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JORNAL CATARSE
Março de 2019 Número 122

Autor: Benedito José de Carvalho Filho

Professor do curso de Sociais da UFAM

Pirambu a maior favela de Fortaleza

AS TRANSFORMAÇÕES DE UMA CIDADE


NUMA ERA DE CAPITALISMO
FINANCEIRO
O texto aqui apresentado foi produzido para um seminário, realizado na
Universidade Federal do Ceará. Trata-se, portanto, de uma síntese de um
trabalho mais amplo de pesquisa em Sociologia Urbana que o autor
desenvolveu na cidade de Fortaleza no ano de 2017, no seu Pós-Doutorado.
Aborda de forma sintética algumas transformações econômicas, sociais e
políticas que vêm ocorrendo nesta cidade, procurando compreender os
impactos do capital financeiro, fenômeno econômico que vêm transformando
radicalmente a vida das cidades brasileiras e mundiais. Foi apresentado em um
seminário no final do mês novembro de 2017 promovido pela Universidade
Federal do Ceará, denominado Sociabilidades Urbanas: Espaço Público e
Reinvenção das Cidades, organizado pelo Departamento de Ciências Sociais
da instituição. (Benedito Carvalho)
2

INTRODUÇÃO

As perguntas que nos propomos refletir neste seminário parte


das seguintes interrogações: como compreender uma cidade como
Fortaleza, capital do Estado do Ceará, assim como todas as cidades
brasileiras e mundiais, considerando a forte presença nos dias de hoje
do capital financeiro que, neste momento histórico, vem determinando
as novas configurações urbanas, atingindo não só seus aspectos
econômicos como as formas de sociabilidade, valores e estilos de vida?

O que permanece e o que vem mudando na vida das cidades e


quais os seus efeitos nos modos de sobrevivência e na subjetividade das
diversas camadas sociais que ali vivem? Podemos pensar as cidades
com as mesmas categorias sociológicas, econômicas e antropológicas
dos tempos taylorismo-fordista que, durante décadas, marcaram
fortemente as cidades industriais e serviram de modelo para o mundo
urbano?

Como compreender os graves e visíveis problemas sociais e


econômicos e culturais que, nos dias de hoje, se manifestam em
fenômenos como a desigualdade, o aumento da violência que vem
crescendo exponencialmente e o empobrecimento de uma grande
parcela de sua população e o imenso desamparo social que afeta as
populações pobres que, nos últimos tempos, migraram para a cidade,
transformando a bucólica Fortaleza numa cidade tão repartida, como
quase todas as cidades brasileiras nesta era de globalização?

Compreender e analisar as cidades neste momento histórico em


que estamos vivendo é uma tarefa imensa e desafiadora, porque as
antigas referências do passado não dão mais conta em explicar as
grandes transformações que vêm ocorrendo nos últimos tempos em
todas as cidades mundiais, cada uma com as suas especificidades.
3

Não é preciso muitas observações para perceber nas cidades


contemporâneas a grande ruptura com o passado, assim como as
grandes transformações das cidades, que se apresentam tão impactantes
transformações que nos assusta, quando por ela circulamos, pois, suas
áreas novas e tradicionais vêm sendo (em maior ou menor grau)
reconfiguradas pelo grande capital financeiro, onde se percebe uma
violenta explosão populacional, pois há milhões de pessoas que nas
últimas décadas estão migrando do campo para a cidade, como nos
mostrou o jornalista em 2013 chamado Doug no seu livro chamado
Cidade de Chegada – A migração final e o futuro do mundo (Editora
DVS), onde nos mostra que “em 2025, de acordo com estimativas
recentes, facilmente haverá 4 bilhões de orbanóides, dois terços dos
quais viverão em nações em desenvolvimento,” E adianta: “Em 2030, a
Ásia, sozinha vai ter 3 bilhões de citadinos; as cidades da Terra estarão
abarrotadas com 2 bilhões de pessoas a mais do que hoje. Vinte anos
mais adiante, em 2050, 75% dos estimados 9,2 bilhões de habitantes do
mundo provavelmente vão viver em cidades em franco
desenvolvimento, a maioria esmagadora, ou seja, nas megacidades da
Ásia, da África e da América Latina.” 1

Observando de uma perspectiva mais ampla é possível perceber,


como mostra o autor acima citado, que não se trata de um fenômeno
nacional ou regional, mas mundial, pois as cidades de todo o mundo, no
decorrer dessa época de economia neoliberal, têm aguçado graves
conflitos sociais, contidos, muitas vezes, por repressões brutais, como
têm ocorrido nos países mais pobres, como Brasil. 2

O sociólogo inglês, Stephen Graham, no seu livro publicado


alguns anos atrás no Brasil, nos mostra que, “enquanto cidades de
relativa igualdade, como as da Europa Ocidental continental, tendem a
oferece uma sensação de segurança, sociedades altamente desiguais são,

1
SAUNDERS, Doug. Cidade de Chegada – A Migração final e o Futuro do Mundo. Editora DVS. São Paulo,
2013, página 1 e 2.
2
É só observar o que está acontecendo na fronteira da Venezuela nesse momento (agosto de 2018), onde um
grande número de pessoas está sendo expulsas de Roraima e da cidade de Manaus de uma forma brutal. Também
nas grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro dormindo pelas ruas e sendo expulsas de suas propriedades.
4

com frequência, marcadas pelo medo, por altos níveis de crime e


violência e pela militarização cada vez mais intensa”. Ele observa que
“o predomínio dos modelos neoliberais de administração nas últimas
décadas, combinado com a difusão do modelo punitivo e autoritário de
policiamento e o controle social, que se expressa, por exemplo, em
encarceramentos em massa no Brasil e no mundo, vem se tornando uma
verdadeira tragédia, como se a única alternativa existente fosse a
repressão violenta sob dos mais pobres, como forma de controle social,
só exacerbando as desigualdades. Como consequência, o que temo hoje
são cidades vivendo uma espécie de estado do sítio e a violência se
propagando, assim como o medo e a repressão sob pobres que
sobrevivem com serviços públicos precários, em cidades conflagradas,
onde são precários serviços públicos, de um lado, e uma palpável
demonização e criminalidade do outro, como nos mostrou o pensador
inglês no seu livro.” 3

Por que muitas pessoas nos dias de hoje se refugiam dentro dos
shoppings centers, nos seus carros blindados com vidros escurecidos?
Por que os condomínios fechados se proliferam? Por que as pessoas
circulam temerosas nas cidades, com medo da violência?

Como nos mostrou Zygmunt Bauman, em um de livros o medo


é visível e, junto com ele, temos “a utopia do controle sobre o mundo
social que vem se desmoronando. O medo da violência, o medo de
perder o emprego, de sermos aniquilados pela violência. Também, em
meio a essa fragilidade e insegurança vivemos com medo e com muita
ansiedade.”

Este mesmo autor mostra que “vivemos nos dias de hoje em um


mundo polarizado”, que, “em três décadas, estamos descobrindo os que
países de todo mundo em desenvolvimento vieram no decorrer de três
de três décadas: economias neoliberais instáveis e injustas levam a

3GRAHAM, Stephen. As grandes cidades sitiadas – O Novo Urbanismo Militar. Editora Boitempo, SP, Ano
2016, páginas 45-50.
5

níveis inaceitáveis de ruptura e privações que só podem ser contidas por


uma repressão brutal.”

Assinala, também, “a expansão extraordinária de instrumentos


financeiros e mecanismos especulativos”, pois “todas as áreas da
sociedade se tornaram mercantilizadas e financeirizadas. Tanto Estados
quanto consumidores acumulam dívidas financeiras drásticas,
securitizadas por instrumentos arcanos das bolsas de valores globais.
Em 2006, portanto, antes do início da crise financeira global, mercados
financeiros negociavam mais em um mês do que o produto interno
bruto de todo mundo.”4

O mesmo autor, neste mesmo livro citado acima, faz uma


observação assustadora:

“Conforme avançamos para o que tem sido chamado de “século


urbano”, parece não haver fim para essa urbanização apressada do
nosso mundo. Em 2007, 1,2 milhões de pessoas somaram-se à
população mundial toda semana. Em 2025, de acordo com estimativas
recentes facilmente poderá haver 4 bilhões de urbanoides, dois terços
dos quais viverão em nações “em desenvolvimento”. Em 2030, a Ásia,
sozinha vai ter 2,7 bilhões de citadinos: as cidades da Terra estarão
abarrotadas com 2 bilhões de pessoas a mais do que acomodam hoje.
Vinte anos mais adiante, em 2050, 75% dos estimados 9,2 bilhões de
habitantes do mundo provavelmente vão viver em cidades.”

Freitag nos mostra, também, que é “durante a vigência desse


modelo que acontecem grandes ondas migratórias que contribuem para
a inchação das capitais e dos centros industriais da América Latina,
produzindo a marginalização, a pauperização e a exclusão de grandes
contingentes da população que chegam às cidades na expectativa de
melhoria de vida, sem que as cidades estivessem equipadas para

4Op.cit. p.32
6

oferecer empregos, moradias, escolas, transportes e atendimento de


saúde.”5

Harvey classificou mais tarde essas mudanças urbanas como “a


condição pós-moderna”, ou seja, a produção de uma nova centralidade
nas metrópoles, em consonância com as forças da globalização, onde os
interesses econômicos e funcionais são revestidos pela valorização
imobiliária, ou seja, novas localizações que se prestam para a extração
da renda fundiária diferencial.”6

Ele lembra, também, que “a cidade tradicional foi morta pelo


desenvolvimento do capitalismo descontrolado, vitimado pela sua
interminável necessidade de dispor da acumulação desenfreada de
capital, capaz de financiar as expansões intermináveis e desordenadas
de crescimento urbano, sejam quais forem as suas consequências.”7

Isso significa, segundo o autor, que a Terra “em pouco mais de


quatro décadas vai acomodar 7 bilhões de habitantes urbanos – 4
bilhões a mais do que em 2007. A maioria esmagadora deles estará em
cidades em franco desenvolvimento e em megacidades da Ásia, África
e América Latina. É claro que muitas cidades em nações desenvolvidas
ainda estarão crescendo, mas esse crescimento será tímido se
comparado com a explosão do Sul Global.”8

Ao olharmos para o Brasil e a América Latina, percebe-se que


esse continente vem apresentando um intenso processo de urbanização,
especialmente na segundo metade do século XX.

Também, nos informa que:

“Em 1940, por exemplo, a população que vivia nas cidades era
de 18,8 milhões de habitantes e em 2000 ela é de aproximadamente 138
milhões de pessoas. Dez anos depois (2010), apenas 15,65 da população

5 FREITAG, Bárbara. Teorias da Cidade. Editora Papirus, 2010, São Paulo. 2006.
6
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. Editora Papirus (Uma pesquisa sobre as ideias sobre as origens
das mudanças Cultural) 17º Edição, 2008)
7 HARVEY, p.30
8 Ver site:http//fernandonogueiracosta.wordpress.com/2010/11/29/censo-2010-população-urbana.
7

(29.852.986 pessoas) viviam na cidade vida rural, contra 84,35%


viviam em zonas urbanas. O grau de urbanização no mundo há poucos
anos, ultrapassou 50%. Na União Europeia, como Portugal, até outros,
como a França, com 85% de sua população morando em região urbana.
O Brasil possui o maior grau de sua população morando em regiões
urbanas.”9

A região Sudeste segue a região mais populosa do Brasil, com


80.353.724 pessoas. Entre 2000 e 2010 perderam participação as
regiões Sudeste (de 42,8%) para 42,1%, o Nordeste de 28,2% para
27,8%) e Sul (de 14,8% para 14,4%). Por todo lado, aumentaram seus
percentuais da população brasileira as regiões Norte (de 7,6 para 8,3%)
e Centro Oeste (de 6,9 para 7,4%).

Temos, portanto, um veloz processo de crescimento urbano,


como podemos perceber nesses espantosos números, o que não
significa que não tem havido uma urbanização homogênea, pois no
chamado “primeiro mundo” ele teve características diferenciadas.

Como afirma Stephen Graham, citado anteriormente:

“Temos um mundo polarizado. Estamos descobrindo o que


países de todo mundo em desenvolvimento viveram em três décadas
economias neoliberais instáveis e injustas que levam níveis inaceitáveis
de ruptura e privações que só podem ser contidas por uma repressão
brutal.”

Há, portanto, estoques de terras sujeitas à valorização e estão


localizadas nas áreas tradicionais das cidades, ocupadas, muitas vezes,
pelos antigos casarões da era fordista (em decadência), ou terras do
circuito urbano alargado (chamados de “periferia”), onde estão
localizados os “bairros periféricos”, ocupados por uma enorme
população empobrecida, constituída de moradores que, ao longo de suas
vidas, construíram por vários meios (e com muito sacrifício) suas casas

9 Ver site:http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=23440
8

e criaram seus modos de vida e agora são empurrados para zonas cada
vez mais distantes, onde os mesmos fenômenos se repetem. 10

Pergunta Harvey:

“Essa dramática urbanização terá contribuído para o bem-estar


humano? Transforma-nos em pessoas melhores ou deixou-nos a esmo
em um mundo de anomia e alienação, raiva e frustração? Tornamo-nos
meras mônadas lançadas ao sabor das ondas de um oceano urbano?”11

Analisar e compreender a cidade de Fortaleza dentro deste


enfoque mais amplo e estrutural requer reflexões e pesquisas mais
apuradas e que vá além de narrativas focadas somente em dados
estatísticos e outros meios de métodos de pesquisa, que, muitas vezes,
dá pouca importância às outras determinações de processos mais
amplos, muitas vezes invisíveis que nos impossibilita de compreender
os processos que estão ocorrendo não só na cidade brasileiras, mas em
todo o mundo.

A perspectiva de análise das duas autores não é somente fazer


uma narrativa, ou um registro, simplesmente, mas em explicar e fazer
as conexões sobre o que está acontecendo no “lugar” e estabelecer as
conexões com o presente sob o domínio do capital financeiro e as
formas como ele coloniza e toma conta das cidades, pois esse fenômeno
é global, onde surgem através de sofisticados jogos econômicos, pouco
compreensíveis pelas pessoas que tentam compreender a dinâmica das
cidade nessa era de capital financeiro hegemônico e suas especulações.

No caso da cidade de Fortaleza não só o crescimento espantoso


dos bairros, onde se observa uma “cidade repartida”, como observou
um jornalista carioca ao analisar a cidade do Rio de Janeiro.

10
Ver FIX, Mariana, nos seus dois livros: o primeiro chamado Parceiros da Exclusão. O outro
chama-se Nasce uma nova São Paulo, ambos editados pela Editora Boitempo, 2001.
11
HAVERY, David. Condição Pós-Moderna. Edição Loyola (Uma pesquisa sobre as Origens da
Mudança Cultural, 17ª Edição, 2008, p. 17)
9

A cidade de Fortaleza nos últimos tempos vem crescendo sob o


ritmo dessa lógica financeira e isso já vinha sendo observado, mesmo
que timidamente, por seus historiadores, sociólogos, economistas e
antropólogos, décadas atrás, quando observavam as transformações da
cidade, com suas praias abertas para o turismo internacional e o
surgimento do setor secundário e terciário e a infraestrutura que se
desenvolveu aceleradamente, como a modernização de seus aeroportos
e rodovias, edifícios luxuosos e condomínios fechados, como vem se
expandindo em muitas cidades brasileira, criando aquilo de um
psicanalista paulista denominou “vida em condomínio” e seus muros
integrando a cidade ao país e no mundo e, ao mesmo tempo, criando
uma série de mal-estares.

São inúmeros os trabalhos que vêm documentando e detalhando


a história da cidade e suas transformações, muitas vezes com certo tom
nostálgico. Recentemente vem sendo produzidos muitos trabalhos,
sobre o passado e a era contemporânea da cidade de Fortaleza, através
de várias perspectivas, procurando compreender os fenômenos mais
recentes, tanto do ponto de vista histórico econômico como social. 12

Sousa, por exemplo, já observava os sinais dessas


transformações da cidade, bem antes do avassalador processo de
financeirização que ela apresenta nos dias de hoje. As descrições feitas
nas décadas passadas parecem se repetir com maior intensidade, mas
com outras características bem diferenciadas, que vem exigindo novos
estudos e pesquisas, pois revelam fenômenos novos.

Afirmava e um de seus trabalhos de pesquisa:

“A cidade recebeu seus primeiros investimentos em princípio do


século XX, na região conhecida como Prainha, cujo entorno se
construíram edificações para abrigar armazéns e escritórios comerciais.
Com a mudança do porto para a região de Mucuripe, nas décadas de
1940 e 1950, a área sofreu um progressivo esvaziamento. Seus imóveis

12
Ver, por exemplo, o livro chamado História do Ceará.
10

foram ocupados como depósitos (os galpões) e como local de trabalho e


moradia de prostitutas e do seguimento de baixa renda. ”13

Esse processo, que se acentua mais radicalmente hoje, não


ocorreu de uma hora para outra. Num passado não muito longínquo já
era visível que a cidade de Fortaleza vinha experimentando
transformações radicais, pois os grandes empreendimentos imobiliários
marcavam presença desde de décadas passadas, numa parte da orla,
gerando uma crescente urbanização nas áreas valorizadas nas ruas
transversais do Bairro da Aldeota, onde reside, hoje, grande número
significativo da elite da cidade morando em enormes edifícios
financeirizados pelo capital financeiro.

Quem circula por esse bairro logo percebe a novas formas de


morar e conviver. As famílias que viviam horizontalmente em casas,
hoje vêm criando novas formas de morar e viver (os grandes e
modernos edifícios) onde se percebe os fortes aparatos de segurança,
com seus monitoramentos através de objetos eletrônicos panópticos.
Uma nova forma de viver e um estilo de morar, com aparatos de
sistemas de segurança, que, também, tem a ver com o crescimento da
violência na cidade. Se antigamente os moradores e moradoras
recebiam suas visitas nas portas abertas de suas casas, hoje tem que
passar pela guarita e se apresentar para o porteiro que entra em
comunicação com o morador(a) confirmando a pessoa que está na
entrada do prédio

Como já mostrava Carvalho, em 2002, portanto, 15 anos atrás, a


cidade de Fortaleza vinha se transformando rapidamente, não só
economicamente, mas nos seus aspectos socioculturais. “A paisagem
urbana, a industrialização atraía hordas de famílias que rapidamente
construíam suas casas, ruas, etc.”14

13
SIMONE, Sousa. História do Ceará. Fortaleza: Stylus Comunicação, 1989.
14
CARVALHO, Benedito José. Marcas de Família, memória no tempo. Editora Annablume. São
Paulo 2002.
11

Botelho nos mostra, também, que foi “a partir de 1970, que a


cidade se expandiu em direção a oeste, avançando sobre a praia de
Iracema e daí em diante. Novos bairros de classe média mais abastada
afastaram-se do centro. Com o crescimento do turismo, hotéis e
restaurantes foram construídos ao longo da avenida que margeia a praia
de Iracema e seus segmentos. No mesmo período, o governo estadual
transferiu a maior parte dos serviços públicos para o Centro
Administrativo do Cambeba, distante do litoral, cujo esvaziamento foi
reforçado, provocando o que se poderia definir como a perda da
centralidade.”15

Esse processo, nos dias de hoje, está ocorrendo de forma mais


acelerando. O que ocorreu durante décadas passadas vem se
acelerando,16e provocando grandes desmanchamentos, desta vez mais
radicais e profundos na cidade, assim como em outras capitais do país
(e do mundo), marcado por aquilo que Harvey, citado anteriormente,
chamou de “reestruturação produtiva e mundialização dos capital” que
produziu novas centralidades nas metrópoles em consonância com as
forças do chamado mercado, que se manifestavam na valorização
imobiliária, com seus investimentos privados nas áreas nobres e
naquelas que passaram a ser valorizadas ao longo da malha urbana.
Todo esse processo vem ocorrendo com o beneplácito do Estado.17

Quais os impactos dessas mudanças?

Não temos a pretensão de fazer um diagnóstico muito


aprofundado que dê conta de todos os impactos que vêm transformando
a cidade, mas somente apontar de forma muito resumida alguns
indicadores que tem afetado a vida da cidade.

15
BOTELHO, Tarciso R. in Revitalização da região central de Fortaleza – Novos Usos dos espaços
públicos. Artigo publicado no livro chamado As Cidades e seus agentes: práticas e representações.
Autores: Heitor Frúgoli; Luciana Teixeira de Andrade, Fernando Aréas Peixoto (organizadores).
Editora PUC- Minas, Belo Horizonte, 2006.
16
Ver o livro Uma história do Ceará, Organizado pela professora-historiadora, Simone de Souza,
que já está na quarta edição, Editada pela Fundação Demócrito Rocha, que reúne diversos
ensaios por 15 dos mais expressivos historiadores cearenses da atualidade.
17
HAVEY, David. A produção capitalista do espaço urbano, Editora Annablume, 2ª Edição, 1994,
São Paulo.
12

Mas já era visível que a cidade se transformava, se


desterritorializava, segundo a expressão de Rolnick&Guattari. 18

Isso já vinha ocorrendo desde o início do século XIX não só em


Fortaleza, mas em todas as cidades brasileiras e mundiais.

A cidade de Fortaleza, como afirmava Carvalho, era, no início


do século XIX, como todas as cidades brasileiras, uma cidade
provinciana, com um estilo de vida rural. “A elite dominante, diminuta,
apesar de influente, foi marcada por um imaginário aristocrata
português. Era uma pequena vila perdida no litoral, com uma população
mínima, onde viviam uns poucos artesãos, habitada por uma população
homogênea”.

Em 1890 a população era de 35 mil habitantes. Passou para 50


mil na mudança do século e para 78 mil em 1920, chegando em 1930
com 100 mil habitantes. Hoje a população já chega a mais e 2,6 milhões
de habitante, quase perto dos três milhões.

A paisagem urbana da cidade, nessa época, ganha novos


contornos. Com o passar do tempo, novos espaços urbanos são criados,
como os cafés, teatros, cinemas e clubes, etc. Uma série de reformas são
postas em prática, marcando a passagem das relações senhoriais, tipo
escravistas, para as relações capitalista. A modernidade chega
lentamente e os cidadãos passam a experimentar novos estilos de vida.
A rua passa a ser vista em relação oposta ao espaço privado (a casa) e, à
proporção que a cidade se transforma num lugar de interesse público,
vai se alterando as formas de morar e viver na cidade. 19

18
ROLNIK, Suely. Toxicómano da identidade – subjetividade em tempo de globalização. Org. por
LINS, Daniel, 1997. 1989.
19
Ao circular nos dias de hoje (2017) pelo bairro de Aldeota, a “área nobre” da cidade percebe-se a quase
inexistência das antigas residências familiares. No lugar dessas antigas moradias, onde moravam reduzidas
famílias de classe média, bancários, funcionários públicos, militares, donos de lojas etc. o que se vê hoje são
enormes edifícios de mais de 20 andares e um sistema de segurança sofisticado, comandado por empresas
que se proliferam na cidade, na mesma proporção em que a violência se expande. O medo surge na mesma
proporção dos lucros dessas empresas de segurança, hoje um negócio altamente lucrativo nas grandes
metrópoles.
13

Concomitantemente, surgem novas e populosas “periferias” e


suas cidades submersas, a maioria delas enfrentando graves problemas
sociais, em uma cidade que tem uma das maiores concentrações de
renda do mundo. 20

A urbanização da cidade ganha novos contornos, à proporção que o Estado


do Ceará se insere na lógica da acumulação capitalista que tem se acelerado nas
últimas décadas, alterando as relações sociais e novos grupos de poder. Nos dias
de hoje, a cidade tornou-se uma grande metrópole e sua população cresce
exponencialmente, pois, hoje, tem uma população estimada de 2.627.482
habitantes, perto, portanto, de 3 milhões.21

A cidade alargou seu espaço, na mesma proporção que se tornou,


semelhante a muitas cidades brasileiras, onde as desigualdades são imensas, pois,
de um lado, temos os ricos nos seus edifícios e seus condomínios fechados e, de
outro, uma população cada vez mais pauperizada, situação que se agrava neste
momento de desemprego e redução dos direitos sociais.

Que tipo de mal-estares a população da dessa cidade vem enfrentando


nessa época de capitalismo financeiro? De que forma ela vem se integrando a

20Os dez bairros mais ricos de Fortaleza têm renda pessoal de 26% da cidade, segundo estudo divulgado
pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE)). O levantamento mostra que os 44
bairros de menor renda da capital juntos somam o mesmo percentual obtido pelos bairros ricos. Dessa
forma, apenas 7% da população se apropria de 26% da renda pessoal total da cidade De acordo com o órgão
estadual, parte da má distribuição de renda tende a se refletir espacialmente nos bairros de Fortaleza, por
causa da decisão de onde residir estar fortemente condicionada à renda, disponibilização de serviços
públicos (educação, saúde, transporte etc.), oportunidade de emprego, dentre outros. O trabalho comprova
o relatório das Nações Unidas State of the World Cities 2010/2011: Bridging the Urban Divide, que coloca
Fortaleza como a cidade de Fortaleza foi considerada pelo Censo Demográfico de 2010 a quinta cidade mais
desigual do mundo. O diretor Geral do IPECE, professor Flávio Ataliba, afirma que houve o mapeamento de
119 bairros em cinco grupos, com intervalos de R$ 499,99. O Meireles, bairro mais rico da cidade, tem uma
renda média 15,3 vezes (R$ 3.659,54) maior que a do Conjunto Palmeiras (R$ 239,25), que ocupa o último
lugar (119ª colocação). O estudo identificou a existência de uma forte concentração espacial da renda
média pessoal de Fortaleza. De acordo com Flávio Ataliba, essa elevada dificuldade pode ocasionar, dentre
outros problemas, a potencialização de tensões sociais, culminando com o aumento da violência, assim
como maiores transtornos de mobilidade urbana, já que é natural o movimento de pessoas de bairros
muitos pobres para bairros de nível de renda mais elevado em busca de emprego, renda e serviços. Os
bairros mais ricos, com média entre R$ 2 mil e R$ 3.659,54, estão concentrados em uma única Secretaria
Executiva Regional da capital. Entre os dez mais ricos, nove estão localizados na SER II: Meireles,
Guararapes, Cocó, De Lourdes, Aldeota, Mucuripe, Dionísio Torres, Varjota e Praia de Iracema. Na décima
posição está o Bairro de Fátima, que pertence a SER IV. Já os dez bairros com menor renda média pessoal
são: Conjunto Palmeiras, Parque Presidente Vargas, Canindezinho, Siqueira, Genibaú, Granja Portugal,
Pirambu, Granja Lisboa, Autran Nunes, e Bom Jardim. Entre os bairros mais pobres, seis estão localizados na
SER V. (Fonte: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/fortaleza/renda-dos-10-bairros-mais-ricos-de-
fortaleza-e-igual-a-dos-44-bairros-mais-pobres)

21
Fonte: http://cod.ibge.gov.br/2VJ4N
14

todos esses processos de mudanças que estão ocorrendo nas grandes cidades do
mundo, com seus grandes e violentos impactos provocados pela globalização?
Como se manifestam os conflitos sociais?

Como ressaltava uma socióloga estudiosa da vida urbana, nessa era de


capitalismo globalizado, “o sonho de viver nas cidades, muitas vezes se torna um
pesadelo, pois as cidades passam a ser centro de expansão de um novo modelo
econômico: a internacionalização do mercado interno, num momento de grandes
ondas migratórias que contribuíram (e vem contribuindo) para o inchaço de
grandes cidades e, junto com elas, a exclusão social e a pauperização de grandes
contingentes da população que chega na cidade na expectativa de melhorar suas
condições de vida, mesmo num meio adverso e excludente, além dessas cidades
não estarem equipadas para oferecer moradias, transportes, atendimento de
saúde.”1

Fortaleza, ainda não é uma cidade como as grandes megálopes do mundo,


mas é nas últimas décadas, vem experimentando transformações e se insere nesse
processo de globalização que vem se acelerando desde a segunda metade do
século XX, onde uma parte do espaço urbano passa a ser disputado pelo capital
financeiro.

Hoje, em pleno século XXI, a cidade, apesar de seu expressivo


crescimento populacional, não se assemelha, no plano nacional, às grandes
metrópoles, como São Paulo. Mas é perceptível a forma como ela se insere no
movimento do capital financeiro global.

Isso é perceptível se formos acompanhar as grandes transformações no seu


espaço urbano, onde é visível a forte presença do capital imobiliário-financeiro e,
junto como ele, os grandes contrastes sociais.

Hoje encontra-se em curso na cidade dezenas de obras em construções,


muitas já ocupadas pelos chamados “ Condomínios Fechados”, que não se
restringem mais às áreas tradicionalmente valorizadas, como o bairro de Aldeota,
mas esgarça-se pelos territórios antes ocupados por uma vasta população
periférica, que, desde alguns anos, vem migrando para capital, fugindo das
15

periódicas secas ou em busca de melhores oportunidades que as pequenas cidades


rurais não oferecem, como escolas, empregos e outros tipos de serviços.

Paradoxalmente essas populações que moram nas periferias, cujas as terras


eram, no passado, pouco valorizadas (e não legalizadas) passaram sofrer um
processo de expulsão por parte de grandes empreendimentos imobiliários,
sedentos por terras para a construção de edifícios e os chamados “Condomínios
Fechados”, que hoje se alastram pelas extensões da cidade em grandes proporções
e se constituindo num novo estilo de morar e viver.

A cidade de Fortaleza, portanto, desde alguns anos, já entrou na lógica


desse grande processo de financeirização que ocorre no mundo, como vimos
acima. Se a velho bairro de Aldeota era, no passado, o símbolo de distinção, com
sua velha classe média dos anos 60-70, hoje ela se tornou espaço de disputas pelas
grandes imobiliárias que constroem grandes e majestosos prédios de mais de 20
andares, oferecendo aos seus clientes luxo e segurança, como podemos ver nos
outdoors e cartazes espalhados pela cidade através da máquina publicitária.

Trata-se do mesmo processo que Tereza Rios Caldeira, quando analisou o


que vem ocorrendo em São Paulo.

“A segregação – tanto social quanto espacial – é uma característica


importante das cidades. As regras que organizam o espaço urbano são
basicamente padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras, que
variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida
pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da
cidade.”22

Neste novo contexto urbano, em uma era de globalização, não faltam,


como em outras cidades mundiais, a criação de novos estilos de vida, novas
formas de consumo, como os Shoppings Centers, as sofisticadas boutiques, cafés,
livrarias e outros serviços semelhantes às grandes cidades mundiais.23

22
CALDEIRA, Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime e Segregação em São Paulo. Editora 34 e
EDUSP, 2000.
23
Seguindo o mercado de shopping brasileiro, a cidade de Fortaleza é a segunda maior cidade do Nordeste
com o maior número de shoppings. A Capital já tem 28, perdendo apenas para Salvador, que possuiu 33
16

Também, as formas de sociabilidades vêm mudando rapidamente e, como


dizia Simmel, a cidade vem exigindo novos tipos de comportamentos muito
diferentes da velha Fortaleza dos casarões, das conversas nas calçadas, das
serenatas e tantas outras formas antigas de sociabilidades e modos de vida. Os
encontros e as formas de consumo ocorrem hoje nos chamadados nos Shoppings
Centers.

Fonte de renda importante (que praticamente constitui o look


propagandista da cidade praieira) é o turismo, hoje uma das fontes econômicas
importante, já cantada e decantada por canções, versos e poesias e até por
sociólogos.

Um deles já observava esse fenômeno nos anos de 1980:

A partir do chamado “milagre brasileiro, Fortaleza descobre que pode


transformar seus 30 quilômetros de praia em espaço de bons negócios, e passa a
se voltar fortemente para atividades turísticas, desenvolvidas a partir do sol (o ano
inteiro) e suas praias. A oferta turística passa a englobar pontos comerciais à
beira-mar, núcleos específicos de comércio de artesanato, hotéis, restaurantes,
bares e boates. A “capital do sol” (Fortaleza dos turistas), a capital da moda
(Fortaleza das indústrias têxteis e uma certa burguesia industrial) é a capital da
miséria (...) que se justapõem e compõem hoje a cidade que é, a um só tempo,
palco de cenas de miséria e opulência, violências, tristeza e segregação social.”24

Mas não foi somente as belas praias e seus 30 quilômetros que se tornaram
“espaços para bons negócios”, mas, também, seus territórios, que vão além do
litoral, e que se transformam em reserva de valor, como aconteceu e está
acontecendo em muitas cidades brasileiras e mundiais. 25

centros comerciais. Ver:(http://tribunadoceara.uol.com.br/audios/tribuna-band-news-fm/com-28-


shoppings-fortaleza-e-a-segunda-cidade-do-nordeste-com-mais-centros-comerciais/
24
Ver LINHARES, Paulo. A cidade de água e sal.: uma antropologia do litoral sem cana-de-açúcar.
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1993.

25
As redes hoteleiras vêm se expandindo nos dias de hoje e ganham novas configurações com o aumento do
turismo, hoje uma das fontes de renda da cidade. Nos anos 70-80 podíamos perceber as cidades praieiras
com uma estrutura precária. Isso vem se alterando ao longo do tempo. A construção de novos hotéis em
praias distantes vem aumentando substancialmente e o turismo adquirindo novas proporções.
Recentemente o governo e as empresas aéreas estão oferecendo voos diretos de alguns países para a
cidade de Fortaleza. O turismo é atualmente uma mercadoria altamente rentável. Não podemos esquecer,
17

As cidades não estão mais isoladas, como no passado. Tornaram-se objeto


de cobiça pelo grande capital que hoje não conhece pátria. São vistas não mais
como cidades distantes e exóticas, interligadas por redes e outros meios de
comunicações criados pela modernidade, pois elas foram tomadas de assalto pelo
mercado mundial que possibilita não só o trânsito de turistas em busca de
exotismo, mas passaram a se constituir reservas de valor para grandes negociações
do capital financeiro.

A cidade fordista (que Fortaleza nunca foi) está sendo transformada pelo
grande capital e muito de seu futuro passa por grandes negociações que, muitas
vezes, escapam da lógica local e, por isso, estão sujeitas às oscilações do mercado
financeiro mundial e aos grandes mal-estares, como as expulsões.

As rápidas transformações dos estilos de vida, o modo de pensar e sentir,


cada vez mais tem pouco a ver com a nostálgica Fortaleza do passado, cantada em
verso e prosa. Mas não é somente a natureza e as belas e extensas praias que vêm
sendo negociadas, mas seu território e as matérias primas que ainda restam, como
as frutas comodizadas, produzidas em algumas cidades do interior e que chegam
nos portos do primeiro mundo para ser vendidos para populações distantes do
mundo europeu.26

São os marketings que tentam vender a cidades exótica de terceiro mundo


para os turistas do globo. Não podemos esquecer o comercio de drogas que
movimenta bilhões de dólares.27 E, também, o imenso comércio ligado à

também, que a cidade de Fortaleze dispõe de um forte aparato para realização de eventos e têm atraído
muitas empresas e pessoas para a cidade.
26
Para especialistas, “o melão [do Ceará e Rio Grande do Norte] na China é ouro, para o chinês”. A
fruticultura brasileira para a exportação é considerada produto de alto valor agregado no mercado
internacional, considerando, por exemplo, os grãos e outras commodities. Enquanto o preço referencial em
dólar por tonelada de milho é 200 e a de soja chega a 450, a de frutas oscila entre 1.000 a 1.700 dólares/t. O
Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de produção de frutas, mas a sua posição é considerada
inexpressiva no negócio mundial. Exporta apenas 2% das frutas que produz, conforme a CNA. Os dez
maiores produtores mundiais são responsáveis por pouco mais de 60% da produção total. Segundo a Adece
(Agência de Desenvolvimento do Ceará), a produção mundial de frutas tem apresentado crescimento
contínuo, principalmente pela grande diversidade de espécies cultivadas em clima tropical. As frutas mais
produzidas no mundo são as bananas e plátanos (no Brasil são consumidas como um só produto), melancia,
maçã, laranja, uva, pera e abacaxi. O Brasil é o maior produtor mundial de suco de laranja, mamão e
abacaxi. Mesmo assim, é apenas o 15º exportador mundial de frutas, de acordo com o órgão cearense.

27
Segundo as notícias da imprensa local, a batalha contra o tráfico de drogas no Ceará cresceu em 2017. De
janeiro a junho deste ano, por dia foram apreendidos cerca de 18 kg de entorpecentes. Maconha, crack e
cocaína. Essas são as principais drogas apreendidas pela polícia do Ceará. Os dados mais recentes mostram
18

prostituição que, apesar de proibido e fortemente reprimido é uma realidade


visível não só na cidade de Fortaleza, mas em todos os estados.28

Como afirma Bauman, “as cidades, nas quais vive atualmente mais da
metade do gênero humano, são de certa maneira os depósitos onde se descarregam
os problemas criados e não resolvidos no espaço global. São depósitos em muitos
aspectos. Existe, por exemplo, o problema global de poluição do ar e da água, e da
administração municipal e qualquer cidade deve suportar suas consequências e
lutar com seus recursos locais para limpar as consequências, as águas, purificar o
ar, conter as marés. ”

Bauman dá outros exemplos:

“Como os dos ambulatórios públicos sem remédios, por conta da alta dos
preços de determinados fármacos, decorrente de conflitos na grande indústria
farmacêutica ou da imposição “direitos de propriedade intelectual, é sempre a
cidade que arca com as consequências, dificilmente tendo de enfrenta-las e, menos
ainda, resolvê-las. “Tudo recai sobre a população local, sobre a cidade, sobre o
“bairro”, escreve o sociólogo. E tudo fica ainda mais grave, obviamente, quando
não formulamos e levamos à prática políticas públicas claras e objetivas para os
dilemas e problemas urbanos. Como acontece neste momento no Brasil.”29

que as apreensões ocorrem, principalmente, entre 18h e 0h. Nos seis primeiros meses de 2017, a
apreensão de drogas feita pela Denarc (Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas) mais que dobrou em
relação ao mesmo período de 2016. (http://tribunadoceara.uol.com.br/videos/vem-que-tem/saiba-como-
funciona-o-combate-ao-trafico-de-drogas-no-ceara/)

28
A socióloga Fernanda Maria Vieira Ribeiro, na sua pesquisa chamada Turismo sexual na cidade de
Fortaleza, Estado do Ceará,e sua interface com a exploração sexual de crianças e adolescentes e com o
tráfico de pessoas, observou que “o desenvolvimento ou expansão do mercado do sexo deu visibilidade a
antigos fenômenos. A partir da década de 1990, uma diversidade de estudos e pesquisas investigou o
desenvolvimento do turismo voltado para o lazer e especificamente com fins sexuais, sobretudo nos países
de “Terceiro Mundo”. Contudo – afirma a autora – “estudos mais recentes têm desafiado a percepção linear
entre turismo sexual e prostituição, trazendo novas configurações do chamado turismo sexual no século
XXI. O fato do Nordeste do Brasil ter se tornado um roteiro almejado por turistas sexuais recentemente e a
forma particular como esse turismo se desenvolveu nesta região tornou difícil a existência de uma indústria
do sexo organizada. Apesar da problematização da ligação direta entre turismo sexual e prostituição, duas
grandes preocupações vêm se tornando alvo de políticas públicas e de debate nas organizações da
sociedade civil no Brasil e no Nordeste: o turismo sexual ligado à exploração sexual de crianças e
adolescentes e ao tráfico de pessoas. Traço nesse trabalho as configurações do turismo sexual na cidade de
Fortaleza/CE e sua interface com os fenômenos elencados, a partir de pesquisa realizada no ano de 2012. ,
http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1373300391_ARQUIVO_Fernanda
MariaVieiraRibeiro.pdf)
29
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Editora Zahar, São Paulo, 2005.
19

A chamada “periferia”, áreas onde habitam uma grande parcela da


população, criam suas formas de resistências, com seus movimentos sociais e
ainda resistem dentro de seus limites de suas forças, mas já se percebe que, de
forma violenta (ou formas mais sutis de intimidações), a tendência dessas áreas,
hoje valorizadas, é serem ocupadas por grandes prédios, avenidas ou condomínios
fechados, fazendo com que as populações sejam obrigadas a morar em áreas cada
vez mais distantes, nem sempre providas de serviços, como escolas, postos de
saúde ou transportes urbanos. Essa realidade é vivida por moradores de muitas
cidades brasileiras nos últimos tempos, principalmente nesse momento em que as
cidades ampliam seus espaços e, ao mesmo tempo, segregam seus cidadãos, pois
chamado “mercado” assim o determina.

Carvalho,30 num estudo sobre o comportamento de classe média na cidade


realizado no ano de 2000 já observava as grandes transformações que a cidade
estava experimentando naquele momento, modificando não só os hábitos de
consumo e os estilos de viver e toda uma subjetividade e comportamentos que se
manifestavam na forma de viver e morar da classe média da cidade.

“Só na região metropolitana de Fortaleza – observava o sociólogo – a


parcela de pobres era estimada, na época, em 23% em 1990, mas já havia estudos
que indicavam 26% das famílias com renda abaixo do nível de pobreza. A questão
social estava refletida no emprego informal de 54% das pessoas ocupadas, na
proporção de 17% da população analfabeta, e no fato de cerca de 30% da
população da cidade viver em favelas”.

Mais da metade da população, na época em que foi feito o estudo, era


proveniente do interior, constituída em sua maioria analfabeta, sem habilidades
profissionais relevantes para a economia urbana e pouca possibilidade de
encontrar emprego no setor formal ou de obter aperfeiçoamento profissional.

O Relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),


realizado em 1996, ao fazer um estudo de caso na cidade de Fortaleza já
confirmava esses contrastes, quando apontava a disparidade na distribuição da
renda no Ceará, pois na região metropolitana de Fortaleza apenas 23,5% eram

30
CARVALHO FILHO, Benedito José. Marcas de Família, travessia no tempo. Editora Annablume,
2000, São Paulo.
20

pobres, enquanto o meio rural esta proporção chegava a 51,3%. No meio urbano,
não metropolitano, estava proporção chegava a alcançar 31,1%.

Das 670 mil pessoas ocupadas nas atividades produtivas em Fortaleza, 338
mil estavam no setor serviços, 159 mil no comércio, 95 mil na indústria, 55 mil na
administração pública e 23 mil na construção civil.

É na capital que se concentra a maior parte da população do Estado. Em


1980, Fortaleza concentrava 83% da população metropolitana. Segundo os
prognósticos feitos pelo Banco Mundial, a região metropolitana deverá ter 3
milhões de habitantes, sendo 30% moram em favelas. O déficit de habitação é de
114 mil a 120 mil unidades a cada ano. A Fundação João Pinheiro estimou a
necessidade de construção de 93 mil unidades para a substituição de domicílios
improvisados rústicos para reduzir o nível de coabitação.

A modernidade contraditória da cidade de Fortaleza fica bem evidente


num dos itens básico: a educação. É, ainda, segundo o Relatório do Banco
Mundial, o setor onde estão presentes as maiores e mais graves deficiências de
Fortaleza. A proporção da população de mais de 10 anos que tem mais de quatro
anos de escolaridade era de apenas de 48%, menor que Recife (50%) ou Salvador
(58%). A taxa de analfabetismo na população com mais de 15 anos era de 20%.
No Ceará, existiam nessa época, 1,3 milhões de crianças analfabetas, das quais
260 mil na região metropolitana de Fortaleza.

A taxa de matrícula da população de 5 a 24 anos, em Fortaleza, é de


apenas 55%, menor que a de Recife (69%), que constitui, em geral, a área
metropolitana com piores indicadores sociais 40% de todos os estudantes
cearenses está no município de Fortaleza.

A face moderna de Fortaleza, já assumia, décadas atrás, aspectos


contraditórios, à semelhança do que ocorre no conjunto do país. A pobreza de sua
população é real, mas é inegável que a expansão da atividade econômica mais
recente vem criando um processo social com aspectos fortemente inovadores e
modernizantes, alterando os costumes e valores. Sua face moderna é exportada
para fora do Estado pelo turismo, que vem se tornando uma atividade empresarial
forte na região.
21

A CIDADE DE FORTALEZA NO CONTEXTO DO CAPITAL


FINANCEIRO

Compreender as transformações econômicas, sociais e políticas que estão


ocorrendo na cidade de Fortaleza é uma tarefa desafiadora, pois ela vem
apresentando transformações tão violentas que geram fenômenos novos, que, por
vezes, espantam tal a dimensão que assumem, pois as cidades não são mais
aquelas de décadas passadas, pois como afirmava David Harvey, “a cidade
tradicional foi morta pelo desenvolvimento do capitalismo descontrolado,
vitimado por sua interminável necessidade de dispor da acumulação desenfreada
de capital, capaz de financiar a expansão interminável e desordenada do
crescimento urbano, sejam quais forem as consequências sociais, ambientais ou
políticas.”31

Não precisamos de muitas observações para percebermos que as cidades


não são mais as mesmas que conhecemos no passado. Quem circula pelas capitais
do país logo percebe que elas estão se transformando rapidamente nessa era de
globalização e financeirização. Mariana Fix no seu livro chamado São Paulo,
fundamentos financeiros de uma miragem. Editora Boitempo, mostra claramente
como isso vem ocorrendo, não só nas cidades brasileiras, como em todo o mundo.

O pouco tempo que passei na cidade de Fortaleza circulei pelas zonas ricas
e pobres e percebi o seu crescimento urbano desenfreado, o contraste urbano, a
apartação social e a violenta explosão demográfica, a pobreza, a precária
mobilidade urbana, o crescimento da criminalidade e tantos outros problemas.
Temos, hoje, uma cidade abarrotada de gente sem emprego (ou com empregos
precários) e tantos outros problemas.

O sociólogo cearense Davi Moreno Montenegro, doutor em Sociologia


pela Universidade Federal do Ceará, no seu livro chamado Fios Invisíveis da
Espoliação: Trabalhadores do lixo e os limites da precariedade (Editora
Expressão Gráfica, 2007, Fortaleza) revela a situação dos trabalhadores catadores

31
HARVEY, David. Cidades Rebeldes (Do direito à Cidade à Revolução Urbana. (Editora Martins
Fontes).
22

de materiais recicláveis que circulam pelas ruas de Fortaleza na “invisibilidade”.


Trata-se um pequeno retrato na pobreza que se alastra na cidade, sem contar com
os que dormem nas ruas, principalmente no centro da cidade.

A arquiteta paulista Mariana Fix, nos livros Parceiro da Exclusão (Editora


Boitempo, 2001, SP) e São Paulo Global – Fundamentos financeiros de uma
miragem (da mesma editora, 2007) nos revela como se dá essa expulsão nessa era
de financeirização.

Num primeiro momento os ocupantes reagem e ficam, muitas vezes,


impactados em tomar conhecimento que vão ser expulsos da área, que na
linguagem das empreiteiras, deve “ser limpas”. Este é o momento de
perplexidade, pois a habitação tem um significado forte na vida dos moradores.
São tempos de muitas ansiedades, somatizações, incertezas sobre o futuro que
pode levar até ameaças de suicídio, como ocorre muitas vezes.

No outro momento, os moradores passam a criar suas próprias


organizações e buscam aliados para defender seus direitos (advogados, ONGs,
Igrejas, Centro de Defesa dos Direitos Humanos etc.). É o momento da
resistência, de idas e vindas, onde nem sempre o consenso é possível.

Finalmente, depois das tensas negociações, chega o momento da expulsão


por parte dos agentes públicos (Estado, empreiteiras e a Polícia). Momentos que
pode vir à tona a violência mais explicita, inclusive o uso da força. É a tragédia da
violência consumada. Depois, vem o desalento e o sentimento de derrota, pois as
pessoas se sentem impotentes e, muitas vezes, se sentindo intrusas. E, finalmente,
a área está “limpa” e “os tratores pedem passagem”.

Todas as cidades do Brasil e do mundo estão sujeitas a esse drama na era o


capital financeiro.

Mas o leitor, na maioria das vezes, não relaciona essas expulsões com essa
abstração chamada “capital financeiro”. O que ele é e como age nos dias de hoje?
Eis o desafio.
23

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