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ARTIGO

Direitos da pessoa idosa:


desafios à sua efetivação na sociedade brasileira

Elderly rights: challenges to their effectiveness in Brazilian society

Ana Paula FERREIRA1


Solange Maria TEIXEIRA2

Resumo: Pode-se dizer que, do ponto de vista normativo, os direitos da pessoa idosa no mundo e, especifi-
camente, no Brasil, avançaram bastante. Entretanto, o maior desafio hoje é a garantia desses direitos pelo
poder público e pela sociedade em geral. O objetivo do presente artigo é discutir o processo de conquista de
direitos e os obstáculos postos na sua efetivação, considerando o contexto contemporâneo adverso, que põe
em risco o desmonte dos direitos já conquistados, tendo em vista a nova fase capitalista e a busca de super-
lucros mediante a reestruturação produtiva e a globalização, passando por cima de conquistas sociais histó-
ricas.
Palavras-chave: Direitos. Envelhecimento. Políticas Sociais.

Abstract: It can be said that, from a normative point of view, the rights of the elderly in the world and specif-
ically in Brazil, well advanced. However, the biggest challenge today is the guarantee of those rights by the
government and society in general. The purpose of this article is to discuss the process of gaining rights and
the obstacles put in its implementation, considering the adverse contemporary context, which endangers the
dismantling of rights already won, in view of the new capitalist stage and the pursuit of super-profits
through productive restructuring and globalization, passing over historic social achievements.
Keywords: Rights. Aging; Social Policies.

Submetido em: 30/4/2014. Aceito em: 19/7/2014.

1 Graduanda em Serviço Social da Universidade Federal do Piauí (UFPI, Brasil). Bolsista do Programa de
Iniciação Científica. E-mail: <paulinhaferreira17@hotmail.com>.
2 Assistente Social. Pós-doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP, Brasil). Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA, Brasil).
Professora do curso de Serviço Social e da Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do
Piauí (UFPI, Brasil). Coordenadora da pesquisa “Direitos da Pessoa Idosa” financiada pelo CNPq (Edital
Ciências Humanas, 2013). E-mail: < solangemteixeira@hotmail.com>.
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Ana Paula FERREIRA; Solange Maria TEIXEIRA

Introdução globando desde os que ainda convivem


em seu núcleo familiar e/ou dispõem de

A
o longo dos anos, em consequên- alguma renda, até os que permanecem
cia de mudanças ocorridas (e em situação asilar e/ou não têm mais
ocorrentes) na estrutura etária da condições (sejam elas físicas, psicológicas,
sociedade, as pirâmides etárias em todo o financeiras) de garantir o seu sustento e
mundo vêm se modificando e retratando cuidado, e os que se encontram, de algu-
um crescimento em seu topo, o que sim- ma forma, desassistidos pelo Estado.
boliza uma visível transição demográfica. Mais que isso, deve-se avaliar esta plura-
Significa dizer que houve um aumento lidade também entre os “idosos dos ido-
significativo do número de pessoas ido- sos”, ou seja, a faixa etária com idade
sas, evidenciando que o envelhecimento mais avançada dentro do segmento da
populacional é um fenômeno verificado terceira idade, que diz respeito à “popu-
mundialmente e reconhecido também na lação idosa que está envelhecendo”, como
realidade brasileira. Essa transição demo- aponta Camaraño (apud BRASIL, 2006).
gráfica com aumento da população de
idosos tornou-se possível por diversos O envelhecimento populacional vem im-
fatores, entre eles o avanço da medicina, pondo grandes desafios às políticas pú-
que resultou no aumento da expectativa blicas de um modo geral ao tempo em
de vida. que ganha visibilidade e penetração na
agenda pública não só devido às discus-
Embora observado como uma realidade – sões sobre o processo de envelhecer como
e não apenas como uma possibilidade – também pela importante participação dos
palpável em muitos países, o processo de movimentos sociais que lutaram, e ainda
envelhecimento necessita de maior aten- lutam, pelos direitos da população idosa,
ção do poder público para que a velhice pela universalização e efetivação de direi-
possa ser vivenciada de forma digna, tos humanos fundamentais, como o direi-
saudável e com pleno gozo de direitos e to à vida, à saúde, à igualdade e à digni-
garantias civis, políticas e sociais. É fato dade, que devem estar assegurados em
que os idosos encontram-se positivados todas as fases da vida do indivíduo, so-
em legislações as mais diversas, entretan- bretudo na velhice. O objetivo deste arti-
to, enfrentam dificuldades em sua efeti- go é discutir os direitos da pessoa idosa e
vação. Nesse sentido, faz-se mister o en- problematizar sua capacidade de efetiva-
tendimento do idoso como sujeito de di- ção em contexto de crise fiscal do Estado
reitos que necessita de atenção especial, e precarização das políticas sociais.
tendo em vista que pertence a uma parce-
la crescente da população. Contudo, esse 1 Especificação dos direitos: em cena os
contingente populacional não deve ser direitos da pessoa idosa
homogeneizado, pois a faixa etária que
compõe os chamados idosos, no Brasil, Não há como tratar do tema dos direitos
considerados a partir de 60 (sessenta) a- da pessoa idosa sem fazer referência aos
nos de idade, é heterogênea e plural, en- direitos do homem, de um modo geral,

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até se chegar à especificidade dos direi- pação e das transformações das condições
tos, incluindo-se aí a maneira como tais de vida que essas lutas produzem [...]
direitos foram conquistados, as lutas tra- [sendo assim], são mutáveis, ou seja, sus-
vadas em prol deles, e a verificação se, de cetíveis de transformação e ampliação”
fato, estão sendo garantidos democrati- (BOBBIO, 2004, p. 51-52).
camente. Como acertadamente assevera
Bobbio (2004, p. 21), há uma relação in- Em contraposição a essa ideia, tem-se, por
trínseca entre os direitos do homem e a outro lado, o paradigma jusnaturalista, o
democracia, tendo em vista que “sem di- qual defende a ideia de que os direitos
reitos do homem reconhecidos e protegi- são inerentes ao homem, à condição hu-
dos não há democracia [...], e democracia mana, e é essa condição que justifica e
é sociedade dos cidadãos [que só se reco- explica a garantia desses direitos. Há ain-
nhecem enquanto tal] quando lhes são da algumas outras contradições quando
ofertados alguns direitos fundamentais”. os direitos se apresentam como conces-
sões do Estado, surgidos naturalmente ou
Em uma época onde são prezados valores até mesmo derivados da força divina.
como o individualismo, o imediatismo e,
sobretudo, a exploração máxima da capa- Os direitos humanos, vistos sob a ótica
cidade funcional do corpo humano, é que privilegia o seu desenvolvimento
preciso que a problemática do envelhe- histórico, em detrimento do fundamento
cimento esteja cada vez mais presente nas jusnaturalista, têm, como um de seus re-
discussões acerca dos direitos do homem presentantes, Bobbio (2004), que argu-
e do cidadão. Da mesma forma, também é menta sobre o tema dos direitos apontan-
importante a efetivação dos direitos da do-os como uma construção humana his-
população idosa para além do normativo, tórica, que ocorreu de maneiras e em é-
pois somente a garantia escrita desses pocas diferentes em vários países e socie-
direitos nos instrumentos legais através dades, ou seja,
da Constituição Federal, da Política Na-
cional do Idoso e do Estatuto do Idoso [...] por mais fundamentais que sejam, são
não assegura, de imediato, uma velhice direitos históricos nascidos em certas cir-
cunstâncias, caracterizadas por lutas em de-
vinculada à melhoria das condições de
fesa de novas liberdades contra velhos po-
vida. deres, e nascidos de modo gradual, não to-
dos de uma vez e nem de uma vez por to-
Assim como o tema envelhecimento não é das (BOBBIO, 2004, p. 25).
homogêneo entre as leis e os autores, o
dos direitos humanos também não o é, Visualizar os direitos a partir da sua cons-
trazendo consigo alguns paradigmas e trução sócio-histórica implica dizer que
divergências quanto ao seu surgimento. eles surgem, desenvolvem-se, ampliam-se
Por um lado, os direitos aparecem como e transformam-se em diferentes períodos
surgidos e conquistados historicamente, históricos de acordo com as configurações
emergindo “gradualmente das lutas que e os anseios de cada época, em que velhos
o homem trava por sua própria emanci- direitos vão desaparecendo e sendo subs-
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tituídos por novos direitos, quando uns vos e nações, a fim de se preservar o
são encarados como mais importantes do mundo e a humanidade.
que outros, passando a ser classificados e
divididos em gerações. Embora essa clas- Ainda que essas três gerações supracita-
sificação por gerações não seja aceita de das sejam encontradas com maior fre-
maneira unânime pelos autores, pois al- quência na literatura referente aos direi-
guns consideram mais pertinente a ex- tos, alguns autores já trazem os chamados
pressão dimensão, é bastante recorrente. direitos de quarta geração, os quais se
referem “aos efeitos cada vez mais trau-
Couto (2006) afirma que uma das manei- máticos da pesquisa biológica, que permi-
ras de se compreender mais claramente o tirá manipulações do patrimônio genético
campo dos direitos é organizá-lo a partir de cada indivíduo” (BOBBIO, 2004, p. 25).
das suas três gerações. Na primeira gera-
ção, inserem-se os direitos que só podem Assim sendo, essas duas últimas gerações
ser exercidos individualmente – civis e de direitos constituem uma categoria no-
políticos – e são de liberdade negativa, ou va, onde se situam e se constroem os
seja, opõem-se à presença do Estado para chamados “novos direitos”, que só são
serem exercidos livremente. possibilitados pela evolução histórica da
sociedade, que vai trazendo à tona a ne-
Os direitos de segunda geração – os direi- cessidade e a exigência de novas garanti-
tos sociais – evidenciados no século XX, as. Nessa perspectiva, pode-se dizer que
embora se constituindo desde o final do esses “novos direitos” instituídos no sé-
século XIX, ao contrário dos primeiros, culo XX, e também no XXI, são desafiado-
necessitam da intermediação do Estado res porque
para provê-los e, mesmo que exercidos de
forma individual, é no âmbito do Estado [...] não dizem respeito a grandes interesses
que os homens buscam o seu cumprimen- agregados e homogêneos, mas a diversifi-
cados interesses difusos, multidimensio-
to. Os direitos sociais visam construir
nais, referidos a questões que são vitais pa-
uma sociedade mais igualitária e minimi- ra todos os habitantes da Terra. Incluem-se
zar as desigualdades existentes na socie- aí tanto os direitos vinculados ao gênero, às
dade, sendo que o Estado é o principal várias fases da vida (crianças, terceira ida-
agente promotor e garantidor desses di- de), aos estados excepcionais da existência,
ao meio ambiente e à natureza, quanto os
reitos. direitos associados à integridade genética
das pessoas, por exemplo (NOGUEIRA,
Nesse sentido, Couto (2006) faz referência 2005, p. 8).
aos chamados direitos de terceira gera-
ção, dos quais são exemplo os vinculados A diversificação e multiplicação dos di-
ao meio ambiente e à natureza, à paz, à reitos, todo esse processo, como argu-
autodeterminação dos povos, ou seja, di- menta Nogueira (2005, p. 8), “[...] expan-
reitos de interesses difusos e heterogê- diu e recriou a cidadania, associando a ela
neos. Tais direitos originam-se pela preo- novos temas e novas dimensões”.
cupação com a boa convivência entre po-

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O desenvolvimento da cidadania, nas dores de direitos e não apenas de deve-


palavras de Marshall (1967), está atrelado res.
ao dos direitos civis, políticos e sociais e
identificado com a igualdade humana A propósito, Bobbio (2004), na obra A era
básica, sendo que a adesão e o usufruto dos direitos, explica claramente essas eta-
desses direitos podem conferir (ou não) pas, na qual a primeira é a fase da positi-
um status de cidadão aos indivíduos. Al- vação, quando se firmam e se reconhecem
guns autores fazem referência à estratifi- os direitos, ou seja, quando eles ganham
cação da cidadania na sociedade: para legitimidade. A segunda etapa, relacio-
uns, ela é universal e desfrutada com o nada à primeira, é a generalização; nela
acesso e o gozo pleno de direitos; para ocorre a difusão dos direitos de forma
outros indivíduos, diga-se de passagem, geral para todos os homens, tornando-se
os mais pobres, ela é parcial, fragmenta- o princípio da igualdade basilar para esta
da, onde o acesso aos direitos é bastante etapa. A internacionalização (ou univer-
restrito. Nessa direção, pode-se afirmar salização) diz respeito ao reconhecimento
que somente ter um status de cidadão, em (e ao apoio) dos direitos por parte da co-
tese, não basta; é preciso que sejam feitos munidade internacional. A última etapa,
esforços, principalmente por parte do a da especificação, passa a considerar o
Estado, no sentido de promover a efetiva- homem não mais genericamente, mas,
ção plena dos direitos para todos os cida- sim, como um sujeito singular e concreto.
dãos de uma nação. Dessa forma, o reco- Esta fase “[...] ocorreu com relação seja ao
nhecimento do idoso enquanto cidadão, gênero, seja às várias fases da vida” dos
entendido como portador de direito, re- indivíduos, como a velhice, “[...] seja à
presenta um avanço, no entanto, é neces- diferença entre estado normal e estados
sário que haja, além do reconhecimento, a excepcionais na existência humana”
efetivação desses direitos. (BOBBIO, 2004, p. 79). Dessa forma, a-
brange os direitos da pessoa idosa que,
Os direitos humanos têm como documen- assim como os direitos do homem de um
tos importantes, embora não únicos, modo geral, traz, salienta Bobbio (2004),
quando do seu processo de elaboração, a como grande desafio atualmente a difi-
Declaração dos Direitos do Homem e do culdade não tanto de fundamentá-los ou
Cidadão (1789) e a Declaração Universal justificá-los, mas, sim, de protegê-los.
dos Direitos Humanos (1948). Tais docu-
mentos possuem grande relevância na A emergência da necessidade de proteção
tentativa de universalização dos direitos, dos direitos, para a sua efetivação, atinge
entretanto, conquistá-los representa um todo o rol de direitos fundamentais aos
processo. Significa dizer, passar por eta- indivíduos, mas, principalmente, os direi-
pas de maior ou menor avanço, conforme tos sociais, que necessitam de um aparato
a conjuntura e estrutura de cada momen- estatal que os regule, controle e proteja.
to histórico, a realidade de cada nação. E, Tal tarefa é bastante complexa e torna-se
paulatinamente, o status de cidadão foi um pouco mais difícil nos dias atuais,
configurando os indivíduos como porta- num mundo marcado pela globalização e

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administrado, em grande parte, pelo neo- Embora ainda existam dificuldades em


liberalismo, presente em praticamente relação à efetivação dos direitos da pes-
todos os setores, ao pregar uma política soa idosa, sua legitimidade, assegurada
de minimização do Estado como promo- pela positivação em legislações, como a
tor da sociedade civil, e sua maximização Política Nacional do Idoso, o Estatuto do
para a fluência do capital. Idoso e a Política Nacional de Saúde do
Idoso, representa um grande avanço no
Essa questão se reflete diretamente nas sentido do seu reconhecimento, contudo,
políticas sociais, que tendem a ser menos é necessário concretizá-la. Mas, em um
universalizantes e mais seletivizadas, contexto da máxima “menos Estado e
sendo que elas são instrumentos impor- mais mercado”, proposta pelos conserva-
tantíssimos para a efetivação dos direitos dores e apresentada como uma grande
das mais diversas parcelas da população, inovação frente à crise do Estado, os desa-
entre elas a pessoa idosa. À luz dos estu- fios tornam-se imensos. O envelhecimen-
dos de Beauvoir (1990) e Zimerman to da população, em nível nacional e in-
(2000), essa população, inserida numa ternacional, traz novas configurações na
faixa etária de maior fragilização, necessi- maneira como a pessoa idosa passa a ser
ta de cuidados e atenção diferenciada, encarada pela sociedade, imprimindo à
tendo em vista que o envelhecimento a- velhice (entendida em seus aspectos mul-
carreta alterações físicas, psicológicas, tidimensionais e heterogêneos) a dimen-
sociais, fisiológicas e existenciais, e po- são de expressão da questão social que
dem ser observadas, em maior ou menor necessita de atenção e que precisa conti-
grau, variando entre os indivíduos de nuar inserida nas discussões e na agenda
acordo com as suas condições de vida e das políticas públicas das nações.
contexto social e conforme as característi-
cas genéticas de cada um.
2 Envelhecimento na agenda pública e
as políticas sociais para a pessoa idosa
Dada a dificuldade de proteção dos direi-
tos, faz-se cada vez mais urgente a parti-
A abordagem acerca do envelhecimento
cipação do Estado nessa tarefa para ga-
populacional na agenda pública interna-
rantir o pleno exercício da cidadania aos
cional foi fomentada por grandes debates.
indivíduos de modo geral, percebidos
A partir da década de 1970, como assina-
enquanto cidadãos portadores de uma
lam Camaraño e Pasinato (2004), os pro-
gama de direitos. Assegurados num sis-
gramas sociais voltados para o envelhe-
tema de garantias, tais direitos são ofer-
cimento começam a tomar expressão nos
tados pelo Estado Democrático de Direi-
países desenvolvidos. Neles, “o envelhe-
to, que exerce um papel importante, so-
cimento populacional ocorreu em um
bretudo para os direitos sociais, que ne-
cenário socioeconômico favorável, o que
cessitam de uma intervenção positiva do
permitiu a expansão dos sistemas de pro-
Estado, para que possam ser efetivamente
teção social”, que tinham como objetivo
usufruídos, e dependem diretamente da
“a manutenção do papel social dos idosos
vontade política para serem promovidos.
e/ou a sua reinserção, bem como a pre-
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venção da perda de sua autonomia”. Nos lidades do envelhecimento no século XXI.


países em desenvolvimento, como o Bra- Suas recomendações específicas para ação
sil, o envelhecimento “[...] está ocorrendo davam prioridade às pessoas mais velhas
em meio a uma conjuntura recessiva e e sua relação com o desenvolvimento,
uma crise fiscal que dificultam a expan- propondo melhorias na saúde e no bem-
são do sistema de proteção social para estar na velhice, assegurando habitação e
todos os grupos etários e soma-se a uma ambientes de apoio. Convém ressaltar o
ampla lista de questões sociais não- domínio das ideias neoliberais, nessa As-
resolvidas” (CAMARAÑO; PASINATO, sembleia, ao exercer significativa influên-
2004, p. 253-254). cia no gerenciamento das ações voltadas
para o envelhecimento; mencione-se tam-
Dois marcos importantes para a inserção bém a forte presença de organizações não
do envelhecimento no Estado Democráti- governamentais e a colaboração estabele-
co de Direito e na agenda pública interna- cida entre o Estado e a sociedade civil para
cional, que trouxeram reflexos para o ce- garantir a proteção social.
nário nacional, foram: primeiro, a As-
sembleia Mundial sobre o Envelhecimen- Essas assembleias, juntamente com outros
to, na cidade de Viena, em 1982, segundo, movimentos e transformações ocorridos
a Assembleia Mundial, ocorrida em Ma- posteriormente acerca da problemática do
dri, no ano de 2002, ambas promovidas envelhecimento, principalmente na déca-
pela ONU. Camaraño e Pasinato (2004) da de 1990 – quando a questão do enve-
asseveram que a Assembleia de Viena lhecimento adquire maior representativi-
resultou num plano de ação global e re- dade e entra de forma mais expressiva
presentou um avanço, colocando a ques- nos países em desenvolvimento, como o
tão do envelhecimento como foco de a- Brasil – representam uma preocupação
tenção, pois, até então, as questões soci- crescente das nações com o envelheci-
ais, como o envelhecimento, não recebiam mento da sua população, tendo em vista
as mesmas regalias que os assuntos eco- o alargamento do topo das suas pirâmi-
nômicos e políticos. des etárias, ou seja, o aumento do número
de idosos.
As referidas autoras pontuam, ainda, a-
simportantes implicações da Assembleia Em nível nacional, a entrada do envelhe-
de Madri, que também resultaram num cimento populacional na agenda das polí-
Plano de Ação; desta vez, o foco era de- ticas públicas brasileiras foi gradativa e
senvolver uma política internacional para contou com vários sujeitos, tais como:
o envelhecimento para o século XXI. Na Sociedade Brasileira de Geriatria e Geron-
ocasião, a Assembleia adotou uma Decla- tologia (SBGG), Associação Nacional de
ração Política e um Plano de Ação Interna- Gerontologia (ANG), ações da sociedade
cional sobre o Envelhecimento de Madrid. O civil organizada, como o SESC e seus
Plano de Ação pedia mudanças de atitu- programas pioneiros para a terceira ida-
des, políticas e práticas, em todos os ní- de, dentre outros que mobilizaram os i-
veis, para satisfazer as enormes potencia- dosos e a sociedade e foram os difusores

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das recomendações internacionais das pessoas idosas, que reforça as diretrizes


assembleias mundiais. Mas foi com a u- contidas na PNI e unifica leis e políticas
niversalização da Seguridade Social, na que até então permaneciam fragmentadas
Constituição de 1988, que a atenção à po- e setorializadas: o Estatuto do Idoso. A-
pulação idosa representou um grande provado em 1º de outubro de 2003 (Lei no
avanço, porque, de acordo com 10. 741) e elaborado com a contribuição
Camaraño e Pasinato (2004), vinculou a de entidades de defesa dos direitos dos
rede de proteção social ao direito de ci- idosos, o Estatuto do Idoso é um impor-
dadania, e não somente ao contexto estri- tante instrumento de garantia de direitos
tamente social-trabalhista e assistencialis- alcançados por eles. “Trata-se de um me-
ta. Outro fator de extrema relevância, que canismo formal, legal, que visa garantir
assinala a sensibilidade do governo brasi- direitos elementares da existência, da in-
leiro no sentido de positivar e efetivar tegridade da vida e do corpo, e da digni-
direitos à população idosa e também dade” da pessoa idosa (TEIXEIRA, 2008,
constata o êxito dos movimentos e orga- p. 288-289), considerada legalmente, para
nizações nacionais em prol dos idosos, foi efeitos jurídicos, a partir dos 60 (sessenta)
a aprovação da Política Nacional do Ido- anos de idade.
so (PNI), em 4 de janeiro de 1994 (Lei no
8.842), que assegura direitos sociais à pes- Outro documento que confirma a riqueza
soa idosa. e o avanço da legislação brasileira na de-
fesa dos direitos da pessoa idosa, pelo
A PNI, no entanto, embora seja um im- menos em tese, tendo em vista que, na
portante instrumento legal que amplia a prática, a efetivação ainda é insatisfatória,
proteção social para a população idosa, é a Portaria nº 2.528, que trata da Política
também acaba sendo mais uma política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, a-
social afetada pelas reformas neoliberais provada em 19 de outubro de 2006.
baseadas, por exemplo, no princípio da
setorialização das políticas sociais e na 3 A formulação das políticas de proteção
privatização da execução das ações. O social à pessoa idosa: avanços e
Estado passa, dessa forma, a não ser prio- problemas no seu desenho
ritário como garantidor de direitos, re-
passando, em parte, sua responsabilidade A aprovação de leis, como a PNI, o Esta-
para a sociedade civil, “[...] através de tuto do Idoso e a Política Nacional da Sa-
ações desenvolvidas por organizações úde da Pessoa Idosa, que garantem os
não governamentais (ONGs), comunida- direitos para a população idosa, é, sem
de, família ou entes municipais” (TEI- dúvida, um grande avanço para a socie-
XEIRA, 2008, p. 266). dade, e não apenas para a população ido-
sa, considerando-se que, na medida em
Alguns anos após a aprovação da Política que aumentamos a nossa expectativa de
Nacional do Idoso, mais especificamente vida, tendemos a vivenciar por mais tem-
nove anos, houve a aprovação de uma po um período relativamente longo da
legislação relativa à atenção destinada às existência: a velhice. Cabe ressaltar que o
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processo de envelhecimento deve ser vi- mente, este dever, por gerir fundos públi-
venciado em condições dignas de vida, cos e ter funções sociais e políticas na re-
de saúde e de sobrevivência, que podem produção social dos seus cidadãos.
ser viabilizadas em grande parte quando
os direitos são garantidos de fato, e não Nesse sentido, destaca-se o primeiro
apenas escritos. princípio que orienta a PNI: em seu Arti-
go 3º, afirma que “[...] a família, a socie-
A supracitada legislação assinala, indubi- dade e o Estado têm o dever de assegurar
tavelmente, uma progressiva sensibiliza- ao idoso todos os direitos da cidadania,
ção dos governos, de modo a garantir os garantindo sua participação na comuni-
direitos da pessoa idosa, mas também e, dade, defendendo sua dignidade, bem-
além disso, é resultado das lutas dos mo- estar e o direito à vida” (BRASIL, 2010a,
vimentos e organizações da sociedade p. 6). Nesse sentido, a PNI reafirma direi-
pela defesa dos direitos dos idosos, que tos garantidos constitucionalmente, mas
passam a ser percebidos como cidadãos aponta “a participação da sociedade civil
inseridos no Estado Democrático de Di- como espaço de efetivação de serviços e
reito, desfrutando dos direitos humanos proteção social ao idoso, em especial, a
fundamentais e também dos direitos ci- modalidade não mercantil, como a famí-
vis, políticos e sociais garantidos legal- lia” (TEIXEIRA, 2008, p. 279).
mente.
Evidenciar a família como espaço priori-
A Política Nacional do Idoso avança na tário no cuidado com o idoso, por um
efetivação dos direitos desse segmento, lado, avança na perspectiva de acionar a
pois, além de regulamentá-los, também institucionalização (o abrigamento e asi-
cria o Conselho Nacional do Idoso e dá lamento) do indivíduo apenas como úl-
outras providências, com a finalidade de, tima opção, o que pode trazer, em muitos
conforme o artigo 1º, criar condições para casos, efeitos positivos, tendo em vista
a promoção da “sua autonomia, integra- que o idoso estaria em convívio com os
ção e participação efetiva dos idosos na seus familiares, evitando assim o isola-
sociedade” (BRASIL, 2010a). No entanto, mento, que poderia levar a graves conse-
e apesar de atestar direitos formalmente, quências, como depressão, por exemplo.
essas garantias não se expressam por Por outro lado, pode implicar a responsa-
completo em ações efetivas, pois limitam bilização das famílias que, por vezes, já se
a sua realização no momento em que os encontram fragilizadas, sem condições de
princípios e diretrizes da PNI dividem cuidar dele. Essa perspectiva reforça,
responsabilidades, na garantia dos direi- mais uma vez, a redução do Estado, que
tos, pautando-se na descentralização da dirige suas ações apenas para casos de
execução e implementação das políticas extrema pobreza.
ao direcioná-las para a sociedade civil
(organizações não governamentais, famí- Nessa direção, a Política Nacional do Ido-
lia e mercado). Entretanto, é incontestável so traz em seu Artigo 4º, que trata das
que cabe ao Poder Público, prioritaria- diretrizes, a “[...] priorização do atendi-

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Ana Paula FERREIRA; Solange Maria TEIXEIRA

mento ao idoso através de suas próprias social, habitação e urbanismo, da justiça e


famílias, em detrimento do atendimento ainda nas áreas de cultura, esporte e la-
asilar, à exceção dos idosos que não pos- zer. Contudo, em algumas das ações go-
suam condições que garantam sua pró- vernamentais mencionadas no Artigo 10,
pria sobrevivência” (BRASIL, 2010a, p. 7). ao poder público cabe o dever de “esti-
Ademais, desconsidera as vicissitudes da mular a criação”, “apoiar a criação”, “in-
convivência familiar, as contradições, as centivar” e não de criar mecanismos que
violações que podem promover e exclui a garantam a efetividade dos direitos
opção individual das pessoas idosas. (BRASIL, 2010a). Assume o poder públi-
Resguardadas suas ambiguidades, a PNI co, assim, um papel secundário (quando
é um valioso instrumento para a efetiva- deveria ser primário) e, por vezes, vago, o
ção dos direitos dos idosos, embora essa que caracteriza a execução dessa política
efetivação se dê de forma lenta e gradual. tão importante inserida no contexto atual
Nesse diapasão, a luta dessas pessoas e do neoliberalismo, que secundariza o pa-
das organizações tem de ser contínua, no pel do Estado e divide responsabilidades
afã de zelar por seus direitos. Além disso, sociais, legitimando ações de outras ins-
faz-se mister um processo educativo, mo- tâncias, que não a pública, no trato das
bilizado por esses sujeitos e promovido questões sociais.
pelo poder público, de esclarecimento à
população, não só em relação à pessoa Também tem participação imprescindível
idosa, mas sobre os direitos dos cidadãos. na positivação dos direitos dos idosos a
Lei nº 10. 741, que reforça as diretrizes da
A PNI também traz, em seu capítulo IV, PNI e dispõe sobre o Estatuto do Idoso e
importantes disposições que especificam dá outras providências. O Estatuto, assim
as ações governamentais. No Artigo 10, como a PNI, também garante, nos termos
aponta as competências dos órgãos e en- da lei, direitos humanos fundamentais
tidades públicos em diversas áreas, como que devem ser estendidos aos idosos,
a da assistência social, que reforça uma versando, em seu Artigo 8º, o direito per-
das tendências das políticas sociais no sonalíssimo do envelhecimento e a sua
atual contexto de parcerias público- proteção, que é um direito social assegu-
privadas, ao enfatizar que, na área da rado nessa lei. Também assinala, logo em
promoção e assistência social, cabe “[...] seu Artigo 2°, que
prestar e desenvolver ações voltadas para
o atendimento das necessidades básicas [...] o idoso goza de todos os direitos fun-
do idoso, mediante a participação das damentais inerentes à pessoa humana, sem
famílias, da sociedade e de entidades go- prejuízo da proteção integral que trata esta
vernamentais e não governamentais” Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por ou-
(BRASIL, 2010a, p. 9). tros meios, todas as oportunidades e facili-
dades, para preservação de sua saúde física
e mental e seu aperfeiçoamento moral, inte-
Dentre suas disposições, a PNI traz, ain- lectual, espiritual e social, em condições de
da, ações governamentais nas áreas da liberdade e dignidade (BRASIL, 2010b, p.
saúde, educação, trabalho e previdência 5).

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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.1, p. 160-173, jan./jun. 2014.
Direitos da pessoa idosa

Na garantia de direitos sociais, o Estatuto


inclui o direito à saúde, já incluso no di-
O Estatuto garante, ainda, direitos civis,
reito à vida e destacado com mais atenção
políticos e sociais. Entre os direitos civis,
entre os Artigos 15 e 19, o qual versa so-
assegura o direito à liberdade, que abran-
bre uma série de obrigações das institui-
ge a faculdade de ir e vir, a liberdade de
ções públicas de saúde, garantindo aos
opinião e expressão, de crença e culto re-
idosos atenção integral à saúde por meio
ligioso. Destaca-se ainda o Capítulo X do
do Sistema Único de Saúde (SUS).
referido Estatuto que, ao tratar dos trans-
portes, inova ao ampliar o direito de ir e
vir do idoso, nos Artigos 39, 41 e 42,
Como todos os direitos sociais, o direito à
saúde é obrigação do Estado, que deve
Aos maiores de 65 anos fica assegurada a
gratuidade dos transportes coletivos públi- desenvolver ações que caminhem para a
cos urbanos e semiurbanos (Art. 39). É as- universalização. Além disso, nesse capí-
segurada a reserva, para os idosos, nos tulo da saúde, a lei traz disposições sobre
termos da lei local, de 5% das vagas nos es- as instâncias que os profissionais da área,
tacionamentos públicos e privados, as quais
e toda a população, podem e devem de-
deverão ser posicionadas de forma a garan-
tir a melhor comodidade ao idoso (Art. 41). nunciar em caso de suspeita de maus-
É assegurada a prioridade do idoso no em- tratos contra os idosos. São elas: a autori-
barque no sistema de transporte coletivo dade policial, o Ministério Público e os
(Art. 42) (BRASIL, 2010b, p. 19-20). Conselhos Municipal, Estadual e Nacio-
nal do Idoso. O direito à saúde é bastante
O Estatuto desburocratiza a obtenção da
violado tendo em vista que, para que
gratuidade nos transportes a que se refe-
possa ser viabilizado, é necessário que as
re, tendo em vista que basta ao idoso a-
instituições de saúde estabeleçam crité-
presentar qualquer documento pessoal
rios mínimos de atendimento, não só para
que comprove a sua idade. No entanto,
a população idosa, mas para toda a socie-
para que a efetivação desse direito ocor-
dade. No entanto, o que se percebe, na
resse de forma mais presente na realidade
realidade diária dessas instituições, é um
dos idosos, deveria haver uma maior fis-
sucateamento da saúde e um descaso tan-
calização do poder público nas empresas
to com os profissionais que nela atuam,
de transporte, tendo em vista que, muitas
quanto com a população.
vezes, este direito é desrespeitado, fican-
do a critério dos empresários ofertá-lo ou
O Estatuto do Idoso, por ser uma legisla-
não. Cumpre ressaltar que aliado à fisca-
ção bastante ampla, também trata de ou-
lização, também é preciso apresentar
tros direitos dos idosos, como o direito à
programas de esclarecimento à popula-
educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à
ção, principalmente ao público-alvo, a
alimentação, à profissionalização e ao
pessoa idosa, no sentido de continuar
trabalho, à assistência social e à previdên-
buscando junto ao poder público a efeti-
cia social, colocando o modo como estes
vação dos seus direitos normatizados e a
direitos devem ser assegurados para a
sua integração como sujeitos de direitos.
população idosa.

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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.1, p. 160-173, jan./jun. 2014.
Ana Paula FERREIRA; Solange Maria TEIXEIRA

Sob vários aspectos, o Estatuto do Idoso tos, sobretudo direitos sociais, que de-
avança sobre a PNI, mas, por outro lado, pendem sobremaneira do Estado para
assim como a PNI, embora busque firmar serem efetivados, não podendo ser viabi-
as responsabilidades do Estado quanto às lizados numa perspectiva universalizante
ações voltadas para a pessoa idosa, não em instâncias outras, como o mercado e
deixa de dividi-las com as ONGs e o Ter- as organizações não governamentais. Es-
ceiro Setor, que passam a ser correspon- tes, embora por vezes acabem protagoni-
sáveis, cogestores pela execução da políti- zando ações que refletem positivamente
ca. Sobre isso, consta, no Artigo 46: “A na garantia dos direitos e na melhoria de
política de atendimento ao idoso far-se-á vida dos indivíduos, inclusive dos idosos,
por meio do conjunto articulado de ações não são capazes de absorver a demanda
governamentais e não governamentais da da população, a qual só pode ser ampla-
União, dos Estados, do Distrito Federal e mente atendida pelo poder público, que
dos Municípios” (BRASIL, 2010b, p. 22). tem de fato capacidades financeiras e es-
Esse compartilhamento de responsabili- truturais de provê-la, ofertando-lhe a de-
dades, inserindo a sociedade civil, as vida proteção social. Isso representa um
ONGs e o Terceiro Setor como executores desafio para a efetivação dos direitos no
de políticas sociais, impõe limites na im- contexto atual, impregnado pelos ditames
plementação das políticas. As parcerias do neoliberalismo, que prega a redução
público-privadas, adaptadas aos princí- dos gastos sociais.
pios neoliberais, de acordo com o men-
cionado por Teixeira (2008), trazem am- 4 Desafios na garantia dos direitos da
biguidades, configurando um novo modo pessoa idosa
de administrar a proteção social que deve
ser promovida pelo Estado: Todas essas ações, iniciativas e políticas
direcionadas à população idosa, resguar-
[...] de um lado, a lei define como compe- dadas as suas limitações, são imperativas
tência dessas organizações a participação para esse setor da população. No entanto,
ativa e crítica na formulação da política [...],
cabe fazer referência aos desafios de se
de outro, legitima a divisão de responsabi-
lidades nas ações de proteção social, com a concretizar direitos e de consolidar, no
participação destas na execução das políti- contexto atual, de políticas sociais sob os
cas, assumindo funções do Estado na prote- moldes neoliberais. Põe-se, então, como
ção social (TEIXEIRA, 2008, p. 293). um dos principais desafios, o de se uni-
versalizar e democratizar direitos que
Conquanto seja necessário uma democra- passam a ser administrados, cada vez
tização em relação à participação da soci- com mais frequência, na esfera privada –
edade, imprimindo suas necessidades e nas instituições da sociedade civil organi-
levando as suas demandas para o poder zada, como as ONGs e o Terceiro Setor –
público, abrindo, assim, canais de parti- e ainda a instância do mercado onde só
cipação pelo viés do controle social, é in- quem acessa os direitos é quem pode pa-
trincado passar para esta sociedade a res- gar por eles.
ponsabilidade de viabilizar para si direi-
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Direitos da pessoa idosa

Todavia, a esfera privada só pode atender não possui condições de comprá-los, deverá
limitadamente e de modo restrito os inte- acessá-los através da benevolência da soci-
edade, que retoma o papel de responsável
resses da coletividade, tendo em vista que por atender às demandas sociais (COUTO,
não consegue abranger as demandas so- 2006, p. 72).
ciais, inclusive a dos idosos, que são mui-
to complexas e necessitam cada vez mais Assim, as políticas sociais brasileiras,
da participação do Estado como instância num contexto neoliberal que reorganiza
primeira (e por excelência) de garantia e as funções do aparelho estatal de modo a
efetivação de direitos sociais à população. diminuir sua responsabilização com o
É fato que “não existe direito sem sua atendimento das refrações da questão
realização e sem suas mediações e a polí- social, apresentam aspectos negativos,
tica social é sem dúvida mediação fun- imensos obstáculos a sua efetivação, re-
damental”, sendo que, sob a perspectiva portando-os como obrigação da socieda-
neoliberal, passa a operar “de forma des- de civil de respeitá-los, garanti-los e pro-
contínua, incompleta, seletiva” (YAZBEK, movê-los.
2009, p. 64) e ainda de modo desintegra-
do, dificultando ainda mais a universali- Conclusão
zação dos direitos sociais, que são os que
mais padecem com esse reordenamento Diante do exposto, pode-se asseverar que,
das políticas sociais. Verifica-se, então, perante o aumento da população idosa,
uma contradição imposta pelo neolibera- envelhecer é um processo atual e cada
lismo: por um lado, intensifica os pro- vez mais palpável na realidade brasileira.
blemas sociais, tendo em vista que desre- Com efeito, nos últimos anos, a sociedade
gulamenta e dificulta o usufruto dos di- alcançou importantes vitórias quanto aos
reitos (sociais) da população e exime o direitos da pessoa idosa, tanto em nível
Estado de sua responsabilidade; por ou- internacional quanto no Brasil, com a a-
tro, a intensificação desses problemas faz provação de legislações que aderiram a
com que a população careça de uma par- ações postas nas discussões mundiais,
ticipação mais efetiva do Estado na ga- que caminham no sentido de voltar os
rantia de tais direitos. Além disso, como olhos do poder público, e também da so-
salienta Soares (apud COUTO, 2006, p. ciedade, para as demandas de um seg-
70), “os direitos sociais perdem identida- mento da população que está em proces-
de e a concepção de cidadania se restrin- so de crescimento: a pessoa idosa. Toda-
ge” nesse contexto de ajuste neoliberal. via, ainda são observadas deficiências e
Outro aspecto mencionado por Couto, entraves quanto à efetivação de tais direi-
quanto aos direitos sociais no neolibera- tos, que ainda não conseguiram refletir
lismo, é que, por completo uma melhoria nas condi-
ções de vida dos idosos, evidenciando,
[...] retoma a lógica do mercado e da filan- como salientam Camaraño e Pasinato
tropia para o atendimento das demandas
(2004, p. 282), que a “[...] legislação é bas-
[...]. Se o indivíduo tem dinheiro, deverá
comprá-los no mercado, transitando, assim, tante rica e avançada, no entanto a prática
da ótica do direito para a mercadoria. Se é pouco satisfatória”.
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Ana Paula FERREIRA; Solange Maria TEIXEIRA

Sendo assim e tendo em vista que a popu- BRASIL. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de
lação idosa constitui um segmento da 1994. Política Nacional do Idoso. Brasília.
população bastante diversificado e hete- Reimpresso em maio, 2010a.
rogêneo, é imperativo que existam políti-
cas sociais que atendam as suas necessi- BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro
dades e promovam sua inclusão na soci- de 2003. Estatuto do Idoso. 4. ed. Brasília.
edade. Mas não basta apenas desenvolver Reimpressão em maio, 2010b.
políticas para a terceira idade; conside-
rando-se que o envelhecimento é um pro- BRASIL. Portaria nº 2.258, de 19 de outu-
cesso desenvolvido ao longo da vida e a bro de 2006. Política Nacional de Saúde
atenção e os cuidados devem ser estendi- da Pessoa Idosa.
dos para os mais jovens, eles podem sig-
nificar qualidade de vida e acesso a me- CAMARAÑO, A. A.; PASINATO, M. T.
lhores condições para se envelhecer com Os novos idosos brasileiros: muito além
dignidade e cidadania. dos sessenta? Rio de Janeiro: IPEA, 2004.

Nesse sentido, as políticas sociais, quan- COUTO, B. R. O direito social e a assis-


do são de fato implantadas, incluindo-se tência social na sociedade brasileira:
as destinadas para os idosos, representam uma equação possível? 2. ed. São Paulo:
importantes instrumentos para que as Cortez, 2006.
pessoas possam ter assegurados e ainda
efetivados seus direitos. No entanto, “[...] MARSHALL. T. H. Cidadania, classe so-
para que as políticas voltadas para o en- cial e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
velhecimento populacional possam ser
efetivas, é necessário que apresentem NOGUEIRA, M. A. O desafio de construir
uma abordagem integrada em seus diver- e consolidar direitos no mundo globali-
sos setores específicos: saúde, economia, zado. Serviço Social e Sociedade, São
mercado de trabalho, seguridade social e Paulo, n. 82, 2005.
educação” (CAMARAÑO; PASINATO,
2004, p. 289). TEIXEIRA, S. M. Envelhecimento e tra-
balho no tempo do capital: implicações
para a proteção social no Brasil. São Pau-
Referências
lo: Cortez, 2008.

BEAUVOIR, S. de. A velhice. Rio de Ja-


YAZBEK, M. C. Mudanças atuais no capi-
neiro: Nova Fronteira, 1990.
talismo e perspectivas para as políticas
públicas. Revista de Políticas Públicas.
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de
São Luís, n. especial, 2009.
Janeiro: Elsevier, 2004.
ZIMERMAN, G. I. Velhice: aspectos bi-
opsicossociais. Porto Alegre: Artmed,
BRASIL. Constituição (1988). Constitui-
2000.
ção da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado, 1988.
173
Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n.1, p. 160-173, jan./jun. 2014.

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