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IO línguaI

Desagrada-me fazer um balanço da obra de Barthes; por ou-


tras palavras, desagrada-meenterrá-lo. Entretanto, como o luto
tem de cumprir-se, que esse balanço seja feito como a dispersão
de cinzas fecundantes. "O nascimento do leitor deve pagar-se com
a morte do autor" "Amorte do autor").
Se considerarmos, para fins didáticos, quatro etapas na vida
intelectual de Barthes —,o mitólego, o "novo-críticot'ynsemiólo-
go e o escritor diremos que os ensaios aqui reunidos pertencem
às duas últimas faces ou fases.A ordenação dos textos, seu agru-
pamento em sete seções ou capítulos, assim como os títulos desses
capítulos, são da responsabilidade do editor François Wahl. Não
se sabe se Barthes os apresentaria nesta ordem, nem mesmo se pu-
blicaria todos em livro; muitos eram já antigos quando ele mor-
reu, e não tinham sido incluídos nos Novos ensaioscríticos (1972)
nem em qualquer outra obra.
A disposiçãonuma ordem não cronológicaembaralha um
pouco a visão dos deslocamentos progressivos de Barthes, desde o
projeto estruturalista e semiológico dos anos 60, superado no início
dos 70 pela teoria da escritura e do prazer do texto, até os últimos
textos em que, coerentemente com essaspropostas, a prática do es-
critor absorve cada vez mais a do ensaísta. As partes I, II e IV do
presente volume recolhem, numa desordem aparente, essa passagem.
Nos textos mais antigos, dos anos 60, vemos um Barthes ain-
da preocupado com a busca de sistemas e métodos rigorosos para
a análise do texto literário. Mas o que caracteriza o semiólogo
Barthes é a desconfiança crescente com relação àquela 'tiência da
literatura" que ele ajudava a inaugurar: Contrariamente a muitos
semiólogos e semióticos, Barthes tinha a nítida consciência de
que '6 discurso da ciência não é necessariamente a ciência" ("Jovens
pesquisadores"),e de que uma ciência da literatura seria sempre
duvidosa.

XII
I Prefácio I

Seu convívio com as obras literárias e sua prática de escritor


levavam-noa ver que a linguagem literária excede sempre qual-
quer esquema descritivo, escapa sempre às malhas grosseiras de
metalinguagem técnica. Ao mesmo tempeque ele buscava con-
tribuir para uma ciência da literaturaque se incluísse na ciência
geraldos signosvsuas análises o_çonduziam a ver menos o que se
encaixavanos modelos do que a uilo ue os desmantelava.
Assim, o famoso ensaio O efeito de real' nasceu da obser-
vaçãode pormenores descritivos que não tinham nenhuma fun-
çãocaptávelpor uma an ise estrutural da narrativa, pormenores
excedentesque constituíam verdadeiros "escândalosda estrutu-
ra".Da mesma forma, estudos posteriores sobre a leitura levaram-no
Cúma hemorragia permanente pela qual
a observarque nesta ocorre
a estrutura —paciente e utilmente descrita pela análise estrutural
—desmoronaria, abrir-se-ia, perder-se-ia... deixando intacto aquilo
a que se deve chamar de movimento do sujeito e da história: a lei-
tura seria o lugar onde a estrutura se descontrola" ("Da leitura").
Em sua produção como em sua recepção a obra literária tem
estratosmais numerosos e mais imbricados do que os que a me-
talinguagemestruturalista pode descrever, e o signo verbal tem aí
maisfunções e mais aberturas de sentido do que aqueles que a se-
mióticapode nomear. Cada vez ue Barthes tomou um texto li-
teráriocom o objetivo de dominá-lo por uma metalinguagem, foi co mo
0 indominávelque o seduziu provocou, em vez de uma c).Ci
simplesgrade de leitura do texto-objeto, a produção de um novo
textotão complexo e fascinante quanto aquele_quelhe servira de
Pretexto.A metalinguagem verbal revelou-se para ele como uma
Impossibilidadee um logro. Para ser uma ciência nos moldes clás-
sicos,a ciênciada literatura deveria dispor de uma metalinguagem
rigorosa,como a da matemática ou da lógica formal; ora, estas

XIII
são insuficientes para prstar contas de todas as sutilezas da
tiplicidade de Funçõesdo signo literário.
É de certa forma comovente acompanhar os esforços
tíficos" de Barthes. Ele tinha uma cabeça organizadora, com
tidão para o rigor e a exaustividade.Mas, exatamentepor isso.
percebia a todo instante queggigor dasiência dos signosnunca
era suficiente para constituir um verdadeiro método científico
foi-se instalan-
do nele uma inapetência(um taio) por ssa ciência que eleaju-
dava a construir desconstruindo.
n _____gçrigrg_e a teoria correspondente vieram tirá-
Io dsse impase. A literatura, para ele, torna-se um saber ao qual
só tem aceso pela produ#o de um novo texto: texto mentalda
leitura, texto concretizado numa nova obra literária. Texto ao
o sujeito_nãepreexiste como sujeito-que-sabe,mas na p__
do o su•eito se cria e se recria, numa significância infinita-
mente aberta.
Seu interese crscente Fla psicanálise lacaniana, nos anos 70,
veio arruinar definitivamente aquelas veleidades cientificistas dos
anos anterior—. O discurso científico aparece-lhe como o indese-
jável "discurso dá Lei", e a escritura, "discurso do desejo", será sua
última opção.
A parte V ("O amante de signos") é uma
homenagem aos ins-
e aos com de sua aventura serniológica: Jakobson,
Benveniste,Kristeva,Genette, Metz.
artigos são tstemunh os
de um momento particularmente animado
do debate tórico em Pa-
ris, quando as pesquisas de vários
studiosos dos signos comuni-
cavam e se fecundavam umas às outras
de maneira stimulante•
A parte ("Leituras") é muito desigual. Reunindo
introd u-
çóes, e conferênciasde Barthes,
essa seção contém
O sabor de Barthes é a sua qualidade de escritor, sua capaci-
dade de introduzir o estranhamento da fórmula artística (surpre-
sa e prazer) no género ensaístico que ele pratica e renova: o jogo
com os significantes, a polifonia de uma enunciação sutil que tran-
ça, em seu texto, várias faixas de onda: inteligência, erudição, ironia,
humor, provocação, afeto.
Sua sabedoriaé o que constitui propriamente sua lição,já
que o sabor do escritor pode ser desfrutado mas nunca ensinado.
A lição de Barthes não se apresenta de forma assertivaou progra-
mática. Ela se reduz a algumas propostas básicas que atravessanlto-
das as fases de sua obra, variando na formulação, mas mantendo-se
firmes como posição assumida diante e dentro da linguagem.
O essencialdessa lição poderia ser assim resumido:
A linguagem não.é mero instrumento do homem; é ela que
constitui o homem. As línguas carregam uma história, trazem ne-
Ias as marcasde usos anteriores, e essa carga de passado entrava a
renovação do homem e as mudanças em sua história. Não basta,
pois, usar a linguagem com o intuito de comunicar sentidosno-
vos; é preciso trabalhar suas formasvlibertá-la do que ela tem de
estereotipado,de velho. Nenhuma linguagem é transparente011
inocente, e as que assim se propõem são suspeitas: "toda lingua-
gem que se ignora é de má-fé" ("Da ciência à literatura"). A escri-
tura —ou escrita poética —é a prática que melhor permite o au-
toconhecimento e a autocrítica da linguagem, assim como sua aber-
tura ao ainda não dito.
A libertação da linguagem, na escritura, não se alcançanum
espontanefsmo.O espontâneo, contrariamente ao que acreditam
os defensoresda "criatividadesolta", é o domínio do estereótipo'
"o campo do já-dito" ("Jovens pesquisadores"). A liberdade supóe
escolhae crítica, sem o que o próprio conceito de liberdade
faz sentido. Essas considerações de Barthes, reiteradas no presen-
te NOIume,são oportunas porque justamente aqui no Brasil tem
havido uma interpretação abusiva de sua teoria da escritura, assimi-
lada indevidamente ao criativo oba-oba, ao subjeti\0, ao
prazernuma boa. Ora, não se trata disso: "Ao contestar o discur-
so do cientista, a escritura não dispensa em nada as regras do tra-
balho científico" c Jovens pesquisadores"). A pluralidade de códi-
gos que a escritura põe em jogo exige, do sujeito, um vasto saber.
A escritura é desconstrução desse saber, e só se desconstrói o que
se conhececomo construído. Aqui no
esiano desiprender sem nunca ter aprendido, e partepara
a desconstruçãode um discurso cultural ainda extremamente frá-
gil, no particular e no co etivo. Ora, o prazer da escritura barthe-
sianase sustenta de um saber (plural, disseminado) e se alcança
num trabalhode linguagem. A escritura pratica o imaginário .com
plenoconhecimento de causa" ("Da ciência à literatura").
ue se efetua na escritura tende
O trabalho de linouaggps____—————.—--
parauma utopia: a utopia da isenção do sentido, que levaria à per-
cepçãofeliz d+umor da língua" • "Em seu estado utópico, a língua
seriaampliadatãdhãÁQ-Dnaturada, até formar uma imensa
tramasonora em que o aparelho semântico se acharia irrealizado"
("O rumor da língua"). Esse rumor da língua seria um não-senti-
do que permitiria ouvir, ao longe, um sentido novo "liberto de to-
dasas agressõesde que o signo, formado na 'triste e selvagem his-
tóriados homens', é a caixa de Pandora" (idem).
A empresa utópica de libertação e renovação da linguagem
se_desenvolve entre dois pólos perigosos: a bobagem e o ilegível.
Barths se sentia constantemente à beira de um desses precipícios.
"Ilegível"era um qualificativo que muitos empregavam a seu res-
peito;"tolo" era o que ele mesmo freqüentemente pensava de seu
I O rumorda lingua I

próprio discurso, ou melhor, dos discursos disponíveis em que


podia atolar, não fosse sua atenção permanente às armadilhas da
linguagem. A percepção da bobagem, a fascinação por esse fan-
tasma que ronda todas as linguagens no que elas carregam de ób-
vio pontificado, é paradoxalmenteumacaracterfstica das pessoas
superiormente inteligentes. Só um Flaubert ou um Barthes temem
perderem-se na bobagem; os verdadeiros tolos nem desconfiam,
são imbuídos de grandes certezas.
A tática de Barthes com relação à bobagem, que ameaçava in-
vadir certas áreas de seu próprio discurso, era a de transformar essas
áreas discursivasem objetos de análise. Assim, em Roland Barthes
por Roland Barthes,ele desmontou e esgotou a "bobagem egotista"
da auto-imagem; nos Fragmentosde um discupsoamoroso, tomou
como objeto de crítica as falas do apaixonado, condição que era a
sua, naquele momento; e, no fim de sua vida, pensava em escrever
um Diário político com as "bobagens" que os acontecimentos lhe
sugeriam, na medida em que o discurso político é um campo fértil
em asserçõese estereótipos.Esse último projeto o tentava e o inti-
midava: "Seria preciso uma coragem enorme, mas talvez isso exor-
cizasseessa mistura de tédio, de medo e de indignação que consti-
tui para mim o Político (ou melhor, a Política)" ("Deliberação").
O progressivo desgosto de Barthes pela política não foi uma
deserção, mas uma decorrência de sua ética. Tendo fundamenta-
do essa ética numa prática de linguagem (crítica e escritural),a
coerência o levava a rejeitar, como de má-fé, todo discurso que se
apresenta como discurso de Verdade: discursos de arrogância, dis-
cursos da militância, discursos de autoridade e de certezas.
Nutrido no marxismo e na psicanálise, Barthes acabou descon-
fiando de ambos, na medida em que os via como discursos totalitár
rios, sistemas fechados que explicam tudo
e fecham a boca de qual-

XVIII
I Prf,icio I

quer opositor com armas imbatíveis, previstas pelo próprio sistema.


Todaobjeçáoao marxismo pode ser interpretada (calada)com o
ualificativode "argumento de classe". E toda objeção à psicanálise
inconsciente.
pode ser esmagada na qualidade de "resistência" ao
A ética linguageira de Barthes permitiu-lhe exercer de modo
harmoniososua dupla atividade de escritor e de professor.Bar-
não o detentor
thesfoi um mestre no sentido pleno da palavra:
face do saber, que re-
de um saber mas um exemplo de postura em
que socrática. Alguns
sultavanuma relação pedagógica mais zen do
seus mais belos textos sobre a prática do magistério (ou das uto-
de
neste livro: "Escri-
piasque o norteavam) se encontram presentes
A leitura desses
tores,intelectuais, professores" e "Au séminaire",
profissão, assu-
textosé altamente recomendável àqueles que, por
representa
mema regênciade um discurso. Ciente do poder que
a todos os
o fatode "ter a palavra" e extremamente lúcido quanto
universitá-
Imagináriosque a relação pedagógica (em particular a
ele tra-
ria)institui,tanto do lado docente como do lado discente,
pala-
balhoupela dissolução das imagens, pela real circulação da
e pela garantia da pluralidade dos desejos.
Contra o discurso da arrogância e a histeria dos debates,
Barthespropõe "a palavra calma": não a calma humanitária, libe-
também constitui uma imagem de má-fé), mas aquela
d!sponibilidadede ouvido às múltiplas linguagens que se ensaiam
nassalasde aula e nos foros de debates, e aquela leveza da enun-
ci3ãoque desbarata os papéis prefixados da comédia discursiva:
escutar,ao falar, ao responder, eu nunca seja o ator de um
de uma sujeição, de uma intimidação, o procurador
Ulgamento,
de uma Causa" ("Escritores, intelectuais, professores").
O fim de sua existência, cujas ressonâncias intelectuais e afe-
tivaspodemosouvir nas
entrelinhas de seus últimos textos, não foi
I O rumor da língua I

feliz. O último Barthes é, de certa forma, exemplar de um mal-es.


tar do intelectual contemporâneo. Vindo tarde demais para assu-
mir o papel de consciência do mundo e de defensor das boascau-
sas, como um Sartre, mas imbuído desde a adolescência das preo-
cupações éticas da geração existencialista, Barthes viveu a nossa
trist#poca da "morte das ideologias" eda desconfiança dos sig-
nos, que as modernas ciências da linguagem nos trouxeram. Con-
temporâneo, como todos nós, de uma história que não se realiza
nunca como se desejava e.seesperava, e parece estagnar na repe-
tição farsesca, ele perdera, nos últimos tempos, aquele pique que
o levara a demolir os mitos da sociedade moderna e a ressuscitar,
numa ótica atual, as obras literárias do passado. A própria litera-
tura parecia-lhe 'á ter vivido melhores tem os: a forma ensaística
já não o tentava mais, e também não era mais possível escrever ro-
mances como aqueles que ele admirava, na velha literatura. Foram
vãos seus projetos de Vita Nova, expressos na Aula Inaugural e na
conferência sobre Proust.
O acidente bruto que encerrou sua aventura com os signos não
foi a desejada "isenção de sentidos" que permitiria a eclosão de sen-
tidos novos em sua vida pessoal e em sua obra; foi apenas o non
sens, a brutalidade sem conseqüênciasque rege nosso cotidiano
dito pós-moderno. Ficaram, dele, estes textos, semeados de suges-
tões e de propostas, frutos de uma inteligência clara e generosa.
As propostas de Barthes podem parecer inócuas; elas não têm
a completude reconfortante de um sistema de pensamento, nem a
enunciação forte dos que querem convencer e aliciar seguidores.
Seu lúcido humor e sua calma impaciência são, entretanto, ma-
neiras elegantes e táticas eficientes para atravessar e subverter os
discursos cansadosde nosso momento cultural.

LEYLA PERRONE-MOISÉS

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