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2017
« ALAN TURING, A PRÁXIS
COMPUTACIONAL E O DEVIR ARTÍSTICO
PÓS-HUMANO »
hugo FERRÃO
Ferrão, Hugo. (2012). Alan Turing, a Práxis Computacional e o Devir Artístico Pós-
humano.In The Foresight of Alan Turing -Tecnological Simulations in Art ans Science
(pp. 180-191) Lisbon: CIEBA edition.
licenciatura de Pintura
Faculdade de Belas-Artes
Universidade de Lisboa
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ALAN TURING, A PRÁXIS COMPUTACIONAL E O DEVIR ARTÍSTICO PÓS-
HUMANO.
Hugo Ferrão*
Alan Turing era um homem que estava à frente do seu tempo, nasceu em 1912 e veio a
morrer em 1954, ano em que nasci. É certamente uma das personalidades científicas
marcantes da primeira parte do século XX, encarnando todas as contradições e tensões
transmitidas por um legado vitoriano, visíveis numa cultura enciclopedista,
protagonizada pelas universidades de Cambridge e Princeton, com uma imensa
constelação disciplinar que caracteriza a modernidade. Esta matriz de cariz científica,
continuada e testada mais intensamente ao longo dos últimos três séculos gerou um
património de investigação, descoberta e inovação extraordinários, que fez eclodir
mentes brilhantes como foi o caso de Turing.
Para os jovens europeus nascidos no pós Segunda Guerra Mundial, especialmente para
aqueles que eram oriundos dos países beligerantes, as memórias e testemunhos em
primeira mão foram constantemente relembrados mediaticamente desde então até hoje.
As imagens absurdas do sacrifício imposto às pessoas continuam a infernizar e a habitar
o nosso imaginário. Ainda jovem entrei para o Colégio Militar, instituição fundada pelo
Marechal Teixeira Rebelo (1748-1825) em 1803, para construir uma elite militar
preparada para dar resposta a qualquer tipo de confronto bélico, devido em parte às
Invasões Francesas. As formas encontradas para sobreviver a essa educação espartana
foram a leitura, os desenhos e as pinturas, que me faziam transpor os muros da
instituição; entre os autores míticos destaco Júlio Verne (1828-1905) que tornou a terra
pequena com as suas viagens ao centro da terra, às profundezas dos oceanos, aos céus
com balões que davam a volta ao planeta em cinco semanas e também as expedições
interplanetárias que começavam com foguetões disparados da «terra à lua», sem
esquecer os maravilhosos «dois anos de férias». Mais enigmático era o «Príncipe» de
Maquiavel, (1469-1527) oferecido pela minha mãe no meu dia de anos dizendo-me
«que a vida era mesmo assim», o que significava a breve trecho gerir as desilusões da
própria existência.
O perfume das grandes universidades pairava na sala de leitura, um novo mundo estava
a despontar, as mentes brilhantes interagiam com outras, a «aldeia global» começava a
ser uma realidade. O pragmatismo americano continuava, inteligentemente a captar os
cérebros europeus dando-lhes condições de trabalho espantosas, enquanto a Europa e o
Japão saravam feridas, mas mantinham referências académicas incontornáveis. As
equipas de investigação e as comunidades científicas expandiam-se através de
programas que se entrecruzavam acentuando a ideia de rizoma de redes à escala
mundial. Latente e suspenso o fantasma do cogumelo atómico e a cumplicidade
científica assumida, com objectivos de extermínio total ou da industrialização da morte
nos campos de concentração, deixavam pouco espaço para o conforto das divindades.
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Alan Turing fez parte dessa elite de cientistas1 que se focaram no desenvolvimento de
tecnologias intelectuais humanas co-assitidas por linguagens matemáticas cujo
perfeccionismo e performance, sem qualquer ruído de subjectividade humana, vieram a
desembocar na construção de algoritmos que podiam quebrar códigos, interferir em
mensagens, realizar cálculos balísticos, programar foguetões-bomba, não tripulados,
umas máquinas letais para os humanos criadas por Wernher von Braun (1912-1977) e as
suas equipas de cientistas do Centro de Investigação do Exército em Peenemunde onde
foram concebidas as V-2 que bombardeavam Londres.
As intuições e antevisões de Júlio Verne, tal como hoje as de William Gibson (1948-)
tiveram algumas confirmações, como foi o caso da viagem à Lua da Apolo XI em 1969,
em que a televisão a preto e branco mostrava o astronauta Neil Armstrong (1930-2012),
o primeiro homem a por os pés no Mar da Tranquilidade a dizer uma frase ensaiada para
todo o mundo. Se Turing estivesse vivo teria ficado emocionado, porque a sua ideia foi
inventar uma teoria da informação universal, uma «máquina mundo» que fosse capaz de
elaborar qualquer cálculo sobre entidades matemáticas, podendo essas máquinas ser
configuradas, programadas e adquirir a flexibilidade e a plasticidade do algoritmo.
Estávamos na presença de algo que iria mudar o rumo da humanidade, pois coisificava a
possibilidade da comunicação entre máquinas e humanos, e poderia criar interacções
comunicativas entre um organismo natural finalizado e um organismo artificial
finalizado.
Contributos de homens como Norbert Wiener (1894-1964) com a Cibernética, John von
Neumann (1903-1957) com a Teoria do Jogo ou Claude Shannon (1919- 2001) com
uma teoria da comunicação matemática, tecem a progressiva imersão nas tecnologias de
informação e comunicação que estão ancoradas em premissas estabelecidas por Alan
Turing antecedendo a problemática da pós-humanidade nas sociedades pós-industriais e
o advento do «homem sem qualidades», habitante de «não lugares» que acidentalmente
se destaca duma massa informe, sendo, em potência, convertível e amestrado para
qualquer actividade. Este «admirável novo mundo» (Aldous Huxley) é desvelado por
filósofos como Nietzsche (1844-1900) e especialmente Martin Heidegger (1889-1976)
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Turing, durante a II Guerra Mundial, fez parte das equipas de criptologia (Hut 8) do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, que visavam descodificar processos de encriptação da marinha Alemã.
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ao questionar a submersão tecnológica e a hipótese de extinção da própria humanidade,
pois deixa de existir dimensão para ser ser.
«Tudo é número» (Pitágoras) é uma frase que evoca a dimensão simbólica do número,
altamente complexa, com ressonâncias do pensamento grego no Renascimento,
funcionando como motor do conhecimento matemático, cujo cumprimento metafísico
está presente nos algoritmos, cuja performance programática é capaz de fazer emergir a
inteligência artificial e a vida artificial, bem como expandir a nossa própria concepção
de existência enquanto «organismos naturais finalizados», sob insuspeitos
enclausuramentos teóricos e tecnológicos responsáveis pela sociedade da informação e
da comunicação.
As marcas desenhadas nas superfícies das pedras pelos pedreiros sinalizando a sua obra,
interrogam-nos nos seus longos silêncios, desmaterializam-se em mistérios e enigmas
transportando-nos para as grandes construções das fortalezas protectoras de monges
guerreiros e das catedrais medievais, casas do espírito, assim como hoje a Torre Eiffel
de Gustave Eiffel (1832-1923), Le Corbusier (1887-1965) com um racionalismo
espiritualizado de Notre Dame du Haut ou as obras de Frank Gehry (1929-), que utiliza
titânio na edificação de «naves espaciais» ancoradas na Terra, como o Museu
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LÉVY, Pierre- A Máquina Universo. Lisboa, Inst. Piaget, 1995. p. 65.
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Existe uma constante atenção para a problemática da «proporção áurea» por parte de grandes
pensadores oriundos de campos tão distintos como as arte plásticas, a matemática, a filosofia, a
arquitectura. De Fidias (490-430 A. C) a Benoit Mandelbrot (1924-) existe uma linha de pensadores que
questionam a geometria, apresentando resultados surpreendentes como foram os fractais de
Mandelbrot, gráficos gerados por computador que são cópias de si mesmo em qualquer escala.
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Guggenheim em Bilbau, forjando novos horizontes civilizacionais de enorme
complexidade. Todas estas manifestações das construções do terceiro mundo de Karl
Popper, produtos da interacção do homem com a natureza, são cintilações reveladas por
pensadores e investigações notáveis, que podem no contexto da Cibercultura ser
acedidas, contactadas, consultadas, convertidas, piratiadas e aplicadas em soluções
inimagináveis.
A produção e captação das imagens digitais vieram desactivar toda a materialidade dos
suportes analógicos, das matérias e materiais do mundo naturalis; as imagens são
criadas através de estruturas programadas em convergência com a ciência e tecnologia
como vectores primordiais para abrir novas perspectivas e visões no domínio do
pensamento plástico. O perfeccionismo atingido pelas imagens digitais, simulando a bi
ou a tridimensão, transcende a percepção humana, gerando fluxos de hiper-realidades
cada vez mais imersivas (realidade virtual), em que a entropia real e ficção se dilui na
versatilidade de uma memória sem erros nem esquecimento.
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Frank Popper estabelece a designação de Arte Electrónica e propõe categorias (laser, holografia,
computador, comunicação), em ligação directa com a tecnologia científica e a sua utilização por parte dos
artistas. POPPER, Frank - L'Art à L'Âge Électronique., Paris, Éditions Hazan, 1993.
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A praxis artística está experienciada e vivenciada pela interactividade comunicativa
entre humanos e máquinas, sendo a «naturalização» dos modelos digitais uma vantagem
enorme porque os protótipos são sempre convertíveis e reconfiguráveis. Em termos
imagéticos está-se a criar uma entidade «Alan Turing», uma espécie de «eu múltiplo»,
com mapeamentos e contributos múltiplos, um pouco como o projecto «Persona
Reitor», desenvolvido na Faculdade de Belas-Artes, na Licenciatura de Pintura e na
unidade curricular de Ciberarte, onde foram concebidas estratégias de pesquisa artística,
recorrendo às novas tecnologias de matriz digital, visando recolher registos de um fundo
caótico de pesquisas, para formalizar múltiplas hipóteses plásticas. No âmbito deste
projecto partiu-se de retratos fotográficos dos Reitores e elaboraram-se três narrativas.
A primeira integra as obras do próprio aluno, a segunda a contextualização académica e
imagética desse Reitor e a terceira funde obras de artistas contemporâneos nacionais e
internacionais. A criatividade destes projectos adquiriu a versatilidade e o estatuto das
novas imagens digitais, potenciando a sua visibilidade, transformando-as em veículos
de futuros que se constroem na Universidade de Lisboa.
Fig. 1 – Projecto «Persona Reitor», imagens digitais de alguns dos Reitores da Universidade de Lisboa.
(Marcelo Caetano, Barahona Fernandes, Barata Moura e António Nóvoa.
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imageticamente para novas dinâmicas questionadoras das habituais legitimidades e
consagrações instituídas pela Modernidade. O pensamento plástico e a inerente praxis
artística com o recurso às novas tecnologias de matriz digital, devem ser entendidos
como uma new dimension, onde a informação e o conhecimento podem vir a ter
consciência de si. Novos paradigmas estéticos em que a criação e produção artística
deixaram de ter limites quando ultrapassam o mero instrumento ou ferramenta
electrónicas e passam a usufruir de fluxos de algoritmos, instaurando o corpo
metamédium da arte global.
*Hugo Ferrão
Professor Associado
Faculdade de Belas-Artes
Universidade de Lisboa
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