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O ANTROPOCENO E OUTRAS NOVAS PERIODIZAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA

AMBIENTAL DO TEMPO PRESENTE

Por Jo Klanovicz

1 Introdução
Neste capítulo, aproximo História Ambiental e História do Tempo Presente a partir do que
julgo ser um dos principais pontos de encontro entre essas duas formas de fazer historiográfico, que
é a proposição de novas discussões e usos do tempo, de periodizações (e sobre o próprio papel da
narrativa na história). Juntas, História Ambiental e História do Tempo Presente carregam uma marca:
a contemporaneidade dos temas e dos problemas que trabalham, bem como das abordagens que
utilizam. Isso faz delas campos oportunos, relevantes e capazes de dialogar e contribuiir com diversas
comunidades para além do mundo da História.1
Apesar de partirem da contemporaneidade, a História Ambiental e a História do Tempo
Presente, para autores como Sverker Sörlin, não tem intercambiado experiências significativas. A
primeira tem escapado das periodizações da cultura política e da memória, comuns à História do
Tempo Presente, por um lado, enquanto que a última não tem buscando mesclar esses tempos com
outros mais profundos. Enquanto o diálogo não é estabelecido, a corrente dos acontecimentos
políticos globais tem recebido cada vez mais sedimentos da ecologização da política e da politização
das questões ambientais. E tem mais: as críticas à História Ambiental se acumulam dizendo que ela
teria se distanciado do mundo político e social, que é presentista e inacabada. Por outro lado, o
presentismo e o caráter provisório e inacabado da história também é elemento de crítica com relação
à História do Tempo Presente.
Minha perspectiva, então, é dizer que mais do que se fazer História Ambiental de um lado e
História do Tempo Presente de outro, poderíamos começar a construir alguns pilares do que chamarei
de História Ambiental do Tempo Presente e creio que o primeiro passo para isso é pensar o trato do
tempo e de uma periodização que possa ser de apropriação comum a ambos os campos. Acredito que
uma das maneiras de criar essa arena é discutir, ainda que de maneira incipiente, a contemporaneidade
da periodização histórica do Antropoceno e de outras que vem sendo propostas de fora para dentro
da História.
Discutir os desafios de delimitação espacial e temporal na História é uma responsabilidade
intelectual da qual não podemos fugir. Se, como observa Yi-Fu Tuan, tudo que acontece acontece
num lugar,2 tudo o que acontece – e para a História isso é crucal – acontece num tempo (que se
metamorfoseia constantemente). A periodização, nesse sentido, implica a reconceituação de nós
mesmos e de quem pode ser agente da história.
As implicações do tempo talvez sejam mais ainda desafiadoras para a História Ambiental em
função de que a “modernidade da questão ambiental”, como observa José Augusto Pádua, “não está
relacionada apenas com as consequências da grande transformação urbano-industrial que ganhou
escala sem precedentes a partir dos séculos XIX e XX, mas também com uma série de outros
processos macro-históricos que lhe são anteriores e que com ela se relacionam (dentro do jogo de
continuidades e descontinuidades que caracteriza os processos históricos).”3
A História do Tempo Presente, de maneira similar, também carrega como desafio um dilema temporal
ou de periodização, qual seja o da demarcação de processos contemporâneos, do que se pode
considerar presente em meio às pressões intra e extrahistóricas sobre o que delimitar como fato,
evento, passado e presente, continuidade e ruptura, memória e história.
Ambos os campos vieram a constituir, desde sua institucionalização, espacialidades e periodizações
alternativas àquelas pautadas nos estados nacionais e no que Sebastian Conrad denomina de
nacionalismos teórico-metodológicos4 ou ainda no que Donna Haraway chama de individualismo
metodológico da História.5 Ao abraçarem temas contemporâneos, tais como processos e eventos,
naturais, sociais, econômicos e políticos, observando consequências que afetam sociedades humanas
hoje e no futuro, vieram a se acomodar no trato com processos “inacabados”, “em curso”, residindo
aí sua principal força.6
Dessa maneira, tanto História Ambiental como História do Tempo Presente solaparam as
delimitações temporais tradicionais da História, apropriando-se por vezes delas, porém com novo
sentido, tais como o quadripartismo ou ainda as delimitações expressamente políticas como as eras
propostas por Eric Hobsbawm (Revoluções, Capital, Impérios, Extremos),7 Joseph Fontana8 ou
Samuel Huntington.9 A História Ambiental tem apresentado, por exemplo, outras periodizações
apropriadas de campos como a Biologia, a Economia, a Geologia, tais como a Era da Ecologia, o
Holoceno e, mais recentemente, periodizações provocativas e polêmicas como o Antropoceno, o
Capitaloceno, o Ocidentaloceno, o Plantationoceno e o Chlutuceno.
Ao trabalhar a contemporaneidade e as novas periodizações que podem transitar entre História
Ambiental e História do Tempo Presente, é preciso considerar a história como estrutura ou melhor,
como fluxo de eventos e curso do tempo, o que permite uma reflexão sobre termos como agora,
processo, ruptura, mudança e continuidade, com suas nuances e problemas, bem como a
possibilidade de novas periodizações nesses dois campos.10

2 História, estrutura, temporalidades


Ao longo do século XX, lutas cada vez maiores sobre o estatuto e o papel da História frente
às crises socioambientais, políticas, econômicas e simbólicas fizeram com que a natureza da própria
História emergiu à tona no debate acadêmico e filosófico, especialmente no que se refere à ideia de
tempo e de contemporaneidade, principalmente na sua dimensão estética e ética.
Walter Benjamin refletia constantemente sobre o tema, observando a relação dialética entre
passado e presente e a necessidade de se construir o contemporâneo a partir, justamente, da
reconhecibilidade dos distintos “agoras”. Para ele, a relação do presente com o passado seria
eminentemente temporal, mas a relação do que aconteceu com o agora seria totalmente dialética e
essas imagens dialeticamente construídas é que fundamentariam a própria história.11
Estamos falando de uma preocupação fundamental à História que é o estatuto da interpretação
e da explicação na construção do conhecimento histórico ou, como Hans-Georg Gadamer observou,
da ideia de “senso” ou “tato”,12 constituídos na esfera do tempo e do espaço. A contemporaneidade
estaria na relação entre continuidade e descontinuidade.
O que garantiria o senso histórico e a possibilidade de estabelecer passado e presente seria
nossa capacidade de estarmos bem posicionados na frente de uma decisão sobre o próprio passado,
sobre o que narrar, o que selecionar, o que ignorar ou esquecer, e como e o que interpretar. 13 A ideia
de que a existência humana e a orientação reflexiva sobre ela percorrem o próprio fluxo da história e
a constituem, estabelece a própria história como estrutura temporal de acontecimentos e campo de
conhecimento. Essas nuances ocupam lugar no cursus temporum que é a própria história, a estrutura
na qual o curso dos eventos toma lugar no tempo, para utilizar uma expressão do historiador Nathan
Rotenstreich.14 A função de quaisquer historiadores e historiadoras seria, nesse sentido, identificar o
cursus e o tempus, delimitar quais ações e eventos de relevância existem neles a partir de uma mirada
privilegiada (o ser presente, já apresentado em Gadamer), descrever processos e percorrer
significados possíveis na respectiva estrutura.
Problematizar o curso e o tempo de maneira separada implica bifurcar a leitura de um
fenômeno. Por um lado, eventos acontecem e são percebidos individualmente. Por outro, a elaboração
de uma narrativa capaz de aproximar eventos e dar a eles a ideia de fluxo exige olhar mais amplo.
Rotenstreich salienta, dessa forma, que seres humanos não são apenas indivíduos isolados e que
qualquer interpretação da história tem de considerar tanto processos que envolvem seres humanos
como humanidade, por um lado, mas também o impacto dos processos totais em escalas individuais.15
Uma tensão profunda entre a interpretação da história a partir das limitações do cursus surge no
âmbito da própria história-estrutura: devemos assumir que há objetivos transindividuais na escrita da
história, excluindo o que não é humano da leitura espaço-temporal ou apenas colocando-a como pano
de fundo ou devemos escolher uma escrita que considere objetivos mais amplos, humanos e não
apenas individuais ou grupais nessa escrita?
Para identificar esse curso, historiadores e historiadoras precisam limitá-lo, uma vez que sua
preocupação básica e fundamental é com a escrita das ações e dos eventos. Fenômenos naturais como
condições climáticas ou acontecimentos como terremotos, tornam-se eventos históricos na medida
em que seres humanos ajustam-se a eles ou os integram, respondendo ou antecipando-se. No fim, o
cursus temporum está limitado a processos que ocorrem ou são registrados na órbita do humano.
Assim, a relação com o tempo é uma forma ou horizonte de sucessão e de expectativa. Para
Rotenstreich, então, isso significa que os seres humanos, na experiência diária, são confrontados com
o fato de que o fluxo ou a sucessão temporal existe, e que o evento “b” segue o evento “a”.
A sucessão implica descrever um fenômeno numa relação de antes e depois, um depois do
outro, por meio de outros elementos fundamentais como transição e o esclarecimento das relações
que a constituem. O discernimento da relação de reciprocidade entre os estágios do processo implica
no reconhecimento do processo em si.16 Dessa forma, o tempo não é o processo histórico por si só e
uma das possibilidades de discuti-lo é discernir tempo entre humanos ou sujeitos de discernimento, e
tempo-objeto de discernimento.17 O ser humano ocupa um papel dual na relação com o fluxo dos
eventos no tempo: vive dentro dele e, ao mesmo tempo, se move nele como processo, observando-o
e se destacando dele. A condição de percepção do tempo não reside no engajamento existencial com
o objeto e, sim, com a tentativa de discerni-lo.
Como a narrativa da história reside no tempo e é, simultaneamente, fruto dele e sobre ele em
relação aos acontecimentos, uma explanação histórica na forma de narrativa sempre acontece na
mudança do curso dos eventos devido ao que acontece depois (no presente). Isso explica porque o
significado histórico de eventos passados pode mudar com o curso do tempo e essa constatação
derruba as críticas que são descritas por Henry Rousso como sendo ainda historicistas sobre o presente
e a contemporaneidade da História do Tempo Presente (mas que também servem à História
Ambiental): aquelas que em nossos treinamentos sempre dizem que devemos manter uma distância
bastante grande em relação a eventos para que possamos fazer uma boa leitura deles.
Os caminhos do tempo (como temporalidade, periodização, sucessão, chronos, kairós e aeôn)
constituem a espinha dorsal da história e de suas ambiguidades. Na medida em que distanciamentos
e encontros foram acontecendo entre as modalidades temporais na construção do próprio
conhecimento histórico, bem como foram surgindo especialidades históricas que de maneira
independente porém trans-histórica propunham novas temporalidades e periodizações, a relação entre
tempo e significado adquiriu maior sofisticação.
A discussão em torno, por exemplo, da Contemporary History ou da Zeitgeschichte viu-se
envolta por uma polêmica fundamental em torno do tempo, que veio a incidir na elaboração de
perspectivas não conformistas com relação às formas consagradas de História realizadas até meado
do século XX. Texto clássico de Geoffrey Barraclough, publicado em 1956, apontava para as
diferenças e para os desafios de se pensar a contemporaneidade e o presente no campo da história.
Barraclough observava que a

História do tipo tradicional começa num dado ponto no passado – a Revolução


Francesa, por exemplo, a Revolução Industrial ou o assentamento de 1815 – e
trabalha sistematicamente para a frente, traçando um desenvolvimento contínuo ao
longo das linhas de evolução de um dado ponto de partida. A história do presente
segue – ou deveria seguir – um procedimento contrário. Ambos os métodos nos
levam a um passado remoto, mas um passado diferente.18

O autor continuava o raciocínio observando que uma história do presente começa quando os
problemas do mundo de hoje ganham forma visível e, nesse sentido, não se trata de uma história que
possa ser rotulada de antemão, pois é sempre provisória, ambígua, mas também colorida. 19 A
contemporaneidade, nesse sentido, veio a ser contemplada conceitualmente como a “junção com o
tempo”, não apenas no que diz respeito à sequência temporal, mas no que se apropria de e nele,
articulando na estrutura-história dos eventos e seus tempos, o ser presente.20
Dean Komel observa, então, que a definição da contemporaneidade está diretamente ligada
ao entendimento da condição contemporânea como sendo com-temporaneidade. Em outros termos,
ela traz de maneira unificada a multidão de diferentes temporalidades que coexistem num mesmo
momento histórico, na forma de uma interconexão de diferentes tempos e experiências do tempo, de
intensidade planetária.21 A contemporaneidade refere-se a uma complexidade temporal, apresentando
interconexões, num mesmo espaço cultural, de culturas heterogêneas geradas em diferentes
trajetórias, em diferentes escalas, localidades, que vem a afetar a experiência-tempo de indivíduos e
de grupos.22
Essa leitura do papel da temporalidade na História como cursus temporum é a que me permite
pensar as contribuições da periodização Antropoceno como passível de uso comum entre História
Ambiental e História do Tempo Presente. Mas como é que o Antropoceno adentra o caminho das
periodizações provocativas no campo da História? Para entendermos essa emergência, faz-se
necessário falar um pouco da História Ambiental como campo de conhecimento.

3 A História ambiental como campo


José Augusto Pádua observa a emergência de um ‘ambientalismo complexo e multissetorial’
entre os anos 1960e 1970, primeiramente nos Estados Unidos da América, dotado de “alto perfil na
cena pública global” [e que] “representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da
história contemporânea.23 A ideia de ecologia, nesse sentido, “rompeu os muros da academia para
inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas em
diferentes níveis de articulação, do local ao global.”24
Frente à modernização exacerbada acarretada por eventos da primeira metade do século XX,
é possível perceber críticas que comporão as fundações de uma história ambiental dos anos 1970.
Parte delas emerge do background científico caracterizado pela racionalidade mecanicista acerca do
mundo natural, da separação antagônica e artificialista entre humanos e “natureza”, das dicotomias
“sociedade” e “ambiente”. É o caso dos escritos do engenheiro florestal estadunidense Aldo Leopold,
que, em 1949, passou a propor a ideia de Ética da Terra, um conjunto de posições que bombardeavam
as mais diferentes facetas das relações entre humanos e não-humanos, propondo alguns dos princípios
básicos que depois vieram a ser adotados pela área de bioética, e que hoje estão presentes nos mais
variados comitês de ética de pesquisa com seres humanos e não humanos.25
A Ética da Terra transformou-se num dos conceitos basilares de grupos de ambientalistas nos
anos 1960. Nos EUA, havia (ainda antes dos anos 1960) manifestações políticas de grupos de
preservação da vida selvagem ou grupos de apoio à conservação de recursos naturais, os quais
andavam muito próximos de um ativismo político que buscava aprovar leis e regulações voltadas à
exploração da natureza. Um grupo importante que era formado por cientistas e intelectuais de diversas
regiões, que combatia o uso da tecnologia nuclear para a produção de armas. No mesmo período,
outros elementos entram em cena, tais como a ideia de degradação ambiental, lida em meio a
processos de transferência de tecnologia resultante da Segunda Guerra Mundial para finalidades civis,
entre eles agrotóxicos, maquinário, tecnologias de força bruta e tecnologia nuclear. Fundamental,
nesse período, é o papel das ideologias de modernização, que terão papel decisivo.26
No caso da luta pelo reconhecimento de diversos direitos civis levada a cabo no mesmo
período nos EUA, as preocupações com problemas ecológicos advindos de um mundo
crescentemente industrializado e capitalista que rapina os recursos naturais a partir da sua máxima
exploração sem levar em conta, ou melhor, ignorando, muitas vezes, o conceito de escassez, deram
vazão à construção de movimentos ambientalistas, ao ecofeminismo, à justiça ambiental, que se
coligaram a outros tantos que estavam presentes na cena pública.27
A bióloga Rachel Carson publicou, em 1962, Primavera Silenciosa, ficção que se tornou
bestseller e que denunciou a poluição causada pela indústria agroquímiva. 28 A obra foi a primeira e
mais significativa a dar ênfase na poluição como problema cotidiano, político, ecológico e social,
vinculando-o diretamente à manutenção da vida humana no país. Outra obra de impacto para a
emergência do ambientalismo do século 20, publicada em 1964, foi The Machine in the Garden, de
Leo Marx. Esse autor foi um dos responsáveis pela historicidade da ideia de paisagem prístina,
contribuindo para o conjunto de pessoas que sempre afirmaram a inexistência da natureza intocada.29
Em 1966, Kenneth Boulding publicou The Economics of the Coming Spaceship Earth,30 uma
abordagem sistêmica que objetivava mudança de paradigma da economia do cowboy para a economia
do astronauta, tendo a sustentabilidade como elemento chave para o futuro.31
Ao pensar a escassez como elemento chave para a leitura do mundo, bem como a
despreocupação com relação ao consumo, nem com a possibilidade de se construir uma sociedade de
bens mais duráveis, o economista pontuou que, ao se tomar a necessidade de resolver os problemas
do presente e não do futuro, as sociedades continuavam acreditando que se a Terra se tornasse
inabitável, haveria uma espaçonave na sombra, para salvá-la do uso abusivo de recursos.32 sobre o
uso abusivo de recursos hoje.
Os problemas pontuados por Carson e Boulding ganharam maior ênfase e apelo público
quando uma outra obra polêmica publicada em 1968: The Population Bomb, de Paul Ehrlich.33 A
obra tinha um caráter neomalthusiano, propondo, inclusive, medidas radicais para o controle de
população e preservação de recursos naturais com base na iminência da fome em várias regiões do
globo para as décadas de 1970 e 1980, especialmente em nações que se recusassem a adotar medidas
de controle.
Em 1969, foi criada a Fundação Amigos da Terra que já em 1971 tornava-se a Fundação
Amigos da Terra Internacional, reunindo quatro organizações ambientalistas da França, da Suécia, da
Grã-Bretanha e dos EUA. Do ponto de vista dos reflexos desse debate na produção historiográfica, a
publicação do artigo The Historical Roots of Our Ecologic Crisis, do historiador Lynn White Jr., na
revista Science, em março de 1967, abriu caminho para uma crítica profunda das relações entre
humanos e mundo natural no âmbito das Humanidades.34
Em 22 de abril de 1970, o primeiro Dia da Terra, foi uma iniciativa que teve impacto público
e que demonstrava a consolidação de movimentos ambientalistas em sentido global. Entre 1971 e
1975, seguiram-se a fundação do Greenpeace, a realização da Conferência das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Humano (1972), a criação do Worldwatch Institute, a partir do debate sobre os
limites do crescimento pelo Clube de Roma, em 1970. O Clube de Roma concluía, naquele ano, que
1) se a situação atual de crescimento da população, da industrialização, da poluição, da produção de
alimentos e da extração de recursos continuar inalterada, os limites do crescimento no planeta poderão
ser alcançados nos próximos 100 anos, e 2) era possível alterar o processo e estabelecer uma condição
de estabilidade ecológica e econômica que fosse sustentável para o futuro.
É nesse cenário que a História Ambiental institucionaliza-se, especialmente após a criação da
American Society for Environmental History, em 1977,35 e como John R. McNeill observa, o campo,
autoconsciente, aproveitava as energias da sociedade global que testemunhou a coalescência do
ambientalismo popular como força política e cultural, já capitalizando trabalhos importantes, ainda
nos anos 1970, tais como as obras lançadas por Roderick Nash, John Opie, Donald Worster, Susan
Flander e Donald Hughes.
O que é efetivamente uma história ambiental? John R. McNeill pontua que História Ambiental
tem diferentes sentidos e aparências. Ela apresenta, contudo, algumas características fundamentais (e
até fundacionais) que foram construídas entre os anos 1960 e 1970 a partir da produção das primeiras
obras de referência, bem como alguns fluxos peculiares.36
Para Donald Worster, é necessária a combinação de análise de dados da natureza propriamente
dita, orgânica e inorgânica, “incluindo aí o organismo humano em sua relação com os diferentes
ecossistemas” - ou, seja, o primeiro nível de análise - , com dados da constituição socioeconômica
das sociedades e sua inter-relação necessária com determinados espaços geográficos (segundo nível)
e, por fim, com as dimensões cognitivas, mentais e culturais da existência humana (terceiro nível).37
O que há de novo nessa forma de relacionar os três níveis e dimensionar o ambiente como categoria?
De início, a ideia de que a questão ambiental é uma questão moderna e que precisa ser entendida em
sentido amplo, já que a relação com o ambiente coloca um problema radical e inescapável para a
continuidade da vida humana, e não está relacionada apenas com as consequências da grande
transformação urbano-industrial mas também com uma série de outros processos macro-históricos.38
A partir desses primeiros trabalhos, e, principalmente, pela difusão cada vez mais rápida do
próprio termo “História Ambiental”, as discussões em torno do campo adquiriram feições e
adentraram lugares mais criativos. Na mesma época, muitos ecólogos depararam-se, em seus
respectivos campos das ciências naturais, com a “desordem” prevalecendo sobre a “ordem” das coisas
no mundo natural. Isso ocorreu com uma ênfase, na medida em que as próprias ciências naturais
abriam o leque explicativo, opondo gerações de cientistas e suas respectivas opiniões. Logo, pensar
uma natureza intocada e depois, um homem a modificá-la, na mais clássica das tradições
antropocêntricas, a partir do final da década de 1970 tornou-se um problema de posicionamento
científico tradicional ou unidimensional, em meio ao conhecimento complexo.
Outros trabalhos começaram a discutir a distinção entre sociedade e natureza como algo
pertencente ao mundo moderno, à estruturação do sistema capitalista, da burguesia e das cidades.
Essa distinção teria corroborado no domínio humano sobre o mundo natural, na medida em que a
riqueza tornou-se a mola mestra da leitura da sociedade, bem como a economia tornou-se peça chave
para pensar a própria sociedade.
Bruno Latour, em obras como A esperança de Pandora39 e Políticas da natureza,40 traz uma
postura diferente para se pensar a História. Para ele, como a realidade é bizarra e permeada por uma
multiplicidade de agentes que é difícil de ser determinada com segurança e precisão, a explicação das
relações que se dão no mundo não carecem de ser separadas em dois grupos, humanos de um lado, e
mundo natural de outro, já que animais, plantas, doenças, clima, homens, mulheres e rochas
pertencem ao mesmo coletivo, embora em câmaras distintas que articulam limites, posições e
proposições para o todo. Nesse sentido, a artificialidade da distinção sociedade-natureza seria uma
falácia fadada a apenas deturpar as possibilidades de interpretação das relações existentes entre os
dois grupos no mesmo coletivo.
O ambiente(a) é, nesse sentido, uma categoria entendida como síntese das dimensões natural
e construída do mundo palpável, conforme observa Lawrence Buell,41 e o desafio da História ao tratar
da temática ambiental reside na necessidade de adequar muitas das premissas teórico-metodológicas
e temas, buscando vencer o desafio cultural que o mundo natural representa na prática interpretativa
e analítica do campo, bem como o desafio de admitir a agência desse mundo na constituição da
cultura.42
A situação recente da História Ambiental é, assim, a das questões ambientais, da ecologização
da política, de mudanças epistemológicas profundas nas ciências, especialmente a partir do final da
Segunda Guerra Mundial, em paralelo à crítica da ortodoxia das ciências, à emergência da
complexidade como abordagem das relações entre natureza e cultura43 à necessidade de novas formas
científicas e relacionais para trabalhar com essas relações, o que autoras como Donna Haraway
denominam de natucultura.44 É assim que podemos discernir uma fase de síntese no século XXI, na
qual o ambiente tornou-se uma preocupação central da política e do público geral.45
Como esse foco sobre temas contemporâneos e recentes afetam a história ambiental? Sverker
Sörlin supõe que o apelo da História Ambiental em tratar com o que ela considera como temas de
maior pressão global servem para parametrizar esse foco.46 Ela prescinde, claro, dos cuidados ligados
ao ofício da História em linhas gerais, ainda mais porque para um profundo entendimento do contexto
histórico em toda sua complexidade, o que distingue a História Ambiental, por exemplo, da ecocrítica
pós-estruturalista, que focaliza da estética do texto em si, apartada do contexto histórico, ou ainda da
ecologia política que faz comparações entre sociedades que pertencem a diferentes contextos
históricos. Como qualquer outra história, a História Ambiental trabalha no sentido de ir e vir entre
textos e contextos, e isso foi extremamente reforçado ainda nos anos 1980 no âmbito do campo de
conhecimento, quando Arthur McEvoy observou que a história ambiental é a leitura das interações
que pessoas tiveram com a natureza no passado.47
Douglas Sackman observa, a partir desse debate, que o ambiente passou a ser visto não como
uma coisa, mas como um conjunto de relações em contínua construção; elemento de perceção, de
economia política, e de dinâmicas de ecossistemas de vida vistos de maneira conjunta, utilizando
abordagens interdisciplinares.48 Caberia, então, a quem trabalha com o campo da história
ambiental, explorar as conexões mutantes entre pessoas e mundo natural, um projeto que tem
sido dominado pelo questionamento das fronteiras sempre problemáticas e problematizadas
entre natureza e cultura.49

4 Holoceno e antropoceno
Donald Hughes pontua que interpretar a relação entre cultura e natureza na história significa
observar as conexões de terras e águas, cidades e regiões rurais, e que devemos pensar a história
ambiental em relação a uma geologia ativa. Ademais, essa geologia ativa permite problematizar a
relação entre determinismo ambiental e causação antropogênica, a apropriação de narrativas
declensionistas, a extensão de nossa percepção sobre natureza não apenas como construção social.
Implica, também, considerar nossas noções de tempo e a relação que a história ambiental veio a tecer
com áreas que construíram o ‘tempo profundo’, como é o caso da Geologia.
Na história da ciência, no curso de várias "revoluções científicas", uma das menos apontadas
aconteceu com a descoberta do tempo profundo por meio da metáfora do relógio geológico, ao longo
do século XIX. No processo de fragmentação e especialização dos campos de conhecimento, a
Geologia emergiu como um conhecimento prático e com várias limitações teóricas e os problemas
como incompletude dos registros estratigráficos e fósseis nos primeiros momentos dessa ciência
trouxeram uma relativa invisibilidade de seus fundamentos e da discussão em torno da natureza do
tempo em si, devido aos obstáculos à observação direta do tempo. Alguns autores, contudo, observam
que o principal fator de invisibilidade da Geologia foi o entendimento, no âmbito da história da
ciência, de que ela seria uma ciência derivada da Física (uma vez que a própria história da ciência na
primeira metade do século XX também construiu a Física como o ideal científico contemporâneo).50
Na metade do século XIX, a Geologia conseguiu classificar e ordenar muitos dos estratos
fossilizados os quais, combinados, permitiram a criação de uma escala de tempo primitivo. A
magnitude dessa escala produziu impactos especialmente sobre o tempo, para além da história
humana.51 Na segunda metade do século XIX, por exemplo, a geologia entra no debate acirrado entre
Kelvin e Darwin em torno da datação do planeta, ambos ora se aproximando ou se distanciando da
geologia, buscando subordina-la a seus interesses. Kelvin volta-se contra Darwin, buscando
estabelecer com precisão a idade do planeta em 400 milhões de anos, negando, em certa medida, a
ideia de tempo profundo proposto pelos geólogos da época.
A teoria de Kelvin cai por terra em 1901, quando cientistas descobriram materiais radioativos
que ocorriam naturalmente no manto terrestre, e que emitiam calor. Esse fenômeno acabou
"libertando" a geologia da Física. Contudo, é importante dizer que, nos 50 anos anteriores, os cálculos
geológicos de tempo não conseguiram escapar da Física e o "tempo profundo" permaneceu muito
restrito até que os físicos Rutherford e Boltwood conseguissem desenvolver métodos de datação
radiométrica que demonstraram, conclusivamente, que a Terra tinha bilhões de anos.
Desenvolvendo-se ininterruptamente a partir do início do século XX, especialmente no que
diz respeito à própria exploração de recursos naturais para fins civis e militares, mas também como
parte dos esforços dos estados nacionais em domesticar seus ambientes, a Geologia acabou por conter
um grau significativo de abstração e sua compreensão só pode ser alcançada se for pensada, também,
como uma ciência histórica, tanto em ambientes formais e informais. Na metade do século XX, era
sabido que muitos espaços "clássicos" da Geologia europeia foram revisitados milhares de vezes por
sucessivas gerações de naturalistas e de geólogos ou biólogos desde sua localização e formalização
como área de interesse científico entre os séculos XVIII e XIX.
Os materiais geológicos e contextos já haviam sido plenamente descritos e amostras estavam
acomodadas em diversos museus ao redor do mundo, parte delas constituindo-se como coleções de
referência, o que demonstrava, por um lado, a relação direta entre a importância dos contextos
clássicos para a geologia, bem como sua contribuição histórica para o desenvolvimento tanto da
epistemologia das ciências da terra, como também para a conformidade da ideia de um tempo
profundo.
Não tardaria para que a História Ambiental e a Geologia viessem a se encontrar no campo da
formulação de conhecimentos das relações historicamente constituídas entre humanos e não humanos
no tempo. O Holoceno seria o espaço-tempo geológico sob o qual as pesquisas de história ambiental
começariam a ser desenvolvidas, saturando essa relação com a Geologia.
Ainda nos anos 1980, quando os debates de História Ambiental se alastravam e adquiriam
mais profundidade na medida em que o campo tinha de debater alternativas espaço-temporais de
delimitação de eventos ambientais, Neil Roberts lançou a obra The Holocene: an environmental
history.52 Roberts adentrava, dessa forma, na proposição de que a História Ambiental escapava às
periodizações tradicionais da História como campo do conhecimento, dada aos limites dos estados
nacionais ou ainda aos sistemas convencionais de datação que prendiam a história à necessária
presença de registros escritos.
Roberts foi posicionando a História em meio a um período “no qual grande parte das
mudanças ambientais, entremeadas com as culturais tiveram lugar”, um período pós-glacial.
A fase final do Pleistoceno (15000-11700 anos AP) foi um período de oscilações,
especialmente detectadas por meio de fósseis e invertebrados, que demonstraram que a temperatura
média teve muitas variações no período. Enquanto invertebrados puderam responder rapidamente ao
incremento da temperatura global no período, árvores foram mais lentas, e as plantas passaram a
requerer condições mais adequadas de solo do que antes de 15,000 anos. Os beneficiários iniciais do
aquecimento foram espécies mais abertas a habitats e que tinham baixa capacidade competitiva, como
gramas.
Por volta dos 13 mil anos, as temperaturas começaram a declinar e as condições árticas
retornaram no norte da Europa. Sobre a Escócia, por exemplo, que havia praticamente de deglaciado,
a neve e o gelo acumularam novamente, e por volta dos 12 mil anos acumulava-se por centenas de
metros nas Highlands, o que foi possível de observar pelas formas de terra preservadas na região de
Loch Lomond.
No norte da região andina, o fenômeno verificado nesse período é o da transição irregular de
paisagens entre gramíneas e florestas, no balanço de água nos lagos tropicais e subtropicais. na África,
as flutuações dos níveis de lagos representam forte evidência do período de instabilidade climática
do final do Pleistoceno. Roberts observa, cuidadosamente, que o período de instabilidade não é
sincrônico para todas as regiões e, a partir de dados da Antártica, mostra que, enquanto diversas áreas
estão esfriando, a região do Atlântico Norte está aquecendo.
A presença humana durante o Pleistoceno foi se desenvolvendo a partir de grupos pioneiros e
pré-existentes que ainda são estudados a partir de evidência arqueológica muito fragmentada, e
promoveram sua expansão a partir de corredores proporcionados justamente pelo resfriamento das
glaciações.
A terceira fase do estágio final de colonização humana da Terra tomou justamente lugar no
Holoneco e envolveu terras inóspitas para além das áreas já ocupadas. Esta colonização foi realizada
com economias de subsistência inteiramente baseadas na caça de animais selvagens, na pesquisa e na
coleta de plantas, demonstrando que as pessoas que caçavam precisavam ter um bom conhecimento
de seus ambientes, dos espaços de pesca, das plantas. roberts observa que estudos etnográficos de
grupos de caçadores-coletores modernos sugerem que as plantas são normalmente o constituinte mais
importante das dietas. É no final do pleistoceno que acontece uma onda devastadora de extinção de
animais, especialmente de mamíferos cujos corpos tinham mais de 44kg, como o mastodonte
(Mammut americanum), o rinoceronte-lanudo (Coelodonta antiquitatis), o alce-gigante
(Megaloceros), o cavalo nativo americano (Equus occidentalis).
Essa primeira edição do livro de Roberts inaugurou, portanto, um campo de pesquisa ligando
história ambiental e pesquisas sobre novas temporalidades e periodizações na história. Foi a discussão
em torno do holoceno que trouxe à tona o próprio desenvolvimento do conceito de Antropoceno,
proporcionando o contexto vital, também para a discussão das mudanças climáticas.

5 Para uma História Ambiental do Tempo Presente: o Kainós do Antropoceno


Kainós é uma palavra grega que significa novo, recente, mas também incerto, desconhecido,
único. É um termo que tem sido fundamental na construção do conhecimento da natureza,
especialmente no âmbito da Geologia e das Ciências Biológicas, sendo parte constante da
nomenclatura que foi sendo utilizada para a classificação das eras geológicas a partir da segunda
metade do século XIX.
No início do século XXI, considerando-se os desenvolvimentos críticos do conhecimento
geológico, mas também de outras áreas e a emergência das humanidades ambientais, um “novo”
novo, ou melhor, um novo kainós emergiu em meio às ansiedades contemporâneas com relação às
pressões humanas sobre o planeta.
Diversos elementos foram constitutivos desse contexto e desse fenômeno de
redimensionamento conceitual, entre eles a reconfiguração ou restituição de pesquisas ligadas à ideia
de biosfera, por um lado, e a emergência das pesquisas sobre o Sistema Integrado Terrestre, por
outro.
Quando Rachel Carson publicou Primavera Silenciosa, estava propondo efetivamente um
debate sobre biosfera, porém sem estabelecer um contato direto com o termo. Biosfera e ciclos
biogequímicos vinham continuamente sendo estudados principalmente na União Soviética, a partir
das formulações teóricas apontadas por Vladimir Ivanovitch Vernadsky (1863-1945) a respeito da
Biosfera e de ciclos biogeoquímicos.
A ciência soviética, no sentido dos estudos climatológicos, estava muito mais avançada e
Vernadsky só foi traduzido para a língua inglesa em 1998. Embora parte das preocupações ligadas a
ciclos biogeoquímicos estivessem presentes no debate norte-americano, é fundamental pontuar que o
conceito geral de biosfera parece ter sido interditado durante a Guerra Fria.
Biosfera significava, diretamente, que as feições do planeta Terra eram influenciadas
biologicamente, e que a cultura representava sua síntese consciente, com função modificadora
considerável sobre os elementos naturais e a transformação do todo.
Essa perspectiva de entendimento do cosmos, proposta por Vernadsky, teria impacto
profundo, porém circunscrito geograficamente e encontrava-se com as primeiras formulações de
outro termo, o Antropoceno.
Antropoceno apareceria na literatura, pela primeira vez, em 1922 ,quando o geólogo Aleksei
P. Pavlov propunha o termo para designar uma era de presença humana na terra, localizada há 160
mil anos. O termo passou a ser utilizado por algum tempo na URSS, caindo em desuso anos depois.
Na década de 1980, o biólogo marinho Eugene Stormer usou a palavra em alguns artigos
publicados e a terceira vez em que ele emergiu foi em 2000, quando o químico Paul J. Crutzen, em
conferência, posicionou provocativa e de maneira intuitiva o termo.
Desde Crutzen, por quase uma década o conceito de Antropoceno ficou restrito à literatura
científica das Ciências da Terra, até que uma matéria publicada em The Economist, em 2011,
intitulada “Welcome to Anthropocene” deu publicidade mundial e extracientífica ao termo, que já
estaria incorporado, naquele ano, em seminários de Dalai Lama e em documentos do Vaticano.53
Entre as primeiras décadas do século XX e o início do século XXI, o que mudou em termos
científicos desde o nascimento do conceito de biosfera e a emergência do conceito de antropoceno
foi o surgimento de uma área específica estudando o sistema integrado planetário, algo que começou
a ser palpável na década de 1980, quando novos instrumentos científicos tornaram-se disponíveis,
tais como imagens de satélites geoestacionários, sistemas de computação capazes de coletar,
transmitir e analisar grandes quantias de dados científicos, que oportunizaram a leitura de fenômenos
globais.54
O Antropoceno, então, apareceu como um termo capaz de designar, ao mesmo tempo, o fim
do Holoceno e o início de uma nova era geológica. Ele sugeriu que o planeta havia entrado num novo
período por conta dos efeitos ambientais resultantes do crescimento da população humana e do
desenvolvimento econômico.55 Rapidamente, o termo começou a ser acatado e empregado de maneira
informal por geólogos para denotar o ambiente global contemporâneo, dominado pela atividade
humana.56
Sônia Torres lembra que a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) determinou
que a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS) criasse um grupo de trabalho (o WGA-
Working Group on the Anthropocene) para discutir os efeitos referidos por Crutzen e,
aplicando os mesmos critérios usados para estabelecer novas eras, avaliar se, de fato, justifica-
se a necessidade de estabelecer o novo termo para denominar uma suposta nova idade geológica. A
autora observa que uma proposta sobre o assunto foi votada em agosto de 2016, estabelecendo o prazo
de três anos para determinar quais seriam os sinais mais fortes que determinam a nova era geológica.
Independentemente dos resultados que serão estabelecidos oficialmente pela comissão, não é
apenas a geologia que está em um estado de perturbação. O conceito de antropoceno serve para
designar um momento histórico mundial: tudo que é construído pelos humanos e que interfere
nos sistemas naturais, engloba, em grande medida, as mudanças paradigmáticas que estamos
testemunhando nas áreas de inteligência artificial, neurociência, biologia e biotecnologia, entre
outras, e nos lança em uma seara de incerteza tanto científica quanto discursiva.57
Pádua observa que o termo pode ser entendido como a época em que a espécie humana deixa
de ser um animal como outro qualquer, que vive da apropriação de uma fração relativamente pequena
dos fluxos naturais de matéria e energia existentes no planeta, e passa a ser um agente geológico
global. A partir da mudança de patamar aludida, a presença humana passou a impactar o “Sistema
Terra” como um todo, sobretudo a atmosfera, a biosfera (o conjunto dos seres vivos), o ciclo das
águas e alguns ciclos biogeoquímicos em escala planetária (como os ciclos do nitrogênio, do fósforo
e do enxofre).58
O historiador observa que é importante situar a emergência da ideia do Antropoceno em meio
à macrovisão global da história humana, lembrando que John McNeill situa o período em três etapas:
a formação da era industrial (1800-1945), caracterizada pela expansão maciça do uso de combustíveis
fósseis, ou a ‘era fossilista’; a Grande Aceleração, em algum momento localizado entre 1945 e 1950,
ainda vigente, quando a disponibilidade de petróleo abundante e barato – associada com a ascensão
dos produtores árabes – foi determinante para a difusão de tecnologias inovadoras, o que resultou na
explosão do consumo de massa, e enorme expansão quantitativa da produção e do consumo (e
consequente mudança qualitativa da presença humana na Terra); por fim, uma terceira fase ainda não
dominante, na qual é notória a dificuldade em se criar e implementar instituições, leis e políticas de
fato eficazes no rumo da sustentabilidade.59
Nesse sentido, o termo Antropoceno posicionou, novamente, o humano no centro e apontou,
a um só tempo, para a época pós-humana, propondo que tenhamos chegado a limites planetários a
partir de nove parâmetros de relevância: 1) mudanças climáticas; 2) perda de ozônio estratosférico;
3) acidificação dos oceanos; 4) ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo; 5) mudanças na
integridade da biosfera associadas à perda de biodiversidade; 6) mudanças no uso do solo; 7) uso de
recursos hídricos; 8) carga de partículas de aerossóis na atmosfera; 9) introdução de entidades novas
e poluição química.60
O início do Antropoceno revisistado não residiria mais há 160 mil anos, conforme observava
Pavlov no início do século XX, mas coincidia com o início da industrialização europeia no século
XVIII, e termina de maneira abrupta entre 1945 e 1950.
A grande aceleração, a partir daí, resulta das conclusões observadas na obra Global Change
and the Earth System, publicado pelo IGBP, expondo 24 gráficos que analisam atividades humanas
e mudanças do sistema terrestre de maneira integrada, sendo 12 deles mostrando temas humanos
(crescimento do PIB global, população, consumo de energia e de recursos hídricos) e outros 12
tratando de emissões de dióxido de carbono, leituras da camada de ozônio, extinção de espécies, perda
das florestas, etc.) nos últimos 250 anos.
Entre os resultados apresentados, observa-se:
a) que mais terra foi convertida para a agricultura nos 30 anos depois de 1950 do que em 150
anos entre 1700 e 1850. (Sistemas de cultivo cobrem hoje 1/4 da superfície terrestre);
b) que aproximadamente 20% dos corais foram perdidos e adicionais 20% degradados nas
últimas décadas do século XX, além de 35% dos mangues mundiais foram destruídos;
c) que a quantidade de água represada quadruplicou desde os anos 1960, com três a seis vezes
mais água em reservatórios do que em rios naturais, e que 70% da água doce existente no mundo está
sendo usada para agricultura;
d) que desde 1960 o fluxo de nitrogênio reativo em ecossistemas terrestres foi duplicado, e
que os fluxos de fósforo triplicaram. Mais do que metade do fertilizante sintético a base de nitrogênio,
primeiramente manufaturado em 1913, foi utilizada no mundo a partir de 1985;
e) que desde 1750, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumentou 32%, de
280ppm. para 376ppm em 2003), devido à combustão de combustíveis fósseis e mudanças no uso da
terra, sendo aproximadamente 60% desse volume constatado a partir de 1959.
Do lado das mudanças humanas,
i) Mais de 2/3 da área de dois dos 14 maiores biomas terrestres e mais da metade da área de
quatro outros biomas foram convertidos à agricultura por volta de 1990;
ii) A distribuição de espécies sobre a Terra tem-se tornado homogênea, ou seja, o conjunto de
espécies em qualquer região do globo tem-se tornado similar ao conjunto de espécies de outra região,
primeiramente pela introdução intencional ou não de espécies, em associação com o incremento do
consumo e das viagens;
iii) O número de espécies no planeta está declinando, e
iv) A diversidade genética decaiu globalmente, principalmente entre espécies cultivadas.

O Antropoceno adentrou o campo da História em paralelo à emergente e crescente


preocupação com a crise ambiental (crise da civilização ocidental), refletindo, em certa medida, o que
Jason Moore chama de Zeitgeit do século XXI, seu senso de urgência entre cidadãos, ativistas e
intelectualidade, um senso que faz com que a realidade seja cada vez mais profundamente sentida e
dramatizada, identificada como "a pressão humana" empurrando as condições da estabilidade
biosférica a pontos de limitação.61
A cena do kainós se antecipa propondo periodizações as mais diversas para a História
Ambiental agora que a concepção de Antropoceno se consolida mais como uma noção histórica para
discutir as relações entre humanos e não-humanos.
Para além da leitura geral do Antropoceno em suas fases e da constatação da Grande
Aceleração, essa noção despertou novos debates em torno de espaços-tempos alternativos no âmbito
da História Ambiental.
Novos kainoi entraram em cena, tais como Capitaloceno e Plantationoceno, na medida em
que o debate sobre os efeitos da Grande Aceleração se tornam mais fortes. A terceira fase do
Antropoceno, prevista para ter início por volta de 2015, indica um cenário intelectual, científico e
político cada vez mais complexos e com discussões mais sofisticadas sobre o sistema terrestre, porém
assentado nas mesmas estruturas postas pela Grande Aceleração.
Nesse sentido, um artigo publicado por Will Steffen, pelo químico Paul Crutzen e pelo
historiador ambiental John R. McNeill buscou estabelecer desenho futuro dessa fase, com algumas
indicações. A primeira delas é imaginada no sentido de as pessoas manterem concepções, instituições,
iniciativas e processos em curso na Grande Aceleração, mesmo sabendo dos problemas imediatos do
sistema. Nesse caso, elas estariam adotando uma abordagem conservadora e segura, do ponto de vista
existencial, mas como o sistema terrestre tem um tempo de longo prazo e as contingências humanas
estão dessincronizadas com ele, isso levaria humanos a perceber que a passividade do comodismo
não não funcionaria e que o colapso poderia ser uma consequência.
Uma segunda via seria a da mitigação dos riscos atualmente apresentados, um caminho
alternativo baseado no reconhecimento das ameaças por meio do incremento da tecnologia, da gestão
e do uso racional de recursos. A tecnologia, nesse sentido,desempenharia um papel crucial, mas não
está claro se ela pode se adequar a tudo. Mudanças em valores societais e no comportamento
individual seriam necessárias, já que a grande aceleração parece só aumentar.
Por fim, abordagens mais radicais da terceira fase do Antropoceno postulam ações mais
radicais, tais como a necessidade de manipulação humana dos sistema global com a intenção de frear
mudanças como a do clima ou a do consumo exacerbado.62
Todas as alternativas pensadas na terceira fase do Antropoceno buscam respostas ou estão
relacionadas à Grande Aceleração, que pode ser entendida, também, como um processo de
disseminação ou replicação de processos como industrialização, urbanização e modernização que
estavam circunscritos a algumas regiões do globo entre os séculos XVIII e XIX, mas que no final do
século XX tornaram-se globais.63
Um dos primeiros processos característicos da constituição do mundo moderno, nesse sentido,
foi a sistematização, racionalização e reducionismo conceitual da natureza na forma de agricultura,
mas especialmente na forma de produção em larga escala, um fenômeno característico do século XV
e que veio a se alastrar como modelo depois, que foi o da plantation.
Não é interesse aqui discutir longamente a estruturação das plantations e sua importância para
a constituição do mundo moderno; o que interessa é considerá-las como uma estratégia básica, antes
da emergência ainda do capitalismo, de acumulação na economia política em vias de se tornar
capitalista, que foi a de construir uma natureza barata e barateada. Para o capitalismo, isso implicava
dois sentidos. O primeiro deles era o de transformar a natureza em produtos baratos. O segundo dizia
respeito à comodificação dos recursos naturais barateando-os no sentido de despi-los de valoração
para além da monetária, marcando a natureza como recurso a partir de um novo ponto de vista ético
e político.
Moore pontuou, então, a necessidade de se pensar a ideia de Capitaloceno para analisar, do
ponto de vista da história ambiental, apropriação de recursos naturais pelas populações humanas. O
primeiro autor a utilizar esse conceito foi o economista David Ruccio, em 2011 e logo após ele
historiadoras como Donna Haraway se apropriaram do termo.
O Capitaloceno talvez seja, conforme pontua Moore, o conceito que mais sincroniza a história
do uso de recursos naturais e das percepções humanas sobre o mundo natural com uma periodização
histórica eminentemente sociopolítica, que é a Era do Capital, proposta por Eric Hobsbawm. Ela não
significa necessariamente que as regiões que podem ser analisadas do ponto de vista da história
ambiental tenham que ser capitalistas, mas que o capitalismo é o modo de organizar a natureza,
tornando-se uma ecologia de poder, de capital e de mundo natural interrelacionados.
Andreas Malm observa, nesse sentido, que o capitaloceno seria uma forma de guerra estrutural
e sistemática contra os recursos naturais, não por parte da humanidade, mas de algumas poucas nações
e poucos estratos da sua população (os mais ricos). Ao defender o capitaloceno, nesse sentido, Malm
ataca o Antropoceno como narrativa falha, “porque distorce a realidade de que não somos todos
culpados [e que] é necessário observar a injustiça flagrante [de se considerar a humanidade inteira
responsável pelos problemas do sistema terrestre]”.64
Em meio à dilatação do tempo histórico na História Ambiental e a complexificação das
periodizações como a do Antropoceno ou do Capitaloceno, o historiador Dipesh Chakrabarty pontua
que é necessário cada vez mais pensar os seres humanos como força geológica na história, o que
implica deixar de pensá-los apenas como agentes biológicos, uma vez que “estamos alterando a face
do planeta” e “não é mais possível separar a ação biológica dos seres humanos de sua ação
geológica.65
Há, por outro lado, críticas fundamentais a essas perspectivas, especialmente se observarmos
o Antropoceno como discurso. Para Eileen Crist, por exemplo, no discurso do Antropoceno,
“testemunhamos uma história projetada na direção de conquistas não só do espaço geográfico mas
também do tempo geológico [e] essa conquista é retratada por termos atuais das ciências, mas sem
necessariamente mencionar os processos fundamentais, biológicos e geológicos, que humanos nunca
conseguiram controlar nem domesticar.”66 O discurso antropocênico, nesse sentido, torna-se
linguisticamente contido, transformando clichés da história dos vencedores sobre os vencidos
(humanos contra mundo natural) representações mais palatáveis, talvez porque emerge de um
contexto ambientalista que construiu um idioma sombrio de destruição, depredação, perda,
devastação, deterioração do mundo natural; um regime totalitário humano sobre o planeta.

6 Para uma História Ambiental do Tempo Presente 2: o debate proposto por Donna Haraway
e o Chtuluceno
"O que acontece quando o excepcionalismo humano e o individualismo metodológico, as
velhas certezas da filosofia ocidental e da economia política, tornam-se impensáveis nas melhores
ciências, naturais ou sociais?", "O que acontece quando as melhores biologias do século XXI não
podem trabalhar com indivíduos separados de contextos, quando organismos mais ambientes ou
genes mais qualquer coisa que eles necessitam, não conseguem sustentar explicações científicas sobre
si?", "O que acontece quando organismos mais ambientes podem ser invocados pelas mesmas razões
para discutir histórias não humanas em sociedades humanas?".
Essas são questões fundamentais levantadas pela historiadora Donna Haraway para
argumentar que não é possível falar de Antropoceno para dar as respostas adequadas. A autora
estabelece uma nova dimensão para o espaço-tempo do Antropoceno na História, propondo um novo
lugar: o Chtuluceno.
Frente ao universo da interdisciplinaridade da História Ambiental clássica do século XX,
alicerçada no conhecimento colaborativo característico dessas abordagens, Haraway tem proposto
um novo caminho, que ela tem chamado de conhecimento tentacular, metaforizado, ao mesmo tempo
que materializado, pela aranha Pimoa cthulu, descoberta na década de 1990 nos EUA, aracnídeo de
oito patas finas e longas.
Conhecimento tentacular significa conhecimento incerto, tátil, tentativo e que alcança vários
espaços, formas, sentidos, de maneira simultânea. Para isso, é necessário uma nova forma de se pensar
a História Ambiental, ou melhor, uma forma nova de pensar, contar e escrever História.
Bruno Latour, por exemplo, afirma que no tempo chamado Antropoceno, os fundamentos
geopoliticos desaparecem e nenhuma das partes em crise podem chamar a Providência, a História, a
Ciência, o Progresso ou qualquer outro sujeito para resolver os problemas dados pela crise
ambiental.67
"O que foi considerado natureza tornou-se diluído nos assuntos humanos ordinários e vice-
versa, de tal modo que a sua permanência não é mais possível da maneira como era imaginada."68
Falaríamos de Histórias-Gaia, o que implica abandonar leis da história, conceitos como
modernidade, estado, deuses, progresso, razão, decadência, natureza, tecnologia ou ciência, bem
como a crença de que há respostas.
Latour não está negando as histórias, mas sim, a História, não as ciências, mas sim a Ciência,
fazendo emergirem daí as controvérsias que estão presentes nos debates em torno da crise ambiental
global contemporânea.
Haraway observa que as histórias a serem contadas, que ligam metabolismos, articulações ou
coproduções de economias e ecologias, a história das relações entre humanos e não humanos,
precisam ser sempre oportunistas e contingentes; precisam ser relacionais, simpoéticas e
consequentes, terrenas e não cósmicas.
Nesse sentido, a autora critica o conceito de Antropoceno como um conceito gerencial,
tecnocrático, modernizante e humanista, comprometido com a contemporaneidade e que mina nossa
capacidade de imaginar e cuidar de outros mundos, aqueles que existem de maneira precária hoje e
que poderiam estar aliados ao mundo humano. É necessário pensar a simpoética, a simbiose, a
simbiogênese, o desenvolvimento, as teias ecológicas, os micróbios e a cultura simultaneamente.
A autora cria, nesse sentido, um novo lugar para o planeta Terra: a Terrápolis, lugar onde
humanos e pós-humanos emigraram. Na metrópole Terra, há novos embates que, pelo menos, as artes
estão tentando travar, como é o caso do ativismo artístico pós-humanista de Marley Jarvis, Laurel
Hibert e Kira Treibergs, em 2011, no qual Wall Street torna-se Octopi Wall Street, e onde os
invertebrados, que representam 97% da diversidade animal, protestam com as seguintes placas:
"Justiça Filogenética!", "Pelo fim do credo taxonomista", "Sem espinha, mas com coração",
"Invertebrados pela paz".69
Haraway, nesse sentido, defende que precisamos uma outra figura, mil nomes para as coisas
que existem, para que possamos escapar do Antropoceno para outra história maior.
E finaliza com o seguinte: "Os feitos humanos importam porque são situados. Importam
porque vivem e morrem como as coisas que vivem e morrem nos outros. Importam não só para os
seres humanos, mas para as criaturas entre as diferentes taxa que subjugamos a extermínios,
extinções, genocídios ou à impossibilidade de futuro."70
A autora lembra que os corais nos ajudaram a pensar e tomar consciência do Antropoceno
num primeiro momento. Seus usos também enfatizaram a indução humana das mudanças climáticas
e da acidificação dos oceanos. Eles também permitiram que possamos pensar os diferentes tecidos do
Chtuluceno.
É nesse sentido que Haraway recompõe o conceito de natucultura, presente no seu The
Companion Species Manifesto, lançado em 2003, no sentido de escrever um necessário
emaranhamento do natural e do cultural, do corporificado e do mental, do material e do semiótico.
Dessa forma, quando pensamos em narrativas históricas do Chtuluceno, podemos pensar que as
natuculturas oferecem importante rota para reescrever as oposições modernas capazes de representar
partes do mundo não por suas definições precisas mas por sua realidade constantemente mutante.

7 História Ambiental do Tempo Presente


No início deste ensaio, pontuei diretamente que a História Ambiental trouxe, entre suas
diversas contribuições, novas periodizações para o âmbito da História. Isso também é verdade para a
História do Tempo Presente. A contemporaneidade de temas desses dois campos do conhecimento
histórico proporcionou, também, novas temporalidades e novas delimitações espaciais, a partir de
abordagens interdisciplinares que, embora muitas vezes tenham desestabilizado e ainda continuem
desestabilizando a autoria da História, nunca deixaram de se comprometer com a contemporaneidade,
a oportunidade e a relevância de temas globais socioambientais.
Quando escritas de história negam, nesse sentido, periodizações marcadas majoritariamente
pela política ou pela política, estão contribuindo para o colapso de dicotomias natureza-cultura, que
sugerem que esses dois pólos não são coisas diferentes, mas sim uma matriz de contrastes.
No processo de sofisticação do pensamento histórico característico de Donna Haraway ou de
Bruno Latour, um indivíduo não é produto da interação da natureza (corpo, biologia, genes) e da
cultura (criação, educação, tecnologia), mas sim um local de natucultura, um local natucultural, de
emaranhamentos políticos, sociais, culturais, econômicos, biológicos.
Essas periodizações mostram, teórico-metodologicamente, que é fundamental transgredir a
metafísica dominante que dicotomiza natureza e cultura, e que construía tudo o que é humano como
descontinuidade do resto do mundo. Natureza não pode estar fora da cultura, assim como cultura não
pode estar fora da natureza, da mesma forma que política não pode estar fora da natureza e natureza
não pode estar fora da política, especialmente porque o significado de natureza - que nós
identificamos como natural - não é determinada pela cultura mas também é resultado de condições
de possibilidade histórica, material e política. O que os humanos identificam como natural é afetado
pela cultura, mas uma cultura igualmente naturalizada.
Nesse percurso, talvez, as diversas periodizações que desafiam a História daqui para frente,
especialmente entre a saída do Antropoceno e a emergência de outros kainoi (Antropo-obsceno,
Misantropoceno… e o que vier), são possibilidades de ação para a escrita de histórias ambientais do
tempo presente mais amplas, menos definitivas, necessariamente imaginativas, sofisticadas e
complexas.

1
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human condition. Journal of Contemporary History, v. 46, n. 3, p. 610-630, 2011. p. 612.
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13
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14
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15
Id., ibid.
16
Id., ibid., p.19.
17
Id., ibid.
18
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19
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20
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21
Id., ibid.
22
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23
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