Vous êtes sur la page 1sur 6
REGISTRO ~ 1904 ILUSOES CINEMATOGRAFICAS 17 de agosto Paris, 12 de julho. Um jornalista, da Presse, lendo nos jornais um antincio em que se oferecia bom salério as pessoas que se quisessem prestar a servir de comparsas para a fabricagao de painéis cinematograficos, — teve a curiosidade de saber que nova indiistria era essa e, disfarcando-se, foi oferecer os seus servigos ao empreiteiro, Esse curioso reporter nao se arrependeu de sua bela resolugao, porque fez uma descoberta interessantissima, — logo divulgada em artigo “Sensacional” Pelas revelagdes desse artigo, ficamos sabendo que o cinematégrafo, — essa maquina que se dizia destinada a apanhar em flagrante ea reproduzir fielmente a. Vida em.toda.a.suanudez.e.verdade, —néo passa de uma nova fibrica de pulhas, carapetdes emaranhas. Todas as vistas cinematograficas, que representam episédios da guerra rus- so-japonesa, sao fabricadas aqui, em Paris, num recanto da Vilette, de onde saem prontas para correr mundo ¢ embasbacar as gentes... O gelo das estepes é algo- dao em rama; os rochedos sio de papeldo; as espadas so de folha de Flandres; as carabinas sio de pau; os canhdes sao de zinco; e os generais, os capitaes, os soldados sao miseros vagabundos dos boulevards exteriores, ganhando dois francos por sesso de pose, ¢ habilmente pintados e vestidos de modo a poder passar por stiditos do Czar e do Mikado. O reporter da Presse, que conseguiu penetrar nessa fibrica de maravilhas, representou 0 papel de Mitschenko; o general russo Kouropatkine, barbadao e corpulento, era um carroceiro; € o general japonés Kuroki, imberbe e franzino, era um esperto garoto de Paris, de dezessete anos de idade. E.assim.se.empulha-a-humanidade! Aquelas vistas, quando ficam pron- tas, v4o por este vasto mundo causar a. admiracdo e o espanto dos homens. Diante daquela trémula ¢ brilhante sucesso de quadros horripilantes, re- presentando cargas de cavalaria, defesas de redutos, assaltos de trincheiras, escaladas de montanhas, choques de batalhées, morticinios e pavores, — as almas sensiveis se arrepiam e enternecem; e ninguém suspeita que tudo é uma farsa € que tais soldados estio praticando hero{smos... a dois francos por dia e por cabega! 281 OLAVO BILAC Que é que ainda ha deverdadeiro no mundo?,O vinho é infusdo de pau campeche; 0 pao ¢ cal cozida; as pérolas séo contas de vidro; as rosas das faces das mulheres sao pinceladas de carmim; os seus dentes séo de porcelana; os seus quadris sao de algodao; a tartaruga é celluloid; 0 ouro € plaqués a fotografia é uma pilhéria;.¢ 0 cinematégrafo é uma blaguel Creio que sé ha uma coisa real e verdadeira atualmente: é a imbecilidade humana, que aceita tudo quanto lhe dao, e acredita em tudo quanto lhe dizem... MENDICIDADE PARISIENSE 19 de agosto Paris, 15 de julho. Nem tudo é deslumbramento, opuléncia e alegria, em Paris, na festa de 14.de julho. Nesse dia, a policia permite que os saltimbancos e os mendigos tomem conta das ruas: e, ao lado das ornamentagées ¢ das iluminacées deslumbrantes com que o comércio concorre para a magnificéncia da comemoragao, — a grande cidade ostenta as suas mazelas, as suas chagas hediondas de miséria fisica e de fealdade moral. Durante toda a tarde ¢ toda a noite, diante dos cafés ao ar livre, nos boule- vards, estacionam os acrobatas de feira, os engolidores de espadas, os contorcio- nistas, os escamoteadores, os domesticadores de ratos, os cantores de couplets obscenos, os que tocam trombeta pelo nariz, e os que metem dentro da boca, para asco e horror dos espectadores, cabecas de cobras vivas. Mas esse espeticulo ainda seria tolerdvel. © que ¢ intoleravel é 0 espetdculo da mendicidade vadia e das enfermidades asquerosas. Cada esquina de boulevard fica transformada num trecho de hospital, — ou numa reprodugio da velha Cour des Miracles, de horrenda memoria. Cegos, coxos, manetas, pied-bots, culs-de-jatte, chagados, paraliticos, todos os estropia- dos, todos os aleijados saem nesse dia a implorar a caridade ptiblica. As quatro horas da tarde, no canto da rua Daunou, entre a Opéra e a Madeleine, em pleno coracao da Paris elegante, encontrei um carro de mao, em que havia quatro miseras crian¢as seminuas, sérdidas, lazarentas; um velho maltrapilho empur- rava © carro, — ¢, ao lado, uma pobre mulher andrajosa e esquelética, devorada 282 REGISTRO ~ 1908 as festas dos arraiais suburbanos, e continuam a infamar com a sua fealdade de ouropéis baratos as mais civilizadas festas oficiais. Ninguém dird que exagero. La estd a praca Quinze de Novembro aberta & vista de todos; ¢ todos poderao sentir nos olhos 0 choque brutal do contraste que ha entre a decoracao da estdtua, — tao simples e tao bela, apenas constituida pelo agrupamento artistico de folhagens e flores naturais, — ea presenca daque- las bandeirinhas de pano ralo ¢ daqueles dois coretos levantados em frente ao Instituto Histérico, palanques aleijados, que sob o seu revestimento de belbuti- na despelada e cetineta ruga, fazem lembrar mendigos andrajosos, pedindo es- mola em festa de gente rica, A ignominia desses dois feios estrados ainda mais avulta, quando a gente os compara aos outros dois, erguidos na outra extremi- dade da praca... Nao quero supor que se tenha recorrido ali ao paninho e ao metim por medida de economia. Festa ¢ luxo, € néo se compreende luxo com pareiménia avara. Pobre nao dé bailes. Ninguém é obrigado a fazer festas: mas aquele que as faz tem a obrigacdo de fazé-las A larga e com brilho. Nao houve ali economia: houve apenas um respeito condendvel as tradi- Ges, bem pouco yeneraveis do Rio colonial. Com folhagens e tlores é possivel conseguir efeitos variadissimos e maravi- Ihosos de decoragao. E para a glorificagao de Osério bastava que Ihe ornamen- tassem a estatua, como ela o foi, com sanefas perfumadas ¢ ridentes festoes de camélias, angelinas e lirios, — deixando-a assim dentro da moldura natural do jardim, entre os copados oitis. A belbutina velha, o metim surrado, o paninho sovado, a cetineta esfiapada desonram aquela glorificacao. Os heréis, como Osério, querem flores, — que foram criadas para o servico da gléria e da beleza; nao querem mantos de algodao nem auréolas de pechisbeque, — que foram inventadas para o uso dos carnayalescos. FONOCINEMATOGAZETA 15 de maio Decididamente, esto contados os nossos dias, 6 cronistas, escritores de ar- tigos de fundo, noticiaristas, ¢ mais operdrios do jornal escrito! Ja se anuncia, 474

Vous aimerez peut-être aussi