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Parte Geral – Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal


Regida pelo Novo Código de Processo Civil
Danielle Bertagnolli
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Espe-
cialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), Advogada
inscrita na OAB/RS nº 84.164.

RESUMO: O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.102/2015) inovou a legislação processual e,
entre outras alterações, regulamentou o procedimento para a desconsideração da personalidade
jurídica. Questiona-se, contudo, a aplicação de tal instituto do âmbito do direito tributário, em sede
de execução fiscal, o que poderá ocorrer desde que preenchidos os requisitos constantes no Código
Tributário Nacional. Havendo indícios de dissolução irregular da empresa ou de fraude à lei, ao con-
trato ou estatuto social, podem as partes e/ou o Ministério Público requerer a desconsideração da
personalidade jurídica, de modo a atingir o patrimônio do sócio, gerente ou diretor da empresa. Sendo
a desconsideração requerida na execução fiscal já em trâmite, será instaurado o incidente previsto
no Novo Código de Processo Civil, suspendendo-se o andamento da lide executiva. O patrimônio do
sócio, gerente ou diretor somente poderá ser efetivamente afetado após o julgamento do incidente,
que deverá observar o contraditório e a ampla defesa, consagrando-se a segurança jurídica até então
inexistente no procedimento de redirecionamento da execução fiscal.

PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração da personalidade jurídica; responsabilidade tributária; redire-


cionamento; execução fiscal.

SUMÁRIO: Introdução; Autonomia patrimonial; Evolução histórica; Teorias da desconsideração da


personalidade jurídica e pressupostos para a aplicação do instituto; Desconsideração da personali-
dade jurídica e responsabilidade tributária; Incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO
A desconsideração da personalidade jurídica surgiu a partir da necessida-
de de se regulamentar a responsabilidade dos sócios das empresas pelas dívidas
contraídas por estas, nos casos em que as pessoas físicas fossem as verdadeiras
privilegiadas pela autonomia patrimonial às empresas, o que deixaria os sócios
inatingíveis. Sendo absoluta a distinção patrimonial, os sócios poderiam se valer
dessa condição para perpetrar fraudes, prejudicando os credores da empresa e
resguardando seus bens pessoais.
Todavia, o direito tributário prevê as hipóteses nas quais poderão ser res-
ponsabilizados os sócios, gerentes ou diretores das empresas, diante do que se
passou a questionar a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurí-
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dica no âmbito das execuções fiscais, nas quais é comum o redirecionamento da
dívida para o sócio.
Além disso, o Novo Código de Processo Civil inovou ao prever um inci-
dente para desconsideração da personalidade jurídica, cuja aplicação nas exe-
cuções fiscais é questionada. Portanto, atualmente a questão passa não somente
pela aplicabilidade da desconsideração no direito tributário, como também pela
adequação do novo procedimento ao rito das execuções fiscais.
Tais questões são objeto do presente estudo, que iniciará traçando um
panorama geral e histórico sobre o princípio da autonomia patrimonial e a des-
consideração da personalidade jurídica. Posteriormente, será tratada a questão
da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao direito tributário,
traçando-se um paralelo com o instituto da responsabilidade tributária. Por fim,
será analisado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto
no Novo Código de Processo Civil, e seus impactos nas execuções fiscais.

AUTONOMIA PATRIMONIAL
O conceito de que a empresa é uma entidade distinta dos seus sócios foi
originalmente desenvolvido na Europa do século XVII. A ideia original surgiu a
partir da desconfiança que as pessoas tinham ao investir nas empresas, já que po-
deriam ser responsabilizadas pelos débitos da pessoa jurídica. A partir de então,
a sociedade empresarial passou a ser vista como um ente distinto dos seus sócios,
que não teriam seu patrimônio afetado em razão de dívidas da primeira (Cannell,
2011, p. 185).
Nesse contexto, surge o princípio da autonomia patrimonial das pessoas
jurídicas, considerando-as entes distintos dos seus sócios para fins de cumpri-
mento das suas obrigações e responsabilidade civil, excetuadas as hipóteses pre-
vistas em lei para desconsideração da personalidade jurídica.
No âmbito do direito brasileiro, Fábio Ulhoa Coelho destaca que “o prin-
cípio da autonomia da pessoa jurídica da sociedade não estava claramente de-
terminado no Código Comercial de 1850” (Coelho, 2005, p. 267), surgindo com
o Código Civil de 1916, cujo art. 20 estabelecia a separação absoluta entre a
pessoa jurídica e seus sócios (Wesendonck, 2012, p. 354).
Todavia, com a restrição à responsabilidade dos sócios pelas dívidas con-
traídas pela pessoa jurídica, logo começaram a surgir abusos, aproveitando-se
os sócios de tal condição na tentativa de blindar seu patrimônio. É certo que “a
personalização não pode servir de fundamento para acobertar situações injus-
tas” (Bonfim, 2014, p. 91), surgindo a desconsideração da personalidade jurídica
como uma forma de coibir tais abusos.
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EVOLUÇÃO HISTÓRICA
As primeiras manifestações da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica surgiram nos Estados Unidos e na Inglaterra. No ano de 1809, no caso
Bank of United States v. Deveaux, o Juiz Marshall, da Corte norte-americana,
analisou as características dos sócios para conhecer da causa, mantendo a juris-
dição das Cortes federais que, a princípio, seriam competentes apenas para o jul-
gamento de controvérsias entre cidadãos de diferentes estados, não abrangendo
causas envolvendo empresas (Koury, 1993, p. 64).
Posteriormente, em 1897, as Cortes britânicas julgaram o litígio havido
entre Salomon v. Salomon & Co., por muitos considerado o leading case da des-
consideração da personalidade jurídica. No caso, o comerciante britânico Aaron
Salomon fundou uma nova pessoa jurídica, cujo quadro societário era composto
por ele mesmo (sócio majoritário) e sua família. O capital foi integralizado por
meio de um empréstimo realizado da pessoa física de Aaron Salomon para a
Salomon & Co, que se comprometeu com uma promessa de pagamento prefe-
rencial ao primeiro. Assim, quando a empresa acumulou dívidas, os credores não
puderam satisfazer seus créditos, porquanto o credor primário era o próprio sócio
– Aaron Salomon –, cujo crédito alcançava a totalidade do montante das quotas
sociais. A Justiça britânica reputou a empresa como uma extensão do patrimônio
da pessoa física e, no primeiro grau, a personalidade jurídica foi afastada para
garantir a satisfação dos credores da empresa, o que foi reformado pela House of
Lords (Koury, 1993, p. 64).
No Direito brasileiro, a primeira referência à possibilidade de desconside-
ração da personalidade jurídica decorre do art. 10 do Decreto nº 3.708/1919, de
acordo com o qual “os sócios e gerentes respondem ilimitadamente pelo excesso
de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei” (Brasil,
1919).
Nas últimas décadas, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei
nº 8.078/1990) dispôs sobre a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa
jurídica, tal como o fez o art. 50 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002),
prevendo uma regra geral no ordenamento jurídico. No direito tributário, os
arts. 134, VII, e 135, do Código Tributário Nacional (CTN), instituído pela Lei
nº 5.172/1966, preveem a responsabilidade dos diretores, gerentes e sócios pelos
débitos das empresas que administram1. Todavia, tal como será tratado mais à

1 Em que pese o art. 134 do Código Tributário Nacional defina como responsabilidade solidária, importante
destacar que, na verdade, trata-se de responsabilidade subsidiária, porquanto somente ocorre “nos casos de
impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal”, a teor do que prevê referido dispositivo
legal. No dizer de Leandro Paulsen, resta assegurado “ao responsável que só poderá ser exigido após o
contribuinte, subsidiariamente, com benefício de ordem” (2014, p. 1080). No caso do art. 135, fala-se em
responsabilidade pessoal, o que não exonera a empresa da condição de contribuinte do tributo e, portanto,
devedora principal da obrigação tributária.
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frente, a doutrina discute a aplicabilidade das hipóteses de responsabilidade tri-
butária para a desconsideração da personalidade jurídica.
Mais recentemente, os arts. 133 a 137 do Novo Código de Processo Civil
(Lei nº 13.102/2015) inovaram o procedimento judicial para reconhecimento da
desconsideração da personalidade jurídica, ao prever a instauração de um proce-
dimento específico, com respeito ao contraditório e à ampla defesa.
Porém, antes de adentrar no mérito da aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica ao direito tributário e, por conseguinte, às execuções fis-
cais, importante traçar algumas linhas a respeito dos requisitos e das teorias pelas
quais se haverá por autorizada a utilização de tal instituto.

TEORIAS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E PRESSUPOSTOS PARA A


APLICAÇÃO DO INSTITUTO
A doutrina distingue a aplicação da desconsideração da personalidade ju-
rídica com base em duas teorias: teoria maior e teoria menor. Para cada uma,
são diferentes os requisitos e pressupostos necessários à utilização do instituto
jurídico.
A teoria maior “exige não só a insolvência, como a demonstração do des-
vio de finalidade, bem como a demonstração da confusão patrimonial. A teoria
menor, por sua vez, ocorre com a mera prova de insolvência da pessoa jurídi-
ca para o pagamento de suas obrigações” (Azambuja, 2012, p. 48). Para Fábio
Ulhoa Coelho,
de acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui pa-
trimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo por obrigação
daquela. [...] Equivale, em outros termos, à simples eliminação do princípio da
separação entre pessoa jurídica e seus integrantes. (Coelho, 2005, p. 266)

Já a respeito da teoria maior, Rolf Serick formulou quatro princípios:


O primeiro afirma que “o juiz, diante de abuso de forma da pessoa jurídica, pode,
para impedir a realização do ilícito, desconsiderar o princípio da separação entre
sócio e pessoa jurídica”, mas “não se admite a desconsideração sem a presença
desse abuso, mesmo que para proteção da boa-fé. [...] De acordo com o segundo
princípio, ‘não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica
apenas porque o objetivo de uma norma ou a causa de um negócio não foram
atendidos’. Em outros termos, não basta a simples prova da insatisfação de direito
de credor da sociedade para justificar a desconsideração. [...] De acordo com o
terceiro princípio, ‘aplicam-se à pessoa jurídica as normas de capacidade ou valor
humano, se não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela’.
[...] ‘O derradeiro princípio sustenta que [...] se a lei prevê determinada disciplina
para os negócios entre dois sujeitos distintos, cabe desconsiderar a autonomia da
pessoa jurídica que o realiza com um dos seus membros para afastar essa discipli-
na’”. (Serick apud Coelho, 2005, p. 262-263)
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A regra geral do Direito brasileiro é a aplicação da teoria maior, exigindo-se
a demonstração de fraude à lei ou ao contrato social, por parte do sócio-gerente,
para justificar-se a desconsideração da personalidade jurídica. Excepcionalmen-
te, em casos envolvendo o direito do consumidor e o direito ambiental, admite-se
a desconsideração da personalidade jurídica com base na teoria menor.
Para o direito tributário, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a
necessidade de outros pressupostos, além da mera inadimplência, para a des-
consideração da personalidade jurídica, tal como demonstram as Súmulas
nºs 430 e 435, segundo as quais:
Súmula nº 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não
gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.
Súmula nº 435: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de fun-
cionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legiti-
mando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Independentemente do acerto de tal súmula, cujo teor é bastante discutido


na doutrina e na jurisprudência – o que não será abrangido no presente estudo –,
o certo é que houve o reconhecimento da necessidade de outros requisitos além
do mero inadimplemento para a desconsideração da personalidade jurídica no
âmbito do direito tributário, assim se consagrando a aplicação da teoria maior.
Importante destacar que, em qualquer das hipóteses, a desconsideração da
personalidade jurídica não tem o condão de extinguir a sociedade, que perma-
nece existente e eficaz. A personalidade jurídica apenas deixa de ser oponível a
determinado credor, em cujo processo específico fora deferida a desconsideração
(Redondo, 2012, p. 18).
Feitas tais considerações a respeito do instituto da desconsideração da per-
sonalidade jurídica, importante traçar seus pontos de identificação com a respon-
sabilidade dos diretores, gerentes e sócios no direito tributário.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA


A desconsideração da personalidade jurídica tem a precípua finalidade
de afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para alcançar os bens dos
sócios, responsabilizando-os pelo pagamento dos débitos originariamente impu-
tados às empresas. No direito tributário, a responsabilidade prevista nos arts. 134,
VII, e 135, do Código Tributário Nacional parece ter efeitos semelhantes, na me-
dida em que, ocorridas as situações legalmente previstas, poderão ser responsa-
bilizados os diretores, gerentes e sócios para o pagamento dos débitos tributários
da pessoa jurídica.
Contudo, a doutrina debate acerca dos pontos de semelhança e diferença
entre tais institutos jurídicos. Para alguns, não é possível confundir a desconside-
ração da personalidade jurídica com a responsabilidade prevista no CTN; para
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outros, o preenchimento dos requisitos para a responsabilidade tributária auto-
rizaria a desconsideração da personalidade jurídica. Há também quem efetue a
distinção entre a responsabilidade tributária e a desconsideração da personalida-
de jurídica com base no momento em que uma e outra se realizam, sendo a pri-
meira própria do lançamento do crédito tributário e a segunda realizada somente
no âmbito de processo judicial.
Portanto, podem-se diferenciar três correntes distintas, sem prejuízo de
outros entendimentos não abrangidos pelo presente estudo. Para a primeira
delas,
embora a regra do art. 50 do CC/2002 tenha a conotação de ser uma regra geral
da desconsideração, ela não irá se aplicar do mesmo modo no âmbito do direito
tributário, tendo em vista os interesses tutelados e que no direito tributário existe
uma espécie de presunção de desconsideração por conta dos casos expressos nos
próprios arts. 134 e 135 do CTN. (Wesendonck, 2012, p. 366)

Para outra parte da doutrina, é autorizada a desconsideração da perso-


nalidade jurídica, redirecionando-se o débito para o sócio-gerente, sempre que
este agir com abuso ou praticar ato que leve à confusão patrimonial, tal como
nas si­tuações descritas pelos arts. 134, VII, e 135, do Código Tributário Nacional.
“Nesta hipótese, executada a pessoa jurídica, é possível se devidamente compro-
vada a fraude e, em não havendo bens da sociedade para garantir a execução,
que se requeira o redirecionamento da ação executiva” (Grupenmacher; Caval-
cante, 2015, p. 38).
Por fim, o terceiro entendimento doutrinário defende haver dois procedi-
mentos distintos para imputação da responsabilidade dos sócios:
Quando o fato ocorre antes da constituição do crédito tributário, a autoridade com-
petente para examinar a ocorrência ou não do fato capaz de ensejar a imputação
da responsabilidade tributária é a própria autoridade fiscal. [...] Após a constituição
definitiva do crédito tributário, não há abertura procedimental para que se promo-
va a constituição do vínculo de responsabilidade tributária. [...] Após a constituição
do crédito tributário por meio do lançamento, o sistema brasileiro somente permite
que o sócio seja responsabilizado, isto é, a norma individual e concreta da res-
ponsabilidade seja construída, por meio de uma decisão judicial. (Queiroz; Souza
Júnior, 2015, p. 261-264)

O ponto central da discussão entre as três correntes mencionadas diz com


a necessidade de lei específica para a instituição do dever de responsabilidade
dos sócios e, bem assim, de desconsideração da personalidade jurídica.
Com efeito, para Osmar Vieira da Silva, “o direito tributário tem como
princípio fundamental o da legalidade, de tal modo que a desconsideração so-
mente seria admitida nos casos em que a lei tributária expressamente a autorizas-
se, ao contrário da aplicação da teoria em outros ramos do direito” (Silva, 2002,
p. 95-96). Tal interpretação demonstra manter relação com a corrente doutrinária
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que admite a desconsideração da personalidade jurídica, desde que implementa-
dos os requisitos dos arts. 134, VII, e 135, do Código Tributário Nacional. Tam-
bém nesse sentido, Flávio Couto Bernardes afirma que a norma geral tributária
deve apenas estabelecer os conceitos acerca da responsabilidade, cabendo à lei
ordinária a regulamentação a respeito da efetiva aplicação, e complementa: “Tra-
tando a desconsideração de verdadeira hipótese de responsabilidade obrigacio-
nal, nada impede sua inserção no direito tributário através da edição de mera lei
ordinária” (Bernardes, 2005, p. 464).
Defendendo entendimento diverso, Rafael de Castro Oliveira fundamenta
que
a Constituição Federal prevê a aplicação da legislação complementar em deter-
minados casos, estabelecendo normas gerais quanto à definição de tributos, esta-
belecimento das hipóteses de incidência, inclusive para dizer quem são os con-
tribuintes. O art. 146, III, b, fala que cabe à lei complementar definir obrigação,
lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. E o Código Tributário
Nacional, equiparado à lei complementar, cumpre o papel dado pela Constituição,
bem como as outras complementares que regulamentam os diversos tributos que o
ordenamento jurídico brasileiro impõe. E, da análise dos dispositivos constitucio-
nais, não é demonstrada nenhuma incompatibilidade entre a utilização do art. 50
do Código Civil e o princípio da legalidade. Este artigo não trata de assuntos que
são de competência de lei complementar. Trata, sim, de casos em que, constituída
a obrigação tributária, é verificado o abuso da personalidade jurídica, especifi-
cando em que situações o Direito brasileiro o reconhece. [...] Este artigo funciona
apenas em âmbito judicial, quando o crédito tributário já está constituído (e até por
esse motivo não há conflito com o princípio da legalidade, já que este artigo não
trata da constituição do crédito tributário). (Oliveira, 2010, p. 163)

Para essa parte da doutrina, portanto, a necessidade de lei complementar


para a previsão das normas gerais de direito tributário não seria incompatível
com a desconsideração da personalidade jurídica, em razão do momento em que
ela ocorre, não se confundindo com o lançamento tributário. É necessária a lei
complementar para a constituição do crédito tributário por meio do lançamen-
to, o que ocorre em sede administrativa, em que se permite a responsabilidade
dos diretores, gerentes e sócios, nos termos dos arts. 134, VII, e 135, do Código
Tributário Nacional. Do contrário, não há necessidade de lei complementar para
a questão processual envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica,
porquanto o crédito tributário já está devidamente constituído.
Para aqueles que defendem a completa inaplicabilidade da desconsidera-
ção da personalidade jurídica ao direito tributário, cabe o argumento de que “a
Constituição Federal transferiu para a lei complementar a atribuição de estabele-
cer normas gerais em matéria de legislação tributária, ‘especialmente sobre’, den-
tre outros tópicos, a definição dos contribuintes”, tal como ensina Renato Lopes
Becho (2012, p. 296). Os doutrinadores filiados a essa corrente defendem tam-
bém uma incompatibilidade entre os princípios que orientam a desconsideração
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da personalidade jurídica e a responsabilidade tributária. Isso porque a primeira
estaria albergada pelos princípios da equidade e da justiça, enquanto no direito
tributário teriam maior relevo os princípios da tipicidade e da estrita legalidade
(Silva, 1999, p. 119).
Em contraponto ao entendimento pela total inaplicabilidade da desconsi-
deração da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário, Arnoldo Wald
e Luiza Rangel de Moraes sustentam a previsão contida na norma geral antielisiva
(parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional), “autorizando a au-
toridade a desconsiderar a forma e a estrutura do negócio jurídico, para alcançar
a obrigação tributária geradora do tributo e o sujeito passivo tributário” (2005,
p. 233), estando aí abrangida a possibilidade de desconsideração da personalida-
de jurídica. O contrato social nada mais é do que um negócio jurídico celebrado
por particulares, cuja forma e estrutura são plenamente possíveis de afastamento.
Assim, havendo necessidade de lei complementar para a previsão da desconsi-
deração da personalidade jurídica no direito tributário, tal requisito tem-se por
preenchido com a Lei Complementar nº 104/2001, que inseriu o parágrafo único
no art. 116 do CTN.
A Procuradoria da Fazenda Nacional firmou seu entendimento quanto ao
tema por meio da Portaria nº 180, de 25 de fevereiro de 20102. A análise de tal
norma administrativa, contudo, revela confusão entre as previsões dos arts. 134
e 135 do Código Tributário Nacional. Isso porque a Portaria considera a res-

2 É o teor da Portaria PGFN nº 180/2010: “Art. 1º Para fins de responsabilização com base no inciso III do
art. 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, entende-se como
responsável solidário o sócio, pessoa física ou jurídica, ou o terceiro não sócio, que possua poderes de gerência
sobre a pessoa jurídica, independentemente da denominação conferida, à época da ocorrência do fato gerador
da obrigação tributária objeto de cobrança judicial. Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão
de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da
Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca
da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: I – excesso de poderes; II – infração à lei;
III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único.
Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com
poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis
solidários. [...] Art. 4º Após a inscrição em dívida ativa e antes do ajuizamento da execução fiscal, caso o
Procurador da Fazenda Nacional responsável constate a ocorrência de alguma das situações previstas no
art. 2º, deverá juntar aos autos documentos comprobatórios e, após, de forma fundamentada, declará-las e
inscrever o nome do responsável solidário no anexo II da Certidão de Dívida Ativa da União. Art. 5º Ajuizada
a execução fiscal e não constando da Certidão de Dívida Ativa da União o responsável solidário, o Procurador
da Fazenda Nacional responsável, munido da documentação comprobatória, deverá proceder à sua inclusão
na referida certidão. Parágrafo único. No caso de indeferimento judicial da inclusão prevista no caput, o
Procurador da Fazenda Nacional interporá recurso, desde que comprovada, nos autos judiciais, a ocorrência
de uma das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria. Art. 6º Ante a não comprovação, nos autos judiciais,
das hipóteses previstas no art. 2º desta Portaria, o Procurador da Fazenda Nacional responsável, não sendo
o caso de prosseguimento da execução fiscal contra o devedor principal ou outro codevedor, deverá requerer
a suspensão do feito por 90 (noventa) dias e diligenciar para produção de provas necessárias à inclusão
do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União, conforme disposto no art. 4º desta Portaria.
Parágrafo único. Não logrando êxito na produção das provas a que se refere o caput, o Procurador da Fazenda
Nacional deverá requerer a suspensão do feito, nos termos do art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro
de 1980”.
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ponsabilidade tributária sempre como solidária, o que colide com a previsão do
art. 134 do CTN, que deixa claro tratar-se de responsabilidade subsidiária.
Além disso, a Portaria confere poderes extremados aos Procuradores da
Fazenda Nacional, que poderão incluir os responsáveis tributários na CDA me-
diante a simples constatação de ocorrência de alguma das situações nela previs-
tas (excesso de poderes, infração à lei, infração ao contrato social ou estatuto e
dissolução irregular da empresa), dispensando a instauração de procedimento ad-
ministrativo e, bem assim, implicando ofensa ao contraditório e à ampla defesa.
Nesse sentido, a doutrina entende que, “efetuado o lançamento somente contra a
pessoa jurídica, cabe à autoridade tributária, dentro do prazo decadencial, rever
o lançamento com a disposição de todos os fundamentos que demonstrem haver
responsabilidade de terceiro e, assim sendo, notificar o terceiro responsável”, po-
dendo este efetuar regularmente sua defesa no âmbito do processo administrativo
instaurado (Oliveira Filho, 2011, p. 106).
Por fim, a Portaria PGFN nº 180/2010 poderá ser contestada ante o pro-
cedimento previsto no Novo Código de Processo Civil, já que contém previsões
com ele colidentes, consoante se verá adiante, no tópico que tratar especifica-
mente sobre as previsões da nova lei processual.
Sem anular por completo o teor da Portaria PGFN nº 180/2010, o Superior
Tribunal de Justiça tem entendido que a aplicação do art. 135 do Código Tribu-
tário Nacional “deve ser feita de forma restritiva, tão somente aos casos de res-
ponsabilidade pessoal dos sócios na violação de lei comercial, estatuto, contrato
social ou na dissolução irregular”. As mencionadas Súmulas nºs 430 e 435 trazem
claramente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é
autorizado o redirecionamento da execução quando há indícios de dissolução
irregular, mas não se autoriza a desconsideração pelo mero inadimplemento da
obrigação tributária (Caliendo, 2010, p. 127).
Filiamo-nos à corrente que considera plenamente possível a desconsidera-
ção da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário, desde que ocorrida
alguma das hipóteses previstas nos arts. 134, VII, e 135, do Código Tributário
Nacional e respeitado o procedimento adotado pelo Novo Código de Processo
Civil, que, consoante se verá, trouxe plena observância ao devido processo legal,
ao contraditório e à ampla defesa. Os preceitos do Código Tributário Nacional
nada mais fazem do que trazer para a realidade do direito tributário as hipóteses
de fraude à lei ou ao contrato social genericamente apresentadas pelo art. 50 do
Código Civil.
Ao prever a possibilidade de redirecionamento da execução para os dire-
tores, gerentes ou sócios nos casos de liquidação das sociedades de pessoas ou
atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos, os arts. 134, VII, e 135, do CTN nada mais estão fazendo senão pre-
vendo hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Assim, não sendo
encontrados bens da empresa para quitação do débito tributário e sendo atestada
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a prática de uma das infrações previstas no CTN, é legítima a desconsideração
da personalidade jurídica, por meio do redirecionamento da execução para o
responsável tributário (Grupenmacher; Cavalcante, 2015, p. 42).
Entendimento semelhante é adotado por Douglas Yamashita, para quem,
se o abuso de personalidade jurídica é “caracterizado pelo desvio de finalidade”
(art. 50 do CC/2002) e se “atos praticados com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos” (art. 135, III, do CTN) caracterizam desvio de
finalidade, logo, o CTN induz ao reconhecimento de que o abuso de personalidade
jurídica provoca a desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributá-
ria. (2006, p. 22)

Portanto, não localizados bens da pessoa jurídica suficientes para o


adimplemento da obrigação tributária e praticado algum dos atos previstos nos
arts. 134, VII, e 135, do Código Tributário Nacional, tem-se por preenchidos os
requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica, estando autorizada
a instauração do procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do Novo Código de
Processo Civil.

INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) inovou o ordena-
mento jurídico ao trazer a previsão de um incidente específico para a desconside-
ração da personalidade jurídica, que até então vinha sendo tratada como redire-
cionamento das lides executivas para a pessoa dos sócios, gerentes ou diretores.
Na vigência do Código de Processo Civil de 1937, aplicável subsidiaria-
mente às execuções fiscais em razão da regra contida no art. 1º da Lei de Exe-
cuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980)3, o que se via frequentemente era o redirecio-
namento da execução fiscal para a pessoa dos sócios, realizado sem qualquer
procedimento específico. Aplicava-se o entendimento de cada julgador ao caso
concreto, com a insegurança trazida pela imprevisibilidade dos atos futuros. Ha-
via quem defendesse a necessidade de o redirecionamento ocorrer dentro do
prazo de cinco anos contados da citação da empresa (Grupenmacher, 2005,
p. 428). Já para parte da jurisprudência, o prazo de cinco anos para redireciona-
mento começaria a contar com a notícia da dissolução irregular da empresa nos
autos, adotando-se a teoria da actio nata4. A questão encontra-se afetada para

3 Lei nº 6.830/1980: “Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo
Código de Processo Civil”.
4 Nesse sentido, seguem julgados proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que exemplificam a
posição adotada pela jurisprudência: “Processual civil. Tributário. Execução fiscal. Massa falida. Indício de
crime falimentar. Ciência da exequente. Prescrição para o redirecionamento. Inércia. Inocorrência. 1. Realizada
a penhora no rosto dos autos falimentares, passou a exequente a aguardar o encerramento do processo de
falência, a fim de verificar a existência de bens do devedor suficientes para a satisfação do crédito tributário.
2. O termo inicial do prazo para o pedido de redirecionamento é a partir da ciência pela exequente de indícios de
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julgamento por meio do Recurso Especial nº 1.201.993, ao qual foram atribuídos
os efeitos de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do Código de Processo
Civil de 1973.
Com a edição do Novo Código de Processo Civil, a desconsideração da
personalidade jurídica adquiriu a forma de um incidente processual, garantindo
aos sócios, diretores e gerentes o exercício do contraditório e da ampla defesa, no
âmbito do devido processo legal. Para Oksandro Gonçalves,
com a inclusão do incidente processual para desconsideração da personalidade
jurídica, em prol do contraditório e da ampla defesa, sacrificou-se o princípio da
celeridade, e diferiu-se o da efetividade para um momento pretérito. Com isso,
também se prestigiou a segurança jurídica. É compreensível, porém, o sacrifício de
alguns princípios em detrimento de outros. (2012, p. 600/601)

Havendo conflito entre princípios, deve-se ponderá-los, na busca pela in-


terpretação que melhor atenda aos interesses coletivos, com a menos lesividade
possível ao princípio cuja aplicação foi afastada. Assim, no conflito entre a se-
gurança jurídica e a celeridade, é certa a preponderância da primeira, mormente
quando combinada com os direitos fundamentais ao contraditório, à ampla defe-
sa e ao devido processo legal.
Na prática, o que se vê é o efetivo prestígio ao contraditório e a regulamen-
tação de um procedimento específico, com natureza de incidente processual,
para a desconsideração da personalidade jurídica, visando “à formação de título
executivo judicial em face do representante da pessoa jurídica” (Redondo, 2012,
p. 24).
A teor do que dispõe o art. 134, caput, do Novo Código de Processo Civil,
a desconsideração da personalidade jurídica poderá ser requerida tanto na inicial

crime falimentar, quando tem início o prazo de cinco anos para a responsabilização tributária dos responsáveis
legais da sociedade falida. 3. Não decorridos cinco anos entre a data em que a Fazenda teve ciência sobre
possíveis irregularidades efetuadas pelos sócios, e o pedido de redirecionamento da execução, não resta
configurada a prescrição intercorrente” (TRF 4ª R., AC 94.04.57828-2, 2ª T., Relª Cláudia Maria Dadico,
DE 28.06.2016). “Embargos à execução fiscal. Prescrição do crédito. Prescrição para redirecionamento.
Ilegitimidade passiva dos sócios. Não há que se retomar a discussão acerca da prescrição do crédito, tendo
em conta o trânsito em julgado de decisão versando sobre mesma matéria. Prescreve o redirecionamento da
execução em cinco anos, contados da ciência da dissolução irregular. Caso em que a parte embargada só
teve conhecimento acerca da inatividade da empresa em 06.09.2006. Como o pedido de redirecionamento
foi feito em 13.04.2010, não há que se falar em prescrição. No que se refere à ilegitimidade dos sócios, a
Súmula nº 435 do STJ dispõe que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar
no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente. Desse modo, os sócios são partes legítimas para figurar no polo passivo
da demanda” (TRF 4ª R., AC 5020853-45.2014.404.7100, 3ª T., Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira,
juntado aos autos em 23.06.2016). “Tributário. Exceção de pré-executividade. Prescrição intercorrente.
Redirecionamento do feito contra o sócio. Marco inicial da prescrição. Actio nata. 1. A prescrição intercorrente
em relação aos sócios redirecionados não tem como termo inicial a citação da pessoa jurídica, mas sim o
momento da actio nata, ou seja, o momento em que restou configurada a possibilidade de redirecionamento
da execução fiscal. Precedentes do STJ. 2. In casu, em nenhum momento a Fazenda Pública permaneceu
inerte por mais de cinco anos, razão pela qual deve ser afastado o reconhecimento da prescrição intercorrente”
(TRF 4ª R., AC 0006400-95.2016.404.9999, 1ª T., Rel. Jorge Antonio Maurique, DE 24.06.2016).
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quanto no decorrer do processo5. Em qualquer dos casos, para a instauração do
incidente, é imprescindível que a parte requerente apresente um mínimo de pro-
vas a respeito da responsabilidade do sócio, nos termos do § 4º do mencionado
art. 134. Vale dizer, “o pedido leviano, desprovido de algum indício de que a
personalidade jurídica foi usada abusivamente, não deve ser tolerado porque é
preciso prestigiar a personalidade jurídica, em especial a limitação da responsa-
bilidade dos sócios” (Gonçalves, 2012, p. 603). E por abuso da personalidade
jurídica não se pode admitir o mero prejuízo ou insucesso da Fazenda Pública
na penhora de bens com a execução fiscal, sendo imprescindível a ocorrência de
dissolução irregular da empresa ou fraude à lei, ao estatuto ou ao contrato social,
tal como pacificado na jurisprudência com a mencionada Súmula nº 430 do Su-
perior Tribunal de Justiça.
Assim, uma vez requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o
juiz poderá admitir o processamento do incidente ou intimar a parte requerente
para que apresente provas mais robustas da ocorrência do fato ilícito a ensejar a
desconsideração. Admitido o processamento do pedido de desconsideração da
personalidade jurídica, o juiz determinará “a citação do sócio ou da pessoa ju-
rídica – em caso de desconsideração inversa –, para que se manifeste e requeira
as provas cabíveis”, sendo admitida qualquer prova produzida por meios lícitos.
Uma vez citada a pessoa para quem se pretende a desconsideração, passa a ser
presumidamente fraudulenta qualquer alienação patrimonial realizada (Grupen-
macher; Cavalcante, 2015, p. 44).
Sendo a desconsideração da personalidade jurídica requerida incidental-
mente, a execução fiscal a que se refere ficará suspensa, até que se decida o inci-
dente, nos termos do art. 134, § 3º, do Novo Código de Processo Civil. Inovação
bastante válida, por meio da qual se impedirá que o patrimônio do sócio, gerente
ou diretor seja afetado pela dívida tributária da empresa enquanto não decidida
sobre sua efetiva responsabilidade pelo pagamento do débito. Todavia, como
dito, deve-se atentar que tal previsão de suspensão dos atos da execução fiscal
se aplica apenas no âmbito do requerimento incidental de desconsideração da
personalidade jurídica, não sendo aplicável aos pedidos formulados juntamente
com a inicial.
Ainda assim, no que se refere ao incidente de desconsideração, a previsão
de suspensão dos andamentos da execução fiscal trouxe maior segurança, na
medida em que se possibilitará aos sócios, gerentes e diretores o pleno exercício
do contraditório e da ampla defesa para, só em caso de julgamento procedente

5 Quando o requerimento for formulado juntamente com a petição inicial, não será instaurado procedimento
incidental, sendo o sócio, gerente ou diretor citado diretamente para se defender, juntamente com a empresa.
Nesse caso, entendemos que o âmbito da defesa da empresa e do seu representante legal será distinto,
porquanto este poderá se defender apenas da sua nomeação para a desconsideração da personalidade
jurídica.
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do incidente, terem seu patrimônio comprometido com o pagamento dos débitos
da pessoa jurídica.
Portanto, a análise inicial do incidente de desconsideração da personali-
dade jurídica revela tratar-se de “importante ferramenta para imputação da res-
ponsabilidade dos sócios da pessoa jurídica em virtude de atos praticados após
a constituição do crédito tributário, quando ele não fez parte do processo admi-
nistrativo e, repita-se, pode se defender naquele âmbito” (Queiroz; Souza Júnior,
2015, p. 269).
Importante destacar, ainda, que o pedido de desconsideração da persona-
lidade jurídica pode ser formulado pela parte ou pelo Ministério Público, quando
couber a este intervir. E, por parte, entende-se tanto o exequente, cujo crédito
está sendo inadimplido, quanto a própria pessoa jurídica cuja desconsideração
seja pretendida, “que pode ter o interesse de invocar o abuso de sua personali-
dade praticado por um representante seu para que o mesmo passe a responder
também pela obrigação” (Redondo, 2012, p. 22).
Por fim, deve-se atentar para a incompatibilidade entre a Portaria PGFN
nº 180/2010, que dispõe sobre a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Na-
cional no tocante à responsabilização de codevedor, e o procedimento previsto
no Novo Código de Processo Civil, o que certamente deverá despertar atenção
redobrada dos advogados até que nova Portaria seja editada. Isso porque, após a
inscrição em dívida ativa, tendo sido ou não ajuizada a execução fiscal, caberá
ao Procurador requerer o incidente de desconsideração da personalidade jurídi-
ca, apresentando em juízo as provas que entenda cabíveis para fundamentação
do seu pedido. Vale dizer, não poderá haver o procedimento administrativo de
revisão da CDA para inclusão do nome dos sócios, gerentes ou coordenadores,
porquanto é direito daquele contra quem se requer a desconsideração promover
sua defesa, tal como previsto pelo Novo Código de Processo Civil. Portanto, ten-
do em vista a hierarquia entre as normas e a superveniência do Código de Proces-
so Civil de 2015, são inaplicáveis os arts. 4º e 5º da Portaria PGFN nº 180/2010
no novo contexto do direito processual brasileiro.

CONCLUSÕES
1. Pelo princípio da autonomia patrimonial, o patrimônio das pessoas ju-
rídicas é considerado distinto dos bens dos sócios e deve responder pelas obriga-
ções contraídas pela empresa.
2. Em razão da separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos
sócios, começaram a surgir casos de abuso da figura da empresa pelos seus só-
cios, que estariam “blindados”. Nesse contexto, visando a proteger os credores da
empresa, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
3. A desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer conforme os
requisitos previstos na teoria maior ou na teoria menor. Para esta, basta o inadim-
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plemento da obrigação e estará autorizada a busca por bens dos sócios, tal como
ocorre em casos envolvendo direito do consumidor e questões ambientais. Para
as demais áreas do Direito – inclusive o direito tributário –, aplica-se a teoria
maior, sendo necessária a prova da dissolução irregular da empresa ou fraude à
lei, ao contrato ou ao estatuto social da empresa.
4. A desconsideração da personalidade jurídica com o redirecionamento
da execução fiscal ao sócio, gerente ou ao diretor é aplicável no direito tributário
sempre que estes agirem com abuso ou praticarem atos que levem à confusão
patrimonial, tal como nas situações previstas nos arts. 134, VII, e 135, do Código
Tributário Nacional.
5. Não há necessidade de lei complementar prevendo a desconstituição
da personalidade jurídica no âmbito do direito tributário, porquanto tal espécie
normativa é necessária somente para os atos que dizem respeito à constituição
do crédito tributário. No caso da desconsideração da personalidade jurídica, o
crédito já deve estar devidamente constituído, tendo em vista que tal instituto se
opera em sede de execução fiscal.
6. O Novo Código de Processo Civil inovou prevendo um incidente es-
pecífico para a desconsideração da personalidade jurídica, assim valorizando os
princípios da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa, em detri-
mento da celeridade processual.
7. A mitigação entre tais princípios é plenamente aceitável, pois prestigia
princípio de maior alcance (segurança jurídica), combinado com os direitos fun-
damentais ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.
8. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é aplicável
às execuções fiscais, eis que a Lei de Execuções Fiscais, em seu art. 1º, prevê a
utilização das normas gerais processuais em caráter subsidiário. Não havendo
previsão específica da LEF a respeito da desconsideração da personalidade jurídi-
ca, devem ser aplicados os preceitos previstos no Novo Código de Processo Civil.
9. O procedimento do incidente de desconsideração da personalidade ju-
rídica encontra-se previsto nos arts. 133 a 137 do Novo Código de Processo Civil.
Inicia-se com o requerimento para desconsideração da personalidade jurídica,
que poderá ser formulado por qualquer parte ou pelo Ministério Público, na peti-
ção inicial ou de forma incidental. O pedido deverá ser instruído com um mínimo
de provas a respeito da responsabilidade do sócio, gerente ou diretor da empresa.
Admitido o processamento do pedido, o juiz citará a pessoa contra quem se pre-
tende a desconsideração, para que conteste o pedido. Sendo a desconsideração
da personalidade jurídica requerida de maneira incidental, suspende-se o trâmite
da execução fiscal até que se decida sobre o incidente.
10. A Portaria PGFN nº 180/2010, que atualmente regula a atuação da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional quanto ao redirecionamento das execu-
ções fiscais, não é compatível com o Novo Código de Processo Civil, pois regula
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de maneira diversa da lei o procedimento de inclusão do nome do sócio, gerente
ou diretor na CDA.

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