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SOCIOECONOMIA

A seca na
Bahia
Foto: Acervo SEAGRI
Luiz Miranda1
M ais uma vez a Bahia en-
frenta uma seca. Compre-
ender o fenômeno das secas
pre foi abordado sob viés técnico.
Em alguns casos, são estudados
os aspectos relativos aos seus
é necessário para o uso sus- impactos econômicos e sociais.
tentável dos limitados recursos Neste estudo, contudo, analisa-
hídricos da região semiárida do mos do ponto de vista conceitu-
Estado. Nesse contexto, estu- al, bem como sua variabilidade
dos para a melhoria da previsão espacial e temporal. Além desses
de secas, com base nos dados aspectos, buscamos descobrir,
meteorológicos disponíveis e, com os erros e acertos do pas-
em tempo hábil, de forma que sado, um caminho seguro para
medidas possam ser tomadas, nortear as ações que permitam
no sentido de minorar seus efei- produzir com segurança no Semi-
tos, torna-se crucial. árido nordestino.
1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Supe-
rintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/ Na Região Nordeste do Brasil, o Grande parte de nosso planeta
SEAGRI, Salvador – BA;
e-mail: lmluizmiranda@gmail.com fenômeno das secas nem sem- pertence à denominada área de
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risco à seca. São regiões onde

Foto: Heckel Júnior


a precipitação aproxima-se do
limite permitido à prática agríco-
la. Exemplos são o Sahel na Áfri-
ca, o Nordeste do Brasil, grande
área da China, o platô Dekkan,
na Índia, e parte da África do Sul.
Tratam-se, portanto, de áreas
de enorme vulnerabilidade para
a agricultura (BARROSO, 2012).
Consideráveis áreas das Améri-
cas do Norte e do Sul, Austrália,
Europa e Ásia foram atingidas
por secas severas, acarretando
prejuízos econômicos, sociais e
ecológicos. A gravidade das se-
cas está ligada com a duração,
que pode atingir um ou até cinco
anos consecutivos.

CARACTERIZAÇÃO
DA REGIÃO
NORDESTE
Além dos estados que compõem
a Região Nordeste, essa região Agreste vai desde o litoral do Ceará e Rio
ainda é subdividida em quatro Grande do Norte (neste último, até
sub-regiões de acordo com ca- É a sub-região de transição entre próximo a cidade de Natal), até a
racterísticas climáticas e de urba- a Zona da Mata, bastante úmida, região sudoeste da Bahia. As chu-
nização (IBGE, 2012): e o Semiárido, região bastante vas são escassas e, por isso, a
seca, acompanhando a faixa da pecuária e agricultura são ativida-
Zona da Mata Zona da Mata do Rio Grande do des bastante difíceis na região. O
Norte ao sul da Bahia. No Agres- único rio perene do sertão é o São
É a sub-região mais populosa e te, predominam os minifúndios Francisco do qual é desviada água
urbanizada. Compreende a faixa dedicados à produção de subsis- para irrigação em alguns locais e
litorânea (aproximadamente 200 tência e a pecuária leiteira, sendo que também é fonte de energia
km de largura) que vai do Estado o excedente comercializado na através de hidrelétricas como a de
do Rio Grande do Norte à Bahia região da Zona da Mata. Sobradinho (BA). A vegetação típi-
(litoral leste da região Nordeste) e ca dessa sub-região é a caatinga.
é caracterizada pelo clima tropical Sertão
úmido, presença de mata atlânti- Meio-Norte
ca, pluviosidade bastante regular, Sub-região de clima semiárido que
principalmente na região sul da compreende o centro da região Esta sub-região já apresenta uma
Bahia, e solo bastante fértil. Nordeste, em uma extensão que pluviosidade maior conforme se
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afasta para oeste, em direção aos ção pluviométrica média anu- Todos esses Estados compreen-
Estados do Norte e compreende al inferior a 800 milímetros; dem uma área de 1.108.434,82
o Estado do Maranhão e grande 2) índice de aridez de até 0,5, calcu- km², o que equivale a 10,5% do
parte do Piauí. Nesta região é co- lado pelo balanço hídrico que rela- território nacional e 53,9% do
mum a presença das “matas de ciona as precipitações e a evapo- território nordestino englobando
cocais”. As principais atividades ração potencial entre 1961 e 1990; 1.348 municípios, distribuídos pe-
praticadas são a criação de gado, 3) risco de seca maior que 60%, los Estados do Piauí (214), Ceará
o cultivo de algodão e arroz. tomando por base o período (180), Rio Grande do Norte (161),
entre 1970 e 1990. Baseado nes- Paraíba (223), Pernambuco (145),
Em 10 de março de 2005, o Mi- ses novos critérios, a área classi- Alagoas (51), Sergipe (32), Bahia
nistério da Integração Nacional ficada como Semiárido brasileiro (256) e Minas Gerais (86), cujas
publicou Portaria que instituiu a aumentou de 892.309,4 km2 para populações totalizam 20.858.264
nova delimitação do Semiárido 969.589,4 km2 (BRASIL, 2005). pessoas, sendo 40% residindo
brasileiro, resultante do traba- na área rural. A Insolação média é
lho que atualizou os critérios de Esta área integra parte de oito es- de 2.800 h/ano, com evaporação
seleção e os municípios que tados nordestinos (Alagoas, Bahia, média de 2.000 mm/ano e umida-
passam a fazer parte dessa Ceará, Minas Gerais, Paraíba, de relativa do ar média em torno
região. A nova delimitação to- Pernambuco, Piauí, Rio Grande de 50% (BRASIL, 2005).
mou por base três critérios do Norte e Sergipe) e parte do
técnicos, a saber: 1) precipita- norte de Minas Gerais (Mapa 1).

O FENÔMENO
Mapa 1 NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO DA SECA

O conceito de seca varia segun-


do o ponto de vista. Para um Hi-
drogeólogo pode ser entendida
como a insuficiência de recur-
sos hídricos. Esta seca pode ser
causada por uma sequência de
anos e tem como consequên-
cia o colapso nos sistemas de
abastecimento de água. Para
o Engenheiro Agrônomo assim
como para o agricultor e o pecu-
arista, a seca altera a produção
agrícola de sequeiro e a pecuária
Nova delimitação provocando grandes transtornos
do Semiárido sociais a exemplo da fome, mi-
Estados da gração e desagregação familiar.
Região Nordeste Para o Meteorologista é enxergar
o futuro para subsidiar tomadas
de decisões fundamentais para
Minas Gerais todas as áreas que dependem
das chuvas, até mesmo o turis-
Fonte: Ministério da Integração mo. Finalmente, para o nordestino
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significa risco de vida (WILHITE; se estabeleceram provavelmen- Mar da China provocam a ascen-
GLANTZ, 1987 apud VALADÃO et te há 20.000 anos, no fim da são de um vento quente e úmido,
al., 2010). última grande era glacial. O pri- criando o que os meteorologistas
meiro e mais importante é com- chamam de área de baixa pres-
posto pelas áreas de baixa e alta são. A ascensão desse vento
pressão atmosférica no Pacífico úmido, também chamada de
CLASSIFICAÇÃO
equatorial (MARENGO, 2006). convecção, leva à formação de
DAS SECAS nuvens e chuvas, no fenômeno
Na década de 1920, o inglês Gil- conhecido no Sudeste asiático
As secas podem bert Walker descobriu que o pa- como monções. Livre da água,
ser classificadas drão meteorológico do Oceano o vento viaja sobre o Pacífico a
em (BRASIL, 2005a): Pacífico equatorial contém uma uma altura de 15 quilômetros em
área de baixa pressão atmosféri- direção ao leste. Nesse trajeto, o
Hidrológicas – Caraterizam-se ca sobre a Indonésia e o norte da vento se resfria e tende a descer
por uma pequena, mas bem dis- Austrália e uma área de alta pres- sobre o oceano, próximo à costa
tribuída, precipitação. As chuvas são no oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando
são suficientes apenas para dar da América do Sul, resultado da uma área de alta pressão atmos-
suporte à agricultura de subsis- lei física de que o ar quente tende férica (MARENGO, 2006).
tência e às pastagens; a subir e o ar frio tende a descer
(MARENGO, 2006). Em ciclos de três e sete anos, nos
Agrícolas – Também conheci- meses de setembro, outubro e no-
da como seca verde, acontecem De maio a setembro, as águas vembro, por motivos que ainda não
quando há chuvas abundantes, quentes do Oceano Índico e do se consegue determinar com cer-
contudo mal distribuídas em ter-
mos de tempo e espaço;

Efetivas – Ocorrem quando há


baixa precipitação e má dis-
tribuição de chuvas, tornan-
do difícil a alimentação das
populações e dos rebanhos e
impossibilitando a manutenção
dos reservatórios de água para
consumo humano e animal.

CAUSAS DA SECA

O fenômeno das secas do Nor-


deste tem origem em lugares
tão distantes quanto o Sudeste
asiático e o círculo polar ártico.
Foto: Heckel Júnior

É provocado por dois mecanis-


mos de circulação de ventos
no planeta. São fenômenos que
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teza, uma grande massa de água que envolve a Terra próximo à linha mais quentes próximas ao Equa-
quente vinda da Austrália avança do Equador. A ZCIT oscila entre as dor, acompanhando com um
pelo Pacífico equatorial em direção latitudes de 10° ao Norte e 5° ao pequeno atraso o movimento do
ao leste além da Ilha de Taiti, no fe- Sul, a região onde os ventos alísios Sol. Assim, quando o Sol atraves-
nômeno conhecido como El Niño. A dos hemisférios norte e sul se en- sa a linha do Equador no equinó-
água quente cria nova zona de con- contram. Esse fenômeno também cio de outono do hemisfério sul,
vecção, deslocando as chuvas do é chamado de “célula de Hadley”, entre os dias 20 e 21 de março,
meio do Oceano Pacífico para a cos- devido ao meteorologista inglês a zona de convergência intertro-
ta oeste da América do Sul, na altura George Hadley (1685-1768) que, pical atinge sua posição mais ao
do Peru, e levando a corrente de ar em 1735, descreveu seu funciona- sul, provocando as chuvas do dia
vinda do Sudeste asiático a cair dire- mento. Dependendo da localiza- de São José (MARENGO, 2006).
tamente sobre o Nordeste brasileiro, ção, a zona de convergência inter-
impedindo a formação de nuvens de tropical pode amenizar ou agravar Às vezes, a chuva não chega. O
chuva (MARENGO, 2006). as secas provocadas pelo El Niño movimento da zona de conver-
(MARENGO, 2006). gência intertropical depende da
Ainda assim, as chuvas da terceira temperatura das águas no ocea-
semana de março, no Nordeste, de- As nuvens de chuva da zona de no, que na região equatorial va-
pendem muito mais de fatores físi- convergência intertropical são ria entre 26° e 29°. E uma varia-
cos, que da esperança em São José, alimentadas, em boa parte, pelo ção de um a meio grau entre as
cuja data comemorada pelos devo- sistema de baixa pressão atmos- águas do Atlântico Norte e do Sul
tos é dia 19 de março. Elas são con- férica da região da Terra Nova, no é a diferença entre um “inverno”
sequência de outro fenômeno mete- Canadá, próximo ao círculo polar chuvoso ou seco. Com as águas
orológico conhecido desde o século ártico. Quando a baixa pressão do Atlântico Norte mais frias, a
XVIII e chamado pelos climatologis- é mais forte na Terra Nova, o ar ZCIT desloca-se para o sul, tra-
tas de Zona de Convergência Inter- úmido engrossa a ZCIT que se zendo suas nuvens carregadas.
tropical (ZCIT), um anel de ar úmido desloca em direção às águas Se as águas do Atlântico estive-
rem mais frias no sul, entretan-
to, as chuvas serão despejadas
Foto: Heckel Júnior

na Amazônia. Para o nordestino


será a seca (MARENGO, 2006).
O Mapa 2 representa o regime
de chuvas na Bahia.

A HISTÓRIA
DAS SECAS

A história das secas no Nordes-


te relata a saga de um povo em
busca de sobreviver no mais
inóspito dos climas deste país.
A ausência de regularidade de
chuvas e de políticas públicas
voltadas para resolver a situação
agrava um quadro assustador:
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Mapa 2 REGIME DE CHUVAS DA BAHIA Apesar desse crescimento, não
houve investimento em infraestru-
ITCZ turas de água, meios de transpor-
tes e sanidade. Por trás de todo o
crescimento estava o esquecimen-
to dos efeitos da seca. As fazen-
das não tinham infraestrutura para
a quantidade de escravos. Há
quem diga que ocorreu a morte de
aproximadamente oito mil escra-
A vos (CAMPOS; STUDART, 1997).

A seca mais severa desse sé-


culo atingiu em cheio o frágil
modelo de exploração e a socie-
dade despreparada. Foi a seca
de 1777-1779. Há quem estime
que “morreram mais de 500.000
pessoas no Ceará e cercanias”.
Mesmo considerando o exagero
Frentes frias+umidade da Amazônia (nov/dez/jan/fev) da estimativa, esse foi realmen-
Zona de convergência intertropical (dez/jan/fev/mar) te um grande desastre. Talvez
Frentes frias Alta Subtropical do Atlântico (abr/mai/jun/jul) o maior desastre que já atingiu
Fonte: SOMAR Meteorologia
uma região brasileira. Há quem
garanta que o Ceará perdeu
fome, sede, migração desenfrea- Ceará eram ocupadas exclusiva- 80% do rebanho (CAMPOS;
da, epidemias e miséria (MEDEI- mente pelos índios. A seca foi o STUDART, 1997).
ROS FILHO; SOUZA, 1988). motivo pela ocupação tardia do
interior do Nordeste. A coloniza-
O registro da primeira seca é an- ção do interior foi intensificada
A GRANDE SECA
terior à colonização portuguesa, após uma Carta Régia que proi-
e é relatada por Fernão Cardin: bia a criação de gado em uma
“houve uma grande seca e esteri- faixa de dez léguas desde o li- A “Grande Seca”, como ficou
lidade na província (Pernambuco) toral em direção ao interior. Esta conhecida, teve início em 1877
e desceram do sertão, ocorrendo- ação provocou a ocupação do e durou pouco mais de dois
-se aos brancos cerca de quatro que hoje é Bahia, Alagoas, Ce- anos. Os efeitos foram catas-
ou cinco mil índios” (MEDEIROS ará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, tróficos. Há quem estime que
FILHO; SOUZA, 1988). Rio Grande do Norte, Sergipe e doenças, fome e sede dizima-
também Norte de Minas Gerais. ram, somente, no Ceará, mais
Esta medida acelerou o cresci- de 500 mil habitantes. Antônio
mento dos rebanhos e, conse- Conselheiro percorreu as re-
A SECA DE 1700
quentemente, o populacional. giões afetadas pela seca para
Assim, sem uma seca mais se- socorrer os flagelados. Passou
Até a primeira metade do sécu- vera, a população e os rebanhos a ser considerado um santo,
lo XVII as áreas secas do interior cresceram rapidamente (CAM- aumentando o número de pes-
do Nordeste de Pernambuco ao POS; STUDART, 1997). -soas que o acompanhavam.
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surgiram os estudos para encon-
trar uma solução para o proble-
ma. Surgiram basicamente três
linhas: armazenamento de água e
irrigação, transposição do rio São
Francisco e irrigação e mudanças
no perfil econômico da Região.

A SECA DE 1897

Neste ano, os habitantes do Ar-


raial de Canudos foram massa-
crados. Crianças, mulheres e ido-
sos foram mortos sem piedade.
Antônio Conselheiro foi assassi-
nado em 22 de setembro de 1897.
Há quem atribua a seca deste ano
ao castigo dos céus pela morte
do beato (SECA..., 2012).

A SECA DE 1915

Esta seca foi marcada pelo movi-


Foto: Heckel Júnior

mento de fuga para as regiões li-


torâneas, em especial as cidades,
– o início do êxodo. Este período
foi imortalizado por Rachel de
A PRIMEIRA camelos, construção de ferrovias Queiroz, em seu livro “O quinze”
e açudes e a abertura de um ca- escrito durante a seca de 1932,
PROVIDÊNCIA nal para levar água do Rio São quando a escritora tinha apenas
Francisco para o Rio Jaguaribe, 20 anos (SECA..., 2012).
Após a catástrofe de 1877, pela no Ceará. Contudo muito pouco
primeira vez, as autoridades do foi feito (SECA..., 2012). A seca de 1915 provocou fortes
Império começaram a ter uma rotas migratórias. Os retirantes in-
maior preocupação com o as- vadiam as cidades, provocando
sunto. O imperador D. Pedro II bolsões de miséria. O governo do
A SECA DE 1888
cunhou a célebre frase: “Não Ceará criou uma espécie de campo
restará uma única jóia na Coroa, de concentração, nas margens das
mas nenhum nordestino morrerá Uma década depois, outra se- grandes cidades para impedir a en-
de fome”. Criou-se então a co- vera e duradoura seca atingiu o trada dos retirantes. A fome, aliada
missão imperial para desenvolver Nordeste brasileiro. Foi a seca a total ausência de esgotamento sa-
medidas que pudessem atenuar de 1888, conhecida como a seca nitário provocou um quadro trágico
futuras secas. Da adaptação de dos três oitos. A partir de então, de doença e morte (SECA..., 2012).
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“Eram locais para onde grande SECA DE Estado da Bahia, para o reba-
parte dos retirantes foi recolhida a 1951–1953 nho bovino houve a redução do
fim de receber comida e assistên- efetivo de 14 para 8 milhões de
cia médica. Não podiam sair sem cabeças (IBGE, 2012).
autorização dos inspetores do A expressão “pau-de-arara” surgiu
campo. Ali ficavam retidos milha- nessa época motivada pelo trans- A falta de água no Nordeste
res de retirantes a morrer de fome porte de nordestinos sertanejos no coincidiu com a crise de ener-
e doenças”, relata a professora desconfortável caminhão, quando gia elétrica que colocou em
Kênia Rios, doutora em História milhares de flagelados do Nordes- risco todo o País. A estiagem
pela Pontifícia Universidade (PUC) te foram transportados de forma tornou-se ainda mais preocu-
de São Paulo (BARRETO, 2007). desumana para outras regiões do pante, pois Estados vizinhos
país, especialmente São Paulo e também estavam assolados
estados circunvizinhos. Ainda em pela seca.
1951, Luiz Gonzaga e Zé Dantas
A SECA DE
eternizaram a seca em Vozes da As obras de combate às secas,
1931–1932 Seca: “Mas doutô uma esmola a iniciadas e abandonadas pelo
um homem qui é são. Ou lhe mata governo federal antes da con-
A seca de 31 trouxe o maior pre- de vergonha ou vicia o cidadão”. clusão, já haviam provocado,
juízo para a Bahia. Foi nessa entre 1978/1993, prejuízos de
época que se tornou conhecida CR$ 6,7 trilhões. O escândalo
a expressão “indústria da seca”. das obras inacabadas deu ori-
A SECA DE
Os poderes econômicos e políti- gem até mesmo a uma Comis-
cos da região usavam recursos 1992–1995 são Parlamentar de Inquérito
do governo em benefício próprio, – CPI, no Congresso Nacional,
com o pretexto de combater as A seca de 1992 a 1995 trouxe o para apurar responsabilidades
mazelas, transformando o fenô- maior prejuízo para a pecuária do (SECA..., 2012).
meno climático em fenômeno
político (BARRETO, 2007).

A agropecuária crescia e a Bahia


se estabelecia como maior polo
do Nordeste. A dicotomia entre
a agricultura e a pecuária pro-
movia a sustentação do binô-
mio. Assim, a cultura do cacau
garantia o sucesso da pecuária
do Sul da Bahia. O café e o algo-
dão eram a mola propulsora do
Sudoeste. A cana e a mandioca
no Recôncavo e esse clima de
crescimento esbarrou em mais
uma seca. A ausência de estra-
Foto: Heckel Júnior

das e sobretudo meios de trans-


portes impediam as rotas migra-
tórias e a morte do rebanho foi
significativa (BARRETO, 2007).
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A SECA DE 2012 ESTRATÉGIAS  Queima de petróleo no oceano
HISTÓRICAS DE atlântico para aumentar o índice
É considerada a seca mais seve- pluviométrico;
ra dos últimos 50 anos. Segun- COMBATE ÀS
do dados da Secretaria Nacional SECAS  Construção de açudes nas nas-
de Defesa Civil, 1.171 municípios centes das bacias hidrográficas.
estão em situação de emergência
por conta da prolongada estia- SOLUÇÕES NÃO SOLUÇÕES
gem na Região Nordeste. CONVENCIONAIS: CONVENCIONAIS:

Muitos municípios nordestinos  A solução proposta foi trazer  Construção de açudes e adutoras;
estão enfrentando colapso no camelos do deserto e adaptá-los  Transposição de bacias;
abastecimento de água, e cres- ao Nordeste Semiárido. A idéia foi  Construção de poços tubulares.
ce o número de comunidades proposta pelo Governo Federal em
nas zonas rurais que recebem 1859, para ser testado no Estado do AÇUDAGEM:
carros-pipa. Por conta da falta Ceará e teria como finalidade suprir
de alimentos e água, muitos a necessidade de um meio de trans- A implantação de açudes teve iní-
animais estão morrendo nos porte, para enviar alimentos e água, cio no período do Império no ano
pastos, assim como produções além de transportar as pessoas do de 1877, ano em que a região foi
inteiras foram perdidas nos úl- interior para as cidades do litoral, assolada por uma grande seca.
timos meses. Segundo a Fede- para atendimento médico; Daquela data até a metade do atu-
ração da Agricultura e Pecuária al século, a política de combate às
do Estado da Bahia (FAEB), a  Promover fratura de rochas no secas contemplava, principalmen-
queda da produção chega a cristalino, através de explosão, te, a formação de uma infraestru-
100% em algumas lavouras e a para armazenamento de águas tura hidráulica e a implantação de
60% nos rebanhos. subterrâneas; postos agrícolas como indutores
da irrigação na Região. O período
Foto: Heckel Júnior

em que predominou essa política


foi posteriormente denominado
de período da solução hidráulica
(SECA..., 2012).

Na segunda metade de século


teve início a política do aprovei-
tamento intensivo do potencial
hidráulico por meio dos grandes
projetos de irrigação. Tratava-se
de uma Política delineada pela
Superintendência do Desenvol-
vimento do Nordeste – SUDENE
(SECA..., 2012).

O regime de construção de açu-


des em cooperação, desativado
em 1967, pretendia melhor distri-
buir, sob o ponto de vista espa-
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cial, a oferta d’água e subsidiava dos, alguns, com capacidade jeitas à concentração salina devido
a construção de açudes particula- para geração de energia hidrelé- ao fenômeno da evaporação inten-
res de capacidade máxima de três trica e muitos outros com proje- sa. Com esse fenômeno, a água se
milhões de metros cúbicos. Não tos de irrigação. São açudes que evapora, mas o sal permanece no
havia desapropriação de terras. O não secam, apesar da fortíssima açude e a sua concentração é pro-
projeto e o orçamento eram for- e drástica evaporação promovida gressiva. Assim o fato de não san-
necidos gratuitamente pela Inspe- pela radiação solar nesta região. grar constitui-se em um grande mal
toria Federal de Obras Contra as Reduzem em até 60% do seu vo- para os açudes (GASPAR, 2012).
Secas (IFOCS)/Departamento Na- lume, mas renovam, quase sem-
cional de Obras Contra as Secas pre nos anos subsequentes.
(DNOCS) e um prêmio, equivalente
INDÚSTRIA
à metade do orçamento, era con- No Vale do Jaguaribe, Ceará,
cedido no fim da construção ou, o açude Orós, construído, em DA SECA
a título de adiantamento, quando 1960, acumula 2,5 bilhões de m³
metade da obra estivesse pronta. de água. O Açude Armando Ri- A região Nordeste sofre com dois
Os proprietários, em contrapartida, beiro Gonçalves, construído no fenômenos: um político chamado
comprometiam-se a fornecer água Rio Grande do Norte, em 1983, “indústria da seca” e outro natural
para as necessidades domésticas com um volume de 2,4 bilhões chamado “seca” propriamente dita.
das populações circunvizinhas. de m³ de água. O Banabuíu e A tragédia que atinge grande parte
Nem sempre a construção atendia o Araras, ambos no Ceará, que da região Nordeste brasileira e par-
a interesse da população. juntos somam 2,7 bilhões. O te da região norte de Minas Gerais
Castanhão, no Vale do Jaguaribe costuma ser utilizada (e superva-
O século XX foi o século da açu- CE, concluído no ano de 2003, é lorizada) para justificar a fome e o
dagem no Semiárido, por todo um o maior do mundo, construído subdesenvolvimento econômico e
período de 100 anos. Quando da pelo homem. Com capacidade social da região em nome de erros
“grande seca” de 1877/79, o Se- de 6,7 bilhões de m³. cometidos no passado e que faz
miárido não possuía mais que seis fracassar qualquer tentativa de re-
açudes. O Governo Imperial auto- Os pequenos e médios açudes, verter este quadro (GASPAR, 2012).
rizou o início do grande açude do com volumes compreendidos entre
Cedro, em Quixadá, Ceará, que só 10.000 e 200.000 m³, representam Em 1909, foi criado o primeiro
foi concluído no ano de 1906, já no 80% das coleções de água nos Es- órgão de combate à seca, com
Governo Republicano. Cem anos tados do Nordeste e são objetos o nome de Inspetoria de Obras
de construído, este açude, armaze- de preocupação. Esses açudes, Contra as Secas (IOCS). Em
nando 126 milhões de m³, continua por apresentarem formas geométri- 1919 passou a ser Inspetoria Fe-
prestando seus serviços a milhares cas variadas devido à falta de pla- deral de Obras Contra as Secas
de nordestinos (SECA..., 2012). nejamento inicial no momento da (IFCOS). Em 1945, Departamento
sua construção, em que o principal Nacional de Obras Contra as Se-
Foi o início do programa de cons- fator levado em consideração sem- cas (DNOCS) (GASPAR, 2012).
trução da grande rede de açudes pre foi a vontade de se fechar uma
espalhados pelo Semiárido. Che- pequena bacia, trazem inevitáveis A ideia central era definir metas
gando ao final do século XX com problemas de dimensionamento, e solucionar o problema com obras
a construção, de cerca, de 70.000 não sendo raro açudes que nunca para armazenar e transportar a água
açudes, públicos e particulares. vieram a sangrar. Esse aspecto, ao para a população e assim atender
Mais de 10% são açudes cons- contrário do que muitos imaginam, a agricultura, a pecuária e a utiliza-
truídos para suportar os grandes traz problemas muito sérios de sa- ção humana. Pode se notar, pelo
períodos de estiagem, projeta- linização, pois as águas ficam su- aumento da área atingida pela seca,
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“Quando a seca chega no sertão”
o pecuarista procura, no municí-
pio as propriedades que ainda
dispõem de forragem para alugar
pasto. Quando esta alternativa
não dá mais certo, a saída é “re-
cursar” o gado para municípios
vizinhos. A terceira opção é mu-
dar de bioma, a quarta é mudar
de Estado, a quinta é vender. As-
que as ações foram insuficientes. atingidos. Mais da metade dos sim surgem as rotas migratórias.
A seca do Nordeste está ligada municípios decretou situação de Contudo, “a esperança é a última
à falta de políticas que realmen- emergência. O regime pluviomé- que morre”. Os melhores animais
te funcionem em benefício da trico do inverno (junho e julho) de e as vacas produtoras de leite
população. 2011 abaixo do normal provocou são mantidos na propriedade a
uma diminuição das reservas hídri- fim de promover o sustento da
Durante as longas estiagens, o cas na Bahia. Os reservatórios es- família. Surge a inexorável “Lei
governo federal socorre os Esta- tavam secos, as pastagens abaixo de mercado” muita oferta e os
dos atingidos, com ações emer- de suas reservas e o produtor des- preços despencam, O preço da
genciais, como: envio de recursos capitalizado. A esperança eram as arroba despencou de R$ 100,00
para ser aplicado nessas áreas; trovoadas (chuvas de novembro para R$ 70,00. Em alguns lugares
cestas básicas para a população; de 2011 a março 2012). Com a os animais eram comercializados
perdão total ou parcial das dívi- ausência de chuva a natureza en- como peça. Uma peça variava de
das de empréstimos tomados por tra em colapso, é a seca de 2012. R$ 350,00 a R$ 500,00.
agropecuaristas. Essa é tida por muitos como a pior
seca dos últimos anos. Essa agonia dura de dois a três
A “indústria da seca” se utiliza da si- anos, a expectativa da chuva que
tuação de emergência para conse- Podemos medir os efeitos da es- não vem gera um clima de sofri-
guir mais verbas, incentivos fiscais, tiagem prolongada através de ín- mento e dor. Os poucos recursos
concessões de crédito e perdão de dices pluviométricos, da mortali- são investidos até o fim. É neces-
dívidas valendo-se da fome e da mi- dade do rebanho, do êxodo rural sário desfazer de animais para ali-
séria pela qual passa o nordestino. e da mortalidade do homem, entre mentar os que ficam.
outros. Neste ano, enfrentamos ín-
dices de 50 mm, onde o normal é Diante deste quadro o baiano
de 500 mm e 100 mm em regiões enfrenta outras dificuldades. O
CONSIDERAÇÕES
que chovem 1.000 mm. preço do milho e da soja dupli-
FINAIS cou por conta da seca nos Esta-
Com a evolução das práticas dos Unidos. O produtor do Sul
Seca de 2012, um drama que atin- agronômicas de irrigação, produ- prefere exportar a vender para
ge milhões de baianos e produz ção de feno, silo, os recursos de o Nordeste.
efeitos devastadores na economia meios de transporte e pelas medi-
da atividade de maior geração de das empreendidas pelo governo A Barragem do Sobradinho rece-
emprego no país: a agropecuária. do Estado para amenizar os efei- be hoje 800 m³ por segundo e li-
O Nordeste brasileiro vive mais tos da seca, a mortalidade animal bera 1.200 m³ por segundo, com
uma daquelas secas históricas e não causou o mesmo prejuízo que esse déficit o nível chegou a 25%
a Bahia é um dos Estados mais em secas anteriores. de sua capacidade.
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Afirma-se, com frequência, que o em reservatórios construídos pelo Bahia tem 13 Bacias Hidrográfi-
problema do Semiárido não é a DNOCS, no Nordeste, estão loca- cas, sendo a maior delas a Bacia
falta de água durante as secas, lizadas no Ceará. do Rio São Francisco, com uma
mas a falta de gerenciamento área de 304.421,4 km². Nessa
das águas, o que dá a falsa im- Tem se cobrado dos especialis- bacia, encontram-se usinas de
pressão de que a seca é uma tas um modelo semelhante ao do grande importância como as de
simples questão de gestão das Ceará, que em 1925 tinha a mes- Sobradinho, Paulo Afonso e Itapa-
águas (CAMPOS, 1999). Gerir ma quantidade de água armazena- rica. As bacias dos rios Itapicuru,
num contexto de incerteza ele- da que a Bahia tem em 2012. Pelo Contas e Paraguaçu destacam-se
vada é proporcionar esperança estudo das secas é nítida a confir- por serem exclusivamente baia-
sem base sólida, especialmen- mação que o Estado do Nordeste nas. Na última, localiza-se a Bar-
te porque a gestão implica em que mais foi assolado pela seca foi ragem de Pedra do Cavalo, res-
guardar água para o futuro, com o Ceará. Pelo número de mortos da ponsável pelo abastecimento de
alta probabilidade de perdê-la. população, pelas incontáveis per- água de 60% da população de
Não se trata apenas de armaze- das agrícolas e pela própria produ- Salvador e Região Metropolitana,
nar água em reservatórios, é ne- ção pecuária do Estado, podemos além de Feira de Santana e outras
cessário distribuir essa água. O entender o porquê dessas ações. cidades próximas à barragem.
Semiárido exige um conjunto de
mecanismos para melhor apro- Ora, a Bahia vive uma realidade Mesmo com essa situação privi-
veitar as oportunidades hídricas. edafoclimática significativamente legiada, este ano, na Bahia, a es-
Inclui desde construção de açu- diferente do Ceará. A Bahia tem tiagem secou barragens, açudes
des, integração de bacias, cons- 6% do seu território com 143 mu- e rios, devastou pastos e lavouras
trução de poços e cisternas. nicípios inseridos no bioma Mata e provocou escassez de alimento
Atlântica; 27,3% com 17 municí- para os rebanhos, que morrem de
Observa-se que cerca de 60% pios no Cerrado e 68,7%, sendo inanição e sede. O clima na Bahia
das águas públicas armazenadas 257 municípios na Caatinga. A é de apreensão.

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