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Analfabetismo e histeria: por que o brasileiro


não consegue dialogar?

Analfabetismo e histeria: por que o brasileiro não consegue


dialogar? Rosenstock-Huessy explica.
Por Laio Brandão.

MÁ EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA, A COMBINAÇÃO PARA O CAOS

Quem quer que tenha tentado iniciar uma discussão civilizada nos últimos tempos,
presenciou um dos fenômenos brasileiros modernos mais facilmente identi cáveis,
desde a crescente interferência da internet na personalidade individual: o fato de que
cada vez mais pessoas, até então normais e equilibradas em suas posições, têm se
tornado verdadeiros clichês, como que pré-moldados ejetados na velocidade terrível da
produção em série. Notou que basta dar-lhes um tema, um assunto, um fato recente ou
um problema milenar, e logo terá uma pronta-resposta bem ao gosto de quem foi
instruído pelo manual do usuário. O que se agrava devido à bolha virtual, que lhes
inspira uma tomada de posição somente para diferenciar-se daqueles de quem supõem
ser adversários — e não raro lhes traz uma sensação de autoridade moral e de
resistência heróica ao mal que inventaram dentro de suas cabeças, quando na verdade
só estão pensando em bando.
No Brasil, o sujeito tem que se expressar preocupando-se já não com a precisão daquilo
que diz, mas com a mensagem subliminar que o interlocutor histérico possa atribuir ao
conteúdo.

Dada a impossibilidade de comunicação plena, o mensageiro tem duas alternativas; na


primeira, antevê e pressupõe todas as objeções e equívocos que o interlocutor possa
cometer, eivando a mensagem de subordinações, ponderações e atenuantes, sem
qualquer garantia de sucesso, para alcançar a expressão sem ruídos; na segunda, vai
direto ao ponto, con ando na capacidade intuitiva de seu interlocutor, e acrescenta
somente mediante a necessidade esclarecimentos, explicações secundárias e até
mesmo tréplicas desnecessárias, provenientes da confusão pura e simples causada pela
incompreensão.

Com efeito, em ambos os casos evidencia-se o predomínio do signo sobre o signi cante,
da forma sobre a substância, do vocabulário sobre a realidade. Seja pela imposição
sufocante da redação analítica no primeiro caso, seja pela verborragia subsequente do
segundo, que transforma o diálogo num bate-boca metalinguístico e auto-referente, em
que as mensagens viram respostas para explicar as mensagens anteriores e assim
sucessivamente, jogando para a várzea o objeto real e concreto a que se referiu o
conteúdo da mensagem original. Quem não percebe esse fenômeno recorrente,
desconhece sua capacidade de causar sofrimentos impensáveis.

LOUCURA E MÉTODO: BREVE GENEALOGIA DO DESASTRE

A história da loso a está repleta de iniciativas que podem ter levado a esse estado de
coisas que com o avanço da tecnologia chegou ao estágio do sublime. Da
impossibilidade kantiana de conhecer a “coisa em si” devido à incapacidade humana
para apreensão intuitiva da realidade ao projeto lógico-analítico de Wittgenstein; da
descrença na existência da realidade, levada às últimas consequências pelo movimento
cético, ao dualismo racionalista de René Descartes, que dividiu a realidade entre sujeito
e objeto de uma vez para sempre; foram muitos os que, de alguma maneira,
contribuíram para a desconstrução do princípio da identidade, relegando à lógica
formal, analítica e matemática a totalidade das bases cientí cas e da atividade e
expressão losó cas. Sob essa perspectiva, tratados inteiros poderiam ser produzidos
com coesão interna cirúrgica, embora mais descolados da realidade do que as margens
de um rio que seguem eternamente paralelas.

No entanto, foi com o lósofo austríaco radicado nos EUA, Rosenstock-Huessy, que a
autoridade dos signos alcançou novo patamar. Em “A Origem da Linguagem”,
Rosenstock investigou a fundo o desenvolvimento da ordem da comunidade mediante o
desenvolvimento da ordem do discurso, desde povos ancestrais orientados pelo
discurso mito-poético e religioso, e por uma cosmovisão metafísica, à consolidação de
sociedades modernas e democráticas, de economia de mercado e organização
institucional racional. Diferentemente de seus contemporâneos mais conhecidos, como
institucional racional. Diferentemente de seus contemporâneos mais conhecidos, como
Charles Pierce e Ferdinand de Saussure, e de seus sucessores ilustres porém menos
talentosos, como Foucault, Derrida e Bourdieu, Rosenstock vai aceitar a autonomia da
linguagem sem negar-lhe a dimensão sociológica, psicológica e, principalmente,
metafísica e religiosa. Fundindo assim o estudo da linguística como objeto isolado com a
aceitação de diferentes referências teóricas para o empreendimento, e aceitando a
princípio da identidade como condição fundamental para sua realização. O que no
primeiro grupo foi negado pela primazia da lógica analítica, estruturalista, quase
matemática; e no segundo, pelo relativismo completo que, amparado pelo primeiro,
enveredou pelo aspecto sociológico, privilegiando as relações de poder, a disputa de
narrativas, o controle do imaginário e a redução de tudo à ação retórica; o império da
“construção social” no sentido pleno do termo, onde o “consenso democrático” é
resultado da conquista de corações e mentes pela ato discursivo. O que pode ser
conferido no aliás brilhante “Foucault e o Niilismo de Cátedra”, de José Guilherme
Merquior, e em “Deconstructing Pierre Bourdieu”, de Jeannine Verdes-Leroux. A
desconstrução da lógica, do racionalismo clássico, do crescente cienti cismo positivista
e empirista não era mera teoria sociolinguística, mas uma declaração de intenções.

A verdade, a identidade e a realidade já não existem, mas podem vir a ser alguma coisa
por meio da construção e divulgação de um discurso que conquiste a todos e faça-os
enxergá-las daquela maneira. E assim, ninguém negará que escravidão é liberdade, que
homens são biologicamente mulheres, que ditaduras são democracias, que vítimas são
algozes, se todos pensarem que são. Içada agora não somente a objeto autônomo, mas
também a um meio de ação independente, o discurso torna-se determinante, e não
variável; subjuga e exerce sobre a realidade sua força criadora, moldando-a conforme
os caprichos das elites falantes, embevecidas por sua presunção de poder recriar o
universo. É a histeria adquirida, a esquizofrenia voluntária, o retorno aos antigos céticos
que, na ânsia de duvidar, caminhavam em direção a rios e penhascos com a intenção de
demonstrar que estes não estavam lá. Ora, essa soma de fatores só poderia levar a
consequências inevitáveis: o indivíduo perde completamente a noção da realidade e
passa a se comportar na virtualidade das palavras sem sentido, levando uma vida
errante de incompreensão inconsciente; aculturado e instruído numa mentalidade
as xiante e incapacitante, ele só pode agir de acordo com o lhe dão para dizer.
Esvaziada a linguagem de sentido e negado o seu amparo numa realidade objetiva, não
há referencial possível para balizar os significados plausíveis dos discursos, das palavras;
e se esses podem signi car qualquer coisa, é porque já não signi cam nada. O desgaste
da palavra “fascista”, no Brasil contemporâneo, e sua redução de conceito político bem
delimitado a mero xingamento e agressão verbal é o exemplo perfeito dessa condição.

Consagrados como referências obrigatórias em todas as universidades e instituições de


ensino, os autores do que viria a se chamar de estruturalismo e desconstrucionismo
alastraram-se pelas instâncias do debate e da formação cultural com a validade de um
senso comum quase óbvio e autoprobante; escolas, faculdades, jornais, secretarias,
institutos, editoras, todos agora empenhados na ensinança da população. Que o avanço
institutos, editoras, todos agora empenhados na ensinança da população. Que o avanço
e a consolidação desse movimento seja con uente ao aumento da criminalidade, dos
divórcios, dos homicídios, da depressão e do analfabetismo funcional puro e simples,
não é mera coincidência. Não há outro destino possível para quem caminha em direção
ao penhasco e espera que este o segure nos braços.

Um movimento sinuoso e centenário, di cilmente assimilável até mesmo pelas novas


gerações que o propagam e o impulsionam, as quais, sem o compromisso e muito
menos a obrigação de rastrear a genealogia de suas idéias, dão sempre por óbvio que
toda a história começa sempre senão a partir do momento em que elas mesmas
entram no jogo. Quando as consequências de idéias ruins começam a estourar em
exemplos cotidianos aparentemente desconexos e incontáveis, a distância histórica de
suas causas as torna ainda mais incompreensíveis e elas são lembradas apenas como
conteúdo abstrato sem nenhuma penetração na ordem da realidade, e dadas como
peças museológicas há muito superadas na ordem da história das idéias e na opinião
pública. Ou não são cogitadas de maneira alguma nem como hipótese.

Sob esse aspecto, uma má educação, baseada em falsos pressupostos, com premissas
equivocadas, atua como um vírus, alastra-se com a naturalidade de uma epidemia e
realiza catástrofes homéricas. Recebida e assimilada voluntariamente por aqueles que
con aram suas inteligências a um falso instrutor, a má educação leva à as xia, à
paralisia e à atro a da consciência. Um estrago que espontaneamente não ocorreria
com tamanha desenvoltura, mas que sob a autoridade institucional conquista livre
acesso para dinamitar a capacidade intelectual de qualquer um. O ignorante é agora
ignorante e meio louco, um pouco desequilibrado e cheio de convicções sem nenhum
suporte na realidade. É a loucura adquirida sob o verniz bibliográ co. O delírio com
método.

Os registros e análises das consequências culturais e sociais desse processo são


incontáveis e consultá-los é trabalho su ciente para toda uma vida; todavia, podem ser
citados “Visions of Order” e “Idéias Têm Consequências”, de Richard M. Weaver,
“Experimentos Contra a Realidade” e “Radicais nas Universidades”, de Roger Kimball, “O
Imbecil Coletivo” I e II, do professor Olavo de Carvalho e, last but not least, os clássicos,
“A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia”, de Christopher Lasch e “Os
Intelectuais e a Sociedade”, de Thomas Sowell. Na pedagogia, pode-se recomendar
especialmente a leitura de “Repensar a Educação”, de Inger Enkvist, que, com toda a
condescendência que só uma progressista sueca e professora de espanhol poderia ter,
aponta todos os equívocos e falácias que compuseram o grande edifício, projetado para
ruir abaixo, da educação moderna.

Soterrado pela avalanche do palavrório das classes falantes, a imensa obra de


Rosenstock permaneceu aquém do seu lugar de direito, não encontrando no Brasil
espaço para a publicação de seus livros mais populares, como “Speech and Reality”, sua
autobiogra a intelectual “I’m an Impure Thinker”, e sua autobiogra a propriamente dita,
o calhamaço “Out of Revolution: Autobiography of a Western Man”.

É somente no ano 2000, na série “Biblioteca de Filoso a” dirigida por Olavo de Carvalho,
que Rosenstock ganha as prateleiras e estantes brasileiras pela Editora Record.

Quando o editor alemão Lambert Schneider concordou em publicar em dois volumes


seus principais escritos sobre a fala e a linguagem (1900 páginas), Rosenstock-Huessy
traduziu e revisou drasticamente seu manuscrito inglês inédito para inclusão na edição
alemã, onde aparece não com o título inglês original, “Origin of Speech”, mas como “Im
Prägstock eines Menschenschlags oder der tägliche Ursprung der Sprache”. Embora o
título alemão fosse mais apropriado aos propósitos de Rosenstock, considerando-se o
conteúdo da obra, sua tradução para o inglês foi muito difícil. Uma tradução literal
possível teria sido: “Sobre o molde da cunhagem de tipos de homens ou a origem
cotidiana da linguagem”.

SE QUER PAZ, PREPARE-SE PARA A GUERRA

É bastante simbólico que a maior parte das seções de “A Origem da Linguagem” tenha
tido como pano de fundo os anos da Segunda Guerra Mundial, de 1941 a 1945. A
guerra, como metáfora e como objeto, está presente do início ao m das exposições do
livro. Ela é causa e consequência da linguagem, num eterno retorno que jamais se
consolida de nitivamente. O con ito escalar de indivíduos, tribos, famílias e civilizações
inteiras é a dinâmica que confere sentido à linguagem. A guerra não é a falta de diálogo,
pois a indiferença também representa uma ausência de contato; com efeito, ela
representa o diálogo por outros meios quando o con ito de visões chega a um estado
insanável, é o contato pela ação direta quando os meios diplomáticos se esgotaram.
Para que se chegue a tal estado de coisas, é necessário que o fato de as pessoas não
falarem umas com as outras tenha alcançado um ponto crítico e gerado uma explosão
de violência. Quando as pessoas não conseguem conversar entre si, o estado de guerra
ainda está latente, e seu m se dá quando o diálogo retorna à mesa de negociações. O
tratado de paz é a calmaria depois da tempestade. “Como todo nascimento, a paz tinha
de vir à luz pelo trabalho de parto chamado ‘guerra’”.

A nova ordem, portanto, irá cristalizar todo um novo universo de signi cações,
apaziguando os ânimos sob a força paci cadora do vencedor. O propósito é
restabelecer a estabilidade das relações entre grupos adversários. Ainda que sem a paz
plenamente instituída, num “estágio inicial da relação em que eles nada têm a dizer um
ao outro, razão pela qual não há valores comuns por expressar”. Ambos os lados estão
devastados ao ponto de que a linguagem quase desaparece, não há vencedores senão
no aspecto do poder, pois todos já perderam muito. “Ou um tratado ou pacto de paz
estabelece uma lei comum, nascendo então nova unidade falante que compreende os
dois exércitos”, ou a barbárie segue indefinidamente.

Partindo do seio familiar e das comunidades tribais orientadas pela religião, o lósofo
identifica três objetivos alcançados pela linguagem elevada (nominal e explícita):

“1 – A paz entre os rivais sexuais e a punição de quem ofendesse a castidade. O


lar adquire uma paz sagrada.
2 – A paz entre os grupos etários, entre as gerações de homens. Os que ofendem
o espírito da tradição e do respeito são proscritos, tornam-se ‘lobos’. Tinham de
deixar a tribo, fundar uma nova e criar nova linguagem.
3 – A paz entre o mundo dos cinco sentidos e uma ordem política hipersensual de
espaços e tempos demasiado fora do alcance de qualquer ‘indivíduo’”.

A realidade, então, de fato aceita a soberania da linguagem nas relações humanas.


Diferentemente de seus sucessores pós-modernos, no entanto, Rosenstock-Huessy
preserva o princípio da identidade, ainda que com sutil relativização, para balizar o
sentido das palavras. Há uma simbiose entre signi cados e o desenvolvimento orgânico
da tribo; uma relação cujos resultados vão cando mais evidentes quanto mais se
consolidam os signi cados. Dessa forma, a linguagem é poder e controle, mas por isso
mesmo é boa. Controlar, então, é libertar e incluir. É superar a barbárie, portanto. Os
ritos das tribos instituem as famílias, que formam seus membros e constroem para eles
uma rede de signi cados diluída ao mínimo denominador comum. O senso comum
básico para orientação geral de seus membros. E assim “esse senso comum aceita a
emergência sobrenatural de uma família que deixou de lado o ciúme, a rebelião, a
tirania e o assassínio.”

Tudo o que um dia tornou-se uma convenção implícita, um pressuposto básico, teve de
passar um dia, de forma explícita, à existência. Teve de ser afirmado em alto e bom som.
Quando esse processo não ocorre, a linguagem não faz sentido algum, e toda questão
pública passar a ter dois, três lados, seja de interpretação, seja de julgamento. E não
raro todos eles podem estar certos ou errados ao mesmo tempo, considerando-se os
princípios adotados pelos interlocutores. É uma condição natural de um país sem um
senso comum, um “common ground”, um “topus” que reúna a todos em torno de um
propósito, de um ponto de partida ou centro a partir do qual seus cidadãos possam se
orientar e no qual o discurso público possa se basear. Quem não tem sensibilidade para
perceber isso, e desconhece essa condição imprescindível para vida civilizada, é parte do
problema. Segundo o autor,

“Na guerra, ambos os lados gritam desde as trincheiras palavras de propaganda, mas
em seu próprio interior são perfeitamente articulados. O problema na guerra,
portanto, é que a linguagem não deve ser verdadeira senão no interior de um espaço
limitado. Em outras palavras, na guerra sobressai o caráter regionalista da verdade.
Eu não acredito no que o inimigo diz; e, sem me importar com o que ele diga, faço a
guerra contra ele. A vitória na guerra implica não ter escutado o inimigo! Podemos
de nir a guerra, em termos de linguagem, como uma situação em que não escutamos
o inimigo porque estamos demasiado sensíveis a qualquer rumor ou murmúrio dentro
de nosso próprio grupo”.
de nosso próprio grupo”.

Como a linguagem formal consolidada pelas tribos e religiões foi a mola mestra da
ordem civilizada da comunidade, seu esvaziamento de sentido e sua desconstrução
formal serão a razão mesma do caos e do con ito, e “isso lança o homem de volta ao
estado de animalidade, do qual a religião e a tribo, com sua linguagem formal, o
tiraram”. Sujeita a todo o tipo de subversão voluntária e involuntária, a linguagem então
depende do comprometimento de seus guardiões para a sua preservação. Devido ao
desgaste da linguagem, o mau uso do vocabulário e a subversão do signi cado das
palavras, três foram os fenômenos identificados por Rosenstock-Huessy:

— GUERRA: caracterizada pela hipersensibilidade a palavras vindas de dentro E


imunidade às palavras vindas de fora.
— REVOLUÇÃO: caracterizada pela hipersensibilidade aos gritos da juventude E
imunidade aos velhos lemas e leis de outrora.
— DEGENERAÇÃO: repetição mecânica de frases batidas E imunidade à vida nova
ainda inarticulada e instável.

Além da guerra, foram identi cados outros fenômenos decorrentes dos três anteriores:
a tirania e a contra-revolução. A contra-revolução se dá quando os velhos atacam os
jovens, o ontem assassina o amanhã. O jovem grupo revolucionário berra e esperneia,
porque é desarticulado, incapaz de se fazer entender. Já os contra-revolucionários são
tão articulados e estáveis que se enrijecem e se tornam hipócritas. A doença da reação é
a hipocrisia. A lei e a ordem tornam-se chavões na boca dos que desejam a manutenção
do status quo, justamente quando as circunstâncias possibilitam o despertar de uma
nova visão de mundo. A dinâmica é a mesma, o que varia é o contexto. No caso
brasileiro, uma elite encastelada de intelectuais de gabinete, professores ativistas e
pseudopedagogos auto-intitulam-se “defensores da educação”, grupos radicais de
ativismo partidário falam em “movimentos sociais” e “sociedade civil organizada”,
pedó los falam em “respeito”, defensores de ditaduras comunistas reivindicam a defesa
da “democracia”, reclamam seus privilégios, presidiários falam em “honestidade” e assim
por diante. O termo “tolerância” simplesmente se esvazia, e o mesmo acontece com
“amor”, “igualdade” etc. O discurso sem sentido nem consistência é a causa da tirania.
Uma ordem antiga degenera, abusando da futura vida onde quer que a falação oca
tome o lugar dos gritos inarticulados da nova geração. “O equilíbrio entre o hoje e o
amanhã consiste num jogo de ações e reações entre a nominalidade articulada e o
desconhecimento inarticulado”. Dessa forma, a tirania dos antigos “conduz à
degeneração. Já não nascem crianças, não se conjectura nenhum futuro, de nham as
pequenas comunidades. Já não surgem novos empreendimentos. Secam as fontes de
vida nova”.

A linguagem então não somente apaziguou os ânimos e mediou as relações entre os


contrários, mas realizou a ponte entre as gerações passadas, presentes e futuras.
Consciente da morte, o homem passa a trabalhar dia e noite para incluir na comunidade
Consciente da morte, o homem passa a trabalhar dia e noite para incluir na comunidade
do espírito seus descendentes; estes, por sua vez, por meio da absorção superior de sua
língua, podem acessar o passado e tornar-se conscientes dos fatores que determinaram
a sua existência. E na posse consciente de si, eles renovam o processo. É o lho que vê
no espelho o olhar de seu pai que sempre o olhou e protegeu. Escandida pelo
fenômeno da morte, a vida humana não se extingue individualmente, mas renova-se
nas “alturas de um novo nascimento”. É precisamente essa a condição que distingue o
homem dos outros animais: a consciência de si. Pois “o animal nasce, mas não pode
penetrar o tempo que antecede seu próprio nascimento. Uma densa cortina impede-lhe
o conhecimento dos antecedentes. Ninguém diz ao animal qual é sua origem. Mas nós,
as igrejas e tribos de tempos imemoriais, elevamos toda a humanidade acima da
dependência do mero nascimento”.

Ao transformar-se essa linha sucessória de antecedentes e sucessores numa


continuidade temporal eterna, a vida deixa de ser um mero nascimento que termina
com a morte, mas transforma-se num intervalo da eternidade, cuja plenitude e
emancipação só são alcançadas pelo ingresso na comunidade dos antecessores. E assim
chega-se à conclusão de que “a origem da fala humana é a fala da origem humana”;
uma relação que tem na linguagem sua causa e sua consequência, pois:

“A origem da linguagem permite superar a relação ‘natural’ entre nascimento e morte.


O ímpeto de nosso encadeamento de linguagem é o mesmo de todas as formas já
referidas, de todas as canções cantadas, de todas as leis promulgadas, de todas as
orações rezadas, de todos os livros escritos — todas apontam para a direção que faz
da morte a predecessora do nascimento”.

A NECESSIDADE DE CORRIGIR-SE E O DEVER DE EDUCAR-SE

Quem não rastreia a origem de suas idéias, de seus pontos de vista, de suas opiniões
buscando saber os valores e as premissas que as orientam, não desenvolve a noção de
quem é e por que pensa o que pensa. É assim que muitas pessoas matam e morrem,
enlouquecem e se deprimem; estão envolvidas numa rede de regras e perspectivas que
desconhecem e não dominam, jogando um jogo que só se vence abandonado a disputa.
A Europa e os Estados Unidos foram levados ao relativismo crítico após 100 anos de
positivismo e racionalismo com excesso de rigor e rigidez intelectual e cultural. Um
movimento de contrapeso ao cienti cismo moderno — que já era um rompimento com
o pensamento clássico. O Brasil, sem ter ele próprio uma retaguarda consolidada de
tradição intelectual, o absorveu para contestar o nada; desconstruir o castelo que não
erigiu.

Limitadas cada vez mais pelo verbalismo e pela virtualidade de um mundo de palavras
que jamais desce à realidade objetiva, as pessoas foram reduzidas pouco a pouco ora
ao logicismo abstrato, ora à subjetividade radical; a matrizes teóricas da educação
brasileira instituíram a alienação voluntária como critério de pensamento.
Em “The Culture We Deserve”, Jacques Barzun foi explícito ao a rmar que esse processo
levaria a uma insurgência por parte daqueles que, em meio ao caos e a crise, buscaram
preservar a memória e a cultura. Pela simples insatisfação de terem visto tudo ruir bem
diante dos olhos, a necessidade os faria agir em prol de sanear o ambiente cultural, do
restabelecimento das normas e dos critérios elevados de expressão cultural: “nenhum
esquema dura para sempre. Surgirá uma geração cuja ‘estima pelas coisas em geral’
recuperará sua importância, cuja consciência intelectual a impulsionará na direção
oposta, para captar o mundo através de mil antenas. Pois os portadores da cultura
continuam a nascer; o desejo de cultura é inato”. No Brasil, esse tempo chegou, sem
dúvidas.

A solução, tanto para Barzun quanto para Rosenstock-Huessy, é a mesma: o retorno ao


bom e velho estudo das humanidades em seu sentido originário, focado principalmente
no estudo fundamental da literatura como elemento de formação básica e superior. A
literatura, enquanto espaço virtual de possibilidades, de relatos históricos ou
simbolizações metafísicas, é uido estético que contribui para que diferentes indivíduos
compartilhem experiências e sensações por meio da contemplação de objetos para
além de sua condição material imediata. É um dos instrumentos que fazem a ponte
abstrata entre entes de diferentes condições palpáveis e particulares, colaborando para
a lubrificação da engrenagem social por meio do imaginário.

Objetos culturais como um todo não são analisáveis, domáveis e captáveis por
mentalidades matemáticas e abstratistas. Grandes obras de arte são excelentes por
serem sínteses da realidade possível, complexa e paradoxal como ela é, compactando
num todo elementos indivisíveis. Elas não são um discurso sobre alguma coisa, nem
uma charada para ser desvendada pela decodi cação de signos sem substância, mas
um exercício prolongado de re namento intelectual. É preciso, portanto, voltar a cultivá-
las como parte integrante da comunidade, aspectos vivos da realidade que, por inefável
que seja a linguagem em que é expressa, existe. Caso contrário, estarão todos
aprisionados no verso de Hamlet, em resposta a Polônio: “O que é que está lendo, meu
Príncipe?” — Palavras, palavras, palavras.

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Relativismo: gênese e implicações

PUBLICADO EM Filosofia da Linguagem Publicações

MARCADO Olavo de Carvalho Rosenstock-Huessy Wittgenstein

12 comentários em “Analfabetismo e histeria: por


que o brasileiro não consegue dialogar?”

Vagner diz:
19 de setembro de 2018 às 16:49

Rapaz, que texto necessário. O problema é que quase ninguém que


conheço entenderia o que está escrito. E eles precisam entender.

Emanuelle Oliveira diz:


2 de outubro de 2018 às 23:49

Excelente! Importantissimo!!

Marcello Arias Dias Danucalov diz:


14 de novembro de 2018 às 6:18

Que belíssimo texto!

Marcello Arias Dias Danucalov diz:


14 de novembro de 2018 às 6:19
Parabéns! Belíssimo texto!

eloi veit diz:


21 de novembro de 2018 às 16:34

Grande texto. Importantíssimo. Parabéns.

Ary Zendron diz:


21 de dezembro de 2018 às 15:47

“A guerra é a continuação da diplomacia por outros meios”. O texto é um


retrato vivo da brasilidade atual.

Elizabeth Santoloni diz:


20 de janeiro de 2019 às 9:07

Excelente!

alexandre de borja diz:


20 de janeiro de 2019 às 11:41

ótima síntese deste analfabetismo funcional vigente em nosso país.

Lina do Carmo diz:


21 de janeiro de 2019 às 1:41
21 de janeiro de 2019 às 1:41

O texto é como água fresca no recanto escuro. Um retrato da polaridade


insuportável do mundo contemporâneo. Realmente faz refletir numa
importante porta de reconciliação, se possível.

Simone Hembecker diz:


22 de janeiro de 2019 às 8:20

Excelente texto!

Bruno Gomes diz:


26 de janeiro de 2019 às 21:27

Esse texto é fantástico!

CARLA diz:
11 de fevereiro de 2019 às 0:07

Texto maravilhoso repleto de bibliografia mais do que necessário parabéns.

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