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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

ROBERTO SILVA DE MIRANDA

A TRADIÇÃO DOS MANTRAS NO CONTEXTO DO YOGA INTEGRAL


(PURNA YOGA): UM ESTUDO ENTRE BRASIL E ÍNDIA

JOÃO PESSOA
2014
1

ROBERTO SILVA DE MIRANDA

A TRADIÇÃO DOS MANTRAS NO CONTEXTO DO YOGA INTEGRAL


(PURNA YOGA): UM ESTUDO ENTRE BRASIL E ÍNDIA

Dissertação de Mestrado apresentado ao


Programa de Pós-Graduação em Ciências
das Religiões da Universidade Federal da
Paraíba, na Linha de pesquisa
“Abordagens Filosóficas, Históricas e
Fenomenológicas das Religiões” (Área de
Concentração: Perspectivas histórico-
filosóficas e literárias das religiões), como
requisito parcial para a obtenção do título
de mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Abaurre Gnerre.

JOÃO PESSOA
2014
2
3
4

Dedico esse estudo aos mestres do Yoga


Integral, Sri Aurobindo e Mirra Alfassa (A
Mãe), dos quais a iluminação resultou
num rompimento com uma histórica
oposição no Yoga, a do sagrado com o
mundano, dedicando suas vidas a
estabelecer a divina presença na terra.
5

AGRADECIMENTOS

Expresso aqui minha gratidão A tantas pessoas importantes nesse processo


para o desenvolvimento e conclusão desse trabalho.
Agradeço aos Mestres que nos guiam; aos meus pais, João Montenegro e
Ana Angélica; meus referenciais de Karma-Yoga, que através do seu próprio
exemplo de amor, de respeito ao próximo, de retidão nas palavras e nos atos me
fazem acreditar que a vida divina é possível na terra.
Agradeço à professora Maria Lúcia, Yoguine e Educadora na melhor acepção
do termo, por sua sábia orientação e presença nestes dois anos transformadores
para mim, sendo sempre luz nos dias mais sombrios desse processo; ao Professor
Horivaldo Gomes, pelos ensinamentos e reconhecimento no Sri Aurobindo Ashram.
Aos alunos do Arte Yoga, por manterem acesa a chama da Aspiração; aos
instrutores da ANYI, pela confiança e colaboração. Gratidão à professora Mércia
Rios, por me iniciar na senda do Yoga; aos professores Deyve Redyson e Fabricio
Possebon pela contribuição fundamental para essa pesquisa.
A Milena Esther, minha companheira de sadhana, por toda a dedicação e
acolhimento, sempre solícita e muito compreensiva; aos meus amigos, Gustavo
Baez e Sandro Soares; a Cyelle Carmem pela sua importante ajuda na organização
desse trabalho; a meus colegas de turma, em especial à Davila Maria e Ana
Cândida, e a todos que somaram para a realização desse trabalho. A todos vocês:
Danyavad Ananda (Gratidão e Bem-aventurança!)
6

“O Mantra é uma palavra rítmica direta e elevada, a mais intensa e divina, que
encarna uma inspiração intuitiva e reveladora, animizando a mente com a visão e a
presença do próprio Atman, a realidade intima das coisas, com sua verdade, suas
formas anímicas divinas, as Divindades nascidas da verdade viva. Ou, diríamos
também: é uma linguagem rítmica que se detém na consideração do infinito inteiro,
trazendo a cada coisa a luz e a voz de seu próprio infinito.”

(Sri Aurobindo)
7

RESUMO

Nossa dissertação tem como objetivo geral proporcionar uma visão crítica sobre a
prática dos mantras no contexto do Purna Yoga (ou Yoga Integral), lançando no
âmbito das Ciências das Religiões um olhar etnográfico sobre uma das principais
heranças espirituais da Índia, que continuam a ser parte importante do Sadhana de
diversas linhas e ramos do Yoga, buscando assim compreender estas sonoridades,
efeitos e seus significados. Para termos uma compreensão geral sobre os Mantras
abordaremos no primeiro capítulo alguns desses fonemas sagrados que são
considerados importantes para a tradição do Yoga, haja vista sua grande frequência
e utilização. Os mantras selecionados foram: O mantra OM, o Gayatri Mantra, o
Mantra Hare Krsna (Maha Mantra Vaishnava). Estes são considerados mantras
universais que são praticados em várias tradições, inclusive a tradição específica
sobre a qual nos debruçaremos, o Purna Yoga ou Yoga Integral de Sri Aurobindo.
No segundo capítulo aprofundamos conceitos sobre o Yoga Integral e apresentamos
elementos da pesquisa de campo, através de nossa experiência de viagem pelos
ashrams da Índia, onde vivenciamos importantes praticas de mantras vinculados a
este Yoga. No terceiro capítulo, apresentamos o resultado das entrevistas com os
principais mestres e professores do Yoga Integral em diversas regiões da Índia bem
como mestres e instrutores brasileiros. Além disso, também apresentamos uma
descrição de toda a atmosfera espiritual dos ashrans visitados, através de uma
pesquisa participante na qual o pesquisador, mantendo um olhar acadêmico,
experiência o campo através de sua práxis. Buscamos através de nossa pesquisa
de campo observar justamente como estes mantras vêm sendo praticados na
atualidade no contexto do Yoga Integral.

Palavras-chave: Yoga. Mantra. Yoga Integral. Índia. Pesquisa Etnográfica.


8

ABSTRACT

Our dissertation main objective is to provide a critical view about the practice of
mantras in the context of Purna Yoga (or Full Yoga), launching under the Sciences of
Religions an ethnographical look over one of the main spiritual heritage of India,
which continue to be part important Sadhana of several lines and branches of Yoga,
thus seeking to understand these sounds, effects and their meanings. To have a
general understanding of the Mantras we will discuss in the first chapter some of
these sacred phonemes that are considered important for the tradition of Yoga. The
mantras selected were: The OM mantra, the Gayatri Mantra, Mantra Hare Krishna
(The Vaishnava Maha-Mantra). These are considered universal mantras that are
practiced in various traditions, including the specific tradition on which we had
observed the Purna Yoga or Full Yoga of Sri Aurobindo. In the second chapter we
deepen concepts of Full Yoga and present elements of field research, through our
travel experience by the ashrams of India, which experienced important practices of
Yoga mantras linked to this. In the third chapter we present the results of interviews
with leading masters and teachers of Full Yoga in different parts of India as well as
Brazilian masters and instructors. In addition we also present a description of all the
spiritual atmosphere of the visited ashrans through a participatory research in which
the researcher, maintaining an academic look, experience the field through its praxis.
We strive through our field research to observe exactly how these mantras are being
practiced today in the context of full Yoga.

Key-Words: Yoga. Mantra. Full Yoga. India. Ethnographic Research.


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Altar védico contemporâneo ............................................................... 19


Figura 2 - Diversas representações possíveis do OM.......................................... 20
Figura 3 - Maa Brahmacharini - avatar yoguine da Deusa Durga, que sempre porta
seu Japa-Mala ............................................................................................... 31
Figura 4 - Representação de Krsna entre as Gopis .......................................... 36
Figura 5 - Sri Aurobindo .................................................................................... 39
Figura 6 – Símbolo do Yoga .......................................................................... 40
Figura 7 - A Mãe (Mirra Alfassa) .......................................................................... 41
Figura 8 – Mandala da Mãe .......................................................................... 42
Figura 9 - Mapa com marcação dos locais visitados no sul e norte da Índia
.................................................................................................................... 57
Figura 10 – Pondicherry - Sri Aurobindo Ashran .......................................... 58
Figura 11 – Mahasamadhi (Mausoléu dos mestres Sri Aurobindo e Mirra Alfassa)
.................................................................................................................... 59
Figura 12 - Nova Délhi - Sri Aurobindo Ashran Delhi Branch ..................... 61
Figura 13 - Animais selvagens .......................................................................... 63
Figura 14 - Oferenda encontrada no Rio Ganges .......................................... 64
Figura 15 – Leito seco do Rio Ganges ............................................................... 64
Figura 16 – Swami Brandev .......................................................................... 67
Figura 17 - Prof. Vraje e Roberto Miranda, na escola de Sri Aurobindo Ashram, em
Pondcherry .......................................................................................................... 73
Figura 18 - Madhumita é a primeira dançarina, da esquerda para a direita. Foto
tirada em sua residência, em Pondcherry, Índia .......................................... 77
Figura 19 - Deby Prasad e Roberto Miranda, em refeitório do Sri Aurobindo Ashram
Delhi Branch ............................................................................................... 80
Figura 20 - Roberto Miranda recebendo, das mãos da mestra Karuna Mayee,
certificado de curso sobre mantras ............................................................... 83
Figura 21 - Professor Horivaldo Gomes meditando no alto da montanha de
Arunachala em Tiruvanamalai- Índia ............................................................... 87
Figura 22 - Roberto Miranda e Horivaldo Gomes em meditação na montanha
Arunachala .......................................................................................................... 87
Figura 23 - Instrutora Arati no templo de Durga, ao norte da Índia, ao fundo, os
Himalaias .......................................................................................................... 90
Figura 24 – Prem Baba, guru brasileiro, muito reconhecido em Rishkesh, ao lado da
Bandeira do Brasil, num comércio ............................................................... 94
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS INICIAIS .....................................................14
CAPÍTULO 1 - PRÁTICAS DE MANTRAS NO PASSADO E NO PRESENTE:
ANÁLISE DOS MANTRAS SELECIONADOS .....................................................18
1.1 O MANTRA OM .................................................................................... 20
1.1.1 O Mandukia Upanishad .......................................................................... 22
1.1.2 O Mundaka Upanishad .......................................................................... 23
1.2 GAYATRI MANTRA .................................................................................... 24
1.2.1 A Natureza de Gayatri .......................................................................... 28
1.3 O MAHA-MANTRA DE KRISHNA ............................................................... 33
CAPÍTULO 2 - YOGA INTEGRAL: CONCEPÇÕES E VIVÊNCIAS DE CAMPO 38
2.1 SRI AUROBINDO - BREVE HISTÓRICO BIOGRÁFICO ............................... 38
2.2 A MÃE .......................................................................................................... 40
2.3 YOGA INTEGRAL - FILOSOFIA E CONCEPÇÕES ............................... 43
2.4 METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO .......................................... 54
2.5 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA: ÍNDIA 2013-2014 ..................... 56
CAPÍTULO 3 - ENTREVISTAS E DISCUSSÃO .......................................... 66
3.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO .......................................................................... 66
3.2 ENTREVISTAS COM PRATICANTES INDIANOS ............................... 66
3.2.1 Swami Bramdev - Aurovalley Ashran – Haridwar ............................... 66
3.2.2 Bragkishore Vrage .................................................................................... 73
3.2.3 Dr. Narendra - Chefe do departamento de Sânscrito do Sri Aurobindo
Ashram- Pondcherry .................................................................................... 75
3.2.4 Yogaratah Bharatal - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo Ashran
.................................................................................................................... 76
3.2.5 Madhumita Patnaik .................................................................................... 77
3.2.6 Madhusudan Mahapatra - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo
Ashran-Pondicherry .................................................................................... 79
3.2.7 Debiprassad Pramanik .......................................................................... 80
3.2.8 Karunamayee – Mestra de Mantras do Sri Aurobindo Ashram Nova Delhi
.................................................................................................................... 83
3.2.9 Latajiji - Professora de línguas do Sri Aurobindo Ashran – Pondicherry
.................................................................................................................... 85
3.3 ENTREVISTAS COM OS BRASILEIROS .....................................................86
3.3.1 Professor Horivaldo Gomes-RJ ............................................................... 86
3.3.2 Ana Beatriz Ribeiro (Tilak) - Instrutora de Yoga-RJ ............................... 89
3.3.3 Ana (Arati) - Instrutora de Yoga-RJ .....................................................90
3.3.4 Ramai Pandita Das (Ronald Regis) - Instrutor de Yoga Integral da ANYI
.................................................................................................................... 91
3.3.5 Jocelina Vieira (Jô) - Govinda - Instrutora de Yoga da ANYI ......... 92
3.3.6 Suzete Issa Foligno (Suzi) - Samata - Instrutora de Yoga (Rio de Janeiro)
.................................................................................................................... 92
3.3.7 Maria Fernanda Trindade Ramos – Nandi - Instrutora de Yoga Integral
(Salvador) .......................................................................................................... 93
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 95
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 97
11

INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa tem como objetivo geral trazer para o âmbito das Ciências
das Religiões uma análise vinculada a práxis de uma das principais heranças
espirituais da Índia, que continuam a ser parte importante do Sadhana de diversas
linhas e ramos do Yoga. A saber, o Mantra.
Mantra é um termo em sânscrito que denota instrumentalização do som.
Podemos definir mantra como uma prática de religare, associada ao som ou a uma
vibração sonora, que pode ser emitida pela repetição de palavras, sílabas ou sons
de poder.
O mantra enquanto tradição deve ser compreendido como algo que vai além
de uma prática humana; deve ser compreendido através do próprio conceito de
Verbo Criador e poder da palavra, que, segundo Possebon:

O que liga as diversas doutrinas, segundo nossa interpretação, é o


poder da Palavra, VAC, aqui entendida como Verbo Criador. Em
sânscrito, é a fala, o discurso, a voz, o som e a língua, personificada
e divinizada na mais antiga tradição. Não se limita, portanto, a
veículo de comunicação, numa visão moderna e pragmática.
Verbum, VAC, é uma deusa dos tempos védicos. (POSSEBON;
2011, p.11)

Em primeiro lugar, para compreender o significado de mantra, não devemos


concebê-lo como uma criação mental, como algo que pertence ao universo mental
dos praticantes, mas sim como a própria forca de criação divina que desde tempos
imemoriais se manifesta através do som.

Corroborando com esta ideia, George Feuerstein (2006), nos fala deste poder
divino do mantra à partir de sua sua grafia original em sânscrito.

Mantra (do radical man, “pensar” e do sufixo tra que sugere


instrumentalidade), pensamento ou intenção expressos como som.
Assim a palavra mantra denota “prece”, “hino”, “encantamento”,
“conselho” e “plano”. Em contextos yogues, mantra significa fonemas
numinosos com significados que podem ou não ter um sentido
comunicável. [...] Cada mantra está associado a um poder invisível,
ou divindade. (FEUERSTEIN, 2006, p. 147)

Segundo este autor, o mantra, tanto pode ser um instrumento de


comunicação com esferas numinosas através de suas notas e sílabas sagradas,
como também pode ser utilizado para fins específicos, terrenos e materiais: os
12

mantras têm sido utilizados há milênios para a cura de uma determinada


enfermidade, a proteção, a purificação e outras funções na vida cotidiana de seus
praticantes. Na contemporaneidade, tanto praticantes do sanatana-dharma (ou “a
religião eterna”, conhecida como hinduísmo), como do Budismo, do Jainismo, do
sikismo, e de uma infinidade de novos movimentos religiosos, fazem uso de
mantras, com base na tradição védica que os sustenta.
Outra definição apresentada por Feuerstein (2006), que consta na obra A
Tradição do Yoga, remete-nos a uma interpretação dos mantras dentro da história e
da cultura hindu. Conforme dissemos anteriormente, desde tempos remotos, quase
imemoriais, os sons e os hinos são considerados pelos iogues da Índia, como
instrumentos de proteção e purificação da mente e de ambientes externos.

O som é uma forma de vibração e, como tal, era conhecida pelos


yoguins da Índia antiga e medieval. De acordo com a teoria
predominante da ciência dos sons sagrados - conhecida como
mantra-vidya ou mantra-shastra -, o universo existe num estado de
vibração. A descoberta de que os sons, e, sobretudo, os sons
repetitivos, afetam a consciência, ocorreu há muito tempo
provavelmente na Idade da Pedra. Podemos supor com bastante
fundamento que os rituais paleolíticos incorporavam alguma forma de
canto e percussão simples, talvez com o uso de ossos de animais
como baquetas de tambor. [...] Os hinos dos Vedas são chamados
pela tradição de mantras. A palavra mantra não tem equivalente
exato em inglês ou português. É derivada da raiz man (“pensar” ou
“estar atento”), que também se encontra nos termos manman
(“ponderar atentamente”), manas (“mente”) [...] O sufixo tra em
mantra sugere uma função instrumental. Entretanto, de acordo com
uma explicação exotérica, ele vem da palavra trana, que significa
“ato de salvar”. Portanto, o mantra é aquilo que salva a mente de si
mesma, ou que conduz a salvação através da concentração da
mente. (FEUERSTEIN, 2006, p. 90)

Desse modo, podemos admitir que, no contexto do yoga (enquanto


Dharshana), o mantra assume variadas funções, no entanto, em todas as linhas é,
reconhecidamente, um instrumento de poder ou caminho para uma experiência de
transcendência e conexão com a vibração primordial do universo. E, embora o foco
de nossa pesquisa seja a prática dos mantras no contexto da tradição do Yoga
Integral, vale lembrar que a entoação dos mantras remete ao período védico,
notadamente anterior ao surgimento do yoga enquanto Dharshana. Na verdade, os
13

textos do Veda1 são, essencialmente, textos para serem entoados na forma de


mantras.
Fica evidenciado, na tradição da Índia, que a eficácia do mantra está
relacionada a sua entoação correta (sonoridade, pronúncia, atitude mental, etc...).
Tomando por base estes pressupostos, nossa pesquisa tem como objetivos
específicos:

a) Compreender estas sonoridades, efeitos e significados no âmbito da tradição


do Yoga. Assim, no primeiro capitulo para termos uma compreensão geral
sobre os Mantras abordaremos alguns desses fonemas sagrados que são
considerados importantes para a tradição do Yoga, haja vista sua grande
frequência e utilização. Os mantras selecionados foram: O mantra OM, o
Gayatri Mantra, o Mantra Hare Krsna (Maha Mantra da tradição Vaishnava).
Estes são considerados mantras universais que são praticados em várias
tradições, inclusive a tradição específica sobre a qual nos debruçaremos, o
Purna Yoga ou Yoga Integral de Sri Aurobindo sobre o qual falaremos no
objetivo seguinte.
b) Analisar como estes mantras vêm sendo praticados na atualidade no contexto
do Yoga Integral, ou Purna Yoga. A análise da prática dos mantras, no âmbito
desta tradição será desenvolvida através da descrição de nossa viagem para
pesquisa de campo na Índia, que foi realizada entre Dezembro de 2013 e
Janeiro de 2014, onde foi possível a audição e o registro da prática de
mantras nos principais Ashrans vinculados ao Yoga Integral, bem como,
através de pesquisa de campo entre praticantes de Yoga no Brasil, filiados a
ANYI (Associação Nacional do Yoga Integral) que se utilizam de mantras.

Para a realização destes objetivos, desenvolvemos três capítulos: o primeiro


capítulo versa sobre análise de três mantras específicos, que selecionamos para
nosso estudo e compreensão geral dos mantras; o segundo capítulo versa sobre a
tradição do Yoga Integral na Índia e já apresenta elementos da pesquisa de campo,
através de nossa experiência de viagem pelos ashrams da Índia, onde vivenciamos

1
O nome Veda designa um conjunto de textos sagrados, sobre os quais se fundamentam a
sociedade e espiritualidade indianas. A influência deste cânone védico sobre a cultura indiana vai
desde o segundo milênio antes de Cristo até a atualidade (GNERRE, 2011, p. 25).
14

importantes práticas de mantras vinculados à tradição do Purna Yoga. No terceiro


capítulo, apresentamos o conteúdo das entrevistas com os principais mestres e
professores do Yoga Integral em diversas regiões da Índia bem como mestres e
instrutores brasileiros. Além disso, também apresentamos uma descrição de toda a
atmosfera espiritual dos ashrans visitados, através de uma pesquisa participante na
qual o pesquisador, mantendo um olhar acadêmico, experiência o campo através de
sua práxis.
Este olhar participante nos permite desenvolver uma pesquisa de cunho
etnográfico. Isto quer dizer que nos colocamos na posição de observador de uma
cultura, ou de um modo de ser reconhecidamente diferente do no nosso, ou seja, a
tradição dos mantras no seio da cultura indiana. Os atores ou os pesquisados que
nos interessaram configuravam-se em professores e mestres de yoga e(ou) mantras
da tradição do yoga integral, pessoas que reconhecidamente exercem funções
importantes nos ashrans deste Yoga, bem como brasileiros praticantes de Yoga
Integral.

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS INICIAIS

Mircea Eliade (2012), um dos grandes referenciais para pesquisas na área de


Ciências das Religiões, faz importantes reflexões sobre os mantras e sobre a
importância de sua sonoridade para a concentração:

O valor prático e a importância filosófica dos mantras ligam-se a duas


ordens de fatos. Em primeiro lugar, a função yóguica dos fonemas,
utilizados como “suportes” para a concentração; em segundo, o
aporte propriamente tântrico: a elaboração de um sistema gnóstico e
de uma liturgia interiorizada, revalorizando as tradições arcaicas
sobre o som místico. (ELIADE, 2012, p.180)

Outro conceito que Eliade utiliza como uma prática próxima ou similar ao
mantra é o de Dharani. As dharani seriam esses fonemas, utilizados como proteção
ou fórmulas de concentração, e estariam, para a tradição do yoga, ligados à
respiração, que conduziriam seu ritmo. Para Eliade, tanto os mantras quanto as
dharani, para terem seus poderes ilimitados, deveriam ser aprendidos através de um
mestre, e não nos livros.
15

As dharani, como os mantras, são aprendidos da “boca do mestre”


(guruvaktratah); como os fonemas, não pertencem à linguagem
profana nem se pode aprendê-los nos livros, deve-se “recebê-los”.
Uma vez recebidos da boca do mestre, os mantras têm poderes
ilimitados. (ELIADE, 2012, p. 182)

Assim, o aprendizado dos mantras estaria, originalmente, inserido em um


contexto iniciático da tradição Guru-discípulo que perpassa toda a tradição indiana,
desde os upanishads (textos sagrados da Índia, sobre os quais vamos discorrer no
primeiro capítulo deste trabalho). Ainda sobre o poder ilimitado de um mantra, Eliade
(2012) afirma:

A eficiência ilimitada dos mantras é devida ao fato de que eles são


(ou pelo menos podem tornar-se, mediante recitação correta) os
“objetos” que representam. Por exemplo, cada deus, cada grau de
santidade, possui um bija-mantra, “um som místico” que é sua
“semente”, seu “suporte”, isto é, seu próprio ser. Repetindo,
conforme as regras, esse bija-mantra, o praticante toma posse de
sua essência ontológica, assimila o deus de maneira concreta e
imediata, e também o estado de santidade etc. (ELIADE, 2012, p.
182)

Junto com estes elementos, que Eliade aponta como essenciais para a
eficácia do mantra, há também um fator importante associado à própria respiração
do praticante. Quando o mantra é entoado de forma correta, seguindo a métrica do
sânscrito védico, percebemos que a própria respiração se altera em função desta
métrica. O praticante, para emitir a pronúncia correta de determinadas palavras do
sânscrito, e respeitar sua entoação mântrica, acaba por praticar momentos de
Kumbhaka (retenção do ar) e Rechaka (exalação do ar), através de um trabalho
diafragmático vigoroso. Como se sabe na tradição do Yoga, estas práticas de
alteração da respiração, similarmente aos Prānāyāma (controle do prānā)2, são
poderosos alteradores de consciência. Por isso, acreditamos também que o mantra
exerce este efeito junto ao praticante, que além de entrar na sintonia das deidades,
também altera seu próprio fluxo de prana.
Ainda sobre os estudos dos efeitos e poderes dos mantras, autores
contemporâneos adeptos à linhagem espiritual de Swami Dayananda ressaltam os
poderes espirituais que os praticantes de mantra passam a dispor:

2
O prānā é a força vital que circula pelos cakras, e por todas as estruturas dos corpos sutis.
16

Nos estudos dos Mantras, tem-se que, com o som, por meio do seu
poder divino e com as repetições em sânscrito das palavras
sagradas, pode-se alcançar as camadas mais profundas do nosso
psiquismo. Estudam-se as vocalizações ou fórmulas sagradas e
secretas, que podem ser entoadas normalmente, em forma de som
ou mentalmente. Foram os rsis (sábios) que, com suas intuições,
revelaram o poder do Divino nos mantras. Para eles, a combinação
dos sons proporcionava um efeito magnético no praticante,
atribuindo-lhe poder espiritual. (NOVAES et al; 2011, p. 11)

Percebemos também, em algumas tradições do Yoga, a prática de repetição


desses sons de poder, como instrumento para atingir estados alterados de
consciência ou “frequência vibracional” elevada, bem como realizar uma
transformação no ambiente, preparando-o para a prática, haja vista a sempre
presente entoação do mantra Om, nas diversas tradições do Yoga, bem como o seu
reconhecimento como parte inerente à prática (Sadhana). A este respeito, Georg
Feuerstein (2006), um dos maiores estudiosos do Yoga na contemporaneidade, faz
as seguintes colocações:

Considerado isoladamente, o som mais importante nos cantos rituais


védicos era o monossílabo Om, que é até hoje, no Hinduísmo, o
fonema sagrado mais venerado e amplamente aceito.
(FEUERSTEIN; 2006, p.90)

O som, a vibração sonora, é concebido como parte integrante do processo de


transformação da consciência e como parte fundamental de manifestação do todo,
conhecido na cultura védica como Brahman. Nesse sentido, podemos entender
mantra tanto como uma prática social, realizada pelos seres humanos desde os
tempos primitivos, também como uma manifestação vibratória do próprio absoluto. A
este respeito, temos esta importante passagem de Heinrich Zimmer (2003):

Os sons percebidos pelo ouvido externo são o resultado de ‘duas


coisas que se chocam’, ao passo que o som do Brahman é
anahatasabda, “o som (sabda) que surge sem que duas coisas se
choquem (anahata)”. Este som é o Om; não o Om produzido pelos
lábios, que é apenas uma sugestão mnemônica criada pelo choque
da corrente de ar proveniente dos pulmões com os órgãos da fala,
mas o Om fundamental da criação, que é a própria Deusa como som.
(ZIMMER, 2003, p.414)
17

Assim, em seu contexto de origem na cultura indiana, o mantra tanto pode ser
compreendido como um som emitido pelo aparelho fonador humano, quanto pode
ser entendido como a vibração geradora da existência que permeia todos os seres,
e que, em determinados estados de consciência, pode ser percebido ou acessado
pelo sadhaka3.
A proposta de nosso trabalho é justamente esta, de compreensão do
significado da prática do mantra em sua cultura de origem, e a partir daí, estabelecer
um olhar sobre como esta prática vem sendo desenvolvida na contemporaneidade
entre praticantes de Yoga Integral no Brasil.

3
Aquele que pratica a disciplina, ou Sadhana.
18

CAPÍTULO 1 - PRÁTICAS DE MANTRAS NO PASSADO E NO PRESENTE:


ANÁLISE DOS MANTRAS SELECIONADOS

Neste primeiro capítulo, vamos analisar aspectos filosóficos e práticos


relacionados três mantras que consideramos fundamentais na tradição indiana, e
que selecionamos como referencias para nossa pesquisa teórica em função da sua
ampla divulgação que vai além da Índia: O mantra OM, o Gayatri Mantra, o Mantra
Hare-Krsna (Maha Mantra da tradição Vaishnava). É importante dizer que, no Yoga
Integral, que é o foco de nossa pesquisa, não há um repertorio ou indicação destes
mantras especificamente, porém estes mesmos mantras, fazem parte do sadhana
de alguns adeptos, como apresentaremos no terceiro capítulo deste trabalho.
No entanto, antes de começarmos nossa análise dos mantras propriamente
ditos, é importante ressaltar que a prática do mantra na tradição indiana está
intimamente relacionada a todo um contexto ritual, que segue prescrições que estão
em textos védicos e outras escrituras sagradas. Desde sua origem védica, o mantra
está relacionado aos elementos rituais daquela cultura.
Segundo a descrição de Mircea Eliade (2010 [1976], p. 212-3), o culto védico
não conhecia santuários; os ritos realizavam-se na casa do sacrificante, ou num
terreno limítrofe, atapetado de relva, no qual se instalavam 3 fogos. As oferendas
eram leite, manteiga, cereais e bolos, mas havia também o sacrifício de animais
como a cabra, a vaca, o touro, o carneiro, e o mais importante de todos: o cavalo. O
sacrifício do cavalo (asva-medha) estava presente em outras sociedades indo-
europeias, que teriam sido as primeiras a domesticar o animal.
Dos quatro livros dos Veda, o Rig-Veda é considerado tanto pelos
acadêmicos quanto pelos adeptos, como sendo o mais importante. Trata-se de uma
coleção de 1028 hinos, voltada para assuntos religiosos, para explicações sobre a
origem dos deuses e de todo o universo. Para compreender o uso do Rig-Veda,
devemos imaginar a seguinte cena:

Um rito está sendo realizado em local sagrado, pelos sacerdotes


que podem fazê-lo. Enquanto realiza-se o rito, os versos são
recitados, invocando a presença divina e narrando os mitos
primordiais. Nas estrofes, o poder mágico das palavras está sempre
presente. Há uma maneira correta de pronunciá-las, para que se
garanta a eficácia do canto. Esta entoação das palavras mágicas é
conhecida como Mantra (POSSEBON, apud GNERRE, 2011, p.33).
19

Estas práticas ritualísticas que envolvem os mantras continuam sendo


executadas pelos Brâmanes indianos até a contemporaneidade, como vemos nesta
imagem:

Figura 1 - Altar védico contemporâneo.

Assim, desde sua origem até a contemporaneidade, o mantra segue


vinculado a práticas rituais da tradição indiana. O mantra é o elemento central do
Puja, ou seja, da oferenda. O puja é uma oferenda de energia ou de elementos
rituais (manteiga, incenso, etc..), que tanto pode ser feito por um grupo social,
quanto por um único praticante. O mantra diante da imagem de uma divindade,
colocada sobre um altar, onde o elemento fogo se faz presente, por vezes associado
à água, à manteiga, e ao incenso, é o centro da religiosidade hindu – seja individual
ou coletiva. Os gurus que movem multidões na Índia contemporânea fazem vastos
usos dos mantras, sendo estes elementos da religiosidade popular na Índia.
Neste capítulo, vamos abordar justamente alguns mantras clássicos de
determinadas tradições históricas, mas que também estão inseridos nesta cultura
popular indiana.
20

1.1 O MANTRA OM

Figura 2 - Diversas representações possíveis do OM.

Uma importante parte da nossa pesquisa versa sobre o Pranava Om, tido
como o mais conhecido e praticado Mantra entre todos. Este som monossilábico
seria a união do (A-U-M), e a sílaba representaria a vibração sonora mais elevada, a
própria corporificação sonora do Divino. Dizem os Iogues que, quando todos os sons
cessam, a vibração que permanece no universo é o Pranava Om.
O Om, no entanto, difere dos mantras que apresentaremos a seguir, onde
encontramos palavras em sua composição. O Om é composto apenas por um
fonema, e neste único fonema estaria contido todo seu poder de elevação da mente
para estados de transcendência. Por ser justamente um fonema monossilábico, o
OM pertence à categoria dos chamados Bija Mantras (ou mantras-semente).
Outro importante autor contemporâneo reafirma a importância deste mantra:

Este não é um mantra comum, com objetivo e alcance limitados.


Seu poder é o mais fundamental e abarcante dentre todos os
mantras. Ele afeta o próprio coração do Jivatma e a mais importante
e fundamental relação existente na natureza, isto é, a relação entre
21

Jivatma e Paramatma. Ele é a expressão verbal (vachaka) de Ishvara


(TAIMNI, 1991, p.69).

Praticamente toda a literatura religiosa Hindu faz referência ao mantra Om.


Dentre os mais importantes textos clássicos que abordam e conceituam o Mantra
Om, temos os Upanishads. Os Upanishads são tidos como a segunda parte dos
Vedas, também conhecido como Vedanta ou fim dos Vedas.4 Essas escrituras
tratam do conhecimento de Brahman, o Absoluto. E diversas delas são dedicadas ao
mantra Om, que em algumas passagens é tido como o próprio absoluto.
Gnerre (2011) comenta essa transição entre o período védico brahmânico e o
fim dos Vedas da seguinte forma:

Para os sábios das upanishad, não interessa mais apenas o


conhecimento das palavras mágicas, o conhecimento dos hinos a
serem recitados nas ocasiões apropriadas. Interessa o conhecimento
do Brahman, que transcende as próprias palavras. Não interessam
mais ações que levem ao “mais alto lugar do céu”, pois este lugar
também é uma manifestação transitória do Brahman, assim como
são todas as suas manifestações. Interessa, sim, o conhecimento do
absoluto, daquele que não tem forma, e está além do mais alto céu.
(GNERRE, 2011, p. 54)

Nos textos das Upanishads, o mantra OM é justamente aquilo que propicia


este conhecimento de Brahman: é o mantra que abre as portas da consciência
individual e egoica para o absoluto sem forma, que está mais além do alto céu.
Existem cento e oito antigas Upanishads preservadas. Algumas são em prosa,
outros são em verso, outros em verso e prosa, e sua extensão é variada, mas não
costumam ser textos muito longos. Variam também o estilo e a forma das
upanishads: alguns são simples e narrativos, outros são abstratos, assumindo
muitas vezes a forma de diálogos. Também não se sabe ao certo quem os escreveu,
nem exatamente quando (apenas um período aproximado). Os Rsi, sábios videntes
a quem se atribuem os textos, permanecem totalmente nos bastidores das palavras,

4
Os upanishads são um conjunto de textos sagrados desenvolvidos na Índia no período Bramânico,
entre 1.000 e 400 a.C. Assim, segundo a periodização tradicional da literatura indiana, são textos
produzidos num período posterior ao védico, num contexto de transição de uma cultura ārya – védica,
para uma cultura que incorpora elementos das tradições autóctones aos conceitos védicos. A grande
maioria dos upanishads foi criada fora dos círculos sacerdotais bramânicos, e por isso teriam dado
esta oportunidade de emergência de novas formas de pensamento não advindas da cultura ariana.
(GNERRE, 2011, p. 43)
22

fiéis ao ensinamento central de seus textos: a dissolução do eu individual em meio


ao Eu universal (GNERRE, 2011, p. 47).
Para elucidarmos nossa compreensão a respeito das características desta
sílaba sagrada, vamos analisar partes dos textos de algumas destas upanishads,
especificamente da Mandukia e da Mundaka, duas das Upanishads que mergulham
de forma mais profunda nos significados do OM.

1.1.1 O Mandukia Upanishad

No texto do Mandukia Upanishad de Prabhavananda e Manchester (1993), há


o seguinte comentário a respeito da sílaba OM:

A sílaba OM, que é o imperecível Brahman, é o Universo. Seja o que


for que já tenha existido, seja o que for que exista, seja o que for que
vá existir daqui para diante, é Om. E seja o que for que transcenda o
passado, o presente e o futuro, também é OM. (PRABHAVANANDA;
MANCHESTER, 1993, p.67)

Vemos aqui exposto, os termos Om e Brahman como sinônimos. E ainda que


Brahman seja o próprio Universo, é tido então que o OM é a sílaba sagrada que
incorpora Deus, o corpo sonoro do Divino. Passado, presente e futuro do cosmos.
Tudo é Brahman, tudo é o OM.
Aqui podemos retomar o conceito de VAC que foi apresentado na introdução,
e estabelecermos um paralelo entre a sílaba sagrada da tradição hindu com o
próprio verbo criador presente na Bíblia. Em João (1: 1-4) está escrito: No princípio
era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Rohit Mehta (2003, p.
28), um importante comentador contemporâneo dos Upanihads, interpreta e
correlaciona essa passagem bíblica com o próprio conceito de Om, afirmando que “a
palavra estar com Deus” seria uma manifestação vinda de Deus, enquanto “... e o
Verbo era Deus”, seria um estado imanifesto do divino, onde o Verbo seria o próprio
Deus, Brahman.
No Mandukia Upanishad (1993) é dito que há um Eu que está no interior dos
seres que é o próprio Brahman, que tudo o que vemos fora, no exterior, também é
Brahman, e que esse Eu também é uma coisa só com o OM. Ainda nesse mesmo
Upanishad sobre esse Eu, está escrito:
23

Ele é pura consciência unitária, onde a percepção do mundo e da


multiplicidade é completamente eliminada. Ele é a paz indefinível. Ele
é o bem supremo. Ele é o Um sem segundo. Ele é o Eu. Conhecei
apenas ele! (PRABHAVANANDA; MANCHESTER, 1993, p.68)

Um aspecto curioso nessa Upanishad é que está dito que o Om, essa sílaba
indivisível, é impronunciável e está além da mente. Esse texto trata,
fundamentalmente, do conhecimento do Eu:

O Quarto, o Eu, é OM, a sílaba indivisível. Esta silaba é


impronunciável, e está além da mente. Nela, o Universo múltiplo
desaparece. Ela é o bem supremo-Um sem segundo. Quem quer
que conheça OM, o Eu, torna-se o Eu. (PRABHAVANANDA;
MANCHESTER, 1993, p. 69)

Como entender esta afirmação do M. UP., de que o OM é impronunciável, já


que ele também é o mantra mais entoado em todas as tradições? Uma hipótese que
vemos nas declarações de alguns mestres é que o verdadeiro OM é aquele que
deve ser apenas ouvido. A vocalização do mantra serviria para invocar o
conhecimento deste OM impronunciável e onipresente, que sustenta o universo.
Paramahansa Yogananda, um importante mestre que difunde a tradição do Yoga no
ocidente na primeira metade do século XX, alerta-nos justamente para o fato de que
a verdadeira meditação em OM deveria ser feita através da escuta interior da sílaba
sagrada, e somente nesta escuta podemos acessar a frequência perfeita deste som.
(YOGANANDA, 2007)

1.1.2 O Mundaka Upanishad

No Mundaka Upanishad, o mantra Om é primeiramente citado como uma


“ferramenta” ou instrumento para que o ser individual possa conquistar a meta última
da autorrealização, atingir Brahman:

OM é o arco, a flecha é o ser individual, e Brahman é o alvo. Mirai


com o coração tranquilo. Perdei-vos dentro dele, do mesmo modo
como a flecha se perde no alvo. (PRABHAVANANDA;
MANCHESTER, 1993, p. 62)

Ou seja, é através da prática do OM que a consciência egoica individual do


praticante pode ser “arremessada” para o alvo supremo, que é o próprio Brahman.
24

Uma vez atingida a meta, toda a individualidade é perdida, restando apenas o


absoluto supremo.
Logo abaixo, nessa mesma Upanishad, é possível perceber novamente o Om
como um sinônimo de Brahman:

Dentro do lótus do coração ele habita, onde, como os raios de uma


roda, os nervos se encontram. Meditai nele como OM. Facilmente
podereis atravessar o mar da escuridão. (PRABHAVANANDA;
MANCHESTER, 1993 p. 62)

1.2 GAYATRI MANTRA

Um segundo mantra que objetivamos estudar é o Gayatri Mantra. Existem


muitas traduções diferentes e divergentes sobre o significado do Mantra Gayatri -
como era de se esperar para uma transliteração e tradução a partir do Sânscrito
para o Inglês e Português. O que percebemos ser comum a essas importantes
traduções é a forma devocional de seus significados, como um pedido ao Sol, pra
que ele ilumine a consciência do aspirante por uma inspiração, por uma melhor
percepção espiritual e discernimento.
Para nosso estudo, escolhemos algumas traduções do mantra Gayatri, para
que tenhamos elementos de comparação.
A primeira tradução do Gayatri que devemos citar é aquela apresentada por
Georg Feuerstein (2006): “Om. Terra. Meia-região. Céu. Deixe-nos contemplar o
esplendor mais excelente do Savitri [Sol], que ele possa inspirar as nossas visões”.
A segunda versão é aquela proposta por I. Taimni (1991): “Meditamos sobre
a Luz Divina do adorável Sol da Consciência espiritual que estimula nosso poder de
percepção espiritual.” Esta versão nos dá uma abordagem mais filosófico-espiritual
do mantra.
Uma terceira versão seria aquela do mantra Gayatri. De acordo com a
tradição de ensino de Swami Dayananda (NOVAES; s/a, p.32): “Os três mundos são
permeados pelo Senhor, o Criador. Om é a base de tudo. Este Senhor é aquele que
é o mais adorado. Nós meditamos no Senhor, que é todo Conhecimento. Que Ele
direcione nossos intelectos na direção correta”.
Finalmente, temos o mantra Gayatri pela tradição da Associação Nacional de
Yoga Integral (GOMES; s/a, p.8): “Meditemos sobre Deus e sua Glória. Aquele que
25

criou este Universo. Aquele que deve ser adorado e por quem toda a ignorância é
eliminada. Possa Ele iluminar nossa inteligência”.
Além de ser considerado um Mantra, o Gayatri é também tido como uma
oração, pois um Mantra não necessita, necessariamente, de um significado, mas sim
do que está contido naquelas palavras. Já o Gayatri também encerra em si uma
poderosa oração:

Quando o poder mântrico é, deste modo, combinado com o poder da


oração, obtém-se um instrumento mais efetivo para o
desenvolvimento das nossas potencialidades espirituais. (TAIMNI,
1991, p.65).

Através do estudo da estrutura e significado do mantra, o autor afirma que o


Gayatri pode ser dividido em três partes bem definidas. Qual seria a função ou
propósito específico destas três partes?
A primeira parte, Om bhuh, Om bhuvah, Om suvah, teria como propósito
estimular, nos veículos do praticante, determinados poderes que preparam o terreno
pras outras partes. A segunda parte, Tat savitur Varenyam Bhargo Devasya
Dhimahi, visa estimular no praticante uma forte aspiração com o objetivo de entrar
em contato com a Consciência de Savita, que seria a Divindade que preside o nosso
sistema solar. Sobre a última parte, Dhiyo Yo Nah Prachodayat, Taimni (1991)
afirma: A terceira parte objetiva criar uma atitude de autoentrega (atma-samarpana),
a qual é essencial para o descenso da graça Divina (Kripa).
Voltado exclusivamente para a análise deste mantra, temos uma publicação
de extrema relevância, o livro Gayatri: O Mantra Sagrado da Índia (1991), de
I.K.Taimni5. O autor inicia o texto falando da grande importância que os Rishis
(sábios) da Índia davam à prática diária da Japa (pronúncia meditativa) do Gayatri
mantra. Não só para aqueles que vivem uma vida de ascetismo e em busca de uma

5
O Dr. I. K. Taimni é um reconhecido estudioso indiano do Yoga e do Hinduísmo. Sua formação
acadêmica foi no campo da Química, no qual se tornou Ph.D, com diversas publicações em revistas
internacionais e orientações em pesquisas nesta área. Além desse campo de atuação, foi também
um profundo estudioso de religião e de filosofia da Índia. Publicou várias obras nestas temáticas,
destacando-se como grande autoridade no assunto do Yoga. Vários de seus livros foram traduzidos
para diversos idiomas, dentre os quais se destacam “A Ciência da Yoga” (Comentários aos Yoga-
Sutras da Patanjali), “O Homem, Deus e o Universo” e “Śiva Sutras: realidade e Realização
Supremas”.
26

emancipação espiritual, mas também para os Hindus que vivem sua vida mundana
nas grandes cidades.
O Gayatri aborda um aspecto do desenvolvimento humano que está além do
raciocínio de uma “mente inferior” o que identificaria no indivíduo uma percepção
espiritual mais elevada chamada de buddhi. A respeito dessa faculdade ele afirma:

O intelecto pode conhecer todos os fatos, mas a menos e até que ele
esteja iluminado pela luz de buddhi não conseguirá perceber seus
significados mais profundos. E por esta razão que a atitude dos
filósofos que todos os dias fazem conferência sobre os problemas
mais profundos da vida não difere apreciavelmente da atitude do
homem comum. Também é por esta razão que o cientista que
diariamente varre os céus e olha para as profundezas longínquas
deste vasto universo não consegue perceber a insignificância de
nossa vida humana, desde um ponto puramente físico... Estas
pessoas parecem conhecer tudo e, no entanto, nada conhecem. O
seu conhecimento está apenas no plano do intelecto. A faculdade de
buddhi ainda não foi desenvolvida, ou permitido o seu funcionamento
em um grau adequado (TAMNI, 1991, p.13).

Assim, buddhi seria algo que está além de qualquer concepção meramente
mental, ou intelectual, sendo esta uma consciência luminosa superior que quando
desenvolvida ou sintonizada pelo adepto permite ao mesmo a compreensão de
significados mais profundos da existência. Ainda sobre essa concepção de Buddhi e
sua manifestação no aspirante, como um estágio superior, uma manifestação
transcendente, temos outro termo advindo do Samkhya (uma das mais importantes
escolas filosóficas da Índia) expresso nessa frase por Gnerre (2011):

O primeiro estágio de manifestação desta matriz transcendente é


chamado de Mahat – ou o grande intelecto, a grande mente. Este
estágio tem a natureza da inteligência e da luminosidade, por isso é
conhecido também como buddhi – sabedoria superior. (GNERRE,
2011, p.86)

A viveka ou “iluminação” de buddhi poderia ser entendida como um processo


de tomada de consciência, o que daria ao sadhaka (aspirante espiritual) uma
qualificação necessária para trilhar a senda de uma sadhana (prática espiritual) com
maior êxito em sua jornada. E o mantra Gayatri seria o elemento central das práticas
espirituais aconselhadas pelos rishis para o desenvolvimento dessa faculdade. Para
que esse processo ocorra, segundo o autor, o aspirante teria que passar por um
27

processo de refinamento ou purificação de seus “corpos sutis”6, do mais denso, o


plano físico aos mais sutis. Sobre isso Taimni (1991) comenta:

Uma vez que a iluminação pode ser considerada como expressão da


consciência sem ser indevidamente tolhida e obscurecida por seus
veículos, a sadhana para se alcançar o estado de iluminação deve
estar relacionada fundamentalmente com a reorganização e
purificação dos veículos (TAIMNI, 1991, p.23).

Desse modo, o mantra Gayatri seria uma ferramenta advinda de níveis mais
sutis que ajudariam na purificação desses veículos mais densos. Assim, a primeira
tarefa do sadhaka ou aspirante, portanto, não se trata de alcançar a iluminação, mas
sim de remover os densos obscurecimentos impostos pelos veículos inferiores, de
modo que ele possa trabalhar com o auxílio da luz que vem dos veículos mais sutis
nos planos espirituais. E essa é a luz de buddhi e com a qual o mantra Gayatri está
relacionado. (TAIMNI, 1991, p.24).
Ainda sobre esse processo de refinamento ou purificação dos veículos
inferiores, o autor afirma:

De fato, tão logo inicia-se o processo de purificação e harmonização


começam a aparecer mudanças na consciência, embora estas
possam não se manifestar na forma que ele espera ou deseja. Por
exemplo, muitos sadhakas ao começar uma sadhana de qualquer
tipo esperam obter visões e coisas deste gênero. Mas geralmente
nada disso acontece. O mais provável é que tudo o que o sadhaka
experimente seja uma paz e uma força interior, bem como uma maior
capacidade para ver claramente os problemas da vida e suas
ilusões, e também as suas próprias fraquezas e tolices (TAIMNI,
1991, p.24).

O que o autor afirma é que, através da prática deste mantra, o praticante


(sadhaka) adquire uma qualidade fundamental na tradição indiana: viveka, ou o
discernimento. Justamente este discernimento é o que permite ao praticante
experimentar esta “capacidade de ver claramente os problemas da vida de suas
ilusões”, ou seja, permite ao sadhaka continuar vivendo sua realidade corpórea, mas
trazendo sempre consigo o discernimento e a percepção correta, elementos que
podem torná-lo um “ser liberto”, porém, que continua vivendo no próprio contexto da
Māyā – um dos grandes conceitos que envolvem toda a tradição indiana.

6
Sobre corpos sutis na tradição do Yoga, cf. ELIADE (2010) e FEUERSTEIN (2005).
28

Segundo o dicionário Monier-Williams (1988, p. 811) de Sânscrito-Inglês,


māyā pode significar “medida”, “ilusão”, “irreal” ou “magia”. A ideia de “medida” é
importante, pois, de acordo com ela, māyā não pode ser compreendida apenas
como “Ilusão”, mas também como medida que todo sujeito forma da realidade em
que vive; é seu ponto de vista, mas ele considera como sendo “o real” e, por isso
mesmo, é ilusão (BHAGAVADGITA, 2009, p. 86). Assim, a prática do Gayatri seria
uma forma de gerar este discernimento e permitir ao praticante estabelecer uma
compreensão da própria natureza da māyā. Esta seria a meditação suprema do
Gayatri. Vamos continuar abordando este tema no item seguinte.

1.2.1 A Natureza de Gayatri

Para se conhecer a essência de um mantra, precisamos saber, a princípio,


qual o significado do termo, ou que poder está refletido naquela vibração sonora. No
caso do mantra Gayatri, temos uma palavra que é usada pelas escrituras hindus
com três significados.

É usada primeiramente para designar o bem conhecido mantra, que


é recitado e sobre o qual se medita durante Samdhya. Em segundo
lugar, para a métrica ou chandas, na qual o mantra acima está
formulado. Em terceiro lugar, a palavra é usada para designar a Devi
(Deusa) que detém o poder deste mantra. (TAIMNI, 1991, p. 26)

Vamos continuar aqui nossa abordagem sobre o poder que é invocado na


repetição (japa) do mantra Gayatri. Em diversas tradições e filosofias da Índia, há
um pressuposto de unidade conhecido como Realidade imanifestada ou Nirguna
Brahman que, quando manifestada, é expressa por Śiva (Consciência) e Śakti
(Poder). Essa Śakti ainda pode ser entendida no universo manifesto por inúmeros
poderes que estão sempre ligadas a funções da consciência. A esses poderes são
dados representações simbólicas de arquétipos que expressam determinados
poderes da consciência. Esses arquétipos são os Devatas e as Devis (divindades)
do panteão Hindu. Então, qual seria a natureza essencial de Gayatri Devi? Segundo
o autor, “trata-se da função libertadora de Ishvara, a qual liberta as almas do
aprisionamento no qual o poder de māyā envolve.” (TAIMNI, 1991, p. 26)
Segundo esta concepção, māyā seria uma forma de aprisionamento, de
involução advinda da identificação com a matéria, e a evolução se daria a partir da
29

identificação do sadhaka com a consciência. E para essa evolução, Gayatri seria


uma fórmula que, através de sua upasana, capacitaria o sadhaka a níveis mais
evoluídos de consciência.
Gayatri nos auxilia a desenvolver, progressivamente, a consciência humana.
O desenvolvimento da consciência humana, quando alcança certo estágio, faculta-
nos a entrar em contato, através dos níveis mais profundos de nossa consciência,
com a mente universal na qual o conhecimento dos veda está contido. Portanto,
podemos perceber que uma maneira verdadeira e efetiva de conhecer os Veda é por
meio de Gayatri, que produz este desenvolvimento progressivo da consciência.
Há ainda uma lenda mítica sobre esse conhecimento dos Veda, através da
prática do mantra Gayatri, nos textos sobre mantra do professor de Yoga, Horivaldo
Gomes (s/a. p. 8) que conta:

Manu, um jovem Brahmanin deseja conhecer plenamente a


sabedoria dos Veda, porém, sem lê-los. Seu pai, um homem erudito
e respeitado, procurou dar-lhe todos os ensinamentos para que ele
também se tornasse um homem sábio. Contudo, por causa de sua
preguiça e falta de vontade, tão comum ao ser humano, Manu
descartava qualquer possibilidade de estudar os Vedas. Para facilitar
o alcance do seu desejo, começou a venerar Indra, o Senhor dos
Céus.
Um dia, surgiu-lhe Indra dizendo-lhe: “Tua meditação e teus esforços
me compadecem. Por isso, podes fazer-me um pedido”. Manu
inclinou-se ante o deus e disse-lhe: “Conceda-me um único favor de
conhecer os Vedas, sem que eu leia ou estude”. Indra riu muito
diante do desejo de Manu e respondeu-lhe: “Eu sinto muito, Manu,
mas não posso dar-te o que me pedes, pois, até hoje, ninguém
chegou a conhecer os Vedas a fundo, sem antes haver lido ou
estudado os mesmos”. Indra desapareceu. Manu, porém, era
perseverante e, com muita paciência, recomeçou sua veneração ao
Deus, oferecendo-lhe alimentos sólidos, flores, jejuando e
alimentando-se somente de água. Após algum tempo, Indra
reapareceu e disse-lhe: “Em verdade tua obstinação me surpreende.
O que posso fazer por ti?” Manu tornou a expressar seu desejo, mas
Indra novamente explicou ser impossível e desapareceu.
No dia seguinte, Manu dirigiu-se ao mar para banhar-se e viu um
homem que jogava pedrinhas no vasto oceano. Manu observou-o e
logo dirigiu-se a ele, perguntando-lhe: “Por que jogas estas pedras
no mar?” O homem respondeu: “ Não gosto do mar e estou tentando
enchê-lo de pedrinhas” Manu assustou-se: “Ao acaso se pode aterrar
o mar jogando-lhe pedrinhas?” O homem respondeu: “ Sim, pois se
existem aqueles que querem conhecer os Vedas, sem sequer os
haver lido, eu também posso encher o mar com estas minúsculas
pedrinhas”. Manu logo deu-se conta de quem era aquele homem.
Tocou-lhe os pés, pois não era outro senão Indra. Manu estava
inseguro de um dia chegar a conhecer os Vedas, então perguntou ao
deus se havia algum modo especial para fazê-lo. Disse-lhe Indra: “Se
30

desejas conhecer a sabedoria dos Vedas, canta o mantra chamado


Gayatri. Ele acabará com tua falta de vontade e dar-te a disposição e
alegria para todos os fins. Pela sua prática sentirás entusiasmo e
felicidade, despertará o teu intelecto e, em pouco tempo, serás outro
homem. Graças à força assombrosa do Gayatri, tu dominarás todos
os Vedas”. Indra desapareceu, deixando a Manu o ensinamento que
ele precisava. (GOMES, s/a, p. 8)

Vê-se aqui um relato mítico, reafirmando a relevância que se dá ao Mantra


Gayatri, como uma importante ferramenta de transformação da consciência do
indivíduo para a obtenção da sabedoria e conhecimento.
Taimni sugere também que há uma relação intrínseca entre a upasana do
Gayatri com a técnica do Yoga. E um aspirante só estaria capacitado a aprofundar e
se beneficiar do poder da Gayatri Devi se estiver bem familiarizado com as técnicas
do Yoga, e afirma ainda que o Mantra-Yoga é o ramo do Yoga que está mais
envolvido com a upasana de Gayatri. Taimni resume Mantra-Yoga como sendo em
essência a técnica do desenvolvimento espiritual por meio da prática da japa. É
importante ressaltar que japa, enquanto prática repetitiva de orações ou sons que
geram alguma mudança na cognição do indivíduo, não é uma prática exclusiva dos
hindus, mas também de outras culturas e religiões.

Em todo o mundo um número muito grande de pessoas religiosas


pratica japa e sua prática não está de modo algum confinada aos
hindus como pensam algumas pessoas. Os católicos romanos têm o
seu rosário e os mulçumanos possuem o seu tasbeeh (TAIMNI,
1991, p.37).

Devemos analisar aqui alguns princípios básicos da Japa: Japa é a repetição


de um mantra escolhido com o objetivo de realizar certas mudanças em nossa
mente, as quais, a longo prazo, resultam em um afluxo de forças e poderes dos
planos superiores e em experiências de estados superiores de consciência.
(TAIMNI, 1991, p.49).
Essa repetição é comumente utilizada nos diversos ramos do Yoga,
normalmente utilizando-se de um Japa mala, uma espécie de rosário com 108
contas. Formas de entoação: Uma prática muito difundida na Índia é justamente a
entoação do Gayatri mantra 108 vezes, durante o nascer do sol. O mantra pode ser
entoado em voz alta, murmurado silenciosamente ou repetido mentalmente. A
repetição silenciosa é mais efetiva que em voz alta, mas a repetição puramente
31

mental tem o efeito mais elevado e é japa no verdadeiro sentido da palavra (TAMNI,
1991, p.50).
Normalmente, o praticante inicia sua prática entoando o mantra em voz alta e,
gradativamente, passa a um estado de concentração e entoação mental do mantra.
Ou seja, há uma sutilização do seu uso. Quanto a sua atuação:

Os sons físicos pronunciados em voz alta agem no corpo físico,


aqueles pronunciados silenciosamente atuam no duplo-etérico ou
pranamāyā kosha. A repetição mental do mantra com seu significado
naturalmente atua na mente (TAIMNI, 1991, p.50).

Taimni é enfático em afirmar a importância de uma prática de japa onde o


aspirante esteja com todos os seus poderes direcionados para a meta a ser atingida
e não simplesmente pela repetição mecânica desses mantras. O autor cita aqui
alguns mestres que passaram anos praticando, como o caso de Samartha Rama
Das, figura histórica que teria passado de 6 a 12 horas diárias de pé durante doze
anos para conquistar a autorrealização através da mantra-yoga. Como outro
exemplo, citamos o famoso músico-santo do sul da Índia, Tyagaraja, que se dedicou
diariamente 16 horas à prática de japa por um período de vinte anos. E as próprias
deidades hindus são por vezes representadas portando seus Japa-malas.

Figura 3 - Maa Brahmacharini - avatar yoguine da Deusa Durga, que sempre porta seu
Japa-Mala.
32

Ainda segundo Taimni, há uma vasta literatura sobre estes usos do mantra
(sobretudo do Gaytri), no contexto do Yoga. O Mantra Yoga, que geralmente é
referido como Mantra Shastra, o autor os diferencia quanto aos objetivos na
utilização dessa ciência afirmando:

Esta Mantra Shastra, ao contrário da Mantra Yoga, trata


principalmente da aplicação desta ciência para a obtenção de
objetivos pessoais e egoístas, enquanto que o Mantra Yoga tem
apenas um objetivo – o desenvolvimento de nossa natureza espiritual
(TAMNI, 1991, p.37).

Já para Feuerstein (2006), não há essa cisão. Mantra Shastra seria a teoria a
respeito do próprio caminho ou ramo do Yoga chamado de Mantra Yoga. Utilizando
o termo mantra-shastra como advindo da “ciência dos sons sagrados”.
Diversos são os fins, as formas de utilização e rituais referentes a esses sons.
Em todas essas formas, vemos uma grande importância atribuída à questão
energética do mantra. Um poder que lhe é atribuído é o de incidir sobre essa
frequência da matéria, ou corpo composto de energia – Prana, que no Yoga
chamamos de Pranamāyākosa, um dos invólucros do Ser, que é o corpo vibracional
ou energético.

Outro importante princípio que temos que entender com relação à


teoria da Mantra Yoga é que a vibração não apenas está na base da
forma mas também é necessária para a manifestação da consciência
(...) O fato fundamental que temos que compreender e manter em
nossa mente é que vibração, forma e consciência estão relacionadas
umas com as outras de maneira muito íntima, e afetando umas as
outras de todos os modos. (TAMNI, 1991, p.43-44).

Assim, segundo este autor, o som é a forma através da qual a própria


consciência primordial se manifesta. Esta consciência é conhecida na tradição do
sāmkhya e do Yoga como Budhi – o primeiro estágio da manifestação da Prakrti, na
forma de inteligência, luminosidade, ou sabedoria superior, a partir da qual outros
elementos da natureza se manifestam, incluindo o próprio princípio do Ego7.

7
A este respeito, cf. GULIMIN. In: POSSEBON, 2010, p. 86-89.
33

1.3 O MAHA-MANTRA DE KRSNA

Um terceiro mantra que abordaremos na nossa pesquisa é o maha-mantra


Hare Krishna, dada sua importância na contemporaneidade e sua difusão nos meios
yóguicos ocidentais. Dentre seus principais praticantes, podemos citar os seguidores
da bhakti-Yoga, da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna, fundada em
1965 por Shrila Prabhupada (1896-1977), baseada na doutrina de Caitanya, sobre o
qual vamos discorrer mais a diante.
No entanto, é importante lembrar que o movimento Hare Krishna, que se
desenvolveu a partir da década de 60, é uma parte de uma vasta tradição Vaishnava
que se desenvolveu na Índia desde a Idade Média, e cujo elemento central é a
prática do chamado Bhakti Yoga.
Nesta tradição dos bhakti-Yoga, a devoção é o meio-supremo para a
obtenção da libertação e sua principal escritura está no Bhagavad Gita. Lá está
contido um diálogo onde Krsna, o próprio Deus pessoal, centro da adoração dos
bhakta, ensina ao mestre de guerra Arjuna como deve proceder na mítica batalha de
Kurukchetra. No seu livro “Yoga: Imortalidade e Liberdade” (2012), Eliade reafirma o
aspecto devocional deste yoga e a grande importância do Bhagavad Gita neste
contexto:

O discurso de Krsna equivale à validação, diante de todo o


hinduísmo, de um Yoga devocional, isto é, da técnica yóguica
considerada como um meio puramente indiano de obter a união
mística com o Deus pessoal. Uma imensa parte da literatura yóguica
moderna publicada na Índia, e em outros lugares, encontra sua
justificação teórica na Bhagavad Gita. (ELIADE, 2010, p.141)

Na extensa tradição vaishnava, que se desenvolve na Índia desde a idade


média, essa união mística devocional ocorre justamente através da entoação do
chamado “maha mantra”. E o mantra Hare Krsna seria a principal prática dos
bhaktas. Este mantra védico é formado pela combinação de três palavras: Hare,
Krsna e Rama.

Hare Krishna Hare Krishna


Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare.
34

Na tradição vaishnava, segundo Feuerstein (2006),

no caminho da devoção, a concentração é sempre a fixação da


atenção na Pessoa divina. A meditação, por sua vez, é a
contemplação da forma do senhor, tal como é representada na
iconografia: o corpo azul ornado de flores, com quatro braços; uma
expressão serena na face bondosa; uma buzina; um disco e uma
maça nas mãos; uma coroa sobre a cabeça e a gema mágica
chamada Kaustubha pendurada de um colar à volta do pescoço; e a
marca srhi-vatsa (a novilha bendita) sobre o peito. A cor azul escura
do corpo de Krsna resulta de ele ter bebido o leite envenenado da
demônio fêmea Putana, que o amamentou. (FEUERSTEIN, 2006, p.
350)

Então, toda a tradição devocional vaishnava, que surge por volta do século XI,
tem como centro a devoção e a concentração na pessoa de Krsna. Ele deve ser
contemplado a todo o momento, através de diversas formas: seja meditando, seja
entoando mantras sagrados em sua homenagem, pois, assim, o praticante pode
fundir sua consciência individual na consciência do ser supremo.
Dentre esta tradição devocional, um de seus principais expoentes do século
XV foi Sri Caitanya. Este mestre, que é considerado um dos cinco principais
preceptores do vaishnavismo, pregou “o evangelho do amor de êxtase por toda
Bengala”. Embora ele fosse considerado um famoso teórico do Vedanta, ele pouco
trouxe de instruções escritas, deixando apenas oito versículos para instruir a
devoção de seus seguidores, numa composição chamada de Shiksha-Ashtaka.
(FEUERSTEIN, 2006, p. 362)
A devoção pregada por Caitania era de caráter profundamente Bakta, e sua
principal prática era de mantras. A doutrina de Caitania inspirou o moderno
movimento da consciência de Krisna (ISKON), que foi fundado nos EUA em 1965
por Swami Prabhuphada (Bhakti Vedanta Swami). A grande característica deste
movimento é justamente a entoação contínua do Maha-mantra, que a partir deles foi
difundido pelo mundo todo. Assim, os Bhakti Yogues do movimento Hare krsna
tiveram um papel importante na história da difusão da prática de mantras no mundo
contemporâneo.
Por isso, vamos analisar algumas afirmações sobre este mantra, de
renomados mestres desta linhagem. O Maha-mantra, afirmam os adeptos do
35

Movimento da Consciência de Krsna, seria o mais eficiente meio para realização


espiritual para a nossa era atual (Kali-yuga).
Sobre seu aspecto transcendente, um importante Swami da tradição
Vaishnava no Brasil, o Purushatraya Swami (2013), reconhecido como mestre em
Bhakti-Yoga, afirma:
Tenho tido uma experiência diária com o maha-mantra nos últimos
trinta anos. Nesta prática, usa-se um rosário com cento e oito contas,
chamado japa-mala. Uma das experiências que podemos ter, depois
de todos esses anos, é que o maha-mantra continua com o mesmo
frescor que teve ao início de nossa prática. Ouso inclusive dizer que
se torna cada vez mais deleitável e renovado. Essa é uma prova
cabal de sua natureza transcendental. Qualquer som secular já teria
chegado aos limites da saturação. (SWAMI, 2013, p.107)

Ainda sobre sua prática e simplicidade, Prabhupada (2011) afirma ser o


mantra Hare Krsna um método muito simples de meditação, recomendado para essa
era, o qual ele chama de “o grande canto de libertação.”

Não há necessidade, portanto, de compreender o idioma do mantra,


nem há necessidade alguma de especulação mental, nem sequer um
ajuste intelectual para se cantar esse maha-mantra. Ele é
automático, proveniente da plataforma espiritual, e, sendo assim,
qualquer pessoa pode participar na vibração deste som
transcendental sem nenhuma qualificação anterior. (PRABHUPADA,
2011, p. 66)

Para a compreensão deste mantra, pode-se investir num trabalho mais


apurado de tradução dos termos, porém, dentro desta perspectiva cultural, a
compreensão intelectual do mantra não teria tanta ênfase. Porém, os próprios
adeptos da tradição Hare Krsna também nos fornecem importantes indícios para
compreendermos a origem deste mantra. Segundo Purushatraya Swami (2013):

Dentre os muitos mantras da tradição védica, um particularmente tem


uma importância especial. Trata-se do Maha Mantra Hare Krsna
(Maha Mantra significa grande mantra). Esse mantra védico está
enunciado no Kali Santarana Upanishad, verso 6, do quinto capítulo.
(PURUSHATRAYA, 2013, p. 107)

Sobre o Maha Mantra, afirma ainda Prabhupada (2011):

(...) e o processo transcendental para reviver esta consciência pura e


original. Cantando esta vibração transcendental, podemos eliminar
todos os receios que há dentro de nossos corações. O princípio
básico de todos esses receios é a consciência falsa de que eu sou o
senhor de tudo que observo. (PRABHUPADA, 2011, p.65)
36

Ou seja, o objetivo desta prática é a fusão da consciência do praticante na


própria consciência de Krsna, que é evocado em suas qualidades através de cada
palavra do mantra. A palavra Hara é a forma de se dirigir à energia do Senhor, e as
palavras Krsna e Rama são formas de se dirigir ao próprio Senhor. Tanto Krsna
quanto Rama querem dizer o prazer supremo, e Hara é a suprema energia de prazer
do senhor, transformada em Hare no vocativo. A suprema energia de prazer do
senhor ajuda-nos a alcançar o senhor.
Assim, aquele que canta o mantra vivencia o prazer supremo da existência da
própria entidade. Não por acaso, um dos epítetos de Krsna é o “Todo desejado”. Na
mitologia hindu, isso fica evidente nas representações em que Krsna aparece
cercado das belas gopis, e chamado de “o ladrão de corações”, aquele que rouba o
coração das jovens vaqueiras (gopis)

Figura 4 - Representação de Krsna entre as Gopis.

Krsna é considerado um avatar (Encarnação Divina) e é tido como a oitava


encarnação de Vishnu que, por sua vez, seria o poder supremo da preservação do
universo. Dentro da trindade Hindu (Brahma, Vishnu e Śiva), ele está relacionado
com a preservação do universo e da lei-cósmica, o mantenedor, aquele que mantém
a ordem.
Krsna teve seus ensinamentos imortalizados no Bhagavad Gita, o livro que é
um capítulo do épico indiano Mahabharata (Grande Índia). O Bhagavad Gita conta a
história da famosa batalha de Kurukshetra, onde Krsna é o narrador, e das
instruções e ensinamentos a Arjuna - o arqueiro supremo, sobre o Nishkam Karma
37

(ação sem apego) e Karma Yoga. (“ação corretiva”). Uma importante forma de
integrar toda a espiritualidade indiana onde o Yoga é apresentado como um caminho
de união do Ser individual com o Ser supremo.

A Bhagavad Gita, uma das primeiras inserções significativas no VI


livro do Mahabharata, confere ao Yoga importância de primeira
ordem... Devemos ter em mente que a Gita representa não apenas o
marco da espiritualidade indiana ecumênica, mas também uma vasta
tentativa de síntese, em que “todos os caminhos” da salvação são
validados e integrados na devoção vixnuíta. (ELIADE, 2012, p.135)

Conhecido como o Deus do amor, Krsna é sempre lembrado e adorado por


todos aqueles que buscam pelo amor. Sua encarnação na forma humana teve como
principal objetivo redimir o declínio do Dharma (ordem cósmica). Em suas imagens,
é visto tocando uma flauta, o “todo atraente”, aquele que encanta todos os seres.
Também é chamado de Govinda ou Gopala (protetor das vacas).
Assim, a entoação do mantra Hare Krsna é um elemento central da tradição
Bhakta-Vaishnava, mas, como nos lembra Feuerstein (2006), não só os Vaishnava
fazem uso deste mantra na forma do Bhakti Yoga:

A fim de melhor compreender a evolução do caminho bháktico,


precisamos saber que a doutrina monoteísta se desenvolveu em
grande medida, embora não exclusivamente, dentro de duas esferas
religiosas, a do vaishnavismo (derivada, sobretudo, da tradição
Pancharatra) e a do Shaivismo. Os vaishanvas adoram o Deus
Vishnuh – muitas vezes sobre a forma de Krsna, sua encarnação – e
os Shaivas dedicam a vida ao senhor Śiva. Tanto Vishnu quanto Siva
são mencionados no Rig Veda, e nos é lícito supor que tiveram
adoradores desde os tempos mais antigos. (FEUERSTEIN, 2006, p.
78)

Assim, o Bhakti Yoga é uma forma de adoração à deidade que está presente
tanto na tradição Vaishnava quanto na tradição Shivaista, embora aqui tenhamos
analisado apenas o mantra da tradição Vaishnava.
Neste capítulo inicial buscamos analisar três mantras importantes na tradição
do Yoga. Trata-se de uma seleção entre um amplo espectro de mantras que são
relevantes no âmbito desta tradição, e cuja importância foi constatada também em
nossa pesquisa de campo, conforme iremos analisar nos capítulos posteriores.
38

CAPÍTULO 2 - YOGA INTEGRAL: CONCEPÇÕES E VIVÊNCIAS DE CAMPO

Antes de analisarmos o Yoga integral e as concepções centrais que regem


esta linha de Yoga, é importante fazermos algumas breves considerações sobre a
própria biografia de seu criador, Sri Aurobindo, e de outra personagem importante
neste contexto: Mirra Alfassa, conhecida como “A Mãe”. Tais considerações nos
auxiliam na compreensão do próprio sistema do Yoga Integral.

2.1 SRI AUROBINDO - BREVE HISTÓRICO BIOGRÁFICO

Nascido em Calcutá - Índia, a 15 de agosto de 1872, Aurobindo Ghosh, mais


tarde conhecido como Sri Aurobindo, trouxe uma nova perspectiva para o Yoga, o
Purna Yoga ou Yoga Integral. O Yoga que uniu a vida espiritual à vida material.
Aos sete anos foi enviado para estudar na Inglaterra, onde foi por seu pai
mantido com instruções restritas para que não tivesse contato com a cultura indiana.
Tornou-se um aplicado aluno na St. Paul`s School, em Londres e no King`s College,
em Cambridge. Em notável carreira acadêmica estudou literatura inglesa, literatura
francesa, aprendeu e dominou o grego e o latim. Era fluente em outras línguas,
como o alemão, o italiano e o espanhol podendo ler facilmente Goethe, Dante e
Calderón em seus originais. Adquiriu um profundo conhecimento da cultura europeia
antiga, medieval e moderna. Estudando na Inglaterra por 14 anos.
Só retornou a Índia em 1893, então com vinte e um anos de idade. Viveu na
Índia, treze anos em Baroda como administrador e professor, onde fez um estudo
profundo sobre a cultura indiana e sua herança espiritual, estudou sânscrito e várias
línguas indianas modernas. Foram anos de intensa produção literária e dedicou
grande parte do seu tempo em atividade politica em silêncio.
Sri Aurobindo deixou uma vasta produção literária, que dentre as principais
obras temos: o poema épico Savitri (1950), The Divine Life - A Vida Divina (1940),
The Human Cycle - O Ciclo Humano (1949), The Synthesis of Yoga - A Síntese do
Yoga (1948), The Ideal of Human Unity - O ideal da unidade humana (1949), Essays
on the Gita - Ensaios sobre o Gita (1928).
Em 1906, Sri Aurobindo foi a Bengala e tomou a frente do movimento
revolucionário para libertação da Índia. Seu jornal, Bande Mataram teve importante
39

repercussão no movimento nacionalista. Tornando-se a voz mais poderosa do


movimento. Foi preso pelo Governo Inglês em 1908 por duas acusações
relacionadas ao seu jornal e mantido em cárcere por um ano, sendo absolvido em
1909. Esse tempo na cadeia foi vivido por ele em praticas de Yoga, sendo uma fase
de intensas experiências espirituais que mudaram assim o curso de sua vida futura.
Ao sair da cadeia participou ainda do movimento revolucionário até 1910. Teve uma
rápida, mas importante atuação política na época, que findou quando da sua
mudança para Pondicherry, em resposta a um chamado espiritual maior em 1910.
Sua vida espiritual sempre coexistiu com suas outras atividades. Foi um Líder
nacional revolucionário, poeta, um pensador social, um filósofo espiritual e um
visionário humanista e educador. Mas, ficou mais conhecido, como um mestre de
Yoga, um Rish.8

Figura 5 - Sri Aurobindo.

Foi grande estudioso de tradições espirituais passadas, mas foi em busca de


uma realização mais completa, em que pudesse integrar e unir dois polos, Espírito e
matéria. Buscando realizar na terra a vida divina. Dito por seus discípulos (Sri
Aurobindo Ashram) como um homem de vida austera, o que lhe serviu de base para
o seu processo pessoal de divinização da vida na terra, seu trabalho no Yoga, um
processo de evolução do homem na vida material. Estágio esse além da mente, ao
qual ele chamou de Supra-mental, que deu origem ao Yoga Integral, ou Purna Yoga.

8
Rishi são grandes sábios, que sistematizaram o Veda e os Upanishads.
40

Faleceu em 1950, aos 78 anos, mas manteve vivo seus ensinamentos


chamando a atenção de várias partes do mundo. Seu legado ficou conhecido como
o Yoga Integral de Sri Aurobindo.
Para Feurstein, o Yoga Integral foi um importante processo de readaptação
do Yoga às condições e necessidades atuais. “O Yoga Integral é a mais destacada
tentativa de reformular o Yoga de acordo com as necessidades e capacidades do
homem moderno”.

Figura 6 – Símbolo do Yoga.

Seu símbolo, símbolo do seu Yoga, foi descrito pela Mãe como: O triângulo
descendente representa Sat-Chit-Ananda (ou a bem aventurança suprema). O
triângulo ascendente representa a resposta aspirante da matéria sob a forma de
vida, luz e amor. A junção de ambos - no quadrado central - é a perfeita
manifestação, tendo em seu centro o Avatar do Supremo - o lótus. A água - dentro
do quadrado - representa a multiplicidade, a criação.

2.2 A MÃE

Outra pessoa fundamental para história do Yoga Integral e que colabora com
Sri Aurobindo para a realização deste Yoga foi Mirra Alfassa, que, mais tarde, viria a
ser conhecida como “A Mãe”. Nascida em Paris em 21 de fevereiro de 1878, foi, na
41

França, estudante da Academie Julian e logo reconhecida como uma importante


artista da época.

Figura 7 - A Mãe (Mirra Alfassa).

Ainda muito jovem, por volta dos seus 12 anos, teve algumas experiências
espirituais que ela percebia como uma revelação, não só da existência do Divino,
mas da possibilidade do homem unir-se a ele e realizá-lo, consagrando toda a sua
existência.
De acordo com discípulos do Sri Aurobindo Ashran, um folheto impresso
dizia: “Consciente de sua missão espiritual na terra, mesmo quando criança, a Mãe
foi guiada nas suas visões por um Ser que ela chamava de Krishna.” Em 1914, logo
que ela chegou em Pondicherry, encontrou Sri Aurobindo a quem ela reconheceu
como o Krishna de suas “visões”, e sobre esse encontro escreveu em seu diário:

Não importa que milhares de seres estejam mergulhados na mais


profunda ignorância. Aquele a quem vimos está na terra. Sua
presença é suficiente para provar que a escuridão será transformada
em luz, quando Teu reino for na verdade estabelecido sobre a terra.
(MIRRA ALFASSA)9

Ainda sobre esse primeiro encontro com a Mãe, Aurobindo falou:

Foi a primeira vez que soube que a entrega perfeita até à última
célula física era humanamente possível, foi quando a Mãe veio e se
prostrou que vi essa entrega perfeita em ação. (AUROBINDO) 9

A partir daí, a Mãe o reconhece como seu Guru e fica, por quase um ano,
realizando a disciplina de seu mestre e trabalhando a seu lado. Passados 11 meses,
42

ela retornou para a França por um ano, depois viveu no Japão por quase quatro
anos. Em 1920, no mês de abril, a Mãe retorna a Pondicherry para dar continuidade
à sua obra junto a Aurobindo. Após sua vinda, outros discípulos começaram a
chegar e começou a se formar um Ashran, que mais tarde vem ser reconhecido
como o Sri Aurobindo Ashran.9
Em 1926, quando Aurobindo entrou em reclusão, ela tomou conta de seus
discípulos e foi a principal responsável pelo desenvolvimento do Ashram. Após a
morte de Sri Aurobindo, seguiu com seu trabalho, sempre fiel aos ensinamentos de
seu Guru. Em 1952, ela fundou o Sri Aurobindo International Centre of Education,
um centro de experimentação para a educação nos moldes do Yoga Integral. Em
1968, fundou a cidade internacional de Auroville, dedicada ao ideal de uma unidade
humana viva. A Mãe deixou seu corpo em 17 de novembro de 1973.

Figura 8 – Mandala da Mãe.

Sua Mandala, ou seu símbolo, é representado pelas próprias palavras da Mãe


como: O círculo central representa a Consciência Divina. As quatro pétalas
representam os quatro poderes da mãe. (Mahasaraswati, Mahakali, Mahalakshmi e
Maheswari). As doze pétalas representam os doze poderes da Mãe manifestados
43

pelo seu trabalho (Receptividade, Aspiração, Perseverança, Gratidão, Humildade,


Sinceridade, Paz, Equanimidade, Generosidade, Bondade, Coragem e Progresso) 9

2.3 YOGA INTEGRAL - FILOSOFIA E CONCEPÇÕES

Muitos são os sistemas de Yoga na Índia, uns tradicionais, e outros


modernos. O Yoga de Sri Aurobindo, Purna Yoga ou mesmo Yoga Integral, é
caracterizado por uma possibilidade de síntese moderna de pontos essenciais de
alguns desses ramos da tradição do Yoga, como o Bhakti-Yoga, Karma-Yoga,
Jnana-Yoga. Seu sadhana visa um desenvolvimento harmonioso e pleno das
potencialidades do Ser, através de uma ação altruísta, a serviço de valores sócio-
culturais. É uma nova perspectiva, um rompimento com o paradigma de uma
oposição entre o espiritual e o mundano. Prima-se por um burilamento da condição
humana, baseado em preceitos éticos universais. Esse aprimoramento ético
capacitaria o Iogue integral a uma vida ativa, de ação para uma transformação social
efetiva. Esse é um ponto importante nesse Yoga.
Enquanto para grande parte da tradição védica, o processo de evolução
espiritual era caracterizado pela autorrealização, e estava necessariamente ligado a
uma desidentificação com o mundo manifesto e com toda vida material, tida como
ilusória.
Para o Yoga Integral, o processo do “despertar” estaria intimamente
relacionado à divinização ou consagração de todas as ações no mundo material.
Sobre essa característica fundamental para esse Yoga, Chaudhuri (1972, p. 39), um
dos principais estudiosos desta tradição afirma: Para o Yoga Integral, há um objetivo
maior do esforço humano, além da autorrealização, que é consumar a
automanifestação, que significa aplicar a luz e a energia da autoconsciência mais
profunda na esfera da vida cotidiana e social. Para uma evolutiva realização do
processo criativo oculto é necessário, para um pleno esforço humano, não libertar-se
apenas da natureza inconsciente, mas libertar a própria natureza.
Esse rompimento com o ideal ascético fica evidenciado pela necessidade de
uma integração e um desenvolvimento equilibrado de todos os aspectos do ser,
inclusive físicos. Seria um aprimoramento, no sentido de integrar todas as

9
Informações obtidas no site. Disponível em: http://www.sriaurobindoashram.org. Acesso em 10 jun.
2014.
44

características inerentes à condição humana, e não mais uma negação dessa


condição. O Yoga Integral percebe o indivíduo como um centro dinâmico de
aprimoramento, para o florescer do que se considera neste yoga um espírito
universal. Uma consciência que está além da mente, uma realidade transcendente
que Sri Aurobindo chamou de “Supermente”.
Sobre o significado do termo Supermente, Feuerstein (2006) escreveu:

a supermente é o motor da evolução, que ele compreende como um


progresso contínuo rumo a formas de consciência cada vez mais
elevadas. Como tal, é ela também a responsável pela manifestação
do cérebro e da mente humanos. A mente tem a tendência inata de ir
além de si mesma e captar o Todo maior. No entanto, como nos
comprovam com a máxima evidência as histórias da filosofia e da
ciência, ela está destinada a não alcançar esse seu objetivo. Tudo o
que a mente humana pode fazer é admitir as suas limitações
intrínsecas e abrir-se para a realidade superior que é a Supermente.
Mas essa abertura sempre reflete subjetivamente como a morte da
personalidade egoica limitada pela mente - e essa experiência é
terrível para o indivíduo espiritualmente imaturo. (FEUERSTEIN,
2006, p.97 apud AUROBINDO, 1977).

A supermente ou supramente, então, é vista como um princípio transcendente


à condição humana comum. Essa transcendência estaria limitada por ditames da
mente humana, quando esta reflete apenas a personalidade egoica do indivíduo.
Estaria além também da própria percepção mental de um Todo abrangente, mas
seria uma consciência que atua na própria desidentificação dessa personalidade
egoica. Essa “morte do ego”, então, seria uma etapa no desenvolvimento da
supermente, o que abriria espaço para uma atuação deste estado superior na vida
no mundo manifesto, na sua própria natureza, não uma força para a negação da
condição material, como pretendem alguns caminhos que se baseiam no ascetismo.
Ainda sobre esse ideal ascético, Chaudhuri escreveu:

Mas o Yoga Integral afirma que esse exaltado tipo de visão mística
que repudia a matéria é apenas uma fase transitória da busca
espiritual, e não decerto a sua meta. Depois de se assimilar
inteiramente o conteúdo dessa realização transcendental, é removida
a barreira entre o físico e o espiritual. O místico então obtém o que
se pode chamar “união vígil com o Divino”. Faz descer a sabedoria e
a alegria da transcendência diretamente ao âmago de sua
consciência física. Conserva a paz interior e o abençoado equilíbrio,
mesmo quando se dedica às atividades normais da vida, tais como
comer, andar, conversar etc. A serenidade do samadhi torna-se sua
segunda natureza. Desmorona-se a barreira entre o natural e o
45

sobrenatural. Através da união integral com o Ser, revela-se-lhe o


natural-material como uma expressão diversificada da criatividade do
Ser. (CHAUDHURI, 1972, p. 42)

Assim, para o Yoga Integral, o auto-despertar seria uma importante etapa do


desenvolvimento, mas não o fim último. Sua meta, ou realização para ser completa
ou integral, deveria estar associada a um despertar coletivo, ou um empenho
constante para o progresso e evolução da humanidade, onde o Iogue atua de forma
ativa como um instrumento do Divino, mesmo frente aos inúmeros entraves que
abalam a condição humana, devendo aí, manter-se equilibrado e em paz.
Para Chaudhuri, (1972, p.58), neste Yoga, juntamente com o
desenvolvimento evolutivo do indivíduo, sua atuação no mundo é de suma
importância. Para as etapas interiores de concentração e meditação, são
imprescindíveis suas atuações sociais, culturais e humanitárias, realizadas como
uma entrega ao Divino.

E qual é o método para conquistar esse Yoga?

Uma das indagações mais comuns entre aqueles que buscam por
informações acerca do Yoga Integral, é: Qual método seguir pra realizar esse Yoga?
Que tipo de disciplina prática nos prepararia para essa realização?
Vejamos o que nos diz o próprio Sri Aurobindo sobre o método:

Neste Yoga não há método, exceto o concentrar-se, de preferência


no coração, para invocar a presença e o poder da Mãe a fim de que
se aposse do nosso ser e, mediante a ação de sua força, transforme
nossa consciência. (MERLO, 2010, p. 59 apud AUROBINDO, 1972)

Podemos perceber com essa afirmação que todas as formas de disciplina,


austeridade e aprimoramento do ser, que são práticas fundamentais na tradição do
Yoga, para Aurobindo, elas são colocadas em segundo plano, ou sequer são
necessárias para o seu desenvolvimento. Para ele, a concentração resoluta,
principalmente no coração, que é visto por muitos místicos como a sede da Alma, do
Ser transcendente, é a mais importante prática a ser realizada, produzindo, assim,
46

como efeito esperado, uma transformação da consciência pelo poder advindo da


Mãe (Shaktí), ou Poder da manifestação.
Em um nível prático, podemos constatar que o Yoga Integral se caracteriza
pela aspiração do sadhaka, que seria um crescente interesse pelo desenvolvimento
das potencialidades do indivíduo, um exercício de total entrega ao divino, para fazer
“descer as graças” ou méritos de suas ações corretivas, assim, promovendo sua
transformação.
Estes são pontos essenciais nesse Yoga, Aspiração e Graça. Nele, nenhuma
técnica, método ou ritual são realmente necessários, pois a grande transformação
deverá ocorrer por uma ação direta do Poder divino, em resposta a uma perfeita
aspiração do praticante. Poder esse ao qual Sri Aurobindo identificava com a Mãe. A
Mãe, Mirra Alfassa, sua companheira espiritual e principal discípula, era tida por ele
como a manifestação do divino, o poder da Shakti. A graça descendo sobre a terra.
Feurestein (2006, p.98) nos diz: Aurobindo considerava a Mãe não uma forma
inanimada ou uma deidade sobrenatural, mas como a encarnação e força da graça
do divino na própria cônjuge, que esteve ao seu lado por toda a vida. Percebia-a
como o poder do divino encarnado em uma forma física, e a si próprio como a
consciência do divino.
Mas qual seria a melhor prática ou sadhana do Yoga Integral?
Sobre este questionamento, Vicente Merlo (2010, p.58), (doutor em Filosofia
que viveu por dois anos no ashram de Sri Aurobindo-Pondicherry) afirma que a
melhor forma de entrar em contato com a espiritualidade, que caracteriza e se
desenvolve de forma a realizar esse poder espiritual, é através da leitura das obras
de Sri Aurobindo e da “Mãe”. Porém, a maneira mais intensa e direta, que nos
possibilita aprofundar nossa consciência e interiorização sobre essa realização
indescritível nas formas de consciência e poder, seria o lugar de sua materialização,
onde viveram na terra, referindo-se ao local onde lentamente foi se formando o seu
ashram, consagrado pela presença do mestre.
Daí, a fundamental importância para esse autor, da visitação com
experiências práticas, nos locais onde hoje está situado o Sri Aurobindo Ashram,
onde viveram e ensinaram os mestres do Purna Yoga.
Outra característica importante para o “sadhaka Integral” é o respeito às
individualidades e potencialidades de cada aspirante para a evolução do Ser
Psíquico, esse, por sua vez, foi um termo que cunhado para descrever o processo
47

evolutivo da alma individual. Seu desenvolvimento estaria diretamente ligado ao


crescimento e evolução dos corpos: físico, mental, emocional e sutil do ser. Segundo
escritos do próprio Sri Aurobindo, citados no livro “O caminho Ensolarado”, temos
uma definição do Ser Psíquico como:

A alma que evolui; a alma do indivíduo evoluindo na manifestação; a


individualidade da alma. O termo “alma” é usado às vezes como
sinônimo de “ser psíquico”, mas, estritamente considerado, existe
uma distinção. A alma é a essência divina no indivíduo, o ser
psíquico é a personalidade da alma que se desenvolve, manifestado
pela alma, como seu representante na evolução. Este ser psíquico
desenvolve-se e cresce por meio de suas experiências na
manifestação; à medida que se desenvolve, ele auxilia de forma
crescente a evolução e o crescimento das partes mentais, vitais e
físicas do ser. (MÃE apud AUROBINDO; 2012, p. 177)

Diferente dos demais sadhanas, de outros caminhos do Yoga, que em seu


método estão inclusas fórmulas ou práticas bem definidas, neste Yoga, pretende-se
um refinamento da natureza de cada praticante, com diversas possibilidades de
práticas, respeitando, assim, a individualidade de cada ser, tendo em vista um
desenvolvimento mais harmonioso e equilibrado de sua personalidade. Vejamos o
que diz Haridas Chaudhuri sobre esse desenvolvimento comparado das formas de
autoaperfeiçoamento:

Há indivíduos que desenvolvem os músculos à custa do cérebro.


Outros exercitam demasiado o cérebro em detrimento do corpo.
Outros ainda praticam deliberada automortificação e depreciam tanto
o lado físico como o intelectual em sua busca para encontrar a alma.
Há também aqueles que se engolfam de tal modo no
autoaperfeiçoamento que se esquecem dos valores sociais e
humanísticos da vida. Por outro lado, encontramos indivíduos tão
emaranhados nas atividades sociais que suprimem os conflitos
emocionais que minam sua paz pessoal, assim como sua eficiência
social. Há, igualmente, alguns que seguem a voz de Deus e
abandonam o mundo. Por outra parte, existem aqueles que se
embaraçam nos negócios mundanos sem ter a menor ideia do eterno
no homem. O Yoga Integral apresenta o conceito do pleno
florescimento do indivíduo total como um centro dinâmico do espírito
universal - o poder do Ser. Dá ênfase à necessidade de uma
integração harmoniosa dos aspectos físico, emocional, intelectual,
ético e religioso da personalidade. (CHAUDHURI, 1972, p.35)

Não encontramos na literatura nenhuma referência à prática de mantras, com


exceção de uma afirmação do próprio Aurobindo, em uma compilação de suas
48

escritas e escrituras da mãe chamada de “Sri Aurobindo and the Mother on prayer
and mantra”, na qual ele afirma:
“Como regra, o único mantra utilizado neste sadhana é o mantra da Mãe, ou
aquele que contem o meu nome”. (AUROBINDO; 1971, p.26, tradução nossa)
Feurstein em sua obra: A Tradição do Yoga reafirma a posição de que não há
neste Yoga nenhum mantra específico dizendo: “O Yoga Integral não prescreve
nenhuma técnica, uma vez que a transformação interna é realizada pelo próprio
Poder divino. Não há rituais, mantras, posturas ou exercícios de respiração
obrigatórios.” (FEURESTEIN, 2006, p.98).
Então qual seria a aplicação dos mantras dentro deste Yoga? Qual sua
relevância no sadhana Integral?
Podemos esclarecer esse questionamento pelas próprias palavras de
Aurobindo:

Neste Yoga não há um mantra específico, nem há ênfase na prática


de mantras, embora os sadhakas possam utilizar algum mantra, se
este lhe ajuda em quanto tempo for necessário para ajudá-lo. A
ênfase é de preferência na aspiração da consciência e na
concentração da mente, do coração, da vontade e de todo o ser. Se
o mantra encontrado nos ajuda para esse fim, nós o utilizamos.
(AUROBINDO, 1971, p.26, tradução nossa)

Nessa passagem, Aurobindo reafirma a importância maior, da aspiração do


sadhaka, bem como de sua concentração mental no coração. Deixando o mantra,
em segundo plano, mas não negando o seu poder de atuação no
autoaperfeiçoamento de alguns sadhakas. Sobre essa qualidade, a aspiração que
seria a principal responsável pela evolução nesse caminho, Aurobindo acrescenta:

A união, sendo o objetivo do Yoga, seu começo deve ser sempre


uma busca do Divino, um anseio por alguma espécie de toque, de
proximidade ou posse. Quando isto chega para nós, a adoração
sempre se torna a princípio uma veneração interior; começamos a
fazer de nós um templo do Divino, nossos pensamentos e
sentimentos, uma constante prece de aspiração e busca, nossa vida
toda um serviço e culto externos. (AUROBINDO, 1971, p.7)
49

Então o Mantra seria uma “ferramenta” da qual alguns discípulos poderiam se


utilizar, para desenvolverem essa aspiração, essa entrega perfeita para a
consumação do Purna Yoga.
De forma prática, em nossa peregrinação pelos principais Ashrans do Purna
Yoga na Índia, percebemos que a maioria dos discípulos de Sri Aurobindo, mesmo
reconhecendo que não havia uma indicação formal para tal prática, se utiliza dos
mantras como um meio importante para o seu desenvolvimento e evolução
espiritual. Estivemos com discípulos que afirmam ter recebido direto da “Mãe”, seu
mantra pessoal, e encontramos professores do Ashram que tinham uma prática
constante, dita como 24 horas por dia, recitando mantras relacionados à Shaktí.10
Dentre os principais mantras que nos foram citados e traduzidos por
professores e mestres/ashramitas do Sri Aurobindo Ashram, bem como de suas
filiais, estão:

Sri Aurobindo Ashram:

MA MA MA MA
(Mãe)

SRI AUROBINDO SHARANAM MAMA


(Sri Aurobindo é meu refúgio.)

OM NAMO BHAGAVATE SRIARAVINDAYA


(Saudações ao senhor Sri Aurobindo)

OM SATYAM JNANAM JYOTIRARAVINDA


(Om Sri Aurobindo, tu és a verdade o conhecimento e a luz)

OM ANANDA MAYI CHAITANYAMAYI SATYAMAYI PARAME


(Om! Oh mãe da luz, Oh mãe da consciência, Oh mãe da verdade,
Oh Supremo!)

OM TAT SAVITURVARAM ROOPAM


(Meditemos sobre a forma mais auspiciosa do sol)

JYOTIH PARASYA DHEEMAHI


(A luz do supremo)

YANNAH SATYENA DEEPAYET


(que nos ilumine com a verdade.)

10
Shakti é o termo utilizado para descrever o poder que opera no Cosmos, do menor átomo à maior
galáxia. Qualquer espécie de força, poder ou influência tem sua gênese na shakti, e a shakti é
feminino por natureza. (ASHLEY-FARRAND; 2005, p.21)
50

Sri Aurobindo Ashram Delhi Branch:

JAI SHRI MA
Salve a mãe divina

SRI AUROBINDO SHARANAM MAMA


Sri Aurobindo é meu refúgio.

OM NAMO NARAYANA
Eu Saúdo Narayana.

Sri Aurobindo Gayatri:

OM TAT SAVITURVARAM ROOPAM


Meditemos sobre a forma mais auspiciosa do sol

JYOTIH PARASYA DHEEMAHI


a luz do supremo

YANNAH SATYENA DEEPAYET


Que nos ilumine com a verdade .

Aurovalley Ashram:

MA MA MA.
Mãe Mãe.....

OM MA MIRA MA

OM NAMO NARAYANA

OM MA MIRA MA, MAHASHAKTI NAMO NAMAH.

SHRI MA, JAI MA, JAI JAI MA.

OM ANANDA MAYI CHAITANYAMAYI SATYAMAYI PARAME


Om! Oh mãe da luz, Oh mãe da consciência, Oh mãe da verdade,
Oh Supremo!

Sri Aurobindo Gayatri:

OM TAT SAVITURVARAM ROOPAM


51

Meditemos sobre a forma mais auspiciosa do sol

JYOTIH PARASYA DHEEMAHI


a luz do supremo

YANNAH SATYENA DEEPAYET


Que nos ilumine com a verdade

Dentre os mantras listados acima, os mantras, que podemos entender como


os que mais se destacam nesta tradição, são o mantra de Reverência à Mãe (Ma Ma
Ma) e o Gayatri de Sri Aurobindo, que ganha uma forma própria na interpretação do
mestre.
Sobre este primeiro mantra, amplamente praticado no ashram (conforme
pesquisa de campo que apresentaremos no terceiro capítulo), temos uma importante
descrição a respeito de sua origem:

Foi durante aqueles dias no nosso Ashram, que a mãe estava dando
bênçãos diariamente nas manhãs para todos os ashramitas e
visitantes presentes. O número era de cerca de mil pessoas, e todos
costumavam a ir num encontro e receberem suas bênçãos
individualmente. A função toda levava cerca de uma hora. Um dia,
uma jovem garota que havia tomado o Japa com o nome da mãe,
como parte do seu Sadhana, encontrou o mantra “Mãe, Mãe, Mãe...
repetindo-se espontaneamente no seu coração, enquanto ela estava
aguardando este encontro. Havia pelo menos vinte pessoas a sua
frente. Imagine a sua surpresa quando ela encontrou a mãe olhando
em seus olhos, apesar da distância e de todos os que estavam a sua
frente! O chamado do mantra tinha obviamente atingido a Mãe, e ela
instantaneamente respondeu até fisicamente (...) Aqui estava a
confirmação, se alguém precisasse da efetividade do Nama Japa, o
Japa do nome sagrado ( da mãe). (PANDIT, 1959, p.2)

Assim, o mantra do nome sagrado da mãe emerge na tradição do yoga


integral, a partir do coração de uma praticante e de sua conexão com a mãe divina
em sua forma humana de Mirra Alfasa.
Já a respeito do Gayatri de Sri Aurobindo, temos também considerações a
respeito de sua importância e significado, feitas pelo próprio Sri Aurobindo,

esse esplendor supremo de Savitri deve nos iluminar, nos irradiar


com a verdade, com um constante estado de ser inseparável do
supremo Sat e de sua luz. A atenção para a iluminação da verdade
aqui na jornada da nossa vida através da meditação no esplendor, na
excelente forma do supremo criador (Savitri) é assim possível.
(AUROBINDO apud PANDIT, 1959, p. 34)
52

Essa descrição nos mostra o sentido de Savritri como criador supremo e, ao


mesmo tempo, como luz da verdade, que ilumina o praticante do mantra.
Como já foi dito anteriormente, mesmo a prática de mantras não sendo
essencial para este Yoga, percebemos, em nossa pesquisa de campo, que os
mantras são bastante difundidos pelos professores do Sri Aurobindo Ashram.
Traremos aqui alguns comentários importantes, aos quais Sri Aurobindo teceu sobre
o tema, abordando conceitos para ele relacionados aos mantras como: Aspiração;
Entrega; Ética e Desenvolvimento.

A prece e a meditação têm uma grande importância no Yoga. Mas a


prece deve brotar do coração no auge da emoção ou aspiração, o
Japa ou meditação chega num impulso vivo levando a alegria ou a
luz da coisa em si. Praticados mecânica e meramente como um
dever que tem de ser feito (dever severo e inflexível), deve tender
para a falta de interesse e frieza e assim tornam-se ineficientes.
(AUROBINDO, 1971, p.7/8)

Neste trecho, Aurobindo reafirma a importância de uma atitude em


consonância com a aspiração referindo-se às preces, e que estas não estejam
brotando apenas de uma disciplina formal, despida de aspiração, mas sim de um
sentimento profundo, vindo do “coração” do praticante.
Ao analisar mais a fundo a prática de Japa e seu desenvolvimento, Aurobindo
sugere três caminhos vindos de duas condições para seu sucesso:

O Japa só tem sucesso através de duas condições: Se ele é repetido


com a percepção do seu significado, de algo que habita dentro da
mente sobre a natureza, poder, beleza, expresso pelo atração à
divindade e trazê-la para dentro da consciência – este é o caminho
mental. Ou se ele vem do coração ou toca com certa percepção o
fazendo sentir como uma devoção viva – este é o caminho da
emoção. Também a mente ou o vital deve dar o apoio e o sustento.
Mas se isto faz a mente árida, e o vital impaciente, deve estar
havendo uma falta deste apoio ou sustentação. Isto é, de fato, o
terceiro caminho, a confiança no poder do mantra, ou a palavra em
si; mas em seguida, a pessoa tem que continuar até que este poder
seja impresso suficientemente pela vibração no interior do ser para
torná-la em um determinado momento subitamente aberta para a
Presença ou o Toque. (AUROBINDO, 1971, p. 23).
53

Ainda sobre essa consciência, no uso dos mantras e agora exemplificada pelo
mantra Om, Aurobindo afirma: “Se o Om é corretamente utilizado (não
mecanicamente), seu poder é muito bom para ajudar na abertura para cima e para o
exterior (consciência cósmica) também como na descida.” (AUROBINDO, 1971,
p.26)
Há outros comentários de Sri Aurobindo a respeito do tema, que podemos
destacar e que versam sobre o Mantra Om. Como já foi dito no primeiro capítulo,
este é o mais importante mantra védico e o mais amplamente difundido e aceito
mantra em sânscrito. Sobre este mantra Aurobindo comenta:

Om é o mantra, o expressivo som-símbolo da consciência de


brahmam em seus quatro domínios. De Turia até o externo, ou plano
material. A função do mantra é criar vibrações na consciência interior
que irão preparar para a realização daquilo que o mantra simboliza e
certamente é suposto que ele nos leva para dentro do Ser. O mantra
Om deve, portanto, conduzir para uma abertura de uma consciência
através de uma visão e sentimentos desta consciência em todas as
coisas materiais. No ser interior e nas palavras suprafísicas, no plano
causal, agora além da superconsciência para nós e, finalmente, a
libertação suprema transcendente acima de toda a existência
cósmica. Essa última é geralmente a principal preocupação para
aqueles que usam o mantra. (AUROBINDO, 1971, p.25) sri
aurobindo and mother on prayer and mantras.

Demonstrando, assim, para os que se utilizam dos mantras, que a sua


finalidade é uma percepção de uma consciência através da realização desta
consciência no plano material resultando, por fim, o que ele chama de “... a
libertação suprema transcendente acima de toda a existência cósmica.”
A respeito do OM, já tecemos considerações no Capítulo 1. Nesta passagem,
vemos sua importância na tradição de Sri Aurobindo, e ainda a relação do OM com a
superconsciência ou a supermente.
Além de Aurobindo, a Mãe também deixou alguns escritos sobre o tema dos
mantras. Aqui veremos alguns trechos de textos onde a Mãe Mirra Alfassa faz
alusão à importância e aos efeitos da prática de mantra em determinadas situações:

Quando você nota que, repentinamente, algumas coisas fogem das


suas mãos, que você está cometendo erros, que você está
desatento, às vezes, correntes contrárias vêm e cortam através de
tudo que você faça, se você adquire um hábito de repetir palavras
automaticamente, neste momento de evocar o mantra tem um efeito
extraordinário. Você escolhe o seu mantra ou, preferencialmente, um
dia ele vem pra você num momento de dificuldade. Num momento
54

em que as coisas estão muito difíceis, quando você tem algum tipo
de angústia, de ansiedade e não sabe o que vai acontecer,
subitamente, eles nascem dentro de você, as palavras nascem
dentro de você. Para cada um, isto pode ser diferente, mas se você
tomar nota do mesmo e, em algum momento, você estiver frente a
frente com a sua dificuldade, você o repete, ele irá tornar-se
irresistível... (MÃE apud AUROBINDO, 1971, p.25)

Nesse trecho, a Mãe fala, de forma simples e prática, sobre uma das funções
mais elementares da repetição do mantra, como uma forma de transmutação de
sentimentos negativos ou situações difíceis. Reafirma aqui que o mantra não é algo
da criação mental do ego do praticante, mas sim algo que deve ser vivenciado como
uma escuta interior. Este é o mantra mais poderoso.
Apesar da importância dos ensinamentos dos mestres registradas nos livros,
a experiência vivencial dos mantras, em nossa pesquisa de campo, foi fundamental
para a compreensão de seu significado dentro desta tradição. Assim,
descreveremos, a seguir, o roteiro de nossa viagem pela Índia, como forma de
introduzir as entrevistas que serão apresentadas no terceiro capítulo.

2.4 METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO

Conforme foi dito na introdução, desenvolvemos uma pesquisa de cunho


etnográfico. Ou seja, ao longo dos dias transcorridos na Índia, nos colocamos de
observador de uma cultura, ou de um modo de ser reconhecidamente diferente do
nosso, que é a tradição dos mantras no âmbito de sua própria cultura: a cultura
indiana. Os atores ou os pesquisados que nos interessaram configuravam-se em
professores de yoga e(ou) mantras da tradição do yoga integral, pessoas que
reconhecidamente exercem funções importantes nos ashrans deste Yoga.
Tomando como referência abordagem proposta por Viveiros de Castro (2002
apud ANDRADE; 2014) na definição de uma pesquisa etnográfica, entendemos
esses professores dos ashrans e mestres de mantra-yoga como portadores de uma
tradição importante para estudos dessa natureza.

O 'antropólogo' é alguém que discorre sobre o discurso de um


'nativo'. O nativo não precisa ser especialmente selvagem, ou
tradicionalista, tampouco natural do lugar onde o antropólogo o
encontra; o antropólogo não carece ser excessivamente civilizado, ou
modernista, sequer estrangeiro ao povo sobre o qual discorre. Os
55

discursos, o do antropólogo e sobretudo o do nativo, não são


forçosamente textos: são quaisquer práticas de sentido. O essencial
é que o discurso do antropólogo (o 'observador') estabeleça uma
certa relação com o discurso do nativo (o 'observado'). Essa relação
é uma relação de sentido, ou, como se diz quando o primeiro
discurso pretende à Ciência, uma relação de conhecimento. Mas o
conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social,
pois é o efeito das relações que constituem reciprocamente o sujeito
que conhece e o sujeito que ele conhece, e a causa de uma
transformação (toda relação é uma transformação) na constituição
relacional de ambos (VIVEIROS DE CASTRO; 2002 apud
ANDRADE; 2014, p. 64).

Assim, tomando por base esse olhar antropológico, que também faz parte do
arcabouço das Ciências das Religiões, vamos discorrer sobre os discursos a
respeito de mantras que foram elaborados pelos mestres e praticantes com os quais
pudemos interagir em nossa pesquisa de campo. Em campo pudemos constatar
justamente algo parecido com as considerações feitas por Viveiros de Castro, pois
no discurso da maioria dos atores sociais percebemos uma grande receptividade e
uma interação intensa com o entrevistador.
A abordagem metodológica de nosso campo de pesquisa se estabeleceu
através de um método de pesquisa participante. Essa abordagem do tema surgiu de
forma natural ao longo da pesquisa, uma vez que nossa viagem à Índia não teve
apenas um aspecto de pesquisa, mas também um envolvimento nosso como
praticante de uma determinada linhagem de Yoga. Assim, nossa etnografia do
campo, teria que ser construída necessariamente a partir deste olhar participante, de
alguém que esteve em campo observando e ao mesmo tempo experienciando a
tradição dos mantras.
Na parte seguinte deste segundo capítulo vamos apresentar a descrição do
campo em si e no capitulo seguinte vamos apresentar as entrevistas que realizamos,
e junto delas uma breve descrição dos entrevistados. Tudo isso para tentar
reconstruir nosso olhar e nossa experiência enquanto estivemos imersos nos
ashrams e nas práticas de mantras em nossa viagem à Índia.
Assim como em outras pesquisas recentemente desenvolvidas no programa
de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (cf. ANDRADE; 2014, p. 66),
constatamos que essa característica de participar do grupo pesquisado é um fator
que facilita acessos a determinadas práticas. Porém, fazer parte do grupo e ao
mesmo tempo pesquisa-lo também exige um exercício contínuo de aproximação e
56

distanciamento do objeto pesquisado. Vale ressaltar que mesmo pesquisadores que


não participem de forma ativa dos grupos pesquisados, também acabam por
interferir na dinâmica destes, através de sua simples presença, como nos lembra
Silva (2000, p. 17). Segundo este autor, o mito do “pesquisador fantasma”, que não
afeta e não é afetado pelo campo, não tem mais sustentação nas pesquisas
contemporâneas, onde qualquer observação tem sido notadamente reconhecida
como participante.
Por isso não vemos problema alguma em reconhecer nossa participação
bastante efetiva no campo pesquisado, interagindo com os interlocutores que
também foram nossos professores e mestres na prática dos mantras.

2.5 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA: ÍNDIA 2013-2014

Nossa viagem foi focada nos principais ashrans. Nossa vivência de campo se
deu tanto na forma de pesquisador, quanto na forma de praticante, embora,
essencialmente, nosso principal olhar tenha sido de pesquisador. Assim, nossa
pesquisa se caracteriza como participativa, na qual o pesquisador não se abstém da
vivência, mas busca construir um olhar crítico sobre a mesma.
Nossa pesquisa de campo foi programada para ser realizada em três cidades
da Índia, onde se encontram os principais Ashrans do Purna Yoga (Yoga Integral).
Em um primeiro momento, estivemos em Pondicherry, que está situada no sul da
Índia, cidade que faz, a leste, fronteira com a Baía de Bengala e, a oeste, norte e
sul, com o estado de Tamil Nadu. Esse território foi possessão francesa entre o
século XVII e 1954. Foi o local onde viveram e ensinaram por anos os principais
Mestres do Yoga Integral, Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Local do Sri Aurobindo
Ashran.
Em um segundo momento, pegamos um voo interno para Nova Délhi, que é a
atual sede do governo da Índia e a capital do país, onde se localiza uma filial do Sri
Aurobindo Ashran, o Sri Aurobindo Ashran Delhi Branch. Por fim, pegamos um
ônibus até Haridwar, agora mais ao norte, no sopé do Himalaia, e nos hospedamos
no Aurovalley Ashran.
57

Figura 9 - Mapa com marcação dos locais visitados no sul e norte da Índia.

Dia 27 de dezembro de 2013, chegamos ao sul da Índia, na cidade de


Chennai, estado de Tamil Nadu. Logo pegamos um ônibus para num povoado
simples, chamado de Mahabalipuram. Uma cidade pequena, numa região com
templos muito antigos, que foram esculpidos em blocos sólidos de granito. Nas
rodovias entre Chennai e Mahabalipuram, via-se, dos lados da pista, muitos
escultores trabalhando em blocos de pedra; vimos esculturas belíssimas, às vezes
muito grandes, de Ganesh, Hanumam, Buda, Vishnu, entre outros, Devas do
panteão Hindu. Assim, através principalmente da arte, passado e presente, mantém-
se viva uma herança cultural de mais de mil anos.
58

Figura 10 – Pondicherry - Sri Aurobindo Ashran.

Descansamos por uma noite nesse pequeno povoado, e logo tomamos outro
ônibus pra Pondicherry, primeira e mais importante cidade para nossa pesquisa de
campo, local onde viveram e ensinaram Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Localiza-se
ali o Sri Aurobindo Ashran. Agora uma cidade maior que a citada anteriormente.
Com um fervor habitual das ruas movimentadas e barulhentas. Tão comum nas
grandes cidades da Índia.
Seguindo em direção à praia, entramos numa região da cidade mais tranquila,
onde poucos carros circulam, onde muitos caminham ou usam bicicletas como
principal meio de transporte. Tarda a percepção de que estamos num ashram, pois,
a não ser por suas paredes num mesmo tom de azul acinzentado, não há ali um
único espaço físico isolado, mas uma espécie de vila, imantada pela áurea espiritual
do Yoga Integral. Aos poucos, conseguimos autorização para visitar e meditar em
locais importantes do Ashram, como o quarto onde Sri Aurobindo viveu, lugar onde a
Mãe abençoava os devotos (Darshan), Mahasamadhi (Mausoléu dos mestres),
refeitório.
De manhã logo cedo, o grelhar dos corvos ecoa nos quatro cantos da cidade.
Às 6h da manhã, tivemos um encontro para meditar no Mahasamadhi. O centro de
toda a atividade do Ashran, local onde estão os corpos de Sri Aurobindo e da Mãe
59

(Mirra Alfassa), onde todos os dias, ao nascer e ao fim do dia, centenas de


discípulos do Yoga Integral se ajoelham, prestam suas homenagens e sentam pra
meditar em torno do mausoléu dos mestres. Esse é o principal e talvez único centro
devocional dos praticantes desse Yoga.

Figura 11 – Mahasamadhi (Mausoléu dos mestres Sri Aurobindo e Mirra Alfassa).

Ano Novo no Ashram

Nossa virada de ano na Índia também aconteceu no Mahasamadhi do


Ashram. Nenhum festejo se ouviu na noite do dia 31, pois, diferente do Brasil, pelo
menos nessa região, os indianos costumam celebrar o réveillon na manhã do dia 1
de janeiro. Nesse dia, uma fila imensa se formou em frente ao portão de entrada
onde fica o Mahasamadhi e, mesmo chegando bem mais cedo que o habitual, ainda
no escuro, enfrentamos uma fila pra conseguir entrar. Outra dificuldade foi encontrar
depois um lugarzinho apertado pra meditar entre centenas de pessoas, em sua
grande maioria de ashramitas (discípulos/estudantes do Ashram).
Gostaríamos de ressaltar aqui a importância de viajarmos na presença do
professor Horivaldo Gomes que, no Brasil, é o principal disseminador do Yoga de Sri
Aurobindo, autor de vários livros sobre o assunto e presidente da ANYI - Associação
Nacional de Yoga Integral. Desde o início da nossa viagem, o professor Horivaldo
60

Gomes se manteve nos auxiliando e em diálogo com os mestres do ashram, para


que nos possibilitassem, na pesquisa de campo, um melhor aproveitamento dos
ensinamentos vivos nos discípulos diretos de Sri Aurobindo. Com tantas idas à Índia
para estudar nos ashrans de Sri Aurobindo, o Professor nos levou por diversos
lugares do ashram que não são permitidos a visitantes ou turistas.
Através do Professor Horivaldo, conhecemos a Madhumita Padnaik, uma
ashramita indiana, professora de dança no Sri Aurobindo Ashran que, ao saber do
nosso estudo, também se mostrou prontamente disponível para nos ajudar, nos
ciceroneou e nos possibilitou o contato com os principais mestres e professores,
com conhecimento sobre os Mantras. Assim, nossos dias em Pondycherry
transcorreram entre conhecer o Sri Aurobindo Ashram, mantendo um contato de
práticas, numa grande maioria de meditação junto aos ashramitas, e entrevistar
pessoas com representatividade para nossa pesquisa.

Auroville - A cidade à Luz do Purna Yoga

Ainda durante nossa estadia em Pondycherry, pudemos visitar algumas vezes


a cidade de Auroville, um das maiores experiências comunitárias da terra, a cidade
idealizada pela Mãe (Mirra Alfassa), para que fosse um campo fértil para o
desenvolvimento da humanidade, o florescer de uma nova consciência, baseados
nos ensinamentos de Sri Aurobindo. Lugar fundado com o objetivo de divinizar toda
a vida na terra, um lugar de contato com o divino, através da comunhão de diversos
povos, a despeito de raças, dogmas, ritos ou raça.
Em Auroville, percebemos a experiência filosófica do Yoga Integral se pondo
em prática. Uma cidade projetada em um solo árido, para ser o início de um tempo
de transcendência e evolução, de uma nova consciência na terra, para a descida da
Super Mente.
61

Figura 12 - Nova Délhi - Sri Aurobindo Ashran Delhi Branch.

Dando continuidade à nossa experiência de campo, seguimos em 8 de janeiro


para Nova Délhi e fomos direto para o Sri Aurobindo Ashran Delhi Branch.
Assustadora para nós a visão externa do ashran, a cidade de Délhi está entre as
mais poluídas e barulhentas cidades do mundo, com muitos moradores de rua
vivendo em situação de extrema pobreza. Ali, constatamos, mais uma vez, a
vocação social do Yoga Integral. No meio do caos urbano, a ashran sustenta uma
atmosfera espiritual de paz e mantém, entre suas atividades, um centro educacional
que é referência na Índia, entre outras atividades voltadas para o desenvolvimento
humano.
Esse Ashram é uma filial do centro de sadhana de Pondicherry e teve como
fundador Sri Surendra Nath Jauhar. Discípulo direto dos mestres do Yoga Integral,
Sri Surendra herdou uma grande área de terra na região, onde hoje é Nova Délhi, e
foi orientado pela Mãe na missão de fundar uma extensão ou filial do Ashran de
Pondicherry. Foi inaugurado, em 12 de fevereiro de 1956. A Mãe ofereceu ao novo
ashram relíquias de Sri Aurobindo para serem expostas em um santuário. Nesse
momento faziam seis anos da morte de Sri Aurobindo.
Nossa vivência em Délhi foi a participação efetiva em todas as atividades do
ashran. De manhã, com início às 6h, tínhamos por 1 hora de meditação no
Meditation Hall, centro de meditação, considerado o centro da vida no ashran. As
62

meditações eram em silêncio, porém, por algumas ocasiões, o silêncio era quebrado
pelo som de instrumentos e pelo canto de mantras conduzidos pela Mestra de
mantras Karunamayee. Talvez, a mais importante mestra de mantras de todos os
ashrans do Yoga Integral. Tivemos ali, durante a nossa estadia, encontros diários
com Karuna, onde a mesma, ao som do Harmonium, um instrumento musical que é
uma espécie de mini-piano com o corpo “sanfonado”, repassava-nos ensinamentos
sobre a prática de mantras e a filosofia do Yoga Integral. Às 7h, tínhamos práticas
de Hatha-Yoga com os professores indianos. No decorrer da manhã, trabalhávamos
de forma voluntária, na cozinha ou na horta, ou assistíamos a palestras sobre Yoga,
saúde e educação, com professores e terapeutas do The Mother´s Integral Health
Centre.
Tivemos a oportunidade de conhecer uma parte do grande complexo
educacional do Ashran, bem como trocar experiências com professores e alunos
que se interessaram bastante por nossa cultura. No início da noite, acontecia o
último encontro no salão de meditação, onde cantávamos mantras e recebíamos
mais orientações da mestra Karunamayee.

Haridwar - Aurovalley Ashran

Em 15 de janeiro, seguimos de ônibus com destino à Haridwar, umas das


principais cidades sagradas da Índia, conhecida como um antigo centro de
peregrinação hindu, localizada no sopé dos Himalaias no estado indiano de Uttar
Pradesh. Nossa viagem, de aproximadamente 200 km, com saída de Nova Délhi,
tinha como destino a área rural de Haridwar, onde fica o Aurovalley Ashran, principal
centro do Yoga Integral naquela região, que tem seu ashran situado às margens do
rio Ganges. Nossa chegada foi marcada por nosso primeiro encontro com o mais
reverenciado rio da Índia e também tínhamos, de longe, a primeira vista do Himalaia,
com sua imensa cordilheira encoberta por seus picos nevados.
Fomos recebidos na chegada ao Aurovalley Ashran por um senhor de vestes
claras, barbas e cabelos brancos e de um profundo olhar marcante que sobressaia
de um rosto de poucas palavras. Não tardou a percepção de que aquele senhor era
o Swami Brahmadev, dirigente e mestre espiritual do ashran. Esse centro foi
fundado pelo Swami Brahmadev, em 1985. Discípulo de Sri Aurobindo e da Mãe, o
Swami nutre ali o ideal de uma comunidade ecumênica e disse ter sido inspirado
63

pela Mãe em uma visão que deveria ser construído ali um ashran do Yoga Integral.
Seu centro foi registrado pelo governo da Índia como uma instituição de Yoga
educacional e, além de se propor um desenvolvimento espiritual, o ashran oferece
serviços de educação e programas para o bem estar das comunidades
circunvizinhas.
Seus discípulos, em sua maioria, estrangeiros acreditam ser o pontapé inicial
para o desenvolvimento de uma consciência de unidade entre diversos povos. O
ashran é cercado por uma região de grande beleza natural, onde, em nossas
caminhadas matinais pelo Ganges, deparamo-nos com inúmeros animais selvagens.

Figura 13 - Animais selvagens.

Nesse local, durante a noite, não é aconselhável a visitação, pois elefantes


selvagens se aproximam. Diferente daquilo que é apregoado pelo senso comum, o
rio Ganges tem nessa região um aspecto muito límpido, com águas gélidas e
cristalinas, fruto de suas nascentes e do degelo dos Himalaias. Nesse trecho,
caminhando sobre o leito quase seco do rio, encontramos várias vezes pequenas
oferendas, com flores e imagens de deidades.
64

Figura 14 - Oferenda encontrada no Rio Ganges.

Figura 15 – Leito seco do Rio Ganges.


65

Seguimos em Haridwar, com vivências de meditação, a partir dàs 6h da


manhã, onde nos dirigíamos para um bonito salão do ashram, local utilizado apenas
para meditação. O salão era espaçoso e as pessoas se sentam em confortáveis
almofadadas para meditar. No centro do salão, há uma réplica do cristal encontrado
no centro do Matrymandir. Só que ali, seu cristal reflete um verde esmeralda, e,
evidentemente, as dimensões são bem mais modestas que as do templo maior no
coração de Auroville.
Saindo da meditação, todos se dirigiam direto para o salão de Hatha-Yoga,
onde essas aulas eram sempre conduzidas por professoras de asanas que eram
moradoras do ashram (ashramitas). Após a atividade corporal mais intensa,
dirigíamo-nos para o refeitório, onde nos era servido um desjejum. Após o café da
manhã, iniciava-se o trabalho diário e logo tínhamos algum tempo livre para leitura,
caminhada ou mesmo a saída do Ashram para alguma visitação externa. Logo mais,
às 11h, encontramo-nos na biblioteca do Ashran para ouvir os ensinamentos do
Swami Brahmdev, que respondia sempre aos questionamentos e às dúvidas dos
seus estudantes. À tarde, havia outra prática de asanas (posturas psicofísicas), mais
uma hora de meditação, jantar e, por fim, um último encontro (sat-sangha) com o
Swami no salão da biblioteca.
66

CAPÍTULO 3 - ENTREVISTAS E DISCUSSÃO

3.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO

Nossa viagem pela Índia foi dividida em três fases. Primeiro, estivemos em
Pondicherry, estado de Tamil Nadu, sul da Índia, onde se localiza o Sri Aurobindo
Ashram. Num segundo momento, pegamos um voo até Nova Delhi, atual capital da
Índia, onde está situado o Sri Aurobindo Ashram Delhi Branch, e a International
Mother School. E, na última fase da nossa viagem, fomos mais para o norte, onde
ficamos hospedados no Auro Valley Ashram, em Haridwar.
Nossa mostra na pesquisa de campo foi composta por um grupo de oito
indianos, que exercem notoriamente funções relevantes no Sri Aurobindo Ashram e
em mais dois Ashrans que são filiais de reconhecida importância na linhagem do
Yoga Integral. No Brasil, entrevistamos seis instrutores de Yoga Integral, filiados a
ANYI - Associação Nacional de Yoga Integral, e um sétimo entrevistado, o atual
presidente desta associação, o Professor Horivaldo Gomes.
Tomamos, como base, duas questões principais: “O que significa Mantra para
você?” e “Qual a sua prática pessoal de Mantras?”. Quando percebíamos no
entrevistado um maior conhecimento sobre o tema, pedíamos que os mesmos
abordassem também o Mantra Gayatri e (ou) o Mantra Om.
As entrevistas com o indianos foram realizadas em língua inglesa e foram
diretamente traduzidas do áudio em inglês na forma de texto em português. Desse
processo, participaram orientando e orientadora, com o auxílio de Narayam (tradutor
do grupo de brasileiros em visitação aos Ashrans na Índia). O áudio original das
entrevistas está disponibilizado em anexo nos CD’s, entregues juntos à dissertação.

3.2 ENTREVISTAS COM PRATICANTES INDIANOS

3.2.1 Swami Bramdev - Aurovalley Ashran - Haridwar

Swami Bhamdev é um discípulo de Sri Aurobindo e da Mãe, que fundou, na


zona rural de Haridwar, o Aurovalley Ashran. A sua entrevista foi feita na biblioteca
do Ashram, por ocasião de um satsang com o Swami. Além do entrevistador, o
professor Horivaldo Gomes também colaborou com a entrevista.
67

Figura 16 – Swami Brandev.

Entrevistador: Então, pessoal, eu vou perguntar de início ao Swami Bramdev o que


é Mantra, o que significa Mantra?
Entrevistado: ... silêncio... Mantra é uma vibração especial, essas vibrações, sons,
suprem sua natureza psíquica. Quando a gente usa a palavra Mantra, mantra
significa a língua da sua alma. Nós temos língua mental, há muitos tipos de língua.
Língua mental, língua física, psíquica. Sua mente sempre fala, o corpo sempre fala,
sua emoção, seu corpo vital sempre fala, sua alma sempre fala. Todos têm línguas
diferentes. Todas as línguas têm vibrações diferentes. Língua mental produz
vibrações mentais, vital, produz vibrações vitais, físicas vibrações físicas e psíquica,
vibrações psíquicas. A alma produz vibrações espirituais.
Aos que vão muito profundamente em busca da vida, esses descobrem a língua da
alma, a língua psíquica. Na língua psíquica, eles descobrem alguns sons especiais.
O som da língua psíquica é o Mantra. Qualquer coisa que venha do Ser psíquico é
um Mantra. Sri Aurobindo escreveu um livro, Savitri. Tudo são Mantras, cada linha
do Savitri é um Mantra. Tudo isso veio do psíquico dele. Para os efeitos das línguas
diferentes, se sua mente fala, a língua mental. Se você segue sua língua mental,
você cria um mundo mental... Se você escuta a voz do seu corpo, você produz um
mundo físico. Se você segue a língua do seu vital, você cria um mundo vital. Se você
ouve o psíquico, segue o seu psíquico, cria um mundo psíquico, espiritual, divino. O
efeito de cada um deles é diferente. Há muitos mantras, todas as religiões têm seus
mantras. Se você usa qualquer mantra, esse mantra imediatamente muda seu
psicológico. Começa a se sentir (...), e um segundo. Essa é a influência dos sons,
das vibrações do som psíquico. O primeiro efeito do uso do mantra é na sua
psicologia negativa e positiva; se você se sentia fraco, você se sente forte. Se sente
medo, imediatamente no mantra, seu medo desaparece. Então, o mantra é uma
68

ferramenta muito poderosa, sempre o mantenha com você, vai te ajudar e proteger a
sua vida. Mudar sua psicologia, tornar forte, eles ajudam a fazer nossa vida útil. Os
mantras, os efeitos dos mantras, dessa vibração do psíquico, são tão poderosas,
que é a maneira mais rápida e fácil de mudar sua natureza. A vida significa
mudança, mudança da sua natureza, mudança da sua consciência, com a ajuda do
mantra, essas vibrações fazem uma transformação muito rápida, com certeza,
fazendo um ser melhor. Por isso, o mantra é tão importante. A Mãe estava usando
os mantras, esse mantra que ela usava era o Om Namo Bhagavate, e Mãe repetia
esse mantra milhões de vezes. Em determinado momento na vida da Mãe, cada
célula do seu corpo estava cantando esse mantra, toda célula tava cantando. Esse é
o mantra da transformação, é para fazer um trabalho de transformação nas células
da matéria. E a mãe foi transformando sua consciência, vai transformando a
informação das células... Então, ela tava usando esse mantra: Om Namo Bhagavate.
O Om significa o divino, o supremo. Namo é Saúde, Faça por você, o divino, o
supremo, a luz. E o Mantra é somente para aqueles que querem progredir,
transformar, realizar o seu verdadeiro Ser, pra eles, o Mantra ta aí. A maneira mais
curta, mais fácil pra realizar a si próprio, a verdade. E agora... esse tema dos
Mantras é tão vasto. O som da sua vida. Nos dá vida, o som. Esse som ajuda a
fazer nosso equilíbrio, esse mesmo som, é o som do universo, o som da vida, esse
som é o Om. É o mantra mais alto, poderoso. Se você quer só escutar o som do Om,
feche seus ouvidos e escute, o seu som, o som da sua vida. Faça assim: Faça
assim, pressione! (Nesse momento, o Swami pediu pra fecharmos o ouvido e os
olhos com os dedos das mãos). Pressione por algum tempo, pressione!... Silêncio....
Ta sempre lá, automaticamente. Esse som sustenta sua vida. Tá te dando vida,
quando ele terminar, não tem mais vida. Esse é o som do silêncio, do universo, do
divino. É o som da sua respiração, se você ouvir sua respiração, o som é Om, o
mesmo Om. Quando a gente respira, o que você respira é Prana. A gente não
respira ar, com ar você não pode... pegar uma bomba e botar ar, o corpo não vai...
Quando a gente respira, a gente usa a palavra Prana; quando você respira você
respira o divino. Na Índia, a gente pensa que, em cada partícula, o divino tá em
todos os lugares, onipresente, em todos os lugares... silêncio... No ano passado, na
Holanda. Muitos cientistas fizeram um experimento. Sabe o Bosson de Rigs? Vocês
ouviram falar do Bosson de Rigs? O que eles descobriram? Muitos cientistas do
mundo gastaram bilhões de dólares, descobriram a partícula de Deus. Eles
disseram: tem Deus em todo lugar. Descobriram que Deus tá em todo lugar.
Partículas de Deus. No conhecimento espiritual da Índia, a gente diz que Deus está
em todo lugar. A realização dos Rshis indianos, divina, onipresente, tá em todo lugar.
O que acontece quando a gente respira, respiramos as partículas do divino, é um
processo natural. Suponha que se quer respirar mais partículas divinas. Você tá
respirando normalmente, mas você quer mais partículas divinas. A gente quer essa
caixa cheia de vibrações divinas. Os mantras, principalmente o Om, o som e as
vibrações desse som, Om, tem um poder magnético muito forte. Esse poder
magnético pega todas as partículas divinas, quando você fala Om; todas as
partículas divinas correm mais rápido pra você. E com isso o que acontece? O seu
corpo se enche de vibrações divinas, a gente usa a palavra alma, ninguém nunca viu
a alma, a gente usa a palavra Deus, ninguém sabe o que é Deus. Todo esse jogo da
vida é um jogo de vibrações, um jogo de forças. Com o Om, mais e mais partículas
de vibração divina enchem sua caixa, você começa a sentir mais como o divino,
mais pacífico, alegre, bem-aventurado, com mais luz, qual a natureza divina? É
graça, o divino é verdade, o divino é consciência, o divino é amor, concretude,
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totalidade, mais vibrações do divino. Você começa a se sentir mais como o divino,
essa é a ideia. Mais consciente. Então, quando essa vibração divina sai, tá
terminado. Quando as vibrações divinas tão lá, sua vida é muito útil, muita bem
aventurança, muito propósito. Mas quando ela sai, esse corpo se torna morto. Então,
o Mantra é uma ferramenta muito poderosa pra elevar nossa consciência. Você
sentir como divino, crescer como o divino, viver como o divino, o mantra ajuda. Têm
muitos mantras, esse jogo é um jogo de forças, tantas forças querem se manifestar
através de você. E cada força tem o seu próprio mantra. Suponha que você quer
água, você quer fogo, quer paz. Pra cada um tem um mantra diferente. Qualquer
coisa que você queira, apenas produza a vibração, use o mantra dessa força, as
vibrações do mantra vão conectar você, estabelecer sua conexão com aquilo. Se
você tentar repetir o mantra da água, esse mantra vai te conectar com a água, a
força do fogo, da terra alegria... todas essas forças, seja lá o que você quiser, mande
sua vibração pra isso. Isso é um Mantra. O mantra ajuda a estabelecer os nossos
links, nossas conexões. Sri Aurobindo, no Yoga Integral, disse: Mantra é bom, ok.
Mas a sua aspiração, isso é muito mais poderoso que o mantra. Se alguém pode
aspirar, não precisava de nenhum mantra, ele só te ama. (risos), tá terminado. Não
sei porque Mantra. O poder da aspiração, do amor do divino. A aspiração é muito
mais poderosa do que qualquer mantra. O Yoga de Sri Aurobindo é baseado em
uma palavra, uma só palavra: Aspiração. Somente aspiração. E o que é aspiração?
Chore da sua alma pelo divino, apenas um sentimento muito puro pelo divino.
Simplesmente com a aspiração, é muito mais rápido que os mantras. Mas enquanto
você não conseguir aspirar, use os mantras.

Entrevistador: Uma segunda questão, qual seria a prática pessoal dele, o mantra
pessoal?
Entrevistado: No começo, desde que eu estou aqui, essa é minha rotina diária,
gritar pelo divino. Ó deus eu tô aqui, obrigado, obrigado. Todo dia eu digo obrigado.
Simplesmente o Yoga de Sri Aurobindo, ele disse. Todos os yogas, de onde eles
terminam. O meu Yoga começa dali. O que isso significa? Todos os outros Yogas
acordam no máximo o Ser Psíquico. E o Yoga Integral começa depois do despertar
do Psíquico. Então, qual o efeito desses mantras? Os mantras ajudam você a
despertar o Ser Psíquico. O Psíquico é nossa parte morta, que você pode dizer que
é sua verdadeira vida. Existem cinco partes do Ser, primeiro é o corpo, segundo é a
mente, o terceiro é sua parte emocional... o Ser físico, mental, vital, psíquico e o
quinto é o espiritual. São as partes do Ser que nos fazem seres humanos.
Normalmente, nessa vida da superfície, num nível mental, emocional, físico, a gente
vive sem o psíquico. Somente com o mental, a mente, uma vida normal humana, é
apenas uma ideia da sua mente que vem a você, ou um lado de seu corpo, ou um
desejo do seu vital, essa é a vida normal. Uma ideia, um desejo, um hábito do
corpo. Toda a vida, você ocupado pra completar seu desejo, suas ideias, é o que a
maioria dos humanos fazem. De viver com os desejos, ideias e hábitos, e não
cumprir o propósito da nossa vida, o Ser psíquico que sabe pra quê que eu nasci. O
nosso Ser Psíquico é uma parte morta que carrega todo o programa da sua vida,
todo o mapa, todo plano divino, o que você tem que fazer, qual o seu propósito, o
que que se tem que manifestar. Tudo isso tá no nosso Ser Psíquico. Sabe na
semente, tem uma parte dentro dessa semente que carrega todo o mapa dela. Todo
um plano divino. Então, o que essa semente vai produzir? Assim que essa semente
achar seu lugar, todo o projeto começa a aparecer. Todo o programa dessa
semente, programa divino dessa semente. E todo esse plano divino carrega o nosso
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Ser Psíquico. Sem o despertar do Psíquico, essa vida é inútil, o divino não vai se
manifestar. Não vai cumprir o plano, só vai viver uma pequena vida mental, vital.
Então, os mantras ajudam a despertar o psíquico, a força dos mantras, as vibrações
do mantra. A gente pode despertar o nosso psíquico. Sempre repita, sempre lembre
o divino com qualquer mantra, seja com sua aspiração, acorde o psíquico, seja com
os mantras, acorde o psíquico. Às vezes, a natureza acorda nosso psíquico com
algumas catástrofes, com os terremotos, sabe quando vem um terremoto,
imediatamente tudo. Nossa vida, às vezes, vem um terremoto. A natureza tem
muitas formas de nos acordar. Sempre reze pelo divino, pela graça, pra que o seu
psíquico possa acordar, que a vida possa ser útil, tenha um propósito. Sempre
ofereça, sempre coloque você de frente pro divino, eu tô aqui, eu sou seu.

Nessa hora, o professor Horivaldo interveio e perguntou: Qual foi o mantra que mais
ajudou a despertar a sua natureza psíquica?
Entrevistado: Alguém perguntou pra Sri Aurobindo: O seu Yoga é muito difícil!
Como fazer isso? Então ele disse: Apenas ame a Mãe, ame a Mãe. Não faça mais
nada. Apenas chame o tempo inteiro Ma Ma Ma... é isso: Ma Ma... Isso é muito
natural, o primeiro som da vida é Ma. Quando a criança nasce, em qualquer parte da
terra, essa vida. A vida dele vem com esse som Ma Ma... e a vida começa. Isso tem
uma vibração muito poderosa. Alguém perguntou: Mãe, como fazer esse Yoga?
Como é que se faz esse Yoga? E a Mãe sempre dizia: Não faz Yoga não, me dá sua
vida, que eu faço o Yoga, me dá sua vida, que eu faço tudo. A Mãe nunca disse, faz
isso, faz aquilo. Muita gente foi pra Mãe, a mãe sempre disse: Me dá sua vida, eu
farei tudo pra você. Não precisa de mais nada. Na verdade, toda essa vida é uma
criação da Mãe, esse é o ponto. A Mãe significa força e consciência do divino.
Qualquer lugar onde há vida, onde há movimento, aquilo tudo é a Mãe. Tudo é Mãe.
Todos esses movimentos são em direção ao divino. Então, o mais importante pra
vida sempre sentir que você sempre está na mãe, que a Mãe sempre está com
você. A Mãe não é uma forma, não é feminino ou masculino. Mãe significa força e
consciência. A consciência criativa da vida é Mãe.

Uma terceira pergunta pro Swami, se não for abusar muito, seria pra ele nos falar
sobre o Gayatri, ou mesmo o Gayatri de Sri Aurobindo?
Entrevistado: Om tat savitur varam rupam... esse é o gayatri de Sri Aurobindo. E o
gayatri mantra é Om bhur Bhuha... O significado dele é: Ó supremo, ó luz. Faça-me
luz. Em palavras curtas, esse é o significado. Ó divindade, ó luz, faça-me luz, mova-
me naquela direção, onde a vida pode realizar o divino, realizar a luz. Vida é o
movimento, e há 360 direções pra se mover. Tudo é o divino. Num lugar, tem
ignorância, escuridão, inconsciência. Se você for nessa direção, você entra na
escuridão, e se move nessa direção, você vai pra luz. Então, o mantra é isso. Mova-
me nessa direção pra que eu possa me encontrar, meu verdadeiro Ser, minha luz,
minha verdade. Esses são os significados simples desse mantra. Essas palavras
são bem carregadas, e as vibrações dessas palavras estão em todos os lugares.
Quando você repete esses sons, você facilmente estabelece suas conexões, e com
essas forças, ele começa a tomar conta de você.

Eu queria só agradecer ao Swami, e dizer que, quando a pesquisa ficar pronta no


Brasil, eu me comprometo a mandar uma cópia aqui pra biblioteca, aqui pro Ashran.
71

Entrevistado: Quando você terminar sua pesquisa, não faz só uma pesquisa. Torne-
se um iluminado.

Comentários do pesquisador:
No início da entrevista, o Swami nos traz a seguinte definição de Mantra:
“Mantra, mantra significa a língua da alma”, chama-nos atenção aqui, nessa
passagem, a visão de que o mantra não seria entendido por ele como uma técnica
para o desenvolvimento espiritual, mas como a própria linguagem do aspecto
transcendente da divindade percebida em nós.
Em seguida, ele afirma que “todas as religiões têm seus mantras”, o que
define um caráter mais abrangente para a prática de mantras, em que o mantra não
seria algo exclusivo da tradição indiana, inclusive, não se restringindo assim ao
idioma do sânscrito. No entanto, para ele, todos os sons que fossem vocalizados,
independendo da sua língua matriz, mas com uma real devoção, ou uma máxima
aspiração por parte do místico, também podem ser considerado um mantra.
No trecho “Sri Aurobindo escreveu um livro, Savitri. Tudo são Mantras, cada
linha do Savitri é um Mantra. Tudo isso veio do psíquico”, ele expressa aqui que o
mantra estaria relacionado não só com a aspiração do sadhaka, mas,
fundamentalmente, pela ação de uma consciência superior agindo no indivíduo que
foi inspirado, a ação da graça sobre ele. Aí, a concepção de que o mantra seria
“ouvido” por esses mestres, no momento de sua conexão com a divindade.
No trecho da entrevista em que o Swami nos fala sobre a prática de mantras
pela Mãe, foi dito: “A Mãe, estava usando os Mantras, esse mantra que ela usava
era o Om Namo Bhagavate, e Mãe repetia esse mantra, milhões de vezes”. Assim,
fica explícito que a Mãe tinha uma importante prática de mantra, a saber o Om Namo
Bhagavate, que é um importante mantra da tradição vaishnava, que evoca a energia
de krsna. Para o Swami, esse é o mantra da transformação, ao qual ele atribui um
poder para a transformação a nível celular, no cerne da matéria.
Na passagem: “Se você quer só escutar o som do Om, feche seus ouvidos e
escute, o seu som, o som da sua vida. Faça assim: Faça assim, pressione! (Nesse
momento, o Swami pediu pra fecharmos o ouvido e os olhos com os dedos das
mãos). Pressione por algum tempo, pressione!... Silêncio... Tá sempre lá,
automaticamente. Esse som sustenta sua vida.” O Swami comenta a tradição da
escuta do Om, do Anahata Sabda, do som que é ouvido no coração do sadhaka, do
72

impronunciável Om, o som que sustenta o universo. O som que é percebido por
aqueles que atingiram um estado de transcendência, para além da matéria, além da
mente.
Um próximo trecho que comentaremos dessa entrevista versa sobre uma das
principais características deste Yoga, a Aspiração. “O Yoga de Sri Aurobindo é
baseado em uma palavra, uma só palavra: Aspiração”. Essa aspiração que é
responsável, inclusive, por uma secundariedade dos próprios mantras, onde o
mantra só teria sucesso ou o efeito desejado se estivesse embasado pela aspiração.
No livro “O caminho ensolarado” (MÃE, 2012, p. 67), a Mãe compara a Aspiração a
uma flecha, um querer fervoroso para atingir a Verdade. E essa aspiração se eleva
ao ponto que se “choca com uma espécie de tampa”, daí onde muitos afirmam: De
que vale aspirar, se não tenho resposta? Então, a Mãe recorre ao famoso adágio
popular, que diz que a gota d’água tanto bate na pedra até furar. E quando, por força
de sua aspiração, ela consegue “atravessar a pedra”, subitamente, ele penetra numa
imensidão luminosa, então afirma: “Ah, agora eu compreendo.” Nesse contexto, o
mantra seria uma importante ferramenta para atingir essa meta, esse “atravessar a
pedra”.
Quando perguntado sobre o seu sadhana particular, envolvendo mantras, o
Swami Brahmdev inicia sua resposta dizendo: “No começo, desde que eu tô aqui,
essa é minha rotina diária, gritar pelo divino. Ó deus, eu tô aqui, obrigado, obrigado.
Todo dia eu digo obrigado” O que nos deixa também concluir a força da aspiração
deste aspirante ao Yoga Integral, uma fé fervorosa, como um filho que está sempre
chorando por sua mãe, que podemos entender por aspiração e entrega, e uma
constante gratidão pela receptividade e percepção da presença da Mãe em sua vida.
Ainda sobre esse “chorar pela mãe”, mais adiante na entrevista, está posto:
“Alguém perguntou pra Sri Aurobindo: O seu Yoga é muito difícil! Como fazer isso?
Então ele disse: Apenas ame a Mãe, ame a Mãe. Não faça mais nada. Apenas
chame o tempo inteiro Ma Ma Ma... é isso: Ma Ma... Isso é muito natural, o primeiro
som da vida é Ma.” Encontramos nessa passagem, uma importante forma de prática
de mantra para o Yoga Integral, que se relaciona com a entrega e aspiração citados
acima, a prática do mantra Ma Ma Ma... sobre a qual o próprio Sri Aurobindo afirma
ser esse o caminho ou método a seguir, um chamado que é fruto de uma profunda
aspiração. E, então, o Swami descreve a Mãe, não como uma forma, não como uma
73

questão de gênero, feminino ou masculino, diz: “Mãe significa força e consciência. A


consciência criativa da vida é Mãe.”
De forma sucinta, o Swami nos dá uma definição do Gayatri de Sri Aurobindo:
“Ó supremo, ó luz. Faça-me luz. Em palavras curtas, esse é o significado. Ó
divindade, ó luz, faça-me luz, mova-me naquela direção, onde a vida pode realizar o
divino, realizar a luz.” Vemos aqui que a essência do Gayatri mantra védico é
mantida, como uma oração que deve culminar com a realização da verdade, ou da
divindade rejubilada no aspirante.

3.2.2 Bragkishore Vrage

Bragkishore Vrage, ou simplesmente Vrage, é professor de sânscrito do Sri


Aurobindo Ashran em Pondicherry. Ele nos recebeu de forma muito carinhosa, e
mesmo sendo cego, recebeu-nos sozinho para um dos momentos mais tocantes que
tivemos.

Figura 17 - Prof. Vraje e Roberto Miranda, na escola de Sri Aurobindo Ashram, em


Pondcherry.
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Entrevistador: Professor Vrage, o que representa o Mantra para você?


Entrevistado: O mantra é um som que pode ser cantado ou um conjunto de sons.
Tem um significado muito profundo e o som, ele mesmo, tem um poder. Se eu sei o
significado e coloco a minha aspiração, eu consigo alcançar as profundezas da
minha consciência. É isso que eu entendo por mantra.

Entrevistador: Qual sua prática pessoal de mantra?


Entrevistado: Eu não faço muito regularmente...mas esse Om. Nós perguntamos a
Mãe, muito tempo atrás, e ela respondeu uma pergunta durante a aula. Ela
respondeu essa pergunta dizendo que muitas pessoas não têm energia quando
acordam, pois não dormiram bem. E ela falou que, quando elas dormem, entram
num estado de Tamas (Inércia, escuridão, preguiça). Então, dormir é estar
inconsciente, mergulhado na inércia. Então, ela aconselhava se deitar de costas e
relaxar profundamente todas as partes do corpo. Deixar ir embora todos os
pensamentos e agitações mentais. E, quando você estiver completamente relaxado,
você começa a repetir um mantra. Em outros lugares, as pessoas que são iniciadas
no Yoga, que estão buscando uma vida divina, não estão conscientes do que
querem. Aí começamos a compreender porque essas pessoas estão aqui no
ashram. Então, ela aconselha fazer um relaxamento profundo e repetir o seu mantra,
e aí você entra num transe.

Entrevistador: Você tem prática no Gayatri ou no Om?


Entrevistado: Todas as manhãs, nós cantamos o Gayatri, nós temos muitos Gayatri.
Gayatri é o nome de uma métrica. É um arranjo métrico de duas linhas que nós
chamamos de Gayatri. Um Gayatri é considerado o principal, que é conhecido no
mundo inteiro. E ele é conhecido, o Gayatri do Rsh Vishamitrii. Todo mundo que
estuda o gayatri sabe disso. Neste caso, para um discípulo específico, Sri Aurobindo
deu outro Gayatri, então, o mais importante pra nós... (silêncio)... Om tat savitur
varam ruupam Jyotih parasya dheemahi yannah satyena deepayet.

Entrevistador: Você pode falar sobre os benefícios da prática do Om?


Entrevistado: Sri Aurobindo tem alguns escritos sobre o Om, e muitas pessoas
escreveram sobre o Om. É o mantra, ele mesmo. Nós chamamos o som da criação.
Eu acho que Sri Aurobindo o chamou de Om criador. Então, ele foi chamado de a
música do… uma vez que ele é escutado, a pessoa entra em transe e pode escutar
a musica dos... é isso que nós tentamos fazer, reproduzir essa vibração e libertar
nossa existência das amarras dos desejos da mente. Esse é o estado de Ananda.
Ananda é alegria suprema e também é felicidade.

Comentários do pesquisador:
Quando questionado sobre o significado do termo mantra, o professor Vrage
nos deu a seguinte definição: “O mantra é um som que pode ser cantado ou um
conjunto de sons. Tem um significado muito profundo e o som, ele mesmo, tem um
poder. Se eu sei o significado e coloco a minha aspiração, eu consigo alcançar as
profundezas da minha consciência.” Novamente, vemos aqui a importância que se
75

dá ao conhecimento do significado do mantra, bem como de uma aspiração pessoal


para que os mantras produzam o efeito desejado. Quando perguntado sobre o
Gayatri mantra (ou seja, se ele próprio tem utilizado estes mantras), ele nos
respondeu: “Todas as manhãs nós cantamos o Gayatri, nós temos muitos Gayatri.
Gayatri é o nome de uma métrica. É um arranjo métrico de duas linhas que nós
chamamos de Gayatri.”
É muito interessante esta definição do Gayatri como métrica. Há uma métrica
de mantras, por isso, há diversos Gayatris possíveis: Porque não é apenas um
mantra específico, mas sim uma métrica que se repete em diversos mantras.
Diferente do senso-comum, vimos aqui uma importante colocação, a qual
define o Gayatri, não como um mantra único, como o famoso e amplamente prática
do Gayatri do Rish Vishamitri11 (OM BHUR BHUWAH SWAHA TAT SAVITUR
VARENYAM BHARGO DEVASYA DHEEMAHI DHIYO YO NAHA PRACHODAYAT)
mas como uma grande variedade de Gayatris. Então, o professor Vrage enfatiza
esse comentário dizendo: “Um Gayatri é considerado o principal, que é conhecido no
mundo inteiro. E ele é conhecido o Gayatri do Rsh Vishamitrii, todo mundo que
estuda o gayatri sabe disso.” E segue com sua explanação: ”Neste caso, para um
discípulo específico, Sri Aurobindo deu outro Gayatri”. De novo, aparece aqui a
citação ao Gayatri “original” e aquele recebido por Sri Aurobindo (Om tat savitur
varam ruupam Jyotih parasya dheemahi yannah satyena deepayet). Então, o
professor afirma que, para os discípulos de Sri Aurobindo, esse é o Gayatri mais
importante, e percebemos no campo que ele é realmente o mais praticado.

3.2.3 Dr. Narendra - Chefe do departamento de Sânscrito do Sri Aurobindo


Ashram- Pondcherry

Entrevistador: O que é Mantra?


Entrevistado: (silêncio)... Ok, estou pensando... O mantra significa Luz da verdade.

Entrevistador: Qual sua prática de mantras?


Entrevistado: Om Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi Parame.

Entrevistador: Você pode nos falar sobre o Gayatri?


Entrevistado: Recordando Sri Aurobindo, o Gayatri significa: A luz da verdade, nível
de plena consciência.
76

Comentários do pesquisador:
Esse entrevistado nos surpreendeu, em primeiro lugar, pelas respostas
altamente sintéticas em relação a outros entrevistados. Sua definição de mantra foi a
mais breve que nos foi apresentada, afirmando: “O mantra significa Luz da verdade.”
Percebemos certa proximidade nessa definição das traduções que nos foram
apresentadas do Gayatri de Sri Aurobindo. Foi igualmente sucinto quando
questionado sobre sua prática: “Om Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi
Parame”. Esse mantra é comum à prática de muitos discípulos, considerado um
importante mantra de devoção a Mãe.

3.2.4 Yogaratah Bharatal - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo Ashran

Entrevistador: O que significa Mantra?


Entrevistado: Mantra em sânscrito significa MANANINA TRAYATE, que significa
cantar de novo, e de novo. Através disto, essa força protege você, purifica você,
eleva você. E finalmente faz você descobrir a sua verdadeira natureza. Isto é o que
significa Mantra. MANANA, MANANINA Tryate, Manana significa canto constante.

Entrevistador: Qual sua prática pessoal de mantras?


Entrevistado: Om Ananda Māyi Chaitanya Mayi Satya Mayi Parame. Om Namoh
Bhagavate Sri Aurobinvindaya.
Entrevistador: Você poderia falar sobre o Gayatri, ou o OM?
Entrevistado: É um lindo Mantra, que todas as manhãs cantamos, energiza todo o
seu sistema, purifica o teu ser e te ilumina. E coloca você no caminho da verdade.

Comentários do pesquisador:
Pela primeira vez, em toda nossa pesquisa, nos foi dada outra definição de
Mantra, na qual se usou o termo em sânscrito MANANINA TRAYATE, ao qual o
professor entrevistado traduziu como sendo “cantar de novo, e de novo”. Essa
importante forma de recitação dos mantras através da repetição é bem conhecida na
tradição do Yoga, e tem semelhante forma de prática também em tradições
religiosas, como, por exemplo, no Cristianismo, com o uso do terço ou rosário.
Subjetivamente, percebemos essa repetição tanto nas orações cristãs, quanto nos
vocábulos em sânscrito. Tem como um de seus objetivos criar concentração do
77

adepto, que resultará num padrão mental, um padrão de pensamentos e percepções


que seja superior a nossa mente comum, ordinária, bem como criar uma proteção
contra os fluxos de pensamentos comuns, que normalmente povoam a mente.
Baseado no Yoga Sutra de Patanjali, onde o primeiro sutra diz justamente “Yoga
Citta Vritti nirodah”, ou seja, yoga é a cessação das flutuações da mente, podemos
entender que a prática da repetição de mantra nos favorece nesse processo de
aquisição da equanimidade mental. Isso nos mostra uma relação intrínseca entre as
práticas dos mantras e o yoga.
Quando questionado sobre o Gayatri ou o mantra Om, o professor, em outras
palavras, resumiu a definição do Gayatri, falando do resultado da sua prática como:
Traz energia pra todo o seu sistema; auxilia na purificação do ser e te ilumina, te
conduzindo para o caminho da verdade.

3.2.5 Madhumita Patnaik

Madhumita Patnaik é ashramita e professora de dança do Sri Aurobindo


Ashram-Pondicherry. Ela foi nossa primeira entrevistada e se mostrou bastante
disponível para ajudar na pesquisa, levando-nos a lugares normalmente proibidos
para turistas, e nos apresentando a pessoas de expressão no Ashram de Sri
Aurobindo.
78

Figura 18 - Madhumita é a primeira dançarina, da esquerda para a direita. Foto tirada em


sua residência, em Pondcherry, Índia.
Entrevistador: O que é Mantra?
Entrevistada: Para mim, o mantra é como invocar a presença da Mãe, e ser
envelopado (protegido) por ela. Como um cobertor para mim, quando estou dentro
do Mantra.

Entrevistador: Qual sua prática pessoal de Mantra?


Entrevistada: Dependendo da ocasião, às vezes, eu uso Ma Mira Sharanam Ma
Ma, Sri Aurobindo Sharanam Ma Ma, Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi
Parame.

Entrevistador: Obrigado!
Entrevistada: Não, não, espere. Para o seu conhecimento, eu posso lhe emprestar
um livro para ler sobre mantras, e você pode estudá-lo e nos encontramos outros
dias.

A entrevista termina aqui, mas tivemos vários outros encontros informais nos
quais a entrevistada me apresentou a vários mestres importantes dentro do Ashram,
que também fazem parte do corpo dos entrevistados. Madhumita nos convidou pra
um jantar na casa de seus pais, onde fomos recepcionados com dança clássica
indiana. Depois tivemos a oportunidade de mostrar um pouco da nossa cultura, onde
demonstramos um pouco da capoeira e do samba. Então, estivemos na presença de
seus pais, e toda a família com um jantar indiano, com comidas típicas daquela
região da Índia. Em suma, Madhumita pode ser considerada a principal responsável
por nos possibilitar um contato direto com vários nomes de expressão no Sri
Aurobindo Ashram.

Comentários do pesquisador:
Nossa primeira entrevistada na Índia definiu o mantra como uma forma de
invocar a presença da Mãe e ser protegida por essa presença. Esse tem sido um
aspecto interessante do mantra, criar, através de sua prática, uma espécie de
proteção, que livra o adepto de suas dificuldades.
Quando questionada sobre sua prática pessoal, a professora Madhumita dizia
ter prática nos seguintes mantras: Ma Mira Sharanam Ma Ma, Sri Aurobindo
Sharanam Ma Ma, Ananda Mayi Chaitanya Mayi Satya Mayi Parame. Percebe-se,
pela citação, que a mesma tem uma vivência de mantras totalmente envolvida no
Yoga Integral, pois esses são mantras de reverência aos mestres desse Yoga.
79

3.2.6 Madhusudan Mahapatra - Professor de Sânscrito do Sri Aurobindo


Ashran-Pondicherry

Entrevistador: O que significa Mantra?


Entrevistado: O Mantra é pra mim uma palavra divina e me ajuda a crescer em
espiritualidade.

Entrevistador: Qual sua prática de mantras?


Entrevistado: Eu pratico mantra todos os dias. E medito quando eu faço meu
pranayama. Mesmo quando eu me sinto doente, eu repito isso e me sinto
energizado. Pra mim, é um momento feliz quando eu repito meu mantra.

Entrevistador: Seu mantra pessoal?


Entrevistado: Às vezes, o meu mantra pessoal, e às vezes, eu repito o mantra dado
pelo meu Guru.

Entrevistador: Você tem prática do Gayatri Mantra?


Entrevistado: Sim, o Gayatri mantra está lá, é um mantra muito popular na Índia. E
agora nós vamos falar do Gayatri mantra de Sri Aurobindo, que é mais inspirador e
mais profundo que o mantra Gayatri védico. Usualmente, no ashram, nós repetimos
o Sri Aurobindo gayatri: Om tat savitur varam ruupam Jyotih parasya dheemahi
yannah satyena deepayet. O significado do mantra está ali.

Comentários do pesquisador:
O professor Madhusudan define mantra como “palavra divina”, que seria
responsável por seu desenvolvimento espiritual. Ele se utiliza do mesmo conceito de
VAC, que apresentamos no primeiro capítulo desta dissertação.
Sobre sua prática pessoal, ele afirma ser esse um momento feliz do seu dia e
mesmo quando ele está doente, o mantra o ajudaria a dispor de mais energia.
Então, para ele, o mantra é também uma forma de se energizar, adotando, assim,
um significado de cura. Ou seja, não é uma prática para ser feita somente para
pessoas em seu perfeito estado físico/mental, pelo contrário: até nos momentos de
doença pode e deve ser praticado. Para Madhusudan, enquanto adepto, mesmo
reconhecendo a popularidade do Gayatri mantra védico, ele afirma que o Gayatri de
Sri Aurobindo é, em suas palavras: “mais inspirador e mais profundo que o mantra
Gayatri védico.”
Segundo nossa pesquisa de campo, percebemos que essa importância maior
atribuída ao Gayatri de Sri Aurobindo se dá, justamente, por ter sido este recebido
pelo Guru, com o qual estes adeptos estão conectados. Isso ressalta a importância
da tradição Guru-discípulo neste contexto da prática dos mantras. Por isso,
80

percebemos que esse é o Gayatri, notoriamente mais praticado entre os adeptos


ashramitas.

3.2.7 Debiprassad Pramanik

Debiprassad é professor de Asanas e Pranayama do Sri Aurobindo Ashram


Delhi Branch, em Nova Delhi, e professor da International Mother School.

Figura 19 - Deby Prasad e Roberto Miranda, em refeitório do Sri Aurobindo Ashram Delhi
Branch.

Entrevistador: O que significa mantra?


Entrevistado: O mantra é um som, mas existem diversos tipos de som. Os mantras
têm muitos acentos, e dependendo da entoação do mantra, há muitos acentos.
Mantra não é meu assunto principal, meu assunto é asana e pranayama. Mas eu
gosto de ler sobre Mantra, eu gosto de entoar e gosto de caminhar sobre o mantra.
Então existem diferentes graus de Mantras, tem um mantra para ser cantado de
manhã, como, por exemplo... (Nesse momento, o entrevistado entoa alguns mantras
em sânscrito que não foram possíveis de ser compreendidos.) Com exceção dos
mantras: Om Santih, Santih, Santih e um trecho do mantra Svasti Pathah: Om
81

purnamadah purnamidam purnatpurnamudacyate purnasya purnamadaya


purnamevavasisate Om Santih Santih Santih.
...
Há também o mantra para ser sussurrado. E também há o canto mental, então você
vai estar apenas cantando na sua mente. E há o grau mais elevado, que é quando
você sente o mantra no seu coração. No seu coração, você pode sentir que o
mantra está acontecendo espontaneamente... e também há alguns mantras que são
muito curtos, que são chamados de Bija Mantras. São muito fortes, como os mantras
dos chackras e eles afetam diretamente os chacras como o Lam, Vam, Ram... Estes
são os mantras dos Chachras.

Entrevistador: Qual a sua prática pessoal de mantras?


Entrevistado: Veja, na religião indiana, eles têm tradição. E não no Yoga de Sri
Aurobindo, porque o Yoga de Sri Aurobindo não é considerado totalmente
tradicional. Mas Sri Aurobindo fala que não há nada que devemos rejeitar. Então,
para seguir o Yoga de Sri Aurobindo, tem muitas práticas de aspiração, e a
aspiração não se dá apenas por meditação ou por práticas corporais. Então, se você
sente que está tendo bons resultados com Raja Yoga; Hatha Yoga; Mantra Yoga;
laya Yoga; Tantra Yoga; Bhakti Yoga, Karma Yoga, você pode utilizá-las. Mas, na
tradição indiana, é muito importante o mestre, o Guru e o discípulo. Existem as
iniciações, o estudante tem que tomar a iniciação do Guru. Na Índia, a iniciação é
chamada de Diksha. O estudante tem que tomar a iniciação do Guru. Guru é um
professor, e o Guru aceita o discípulo de um ritual. Na tradição, existem muitos tipos
de Diksha e a mais famosa é a Mantra-Diksha. O Guru percebe o seu ser interior e,
de acordo com seu ser interior, ele te dá um mantra. Então, é uma coisa muito
pessoal. O Mantra que o Guru dá pro discípulo é secreto. O Guru deve sussurrar no
ouvido do discípulo. Então, esses mantras evocam deidades como Lord Siva, Lord
Vishnu ou qualquer outra deidade. Esses mantras são do tipo: Om Namah Sivaya,
Om Vasudevaya namah, Om Namo Bhagavate... Esses são os mais importantes e
tradicionais. No entanto, existem muitas maneiras de praticá-los. A maioria dos
discípulos costuma praticar mantras com japa-mala. Na tradição do Sri Aurobindo,
nós não temos essa iniciação. Mas quando eu era jovem, por volta de 13 ou 14
anos, eu recebi um mantra-diksha de um sanyasim da linhagem de Sri
Ramakrishnan. Seu nome era Swami Ramananda Maharaj. Então, eu recebi Diksha
dele e ele me disse: Você não precisa praticar isso com o mala, mas você tem que
praticar constantemente. Você não precisa usar Japa, porque esse mantra vai ficar
com você. Você apenas deve estar consciente disso. Você apenas fica consciente
deste mantra. Eu costumava ler os livros de Sri Ramakrishna, então, às vezes, me
perguntavam se o mantra estava acontecendo internamente em você, e eu dizia
que, mesmo dirigindo, por exemplo, estava consciente dele. Então, sempre antes de
dormir, eu me certificava que internamente o mantra estava acontecendo. Então,
essa é a maneira bonita de canto interno, que eu aprendi com meu Guru.

Comentários do pesquisador:
Em importante passagem da entrevista, o professor Debiprassad nos fala
sobre as diferentes dimensões dos mantras. Das diversas formas conhecidas, ele
cita quatro delas dizendo: “Então existem diferentes graus de Mantras, tem um
mantra para ser cantado de manhã, como por exemplo... há também o mantra para
82

ser sussurrado. E também há o canto mental, então você vai estar apenas cantando
na sua mente, e há o grau mais elevado, que é quando você sente o mantra no seu
coração”.
Então, dentre essas diferentes formas de praticar os mantras, ele cita, como
sendo a mais “elevada”, aquela onde o som é percebido no “coração” do praticante.
Observamos que o “Rig Veda” significa “sabedoria das estrofes recitadas”, ou seja, a
antiga tradição da Índia já trabalhava com esta recitação como forma de ir
introduzindo o mantra, até que ele alcance seu estado mais elevado de
interiorização, que vai se sutilizando da vocalização, ao sussurro, ao mantra mental,
até àquele que é “ouvido’ no coração do sadhaka. O professor Debiprassad comenta
que, no Yoga de Sri Aurobindo, não há nada que devemos rejeitar, o que remonta ao
próprio “método” do yoga integral, ou seja, a ausência de um método. O que fica
mais uma vez explicitado aqui é a força da aspiração para esse Yoga, onde qualquer
vivência que a desenvolva (a aspiração) deve e pode ser seguida: “Mas Sri
Aurobindo fala que não há nada que devemos rejeitar. Então, para seguir o Yoga de
Sri Aurobindo, tem muitas práticas de aspiração, e a aspiração não se dá apenas por
meditação ou por práticas corporais. Então, se você sente que está tendo bons
resultados com Raja Yoga; Hatha Yoga; Mantra Yoga; Laya Yoga; Tantra Yoga;
Bhakti Yoga, Karma Yoga, você pode utilizá-las”. Essa afirmação é muito importante,
e aqui ele expressa, de forma simples e direta, a essência do Yoga Integral, a qual já
abordamos e discutimos bastante no capítulo anterior.
O entrevistado fala também da importância da tradição mestre-discípulo,
onde o mantra está presente na maioria das iniciações dessa tradição, chamados de
mantra-diksha, quando o mestre ou Guru sussurra no ouvido do discípulo um mantra
que o ajudará no seu despertar espiritual. O professor lembra que esta não é uma
prática do Yoga de Sri Aurobindo, o que talvez seja explicado pela atual ausência
física dos seus Gurus, pois, em outras ocasiões, tivemos relatos de discípulos que
receberam diretamente da Mãe e de Sri Aurobindo seus mantras pessoais. Isso fica
explicitado, por exemplo, na entrevista com a professora de línguas, Latajji, que
recebeu da própria Mirra Alfassa (Mãe) seu mantra pessoal.
Lembramos que esta tradição Guru-Discípulo remonta a Índia Antiga, do
período dos Upanishad - termo que significa justamente “sentar-se perto
devotamente”.
Segundo Carlos Alberto Tinoco:
83

A palavra Upanishad é de origem sânscrita, cuja etimologia significa


(upa+ni+shad) sentar-se com humildade, em plano inferior, para
ouvir. Trata-se de uma alusão ao fato do discípulo sentar-se aos pés
do mestre, com humildade, para ouvir (TINOCO, 2013, p. 14).

Assim, o mantra-diksha consiste justamente nesse processo de aprendizado


através do mantra, enunciado pelo Guru ao seu discípulo dedicado.

3.2.8 Karunamayee – Mestra de Mantras do Sri Aurobindo Ashram Nova Delhi

Figura 20 - Roberto Miranda recebendo, das mãos da mestra Karuna Mayee, certificado de
curso sobre mantras.

Entrevistador: O que significa Mantra?


Entrevistada: O Mantra é como uma semente de som, que canaliza essa energia, e
ela tem todas as qualidades potenciais de uma árvore, com seus galhos, folhas,
frutos e sementes. E tem a capacidade de nos satisfazer plenamente, e também de
providenciar novas sementes e frutos. Então, Mantra é esse som, que tem infinitas
possibilidades.

Entrevistador: Qual sua prática pessoal de Mantras?


84

Entrevistada: Você quer saber qual meu mantra favorito? Eu amo vários mantras,
mas o Om é o rei dos mantras, porque esse é o som através do qual o divino se
manifesta. A completa manifestação está permeada por esse som.

Entrevistador: Você poderia falar sobre o Gayatri Mantra e o Gayatri de Sri


Aurobindo?
Entrevistada: O som... você deveria justo agora se concentrar no próprio som, em
como ele vibra em você, então, como eu disse, concentre-se no som agora...
(silêncio) Om bhuh, bhuvah, suvah Tat savitur Varenyam Bhargo Devasya Dhimahi
Dhiyo Yo Nah Prachodayat. (Neste momento, ela pediu que eu repetisse o Mantra
com ela) Então, ela afirmou: O som deve sair como uma chama, e quando você
entoa o mantra sentado numa postura meditativa essa chama deve subir, porque
som é luz, o som é luz e com a respiração você consegue. Om Tat savitur varam
Ruupam Jyotih parasya Dheemahi Yannah Satyena Deepayet. (Mais uma vez, ela
pediu que repetíssemos o mantra com ela).

Comentários do pesquisador:
A entrevistada nos oferece uma definição muito interessante sobre o mantra:
“O Mantra é como uma semente de som, que canaliza essa energia, e ela tem todas
as qualidades potenciais de uma árvore, com seus galhos, folhas, frutos e
sementes.” Em suas palavras, podemos entender o mantra como o potencial
energético de infinitas possibilidades. Como uma pequena semente que guarda em
suas partes: galhos, folhas, frutos e sementes, toda a energia capaz de gerar uma
“árvore” e atuar também no desenvolvimento de novas “árvores”.
Além disso, o conceito de mantra-semente está expresso nos próprios Bija-
mantras, sobre os quais já tecemos alguns comentários no primeiro capítulo. Ela
afirma que esse potencial energético tem a capacidade de nos “satisfazer
plenamente” e essa satisfação e plenitude. Então, podemos considerar como um
dos objetivos da prática dos mantras.
No trecho “O som deve sair como uma chama, e quando você entoa o mantra
sentado numa postura meditativa essa chama deve subir, porque som é luz” Vimos,
neste trecho, uma concepção muito próxima ao ideal tântrico de um despertar do
Ser. E, nessa ascensão do som, podemos traçar um paralelo com a própria noção
de ascensão da energia Kundalini, presente na tradição do Tantra-yoga. (GNERRE,
2013, p. 114)
85

3.2.9 Latajiji - Professora de línguas do Sri Aurobindo Ashran – Pondicherry

Latajii é professora de línguas do Sri Aurobindo Ashran – Pondicherry, que


teve contato direto com a Mãe e Sri Aurobindo. Seu pai, Shri S.N. Jauhar, conhecido
como Faquir, foi o fundador da filial do Sri Aurobindo Ashram em Nova Delhi, o Sri
Aurobindo Ashram Delhi Branch. Trata-se de uma das mais importantes professoras
de línguas do Ashram, e hoje é uma senhora idosa que, com seus mais de noventa
anos, sempre a encontramos caminhando pelas ruas da cidade de Pondicherri,
sendo sempre solícita e simpática.

Entrevistador: O que é Mantra, qual seu significado?


Entrevistada: Mantra são palavras, ou uma frase muito curta, que se pode repetir
continuamente para ajudar as pessoas a conseguir o que querem, e cada um pode
ter seu mantra pessoal, mas existem os mantras mais conhecidos que nós repetimos
em grupos. Então, esses mantras que podem também ajudar uma sociedade, todos
juntos... um grupo. São mantras que vêm dos livros antigos de filosofia, Veda
Shastra, que é muito conhecido, que é eterno.

Entrevistador: Gostaria de saber qual sua prática pessoal de mantras?


Entrevistada: Gosto de vários mantras, mas pra mim não é um mantra de sânscrito,
mas o mantra que me deu a Mãe, mas é em francês. Eu pedi esse mantra e ela me
deu escrito em francês.

Entrevistador: Você pode cantar esse mantra?


Entrevistada: Não, não se canta. Se repete, é uma frase prosa, não é poética. Mas
ninguém sabe.

Entrevistador: Ah, não se pode falar. É segredo?


Entrevistada: Ela falou de uma coisa que é necessário para a pessoa mudar na
vida, e me falou que “esse mantra pra você, você precisa”.

Entrevistador: E sobre o Gayatri, a senhora poderia me falar alguma coisa?


Entrevistada: O Gayatri é um mantra eterno, no mundo inteiro. Todos que não
sabem inglês, ou não sabem sânscrito conhecem esse mantra. Esse mantra tem um
poder muito forte, que penetra a gente para poder mudar o caráter da pessoa,
também a vida, e também se pode sair dos muitos problemas que se oferecem pelo
mundo.

Nota do pesquisador:
Como a professora Latajji era fluente em diversos idiomas, entre eles, o
português, preferiu nos dar a entrevista em português. O que, a princípio, deixou-nos
satisfeitos, embora logo se mostrou ser um fator limitante durante o diálogo, pois a
professora não tinha o hábito de falar português. Aliás, nas editoras e livrarias
86

ligadas aos ashrans do Yoga Integral, existem poucas publicações de livros para a
língua portuguesa, o que não acontece com muitos outros idiomas.

Comentários do pesquisador:
Lata foi uma discípula direta da Mãe, que nos disse ter recebido dela o seu
mantra pessoal, em idioma francês. Isto nos evidencia o Mantra como uma vibração
sonora mais abrangente, que não seria uma prática restrita ao sânscrito, mas
também em línguas estrangeiras, como no caso dela, o francês. Lembrando que
essa era a língua de origem da Mãe (Mirra Alfassa), e também era o idioma dos
colonizadores daquela região, local onde se formou o ashram.
Sobre esse mantra, a entrevistada confirmou o seu caráter confidencial. O
mantra pessoal, que deveria servir apenas ao discípulo ao qual ele foi revelado.
Com relação a este caráter confidencial, acreditamos ser uma forma de preservar o
valor espiritual ao qual o mantra está inserido, bem como a relação de confiança no
contexto dos ensinamentos passados do Guru para o discípulo “escolhido”. Para a
entrevistada, a Mãe teria dado um mantra que seria responsável por sua
transformação pessoal, que era necessário para ela “mudar de vida”.

3.3 ENTREVISTAS COM OS BRASILEIROS

3.3.1 Professor Horivaldo Gomes-RJ

Horivaldo Gomes é yogaterapeuta e professor de Yoga há 30 anos. É


presidente da Associação Nacional de Yoga Integral (ANYI) e da Federação de Yoga
do Estado do Rio de Janeiro. É autor de vários livros, como “Práticas do Yoga”,
“Yoga Integral – o Yoga da Nova Era”, “Purna Yoga”, “Gotinhas de Luz” e “Magia das
Velas”. Recebeu sua iniciação no Yoga Integral (Purna Yoga), em Pondicherry, no Sri
Aurobindo Ashram, na Índia.
87

Figura 21 - Professor Horivaldo Gomes meditando no alto da montanha de Arunachala em


Tiruvanamalai- Índia.

Figura 22 - Roberto Miranda e Horivaldo Gomes em meditação na montanha Arunachala.


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Entrevistador: Então, eu vou entrevistar o Mestre Horivaldo Gomes... O que é


Mantra?
Entrevistado: Então, o Mantra pra mim é um Devadatha, é uma dádiva de Deus
para a humanidade. A palavra Man significa pensamento e tra é direcionar, é parar o
pensamento, é ir além do pensamento, quer dizer, é você colocar o pensamento
acessando a divindade, o Ser. Então, o Mantra tem uma origem no sagrado, e essas
almas elevadas levam as pessoas de volta a sua essência espiritual, através dessas
palavras de poder, que ajudam a elevar essa consciência, onde normalmente no ser
humano comum. Ela vive rastejando, ruminando no seu ego, nos seus problemas,
então, a palavra, muitas vezes, é usada até para ofender o próximo. Então, no
mantra, aí a palavra é usada para elevação, para conexão. Então, o mantra que vem
como eu falei de almas, e vai pra tua alma. Que vieram dos rshis que estavam em
conexão com algo muito superior. Esses mantras de mestres, por exemplo, que
estão elevando pra essa fonte de sabedoria que é o nosso Ser. É claro que os
mantras podem harmonizar a pessoa, muitas vezes, você pode equilibrar os
elementais de sua natureza, você pode se harmonizar, você pode se curar com um
mantra. Tem mantras, por exemplo, para abundância, para prosperidade.
Principalmente, porque você tá entrando em contato com forças divinas, forças de
cura, forças de paz, de libertação, forças do amor. Chamam essas forças divinas
que são poderes do próprio espírito. Você vai vibrando esses mantras e vai
acessando essas frequências elevadas do Ser. Então, pra mim, o mantra é
realmente a maior chave para a expansão da consciência, para o encontro com a
alma, com o cerne do Ser, o essencial que os hindus chamam de atman.

Entrevistador: Qual a sua prática pessoal de mantra?


Entrevistado: É interessante que pessoalmente eu uso muitos, mais muitos
mantras. Primeiro, pra mim, eles purificam a natureza, a qual eu estou encarnado,
eles ligam a aspiração da minha alma que faz a conexão com a alma universal.
Então, eu uso o mantra, não só para me purificar aqui na terra, mas também pra me
elevar até os céus. Eles purificam a minha natureza mais baixa e fazem eu me
conectar com a minha natureza mais alta, mais elevada. Eu utilizo vários mantras
que tocam a minha alma. Eu não fico muito preso a nada. Eu procuro ficar aberto
pra ver qual é o mantra que tá me tocando hoje, qual o mantra que tá me levando
pra esse sagrado, ele se revela pra mim, daí eu começo a cantar. No sangha, eu
não escolho o mantra, o mantra é que me escolhe. Ele chega até mim e se revela,
eu só canalizo. Eu faço só o esforço de não atrapalhar a energia do mantra... risos...
Então, eu uso nas minhas práticas todos os mantras que me lembram da divindade,
não fico preso a nenhum mantra, ele é que me prende... risos...

Comentários do pesquisador:
Gostaríamos de ressaltar aqui que a entrevista com o professor Horivaldo é
autoexplicativa, uma vez que este fala português e desenvolve seus próprios
conceitos, sendo um dos mestres de Yoga mais reconhecidos do Brasil.
O professor Horivaldo inicia sua primeira resposta dizendo: “Mantra pra mim é
um Devadatha, é uma dádiva de Deus para a humanidade. A palavra Man significa
89

pensamento e tra é direcionar, é parar o pensamento, é ir além do pensamento, quer


dizer, é você colocar o pensamento acessando a divindade, o Ser”. Vemos, neste
trecho, pela primeira vez no campo, um entrevistado que define o mantra como este,
sendo uma “Dádiva de Deus”, o que está intimamente ligado a uma das
características principais desse Yoga, a “Graça”, uma resposta da divindade ou do
divino à aspiração do sadhaka.
No fim da primeira resposta, o professor deixa explícito a importância que o
mantra tem em seu sadhana afirmando: “Então, pra mim, o mantra é realmente a
maior chave para a expansão da consciência, para o encontro com a alma, com o
cerne do Ser, o essencial, que os hindus chamam de atman”, reconhecendo, assim,
no mantra um grande poder para acessar uma consciência superior, uma “chave”
para o encontro com o Ser.
Aprofundaremos aqui o conceito de “recebimento” dos mantras. Nessa
passagem, onde questionado sobre sua prática pessoal, Horivaldo, mais uma vez,
desenvolve este sentido do mantra como algo canalizado, ou revelado pela
divindade, como um fruto da receptividade do praticante, onde o esforço é feito
somente para não atrapalhar o processo de percepção da chegada desses mantras.
Assim, ele prossegue: “No sangha, eu não escolho o mantra, o mantra é que me
escolhe. Ele chega até mim e se revela, eu só canalizo. Eu faço só o esforço de não
atrapalhar a energia do mantra...risos... Então, eu uso nas minhas práticas todos os
mantras que me lembram da divindade, não fico preso a nenhum mantra, ele é que
me prende risos...”

3.3.2 Ana Beatriz Ribeiro (Tilak) - Instrutora de Yoga-RJ

Entrevistador: O que é Mantra para você?


Entrevistada: Bom, Mantra para mim,.. mantra significa palavras de poder. Então, o
mantra é uma maneira mais rápida de você alterar sua consciência e de você alterar
sua vibração. Quando você sente que está com um pensamento negativo ou tá com
a vibração baixa. Eu uso o mantra pra isso, para alterar essa vibração da
consciência e para acessar os poderes da sua alma. Se conectar novamente com
que há de melhor em você.

Entrevistador: E quais são os mantras que você pratica, se tem prática pessoal de
mantras?
Entrevistada: É... eu acho o mantra Om muito forte, principalmente se ele for bem
feito, e você cantar só o mantra Om para uma pessoa, seja para um aluno ou não.
Só o mantra Om já espanta qualquer vibração negativa, faz uma limpeza na aura da
90

pessoa. E outro mantra que eu gosto muito é o mantra Hare Krishna, o maha-mantra
né, porque para mim é a energia de amor. Te conecta com seu coração, que é mais
importante.

Comentários do pesquisador:
“Só o mantra Om, ele já espanta qualquer vibração negativa, faz uma limpeza
na aura da pessoa.” Veja que, nesta afirmação, a entrevistada atribui ao Om um
significado de proteção e de “espantar vibrações negativas”. O Om é visto por ela
como uma espécie de escudo energético, ou amuleto. Esse conceito é bem
característico da nossa cultura brasileira, e está presente nas religiões afro-
brasileiras, por exemplo, o que demonstra um processo de introjeção do mantra de
uma forma sincrética em nossa cultura.

3.3.3 Ana (Arati) - Instrutora de Yoga-RJ

Figura 23 - Instrutora Arati no templo de Durga, ao norte da Índia, ao fundo, os Himalaias.

Entrevistador: O que é mantra pra você?


Entrevistada: Então, para mim, Mantra é a forma mais rápida de me conectar, de eu
conseguir trocar a frequência, tanto pra.... praticamente isso mesmo, trocar a
frequência, encontrar um lugar mais calmo, um espaço de paz e tranquilidade dentro
de mim. É a maneira mais fácil pra mim, mais rápida, mais eficaz.
91

Entrevistador: E qual sua prática pessoal?


Entrevistada: Assim, o que eu uso mais, que tem o efeito mais rápido é o Om, mas
eu gosto muito do Gayatri, também uso bastante, e nada como o Om Namah Sivaya
de vez em quando pra dar uma levantada também. É isso.

A instrutora de Yoga Arati nos traz uma definição do mantra como uma forma
de acesso à paz e à tranquilidade interior, uma forma de conectar com um estado de
calma e serenidade. Ela foi a primeira entrevistada que citou um importante mantra
da tradição Shivaísta, o Om Namah Sivaya, um importante mantra de reverência a
Shiva, o “Deus”, que é considerado o criador mítico do Yoga, aquele que, dentro da
trindade Hindu (Brahma, Vishnu e Shiva), é responsável que aspecto destruidor do
universo, que adquire um caráter de transformação ou renovação para os seus
devotos.

3.3.4 Ramai Pandita Das (Ronald Regis) - Instrutor de Yoga Integral da ANYI

Entrevistador: Agora o Ramai vai falar pra gente o que é Mantra?


Entrevistado: Mantra é uma palavra do Sânscrito, com duas raízes que significam
Man (Mente), Tra (o que liberta a Mente). Então, mantras são palavras em sânscrito
que limpam a mente, que libertam a mente dos desejos que o mundo material nos
impõe, isso é o significado da palavra mantra.

Entrevistador: E sua prática pessoal de Mantra?


Entrevistado: Como devoto de Krishna né, vaishnava. Eu prático 108 vezes o
“Maha Mantra” Hare Krishna, em 16 etapas, dando mais de 1700 vezes por dia o
Maha Mantra (Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna hare hare, hare Rama
hare Rama Rama Rama Hare Hare), e, além desse mantra que é o Maha Mantra, o
mantra básico né. Como iniciado Vaishnava, em iniciação bramânica, eu devo
praticar 3 vezes o Gayatri Mantra completo, que só os devotos sabem qual é o
mantra. Ele é secreto por causa disso, poucos sabem, e ele é feito às 6hs da
manhã, às 12hs e às 18hs, no pôr do Sol. Essa é a minha prática diária de mantra.

Comentários do pesquisador:
O entrevistado nos dá a seguinte tradução do termo “Man (Mente), Tra (o que
liberta a Mente). Então, mantras são palavras em sânscrito que limpam a mente.” É
uma definição importante do termo a partir do Sânscrito.
Este é o primeiro entrevistado que cita o maha-mantra de Krna, que
apresentamos no primeiro capítulo: Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna hare
hare, hare Rama hare Rama Rama Rama Hare Hare. Isso se deve justamente à sua
relação com a tradição vaishnava da linhagem de Prabhupada.
92

3.3.5 Jocelina Vieira (Jô) - Govinda - Instrutora de Yoga da ANYI

Entrevistador: O que é Mantra?


Entrevistada: Mantras são palavras, ou frases, ou mesmo versos, que servem para
deixar sua mente mais conectada com o Divino e também acalmam seu coração.
Entrevistador: Qual sua prática pessoal?
Entrevistada: Eu pratico Om Shakti Om Siva pra resolver situações, com o japa-
mala, mantrando essas duas, esses dois versos, resolver situações, e... O Gayatri
também. Gosto, para limpeza profunda do Ser, aura, do corpo, da mente. O Gayatri
é um Mantra de limpeza, e geralmente eu pratico pela manhã, logo que o Sol nasce.

Comentários do pesquisador:
A professora Jocelina afirma que um de seus mantras mais praticados é o
Gayatri, ao qual ela atribui poderes de purificação: “do Ser, aura, do corpo e da
mente”. Uma das formas mais tradicionais de praticar o Gayatri mantra é a sua
recitação pela manhã, logo ao nascer do Sol. No depoimento: “O Gayatri é um
Mantra de limpeza, e geralmente eu pratico pela manhã, logo que o Sol nasce”, a
entrevistada afirma sua prática pela manhã, justamente considerada a hora sagrada
na Índia, denotando a continuidade desta tradição no Brasil.

3.3.6 Suzete Issa Foligno (Suzi) - Samata - Instrutora de Yoga (Rio de Janeiro)

Entrevistador: O que é Mantra?


Entrevistada: O mantra pra mim são palavras de uma língua sagrada, em sânscrito,
creio que a língua mais antiga, e que agem na psique, no mental, né, reafirmando é
pensamentos.

Entrevistador: E qual sua prática pessoal?


Entrevistada: Atualmente, eu utilizo muito o gayatri, principalmente pela manhã, e
às vezes no final da tarde. E na hora, antes da meditação eu utilizo o Om.

Comentários do pesquisador:
A professora Suzi é mais uma que nos relatou a presença do Gayatri mantra
em sua prática pessoal, o que nos mostra ser esse um dos mais difundidos mantras
védicos. Por esse motivo, mantivemos, no primeiro capítulo, um relato mais profundo
sobre este mantra, pois podemos observar aqui também sua importância no
contexto do Yoga entre os praticantes brasileiros.
93

3.3.7 Maria Fernanda Trindade Ramos – Nandi - Instrutora de Yoga Integral


(Salvador)

Entrevistador: O que é um Mantra, pra você?


Entrevistada: Mantra, além de ser uma forma de conexão com o Divino, ele no meu
caso funciona pra limpar realmente a minha mente, que é meio tumultuada; e na
hora de meditar, antes de meditar, eu preciso fazer um mantra pra me concentrar,
pra entrar numa vibração que me permita fazer a meditação de forma real, então, eu
uso muito pra isso. E também nos momentos que eu tô mais agitada, pra me
tranquilizar. Basicamente é isso.

Entrevistador: E você tem uma prática né, qual a sua prática pessoal de Mantra?
Entrevistada: O que eu faço todo dia é o Om, e variam os outros. Faço alguns dias
o Japa mala, mas não todos os dias, e faço alguns que são os bija mantras, e
também faço o Gayatri, eu gosto muito. Normalmente eu pego, tem uma gravação
de Prem Baba com 108 vezes, então, eu uso bastante pra ouvir e pra fazer junto. E
é o que eu normalmente faço, eu uso o gayatri muito, os bija mantras e o Om.

Comentários do pesquisador:
Nossa última entrevistada, a instrutora Nandi, disse que, para ela, o mantra
funciona para limpar sua mente, que o mantra teria esse efeito desejado, mesmo
que ela identifique sua mente como sendo: ”meio tumultuada” o que, mais uma vez,
caracteriza o mantra por seu aspecto de purificação, ou de limpeza.
Nandi nos trouxe também mais um relato da prática do Gayatri Mantra: “e
também faço o Gayatri, eu gosto muito, normalmente eu pego, tem uma gravação de
Prem Baba com 108 vezes.” Aqui, temos uma referência a Prem Baba. Prem Baba é
um brasileiro que assumiu, no contexto indiano atual, o posto de um importante
Guru, um mestre espiritual da antiga linhagem Sachcha da Índia. Ficando a cargo de
assumir o lugar de Sri Hans Raj Maharaj ji quando da sua morte. O principal Ashram
de Prem Baba está localizado na cidade de Rishkesh, onde também podemos ver o
quanto este mestre é reconhecido como um Guru, pois, em vários locais de
comércio ou residências, sempre encontramos sua imagem e o reconhecimento
pelos indianos de um Guru Brasileiro.
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Figura 24 – Prem Baba, guru brasileiro, muito reconhecido em Rishkesh, ao lado da


Bandeira do Brasil, num comércio.

Encerramos aqui nossa apresentação das entrevistas e de alguns


comentários que fizemos para cada entrevistado em particular. Consideramos que
este talvez tenha sido o mais envolvente capítulo de nossa dissertação, pois
tentamos aqui trazer um pouco da experiência prática dos mantras que vivemos em
campo, daquilo que não está descrito na literatura sobre o tema. Consideramos que
as entrevistas nos trouxeram informações muito relevantes para aprofundamento do
tema, e estas informações ainda poderão ser mais desenvolvidas em pesquisas
futuras.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa versou sobre a tradição dos mantras no contexto do yoga


Integral de Sri Aurobindo. Tendo a tradição dos mantras pertencida essencialmente
a uma cultura oral durante milênios, muitas das informações relevantes a seu
respeito continuam até hoje sendo passadas de mestre a discípulo na Índia.
No Ocidente, percebemos uma grande utilização dos mantras por meio dos
praticantes de diversas linhas de Yoga, embora percebemos que, em sua prática, há
ainda pouca informação sobre esta tradição através de textos escritos. Assim, o
entendimento sobre este amplo universo cultural dos mantras na Índia permanece
ainda envolto em névoas e restrito a poucos adeptos de determinadas linhagens,
que têm a possibilidade efetiva de vivenciar esses mantras na presença de mestres.
Assim, vemos que a grande valia de nosso trabalho foi descortinar e
possibilitar a praticantes brasileiros e pesquisadores da academia o acesso a
algumas concepções e práticas mântricas de mestres de indianos, que, na maioria
das vezes, nunca tiveram suas opiniões e práticas reveladas, bem como traduzidas
para o português. Dessa forma, nossa pesquisa possibilita o acesso a um conjunto
de entrevistas e informações inédito no contexto das pesquisas nas Ciências das
Religiões e da academia brasileira.
Dentre este vasto contexto dos mantras, debruçamo-nos, especificamente,
sobre a tradição do yoga integral de Sri Aurobindo. Percebemos que, neste Yoga,
não há uma indicação de prática formal de mantras, ou seja, não há um rito com
mantras específicos a serem seguidos. Porém, em campo, identificamos uma
frequente prática de mantras por parte da maioria dos devotos. Mantras esses
citados várias vezes ao longo das entrevistas.
O campo, então, mostrou-se fundamental para revelar uma vivência que não
seria tão acessível através dos livros sobre o Purna Yoga, ainda mais se levarmos
em conta o fato de que a maioria dos livros sobre Purna Yoga encontra-se em inglês
ou línguas indianas.
Também tentamos elucidar questões sobre a prática de mantras no contexto
do Yoga Integral no Brasil, através de algumas entrevistas com praticantes
brasileiros que estavam na Índia. Devemos notar que estes praticantes brasileiros se
utilizam de diversos mantras, não apenas aqueles mencionados pelos mestres e
praticantes indianos do Purna Yoga. Por isso, o primeiro capítulo desta dissertação
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versa sobre a tradição dos mantras numa perspectiva mais generalizante do que
aquela que encontramos no universo do Yoga Integral. Assim, acreditamos que
nosso trabalho também pode contribuir para o melhor entendimento dos mantras no
contexto da prática do yoga no Brasil, onde a prática de mantras está inserida em
diversas aulas de Yoga.
Nossa pesquisa foi um relato de uma experiência vivida no Brasil e na Índia,
de um pesquisador participante com alguns anos de prática de yoga e
aprofundamento no Yoga integral. Por um lado, reconhecemos nosso envolvimento
com o tema pesquisado, e justamente este envolvimento nos possibilitou adentrar
mais a fundo em determinadas questões e vivências práticas. Por outro lado, a
própria tradição do Yoga, enquanto ciência, possibilita-nos um estudo não dogmático
da questão, pois a essência do Yoga não se baseia em crenças, mas sim em
experiências. Assim, mantivemos um olhar crítico de pesquisador que buscou a
compreensão da tradição dos mantras através da experiência do campo.
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