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ISSN IMPRESSO 2316-3321

ISSN ELETRÔNICO 2316-381X

O DIREITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEO: ENTIDADE FAMILIAR CONSTITUCIONALIZADA

Rafael da Silva Santiago I

Resumo Abstract
O trabalho se assenta na análise do conteúdo da famí- The paper deals with the analysis of the family of
lia do período contemporâneo, identificando-a como the contemporary period, identifying it as an insti-
instituto necessariamente constitucionalizado. Para tute necessarily constitutionalized. For this purpose,
tanto, serão estudadas as mais variadas definições several doctrinal definitions about the family will be
doutrinárias acerca do núcleo familiar, perpassando- studied, passing through the examination of its con-
-se pelo exame de seu conceito à luz do fenômeno cept according to the phenomenon of constitution-
da constitucionalização do direito de família. Des- alization of family Law. Thus, it will be possible to
sa forma, será possível demonstrar que a existência demonstrate that the legal existence of the family is
jurídica do núcleo familiar encontra-se diretamente directly related to the Constitution, so that any argu-
relacionada com a vigência da Constituição, de modo ment that refers to the family must find foundation in
que qualquer argumentação que se refira à família constitutional text, given its quality of constitutional-
deve, necessariamente, encontrar fundamento no ized entity assumed in the contemporary period.
texto constitucional, tendo em vista sua qualidade de
entidade constitucionalizada, assumida no período Keywords:
contemporâneo.
Family. Constitution. Constitutionalization. Contem-
Palavras-chave: porary Period

Família. Constituição. Constitucionalização. Período


contemporâneo.

Interfaces Científicas - Direito • Aracaju • V.1 • N.21 • p. 57-66 • fev. 2013


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Resumen
El trabajo se asienta en el análisis del contenido cualquier argumentación que se refiera a la familia
de la familia del período contemporáneo, identifi- debe, necesariamente, encontrar fundamento en el
cándola como instituto necesariamente constitu- texto constitucional, teniendo en vista su calidad
cionalizado. Para tanto, se estudiarán las más va- de entidad constitucionalizada, asumida en el pe-
riadas definiciones doctrinarias acerca del núcleo ríodo contemporáneo.
familiar, permeándose por el examen de su concep-
to a la luz del fenómeno de la constitucionalización
del derecho de la familia. De esa forma, será posi- Palabras clave
ble demostrar que la existencia jurídica del núcleo
familiar se encuentra directamente relacionada Familia; Constitución; Constitucionalización; Perí-
con la vigencia de la Constitución, de modo que odo contemporáneo.

1 INTRODUÇÃO
Dentre os vários ramos da ciência jurídica, o di- personalidade (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38), em
reito de família é aquele que se mostra mais ligado busca da concretização dos valores construídos ao
à própria vivência. Isso porque as pessoas provêm de longo da própria vida em família.
uma entidade familiar e permanecem a ela vinculadas
durante a sua existência, ainda que venham consti- Tudo isso demonstra a grande importância do nú-
tuir nova família por intermédio do casamento ou pela cleo familiar para a sociedade e para o direito.
união estável (GOLÇALVES, 2010, p. 17).
Ademais, na qualidade de instituto que compõe
Em outras palavras, a família apresenta-se como o mundo do direito, a entidade familiar tem como
instituto fundamental na formação da vida comunitá- principal característica a produção de efeitos jurídi-
ria, uma vez que representa verdadeiro centro de refe- cos, cuja incidência ultrapassa o âmbito regulatório
rência e de construção de valores, que se faz presente do direito de família, encaminhando-se para os mais
em todas as sociedades. diversos ramos da ciência jurídica.

O ser humano nasce e se desenvolve no âmbito do Por todas essas razões, torna-se necessária a iden-
seio familiar, estrutura fundamental da sociedade, lo- tificação dos elementos que delineiam o direito de
cal em que se origina e se manifesta a organização de família contemporâneo, a partir do estudo da família
suas potencialidades com o propósito da convivência como entidade necessariamente constitucionaliza-
em comunidade e da busca de sua realização pessoal da, à luz do paradigma da constitucionalização desse
(FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38). ramo da ciência jurídica.

Nesse cenário familiar, pode-se perceber que o Destarte, cumpre estabelecer os principais ensina-
homem se distingue dos demais animais, pela possi- mentos doutrinários pertinentes às famílias do perío-
bilidade de escolha de seus caminhos e orientações, do contemporâneo, com o intuito de se melhor com-
estabelecendo grupos nos quais desenvolverá sua preender os efeitos jurídicos por elas produzidos e as

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suas consequências no sistema normativo brasileiro, para uma futura compreensão do fenômeno familiar,
estabelecendo os aspectos gerais mais importantes instituto necessariamente constitucionalizado.

2 CONCEITO DE FAMÍLIA
Ainda que o mundo jurídico se assente, em certa É bem verdade que para determinados fins jurí-
medida, na análise de conceitos, vale mencionar não dicos, especialmente os sucessórios, o conceito de
ser fácil a tarefa de se estabelecer um conceito sin- família restringe-se aos parentes consanguíneos em
tético e preciso de família. Isso porque a sua feição linha reta e aos colaterais até o quarto grau (GONÇAL-
vem se modificando ao longo dos tempos, de maneira VES, 2010, p. 18). Contudo, essa referência não esgo-
a abranger, cada vez mais, novas figuras e novos ele- ta o conceito de família que se pretende delimitar.
mentos capazes de caracterizá-la.
Nesse sentido, pelo fato de o aludido instituto, na
Nesse sentido, Francisco Amaral (2008, p. 176) evolução das comunidades humanas, ser aquele que
ressalta que o conceito de família é histórico e relati- precede a todos os demais, como manifestação bioló-
vo, de modo que a sua existência não se constrói como gica e como manifestação social, seu significado deve
termo absoluto e permanente, mas conforme uma re- ser estabelecido por meio de diferentes perspectivas
alidade social em constante mutação. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38), de maneira a me-
lhor se aproximar de sua definição real.
A família, além de um instituto jurídico, representa
uma realidade sociológica, bem como integra a base Do ponto de vista jurídico, a família é uma insti-
do Estado, o núcleo fundamental em que repousa tuição, ou seja, um conjunto de indivíduos ordenado
toda a organização social. Em todos os seus aspectos, e organizado conforme sua disciplina própria, que é
ela se impõe como instituição necessária e sagrada, a o direito de família. De maneira mais sintética, é o
qual deve ser objeto da mais extensa proteção estatal grupo de pessoas ligadas pelo vínculo do casamento,
(FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38). pela relação de parentesco (AMARAL, 2008, p. 176) ou
pelo valor do afeto.
Em sentido amplo, a palavra família abarca todas
as pessoas unidas por um vínculo de sangue e que Por sua vez, a definição da antropóloga Cynthia
procedem, destarte, de um tronco ancestral comum, Sarti, trazida por Cristiano Chaves de Farias e Nelson
junto com aquelas ligadas pela afinidade e pela ado- Rosenvald (2012, p. 39), muito embora curta, demons-
ção. Assim, abrange basicamente os cônjuges e com- tra um importante caráter de instrumentalidade da
panheiros, os parentes e os afins (GONÇALVES, 2010, família. Isso porque a mencionada autora explica que
p. 17), compreendendo, portanto, todos os descen- a entidade familiar é a concretização de uma forma de
dentes do mesmo ancestral (AMARAL, 2008, p. 177). viver os fatos básicos da vida.

Louis Josserand, citado por Carlos Roberto Gonçal- Outrossim, Cristiano Chaves de Farias e Nelson
ves (2010, p. 17-18), ressalta, inclusive, que esse senti- Rosenvald (2012, p. 46) também se arriscam a esta-
do é o único verdadeiramente jurídico, em que a família belecer uma definição da família, chegando à con-
deve ser entendida guardando consigo o valor de um clusão de que ela é uma instituição social primária,
grupo étnico, intermédio entre o indivíduo e o Estado. podendo ser considerada como um regime de rela-

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ções interpessoais e sociais, com ou sem a presença das perspectivas espaciais e temporais, com o obje-
da sexualidade humana, com a função de colaborar tivo de concretizar as expectativas das próprias so-
para a realização das pessoas humanas que compõem ciedades e as necessidades do próprio homem. Des-
determinado modelo familiar. sa forma, a multiplicidade e a variedade de fatores
não possibilitam a fixação de um conceito de família
Já Maria Berenice Dias (2010, p. 27), ao constatar idêntico, sendo imprescindível a sua compreensão de
que a entidade familiar juridicamente regulada nun- acordo com os fenômenos que constituem as rela-
ca é multifacetada como a entidade familiar natural, ções sociais ao longo do tempo (FARIAS; ROSENVALD,
assevera que a família é uma construção cultural, 2012, p. 39).
dotada de estruturação psíquica, na qual todos ocu-
pam um lugar e possuem uma função, sem, contudo, Nesse sentido, não se pode deixar de lado o fato de
estarem necessariamente vinculados por uma ligação que em cada sociedade, a partir dos mais diversificados
biológica. valores, a família assume diferentes feições, sob a influ-
ência das circunstâncias de tempo e lugar, de maneira
Ademais, certo é que as estruturas familiares se que o fenômeno familiar encontra-se em constante pro-
norteiam por diferentes modelos, que variam ao longo cesso evolutivo (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 46).

2.1 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA: CONCEITO ATUAL

Em um contexto de grande mobilidade das con- de se estabelecer como sujeito e desenvolver relações
figurações familiares, nada mais natural que novas (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38).
formas de convívio venham sendo desenvolvidas. No
cenário do mundo globalizado, ainda que diversos dos Em virtude do avanço tecnológico e científico da
seus anseios clássicos continuem a existir, pode-se sociedade atual, diversas modificações nas perspec-
mencionar a existência de uma completa reformula- tivas jurídico-sociais vigentes se mostram presentes.
ção no conceito de família, pautada, sobretudo, pela Percebe-se, portanto, uma franca caminhada para
aquisição de sua função instrumental para a melhor dimensão na qual a família deve ser um fundamento
realização dos interesses afetivos e existenciais dos de garantia do homem na força de sua propulsão ao
seus integrantes (DIAS, 2010, p. 40). futuro (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 41-42).

Frente à profunda evolução social e mutação do Nesse sentido, como decorrência de tal avanço
conceito de família, que resultou na formação de no- tecnológico, científico e cultural tem-se a elimina-
vas estruturas de convívio interpessoal, é necessário ção dos preceitos estabelecidos pelo sistema jurídico
que se estabeleça uma verdadeira visão pluralista, clássico, os quais cederam espaço para uma família
capaz de abrigar os mais diversos arranjos familiares contemporânea, plural, aberta, multifacetária, com-
que rotineiramente desafiam os juristas (DIAS, 2010, patível com as influências da nova sociedade, que
p. 42-43). abarca necessidades universais, independentemente
da ótica territorial (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 42).
No mundo contemporâneo, a família abandona
um caráter natural, relacionando-se a uma nova apa- A mudança da família como unidade econômica
rência, fundamentada em fenômenos culturais. As- para uma compreensão igualitária, instrumentaliza-
sim, é possível afirmar que se trata de uma estrutura da para o desenvolvimento da personalidade de seus
psíquica e que confere ao ser humano a possibilidade integrantes, ratifica uma nova perspectiva, agora as-

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sentada no afeto. “Seu novo balizamento evidencia pressão de afeto entre seus componentes, implicando
um espaço privilegiado para que os seres humanos novas representações sociais e novos arranjos fami-
se complementem e se completem” (FARIAS; ROSEN- liares. O casamento não é mais estabelecido como
VALD, 2012, p. 42). seu ponto referencial necessário, com o intuito de se
alcançar a proteção e o desenvolvimento da persona-
Como bem ressaltam Cristiano Chaves de Farias lidade do homem. “É a busca da dignidade humana,
e Nelson Rosenvald: “[...] Abandona-se, assim, uma sobrepujando valores meramente patrimoniais” (FA-
visão institucionalizada, pela qual a família era, ape- RIAS; ROSENVALD, 2012, p. 43).
nas, uma célula social fundamental para que seja
compreendida como núcleo privilegiado para o de- Portanto, a família não é identificada, nos dias de
senvolvimento da personalidade humana” (FARIAS; hoje, nem pela celebração do casamento nem pela di-
ROSENVALD, 2012, p. 42, grifo nosso). ferença de sexo, mas, sim, pela presença de um vínculo
afetivo como elo de ligação de pessoas com igual pro-
Dessa forma, a natureza da família contemporânea jeto de vida e propósitos comuns, desenvolvendo um
assume feições instrumentais, consubstanciando- comprometimento mútuo. Logo, não há mais que se fa-
-a como meio de promoção da pessoa humana e não lar em família sob a condição dos paradigmas originá-
da finalidade desejada (FARIAS; ROSENVALD, 2012, rios: casamento, sexo e procriação (DIAS, 2010, p. 42).
p. 42). Isso significa que a família deve ser encarada,
na atualidade, como um instrumento de realização da O seu novo perfil se assenta em pilares como a
personalidade e da dignidade de seus componentes repersonalização, a afetividade, a pluralidade e o eu-
(LIMA, 2009, p. 02). demonismo, capazes de conferir-lhe uma feição mais
moderna, de cunho contemporâneo. O fundamento
Como resultado dessa mudança de paradigma, os reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que
elementos que constituem a família também passa- se servem à relação familiar (DIAS, 2010, p. 43).
ram por modificações. Por isso, os relacionamentos
sexuais e afetivos, a amizade e a relação desenvolvida Destarte, Maria Berenice Dias (2010, p. 43) asse-
entre pais e filhos passam a ser compreendidos a par- vera que a família contemporânea “[...] existe e con-
tir de uma nova ótica, que deve levar em consideração tribui tanto para o desenvolvimento da personalidade
“ [...] o desenvolvimento biotecnológico, a globaliza- de seus integrantes como para o crescimento e for-
ção, a derrubada de barreiras culturais e econômicas, mação da própria sociedade, justificando, com isso,
etc., revolucionando a célula-máter da sociedade” a sua proteção pelo Estado”. Nesse sentido, Cristia-
(FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 43). no Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 43)
constatam que:
As mais variadas mudanças ocorridas nas estrutu-
ras políticas, econômicas e sociais produziram efeitos Ao colocar em xeque a estrutura familiar tradicional,
a contemporaneidade (em meio a inúmeras novidades
nas relações jurídico-familiares. Os valores do plura- tecnológicas, científicas e culturais) permitiu entender
lismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade a família como uma organização subjetiva fundamen-
e humanismo fizeram com que a família se voltasse à tal para a construção individual da felicidade. E, nesse
tutela da pessoa humana (DIAS, 2010, p. 40). passo, forçoso é reconhecer que, além da família tradi-
cional, fundada no casamento, outros arranjos familia-
res cumprem a função que a sociedade contemporânea
Destarte, deixando a entidade familiar de ser en- destinou à família: entidade de transmissão de cultura
tendida como centro econômico e reprodutivo, parte- e formação da pessoa humana digna.
-se para sua compreensão sócio-afetiva, como ex-

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Dentre outros aspectos, a proteção à entidade fa- lativa à família deve ser efetivada por intermédio
miliar deve sempre estar ligada à tutela da pessoa de uma perspectiva civil-constitucional, em que se
humana, por intermédio da utilização dos princípios tenha como fundamento a dignidade da pessoa hu-
gerais da Constituição (FARIAS; ROSENVALD, 2012, mana e a proteção à criança e ao adolescente (LIMA,
p. 44). Afinal de contas, qualquer análise atual re- 2009, p. 02).

2.2 CONCEITO CIVIL-CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO: A FA-


MÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E NA LEGISLAÇÃO INFRACONS-
TITUCIONAL

Prima facie, cumpre destacar as significativas drigo Cunha Pereira e Maria Berenice Dias, elenca
transformações produzidas pela Constituição Fede- cada um deles:
ral de 1988 em toda a sociedade brasileira. Dentre as
principais modificações tem-se a supremacia da dig- [...] Assim, o art. 226 afirma que “a entidade familiar
é plural e não mais singular, tendo várias formas de
nidade da pessoa humana, lastreada no princípio da
constituição”. O segundo eixo transformador “encon-
igualdade e da liberdade, importantes elementos de tra-se no § 6º o art. 227. É a alteração do sistema de
um novo Estado Democrático de Direito estabelecido filiação, de sorte a proibir designações discriminató-
no país (DIAS, 2010, p. 40-41). rias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido
dentro ou fora do casamento”. A terceira grande re-
volução situa-se “nos artigos 5º, inciso I, e 226, § 5º.
Outro fator de destaque é representado pelo resga- Ao consagrar o princípio da igualdade entre homens
te do ser humano como sujeito de direito, garantindo- e mulheres, derrogou mais de uma centena de artigos
-lhe, de maneira ampla, a consciência da cidadania. do Código Civil de 1916”.
O constituinte erigiu a dignidade da pessoa humana
como dogma fundamental, obstaculizando, assim, a A Constituição Federal, em sintonia com tais mu-
superposição de qualquer instituição à tutela de seus danças sociais, deparou-se com a necessidade de re-
componentes (DIAS, 2010, p. 41). conhecer a existência de outras entidades familiares,
além daquelas constituídas pelo casamento. Com isso,
Como não poderia ser diferente, as transforma- houve o alargamento do conceito de família e, como
ções mencionadas ocasionaram reflexos no entendi- consequência, a Lei Maior conferiu especial proteção
mento da família, a qual não pode mais guardar con- à união estável (art. 226, § 3º) e à comunidade forma-
sigo acepção singular, mesmo porque a modificação da por qualquer dos pais com seus descendentes (art.
da sociedade e a evolução dos costumes implicaram 226, § 4º), que começou a ser denominada de família
a reconfiguração de seu conceito (DIAS, 2010, p. 41). monoparental (DIAS, 2010, p. 41).

Destarte, o diploma constitucional brasileiro levou Contudo, cumpre destacar que os tipos de entida-
em consideração as aludidas transformações, adotan- des familiares estabelecidos na Constituição são mera-
do um novo conjunto de valores que privilegia a digni- mente exemplificativos. Ressalte-se que sua referência
dade da pessoa humana, realizando verdadeira modi- expressa não se explica pela taxatividade do texto cons-
ficação no direito de família, a partir de três aspectos titucional, mas em virtude de constituírem os modelos
(GONÇALVES, 2010, p. 33). Carlos Roberto Gonçalves mais comuns de família. Nesse sentido, Maria Berenice
(2010, p. 33), utilizando-se dos ensinamentos de Ro- Dias (2010, p. 41-42, grifo nosso) explica que:

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[...] não só nesse universo limitado flagra-se a pre- tasma da miséria [...] que ronda [...] parte da popula-
sença de uma família. [...] Dita flexibilização concei-
ção” (GONÇALVES, 2010, p. 33).
tual vem permitindo que os relacionamentos, antes
clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade,
o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de to- Por sua vez, no que diz respeito à legislação in-
das as formas de convívio que as pessoas encontram fraconstitucional, Maria Berenice Dias (2010, p. 43)
para buscar a felicidade.
constata que a lei, no Brasil, jamais se preocupou em
definir a família, limitando sua identificação ao pró-
Nesse mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias prio casamento. Com essa omissão, excluía-se do seu
e Nelson Rosenvald (2012, p. 85-86), sob o fundamen- âmbito normativo qualquer vínculo de origem afetiva
to dos preceitos e valores estabelecidos pelo preâm- que levasse à produção de efeitos jurídico-familiares.
bulo constitucional, afirmam que a interpretação da O resultado sempre foi negativo, uma vez que levou a
Constituição Federal brasileira deve se assentar, so- Justiça a estabelecer a invisibilidade e a negação de
bretudo, nos princípios da liberdade e igualdade, sem direitos a quem vivia aos pares, mas sem a proteção
a existência de qualquer preconceito e tendo como normativa do Estado.
marco principal a dignidade da pessoa humana2.
No entanto, com a Lei Maria da Penha, nº
Portanto, a única conclusão que se mostra har- 11.340/06, pela primeira vez um diploma legal defi-
mônica com os ditames constitucionais é aquela que niu a família de acordo com o seu perfil contemporâ-
estabelece a não taxatividade do rol contemplado no neo, identificando-a como qualquer relação de afeto.
artigo 226 da Lei Fundamental, sob pena de se margi- Sendo assim, a aludida autora ressalta não ser mais
nalizar diversos agrupamentos familiares não previs- possível restringir a definição de entidade familiar
tos no seu texto (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 86). ao rol constitucional, visto que lei nova alargou o seu
conceito (DIAS, 2010, p. 43).
Outrossim, Cristiano e Nelson (2012, p. 87, grifo
nosso) constatam ser inadmissível a adoção de um Ademais, todas as mudanças sociais apontadas e o
sistema familiar fechado, visto que: advento da Constituição Federal de 1988 implicaram a
formulação do Código Civil de 2002, com a convocação
[...] a um só tempo, atentaria contra a dignidade huma-
na, assegurada constitucionalmente, contra a realida- dos pais a uma paternidade responsável, além da adoção
de social viva e presente da vida e, igualmente, contra de uma realidade familiar concreta, em que os vínculos
os avanços da contemporaneidade [...]. Por isso, estão de afetividade se sobrepõem à verdade biológica. O alu-
admitidas no Direito das Famílias todas as entidades
dido diploma legal reservou um título para reger o direito
formadas por pessoas humanas e baseadas no afeto,
na ética e na solidariedade recíproca, mencionadas, pessoal, e outro para a regulamentação do direito patri-
ou não pelo comando do art. 226 da Carta Maior. monial da família. Desde a sua entrada em vigor, ratifica
a igualdade dos cônjuges, materializando a paridade no
Além disso, a Lei Maior ampliou ainda mais o insti- exercício da sociedade conjugal e construindo a figura
tuto jurídico da entidade familiar, conferindo especial do poder familiar (GONÇALVES, 2010, p. 33-34).
atenção ao seu planejamento e à sua assistência dire-
ta. Nesse sentido, seu artigo 226, § 8º determina que Entretanto, cumpre destacar que o aludido Códi-
o Estado garantirá assistência à família na pessoa de go, cujo projeto tramitou por longos trinta anos no
cada um dos que a integram. Com isso, “incumbe a Congresso Nacional, atribuiu tratamento confuso ao
todos os órgãos, instituições e categorias sociais en- direito de família, uma vez que seu texto mostra ser o
vidar esforços e empenhar recursos na efetivação da resultado de uma difícil conciliação entre dois para-
norma constitucional, na tentativa de afastar o fan- digmas opostos (LÔBO, 2011, p. 44).

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O paradigma do projeto de 1969-1975 constituía danças radicais, mas que deixaram resíduos do ante-
uma versão melhorada daquele que predominou no rior, impondo-se a constante hermenêutica de confor-
Código Civil de 1916, estabelecido sob um modelo de midade com a Constituição [...]” (LÔBO, 2011, p. 44).
família hierarquizado e matrimonial, a partir do cri- Como decorrência disso, logo após sua entrada em
tério da legitimidade da família e dos filhos, da desi- vigor, diversos projetos de lei procuraram modificá-lo,
gualdade entre cônjuges e filhos e do exercício dos acrescentando ou retirando matérias, total ou parcial-
poderes marital e paternal. Por seu turno, o paradig- mente (LÔBO, 2011, p. 44).
ma da Constituição Federal de 1988 suprimiu as desi-
gualdades, os poderes conferidos ao chefe da família, Ainda assim, todas essas alterações no direito de
o critério da legitimidade e a exclusividade do matri- família, oriundas da Constituição Federal de 1988 e do
mônio (LÔBO, 2011, p. 44). Código Civil de 2002, consubstanciam e confirmam a
função social da família no direito brasileiro, a partir,
Dessa forma, “[...] a adaptação do texto originário sobretudo, do estabelecimento da igualdade absoluta
do Projeto ao paradigma constitucional implicou mu- dos cônjuges e dos filhos (GONÇALVES, 2010, p. 35).

3 CONCLUSÃO
É imprescindível a constatação de que, em virtude liar aos princípios constitucionais, de forma que deixe
do comprometimento do Estado em proteger a enti- de ser valorada como instituição (DIAS, 2010, p. 35).
dade familiar e organizar as relações entre seus mem-
bros, o direito de família contém uma série de normas Desse modo, boa parte do direito civil está na
imperativas, ou seja, inderrogáveis, que estabelecem Constituição, que acabou englobando temas sociais
limitações às pessoas (DIAS, 2010, p. 34). juridicamente relevantes, com o intuito de assegurar-
-lhes efetividade. Isso porque “a intervenção do Esta-
Com isso, tal direito carrega consigo um núcleo do nas relações de direito privado permite o revigo-
composto por normas de ordem pública, cuja fun- ramento das instituições de direito civil e, diante do
ção principal perpassa pela tutela do interesse geral, novo texto constitucional, forçoso ao intérprete rede-
atendendo mais aos interesses da coletividade do que senhar o tecido do direito civil à luz da nova Constitui-
aos desejos do indivíduo, isto é, objetivando a garan- ção” (DIAS, 2010, p. 36).
tia das entidades familiares mais do que a de seus in- Destarte, Maria Berenice Dias (2010, p. 36, grifo
tegrantes. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2010, nosso) ressalta que:
p. 34-35) destaca a concepção supraindividualista de
família, que se assenta nas hipóteses de tutela de fins [...] o direito civil constitucionalizou-se, afastando-se
da concepção individualista, tradicional e conserva-
superiores aos interesses individuais de seus compo-
dora-elitista da época das codificações do século pas-
nentes. sado. Agora, qualquer norma jurídica de direito das
famílias exige a presença de fundamento de validade
Ressalte-se, contudo, que o fato de os princípios constitucional.
de ordem pública fundamentarem todas as relações
familiares não significa que o direito de família posi- Ademais, o direito constitucional distanciou-se
ciona-se, atualmente, no ramo do direito público. Pelo da sua natureza neutra e indiferente ao âmbito so-
contrário, deve-se apenas submeter a entidade fami- cial, deixando de tratar tão-somente da organização

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política do Estado para regular as necessidades hu- [...] os princípios do Direito das Famílias têm, neces-
sariamente, de estar em aliança permanente com a
manas reais e concretas, ao estabelecer normas rela-
principiologia constitucional, o que representará, se-
tivas aos direitos individuais e sociais, caracterizando guramente, uma melhor apresentação do sistema ci-
uma nova teoria constitucional (FARIAS; ROSENVALD, vilista, aproximando de valores humanistas e com uma
2012, p.77). maior possibilidade de efetiva solução dos conflitos de
interesses privados.

Com isso, verificou-se importante migração dos


princípios gerais e regras relativas a instituições Destarte, é imprescindível que qualquer argumen-
privadas, como a família, para o texto constitu- to relacionado à família tenha fundamento na Cons-
cional. A Lei Maior assumiu verdadeiro papel reu- tituição, tendo em vista ser necessária uma compre-
nificador do sistema, de maneira a estabelecer os ensão constitucionalizada do direito de família, por
limites do direito civil, inclusive no que se refere intermédio de uma verdadeira filtragem constitucio-
à tutela dos modelos familiares (FARIAS; ROSEN- nal, capaz de reconhecer a superioridade hierárquica
VALD, 2012, p.77). da Lex Fundamentalis da ordem jurídica brasileira.

A constitucionalização do direito de família O preceito maior que passa a orientar o direito


estabelece que todos os seus princípios estejam de família contemporâneo relaciona-se com a preva-
diretamente compatibilizados com a legalidade lência de valores mais humanitários e sociais. Desse
constitucional, ou seja, em sintonia com os valo- modo, faz-se mister compreender a necessidade de
res e fundamentos preceituados pelo sistema ga- reconstruir os princípios gerais do direito civil e a in-
rantista da Lei Maior (FARIAS; ROSENVALD, 2012, terpretação de suas regras a partir das determinações
p.79). valorativas constitucionais, obstando a existência
de incompatibilidade no sistema normativo (FARIAS;
Nesse sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nel- ROSENVALD, 2012, p. 80-81)3. Trata-se do reconheci-
son Rosenvald (2012, p. 79) afirmam que: mento de uma entidade familiar constitucionalizada.

REFERÊNCIAS
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. LIMA, Suzana Borges Viegas de. Por um estatuto ju-
Rio de Janeiro: Renovar. 2008. rídico das relações homoafetivas: uma perspectiva
civil-constitucional. In: LIMA, Frederico Henrique
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famí- Viegas de; GRANJEIRO, Ivonete (Orgs.). Direito civil
lias. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. constitucional. Brasília: Editora Obcursos. 2009.
2010.
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo:
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Saraiva. 2011.
Curso de Direito Civil: direito das famílias. 4. ed.
Salvador: Editora JusPODIVM. 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro:


direito de família. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2010.

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1 No que diz respeito à menção dos ditames estabelecidos pelo preâm-


bulo constitucional, os autores ressaltam a sua importância: “Cuida-se
I Advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UNB. E- de um compromisso antecipado e solene, que, junto com os princípios e
-mail: ra.fasantiago@hotmail.com. garantias fundamentais e sociais, formam as cláusulas pétreas da Cons-
tituição. A Carta Magna estabelece em seu preâmbulo que, instituído o
Recebido em: 6 de outubro de 2012 Estado Democrático, a sua destinação tende a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a
Avaliado em: 20 de dezembro de 2012
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
Aceito em: 26 de janeiro de 2013 sem preconceitos” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 86).

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