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Zurique, ano de 1850. "O judeu", escreveu Richard Wagner, seria por si próprio
"incapaz de se expressar artisticamente". Tal expressão, de acordo com um dos
compositores mais famosos da história alemã, não funcionaria "nem pela aparência [do
judeu], nem pela sua linguagem, e muito menos através de seu repertório musical".
O judeu, segundo Wagner, que completaria 200 anos nesta quarta-feira (22), só seria
mesmo capaz de copiar arte. Em seu panfleto "O judaísmo na Música", ele não
escondeu o seu desprezo. Quando Wagner publicou essas linhas sob pseudônimo numa
revista de música, ele ainda não era conhecido fora do público especializado e vivia
modestamente na Suíça.
Mas existe também esse lado feio de Wagner: ele menosprezava os judeus. Suas
convicções antissemitas se tornaram cada vez mais agressivas ao longo de sua vida.
Particularmente no Ano Richard Wagner 2013, a discussão em torno do legado
intelectual do compositor é importante para a compreensão de um capítulo sombrio da
história cultural alemã.
O nome de um dos compositores mais famosos de seu tempo tinha peso. Wagner
contribuiu para tirar o antissemitismo do isolamento dos porões de cerveja e pequenas
publicações antissemitas, diz o especialista em teatro e literatura Jens Malte Fischer.
"Foi algo funesto e avassalador e que deve ser atribuído a ele." Fischer pesquisa há
vários anos sobre o compositor, tendo publicado recentemente um novo livro sobre o
músico.
Wagner não inventou o ódio ao judeus, afirma o cientista. Mas, num ponto, ele foi
pioneiro: "Ele transportou o antissemitismo da época para o campo da cultura e,
sobretudo, para o campo da música." Dessa forma, Wagner tornou o antissemitismo
algo aceitável nos salões da burguesia alemã.
Desde essa época, o ódio aos judeus não é mais justificado por motivos religiosos, mas
por razões políticas e racistas. Escritores nazistas declararam os judeus como o suposto
inimigo de uma "nação alemã", surgiram organizações antijudaicas, houve motins
antissemitas. Essa corrente política e intelectual foi marcante para Wagner.
O pesquisador de teatro e literatura Jens Malte Fischer explica que "ele teve a
impressão de que o mundo da música, no qual ele não teve êxito, estava em mãos
judaicas. O que naturalmente não era verdade." Wagner canalizou sua frustração nos
críticos, jornalistas de música e editores de origem judaica, que ele via como
responsáveis pelo seu fracasso.
Em Paris, Wagner encontrou-se com o poeta Heinrich Heine, que ele admirava
inicialmente. Heine tinha origem judaica, mas se converteu ao protestantismo. Da
mesma forma, o dirigente de óperas Giacomo Meyerbeer, também alemão de origem
judaica, apoiou a carreira de Wagner. "Em cartas, Wagner mostrou-se altamente
agradecido por isso", constata Fischer.
De volta à Alemanha, Wagner travou, mais tarde, contatos com alemães abastados de
origem judaica, como o matemático e mecenas Alfred Pringsheim. Ele manteve até
mesmo uma troca de cartas com Pringsheim.
O pesquisador de antissemitismo Matthias Küntzel explica que "Wagner tinha uma
relação ambivalente com os judeus". Por um lado, ele os rejeitava. Por outro, consentia
que também fãs de origem judaica viessem a Bayreuth para admirá-lo. Aparentemente,
um passo pragmático --afinal de contas, eles contribuíam para encher os cofres do
compositor --o que não mudou, porém, a convicção antissemita de Wagner.
Também a relação com colegas judeus foi mais do que problemática, lembra Heer. Eles
somente foram tolerados por ele, como por exemplo o diretor de Parsifal, Hermann
Levi: "Infelizmente, Levi é o exemplo mais famoso de como Wagner atormentou os
judeus em seu entorno", diz Heer. O compositor queria forçar Levi a se batizar e o
aconselhou a fazê-lo por várias vezes.
Mas o dirigente não foi, de maneira alguma, o único músico que Wagner colocou sob
pressão psicológica. Após a morte do compositor, sob a égide de sua esposa e herdeira,
Cosima Wagner, a perseguição se tornou sistemática: os papéis eram ocupados quase
que exclusivamente por músicos não judeus.
Certamente, os fãs de Wagner não eram nem cegos nem surdos. Eles admiravam
Wagner por suas grandiosas montagens teatrais. Resta a questão principal em torno da
figura de Wagner: é possível escutar Wagner sem levar em conta o antissemitismo? O
ódio ao judeus repercute também em seu trabalho de palco?
A maioria dos pesquisadores de Wagner afirma que não. Entre aqueles que pensam
diferente está Fischer. Ele diz que, apesar de Wagner não ter escrito nenhuma ópera
antissemita, sua atitude anti-judaica se reflete no caráter de alguns personagens:
"Existem em algumas de suas figuras referências subliminares que apontam para
estereótipos judeus, principalmente no anão Mime de 'O Anel dos Nibelungos' e no
crítico pedante Beckmesser de 'Os Mestres Cantores de Nuremberg'."
Hoje em dia, as peças de Wagner não são mais vistas como antissemitas. "Quando se
encena Wagner, atualmente, não se trata de obras com conotação antissemita, mas de
obras de um grande compositor e teatrólogo", sublinha Heer. Gênio musical e inimigo
dos judeus --Richard Wagner continua a ser uma das mais controversas grandezas do
pensamento alemão.