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Formação Continuada

de Professores:
Uma ênfase cultural

PAULO FREIRE

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

Profª Drª Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira


Prof. Cássio Ricardo Feres Riedo
Profª Drª Marta Garcia Fernandes
Profª Drª Joyce Wassem

UNICAMP | Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior - GEPES 1


Formação Continuada de Professores: uma ênfase cultural

Apresentação

Este é um texto de Apresentação do Programa “Formação Continuada de


Professores: uma Ênfase Cultural e dos MOOCs que o compõe. Nele
apresentamos a proposta e as atividades que serão necessárias para o seu bom
aproveitamento.
Este Programa é composto pelo estudo de autores clássicos da educação e
tem como intenção oportunizar, aos participantes, reflexão sobre grandes ideias
educacionais que perduram pela história da educação, relacionando-as com as
práticas pedagógicas do seu cotidiano escolar.

v Público Alvo

O Programa foi pensado para participantes interessados em estudar os


autores clássicos relacionados com a educação, notadamente, para professores
preocupados em aprofundar conhecimentos e conceitos teóricos que embasam a
prática docente. Pretende-se desta forma, favorecer reflexões sobre o fazer
pedagógico no cotidiano escolar.

v Objetivos do Programa

O Programa tem como objetivos:

§ Viabilizar um aprofundado conhecimento de autores clássicos da


educação e com isso, promover a formação geral de professores da
educação básica e de outros interessados;
§ Ampliar a compreensão conceitual das ideias de obras clássicas e
favorecer o posicionamento crítico dos participantes sobre estas;
Este Programa é oferecido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Superior (GEPES), da Faculdade de Educação, da Universidade
Estadual de Campinas (FE-UNICAMP).

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A Coordenação do Programa está sob responsabilidade de:
§ Profa. Dra. Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira
§ Profa. Dra. Joyce Wassem
§ Doutorando Cássio Ricardo Fares Riedo
§ Doutorando Fabrízio Marchese
§ Doutorando Gilberto Oliani
§ Doutoranda Marta Fernandes Garcia

O Programa é desenvolvido por meio da leitura e discussão de obras


clássicas de alguns dos principais autores da área da educação, trabalhadas em
cada MOOC.

v Informes Gerais

O Programa será desenvolvido na forma de MOOCs referentes a cada um


dos autores clássicos.

- O que é MOOC?

MOOC é a abreviação de Massive Open Online Course, que em português


é Curso Massivo Aberto Online. Tem como principal característica, possibilitar ao
participante um engajamento ativo de acordo com suas metas, conhecimentos
prévios e interesse, possibilitando a auto-organização e promovendo a autonomia.
A modalidade MOOC foi adotada neste Programa por possibilitar espaço de
interações entre os participantes e viabilizar o compartilhamento de conhecimentos.

- Quanto aos conteúdos

Cada autor será trabalhado em um MOOC por meio de 6 a 10 videoaulas,


tendo cada uma, aproximadamente, de 8 a 15 minutos.
O conteúdo será uma obra do autor em estudo, com a leitura prévia do livro,
dos textos organizados pelos coordenadores deste Programa e pelo
acompanhamento das videoaulas.

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Cada participante poderá estudar um ou mais autores apresentados no
Programa e receber o Certificado referente ao autor estudado.
Em cada MOOC serão desenvolvidas atividades de diferentes naturezas.
Cada uma delas tem a finalidade de conduzir o participante a compreender
conceitos e ideias principais do autor, bem como favorecer espaço de diálogo com
colegas por meio de Fóruns, promovendo reflexões sobre sua prática e a realidade
educacional em que atuam.
Para cada MOOC há uma estimativa de tempo de estudo de 2 a 4 horas para
o desenvolvimento das atividades por vídeoaula, embora esse tempo dependa de
cada participante.
Nos textos elaborados pela Coordenação do Programa estão trabalhadas:
§ as ênfases dos conceitos teóricos presentes nas obras;
§ as principais ideias concernentes às questões da educação;
§ o contexto social, cultural, político, educacional em que a obra foi escrita.

- Quanto a avaliação dos participantes

A avaliação será desenvolvida de forma processual por meio de diferentes


momentos em cada um dos MOOCs, uma vez que estes se referem aos
conteúdos específicos da obra em estudo.

O processo avaliativo considerará o efetivo envolvimento dos participantes


nas atividades programadas, as quais terão sempre como base, a leitura da obra,
dos textos organizados pelos coordenadores, o acompanhamento das videoaulas,
a participação em Fóruns de discussão e a produção de reflexão desenvolvidos por
meio de questões abertas e fechadas.
Os Fóruns serão espaços de discussão entre participantes visando trocas,
diálogos, apreensão de conteúdos e compartilhamento de experiências.
A produção de reflexão relativa às questões abertas será corrigida online
com a apresentação automática do progresso do aluno. Esta avaliação proporciona
um feedback ao participante sobre seu processo de compreensão da obra e
solicitará, quando necessário, a reelaboração da produção para uma reavaliação.
Todas as tarefas terão prazos para a sua execução, o que é também uma
caraterística do MOOC.

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Espera-se que cada participante saia mais rico do processo circular: -
Reflexão individual → reflexão coletiva → reestruturação da reflexão individual -
com mais conhecimentos e melhores condições de explorar novas práticas no
cotidiano educacional.
Terá direito ao certificado digital do MOOC, emitido pela Escola de Extensão
da Unicamp – Extecamp, o estudante que tiver aproveitamento de no mínimo 70%,
no processo avaliativo.

- O que é esperado dos participantes

Como em qualquer outro curso desenvolvido em EaD, a modalidade MOOC


exige:

§ Motivação para aprender;


§ Engajamento;
§ Determinação;
§ Autonomia;
§ Colaboração;
§ Disciplina;
§ Comprometimento com as atividades avaliativas.

Ressaltamos novamente, que o objetivo do Programa “Formação


Continuada de Professores: uma ênfase cultural” é favorecer um conhecimento
construído de forma ativa, por meio do engajamento individual e interação coletiva
entre os participantes com os mesmos interesses. Mais importante, o objetivo é
favorecer uma base para ancorar mudanças na sua prática educacional.

Desejamos à todos um ótimo curso.

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Formação Continuada de Professores: uma ênfase cultural

Por que ler os clássicos


Profa. Dra. Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira

É interessante responder ao questionamento “Por que ler os clássicos na Formação


Continuada de Professores “ especialmente, autores clássicos da área da educação.
Vamos comentar sobre a importância de conhecer alguns dos autores clássicos da
educação.

Embora pareça contraditório, a importância de ler os clássicos está naquilo que eles
têm para contribuir com a educação dos nossos dias.

A definição de um clássico, em qualquer área, é a de que o conhecimento resultante


da leitura é de grande valor para as ações que estamos empreendendo no momento, isto
é, as ideias contidas nele ultrapassam o tempo no qual foi escrito.

Gasparin (1997) afirma que um clássico ultrapassa seu tempo e representa fonte
inesgotável de conhecimentos. São leituras que se tornam conhecimentos permanentes e,
mesmo em uma releitura, o leitor descobre novo saberes. Para o autor, “retornando aos
clássicos, progredimos intelectualmente” (GASPARIN, 1997, p. 40).

Ítalo Calvino (1993, p. 10), no seu livro “Por que ler os clássicos” diz que “estes são
conhecimentos formativos que favorecem embasamento para as experiências e que
fornecem escalas de valores, paradigmas de beleza, coisas que continuam a valer
sempre”. A leitura dos clássicos é um importante instrumento para se pensar a educação
na sua complexidade, isto é, na relação que tem com os demais campos do saber, uma
vez que abordam a questão de forma ampla, dando aos educadores melhores condições
de entender as relações da educação com a sociedade, a cultura, as tradições e com as
diferentes áreas de conhecimentos que a compõem.

Ao analisar a importância do conhecimento adquirido por meio dos clássicos,


Nussbaum (1997, p. 67) os classifica como “uma das melhores bússolas” que os
estudantes podem obter na sua formação universitária.

Essa importância não está em supostas lições imortais ou morais, mas, porque a
profundidade e a diversidade das ideias adquiridas, possibilitam ao professor exercitar a

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reflexão com liberdade de conhecimentos diante das questões do cotidiano. Permitem
também, em cada nova situação, encontrar uma nova resposta.

Um estudo realizado pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, divulgado em


2013, mostra que obras clássicas estimulam mais o cérebro do que uma literatura mais
simples. Com a ajuda de scanners, o professor de literatura Philip Davis (2013) e outros
psicólogos da Universidade de Liverpool, monitoraram a atividade cerebral de 30
voluntários enquanto liam trechos de clássicos como William Shakespeare, T.S. Eliot,
William Wordsworth e outras referências literárias britânicas. Depois monitoraram a mesma
atividade de leitura de textos mais simples e verificaram que, durante a leitura dos
clássicos, o cérebro apresentava mais partes “iluminadas” do que a leitura de textos mais
simples.

Perceberam também que esse tipo de leitura produzia uma ação mais benéfica ao
leitor do que leituras de autoajuda. Isto sinaliza que a leitura dos clássicos auxilia o leitor a
refletir e reavaliar suas próprias experiências. Por esse motivo, Philip Davis, responsável
pela pesquisa, acredita que os clássicos seriam mais úteis do que livros de autoajuda.

Isto porque, os clássicos representam livros ricos em ideias, em reflexões, em


descobertas. Mesmo para os que leram um clássico, quando fazem uma releitura, sempre
encontram novas descobertas, pois, um clássico nunca termina de dizer tudo na primeira
vez que o lemos. Nesse sentido, Gasparin (1997, p. 40) diz que:

Clássico é um autor ou obra que não apenas lemos, mas que


relemos com a mesma curiosidade, com o mesmo interesse, como
se fosse a primeira vez. E a cada leitura descobrimos novos
encantos, novas ideias, novas percepções da realidade que o autor
nos mostra.
A obra clássica é uma fonte perene que nos ajuda a entender quem somos e o
porquê de onde estamos. São escritos por pensadores que captaram, de maneira especial,
as questões da humanidade e propiciam a sensibilidade, o estímulo para uma leitura mais
adequada das questões do nosso tempo e, no caso da educação, os autores clássicos dão
sustentação ao nosso trabalho docente, dotando de significados e conteúdos nosso
discurso e nossa prática educativa. A obra clássica tem o que dizer em todos os tempos e
sociedade. Ela foi posta à prova do tempo e continua a iluminar a compreensão dos temas
a que se dirige. Não a lemos com o objetivo de transpor as ideias mecanicamente para o
nosso tempo, mas nelas encontramos conhecimentos para trabalhar a singularidade de
cada momento histórico.

Cada época, cada cultura, cada área do saber, cada expressão da cultura possui
seus clássicos. Assim temos clássicos nas artes, na música, na filosofia, na matemática,

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nas ciências em geral, no cinema, etc. O que eles têm em comum e o que os faz ser
considerados clássicos é, segundo Gasparin (1997), a quebra de cânones tradicionais, a
busca de novos horizontes frente a determinadas situações sociais, a indicação de
transformação social a partir da crítica e da proposição de uma nova forma de agir, pensar,
refletir, entender, planejar, reconstruir.

No entanto, o clássico não profetiza, não é uma obra desvinculada do seu tempo,
de sua sociedade, de sua história. Por isso, ao estudar um clássico, ou ao ler uma obra
clássica, temos que conhecer a biografia do autor, o contexto social, cultural, econômico e
político em que viveu, pois é nesse cenário que a obra surgiu, que se estruturou e é no
cruzamento desse contexto com as ideias da obra, que se tem um melhor entendimento
das suas proposições. A partir desse referencial não podemos entender um clássico como
uma soma de acontecimentos, de dados ou de fatos lineares. Ele deve ser entendido como
um projeto aberto para novas construções que se faz em cada espaço social e tempo
histórico.

Segundo Calvino (1993), caberia à escola, favorecer ao estudante o contato com


autores clássicos para uma formação mais ampla e cultural do que a simples leitura de
textos rápidos, buscando conhecimento instrumental para respostas aos problemas da
sociedade. O que reina em toda parte é o instrumentalismo estreito, o discurso da
adaptação utilitária e momentânea, enquanto as questões fundamentais do próprio
conhecimento são ignoradas, particularmente em um mundo onde a ideia de cultura se
torna inconsistente.

Libâneo (2003) fala que a falta de educação geral é preenchida por uma semicultura
que é uma espécie de cultura feita de vivências que não ultrapassam os limites impostos
por uma falta de formação mais abrangente. De forma geral, os professores têm no nível
superior uma formação mais técnica e menos teórica, defendida por um discurso de que a
formação deve ser prioritariamente prática.

Para Libâneo (2003, p. 38), “Nossos problemas vêm de nossa formação social que
nos legou uma pobreza cultural, nos legou, na verdade, uma semicultura”. Chama a
atenção para o desafio que está presente na formação dos professores quanto a ser capaz
de compensar a precária formação cultural, científica e estética.

A formação de professores há muito se ressente da falta de experiência com a


leitura e interpretação do pensamento de grandes autores e obras que marcaram, e
marcam, a gênese de conceitos fundamentais para a educação, bem como do
desenvolvimento da capacidade de análise, ponderação e embasamento sólidos para
compreender a complexidade da educação.

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Favorecer uma experiência com o pensamento de alguns desses clássicos é o que
se pretende com estes cursos. Esperamos que o diálogo com eles favoreça um terreno
fértil de questionamento, de apreciação crítica, de posicionamentos sólidos, de
problematizações sobre a educação e sobre questões pertinentes a ela, como a respeito
do homem, do mundo, da sociedade, do conhecimento, da escola, do aluno, do currículo,
do conteúdo, entre outros. O aprendizado sistemático que a leitura e a interpretação das
obras clássicas pode favorecer aos professores, os levará a empreender novas e mais
qualificadas ações no cotidiano escolar.

Esperamos desta forma que as aulas apresentadas no decorrer dos cursos


contribuam expressivamente para a formação continuada de vocês participantes.

REFERÊNCIAS

CALVINO, Ítalo. Por que ler os Clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

DAVIS, P. Shakespeare and Wordsworth boost the brain, new research reveals. The
Telegraph, 13/01/2013. Acesso em 16/05/2017.

Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/science/science-


news/9797617/Shakespeare-and-Wordsworth-boost-the-brain-new-research-reveals.html.

GASPARIN, J. L. Comênio: a emergência da modernidade na educação. Petrópolis: Ed.


Vozes, 1997.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola Pública: a pedagogia crítico-social dos


conteúdos. 19ª. edição. Coleção Educar. Edições Loyola. São Paulo. 2003.
NUSSBAUM, Martha Craven. Cultivating Humanity: a classical defense of reform in
Liberal Education. Seventh Printing. Cambridge: Harvard University Press. 2003.

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Contexto Social e Biografia de Paulo R. N. Freire

Prof. Dr. Elisabete M. A. Pereira

Paulo Reglus Neves Freire é um dos maiores educadores brasileiros.


Nasceu em Recife em 19 de setembro de 1921. Ficou mundialmente conhecido
como um grande educador e filósofo brasileiro e integrou o movimento denominado
“Pedagogia Crítica”. Faleceu em São Paulo em 2 de maio de 1997, no Hospital
Albert Einstein, de ataque cardíaco.

Filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar e de


Edeltrudes Neves Freire morou na cidade do Recife até 1931, quando foi morar no
município vizinho de Jaboatão dos Guararapes, onde permaneceu durante dez
anos. Iniciou o curso ginasial no Colégio 14 de Julho, no centro do Recife. Com 13
anos perdeu seu pai e coube a sua mãe a responsabilidade de sustentar todos os
4 filhos. Sem condições de continuar pagando a escola, sua mãe pediu ajuda ao
diretor de Colégio Oswaldo Cruz, que lhe concedeu matrícula gratuita e o
transformou em auxiliar de disciplina, e posteriormente em professor de língua
portuguesa.

Em 1943 ingressou no curso de Direito na Universidade do Recife (hoje


Universidade Federal de Pernambuco-UFPE). Nunca exerceu essa profissão
preferindo trabalhar como professor no ensino médio, lecionando língua portuguesa
no Colégio Oswaldo Cruz, em Recife, onde havia feito os seus estudos
secundários. Ele também se dedicou aos estudos de filosofia da linguagem.

Em 1944 se casou com Elza Maria Costa de Oliveira, professora primária,


com quem teve cinco filhos. Com ela aprendeu a valorizar a alfabetização dos
trabalhadores, principalmente os trabalhadores rurais. Paulo Freire sempre afirmou
que ela foi sua grande inspiradora. Desenvolveu, a partir daí, suas ideias e
conceitos sobre a importância da alfabetização conscientizadora, isto é, de estudar
a condição de vida dos trabalhadores, com a finalidade de possibilitar libertação da
condição de oprimido. O casamento durou até 1986, quando ela faleceu.

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Depois de formado continuou como professor de português no Colégio
Oswaldo Cruz e de Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Pernambuco. Em 1947 foi nomeado diretor do setor de
Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria. Em 1955, junto com outros
educadores fundou, no Recife, o Instituto Capibaribe, uma escola inovadora que
atraiu muitos intelectuais da época, e que continua em atividades até hoje.

Em 1959 defendeu tese de doutorado na área de Filosofia e História da


Educação com o tema “Educação e Atualidade Brasileira”. Nela expôs ideias
pedagógicas sobre escola democrática, definida como a que centra o processo de
ensino-aprendizagem no educando e utiliza uma abordagem política no ato de
alfabetizar.

Em 1961 lecionou filosofia na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da


Universidade do Recife, da hoje UFPE e, nesse mesmo ano, se tornou Diretor do
Departamento de Extensões Culturais desta Universidade.

Em 1963 realizou a experiência de alfabetização de Adultos na cidade de


Angicos, no Rio Grande do Norte, alfabetizando 300 trabalhadores rurais em 45
dias. Esta experiência ficou muito conhecida e se tornou uma referência em
alfabetização.

No ano seguinte, a convite do Ministro da Educação Paulo de Tarso Santos,


criou as bases do Programa Nacional de Alfabetização do governo João Goulart
para a implantação de 20 mil “Círculos de Cultura”, termo usado por Freire para
definir o grupo de educandos, ao invés do tradicional termo “sala de aula”.

“Círculo de Cultura” foi uma ideia força de seu processo de alfabetização e


uma ideia que substitui a de turma de alunos. Visava promover, de forma
consciente, um processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita do
mundo. O Circulo de Cultura se realiza no interior do debate sobre questões
centrais do quotidiano do alfabetizando como: trabalho, cidadania, alimentação,
saúde, organização das pessoas, liberdade, felicidade, valores éticos, política,
opressão, economia, direitos sociais, religiosidade, cultura, entre outros.

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Em 1964, com o Golpe Militar, Paulo Freire e seu processo de alfabetização
foram considerados subversivos e, por isso, Paulo Freire foi preso no Recife, por
75 dias e exilado depois desse período. Como exilado, primeiramente Paulo Freire
esteve na Bolívia, posteriormente foi para o Chile, onde trabalhou por 5 anos,
consolidando sua experiência político-pedagógica. Nessa época também trabalhou
para a “Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação” e para
o Movimento de Reforma Agrária da Democracia Cristã do Chile, onde encontrou
espaço político, social e educacional ricos e desafiantes para a consolidação de
seu pensamento pedagógico.

Em 1967, mesmo no exílio, publica no Brasil seu primeiro livro “Educação


como Prática da Liberdade. Esse livro foi muito bem recebido em outros países,
fazendo parte do currículo de formação de professores no Chile, Argentina, México
e Estados Unidos.

Em 1968, completa a redação do livro “Pedagogia do Oprimido”, que foi


publicado primeiramente em inglês e espanhol em 1970, e só em 1974, quando o
General Geisel assumiu a presidência do país, o livro foi publicado no Brasil.

Em 1969, Paulo Freire foi convidado como Professor Visitante na


Universidade Harvard, onde lecionou por um ano ( este é o tempo de exercício de
um Professor Visitante na Universidade Harvard). Nesse ano, profere palestras e
seminários sobre o tema de sua especialidade - educação como ato político.

Em 1970 mudou-se para Genebra, na Suíça, trabalhando como consultor


educacional do Conselho Mundial de Igrejas. Em 1971, fundou com outros exilados
o Instituto de Ação Cultural (IDAC), em Genebra. Durante esse tempo atuou como
consultor para reforma educacional em colônias portuguesas na África,
particularmente na Guiné-Bissau e em Moçambique. Na África do Sul, as ideias e
métodos de Freire foram fundamentais para o Movimento da Consciência Negra
(Black Consciousness Movement). Nessa época sua teoria político-pedagógica
começa a ser reconhecida mundialmente e, em 1977, publicou a obra “Cartas à
Guiné-Bissau.

A volta para o Brasil se deu em 1980, depois de 16 anos de exílio, com o


início da abertura política no Brasil. Em sua volta integrou o Partido dos

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Trabalhadores (PT). De 1980 a 1986 atuou como supervisor do PT para o programa
de alfabetização de adultos e lecionou na PUC-SP e na Unicamp.

De 1989 a 1991 foi Secretário da Educação do município de São Paulo na


gestão da então petista Luiza Erundina. Nesse período organizou o Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos - MOVA, movimento de apoio a salas
comunitárias de Educação de Jovens e Adultos, até hoje existente em muitas
prefeituras e instâncias de governos.

Em 1991 foi fundado o Instituto Paulo Freire na cidade de São Paulo, o qual
realiza inúmeras atividades ligadas às suas ideias para a educação brasileira e
mundial e mantém o grande e fundamental acervo de suas obras. O Instituto tem
projetos em muitos países e também uma sede em Los Angeles, na Universidade
da Califórnia - UCLA-, na Escola de Educação e Estudos de Informação, onde
também são mantidos arquivos de Paulo Freire. Com sua intensa atuação em
vários países, o legado de Paulo Freire não pertence só ao Brasil, mas ao mundo.

Paulo Freire sempre se preocupou com a educação popular. Por meio dela
objetivava não só escolarizar, como formar a consciência política dos indivíduos.
Seus livros retratam sua filosofia e seu posicionamento em favor dos oprimidos.

O livro escolhido para trabalharmos as ideias de Paulo Freire neste MOOC


foi “Pedagogia do Oprimido”. Nele se conhece o processo de alfabetização utilizado
por ele para alfabetizar adultos que não tiveram escola na idade certa.

Sua pedagogia está baseada em método dialético desenvolvido por meio


de diálogo e em uma postura democrática, desconstruindo a tradicional relação
entre professor que ensina e aluno que aprende. Na relação professor-aluno desta
pedagogia, educador e educando se educam.

No livro é exposto seu posicionamento contrário à educação tradicional.


Paulo Freire via a educação tradicional como tecnicista e alienante e a denominou
“educação

bancária”, termo que ficou conhecido como característica de sua forte crítica
à educação tradicional.

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De acordo com suas ideias, a alfabetização de adultos deve estar
diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador. Desta forma, o trabalhador
deveria conhecer sua realidade para
poder inserir-se nela de forma crítica e ter
uma atuação voltada para a sua
transformação. Assim sua alfabetização
era uma alfabetização política. Buscava
libertar o educando de chavões alienantes
aproximando o conteúdo da alfabetização
à realidade do trabalhador.

Este processo de alfabetização ficou conhecido como “Método Paulo Freire”,


embora Paulo Freire sempre defendeu que não era um método, mas todo um
processo de conscientização social e política.

O processo de alfabetização tem como característica essencial o uso de


temas do cotidiano do educando. O livro “Pedagogia do Oprimido” está baseado na
experiência de alfabetização desenvolvida em Pernambuco.

Ao longo de sua vida Paulo Freire foi muito homenageado. Segundo o


Instituto Paulo Freire, ele recebeu 27 títulos de Doutor Honoris Causa, que é um
título concedido por universidades à pessoas eminentes e não necessariamente
portadoras de diploma universitário, mas que tenham se destacado em uma
determinada área. No caso de Paulo Freire, a área é a da educação. Foram títulos
dados por universidades brasileiras, europeias e americanas. Em 1986 recebeu da
UNESCO o Prêmio “Educação para a Paz” e em 13 de abril de 2012, foi declarado
Patrono da Educação Brasileira pela Lei Nº 12.612/2012.

Segundo dados do Google Acadêmico de 2016, uma pesquisa da London


School of Economics aponta que o livro Pedagogia do Oprimido é o terceiro livro
mais citado mundialmente na área das Ciências Sociais. Mostra ainda que a Open
Syllabus (uma plataforma de pesquisa em grande escala) analisou que entre os
100 livros mais citados, em mais de um milhão de programas de estudos de
universidades nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, A
Pedagogia do Oprimido está na 99ª posição. No campo da educação, ele é o
segundo mais citado.

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Depois do Falecimento da Primeira esposa em 1986, Paulo Freire casou-se,
em 1988, com Ana Maria Araújo (conhecida por Nita) pernambucana e sua
orientanda do programa de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.

Contexto Histórico

Paulo Freire viveu a infância em um período de crise provocada pela Grande


Depressão de 1929 que afetou o mundo todo e principalmente a América Latina e
o Brasil. Ao se referir a esse tempo, Paulo Freire diz que conheceu e viveu a
pobreza e suas consequências aos camponeses e ao povo mais desprovido de
recursos financeiros, explorados e oprimidos pelo sistema. Com a Grande
Depressão, o nordeste do Brasil sofreu muito e a família de Freire, quando ele tinha
10 anos, se mudou de Recife para a cidade de Jaboatão dos Guararapes, também
Pernambuco, em 1931. Nesta cidade seu pai faleceu, fazendo com que todos os
filhos tivessem que trabalhar para ajudar a mãe.

Logo depois, o mundo viveu a II Grande Guerra, de 1939 a 1945. O fim dessa
guerra alterou a configuração geográfica, política e social do mundo, culminando
na bipolarização ideológica representada pelas duas então potências mundiais: os
Estados Unidos e a União Soviética (hoje não mais existente, dissolvida em 1989).

Além da rivalização das duas potências mundiais, Cuba desenvolve a


Revolução Cubana e instaura o comunismo/socialismo a partir de 1959, um marco
de luta de classes e sua total eliminação. Paralelamente, no mundo oriental, tem
início a Revolução Cultural Chinesa a partir de 1966, também com a instauração
da ideologia política do comunismo/socialismo.

O Brasil no período da II Grande Guerra estava sob o regime da ditadura de


Getúlio Vargas. Esse período ficou conhecido como “Estado Novo”. Nele, iniciou-
se uma relação político-econômica com os Estados Unidos, a qual foi fortalecida
no período da segunda ditadura brasileira – a ditadura militar, iniciada em 1964 com
o Golpe Militar. Iniciou-se, a partir daí, um período de 21 anos de ditadura militar,
terminada em 1985. Nesse período foi instaurada a censura a todos os órgãos de
comunicação, a supressão de direitos constitucionais e da liberdade de imprensa.

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Os partidos políticos foram censurados e o políticos se tornaram “biônicos”, isto é,
não eleitos pelo povo, mas designados pelo grupo no poder e, por isso, não tinham
autonomia política. Houve perseguições a intelectuais, a pensadores e a políticos
identificados como esquerdistas. Muitos políticos, intelectuais e pensadores foram
exilados, como o foi Paulo Freire.

Na década de 1980, as questões econômicas passavam por um período de


estagnação com retração da produção industrial e baixo crescimento, no Brasil e
em vários países da América Latina.

Com o início da abertura política, outros pensadores, educadores e políticos


começam a retornar ao Brasil. Em seu retorno, Paulo Freire escreveu obras com
diversos autores com os quais comungava suas ideias políticas e pedagógicas
como Marilena Chauí, Rubem Alves, Carlos Rodrigues Brandão, Moacir Gadotti.

Algumas das Obras de Paulo Freire por ordem cronológica

1959: Educação e atualidade brasileira. Recife: Universidade Federal do


Recife, 139p. (tese de concurso público para a cadeira de História e Filosofia da
Educação de Belas Artes de Pernambuco).

1961. A Propósito de uma administração. Imprensa Universitária..

1963. Alfabetização e conscientização. Porto Alegre: Editora Emma.

1967. Educação Como Prática da Liberdade. Paz e Terra

1968 Paulo Freire; Raul Veloso e Luís Fiori. Educação e Conscientização:


extensionismo rural. CIDOC.

1978. Os Cristãos e a liberdade oprimida. Edições Base.

1979. Extensão e Comunicação. Paz e Terra.

1979: Consciência e história: a práxis educativa de Paulo Freire


(antologia).São Paulo: Loyola.

1979: Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 112 p.

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1979: Multinacionais e trabalhadores no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 226
p.

1980: Quatro cartas aos animadores e às animadoras culturais. República


de São Tomé e Príncipe: Ministério da Educação e Desportos, São Tomé.

1980: Conscientização: teoria e prática da libertação; uma introdução ao


pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 102 p.

1980. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. Paz e Terra

1981: Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da


educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

1982: Sobre educação (Diálogos), Vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra ( 3 ed.,
1984), 132 p. (Educação e comunicação, 9).

1984. Cartas a Guine-Bissau . Paz e Terra

1986. Paulo Freire; Adriano Nogueira e Débora Mazza. Fazer escola


conhecendo a vida. Papirus.

1986. Paulo Freire, Sérgio Guimarães e Moacir Gadotti, Pedagogia: diálogo


e conflito. Cortez Editora Autores Associados.

1989. Paulo Freire e Adriano Nogueira. Que fazer: teoria e prática em


educação popular. Vozes.

1990. Paulo Freire; Adriano Nogueira e Debora Mazza. Na escola que


fazemos:uma reflexão interdisciplinar em educação popular. Vozes Ltda.

1990. Paulo Freire e Donaldo Pereira Macedo. Alfabetização: leitura do


mundo, leitura da palavra. Paz e Terra.

1991. A Educação na cidade. Cortez Editora.

1993. Política e educação: ensaios. Cortez Editora.

1994 . Paulo Freire e Frei Betto, Essa escola chamada vida . Ed. Ática.

1995. Paulo Freire e Ana Maria Araújo Freire, À sombra desta mangueira,
Olho d'Água.

UNICAMP 17
1996. Paulo Freire e Ana Maria Araújo Freire. Cartas a Cristina: reflexões
sobre minha vida e minha práxis.

1997. Paulo Freire, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa.

1997. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do


oprimido. Paz e Terra.

1997. Paulo Freire e Ira Schor. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.


Paz e Terra

UNICAMP 18
Formação Continuada de
Professores:
Uma ênfase cultural

Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido

A Justificativa da Pedagogia do Oprimido


Marta Fernandes Garcia
Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira

Introdução

A obra “Pedagogia do Oprimido” é o livro de Paulo Freire mais conhecido e


mais lido. Nele, Paulo Freire propõe uma pedagogia como nova forma de
relacionamento entre professor, aluno e sociedade. Embora seja o livro mais
conhecido, estudado e debatido, não é a primeira obra de Paulo Freire. A primeira
obra foi “Educação como Prática da Liberdade”.
O livro Pedagogia do Oprimido expõe o processo de alfabetização criado por
Paulo Freire como uma forma de responder aos desafios propostos por sua
atividade no Movimento de Cultura Popular do Recife Dona Olegarinha ou Dona
Olegarina, que foi uma abolicionista muito influente e comprou muitas cartas de
alforria, libertando vários escravos. Nesse processo, Paulo Freire homenageia 2
mulheres: Dona Olegarina e sua esposa Elza Freire, que era professora do ensino
fundamental. Ele diz que as técnicas utilizadas para a alfabetização resultam da
intensa colaboração de sua esposa. Os participantes desse processo eram os
analfabetos: pessoas do povo, camponeses e proletários. Paulo Freire não os
denominava ‘alunos’, mas participantes. O título do livro se volta a eles com a
intenção de dizer que é uma pedagogia construída com eles, a partir da vida deles
e não uma pedagogia para eles e pensada por outros.

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Devemos lembrar que a primeira edição foi nos EUA, em inglês, em 1970,
no ano em que estava lecionando na Universidade Harvard. Posteriormente foram
feitas traduções para o espanhol, alemão, italiano, holandês e sueco no ano de
1974. A primeira edição brasileira foi feita só em 1975, pela editora Paz e Terra.
O original em português foi trazido da Suíça, pelo Professor Jean Ziegler,
amigo de Paulo Freire, que se ofereceu para trazer ao Brasil os originais em
português, utilizando-se de seu passaporte de diplomata, pois era deputado pelo
Cantão de Genebra, e, nessa condição, sua bagagem não seria revistada. Em 2016
foi lançada a 60ª edição do livro “A Pedagogia do Oprimido” em uma edição
comemorativa do alcance universal das ideias e das práticas de Paulo Freire. Em
2018, a escrita dos originais completou 50 anos e seu conteúdo continua atual,
suas edições continuam formando professores e influenciando leitores no mundo
todo, particularmente na América Latina. É isto que a faz uma obra clássica, pois é
atual em todas as épocas.
A Pedagogia do Oprimido é uma obra universal, pois ultrapassou as
fronteiras culturais locais, regionais e nacionais, contribuindo para o
questionamento e a problematização dos processos educativos das sociedades. O
trabalho apresentado no livro tem total coerência com as ideias teóricas defendidas
por Paulo Freire. Suas principais questões são:
• a possibilidade de emancipação dos homens;
• características da educação libertadora;
• papel do diálogo;
• construção da personalidade democrática.
Nesta obra Paulo Freire faz críticas, de forma rigorosa, à ordem social geradora
e mantenedora da opressão. Os temas discutidos nela são: opressão, opressores,
oprimidos, educação bancária, educação problematizadora, temas geradores, ação
antidialógica, ação dialógica, diálogo libertador, dialogicidade.
O livro está escrito em forma de ensaio com quatro partes:
• A Justificativa da Pedagogia do Oprimido.
• A concepção "bancária" da educação como instrumento da
opressão: seus pressupostos, sua crítica.
• A dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade.
• A teoria da ação antidialógica.

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Neste texto e vídeo estamos trabalhando a primeira parte:

A Justificativa da Pedagogia do Oprimido.

Em suas primeiras palavras, Paulo Freire apresenta a quem se dirige o seu


livro, “aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE, 1987,
p. 12).
É importante destacar o seu destinatário, pois para ele não é possível a
leitura da obra por sectários, por homens que buscam a dominação do outro e que
são constituídos por uma falsa generosidade, por um olhar fatalista da vida. Ao
contrário, a esperança de Freire é dirigida àqueles que desejam lutar com os
oprimidos, que se identificam com eles e que buscam a libertação de todos os
homens por meio do desvelamento da realidade.
A Pedagogia do Oprimido proposta por Paulo Freire surge então como um
caminho para a implementação de uma mudança radical não apenas no modo de
pensar e conduzir a educação, na relação professor e aluno, mas na vida dos
educandos. Não se trata de ensinar algo alienado, desconectado da realidade. Não
se trata de dissertar sobre um conteúdo, mas de problematizar temas que tenham
relação com a vida dos sujeitos, com seus problemas, angústias e necessidades.
Diz respeito à prática de uma pedagogia humanizadora, permeada por uma relação
dialógica constante entre os envolvidos, num desejo comum de “ser mais”1.
Nas palavras de Freire (1987, p. 17), a pedagogia do oprimido é aquela que:

Tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos,
na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que
faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de
que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação,
em que esta pedagogia se fará e refará.

Exatamente por ser uma pedagogia com o oprimido, não pode ser realizada
pelo opressor. É o próprio oprimido que terá que realizar o grande esforço de sua
libertação, percebendo e retirando de si o hospedeiro (opressor) que o oprime e

1 Não significa ser mais que o outro, mas se refere ao próprio sujeito que, consciente de ser
inacabado, inconcluso, se insere num movimento constante de busca do “ser mais”, de busca por
humanização. Ver: ASSIS, Jorge. Paulo Freire: Vocação do Ser Mais. Publicado em 6 de setembro
de 2015. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DO8O12ByrF8>. Acesso em:
11 jan. 2019.
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impede de enxergar com clareza a realidade e a situação de opressão instalada e
mantida. É Pedagogia do Oprimido porque é conscientização crítica dos oprimidos
para si mesmos e também para os opressores por meio dos oprimidos. É um
movimento de luta por libertação que parte do “ser menos” dos oprimidos e se dirige
ao “ser mais” de todos. “Os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de
oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da
opressão” (FREIRE, 1987, p. 24).
No entanto, há no processo de libertação dos oprimidos uma contradição a
ser superada: muitas vezes, no momento em que tomam consciência da exploração
e de sua condição no mundo, os oprimidos desejam se tornar novos opressores.
Para eles, o ideal de homem livre é ser opressor e isto ocorre porque a sua
consciência ainda não é sua totalmente e, estando aderida ao opressor, possui
valores e concepções da classe opressora. Aspiram ter o padrão de vida do
opressor, em especial, os oprimidos da classe média. É neste ponto que uma
educação libertadora colabora para a superação desta contradição, para a
mudança na estrutura dominadora, para a restauração da humanidade do oprimido
e opressor. No entanto, libertar-se a si e aos outros é tarefa árdua, complexa, um
parto doloroso. Expulsar o opressor que reside dentro de si, requer preencher o
espaço com outro conteúdo: a autonomia, a responsabilidade.
Freire destaca a necessidade de se combater o imobilismo subjetivista o qual
desvia o foco da construção da consciência sobre a situação de opressão, para a
espera paciente do seu desaparecimento natural, como se a liberdade fosse uma
doação e não uma conquista. Esclarece que objetividade e subjetividade não
podem ser dicotomizadas, pois ambas estão presentes no momento de análise da
realidade. Encontra em Marx sua fundamentação para argumentar que a negação
da subjetividade é objetivismo e a negação da objetividade é subjetivismo, bem
como que somente por meio de uma relação dialética subjetividade-objetividade é
possível efetivar a práxis autêntica, ou seja, a ação e reflexão dos homens sobre o
mundo para transformá-lo.
Uma indagação relevante é posta por Paulo Freire na primeira parte do livro:
“se, porém, a prática desta educação implica o poder político e se os oprimidos não
o têm, como então realizar a pedagogia do oprimido antes da revolução?” (FREIRE,
1987, p. 23). Esta discussão é retomada com afinco na última parte, mas a
colocamos aqui para sua reflexão inicial. Ainda, Freire adianta esclarecendo a
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“distinção entre a educação sistemática, a que só pode ser mudada com o poder,
e os trabalhos educativos, que devem ser realizados com os oprimidos, no
processo de sua organização” (FREIRE, 1987, p. 23).
A Pedagogia do Oprimido terá dois momentos: o primeiro, de desvelamento
da situação concreta de opressão pelos oprimidos e seu comprometimento com
sua transformação pela práxis e, o segundo, em que a pedagogia deixa de ser do
oprimido, já que a realidade opressora foi transformada, e passa a ser a pedagogia
dos homens em processo de permanente libertação. Isto porque esta pedagogia
não deseja que os oprimidos tenham novos opressores nem que se transformem
nos que oprimem.

A situação concreta de opressão e os opressores

Do ponto de vista dos opressores, tudo que retire o seu direito de oprimir, de
comandar, de dirigir significa opressão a eles. Sentir-se-ão como novos oprimidos,
como violentados se a eles forem feitas restrições em nome do direito de todos.
Para os opressores importa sempre ter cada vez mais, ainda que seja à custa de
muitos que terão cada vez menos. Ser é sinônimo de ter e possuem a crença de
que tudo é possível ser comprado, pois o dinheiro é a medida de tudo e o lucro é o
objetivo maior.
Para Freire (1987), o opressor possui uma visão necrófila do mundo, tem
amor pela morte ao invés da vida. Apropriam-se da ciência e da tecnologia para
utilizá-las de acordo com suas intenções e finalidades, mantendo a ordem
opressora, impedindo aos demais de se apropriarem, de terem voz e vida em
abundância. Consideram-se humanos e, aos demais, coisas. Possuem discurso de
liberdade, de igualdade, de solidariedade, mas não “comungam” com o povo, não
o considera capaz e instaura a cultura do silêncio para que não tenham jamais a
oportunidade de dizer a sua palavra, para que sigam reproduzindo
inconscientemente o discurso opressor.

A situação concreta de opressão e os oprimidos

Para a superação da dualidade em que se encontra o oprimido como


hospedeiro do opressor, é preciso conviver com os oprimidos, compreendê-los,
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escutá-los para perceber os diferentes modos de manifestação da dominação e,
assim, problematizar situações, temas, crenças com a intenção de fazê-los localizar
o opressor que neles habitam.
Há, muitas vezes, um fatalismo no modo de pensar do oprimido, exatamente
por conta do dilema em que estão imersos. Não percebendo que sua exploração e
sofrimento é gerado a partir das ações de dominação do opressor, o oprimido
enxerga que sua condição se dá pela vontade de Deus. A autodesvalia é então
uma característica marcante do oprimido, uma vez que introjeta em si a visão que
o opressor possui dele: incapaz, preguiçoso, indolente, que nada sabe.
Para Freire, é necessário que os oprimidos possam ver exemplos da
vulnerabilidade do opressor para que possam ir desconstruindo a crença, quase
que mágica, de seu poder intransponível. Perceber a dualidade que os constitui é
tarefa fundamental para que iniciem o processo de luta de libertação de si mesmos
e do regime opressor.

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam


em comunhão

Paulo Freire argumenta sobre a necessidade constante do diálogo crítico


com os oprimidos. É importante atentar para o fato de que esse diálogo se faz, não
para instaurar a revolta, a fúria, a repressão, mas para possibilitar a libertação dos
sujeitos e esclarece que, dependendo do nível de percepção da realidade em que
o oprimido se encontra, o conteúdo do diálogo deve variar, adequando-se às suas
necessidades e possibilidades reais, num movimento crescente de
aprofundamento da reflexão.
A questão do processo de libertação em comunhão se dá pelo fato de que,
sozinho, não é possível ao homem alcançar níveis elevados de percepção da
realidade. Também não é possível a um homem aprender no lugar do outro, ou
doar o seu saber. É no diálogo, no processo de escuta atenta que os homens
aprendem e buscam “ser mais”. É um processo doloroso, pois exige esforço,
dedicação, disposição ao verdadeiro diálogo, vontade constante de “ser mais”, de
se conhecer melhor, bem como conhecer a sua comunidade, a sua realidade.
Freire (1978, p. 29) alerta que

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Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre
suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido
em nível puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de
que a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática.

No entanto, a prática que se deseja construir não é mero ativismo. Ao


contrário, deve estar embasada em reflexão crítica, para que se constitua em
práxis. Para Freire (1987), não há outro caminho senão o da prática de uma
pedagogia humanizadora, que conduz o movimento de desconstrução do ser
oprimido para a construção de homens responsáveis e autônomos, em condição
de lutar permanentemente por sua liberdade, por “ser mais”. O método para esta
prática problematizadora não serve de instrumento de manipulação do educador
sobre o oprimido, mas sim instrumento de libertação, uma vez que já se constitui,
conforme Álvaro Vieira Pinto2, na própria consciência, ou seja, em caminho para
algo, em intencionalidade, percebendo a existência do mundo enquanto espaço
para a ação. Assim, tanto educador quanto educando intencionam juntos,
engajados, desvelar criticamente a realidade e, conhecendo-a, nela agir e recriá-
la.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1987.

Vídeos:

ASSIS, Jorge. Paulo Freire: Vocação do Ser Mais. Publicado em 6 de setembro


de 2015. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=DO8O12ByrF8>. Acesso em: 11 jan. 2019.

CEDERJ. Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro.


Serginho Groisman entrevista Paulo Freire. Publicado em 20 de setembro de
2013. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zx-3WVDLzyQ>.
Acesso em: 11 jan. 2019.

FIGUEIREDO, André Henrique. Paulo Freire – Biografia. Documentário conta a


vida e carreira profissional de Paulo Freire. Publicado em 06 de novembro de
2012. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jzUgb75GgpE>.
Acesso em: 11 jan. 2019.

2
Paulo Freire busca fundamentação teórica em Álvaro Vieira Pinto para discutir a questão do
método. Para saber mais sobre este professor, filósofo e cientista, falecido em 1987, consulte:
<http://www.alvarovieirapinto.org/>. Acesso em: 11 jan. 209.
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MACENA, Chico. Pedagogia do Oprimido - Entrevista com Paulo Freire, do
arquivo pessoal do vereador Chico Macena. Publicado em 18 de maio de 2010.
2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kQvkxJmWpLg>.
Acesso em: 11 jan. 2019.

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Formação Continuada de
Professores:
Uma ênfase cultural

Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido

2. A concepção “bancária” da educação como instrumento da


opressão: seus pressupostos, suas críticas

Cássio Ricardo Fares Riedo


Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira

“Ama el control y en el acto de controlar, mata la vida” (FROMM apud


FREIRE, 1987, p. 37).

O Termo “educação bancária” foi criado por Paulo Freire e conhecido


principalmente por meio do livro “Pedagogia do Oprimido”. O termo é usado por ele
para se referir ao processo de educação como o ato de depositar, de transferir, de
transmitir valores e conhecimentos por meio da narração dos conteúdos. Para
Paulo Freire (1987), a narração cria uma separação entre o sujeito que narra e os
ouvintes, onde o educador (narrador) conduz os educandos (ouvintes) à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Em tal contexto, os conteúdos são
desconectados da realidade e da totalidade em que surgem, não ganham
significação e transformam os educandos em receptáculos de conhecimentos
fragmentados, sem espaço para a criatividade ou para algum tipo de transformação.
A educação bancária não favorece espaço para novas significações, apenas para
memorização. O objetivo da educação bancária é adaptar os educandos aos
valores do mundo transmitido a eles por meio do modo de fazer a educação e dos
conhecimentos transmitidos.

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Para a concepção “bancária”, quanto mais adaptados, tanto mais "educados”
estarão os homens; quanto mais tiverem exercitado o arquivamento dos depósitos
de conhecimentos transmitidos, tanto menos desenvolverão, em si, a consciência
crítica, que poderia resultar em sua inserção no mundo; quanto mais imposta a
passividade, mais ingenuamente tenderão a adaptar-se ao mundo, à realidade
parcializada dos depósitos recebidos ao invés de transformar a realidade. Assim, a
visão “bancária” minimiza ou anula o poder criador dos educandos, estimulando
sua ingenuidade e não sua criticidade.
Para Paulo Freire (1987), por meio dessa forma, os opressores pretendem
transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime,
pretendem ainda, manter intacta a estrutura social existente, negando aos
oprimidos conhecimentos e condição de buscar transformá-la. A educação bancária
não favorece a mobilidade dos oprimidos na estrutura social, o que é interessante
para a classe dominante, pois, para esta, levar os oprimidos a pensar
autenticamente pode ser perigoso, uma vez que poderia levá-los a questionar os
valores e a forma da organização social, e, nenhuma “ordem” opressora suporta
questionamentos sobre seus valores.
Paulo Freire (1987) acusa a educação bancária de formar homens que
simplesmente estão no mundo e não com os outros, de formar espectadores e não
recriadores do mundo. Essa educação, além de dificultar o pensar autêntico,
concebe a consciência como se fosse alguma seção “dentro” dos homens,
mecanicamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá
“enchendo” , depositando conhecimentos desconectados da realidade vivida pelos
oprimidos.
Portanto, a “educação bancária” pode ser considerada como de interesse dos
opressores que se sentem mais seguros quanto mais adequados estejam os
homens ao seu mundo e quanto menos seus valores forem questionados. Nesta
visão, o “saber” torna-se uma doação daqueles julgados como sábios àqueles que
nada ou pouco sabem.
Deve-se considerar que há um sem-número de educadores de boa vontade
envolvidos pelo clima gerador da concepção “bancária" e sofrendo sua influência
sem perceber seu significado. Para Freire (1987), são educadores que não se
percebem a serviço da desumanização ao praticarem o "bancarismo” e sua
acomodação ao mundo da opressão. Não percebem que, pela participação
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simbólica na vida de outra pessoa, criam a ilusão de que atuam, quando, em
realidade, não fazem mais que submeterem-se e converterem-se em parte deles,
acreditando na ação de fazer depósitos de “comunicados”, como um saber
considerado verdadeiro. Para Paulo Freire (1987), esse tipo de educação não leva
ao saber, pois, só existe saber na invenção e reinvenção, na busca inquieta,
impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os
outros.
Freire propõe em contraposição à concepção bancária, uma educação
problematizadora que assume o caráter de problema, de desafio, de invenção e
construção do pensamento, isto é, uma forma autêntica de pensar e atuar, sem
dicotomizar o pensar da ação, considerando simultaneamente a si mesmo e ao
mundo. Pontua que não é possível fundar a compreensão dos homens como seres
“vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos. Não é possível basear-se na
consciência mecanicamente compartimentada, mas em homens com uma
consciência direcionada e intencionada ao mundo com os outros, pois a busca do
individualismo conduz ao egoísmo e à desumanização. Se a intenção é a libertação
dos homens, não é possível mantê-los alienados, pois a libertação autêntica, que
é a humanização em processo, não se deposita nos homens como uma palavra
oca ou mitificante. É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o
mundo para transformá-lo.
A educação problematizadora coloca a exigência da superação da
contradição educador-educandos. Só com a superação desta contradição é
possível o estabelecimento de uma relação dialógica, onde o educador já não é o
que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado em diálogo com o
educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos
do processo, crescem juntos numa nova relação onde os “argumentos da
autoridade” não valem.
Paulo Freire (1987) afirma que a concepção problematizadora reforça a
mudança, uma vez que o educador desenvolve o saber com os educandos, e este
com o educador, não mais a serviço da opressão, mas da libertação. Diz que a vida
humana adquire novo sentido nessa comunicação e reconhece que “o pensar do
educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos,
mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação” (FREIRE, 1987,
p. 37).
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Nesse sentido, ao invés dos educandos serem recipientes dóceis, são
investigadores críticos, em diálogo com o educador, também um investigador crítico,
pois, quanto mais problematiza com os educandos, tanto mais estes se sentem
desafiados como seres no mundo e com o mundo e novas compreensões dos
desafios vão surgindo no processo das respostas. O papel do educador
problematizador é proporcionar as condições em que se dê a superação do
conhecimento no nível do parecer (“doxa”) pelo verdadeiro conhecimento no nível
da reflexão (“logos”) (FREIRE, 1987).
A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura
fatalista derivada da concepção bancária deve ceder lugar a uma percepção capaz
de levar o educando a perceber-se e, ao perceber-se, ter nova percepção da
realidade que lhe parecia inexorável e objetivada. Por meio da nova percepção
adquire conhecimentos para construir um futuro mais socialmente justo, além de se
identificar com o movimento permanente em que se acham inscritos enquanto
homens inconclusos. Portanto, a educação problematizadora é “prática da
liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do
homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na negação
do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 1987, p. 40), por
isso, movimento histórico.
Defende que enquanto a prática bancária implica numa espécie de anestesia,
inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter
autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade.
A reflexão, para ser autêntica, não é sobre um homem abstrato nem sobre um
mundo sem homem, mas sobre os homens em suas relações com o mundo.
Reforçando suas ideias, Paulo Freire (1987, p. 41, grifos do original) afirma que
“não há um eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte
do eu se constitui na constituição do eu constituído”.
Assim, segundo Freire (1987, p. 41) “o que antes já existia como objetividade,
mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem
sequer era percebido, se “destaca”” como uma situação desafiadora, mas não fatal
e intransponível. Por meio da problematização, os educandos vão desenvolvendo
o seu poder de captação e de compreensão do mundo, bem como de suas relações
com ele, como uma realidade em contínuo processo de transformação. Vão se

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percebendo como homens inconclusos, isto é, que estão sempre no processo de
se formar e se transformar.
Neste capítulo Paulo Freire aborda mais profundamente a educação
problematizadora enquanto fazer humanista e libertador, e reflete na importância
dos educandos, submetidos à dominação, lutarem por sua emancipação. Aborda
também, que educadores e educandos se façam sujeitos num processo contínuo
de ensino-aprendizagem para fazer os educandos perderem a falsa consciência do
mundo, superando o intelectualismo alienante da educação bancária e o
autoritarismo do educador que a desenvolve.
Como conclusão diz que “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém
se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo
mundo” (FREIRE, 1987, p. 39).

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1987.

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Formação Continuada de
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Uma ênfase cultural

Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido

3. A Dialogicidade: Essência da Educação como Prática da


Liberdade

Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira

Neste capítulo Paulo Freire (1987) apresenta o âmago de seu pensamento


sobre a forma de desenvolver a educação como prática da liberdade. Para isso,
esclarece alguns dos conceitos fundamentais como: dialogicidade, diálogo,
palavra, tema gerador, codificação e descodificação.
Neste texto vamos trabalhar os pontos essenciais do capítulo para que o
leitor compreende a intensa ação e comprometimento político-cultural do educador
ao desenvolver sua teoria de alfabetização e pós-alfabetização de pessoas que só
na vida adulta foram alfabetizadas.

A dialogicidade

A parte central deste capítulo é a dialogicidade e seu papel na educação


libertadora. Paulo Freire apresenta que a dialogicidade tem, no diálogo, sua
essência e este, por sua vez, tem sua essência na palavra.
O papel que assume a palavra para Paulo Freire (1987) é em função desta
se constituir de duas dimensões extremamente importantes: a ação e a reflexão,
em interação radical. Para Freire (1987, p. 44), “Não há palavra verdadeira que não
seja práxis”. A perda da interação entre essas duas dimensões leva o diálogo para

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diferentes resultados. Se a ação é sacrificada, a palavra se torna apenas
“palavreria” ou “blá, blá, blá”, e, se a reflexão é sacrificada, a palavra se torna
“ativismo”. A cisão das dimensões da palavra a torna uma palavra inautêntica,
alienada e alienante.
A dialogicidade, o diálogo e a palavra, com suas duas dimensões (ação e
reflexão), pronunciam o mundo e, ao pronunciá-lo, o problematizam e ao
problematizarem, o transformam. Para Freire (1987, p. 44, grifos do original) “existir,
humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua
vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo
pronunciar”. Isto é o que a educação libertadora deve fazer, uma vez que o homem
se faz na palavra, na reflexão-ação, no trabalho, e isto constitui a práxis.
O diálogo, sendo a base dessa educação, informa que este só acontece
quando a palavra é dita com o outro. A definição de diálogo para Paulo Freire é
exatamente o encontro com o outro, no entanto, esse encontro não se esgota na
relação eu-tu, por ser mediatizado pelo mundo, o que leva o diálogo a não ser ato
de depositar ideias de um sujeito para outro, nem ser uma imposição ou simples
troca de ideias. A crença do autor é a de que “o diálogo se impõe como caminho
pelo qual os homens ganham significação enquanto homens” (FREIRE, 1987, p.
45). Assim, o processo de educação se desenvolve pelo diálogo, pela
problematização do mundo vivido pelos sujeitos e expresso pela palavra, e pela
ação de transformação.
O diálogo assume papel fundamental na educação como prática da liberdade
por ser o encontro em que os homens se solidarizam no refletir e agir sobre o
mundo a ser transformado e humanizado. Com essas características, o diálogo é
um ato de criação e de recriação, é um ato de libertação do homem. No entanto,
isto se dá quando há um verdadeiro diálogo, um encontro respeitoso e solidário de
pronunciamentos do mundo. Na filosofia de Paulo Freire, o diálogo é uma exigência
existencial. E isto é tão necessário, que deixa de existir se não houver fé no poder
do homem de se fazer e refazer, na sua vocação de “ser mais”3. A fé genuína nos

3
Lembrando que, não significa ser mais que o outro, mas se refere ao próprio sujeito que, consciente
de ser inacabado, inconcluso, se insere num movimento constante de busca do “ser mais”, de busca
por humanização. Ver: ASSIS, Jorge. Paulo Freire: Vocação do Ser Mais. Publicado em 6 de
setembro de 2015. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DO8O12ByrF8>.
Acesso em: 11 jan. 2019.
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homens é, para Paulo Freire, um dado a priori4 do diálogo. Ele adverte que sem
essa fé, o diálogo é uma farsa e se transforma em uma manipulação paternalista.

Educação Dialógica e Diálogo

Uma educação pautada na dialogicidade, fundada no diálogo, é a que se dá


numa relação de humildade, de encontro e de solidariedade, numa relação
pedagógica horizontal e de confiança. É uma interação entre homens e mundo,
uma interação de contribuição, de crença na capacidade do outro de “ler” o mundo
e de o ver como processo em constante devir, como temporal e não como um
determinismo arbitrário e externo aos homens.
O diálogo é o fundamento da pedagogia freireana por ser uma comunicação
pelo qual o homem pensa o mundo, um pensar refletido sobre ele que o pode
transformar e transformar os próprios homens ao transformar o mundo. Para Freire
(1987, p. 47), o diálogo “se instaura como situação gnosiológica 5 , em que os
sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível que os mediatiza”.
O papel essencial do diálogo na educação libertadora começa na forma de
buscar o conteúdo programático. Ele ocorre antes do encontro educador-educando.
O conteúdo é buscado a partir das visões ou pontos de vista dos homens sobre o
mundo vivenciado, que está impregnado de anseios, de dúvidas, esperanças e
desesperanças. Estes se tornam em temas significativos para a problematização,
que é uma etapa do processo de educação, porque surgem do contexto vivencial,
da visão pessoal da realidade dos indivíduos.
O conteúdo não é uma imposição, ou um conjunto de informes a ser
depositado nos educandos (como é a educação bancária). O papel do educador
nessa relação dialógica é para Paulo Freire (1987, p. 47) “a revolução organizada,
sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou
de forma desestruturada”. O conteúdo a ser trabalhado, que objetiva a
transformação de uma realidade, se torna educação libertadora porque não visa a

4
a priori : é uma expressão usada para fazer referência a um princípio anterior à experiência. É
usado para indicar “aquilo que vem antes de”.
5
Gnosiológica – vem de gnosiologia, do grego gnosis, 'conhecimento', e logos, 'discurso'. Também
chamada teoria do conhecimento, é o ramo da filosofia que se ocupa do estudo do conhecimento.
É a reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato cognitivo.
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adaptação dos homens ao contexto, ou a doutriná-los e dominá-los numa ação
apassivadora. Muito ao contrário, visa a transformação da realidade opressiva.
O conteúdo para ser um meio de educação libertadora, se organiza a partir
da situação presente e concreta dos educandos, refletindo o conjunto de suas
aspirações. Por isso, o conteúdo reflete um contexto específico. O educador auxilia
o indivíduo a problematizar essas questões e a desenvolver um pensar mais crítico
sobre elas, propondo como reflexão as contradições básicas da sua situação
existencial presente e concreta. O papel do educador é provocar respostas aos
desafios encontrados. Respostas tanto no nível intelectual, como no nível da ação,
uma vez que é uma educação política.
O autor adverte que o educador não deve dissertar sobre as questões a
serem trabalhadas, ou trabalhar conteúdos que pouco tenham a ver com as
esperanças do povo, com seus temores de consciência reprimida. Seu papel jamais
será o de falar sobre a sua visão do mundo, mas sim o de dialogar sobre as visões
que o povo tem sobre o vivido, o experimentado, o cotidiano. Enfaticamente Paulo
Freire (1987, p. 49, grifo do original) diz: “A ação educativa e política não pode
prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária”
ou de pregar no deserto”. O conjunto dos temas em interação constitui o “universo
temático”, ou o conjunto dos temas geradores. Os temas geradores são sempre
relativos à época e sociedade em que o povo vive. Por isso, os temas são diferentes
e próprios de cada comunidade. Há, no entanto, problemas sociais que são gerais
à toda comunidade oprimida e estes podem ser de toda a humanidade, de um país,
ou de uma região. Estes temas são legítimos de serem trabalhados se forem
trazidos pelos próprios sujeitos.
A metodologia de investigação dos temas geradores se desenvolve também
na dialogicidade. O que o educador investiga é o pensamento-linguagem referido
à realidade e os níveis de percepção dessa realidade. O homem, porque é um corpo
consciente, vive uma relação dialética entre os condicionamentos de sua época e
a sua liberdade. Os condicionantes formam, no dizer de Paulo Freire, as situações-
limites que coisificam o homem. Estas situações, no processo da educação
libertadora, não devem ser tomadas como barreiras, como obstáculos à sua
libertação, mas ser tomadas como situações desafiadoras que precisam ser
transformadas, criando uma ‘nova’ realidade histórica por meio de uma ação
transformadora consciente. O homem quando desprovido do desenvolvimento da
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sua capacidade crítica, tende a “mitificar” essa realidade. Para Freire (1987, p. 52),
“através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens,
simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais”.
Assim, os temas geradores são os temas oriundos da vivência, da
experiência da vida concreta daquela época. Seus valores, suas concepções, seus
desafios, tornam-se os “temas geradores epocais”. Por isso, eles são sempre os
encontrados na relação homem-mundo. A investigação dos temas geradores capta
esse “universo temático” que não estão isolados, mas sempre em interação, e
podem ser localizados em círculos concêntricos que partem dos mais gerais, ao
mais particular, como por exemplo: temas universais (a dominação que se encontra
em toda sociedade); temas continentais (como o subdesenvolvimento de muitos
países); temas nacionais (o desemprego); temas regionais (o analfabetismo);
temas locais (a falta de saneamento, de asfalto, de água encanada, de posto de
saúde etc.). No entanto, enquanto os temas não são percebidos pelos sujeitos, não
são refletidos e entendidos, a ação de transformação não tem como ocorrer, o
envolvimento de todos fica prejudicado, a situação limite não é transcendida e a
ação libertadora pela educação não se dá.
Cabe ao educador o esforço de propor aos indivíduos a análise crítica das
dimensões significativas da sua realidade, partindo da totalidade para as partes,
em suas interações e possibilitando, por meio desta análise, uma nova postura
frente a dimensão significativa-existencial. Isso implica na circularidade do todo às
partes e das partes ao todo e a compreensão resultante desse processo ganha
nova significação.
A postura ativa dos educandos tanto na metodologia de investigação dos
temas geradores como no desenvolvimento da educação como prática da
liberdade, difere da postura de objetividade metodológica que separa o sujeito do
objeto. Na postura ativa que possibilita a tomada de consciência, o objeto de análise
não existe fora do homem, por ser a realidade vivida e experimentada. Investigador
e povo são os sujeitos do processo, cuja finalidade é a sua transformação. Como o
objeto de análise da metodologia da investigação dos temas geradores é a situação
vivencial, esta sempre se renova, ampliando a análise e as relações dos temas.
Para a busca dos temas geradores, Paulo Freire (1987) fala que o educador
deve visitar o local de trabalho dos indivíduos, conhecer suas atividades de lazer,
conversar com as pessoas em suas casas, entender a relação marido-mulher, pais-
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filhos, conhecer os valores, a cultura, os costumes. O investigador fará isso com
“mirada” crítica, compreendendo as suas partes e a organização particular que se
forma por meio dessa cultura. O investigador registra as expressões do povo, sua
linguagem, suas palavras, sua sintaxe (o que não é registrar seu problema de
sintaxe, sua pronúncia defeituosa, mas a forma que ele constrói seu pensamento).
O relatório feito após visita será discutido nas assembleias para, com o auxílio do
investigador, descodificar as situações oferecendo possibilidades plurais de
análise.
Para auxiliar no processo de descodificação, Paulo Freire (1987) sugere que
as reuniões contem com dois outros especialistas: um psicólogo e um sociólogo,
os quais auxiliam na observação das reações dos indivíduos, dos sentimentos
expressos por palavras e atos, do clima da reunião. Estas anotações poderão ser
discutidas com todos, favorecendo uma mais acurada análise do conteúdo que se
transformará em conteúdo pedagógico, o que leva para a última etapa da
metodologia de investigação dos temas geradores. Nesta última etapa, educadores
e educandos passarão para o estudo sistemático e interdisciplinar dos resultados
discutidos. É então elaborado um programa, é confeccionado o material didático
como: escolha dos textos, seleção de figuras, slides, fotografia, filmes, cartazes etc.
O processo de conhecimento é também de criação e ação, de
encadeamento dos temas significativos, de problematização, de interpretação
crítica dos problemas e de envolvimento histórico-cultural.
A educação libertadora não tem programa a priori, pois busca a temática
significativa e, nessa investigação, tanto o investigador como os indivíduos são
sujeitos do processo. A investigação da realidade do povo só pode ser feita com
ele, uma vez que os homens são seres em “situação” e se encontram enraizados
em condições tempo-espaciais que os marcam. De forma dialética, os homens
também marcam as situações, na medida em que, desafiados por elas, agem sobre
elas. A conscientização da situação possibilita o desvelamento e este possibilita
uma nova consciência histórica. Paulo Freire (1987, p. 58) é enfático ao dizer:

Neste sentido é que toda investigação temática de caráter conscientizador


se faz pedagógica e toda autêntica educação se faz investigação do
pensar. Quanto mais investigo o pensar do povo com ele, tanto mais nos
educamos juntos. Quanto mais nos educamos, tanto mais continuamos
investigando.

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Na educação como prática da liberdade, como problematizadora e dialógica,
jamais o conteúdo será depositado nos indivíduos, pois se organiza e se constitui
na visão de mundo deles.
Os temas geradores captados dentro da totalidade, jamais serão tratados
esquematicamente, pois perderiam sua força, sua riqueza, esvaziando-se de seu
significado. Para Paulo Freire (1987), todo ato educativo é um ato político, que leva
a um compromisso social de transformação e libertação. Não há educação neutra.
Se a educação pretende ser neutra, ela se torna apenas pura repetição ou
transmissão inerte de saberes, e está longe de ser uma ação reflexiva e de levar à
práxis.
Uma política educacional que aposta na ingenuidade da consciência mágica
e não na consciência crítica das pessoas, está longe de ser educacional, tornando-
se massificadora e manipuladora das consciências.
Seguida à metodologia de busca do tema gerador, vem a metodologia de
ação sobre os temas refletidos. Essa etapa acontece após o desvelamento, o
desmascaramento da mitificação da situação-limite. A ação esclarecida do homem
sobre essa situação-limite é uma ação política de des-velamento, de transformação
dos supostos determinantes históricos. Leva à descodificação da situação-limite.
Estes encaminhamentos compõem a filosofia da educação que Paulo Freire
expõe detidamente nesta obra “Pedagogia do Oprimido”. O autor deixa claro que
isto não se configura um método de educação e que não se pode, a não ser
erroneamente, dizer que esse é o método Paulo Freire. A base desta teoria de
educação está assentada numa visão de mundo, de homem, numa antropologia, e
só alguém que compartilhe tal visão poderá entendê-lo e aplicá-lo. Para Paulo
Freire o ser humano apreende seu mundo por sucessivas aproximações e é um
eterno ser aprendente, porque o objeto que é seu mundo vivido, sempre revela
coisas novas e se desdobra em novas dimensões.
Este capítulo tratou dos elementos constituintes da educação libertadora,
problematizadora e dialógica que adquirem, no pensamento de Paulo Freire,
dimensões existenciais, ético-políticas e metodológicas.
No próximo texto trataremos do capítulo 4 da obra “Pedagogia do Oprimido”,
em que Paulo Freire (1987) analisa as teorias da ação cultural antidialógica.

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REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1987.

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Formação Continuada de
Professores:
Uma ênfase cultural

Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido

4. A teoria da Ação Antidialógica

Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira

Paulo Freire, nesta parte da obra “Pedagogia do Oprimido”, descreve a teoria


antidialógica como oposta à anterior, a da dialogicidade. Diz que enquanto na
dialógica o diálogo real com a massa oprimida é fundamental, na ação antidialógica
ele não ocorre e a intenção é a de, por esse meio, manter o estado de opressão. O
capítulo apresenta como essa teoria é desenvolvida para a manutenção dos
opressores no poder e como a ação dialógica pode trabalhar para a sua libertação.
Paulo Freire analisa a teoria de ação cultural de matriz antidialógica. Para
isso, retoma uma afirmação de Lênin: “Sem teoria revolucionária não pode haver
movimento revolucionário” (LENIN apud FREIRE, 1987, p. 70) e reforça que o
homem é o ser da práxis, que seu fazer é ação e reflexão, ambos incidindo sobre
as estruturas a serem transformadas. Enfaticamente diz que, por isso, não há
revolução só com verbalismo ou só com ativismo, mas com práxis.
Para a transformação da situação em que se encontram os oprimidos é
necessária uma “teoria da ação transformadora” (FREIRE, 1987, p. 70) de todos.
Chama a atenção para que as lideranças dos oprimidos não neguem a práxis a
estes e caiam na contradição de, ao invés de agir conjunto, manipularem os
oprimidos e traírem o objetivo de os fazer homens de ação. Os líderes devem cuidar
para que no movimento de libertação não haja novamente a cisão entre a práxis da
liderança e a das massas oprimidas. Esse é o caminho dos dominadores, sejam
eles quais forem, e conduz a um clima sectário. Chama a atenção para os “golpes”
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das lideranças contraditórias que não estabelecem diálogos com a massa oprimida
e diz: “Deles, o que se pode esperar é o engodo para legitimar-se ou a força que
reprime” (FREIRE, 1987, p. 72).
Para chamar a atenção para a unicidade necessária entre reflexão e ação,
chama de idealistas os que pensam que a simples reflexão sobre a realidade
opressora já leve os oprimidos a se perceberem sujeitos. Diz que é necessário
engajar, a partir da reflexão, uma ação transformadora. Também deixa clara a
diferença entre ativismo e ação revolucionária. No ativismo existe uma massa
liderada e na revolução existem sujeitos de ação libertadora, pois os homens se
libertam em comunhão.
Para ele, uma liderança popular é aquela que desenvolve práticas com as
massas e as leva ao conhecimento, à ação e à libertação. É uma prática dialógica
com os oprimidos, efetivada pela comunicação. A liderança revolucionária se
fecunda na comunhão a serviço da humanização. A ciência e a tecnologia podem
ser meios para tornar os oprimidos sujeitos do próprio processo de humanização e
opor-se à absolutização da ignorância.
Ao contrário, a ação antidialógica retira do sujeito a palavra, pois são
considerados incapazes. É uma ação que exercita o poder, o gosto por mandar,
por comandar, tornando o diálogo impossível.
Para Freire, os líderes que pensam que a revolução se faz primeiramente
chegando ao poder, para depois educar as massas estão enganados, pois dessa
forma, não é feita uma revolução com as massas, mas uma revolução de um grupo
que supostamente está representando as massas. Para ele, esse tipo de revolução
“nega o caráter pedagógico da revolução, como Revolução Cultural” (FREIRE,
1997, p. 76, grifo do original). Aponta que é o sentido pedagógico da revolução o
capaz de evitar que o poder revolucionário se institucionalize, estratificando-se em
burocracia. Que há o perigo dos líderes verem a revolução apenas como meio de
dominação e se tornarem, eles próprios, elites dominantes. A partir daí, esses
líderes se tornam agentes interlocutores entre os interesses das classes
dominantes e a massa dominada. Esse processo pode acontecer sem seus líderes
perceberem. Informa que alguns líderes sindicais podem exercer esse papel e
continuar a mitificar a realidade para os oprimidos. Para ele, não basta a liderança
movimentar as massas, é necessária a relação com estas e prepará-las, de forma
conjuntamente, para a libertação da realidade mitificada em que vivem.
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Paulo Freire (1987) trabalha os aspectos da teoria antidialógica em quatro
tópicos: conquista; dividir para manter a opressão; a manipulação; e, a invasão
cultural. Passaremos a comentar cada um deles.

Conquista

Demonstra que o primeiro aspecto da ação antidialógica é a necessidade de


conquista, pois a elite opressora necessita de elementos para sustentar a sua
dominação. O dominador é, por princípio, antidialógico, mas pretende conquistar o
oprimido e usa para isso, muitas formas, das mais sutis e adocicadas como o
paternalismo, às mais duras e repressivas, como a dominação.
A conquista tem como resultado um sujeito objeto, um ser possuído,
alienado, que vê o mundo como dado, como algo estático a que os homens devem
se ajustar e não problematizar.
Ao contrário, na ação dialógica o diálogo é essencial em todo o tempo, pois
vê que a libertação dos homens é um processo contínuo, pois eles estão sempre
numa permanente ação libertadora.

Dividir para manter a opressão

Dividir a classe oprimida e mantê-la dividida é condição indispensável à


continuidade do poder da classe opressora. Estes utilizam-se dessa dimensão para
que não haja ameaça à sua hegemonia e veem na união, na organização, na luta,
um grande perigo. O que interessa na divisão feita pelos opressores é enfraquecer
os oprimidos, ilhando-os e criando cisões entre eles.
Paulo Freire (1987) diz que, ao contrário, a praticização dos conceitos de
luta é indispensável à ação libertadora. Diz também que líderes sérios, mas
ingênuos, deixam-se envolver no entendimento sobre o que importa para as
massas oprimidas é a resolução de seus problemas ‘locais’. Esses problemas são
pulverizados nas ‘comunidades locais’, e, ao invés de proporcionar uma visão de
totalidade e as condições destas comunidades de trabalhá-los na sua relação com
as totalidades, dividem os problemas e os parcializam para que não tenham força
de unidade. Essa é uma forma ‘focalista’ de ação que dificulta a percepção crítica
da realidade como um todo.
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Vê que a necessidade de dividir para facilitar a manutenção do estado
opressor se manifesta em todas as ações da classe opressora e também em
sindicatos, nos quais a classe opressora favorece certos ‘representantes’ da classe
oprimida, mas que no fundo são os seus representantes agindo para que esta não
se una, pois, como afirma Freire (1987, p. 82) eles sabem que “unificados e
organizados, porém, farão de sua debilidade força transformadora, com que
poderão re-criar o mundo, tornando-o mais humano”.

Manipulação

É outra das características da teoria da ação antidialógica e é usada para


conformar as massas populares aos objetivos da classe opressora. As massas
mais imaturas politicamente são as mais fáceis de serem manipuladas por meio de
mitos comunicados e isso as impede de se organizarem. A manipulação é feita por
meio de uma série de promessas enganosas. Para Paulo Freire (1987), o antídoto
à manipulação está, justamente, na organização criticamente consciente que se faz
por meio da problematização de sua posição de dominados. A manipulação é
exercida por meio da ação antidialógica e tem o objetivo de anestesiar as massas
e impedir que estas pensem.
Paulo Freire é contra o líder populista e vê nele uma pessoa ambígua, que
fica entre as massas e as oligarquias dominantes. Estes líderes se prestam ao
papel de manipular as massas ao invés de lutar e contribuir para a sua organização.
Só um líder que deixe de ser populista pode auxiliar o trabalho revolucionário que
uma organização das massas pode desenvolver.

Invasão Cultural

A invasão cultural é, como a manipulação, outro instrumento que é utilizado


para ser efetivada a conquista das massas. Paulo Freire (1987) define a invasão
cultural como a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos
invadidos, impondo-lhes sua visão de mundo e impedindo a visão, a criatividade, a
originalidade e a expansão de suas culturas. O propósito da invasão cultural é a
alienação, a dominação econômica e cultural, a desvalorização de padrões de vida
da massa popular e a intenção de amoldar os invadidos a novos padrões, novos
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modos de vida, demonstrando que os antigos valores eram intrinsecamente
inferiores.
Para Freire, à medida que os invadidos vão se reconhecendo inferiores, vão
dando valor e reconhecendo a suposta superioridade do invasor e passam a querer
se vestir como eles, a andar como eles, a falar como eles, desprezando os seus
padrões culturais.
Uma vez invadido culturalmente, é difícil para o oprimido ter força para
romper com essa aderência. Chama a atenção para que as escolas, as
universidades não sejam estruturadas na ótica das estruturas dominadoras, pois se
o forem, serão lugares de formação de novos invasores. Chama a atenção também
dos pais para que não criem filhos submissos ao autoritarismo familiar e, assim,
formar crianças deformadas que, quando adultas, facilmente se acomodam à
autoridade externa. Da mesma forma, fala aos professores cuidarem para não
estabelecerem formas rígidas de relações e de não empregarem ordens verticais
aos seus alunos. Se assim fizerem, estarão, com isso, aderindo a uma ação
antidialógica e instalando nos alunos o medo da liberdade.
Freire aponta que para sair dessa situação de invasão cultural, há que ser
feita a “revolução cultural” (FREIRE, 1987, p. 90). Esta revolução é feita pela ação
cultural dialógica que toma em consideração a importância da reconstrução da
sociedade na sua totalidade. Essa reconstrução será feita por meio do poder
revolucionário que é o poder de todos, e não de alguns líderes. Nessa ação
revolucionária, Paulo Freire diz que a ciência e a tecnologia devem estar a serviço
da libertação permanente do homem e de sua humanização e aponta que:

Na medida em que a conscientização, na e pela “revolução cultural”, se


vai aprofundando, na práxis criadora da sociedade nova, os homens vão
desvelando as razões do permanecer das “sobrevivências” míticas, no
fundo, realidades, forjadas na velha sociedade” (FREIRE, 1987, p. 91).

Após estas análises em torno da ação antidialógica, Paulo Freire (1987)


reafirma a impossibilidade de a liderança revolucionária usar os mesmos
procedimentos antidialógicos dos opressores e que o caminho é o diálogo, isto é,
uma comunicação permanente e dialógica com as massas.

A teoria da ação dialógica e suas características: a co-laboração, a união, a


organização e a síntese cultural

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Nesta parte do capítulo, Paulo Freire trabalha cada uma das características
da teoria da ação dialógica.

Co-laboração

Na teoria da ação dialógica os sujeitos se encontram para a transformação


do mundo em co-laboração. Não há nessa teoria, um sujeito que domina e um
objeto dominado, mas “sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo, para
a sua transformação” (FREIRE, 1987, p. 96, grifo do original).
A co-laboração se realiza na comunicação e na ação dialógica, isto é, o
diálogo funda a co-laboração e não se impõe, não maneja e não domestica. Ao
contrário, é pela ação dialogada que a realidade é problematizada para uma ação
de transformação. A ação dialógica exige que a ação revolucionária não prescinda
da comunhão com as massas populares.

Unir para a libertação

A ação para a libertação se dá na práxis. Para a liderança revolucionária a


unidade das massas é a razão de sua comunhão com elas e objetiva proporcionar
o reconhecimento do porquê e do como se exerce a práxis. Esse porquê é,
fundamentalmente, a transformação da realidade injusta.
Nesse processo os homens se descobrem e essa descoberta lhes dá
significado como seres transformadores da realidade. Não são mais vistos como
“quase-coisas”, mas como homens que podem deixar a condição de oprimidos por
meio do corte da ligação com o mundo do opressor. As formas de ação cultural têm
o mesmo objetivo: “aclarar aos oprimidos a situação objetiva em que estão, que é
mediatizadora entre eles e os opressores, visível ou não” (FREIRE, 1987, p. 101).

Organização

A teoria da ação dialógica busca organizar as massas populares para a sua


libertação, reconhecendo o momento histórico em que vivem. Aqui não há
manipulação, mas união e igualdade na organização. Organização não é
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justaposição de indivíduos, não é imposição arbitrária, é ação revolucionária que
objetiva a libertação, a transformação.

Síntese Cultural

O que pretende a ação cultural dialógica é a superação das contradições


que dificultam a libertação do homem. A síntese cultural pretende a integração dos
homens do povo e sua ação no mundo e se apresenta como instrumento de
superação da cultura alienante. Nesse sentido, a investigação dos temas geradores
tem como objetivo organizar o conteúdo programático que se instaura como ponto
de partida do processo da ação libertadora, do restabelecimento do clima de
criatividade, do fortalecimento da análise crítica. Estes aspectos são essenciais
para que ocorra a síntese cultural. Nesta nasce um saber novo, uma ação nova,
uma ação transformadora e uma cultura que desaliena. A síntese cultural nega a
invasão de uma cultura sobre outra e fortalece a cultura das massas.
Para Paulo Freire (1987, p. 105), “toda revolução, se autêntica, tem de ser
também revolução cultural”. Diz que todo esforço da obra “Pedagogia do Oprimido”
foi o de falar de algo óbvio: “assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma
teoria da ação opressora, os oprimidos para se libertarem, igualmente necessitam
de uma teoria de sua ação” libertadora (FREIRE, 1987, p. 107).
Esse foi o propósito do livro e a argumentação desenvolvida, toda a sua
fundamentação foi feita para preparar os educadores para o desempenho de uma
ação problematizadora no processo de alfabetização.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,


1987.

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