para estados de transcendência. Por ser justamente um fonema monossilábico, o
OM pertence à categoria dos chamados Bija Mantras (ou mantras-semente).
Outro importante autor contemporâneo reafirma a importância deste mantra:
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Os upanishads são um conjunto de textos sagrados desenvolvidos na Índia no período Bramânico,
entre 1.000 e 400 a.C. Assim, segundo a periodização tradicional da literatura indiana, são textos
produzidos num período posterior ao védico, num contexto de transição de uma cultura ārya – védica,
para uma cultura que incorpora elementos das tradições autóctones aos conceitos védicos. A grande
maioria dos upanishads foi criada fora dos círculos sacerdotais bramânicos, e por isso teriam dado
esta oportunidade de emergência de novas formas de pensamento não advindas da cultura ariana.
(GNERRE, 2011, p. 43)
22
Um aspecto curioso nessa Upanishad é que está dito que o Om, essa sílaba
indivisível, é impronunciável e está além da mente. Esse texto trata,
fundamentalmente, do conhecimento do Eu:
criou este Universo. Aquele que deve ser adorado e por quem toda a ignorância é
eliminada. Possa Ele iluminar nossa inteligência”.
Além de ser considerado um Mantra, o Gayatri é também tido como uma
oração, pois um Mantra não necessita, necessariamente, de um significado, mas sim
do que está contido naquelas palavras. Já o Gayatri também encerra em si uma
poderosa oração:
5
O Dr. I. K. Taimni é um reconhecido estudioso indiano do Yoga e do Hinduísmo. Sua formação
acadêmica foi no campo da Química, no qual se tornou Ph.D, com diversas publicações em revistas
internacionais e orientações em pesquisas nesta área. Além desse campo de atuação, foi também
um profundo estudioso de religião e de filosofia da Índia. Publicou várias obras nestas temáticas,
destacando-se como grande autoridade no assunto do Yoga. Vários de seus livros foram traduzidos
para diversos idiomas, dentre os quais se destacam “A Ciência da Yoga” (Comentários aos Yoga-
Sutras da Patanjali), “O Homem, Deus e o Universo” e “Śiva Sutras: realidade e Realização
Supremas”.
26
emancipação espiritual, mas também para os Hindus que vivem sua vida mundana
nas grandes cidades.
O Gayatri aborda um aspecto do desenvolvimento humano que está além do
raciocínio de uma “mente inferior” o que identificaria no indivíduo uma percepção
espiritual mais elevada chamada de buddhi. A respeito dessa faculdade ele afirma:
O intelecto pode conhecer todos os fatos, mas a menos e até que ele
esteja iluminado pela luz de buddhi não conseguirá perceber seus
significados mais profundos. E por esta razão que a atitude dos
filósofos que todos os dias fazem conferência sobre os problemas
mais profundos da vida não difere apreciavelmente da atitude do
homem comum. Também é por esta razão que o cientista que
diariamente varre os céus e olha para as profundezas longínquas
deste vasto universo não consegue perceber a insignificância de
nossa vida humana, desde um ponto puramente físico... Estas
pessoas parecem conhecer tudo e, no entanto, nada conhecem. O
seu conhecimento está apenas no plano do intelecto. A faculdade de
buddhi ainda não foi desenvolvida, ou permitido o seu funcionamento
em um grau adequado (TAMNI, 1991, p.13).
Assim, buddhi seria algo que está além de qualquer concepção meramente
mental, ou intelectual, sendo esta uma consciência luminosa superior que quando
desenvolvida ou sintonizada pelo adepto permite ao mesmo a compreensão de
significados mais profundos da existência. Ainda sobre essa concepção de Buddhi e
sua manifestação no aspirante, como um estágio superior, uma manifestação
transcendente, temos outro termo advindo do Samkhya (uma das mais importantes
escolas filosóficas da Índia) expresso nessa frase por Gnerre (2011):
Desse modo, o mantra Gayatri seria uma ferramenta advinda de níveis mais
sutis que ajudariam na purificação desses veículos mais densos. Assim, a primeira
tarefa do sadhaka ou aspirante, portanto, não se trata de alcançar a iluminação, mas
sim de remover os densos obscurecimentos impostos pelos veículos inferiores, de
modo que ele possa trabalhar com o auxílio da luz que vem dos veículos mais sutis
nos planos espirituais. E essa é a luz de buddhi e com a qual o mantra Gayatri está
relacionado. (TAIMNI, 1991, p.24).
Ainda sobre esse processo de refinamento ou purificação dos veículos
inferiores, o autor afirma:
6
Sobre corpos sutis na tradição do Yoga, cf. ELIADE (2010) e FEUERSTEIN (2005).
28
mental tem o efeito mais elevado e é japa no verdadeiro sentido da palavra (TAMNI,
1991, p.50).
Normalmente, o praticante inicia sua prática entoando o mantra em voz alta e,
gradativamente, passa a um estado de concentração e entoação mental do mantra.
Ou seja, há uma sutilização do seu uso. Quanto a sua atuação:
Figura 3 - Maa Brahmacharini - avatar yoguine da Deusa Durga, que sempre porta seu
Japa-Mala.
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Ainda segundo Taimni, há uma vasta literatura sobre estes usos do mantra
(sobretudo do Gaytri), no contexto do Yoga. O Mantra Yoga, que geralmente é
referido como Mantra Shastra, o autor os diferencia quanto aos objetivos na
utilização dessa ciência afirmando:
Já para Feuerstein (2006), não há essa cisão. Mantra Shastra seria a teoria a
respeito do próprio caminho ou ramo do Yoga chamado de Mantra Yoga. Utilizando
o termo mantra-shastra como advindo da “ciência dos sons sagrados”.
Diversos são os fins, as formas de utilização e rituais referentes a esses sons.
Em todas essas formas, vemos uma grande importância atribuída à questão
energética do mantra. Um poder que lhe é atribuído é o de incidir sobre essa
frequência da matéria, ou corpo composto de energia – Prana, que no Yoga
chamamos de Pranamāyākosa, um dos invólucros do Ser, que é o corpo vibracional
ou energético.
7
A este respeito, cf. GULIMIN. In: POSSEBON, 2010, p. 86-89.
33
Então, toda a tradição devocional vaishnava, que surge por volta do século XI,
tem como centro a devoção e a concentração na pessoa de Krsna. Ele deve ser
contemplado a todo o momento, através de diversas formas: seja meditando, seja
entoando mantras sagrados em sua homenagem, pois, assim, o praticante pode
fundir sua consciência individual na consciência do ser supremo.
Dentre esta tradição devocional, um de seus principais expoentes do século
XV foi Sri Caitanya. Este mestre, que é considerado um dos cinco principais
preceptores do vaishnavismo, pregou “o evangelho do amor de êxtase por toda
Bengala”. Embora ele fosse considerado um famoso teórico do Vedanta, ele pouco
trouxe de instruções escritas, deixando apenas oito versículos para instruir a
devoção de seus seguidores, numa composição chamada de Shiksha-Ashtaka.
(FEUERSTEIN, 2006, p. 362)
A devoção pregada por Caitania era de caráter profundamente Bakta, e sua
principal prática era de mantras. A doutrina de Caitania inspirou o moderno
movimento da consciência de Krisna (ISKON), que foi fundado nos EUA em 1965
por Swami Prabhuphada (Bhakti Vedanta Swami). A grande característica deste
movimento é justamente a entoação contínua do Maha-mantra, que a partir deles foi
difundido pelo mundo todo. Assim, os Bhakti Yogues do movimento Hare krsna
tiveram um papel importante na história da difusão da prática de mantras no mundo
contemporâneo.
Por isso, vamos analisar algumas afirmações sobre este mantra, de
renomados mestres desta linhagem. O Maha-mantra, afirmam os adeptos do
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(ação sem apego) e Karma Yoga. (“ação corretiva”). Uma importante forma de
integrar toda a espiritualidade indiana onde o Yoga é apresentado como um caminho
de união do Ser individual com o Ser supremo.
Assim, o Bhakti Yoga é uma forma de adoração à deidade que está presente
tanto na tradição Vaishnava quanto na tradição Shivaista, embora aqui tenhamos
analisado apenas o mantra da tradição Vaishnava.
Neste capítulo inicial buscamos analisar três mantras importantes na tradição
do Yoga. Trata-se de uma seleção entre um amplo espectro de mantras que são
relevantes no âmbito desta tradição, e cuja importância foi constatada também em
nossa pesquisa de campo, conforme iremos analisar nos capítulos posteriores.
38
8
Rishi são grandes sábios, que sistematizaram o Veda e os Upanishads.
40
Seu símbolo, símbolo do seu Yoga, foi descrito pela Mãe como: O triângulo
descendente representa Sat-Chit-Ananda (ou a bem aventurança suprema). O
triângulo ascendente representa a resposta aspirante da matéria sob a forma de
vida, luz e amor. A junção de ambos - no quadrado central - é a perfeita
manifestação, tendo em seu centro o Avatar do Supremo - o lótus. A água - dentro
do quadrado - representa a multiplicidade, a criação.
2.2 A MÃE
Outra pessoa fundamental para história do Yoga Integral e que colabora com
Sri Aurobindo para a realização deste Yoga foi Mirra Alfassa, que, mais tarde, viria a
ser conhecida como “A Mãe”. Nascida em Paris em 21 de fevereiro de 1878, foi, na
41
Ainda muito jovem, por volta dos seus 12 anos, teve algumas experiências
espirituais que ela percebia como uma revelação, não só da existência do Divino,
mas da possibilidade do homem unir-se a ele e realizá-lo, consagrando toda a sua
existência.
De acordo com discípulos do Sri Aurobindo Ashran, um folheto impresso
dizia: “Consciente de sua missão espiritual na terra, mesmo quando criança, a Mãe
foi guiada nas suas visões por um Ser que ela chamava de Krishna.” Em 1914, logo
que ela chegou em Pondicherry, encontrou Sri Aurobindo a quem ela reconheceu
como o Krishna de suas “visões”, e sobre esse encontro escreveu em seu diário:
Foi a primeira vez que soube que a entrega perfeita até à última
célula física era humanamente possível, foi quando a Mãe veio e se
prostrou que vi essa entrega perfeita em ação. (AUROBINDO) 9
A partir daí, a Mãe o reconhece como seu Guru e fica, por quase um ano,
realizando a disciplina de seu mestre e trabalhando a seu lado. Passados 11 meses,
42
ela retornou para a França por um ano, depois viveu no Japão por quase quatro
anos. Em 1920, no mês de abril, a Mãe retorna a Pondicherry para dar continuidade
à sua obra junto a Aurobindo. Após sua vinda, outros discípulos começaram a
chegar e começou a se formar um Ashran, que mais tarde vem ser reconhecido
como o Sri Aurobindo Ashran.9
Em 1926, quando Aurobindo entrou em reclusão, ela tomou conta de seus
discípulos e foi a principal responsável pelo desenvolvimento do Ashram. Após a
morte de Sri Aurobindo, seguiu com seu trabalho, sempre fiel aos ensinamentos de
seu Guru. Em 1952, ela fundou o Sri Aurobindo International Centre of Education,
um centro de experimentação para a educação nos moldes do Yoga Integral. Em
1968, fundou a cidade internacional de Auroville, dedicada ao ideal de uma unidade
humana viva. A Mãe deixou seu corpo em 17 de novembro de 1973.
9
Informações obtidas no site. Disponível em: http://www.sriaurobindoashram.org. Acesso em 10 jun.
2014.
44
Mas o Yoga Integral afirma que esse exaltado tipo de visão mística
que repudia a matéria é apenas uma fase transitória da busca
espiritual, e não decerto a sua meta. Depois de se assimilar
inteiramente o conteúdo dessa realização transcendental, é removida
a barreira entre o físico e o espiritual. O místico então obtém o que
se pode chamar “união vígil com o Divino”. Faz descer a sabedoria e
a alegria da transcendência diretamente ao âmago de sua
consciência física. Conserva a paz interior e o abençoado equilíbrio,
mesmo quando se dedica às atividades normais da vida, tais como
comer, andar, conversar etc. A serenidade do samadhi torna-se sua
segunda natureza. Desmorona-se a barreira entre o natural e o
45
Uma das indagações mais comuns entre aqueles que buscam por
informações acerca do Yoga Integral, é: Qual método seguir pra realizar esse Yoga?
Que tipo de disciplina prática nos prepararia para essa realização?
Vejamos o que nos diz o próprio Sri Aurobindo sobre o método:
escritas e escrituras da mãe chamada de “Sri Aurobindo and the Mother on prayer
and mantra”, na qual ele afirma:
“Como regra, o único mantra utilizado neste sadhana é o mantra da Mãe, ou
aquele que contem o meu nome”. (AUROBINDO; 1971, p.26, tradução nossa)
Feurstein em sua obra: A Tradição do Yoga reafirma a posição de que não há
neste Yoga nenhum mantra específico dizendo: “O Yoga Integral não prescreve
nenhuma técnica, uma vez que a transformação interna é realizada pelo próprio
Poder divino. Não há rituais, mantras, posturas ou exercícios de respiração
obrigatórios.” (FEURESTEIN, 2006, p.98).
Então qual seria a aplicação dos mantras dentro deste Yoga? Qual sua
relevância no sadhana Integral?
Podemos esclarecer esse questionamento pelas próprias palavras de
Aurobindo:
MA MA MA MA
(Mãe)
10
Shakti é o termo utilizado para descrever o poder que opera no Cosmos, do menor átomo à maior
galáxia. Qualquer espécie de força, poder ou influência tem sua gênese na shakti, e a shakti é
feminino por natureza. (ASHLEY-FARRAND; 2005, p.21)
50
JAI SHRI MA
Salve a mãe divina
OM NAMO NARAYANA
Eu Saúdo Narayana.
Aurovalley Ashram:
MA MA MA.
Mãe Mãe.....
OM MA MIRA MA
OM NAMO NARAYANA
Foi durante aqueles dias no nosso Ashram, que a mãe estava dando
bênçãos diariamente nas manhãs para todos os ashramitas e
visitantes presentes. O número era de cerca de mil pessoas, e todos
costumavam a ir num encontro e receberem suas bênçãos
individualmente. A função toda levava cerca de uma hora. Um dia,
uma jovem garota que havia tomado o Japa com o nome da mãe,
como parte do seu Sadhana, encontrou o mantra “Mãe, Mãe, Mãe...
repetindo-se espontaneamente no seu coração, enquanto ela estava
aguardando este encontro. Havia pelo menos vinte pessoas a sua
frente. Imagine a sua surpresa quando ela encontrou a mãe olhando
em seus olhos, apesar da distância e de todos os que estavam a sua
frente! O chamado do mantra tinha obviamente atingido a Mãe, e ela
instantaneamente respondeu até fisicamente (...) Aqui estava a
confirmação, se alguém precisasse da efetividade do Nama Japa, o
Japa do nome sagrado ( da mãe). (PANDIT, 1959, p.2)
Ainda sobre essa consciência, no uso dos mantras e agora exemplificada pelo
mantra Om, Aurobindo afirma: “Se o Om é corretamente utilizado (não
mecanicamente), seu poder é muito bom para ajudar na abertura para cima e para o
exterior (consciência cósmica) também como na descida.” (AUROBINDO, 1971,
p.26)
Há outros comentários de Sri Aurobindo a respeito do tema, que podemos
destacar e que versam sobre o Mantra Om. Como já foi dito no primeiro capítulo,
este é o mais importante mantra védico e o mais amplamente difundido e aceito
mantra em sânscrito. Sobre este mantra Aurobindo comenta:
em que as coisas estão muito difíceis, quando você tem algum tipo
de angústia, de ansiedade e não sabe o que vai acontecer,
subitamente, eles nascem dentro de você, as palavras nascem
dentro de você. Para cada um, isto pode ser diferente, mas se você
tomar nota do mesmo e, em algum momento, você estiver frente a
frente com a sua dificuldade, você o repete, ele irá tornar-se
irresistível... (MÃE apud AUROBINDO, 1971, p.25)
Nesse trecho, a Mãe fala, de forma simples e prática, sobre uma das funções
mais elementares da repetição do mantra, como uma forma de transmutação de
sentimentos negativos ou situações difíceis. Reafirma aqui que o mantra não é algo
da criação mental do ego do praticante, mas sim algo que deve ser vivenciado como
uma escuta interior. Este é o mantra mais poderoso.
Apesar da importância dos ensinamentos dos mestres registradas nos livros,
a experiência vivencial dos mantras, em nossa pesquisa de campo, foi fundamental
para a compreensão de seu significado dentro desta tradição. Assim,
descreveremos, a seguir, o roteiro de nossa viagem pela Índia, como forma de
introduzir as entrevistas que serão apresentadas no terceiro capítulo.
Assim, tomando por base esse olhar antropológico, que também faz parte do
arcabouço das Ciências das Religiões, vamos discorrer sobre os discursos a
respeito de mantras que foram elaborados pelos mestres e praticantes com os quais
pudemos interagir em nossa pesquisa de campo. Em campo pudemos constatar
justamente algo parecido com as considerações feitas por Viveiros de Castro, pois
no discurso da maioria dos atores sociais percebemos uma grande receptividade e
uma interação intensa com o entrevistador.
A abordagem metodológica de nosso campo de pesquisa se estabeleceu
através de um método de pesquisa participante. Essa abordagem do tema surgiu de
forma natural ao longo da pesquisa, uma vez que nossa viagem à Índia não teve
apenas um aspecto de pesquisa, mas também um envolvimento nosso como
praticante de uma determinada linhagem de Yoga. Assim, nossa etnografia do
campo, teria que ser construída necessariamente a partir deste olhar participante, de
alguém que esteve em campo observando e ao mesmo tempo experienciando a
tradição dos mantras.
Na parte seguinte deste segundo capítulo vamos apresentar a descrição do
campo em si e no capitulo seguinte vamos apresentar as entrevistas que realizamos,
e junto delas uma breve descrição dos entrevistados. Tudo isso para tentar
reconstruir nosso olhar e nossa experiência enquanto estivemos imersos nos
ashrams e nas práticas de mantras em nossa viagem à Índia.
Assim como em outras pesquisas recentemente desenvolvidas no programa
de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (cf. ANDRADE; 2014, p. 66),
constatamos que essa característica de participar do grupo pesquisado é um fator
que facilita acessos a determinadas práticas. Porém, fazer parte do grupo e ao
mesmo tempo pesquisa-lo também exige um exercício contínuo de aproximação e
56
Nossa viagem foi focada nos principais ashrans. Nossa vivência de campo se
deu tanto na forma de pesquisador, quanto na forma de praticante, embora,
essencialmente, nosso principal olhar tenha sido de pesquisador. Assim, nossa
pesquisa se caracteriza como participativa, na qual o pesquisador não se abstém da
vivência, mas busca construir um olhar crítico sobre a mesma.
Nossa pesquisa de campo foi programada para ser realizada em três cidades
da Índia, onde se encontram os principais Ashrans do Purna Yoga (Yoga Integral).
Em um primeiro momento, estivemos em Pondicherry, que está situada no sul da
Índia, cidade que faz, a leste, fronteira com a Baía de Bengala e, a oeste, norte e
sul, com o estado de Tamil Nadu. Esse território foi possessão francesa entre o
século XVII e 1954. Foi o local onde viveram e ensinaram por anos os principais
Mestres do Yoga Integral, Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Local do Sri Aurobindo
Ashran.
Em um segundo momento, pegamos um voo interno para Nova Délhi, que é a
atual sede do governo da Índia e a capital do país, onde se localiza uma filial do Sri
Aurobindo Ashran, o Sri Aurobindo Ashran Delhi Branch. Por fim, pegamos um
ônibus até Haridwar, agora mais ao norte, no sopé do Himalaia, e nos hospedamos
no Aurovalley Ashran.
57
Figura 9 - Mapa com marcação dos locais visitados no sul e norte da Índia.
Descansamos por uma noite nesse pequeno povoado, e logo tomamos outro
ônibus pra Pondicherry, primeira e mais importante cidade para nossa pesquisa de
campo, local onde viveram e ensinaram Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Localiza-se
ali o Sri Aurobindo Ashran. Agora uma cidade maior que a citada anteriormente.
Com um fervor habitual das ruas movimentadas e barulhentas. Tão comum nas
grandes cidades da Índia.
Seguindo em direção à praia, entramos numa região da cidade mais tranquila,
onde poucos carros circulam, onde muitos caminham ou usam bicicletas como
principal meio de transporte. Tarda a percepção de que estamos num ashram, pois,
a não ser por suas paredes num mesmo tom de azul acinzentado, não há ali um
único espaço físico isolado, mas uma espécie de vila, imantada pela áurea espiritual
do Yoga Integral. Aos poucos, conseguimos autorização para visitar e meditar em
locais importantes do Ashram, como o quarto onde Sri Aurobindo viveu, lugar onde a
Mãe abençoava os devotos (Darshan), Mahasamadhi (Mausoléu dos mestres),
refeitório.
De manhã logo cedo, o grelhar dos corvos ecoa nos quatro cantos da cidade.
Às 6h da manhã, tivemos um encontro para meditar no Mahasamadhi. O centro de
toda a atividade do Ashran, local onde estão os corpos de Sri Aurobindo e da Mãe
59
meditações eram em silêncio, porém, por algumas ocasiões, o silêncio era quebrado
pelo som de instrumentos e pelo canto de mantras conduzidos pela Mestra de
mantras Karunamayee. Talvez, a mais importante mestra de mantras de todos os
ashrans do Yoga Integral. Tivemos ali, durante a nossa estadia, encontros diários
com Karuna, onde a mesma, ao som do Harmonium, um instrumento musical que é
uma espécie de mini-piano com o corpo “sanfonado”, repassava-nos ensinamentos
sobre a prática de mantras e a filosofia do Yoga Integral. Às 7h, tínhamos práticas
de Hatha-Yoga com os professores indianos. No decorrer da manhã, trabalhávamos
de forma voluntária, na cozinha ou na horta, ou assistíamos a palestras sobre Yoga,
saúde e educação, com professores e terapeutas do The Mother´s Integral Health
Centre.
Tivemos a oportunidade de conhecer uma parte do grande complexo
educacional do Ashran, bem como trocar experiências com professores e alunos
que se interessaram bastante por nossa cultura. No início da noite, acontecia o
último encontro no salão de meditação, onde cantávamos mantras e recebíamos
mais orientações da mestra Karunamayee.
pela Mãe em uma visão que deveria ser construído ali um ashran do Yoga Integral.
Seu centro foi registrado pelo governo da Índia como uma instituição de Yoga
educacional e, além de se propor um desenvolvimento espiritual, o ashran oferece
serviços de educação e programas para o bem estar das comunidades
circunvizinhas.
Seus discípulos, em sua maioria, estrangeiros acreditam ser o pontapé inicial
para o desenvolvimento de uma consciência de unidade entre diversos povos. O
ashran é cercado por uma região de grande beleza natural, onde, em nossas
caminhadas matinais pelo Ganges, deparamo-nos com inúmeros animais selvagens.
Nossa viagem pela Índia foi dividida em três fases. Primeiro, estivemos em
Pondicherry, estado de Tamil Nadu, sul da Índia, onde se localiza o Sri Aurobindo
Ashram. Num segundo momento, pegamos um voo até Nova Delhi, atual capital da
Índia, onde está situado o Sri Aurobindo Ashram Delhi Branch, e a International
Mother School. E, na última fase da nossa viagem, fomos mais para o norte, onde
ficamos hospedados no Auro Valley Ashram, em Haridwar.
Nossa mostra na pesquisa de campo foi composta por um grupo de oito
indianos, que exercem notoriamente funções relevantes no Sri Aurobindo Ashram e
em mais dois Ashrans que são filiais de reconhecida importância na linhagem do
Yoga Integral. No Brasil, entrevistamos seis instrutores de Yoga Integral, filiados a
ANYI - Associação Nacional de Yoga Integral, e um sétimo entrevistado, o atual
presidente desta associação, o Professor Horivaldo Gomes.
Tomamos, como base, duas questões principais: “O que significa Mantra para
você?” e “Qual a sua prática pessoal de Mantras?”. Quando percebíamos no
entrevistado um maior conhecimento sobre o tema, pedíamos que os mesmos
abordassem também o Mantra Gayatri e (ou) o Mantra Om.
As entrevistas com o indianos foram realizadas em língua inglesa e foram
diretamente traduzidas do áudio em inglês na forma de texto em português. Desse
processo, participaram orientando e orientadora, com o auxílio de Narayam (tradutor
do grupo de brasileiros em visitação aos Ashrans na Índia). O áudio original das
entrevistas está disponibilizado em anexo nos CD’s, entregues juntos à dissertação.
ferramenta muito poderosa, sempre o mantenha com você, vai te ajudar e proteger a
sua vida. Mudar sua psicologia, tornar forte, eles ajudam a fazer nossa vida útil. Os
mantras, os efeitos dos mantras, dessa vibração do psíquico, são tão poderosas,
que é a maneira mais rápida e fácil de mudar sua natureza. A vida significa
mudança, mudança da sua natureza, mudança da sua consciência, com a ajuda do
mantra, essas vibrações fazem uma transformação muito rápida, com certeza,
fazendo um ser melhor. Por isso, o mantra é tão importante. A Mãe estava usando
os mantras, esse mantra que ela usava era o Om Namo Bhagavate, e Mãe repetia
esse mantra milhões de vezes. Em determinado momento na vida da Mãe, cada
célula do seu corpo estava cantando esse mantra, toda célula tava cantando. Esse é
o mantra da transformação, é para fazer um trabalho de transformação nas células
da matéria. E a mãe foi transformando sua consciência, vai transformando a
informação das células... Então, ela tava usando esse mantra: Om Namo Bhagavate.
O Om significa o divino, o supremo. Namo é Saúde, Faça por você, o divino, o
supremo, a luz. E o Mantra é somente para aqueles que querem progredir,
transformar, realizar o seu verdadeiro Ser, pra eles, o Mantra ta aí. A maneira mais
curta, mais fácil pra realizar a si próprio, a verdade. E agora... esse tema dos
Mantras é tão vasto. O som da sua vida. Nos dá vida, o som. Esse som ajuda a
fazer nosso equilíbrio, esse mesmo som, é o som do universo, o som da vida, esse
som é o Om. É o mantra mais alto, poderoso. Se você quer só escutar o som do Om,
feche seus ouvidos e escute, o seu som, o som da sua vida. Faça assim: Faça
assim, pressione! (Nesse momento, o Swami pediu pra fecharmos o ouvido e os
olhos com os dedos das mãos). Pressione por algum tempo, pressione!... Silêncio....
Ta sempre lá, automaticamente. Esse som sustenta sua vida. Tá te dando vida,
quando ele terminar, não tem mais vida. Esse é o som do silêncio, do universo, do
divino. É o som da sua respiração, se você ouvir sua respiração, o som é Om, o
mesmo Om. Quando a gente respira, o que você respira é Prana. A gente não
respira ar, com ar você não pode... pegar uma bomba e botar ar, o corpo não vai...
Quando a gente respira, a gente usa a palavra Prana; quando você respira você
respira o divino. Na Índia, a gente pensa que, em cada partícula, o divino tá em
todos os lugares, onipresente, em todos os lugares... silêncio... No ano passado, na
Holanda. Muitos cientistas fizeram um experimento. Sabe o Bosson de Rigs? Vocês
ouviram falar do Bosson de Rigs? O que eles descobriram? Muitos cientistas do
mundo gastaram bilhões de dólares, descobriram a partícula de Deus. Eles
disseram: tem Deus em todo lugar. Descobriram que Deus tá em todo lugar.
Partículas de Deus. No conhecimento espiritual da Índia, a gente diz que Deus está
em todo lugar. A realização dos Rshis indianos, divina, onipresente, tá em todo lugar.
O que acontece quando a gente respira, respiramos as partículas do divino, é um
processo natural. Suponha que se quer respirar mais partículas divinas. Você tá
respirando normalmente, mas você quer mais partículas divinas. A gente quer essa
caixa cheia de vibrações divinas. Os mantras, principalmente o Om, o som e as
vibrações desse som, Om, tem um poder magnético muito forte. Esse poder
magnético pega todas as partículas divinas, quando você fala Om; todas as
partículas divinas correm mais rápido pra você. E com isso o que acontece? O seu
corpo se enche de vibrações divinas, a gente usa a palavra alma, ninguém nunca viu
a alma, a gente usa a palavra Deus, ninguém sabe o que é Deus. Todo esse jogo da
vida é um jogo de vibrações, um jogo de forças. Com o Om, mais e mais partículas
de vibração divina enchem sua caixa, você começa a sentir mais como o divino,
mais pacífico, alegre, bem-aventurado, com mais luz, qual a natureza divina? É
graça, o divino é verdade, o divino é consciência, o divino é amor, concretude,
69
totalidade, mais vibrações do divino. Você começa a se sentir mais como o divino,
essa é a ideia. Mais consciente. Então, quando essa vibração divina sai, tá
terminado. Quando as vibrações divinas tão lá, sua vida é muito útil, muita bem
aventurança, muito propósito. Mas quando ela sai, esse corpo se torna morto. Então,
o Mantra é uma ferramenta muito poderosa pra elevar nossa consciência. Você
sentir como divino, crescer como o divino, viver como o divino, o mantra ajuda. Têm
muitos mantras, esse jogo é um jogo de forças, tantas forças querem se manifestar
através de você. E cada força tem o seu próprio mantra. Suponha que você quer
água, você quer fogo, quer paz. Pra cada um tem um mantra diferente. Qualquer
coisa que você queira, apenas produza a vibração, use o mantra dessa força, as
vibrações do mantra vão conectar você, estabelecer sua conexão com aquilo. Se
você tentar repetir o mantra da água, esse mantra vai te conectar com a água, a
força do fogo, da terra alegria... todas essas forças, seja lá o que você quiser, mande
sua vibração pra isso. Isso é um Mantra. O mantra ajuda a estabelecer os nossos
links, nossas conexões. Sri Aurobindo, no Yoga Integral, disse: Mantra é bom, ok.
Mas a sua aspiração, isso é muito mais poderoso que o mantra. Se alguém pode
aspirar, não precisava de nenhum mantra, ele só te ama. (risos), tá terminado. Não
sei porque Mantra. O poder da aspiração, do amor do divino. A aspiração é muito
mais poderosa do que qualquer mantra. O Yoga de Sri Aurobindo é baseado em
uma palavra, uma só palavra: Aspiração. Somente aspiração. E o que é aspiração?
Chore da sua alma pelo divino, apenas um sentimento muito puro pelo divino.
Simplesmente com a aspiração, é muito mais rápido que os mantras. Mas enquanto
você não conseguir aspirar, use os mantras.
Entrevistador: Uma segunda questão, qual seria a prática pessoal dele, o mantra
pessoal?
Entrevistado: No começo, desde que eu estou aqui, essa é minha rotina diária,
gritar pelo divino. Ó deus eu tô aqui, obrigado, obrigado. Todo dia eu digo obrigado.
Simplesmente o Yoga de Sri Aurobindo, ele disse. Todos os yogas, de onde eles
terminam. O meu Yoga começa dali. O que isso significa? Todos os outros Yogas
acordam no máximo o Ser Psíquico. E o Yoga Integral começa depois do despertar
do Psíquico. Então, qual o efeito desses mantras? Os mantras ajudam você a
despertar o Ser Psíquico. O Psíquico é nossa parte morta, que você pode dizer que
é sua verdadeira vida. Existem cinco partes do Ser, primeiro é o corpo, segundo é a
mente, o terceiro é sua parte emocional... o Ser físico, mental, vital, psíquico e o
quinto é o espiritual. São as partes do Ser que nos fazem seres humanos.
Normalmente, nessa vida da superfície, num nível mental, emocional, físico, a gente
vive sem o psíquico. Somente com o mental, a mente, uma vida normal humana, é
apenas uma ideia da sua mente que vem a você, ou um lado de seu corpo, ou um
desejo do seu vital, essa é a vida normal. Uma ideia, um desejo, um hábito do
corpo. Toda a vida, você ocupado pra completar seu desejo, suas ideias, é o que a
maioria dos humanos fazem. De viver com os desejos, ideias e hábitos, e não
cumprir o propósito da nossa vida, o Ser psíquico que sabe pra quê que eu nasci. O
nosso Ser Psíquico é uma parte morta que carrega todo o programa da sua vida,
todo o mapa, todo plano divino, o que você tem que fazer, qual o seu propósito, o
que que se tem que manifestar. Tudo isso tá no nosso Ser Psíquico. Sabe na
semente, tem uma parte dentro dessa semente que carrega todo o mapa dela. Todo
um plano divino. Então, o que essa semente vai produzir? Assim que essa semente
achar seu lugar, todo o projeto começa a aparecer. Todo o programa dessa
semente, programa divino dessa semente. E todo esse plano divino carrega o nosso
70
Ser Psíquico. Sem o despertar do Psíquico, essa vida é inútil, o divino não vai se
manifestar. Não vai cumprir o plano, só vai viver uma pequena vida mental, vital.
Então, os mantras ajudam a despertar o psíquico, a força dos mantras, as vibrações
do mantra. A gente pode despertar o nosso psíquico. Sempre repita, sempre lembre
o divino com qualquer mantra, seja com sua aspiração, acorde o psíquico, seja com
os mantras, acorde o psíquico. Às vezes, a natureza acorda nosso psíquico com
algumas catástrofes, com os terremotos, sabe quando vem um terremoto,
imediatamente tudo. Nossa vida, às vezes, vem um terremoto. A natureza tem
muitas formas de nos acordar. Sempre reze pelo divino, pela graça, pra que o seu
psíquico possa acordar, que a vida possa ser útil, tenha um propósito. Sempre
ofereça, sempre coloque você de frente pro divino, eu tô aqui, eu sou seu.
Nessa hora, o professor Horivaldo interveio e perguntou: Qual foi o mantra que mais
ajudou a despertar a sua natureza psíquica?
Entrevistado: Alguém perguntou pra Sri Aurobindo: O seu Yoga é muito difícil!
Como fazer isso? Então ele disse: Apenas ame a Mãe, ame a Mãe. Não faça mais
nada. Apenas chame o tempo inteiro Ma Ma Ma... é isso: Ma Ma... Isso é muito
natural, o primeiro som da vida é Ma. Quando a criança nasce, em qualquer parte da
terra, essa vida. A vida dele vem com esse som Ma Ma... e a vida começa. Isso tem
uma vibração muito poderosa. Alguém perguntou: Mãe, como fazer esse Yoga?
Como é que se faz esse Yoga? E a Mãe sempre dizia: Não faz Yoga não, me dá sua
vida, que eu faço o Yoga, me dá sua vida, que eu faço tudo. A Mãe nunca disse, faz
isso, faz aquilo. Muita gente foi pra Mãe, a mãe sempre disse: Me dá sua vida, eu
farei tudo pra você. Não precisa de mais nada. Na verdade, toda essa vida é uma
criação da Mãe, esse é o ponto. A Mãe significa força e consciência do divino.
Qualquer lugar onde há vida, onde há movimento, aquilo tudo é a Mãe. Tudo é Mãe.
Todos esses movimentos são em direção ao divino. Então, o mais importante pra
vida sempre sentir que você sempre está na mãe, que a Mãe sempre está com
você. A Mãe não é uma forma, não é feminino ou masculino. Mãe significa força e
consciência. A consciência criativa da vida é Mãe.
Uma terceira pergunta pro Swami, se não for abusar muito, seria pra ele nos falar
sobre o Gayatri, ou mesmo o Gayatri de Sri Aurobindo?
Entrevistado: Om tat savitur varam rupam... esse é o gayatri de Sri Aurobindo. E o
gayatri mantra é Om bhur Bhuha... O significado dele é: Ó supremo, ó luz. Faça-me
luz. Em palavras curtas, esse é o significado. Ó divindade, ó luz, faça-me luz, mova-
me naquela direção, onde a vida pode realizar o divino, realizar a luz. Vida é o
movimento, e há 360 direções pra se mover. Tudo é o divino. Num lugar, tem
ignorância, escuridão, inconsciência. Se você for nessa direção, você entra na
escuridão, e se move nessa direção, você vai pra luz. Então, o mantra é isso. Mova-
me nessa direção pra que eu possa me encontrar, meu verdadeiro Ser, minha luz,
minha verdade. Esses são os significados simples desse mantra. Essas palavras
são bem carregadas, e as vibrações dessas palavras estão em todos os lugares.
Quando você repete esses sons, você facilmente estabelece suas conexões, e com
essas forças, ele começa a tomar conta de você.
Entrevistado: Quando você terminar sua pesquisa, não faz só uma pesquisa. Torne-
se um iluminado.
Comentários do pesquisador:
No início da entrevista, o Swami nos traz a seguinte definição de Mantra:
“Mantra, mantra significa a língua da alma”, chama-nos atenção aqui, nessa
passagem, a visão de que o mantra não seria entendido por ele como uma técnica
para o desenvolvimento espiritual, mas como a própria linguagem do aspecto
transcendente da divindade percebida em nós.
Em seguida, ele afirma que “todas as religiões têm seus mantras”, o que
define um caráter mais abrangente para a prática de mantras, em que o mantra não
seria algo exclusivo da tradição indiana, inclusive, não se restringindo assim ao
idioma do sânscrito. No entanto, para ele, todos os sons que fossem vocalizados,
independendo da sua língua matriz, mas com uma real devoção, ou uma máxima
aspiração por parte do místico, também podem ser considerado um mantra.
No trecho “Sri Aurobindo escreveu um livro, Savitri. Tudo são Mantras, cada
linha do Savitri é um Mantra. Tudo isso veio do psíquico”, ele expressa aqui que o
mantra estaria relacionado não só com a aspiração do sadhaka, mas,
fundamentalmente, pela ação de uma consciência superior agindo no indivíduo que
foi inspirado, a ação da graça sobre ele. Aí, a concepção de que o mantra seria
“ouvido” por esses mestres, no momento de sua conexão com a divindade.
No trecho da entrevista em que o Swami nos fala sobre a prática de mantras
pela Mãe, foi dito: “A Mãe, estava usando os Mantras, esse mantra que ela usava
era o Om Namo Bhagavate, e Mãe repetia esse mantra, milhões de vezes”. Assim,
fica explícito que a Mãe tinha uma importante prática de mantra, a saber o Om Namo
Bhagavate, que é um importante mantra da tradição vaishnava, que evoca a energia
de krsna. Para o Swami, esse é o mantra da transformação, ao qual ele atribui um
poder para a transformação a nível celular, no cerne da matéria.
Na passagem: “Se você quer só escutar o som do Om, feche seus ouvidos e
escute, o seu som, o som da sua vida. Faça assim: Faça assim, pressione! (Nesse
momento, o Swami pediu pra fecharmos o ouvido e os olhos com os dedos das
mãos). Pressione por algum tempo, pressione!... Silêncio... Tá sempre lá,
automaticamente. Esse som sustenta sua vida.” O Swami comenta a tradição da
escuta do Om, do Anahata Sabda, do som que é ouvido no coração do sadhaka, do
72
impronunciável Om, o som que sustenta o universo. O som que é percebido por
aqueles que atingiram um estado de transcendência, para além da matéria, além da
mente.
Um próximo trecho que comentaremos dessa entrevista versa sobre uma das
principais características deste Yoga, a Aspiração. “O Yoga de Sri Aurobindo é
baseado em uma palavra, uma só palavra: Aspiração”. Essa aspiração que é
responsável, inclusive, por uma secundariedade dos próprios mantras, onde o
mantra só teria sucesso ou o efeito desejado se estivesse embasado pela aspiração.
No livro “O caminho ensolarado” (MÃE, 2012, p. 67), a Mãe compara a Aspiração a
uma flecha, um querer fervoroso para atingir a Verdade. E essa aspiração se eleva
ao ponto que se “choca com uma espécie de tampa”, daí onde muitos afirmam: De
que vale aspirar, se não tenho resposta? Então, a Mãe recorre ao famoso adágio
popular, que diz que a gota d’água tanto bate na pedra até furar. E quando, por força
de sua aspiração, ela consegue “atravessar a pedra”, subitamente, ele penetra numa
imensidão luminosa, então afirma: “Ah, agora eu compreendo.” Nesse contexto, o
mantra seria uma importante ferramenta para atingir essa meta, esse “atravessar a
pedra”.
Quando perguntado sobre o seu sadhana particular, envolvendo mantras, o
Swami Brahmdev inicia sua resposta dizendo: “No começo, desde que eu tô aqui,
essa é minha rotina diária, gritar pelo divino. Ó deus, eu tô aqui, obrigado, obrigado.
Todo dia eu digo obrigado” O que nos deixa também concluir a força da aspiração
deste aspirante ao Yoga Integral, uma fé fervorosa, como um filho que está sempre
chorando por sua mãe, que podemos entender por aspiração e entrega, e uma
constante gratidão pela receptividade e percepção da presença da Mãe em sua vida.
Ainda sobre esse “chorar pela mãe”, mais adiante na entrevista, está posto:
“Alguém perguntou pra Sri Aurobindo: O seu Yoga é muito difícil! Como fazer isso?
Então ele disse: Apenas ame a Mãe, ame a Mãe. Não faça mais nada. Apenas
chame o tempo inteiro Ma Ma Ma... é isso: Ma Ma... Isso é muito natural, o primeiro
som da vida é Ma.” Encontramos nessa passagem, uma importante forma de prática
de mantra para o Yoga Integral, que se relaciona com a entrega e aspiração citados
acima, a prática do mantra Ma Ma Ma... sobre a qual o próprio Sri Aurobindo afirma
ser esse o caminho ou método a seguir, um chamado que é fruto de uma profunda
aspiração. E, então, o Swami descreve a Mãe, não como uma forma, não como uma
73
Comentários do pesquisador:
Quando questionado sobre o significado do termo mantra, o professor Vrage
nos deu a seguinte definição: “O mantra é um som que pode ser cantado ou um
conjunto de sons. Tem um significado muito profundo e o som, ele mesmo, tem um
poder. Se eu sei o significado e coloco a minha aspiração, eu consigo alcançar as
profundezas da minha consciência.” Novamente, vemos aqui a importância que se
75
Comentários do pesquisador:
Esse entrevistado nos surpreendeu, em primeiro lugar, pelas respostas
altamente sintéticas em relação a outros entrevistados. Sua definição de mantra foi a
mais breve que nos foi apresentada, afirmando: “O mantra significa Luz da verdade.”
Percebemos certa proximidade nessa definição das traduções que nos foram
apresentadas do Gayatri de Sri Aurobindo. Foi igualmente sucinto quando
questionado sobre sua prática: “Om Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi
Parame”. Esse mantra é comum à prática de muitos discípulos, considerado um
importante mantra de devoção a Mãe.
Comentários do pesquisador:
Pela primeira vez, em toda nossa pesquisa, nos foi dada outra definição de
Mantra, na qual se usou o termo em sânscrito MANANINA TRAYATE, ao qual o
professor entrevistado traduziu como sendo “cantar de novo, e de novo”. Essa
importante forma de recitação dos mantras através da repetição é bem conhecida na
tradição do Yoga, e tem semelhante forma de prática também em tradições
religiosas, como, por exemplo, no Cristianismo, com o uso do terço ou rosário.
Subjetivamente, percebemos essa repetição tanto nas orações cristãs, quanto nos
vocábulos em sânscrito. Tem como um de seus objetivos criar concentração do
77
Entrevistador: Obrigado!
Entrevistada: Não, não, espere. Para o seu conhecimento, eu posso lhe emprestar
um livro para ler sobre mantras, e você pode estudá-lo e nos encontramos outros
dias.
A entrevista termina aqui, mas tivemos vários outros encontros informais nos
quais a entrevistada me apresentou a vários mestres importantes dentro do Ashram,
que também fazem parte do corpo dos entrevistados. Madhumita nos convidou pra
um jantar na casa de seus pais, onde fomos recepcionados com dança clássica
indiana. Depois tivemos a oportunidade de mostrar um pouco da nossa cultura, onde
demonstramos um pouco da capoeira e do samba. Então, estivemos na presença de
seus pais, e toda a família com um jantar indiano, com comidas típicas daquela
região da Índia. Em suma, Madhumita pode ser considerada a principal responsável
por nos possibilitar um contato direto com vários nomes de expressão no Sri
Aurobindo Ashram.
Comentários do pesquisador:
Nossa primeira entrevistada na Índia definiu o mantra como uma forma de
invocar a presença da Mãe e ser protegida por essa presença. Esse tem sido um
aspecto interessante do mantra, criar, através de sua prática, uma espécie de
proteção, que livra o adepto de suas dificuldades.
Quando questionada sobre sua prática pessoal, a professora Madhumita dizia
ter prática nos seguintes mantras: Ma Mira Sharanam Ma Ma, Sri Aurobindo
Sharanam Ma Ma, Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi Parame. Percebe-se,
pela citação, que a mesma tem uma vivência de mantras totalmente envolvida no
Yoga Integral, pois esses são mantras de reverência aos mestres desse Yoga.
79
Comentários do pesquisador:
O professor Madhusudan define mantra como “palavra divina”, que seria
responsável por seu desenvolvimento espiritual. Ele se utiliza do mesmo conceito de
VAC, que apresentamos no primeiro capítulo desta dissertação.
Sobre sua prática pessoal, ele afirma ser esse um momento feliz do seu dia e
mesmo quando ele está doente, o mantra o ajudaria a dispor de mais energia.
Então, para ele, o mantra é também uma forma de se energizar, adotando, assim,
um significado de cura. Ou seja, não é uma prática para ser feita somente para
pessoas em seu perfeito estado físico/mental, pelo contrário: até nos momentos de
doença pode e deve ser praticado. Para Madhusudan, enquanto adepto, mesmo
reconhecendo a popularidade do Gayatri mantra védico, ele afirma que o Gayatri de
Sri Aurobindo é, em suas palavras: “mais inspirador e mais profundo que o mantra
Gayatri védico.”
Segundo nossa pesquisa de campo, percebemos que essa importância maior
atribuída ao Gayatri de Sri Aurobindo se dá, justamente, por ter sido este recebido
pelo Guru, com o qual estes adeptos estão conectados. Isso ressalta a importância
da tradição Guru-discípulo neste contexto da prática dos mantras. Por isso,
80
Figura 19 - Deby Prasad e Roberto Miranda, em refeitório do Sri Aurobindo Ashram Delhi
Branch.
Comentários do pesquisador:
Em importante passagem da entrevista, o professor Debiprassad nos fala
sobre as diferentes dimensões dos mantras. Das diversas formas conhecidas, ele
cita quatro delas dizendo: “Então existem diferentes graus de Mantras, tem um
mantra para ser cantado de manhã, como por exemplo... há também o mantra para
82
ser sussurrado. E também há o canto mental, então você vai estar apenas cantando
na sua mente, e há o grau mais elevado, que é quando você sente o mantra no seu
coração”.
Então, dentre essas diferentes formas de praticar os mantras, ele cita, como
sendo a mais “elevada”, aquela onde o som é percebido no “coração” do praticante.
Observamos que o “Rig Veda” significa “sabedoria das estrofes recitadas”, ou seja, a
antiga tradição da Índia já trabalhava com esta recitação como forma de ir
introduzindo o mantra, até que ele alcance seu estado mais elevado de
interiorização, que vai se sutilizando da vocalização, ao sussurro, ao mantra mental,
até àquele que é “ouvido’ no coração do sadhaka. O professor Debiprassad comenta
que, no Yoga de Sri Aurobindo, não há nada que devemos rejeitar, o que remonta ao
próprio “método” do yoga integral, ou seja, a ausência de um método. O que fica
mais uma vez explicitado aqui é a força da aspiração para esse Yoga, onde qualquer
vivência que a desenvolva (a aspiração) deve e pode ser seguida: “Mas Sri
Aurobindo fala que não há nada que devemos rejeitar. Então, para seguir o Yoga de
Sri Aurobindo, tem muitas práticas de aspiração, e a aspiração não se dá apenas por
meditação ou por práticas corporais. Então, se você sente que está tendo bons
resultados com Raja Yoga; Hatha Yoga; Mantra Yoga; Laya Yoga; Tantra Yoga;
Bhakti Yoga, Karma Yoga, você pode utilizá-las”. Essa afirmação é muito importante,
e aqui ele expressa, de forma simples e direta, a essência do Yoga Integral, a qual já
abordamos e discutimos bastante no capítulo anterior.
O entrevistado fala também da importância da tradição mestre-discípulo,
onde o mantra está presente na maioria das iniciações dessa tradição, chamados de
mantra-diksha, quando o mestre ou Guru sussurra no ouvido do discípulo um mantra
que o ajudará no seu despertar espiritual. O professor lembra que esta não é uma
prática do Yoga de Sri Aurobindo, o que talvez seja explicado pela atual ausência
física dos seus Gurus, pois, em outras ocasiões, tivemos relatos de discípulos que
receberam diretamente da Mãe e de Sri Aurobindo seus mantras pessoais. Isso fica
explicitado, por exemplo, na entrevista com a professora de línguas, Latajji, que
recebeu da própria Mirra Alfassa (Mãe) seu mantra pessoal.
Lembramos que esta tradição Guru-Discípulo remonta a Índia Antiga, do
período dos Upanishad - termo que significa justamente “sentar-se perto
devotamente”.
Segundo Carlos Alberto Tinoco:
83
Figura 20 - Roberto Miranda recebendo, das mãos da mestra Karuna Mayee, certificado de
curso sobre mantras.
Entrevistada: Você quer saber qual meu mantra favorito? Eu amo vários mantras,
mas o Om é o rei dos mantras, porque esse é o som através do qual o divino se
manifesta. A completa manifestação está permeada por esse som.
Comentários do pesquisador:
A entrevistada nos oferece uma definição muito interessante sobre o mantra:
“O Mantra é como uma semente de som, que canaliza essa energia, e ela tem todas
as qualidades potenciais de uma árvore, com seus galhos, folhas, frutos e
sementes.” Em suas palavras, podemos entender o mantra como o potencial
energético de infinitas possibilidades. Como uma pequena semente que guarda em
suas partes: galhos, folhas, frutos e sementes, toda a energia capaz de gerar uma
“árvore” e atuar também no desenvolvimento de novas “árvores”.
Além disso, o conceito de mantra-semente está expresso nos próprios Bija-
mantras, sobre os quais já tecemos alguns comentários no primeiro capítulo. Ela
afirma que esse potencial energético tem a capacidade de nos “satisfazer
plenamente” e essa satisfação e plenitude. Então, podemos considerar como um
dos objetivos da prática dos mantras.
No trecho “O som deve sair como uma chama, e quando você entoa o mantra
sentado numa postura meditativa essa chama deve subir, porque som é luz” Vimos,
neste trecho, uma concepção muito próxima ao ideal tântrico de um despertar do
Ser. E, nessa ascensão do som, podemos traçar um paralelo com a própria noção
de ascensão da energia Kundalini, presente na tradição do Tantra-yoga. (GNERRE,
2013, p. 114)
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Nota do pesquisador:
Como a professora Latajji era fluente em diversos idiomas, entre eles, o
português, preferiu nos dar a entrevista em português. O que, a princípio, deixou-nos
satisfeitos, embora logo se mostrou ser um fator limitante durante o diálogo, pois a
professora não tinha o hábito de falar português. Aliás, nas editoras e livrarias
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ligadas aos ashrans do Yoga Integral, existem poucas publicações de livros para a
língua portuguesa, o que não acontece com muitos outros idiomas.
Comentários do pesquisador:
Lata foi uma discípula direta da Mãe, que nos disse ter recebido dela o seu
mantra pessoal, em idioma francês. Isto nos evidencia o Mantra como uma vibração
sonora mais abrangente, que não seria uma prática restrita ao sânscrito, mas
também em línguas estrangeiras, como no caso dela, o francês. Lembrando que
essa era a língua de origem da Mãe (Mirra Alfassa), e também era o idioma dos
colonizadores daquela região, local onde se formou o ashram.
Sobre esse mantra, a entrevistada confirmou o seu caráter confidencial. O
mantra pessoal, que deveria servir apenas ao discípulo ao qual ele foi revelado.
Com relação a este caráter confidencial, acreditamos ser uma forma de preservar o
valor espiritual ao qual o mantra está inserido, bem como a relação de confiança no
contexto dos ensinamentos passados do Guru para o discípulo “escolhido”. Para a
entrevistada, a Mãe teria dado um mantra que seria responsável por sua
transformação pessoal, que era necessário para ela “mudar de vida”.
Comentários do pesquisador:
Gostaríamos de ressaltar aqui que a entrevista com o professor Horivaldo é
autoexplicativa, uma vez que este fala português e desenvolve seus próprios
conceitos, sendo um dos mestres de Yoga mais reconhecidos do Brasil.
O professor Horivaldo inicia sua primeira resposta dizendo: “Mantra pra mim é
um Devadatha, é uma dádiva de Deus para a humanidade. A palavra Man significa
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Entrevistador: E quais são os mantras que você pratica, se tem prática pessoal de
mantras?
Entrevistada: É... eu acho o mantra Om muito forte, principalmente se ele for bem
feito, e você cantar só o mantra Om para uma pessoa, seja para um aluno ou não.
Só o mantra Om já espanta qualquer vibração negativa, faz uma limpeza na aura da
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pessoa. E outro mantra que eu gosto muito é o mantra Hare Krishna, o maha-mantra
né, porque para mim é a energia de amor. Te conecta com seu coração, que é mais
importante.
Comentários do pesquisador:
“Só o mantra Om, ele já espanta qualquer vibração negativa, faz uma limpeza
na aura da pessoa.” Veja que, nesta afirmação, a entrevistada atribui ao Om um
significado de proteção e de “espantar vibrações negativas”. O Om é visto por ela
como uma espécie de escudo energético, ou amuleto. Esse conceito é bem
característico da nossa cultura brasileira, e está presente nas religiões afro-
brasileiras, por exemplo, o que demonstra um processo de introjeção do mantra de
uma forma sincrética em nossa cultura.
A instrutora de Yoga Arati nos traz uma definição do mantra como uma forma
de acesso à paz e à tranquilidade interior, uma forma de conectar com um estado de
calma e serenidade. Ela foi a primeira entrevistada que citou um importante mantra
da tradição Shivaísta, o Om Namah Sivaya, um importante mantra de reverência a
Shiva, o “Deus”, que é considerado o criador mítico do Yoga, aquele que, dentro da
trindade Hindu (Brahma, Vishnu e Shiva), é responsável que aspecto destruidor do
universo, que adquire um caráter de transformação ou renovação para os seus
devotos.
3.3.4 Ramai Pandita Das (Ronald Regis) - Instrutor de Yoga Integral da ANYI
Comentários do pesquisador:
O entrevistado nos dá a seguinte tradução do termo “Man (Mente), Tra (o que
liberta a Mente). Então, mantras são palavras em sânscrito que limpam a mente.” É
uma definição importante do termo a partir do Sânscrito.
Este é o primeiro entrevistado que cita o maha-mantra de Krna, que
apresentamos no primeiro capítulo: Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna hare
hare, hare Rama hare Rama Rama Rama Hare Hare. Isso se deve justamente à sua
relação com a tradição vaishnava da linhagem de Prabhupada.
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Comentários do pesquisador:
A professora Jocelina afirma que um de seus mantras mais praticados é o
Gayatri, ao qual ela atribui poderes de purificação: “do Ser, aura, do corpo e da
mente”. Uma das formas mais tradicionais de praticar o Gayatri mantra é a sua
recitação pela manhã, logo ao nascer do Sol. No depoimento: “O Gayatri é um
Mantra de limpeza, e geralmente eu pratico pela manhã, logo que o Sol nasce”, a
entrevistada afirma sua prática pela manhã, justamente considerada a hora sagrada
na Índia, denotando a continuidade desta tradição no Brasil.
3.3.6 Suzete Issa Foligno (Suzi) - Samata - Instrutora de Yoga (Rio de Janeiro)
Comentários do pesquisador:
A professora Suzi é mais uma que nos relatou a presença do Gayatri mantra
em sua prática pessoal, o que nos mostra ser esse um dos mais difundidos mantras
védicos. Por esse motivo, mantivemos, no primeiro capítulo, um relato mais profundo
sobre este mantra, pois podemos observar aqui também sua importância no
contexto do Yoga entre os praticantes brasileiros.
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Entrevistador: E você tem uma prática né, qual a sua prática pessoal de Mantra?
Entrevistada: O que eu faço todo dia é o Om, e variam os outros. Faço alguns dias
o Japa mala, mas não todos os dias, e faço alguns que são os bija mantras, e
também faço o Gayatri, eu gosto muito. Normalmente eu pego, tem uma gravação
de Prem Baba com 108 vezes, então, eu uso bastante pra ouvir e pra fazer junto. E
é o que eu normalmente faço, eu uso o gayatri muito, os bija mantras e o Om.
Comentários do pesquisador:
Nossa última entrevistada, a instrutora Nandi, disse que, para ela, o mantra
funciona para limpar sua mente, que o mantra teria esse efeito desejado, mesmo
que ela identifique sua mente como sendo: ”meio tumultuada” o que, mais uma vez,
caracteriza o mantra por seu aspecto de purificação, ou de limpeza.
Nandi nos trouxe também mais um relato da prática do Gayatri Mantra: “e
também faço o Gayatri, eu gosto muito, normalmente eu pego, tem uma gravação de
Prem Baba com 108 vezes.” Aqui, temos uma referência a Prem Baba. Prem Baba é
um brasileiro que assumiu, no contexto indiano atual, o posto de um importante
Guru, um mestre espiritual da antiga linhagem Sachcha da Índia. Ficando a cargo de
assumir o lugar de Sri Hans Raj Maharaj ji quando da sua morte. O principal Ashram
de Prem Baba está localizado na cidade de Rishkesh, onde também podemos ver o
quanto este mestre é reconhecido como um Guru, pois, em vários locais de
comércio ou residências, sempre encontramos sua imagem e o reconhecimento
pelos indianos de um Guru Brasileiro.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
versa sobre a tradição dos mantras numa perspectiva mais generalizante do que
aquela que encontramos no universo do Yoga Integral. Assim, acreditamos que
nosso trabalho também pode contribuir para o melhor entendimento dos mantras no
contexto da prática do yoga no Brasil, onde a prática de mantras está inserida em
diversas aulas de Yoga.
Nossa pesquisa foi um relato de uma experiência vivida no Brasil e na Índia,
de um pesquisador participante com alguns anos de prática de yoga e
aprofundamento no Yoga integral. Por um lado, reconhecemos nosso envolvimento
com o tema pesquisado, e justamente este envolvimento nos possibilitou adentrar
mais a fundo em determinadas questões e vivências práticas. Por outro lado, a
própria tradição do Yoga, enquanto ciência, possibilita-nos um estudo não dogmático
da questão, pois a essência do Yoga não se baseia em crenças, mas sim em
experiências. Assim, mantivemos um olhar crítico de pesquisador que buscou a
compreensão da tradição dos mantras através da experiência do campo.
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REFERÊNCIAS
AUROBINDO, Sri. Sri Aurobindo and The Mother on Prayer and Mantra. Índia: Sri
Aurobindo Asham Trust, 1971.
ELIADE, Mircea. Yoga: Imortalidade e Liberdade. 5. ed. São Paulo: Palas Athena,
2012.
GNERRE, Maria Lúcia Abaurre. Religiões Orientais: uma introdução. João Pessoa:
Ed. Universitária UFPB, 2011.
NOVAES, Sônia; et al. Mantras para o dia a dia. Campinas-SP: Átomo, 2011.
PANDIT, M. P. Japa. Sri Aurobindo Ashram. Pondicherry: The Jupiter Press Private
Ltda, 1959.
SILVA, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto
etnográfico nas pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
TAIMNI, I.K. Gayatri: O Mantra Sagrado da Índia. Tradução de Marina Villares Lenz
Cesar. Brasília-DF: Teosófica, 1991.
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