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Ingmar Bergman
Sérgio Dias Branco | 15 Jan 2019 | Cinema, televisão e média, Cultura e artes, Últimas
Finalmente, Tomas lê a carta. Ouvimo-la quase toda da boca de Marta numa posição
frontal. Ela questiona se ele acredita no poder da oração. No Verão passado, ela tinha as
mãos em ferida por causa de uma comichão terrível e disse-lhe para ele rezar. Mas as
feridas assustaram-no. Foi ela que rezou intensamente sobre a sua situação para lhe
encontrar sentido e ter claridade mental. E assim foi. Viviam juntos sem amor. A
comichão alastrou e ele afastou-se. Ela nunca partilhou a fé que ele dizia que tinha nem
percebeu a indiferença dele em relação a Jesus Cristo.
Tomas é viúvo há quatro anos. A vida dele só continua porque ainda sente que é útil
para os outros, embora a realidade não o confirme. Na segunda conversa com Jonas, ele
confessa o seu egoísmo: o amor que tem por si próprio é maior do que o amor que tem à
humanidade. Imaginou um deus protegido dos problemas da vida para que a divindade
não se tornasse monstruosa. As reflexões em voz alta do pastor são insuportáveis: “Se
Deus não existe faz alguma diferença? A vida torna-se compreensível. Que alívio! E a
morte será apenas o abandono da vida. A dissolução do corpo e da alma. Crueldade,
solidão, e medo – todas estas coisas seriam evidentes e transparentes. O sofrimento é
incompreensível. Não precisa de explicação. Não há criador. Nenhum sustentador da
vida. Nenhum desenho.” Jonas engole em seco e sai, desesperado, anunciando a
tragédia. A luz que ilumina a parede de fundo ganha intensidade e recorta o rosto
carregado de Tomas que ocupa todo o ecrã. “Deus, porque me abandonaste?”,
pergunta ele (como em Mateus 27,46 e Marcos 15,34, a partir do Salmo 22). A crise
existencial e de fé dele é assim colocada em paralelo com o percurso de Cristo.
Marta consola-o junto ao altar enquanto o beija.