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Política Linguística em
Contextos Plurilíngues:
Desafios e Perspectivas
para a Escola
Observatório da Educação na Fronteira
Política Linguística em
Contextos Plurilíngues:
Desafios e Perspectivas
para a Escola
Rosângela Morello
Marci Fileti Martins
(Organizadoras)
OBSERVATÓRIO EDUCAÇÃO NA FRONTEIRA
Coordenadora Geral: Profa. Dra. Rosângela Morello
Coordenadora Polo UNIR: Profa. Dra. Marci Fileti Martins
Coordenador Polo UFSC: Prof. Dr. Gilvan Müller de Oliveira
ISBN - 978-8586966-81-1
Editor a
Está proibida a reprodução total ou parcial desta obra.
Exemplar de cortesia, proibida sua venda.
editoragarapuvu@gmail.com Impresso no Brasil.
Agradecimentos
Coordenar o projeto Observatório da Educação na Fronteira
(OBEDF) significou, para mim, o privilégio de uma convivência que,
em tudo, foi aprendizagem. Sou, então, muito grata:
À equipe de alunos, professores e pesquisadores que fizeram
parte do OBEDF, aceitando o desafio de construir conjuntamente uma
escuta para as línguas inauditas no espaço escolar, dando voz aos seus
falantes;
A todos e todas que participaram das pesquisas nas escolas e nas
cidades, compartilhando conosco seus saberes, impressões e sonhos;
Aos pesquisadores do IPOL Instituto de Investigação e Desenvol-
vimento em Política Linguística, pela atuação primorosa e generosa no
processo de condução dos diagnósticos sociolinguísticos;
Às Escolas e Universidades parceiras, pela participação e
colaboração, tornando o OBEDF uma realidade.
Ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC), parceria
entre a Capes, o INEP e a SECADI, pelo apoio financeiro e gestão
respeitosa.
Às muitas presenças cotidianas, em especial, Cláudia Brites,
Márcia Sagaz e Marci Fileti Martins, por tudo.
Em Florianópolis, 2016.
ÍNDICE
Apresentação
Rosângela Morello .......................................................................... 11
APRESENTAÇÃO
Rosângela Morello
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ensino mais inclusivo, ensino este que considerasse as línguas dos alunos e
professores como importante recurso de aprendizagem e ensino. A construção
coletiva de um espaço de escuta para os sujeitos e suas línguas se tornou uma
prática fundamental no projeto e também um dos seus principais resultados.
Os textos aqui reunidos expressam essa dinâmica da pesquisa. Eles trazem,
às vezes na forma de relatos, a marca indelével do permanente processo de
escuta e da constante busca por compreensão das situações e questões que
foram se apresentando.
Abrindo a coletânea, o texto Línguas, fronteiras e perspectivas para o
ensino bilíngue e plurilíngue no Brasil contextualiza o OBEDF no quadro
do multilinguismo do Brasil, apresenta políticas linguísticas voltadas ao
reconhecimento das línguas brasileiras e discute as condições históricas e
políticas para uma educação bi e plurilíngue. Na sequência, explora alguns
resultados do OBEDF e defende a perspectiva de abordagem das línguas como
recurso educativo que promove um ensino inclusivo, qualifica a formação
escolar dos alunos e amplia as possibilidades de atuação dos professores.
Em Educação Bilíngue em Zona de Fronteira: Pensando Modelos e
Programas, o leitor encontrará uma análise de modelos de educação bilíngue
e uma sistematização de elementos que os integra segundo seus objetivos
educacionais, sociais e políticos. A partir dessa análise, a autora discute as
diretrizes apontadas na Portaria MEC no. 798 de 10/06/2012 que versa sobre
educação intercultural para zona de fronteira no Brasil.
Com Alfabetização de Alunos Plurilíngues nas Escolas Brasileiras de
Fronteira entramos na Escola Municipal Maria Lígia Borges Garcia, ouvimos
os relatos sobre o silêncio imposto aos falantes das línguas guarani e espanhol
e acompanhamos o sensível deslocamento dos professores para uma posição
atenta às interações linguísticas em suas especificidades, a partir da qual
passam a questionar valores, ideologias, concepções e possíveis preconceitos
linguísticos presentes no cotidiano escolar.
O Legado do Projeto OBEDF em Sena Madureira (Acre): o Português, o
Jaminawa, o Bilinguismo e o Ensino da Língua Oficial resulta da pesquisa
realizada na Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental Messias
Rodrigues de Sousa, na cidade de Sena Madureira. Por meio da análise de
produções orais e escritas de alunos indígenas Jaminawa e alunos não
indígenas, traz para o debate as dificuldades enfrentadas, por um lado, por
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Bilinguismo na Escola Polo Municipal Ramiro Noronha retrata a realidade
vivida pela escola, que lida cotidianamente com um grande fluxo de alunos
provenientes de Pedro Juan Caballero/Paraguai, que cruzam a fronteira para
estudar no Brasil. Esse deslocamento de alunos que trazem consigo seu idioma,
sua cultura e suas identidades cria no contexto escolar um mosaico de línguas
e culturas. O texto indica ações desenvolvidas pela escola e a necessidade de
que ela se afirme como uma escola intercultural.
Fechando as discussões e relatos sobre os desafios que o multilinguismo
traz para a sala de aula, o texto Princípios para a Gestão do Plurilinguismo
na Escola: questões para reflexão e proposição de ações apresenta alguns
princípios necessários à gestão de diferentes línguas nos espaços educativos,
dialogando com educadores que lidam diretamente com crianças bilíngues,
em situações de contato de línguas, em contextos de fronteira, de imigração,
em comunidades indígenas ou surdas. Pretende, assim, fomentar a agência
de educadores para que se vejam como copartícipes da gestão das línguas,
refletindo e tomando decisões a partir do contexto em que se inserem.
Por fim, o livro traz dois textos sobre o mapeamento de línguas, ação
essencial para o planejamento de políticas públicas.
O primeiro, Língua, Mídia e Fronteira: o Caso de Guayaramerin (BO) e
Guajará-Mirim (BR), apresenta os primeiros resultados do diagnóstico das
línguas em circulação no espaço midiático das cidades fronteiriças de Guajará-
Mirim, no Estado de Rondônia, no Brasil, e de Guayaramerín, na Província
de Vaca Dias, Departamento do Beni, na Bolívia. O trabalho, que fez um
levantamento das mídias em circulação nas referidas cidades e da situação das
línguas nesse contexto sociolinguístico, refletiu também acerca da construção
de sentidos sobre língua, fronteira e educação. A pesquisa contribui para o
entendimento do contexto sociolinguístico das fronteiras brasileiras e oferece
subsídios para os estudos no âmbito da comunicação social, especificamente,
na relação entre a mídia e as línguas na fronteira.
O segundo, Os Censos Linguísticos e as Políticas para as Línguas no
Brasil Meridional, traz reflexões sobre os censos linguísticos realizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em todo o território
nacional nos anos de 1940 e 1950, discutindo os resultados obtidos pelo
recenseamento propriamente, os procedimentos da enquete e as razões pelas
quais a questão linguística despertou interesse naquele momento para depois
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LÍNGUAS, FRONTEIRAS E
PERSPECTIVAS PARA O ENSINO
BILÍNGUE E PLURILÍNGUE
NO BRASIL
Rosângela Morello 1
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
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indígenas, tais línguas nunca puderam atravessar legitimamente o umbral da
porta para dentro. Os seus falantes foram excluídos dos processos escolares
de ensino e aprendizagem nas suas línguas e suas demandas ficaram alijadas
da agenda das políticas públicas, entre elas, a educacional. A ausência, na
legislação nacional, de diretrizes para o ensino bi ou plurilíngue no sistema
público é um sintoma desse quadro. Igualmente o são as escassas iniciativas
de pesquisa destinadas a conhecer a realidade linguística das escolas, a
sustentar propostas didático-pedagógicas que promovam as línguas da
comunidade escolar e a formar profissionais sensíveis e preparados para
atuarem na educação bi e plurilíngue. Portanto, na história da formação e no
funcionamento do Estado brasileiro, o monolinguismo e todas as práticas e
crenças que o sustentam definem os parâmetros das políticas públicas e da
cidadania nas suas variadas interfaces, sobretudo as educacionais.
No entanto, as realidades multilíngues e plurilíngues2 se impõem. Elas são
parte da história, estão ligadas aos movimentos migratórios, à convivência
entre distintos grupos humanos e alicerçam, desde longa data, lutas políticas
por direitos cidadãos equânimes. As línguas, em sua diversidade e diferenças,
são dinâmicas, persistem e pressionam os limites do monolinguismo. Além
disso, nos dias atuais, as novas tecnologias de comunicação e informação
redimensionam o papel das línguas colocando-as como pilares da nova
economia em rede, do funcionamento de blocos econômicos e instituições
multilaterais, de processos de comércio eletrônico, das formas de socialização
pela internet e de formação e atuação profissional nos mais variados campos
(Marazzi, 2009; Oliveira, 2010). Há, portanto, de modo crescente, sobretudo
nas três últimas décadas, um choque entre os padrões monolinguistas que
regeram a formação do estado nação e a incontestável importância das línguas
nas dinâmicas sociais, políticas e econômicas desse século XXI.
O presente texto dialoga com esse cenário colocando em discussão as
condições para uma educação bi e plurilíngue no Brasil, tendo em vista a
existência de falantes de outras línguas diferentes do Português em escolas
públicas localizadas na faixa de fronteira. A discussão toma por base os
propósitos e alguns resultados do Observatório da Educação na Fronteira
² Conforme a Carta Europeia do Plurilinguismo (2009), enquanto o multilinguismo compreende
o número de línguas, o plurilinguismo significa o domínio, pelo falante, de mais de uma língua. A
essa distinção acrescentamos à significação de plurilinguismo seu vínculo à política de valoriza-
ção das comunidades linguísticas no Brasil, apresentada na parte final do artigo.
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realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
aponta a existência de cerca de 274 línguas indígenas no país, inclusive
línguas indígenas de sinais, como a dos Ka´apor. Pesquisas3 indicam, ainda,
aproximadamente 56 línguas faladas por descendentes de imigrantes, há
pelo menos três gerações, em vários municípios brasileiros, como é o caso do
talian, pomerano, hunsrükisch, polonês, russo, entre outras. Igualmente há
as línguas afro-brasileiras e as que se intercalam, como é o caso dos crioulos
Galibi Marworno, Karipuna do Norte e Palikur, falados na região do Oipoque,
na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, e do Portunhol, na fronteira
com países hispano falantes.
De um ponto de vista geodemográfico, há regiões claramente multilíngues.
Na faixa de fronteira são faladas as línguas oficiais dos países fronteiriços
(espanhol, guarani, inglês e francês), línguas indígenas e línguas alóctones,
além de ser espaço propício para processos dinâmicos de interferências entre
línguas e de crioulização, como indicado. Nas regiões Norte e Centro Oeste
há forte presença de línguas indígenas, e nas Sul e Sudeste há grande número
de línguas alóctones ou de imigração, decorrente de processos imigratórios
iniciados na primeira metade do século XIX.
Em data recente, esse multilinguismo tem sido tematizado no país,
culminando em políticas públicas voltadas à promoção das línguas.
Em 1988, a Constituição Federal garantiu para a população indígena o seu
direito às práticas linguísticas e culturais.
Em 2002, a lei federal no. 10.436 instituiu o direito à educação em Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) para a população surda, e sua regulamentação
pelo Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005 valorizou e ampliou os espaços
de usos dessa língua.
Nesta mesma década, comunidades de falantes do Talian (vêneto brasileiro)
e instituições fizeram demandas para que sua língua, não contemplada na
Constituição de 1988, recebesse atenção do Estado pelo fato de constituir
referência cultural para o Brasil.
Em 2004, inspirado na política de reconhecimento e registro dos
bens imateriais desenvolvida pelo Ministério da Cultura (MinC), o IPOL
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e baniwa. Um outro efeito é a forte aderência social da cooficialização de
línguas. Prova disso é o fato de haver neste ano de 2018, 30 (trinta) municípios
com línguas cooficializadas, sendo 7 (sete) indígenas (tukano, nheengatu e
baniwa, akwê xerente, guarani, wapixana e macuxi) e 4 (quatro) alóctones
(pomerano, alemão, talian e hunsrückisch).
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discutiam-se ajustes e diretrizes para o trabalho. Assumia-se, portanto, a
perspectiva de gestão compartilhada em todos os níveis de execução (Morello,
2011). Em 2008, o PEIBF consolidou-se como programa multilateral gerido
pelo Setor Educacional do MERCOSUL. Em 2010, 26 escolas (13 brasileiras e
13 de países parceiros) participavam do programa em várias cidades gêmeas,
comprovando o acerto e a legitimidade de sua concepção e de sua proposta
pedagógica, a saber, a de um ensino bi ou plurilíngue via projeto de pesquisa7.
A partir de 2010, o PEIBF foi remodelado pelo governo brasileiro e passou
a ser regulamentado pela Portaria MEC Nº 798, publicada em 19 de junho
2012. Essa portaria alterou o nome do Programa para Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF). A partir de então, o sistema de intercâmbio
com foco no ensino nas línguas perdeu espaço para trocas culturais em
situações típicas, e a perspectiva pedagógica do planejamento conjunto e
gestão compartilhada foi gradativamente abandonada em prol de decisões e
encaminhamentos de cada país8.
Também com enfoque nas fronteiras teve início, em 2011, o Observatório
da Educação na Fronteira (OBEDF), objeto dessa publicação. A proposta
surgiu no lastro do PEIBF mas se concentrou apenas em escolas brasileiras de
três estados do arco central da fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia:
Mato Grosso do Sul, Rondônia e Acre. A questão central da proposta estava
em verificar qual o lugar e o papel das línguas nas práticas de alfabetização
e letramento dos anos iniciais em contextos onde as crianças podem não ter
o português como língua materna ou língua primeira. A partir de estratégias
específicas, buscou-se identificar o perfil linguístico das crianças, docentes e
funcionários da escola, e verificar que relações havia entre falar e saber outras
línguas como os processos de ensino e aprendizagem. As equipes de professores
e coordenadores das escolas parceiras assumiram intenso protagonismo desde
o primeiro momento, sendo convidadas, de modo sistemático e reflexivo,
com apoio da equipe de pesquisadores e assessores, a observar suas práticas,
analisá-las e delas extrair hipóteses e soluções. O princípio pedagógico que
organizou o OBEDF foi o de uma pesquisa-ação pautada por uma perspectiva
política de valorização das línguas. Com esse olhar, colocou no centro dos
trabalhos a concepção e o desenvolvimento de estratégias de sensibilização
⁷ http://portal.mec.gov.br/escola-de-fronteira/escola-de-fronteira
⁸ Para mais detalhes sobre o PEIF, veja Sturza, 2017; Lorenzetti & Torquato, 2016.
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Oro Waramxijein, Oro Mon. Oro Não, Oro Dao, Oro Bone, Oro Ai. Oro Eu
e Oro Wari no Município de Guajará-Mirim e Nova Mamoré; os Macurap,
Jabuti, Tupari, Canoé, Arua, Massaká, Ajuru e Cujubim, na Terra indígena Rio
Guaporé ou P.I. Ricardo Franco, também no Municipio de Guajará-Mirim; os
povos Cassupá e Salamãi no sul da Terra Indígena Karipuna no município de
Porto Velho (http://www.pakaas.net/rond.htm) e os guarani (Pãi-Tavyterã ,
Avá-Guaraní, Mbyá , Aché-Guayakí, Guaraní Occidentales (Áva - Chiriguano
- Mbya), Ñandeva (Tapieté). Na direção do Paraguai há também os que falam
línguas chaquenhas (Meliá, 2010). Outro exemplo de espaço fronteiriço
multilíngue é a cidade transfronteiriça de Foz do Iguaçu, Paraná, onde, além
de falantes de línguas oficiais dos países e de línguas indígenas, ressalta-se
a presença de árabes, indianos, chineses, coreanos, entre outros, muitos dos
quais têm pouco ou nenhum domínio da língua portuguesa.
Inseridas nesse contexto, as escolas participantes do OBEDF, assim como
outras localizadas em regiões de fronteira, quase sempre estão habitadas
por falantes de diversas línguas. No entanto, estruturadas sobre a ideologia
do ensino monolíngue, em que a língua portuguesa organiza e é a única
beneficiada com recursos didáticos e pedagógicos, tais escolas quase sempre
desconhecem quais são essas outras línguas. Em consequência, não entra
em seu horizonte político-pedagógico, ainda menos no âmbito curricular,
qualquer proposta para abordá-las. A ausência de suporte por parte das
secretarias de educação para avançar na direção de uma educação linguística
com foco nas línguas agrava ainda mais a situação. O resultado é um quadro
de exclusão escolar de milhares de crianças e jovens falantes de outras línguas
maternas distintas do português. Um quadro em que o papel essencial das
línguas para o desempenho escolar dessas crianças e jovens, em especial, para
os seus primeiros anos de escolarização, segue ignorado e silenciado.
Dar lugar ao multilinguismo na escola constitui, portanto, uma ação
polêmica, de enfrentamento das práticas monolíngues e geração de novas
perspectivas e abordagens dos conhecimentos. Ao fazê-lo, o OBEDF
estabeleceu, como ponto de partida, o esforço conjunto de diagnosticar
e compreender o papel das línguas no espaço escolar e em seu entorno,
fomentando a discussão sobre as perspectivas para sua inclusão no sistema
de ensino público. Propôs que fossem observadas as interferências do não
domínio ou pouco domínio da língua portuguesa no processo de aprendizagem
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3.1 Para escutar mais vozes nas salas de aula: posições para observação
em sala de aula e debates em seminários e reuniões
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A pesquisa produziu, então, uma sensibilização sobre o lugar e a importância
das línguas nas relações sociais e econômicas locais e na convivência e
aprendizagem das crianças e jovens dentro da escola. A partir dos resultados
publicados em Mapas Linguísticos (SAGAZ, M. R.; MORELLO, R. 2014)
sintetizamos, a seguir, informações que evidenciam o multilinguismo e
algumas considerações que foram feitas sobre a descoberta das várias línguas
na escola e seus efeitos nas práticas pedagógicas.
Cidade Línguas
Ponta Porã português; espanhol/castelhano/castelhano paraguaio; por-
tunhol; jupará/paraguaio; inglês; coreano; alemão; italiano;
guarani.
Epitaciolândia português; espanhol/castelhano; LIBRAS; francês; japonês
Guajará Mirim português; inglês; espanhol; castelhano; boliviano; línguas
Indígenas (macurap, zoró, Wari, oro-nao/oro-win /oro-wa-
ram oro-mon/oro-eo , jaboti, djeromitxi, kanoê, tupari)
Quadro 2. Línguas declaradas como línguas usadas, por cidade.
Fonte: Diagnóstico sociolinguístico OBEDF, 2011.
⁹ Consideramos que o âmbito familiar contempla os usos da língua materna, razão pela qual
reunimos na categoria L1 o que podemos chamar de língua 1, língua materna ou primeira e
língua falada em casa.
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Gráfico 1: línguas declaradas pelos alunos como línguas maternas/faladas em casa (L1). RN:
Escola Ramiro Noronha; ML: Maria Lígia; DUR: Durvalina Stilbem; FLO: Floriza Bouez e BF:
Bela Flor.
Fonte: Diagnóstico sociolinguístico OBEDF, 2011.
31
Além das três línguas destacadas no gráfico 1, cabe ressaltar o fato de haver,
na escola Durvalina Stilbem de Oliveira, Guajará Mirim, alunos que declaram
ter o quéchua e aimará (línguas nacionais da Bolívia, país fronteiriço) como
línguas maternas/faladas em casa. Além disso há, nesta escola, falantes de
línguas indígenas brasileiras. Neste caso, a língua não apareceu nas declarações
e sim nas observações mais detalhadas em salas de aula e nas listas de nomes
das matrículas dos alunos.
O fato de alunos indígenas ou do país vizinho não declararem sua língua
materna ou sua origem em situações escolares no Brasil tem sido constatado
em outras pesquisas e pode ser interpretado com um efeito da forma pela qual
o ensino público foi atrelado à cidadania brasileira não-indígena e em língua
portuguesa, excluindo todos “os outros”. O acesso por direito, legitimado, do
cidadão brasileiro ao ensino público constituiu-se, portanto, de modo restrito
e excludente.
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Durvalina Estilbem de 01 00
Oliveira
Floriza Bouez 03 00
Bela Flor 02 00
Quadro 2: Usos do espanhol dentro e fora da escola pelos professores
Fonte: Diagnóstico sociolinguístico OBEDF, 2011.
33
Antes da chegada do OBEDF na escola, nunca se havia pensado sobre
o que acontecia com os alunos, por não se dar o devido valor à sua
origem, cultura e língua. Nem mesmo os professores que também têm
fluência nas três línguas (espanhol, guarani e português) tinham a
iniciativa de realizar as explicações na L1 (Língua Materna) dos alunos.
Essa sensibilidade de olhar cada caso com mais minúcia passou
a ocorrer somente após o início das atividades do projeto na escola.
Assim, como consequência das atividades do projeto, as professoras
bolsistas conseguiram muitos avanços com seus alunos, pois passaram
a valorizar a língua materna do aluno e a utilizá-la para facilitar a
interpretação e os procedimentos no processo ensino-aprendizagem10
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docentes. Uma visão que, além do velho posto destinado à(s) língua(s) estran-
geira(s), dê também lugar às línguas brasileiras e de fronteira como geradoras
e articuladoras de conhecimento.
Conforme ficou ressaltado no OBEDF, mas também no PEIBF e em
fóruns de debates como o I Seminário em Gestão de Educação Linguística
de Fronteira do MERCOSUL11, o debate que se coloca diz respeito a
diretrizes para uma política pública voltada à gestão das línguas brasileiras
no ensino. Entre os eixos a serem contemplados, o OBEDF indica a urgência
em promover uma discussão e dar orientações sobre as especificidades e
potencialidades dos processos de aprendizagem e ensino que resultam da
presença de falantes várias línguas brasileiras em relação à língua portuguesa,
considerando, também, o lugar e função próprios dessas línguas em face das
línguas estrangeiras ensinadas nas escolas. Falamos, portanto, da urgência de
diretrizes para uma política linguística para o ensino público no Brasil.
Considerando as evidências produzidas no âmbito do OBEDF, mas também
no PEIBF e demais iniciativas expostas, ao menos quatro frentes se anunciam
como desafios a serem encarados para que se possa avançar na promoção de
um ensino público bi ou plurilíngue:
11
I Seminário em Gestão de Educação Linguística de fronteira do MERCOSUL http://semi-
nariogelf.blogspot.com.br/
12
Cf. a Carta do Observatório da Educação na Fronteira OBEDF, produzida durante o III
Seminário do Observatório de Educação na Fronteira: Educação Linguística no Contexto Plu-
rilíngue da Fronteira: ações e perspectivas, realizado em Florianópolis, entre 15 e 18 de maio
de 2013.
35
entanto, a Portaria 798, publicada em 19/06/2012 no Diário Oficial da União,
instituiu o Programa das Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) excluindo
do nome, justamente, o bilinguismo. Nesse mesmo alinhamento assistiremos
ao veto da Presidência da República, em 2015, ao Projeto de Lei No. 5.954 de
2013 (No. 186/08, no Senado), que havia sido aprovado no Senado Federal e
que garantia às línguas indígenas o lugar de línguas de instrução em cursos de
nível superior.
Independentemente da intencionalidade ou não dos atos, ambos reforçaram
o silenciamento das línguas brasileiras nos quadro jurídico e administrativo da
educação pública em nível federal. No entanto, as atuais políticas linguísticas
do INDL e da Cooficialização pressionam esse monolinguismo do Estado
Nacional e poderão suscitar novas iniciativas perante o CNE.
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
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idealizados de bilinguismo e de sujeito bilíngue (MAHER, 2007), são vias para
aprofundar o debate no âmbito do OBEDF e do sistema de ensino público no
Brasil. Considerando, no entanto, o foco assumido nesse texto, destacaremos,
a título de fechamento, alguns desdobramentos políticos e pedagógicos
implicados na evidência do multilinguismo no espaço escolar.
Os resultados da pesquisa do OBEDF indicam que a presença de alunos,
professores ou gestores falantes de outras línguas nas escolas é um fato
absolutamente ignorado. Indicam, também, que a realização de diagnósticos
age sobre a percepção da realidade linguística, permitindo que todos
questionem os padrões monolíngues e estejam sensíveis ao valor positivo
das línguas e dos saberes que elas instituem. No entanto, explicitação do
multilinguismo na escola desencadeou questionamentos sobre o despreparo
dos docentes para lidarem com as várias línguas, a falta de materiais didáticos
e ausência de cursos de formação voltados ao ensino bilíngue. Esse quadro,
quando colocado diante daquele antes descrito, de um Brasil com mais de
300 línguas e um dos 9 países mais plurilíngues do mundo, demonstra a
relevância em se ter, no país, a definição de políticas linguísticas voltadas ao
multilinguismo. Trata-se, em nosso ponto de vista, de uma ação estratégica
para enfrentar o crescimento exponencial de perda de línguas (UNESCO
Atlas of the World’s Languages in Danger). Ou seja, consideramos que uma
política pública para o ensino bi ou plurilíngue no Brasil deve ser pensada com
estratégia de formação e de fomento do multilinguismo na perspectiva de um
Estado multicultural.
Pela terminologia proposta na Carta Europeia do Plurilinguismo (2009),
plurilinguismo significa o domínio, pelo falante, de mais de uma língua,
enquanto que o multilinguismo equivale à presença de mais de uma língua
em um espaço.
Em um contexto histórico de extremo monolinguismo aliado a várias
formas de preconceitos linguísticos e culturais como o brasileiro, impõem-se
a necessidade de avançarmos em uma abordagem do multilinguismo ligada
a uma política do plurilinguismo, no sentido de fazer do plurilinguismo
uma pedagogia de fomento do multilinguismo como ampliação dos direitos
cidadãos.
Altenhofen e Broch vincularam o sentido de plurilinguismo a uma ação de
valorização do “papel das comunidades de fala e da educação visando a uma
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menos três frentes: i) sobre seu papel nos processos de aprendizagem da
língua portuguesa, ii) sobre suas funções sociais e comunicacionais, ligadas
por exemplo, a sua preparação para usos tecnológicos, e iii) sobre sua
relevância em um mercado de trabalho que exige, cada vez mais, competências
linguísticas dos sujeitos. Estas são algumas linhas de reflexão que, cedo
ou tarde, deverão ser tematizadas se se pretender, de fato, construir uma
educação respeitosa das línguas e politicamente qualificada para uma melhor
gestão dos conhecimentos, que são, fundamentalmente, linguísticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Campinas, SP, n. 6, jan./fev. 2007. Em: http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/
materia.php?id=211 Em 16/06/2015.
OLIVEIRA, Gilvan Müller de. O lugar das línguas: a América do Sul e os mercados
linguísticos na Nova Economia. Synergies, Brésil, n. esp. 1, p. 21-30, 2010.
OLIVEIRA, Gilvan Müller de, FARIA, Ivani. Ensino Superior Indígena Bilíngue:
princípios para autonomia e valorização na região do Alto Rio Negro, Amazonas.
RIILP Revista do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, v. 1. n. 1, 2012,
pag. 80-98.
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EDUCAÇÃO BILÍNGUE EM
ZONA DE FRONTEIRA:
1
PENSANDO MODELOS E PROGRAMAS
Márcia R. P. Sagaz2
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
45
Contudo, no Brasil, além das 2743 línguas indígenas, há mais de 30
línguas de imigração4. Essas línguas ainda não têm um espaço consolidado
para discussão e ações de legitimação5. Do mesmo modo, as regiões de
fronteira, no que diz respeito às línguas, têm recebido pouca atenção, seja pela
implementação de projetos de execução governamentais, seja em projetos de
pesquisa.
Entre as iniciativas que dizem respeito às políticas públicas e ao português
e espanhol presentes nas zonas de fronteira, a partir de 2004, os governos do
Brasil e da Argentina promoveram o Projeto Escolas Bilíngues de Fronteira,
que foi implementado pelo governo federal por meio da Coordenação de
Formação Continuada do Departamento de Educação Infantil e do Ensino
Fundamental da Secretaria de Educação Básica no Ministério da Educação,
em parceira com o Ministério de Educação da Argentina (2004), do Paraguai,
do Uruguai e da Venezuela, a partir de 2008. Em 2009, passou a se chamar
Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de Fronteira.
Por sua vez, o governo federal instituiu, através de publicação no DOU
(Diário Oficial da União), no dia 20/06/2012, da Portaria n. 798, de 19 de
junho de 2012, o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que objetiva
promover a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue.
O programa restringe a participação às escolas instruídas pelo “Modelo de
Ensino Comum de zona de fronteira a partir de um Programa para a educação
intercultural de com ênfase no ensino de português e espanhol” (DOU, 2012).
Esse Modelo Comum vem a ser o Projeto Escolas Interculturais Bilíngues de
Fronteira (PEIBF).
A Portaria 798 deriva, em certa medida, de parecer do IPOL Instituto de
Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística encaminhado à SEB/
DEIEF/MEC, em julho de 2010. O parecer objetivava solicitar ao Conselho
Nacional de Educação (CNE) o “Estabelecimento de Diretrizes Nacionais
que permitam um enquadramento jurídico e administrativo das Escolas
Interculturais Bilíngües de Fronteira” (IPOL, 2010). Já a Nota Técnica,
³ Dados do censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
4
Dados do Relatório GTDL (2007). Altenhoffen e Broch (2011) indicam cerca de 56 línguas fala-
das por descendentes de imigrantes no Brasil.
5
Com o objetivo de discutir esse tema com as comunidades, em 2012 foi criado o Fórum Per-
manente das Línguas Brasileiras de Imigração. Para saber mais ver: http://forlibi.blogspot.com.br/
46
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
elaborada pelo Mec para o CNE, a partir do parecer, tem como objetivo o
estabelecimento de diretrizes gerais para escolas de fronteira. Pois, o PEIBF
esteve durante oito anos (2004 - 2012) somente como Projeto, sem ancoragem
nas instâncias formais. Embora a nota verse sobre o PEIBF, não explicita
em sua ementa6 nem o bilinguismo ou a interculturalidade e as escolas
Interculturais Bilíngues de Fronteira não foramcriadas.
A Portaria 798 estabelece um programa de governo, do qual podem participar
somente as escolas vinculadas ao “Modelo Comum” e, consequentemente,
somente em parceria com países do Mercosul. Fronteiras, por exemplo, com o
Peru e a Bolívia não são incluídas. Uma vez que o PEIF faz parte da estrutura
orgânica do Setor Educacional do Mercosul (SEM), parece que estará posta
a restrição para zonas de fronteira fora do âmbito do Bloco Regional. Já as
escolas que estão em zona de fronteira com países participantes do Bloco
ficam à mercê de oscilações da política internacional, como o que aconteceu
com o Paraguai, suspenso do Bloco Mercosul e que mais recentemente
recusou-se a retornar. Outra restrição é que programas de governo podem ser
extintos a qualquer tempo com a mudança dos dirigentes federais. Além disso,
há o atrelamento ao Programa “Mais Educação”, que ocorre no contraturno,
cuja participação é restrita a certo número de alunos, em função de recursos
financeiros. Também há pais que não aderem, pois não querem que seus
filhos passem todo o dia na escola. Ainda, o ensino bilíngue não integra
a grade curricular da escola. E, finalmente, há a restrição de a ênfase estar
no intercultural e não no bilinguismo, haja vista que o Programa se chama
“Escolas Interculturais de Fronteira”.
Por outro lado, em 2010, um grupo de pesquisadores advindos da
experiência de assessoria ao PEIBF propõe à CAPES o Projeto de Pesquisa
Observatório da Educação na Fronteira (OBEDF).
É no âmbito do OBEDF que surge este artigo, que versa sobre alguns
conceitos de bilinguismo e sistematiza diferentes programas de educação
bilíngue, com o intuito de contribuir à reflexão sobre a modalidade de educação
bilíngue para zona de fronteira, tratando das diferenças entre modelos que
são, por seus resultados, efetivamente bilíngues e modelos que operam no
sentido do monolinguismo, embora nominados de bilíngues.
6
Ementa: Escolas de fronteira. Estabelecimento de diretrizes gerais. Solicitação de pronuncia-
mento do Conselho Nacional de Educação. (Brasil, não publicado). Acervo do IPOL.
47
2 BILINGUISMO: O QUE É? O QUE PODESER?
48
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
⁷ Para mais informações sobre a presença das línguas ver Sagaz e Morello (2013).
49
status de língua não se mensura somente pelo número de falantes – é relevante
mencionar que o espanhol está presente em pelo menos quatro continentes
como língua oficial de 21 países dos 135 onde é falado. Porém, o Diagnóstico
Sociolinguístico realizado no âmbito do OBEDF revela que nas fronteiras
visitadas o espanhol é uma língua minoritária na relação com o português, do
lado brasileiro, em especial.
O que parece ocorrer é que o espanhol falado na fronteira não é considerado
de prestígio. O status de língua internacional está reservado, no imaginário,
ao espanhol standard da capital e até mesmo ao da Espanha pelos brasileiros
e paraguaios/bolivianos. Muitas vezes – conforme resultados de questionários
sociolinguísticos – não é nominado de espanhol e sim de espanhol boliviano e
também chamado simplesmente de “paraguaio”, “boliviano” e “castelhano8”.
Mesmo quando existe no questionário a opção espanhol entre as respostas
possíveis, respondentes optam por relacionar o nome da língua ao lugar,
regionalizando-a.
Esse quadro produz um autoimpedimento para o bilinguismo (português-
espanhol), pois uma das línguas envolvidas não é considerada de prestígio, e
o bilinguismo por vezes é considerado um obstáculo educacional. Por outro
lado, bilinguismo de prestígio (no qual ambas as línguas são majoritárias)
seria uma vantagem, conforme escreve Maher (2007). Exemplo disso são as
escolas bilíngues de elite do Brasil, nas quais as crianças aprendem inglês9.
Veja-se que Lietti (1983) nomeia dois tipos de bilingüismo: o primeiro, no
qual duas línguas majoritárias estão envolvidas, bilinguisme des riches; e o
segundo, no qual estão envolvidas uma língua minoritária e uma majoritária,
bilinguisme des pauvres. O guarani é outra língua que goza do status de
oficial, mas não internacional. Na fronteira, sofre o desprestígio ainda mais
do que o espanhol. Coloca-se, então, um quadro peculiar, no qual se tem,
no caso do português e do espanhol, duas línguas majoritárias. Uma delas é
tomada por minoritária, do lado brasileiro, na relação com o português, mas
que é dotada de todo instrumental, pois majoritária e faz parte, em função
dos meios de comunicação – tv, rádio, jornais, anúncios –, do cotidiano em
⁸ Parecem não ser considerados como sinônimo de espanhol, mas como um dialeto do espanhol,
ou pelo menos como um espanhol de fora da Espanha.
⁹ Para saber mais ver: AGÊNCIA BRASIL (2013).
50
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
51
localizadas em algumas zonas de fronteira do Brasil: crianças não brasileiras
estão matriculadas em escola brasileira, e por vezes, inclusive, moram no
país vizinho, como é o caso de fronteiras secas, como em Ponta Porã, Mato
Grosso do Sul, fronteira com o Pedro Juan Caballero, no Paraguai, conforme
diagnóstico sociolinguístico realizado pelo IPOL para o Observatório da
Educação na Fronteira.
Em casos como esse, em geral, a escola acolhe as crianças monolíngues
em espanhol ou guarani; mas a escola não é bilíngue (português-espanhol/
guarani). Assim, temos duas situações: sujeitos monolíngues em espanhol
submersos em uma cultura escolar monolíngue em português e/ou indivíduos
bilíngues submersos em uma cultura/sociedade monolíngue. Ou seja, o projeto
da escola visa ao monolinguismo. No que se refere aos objetivos sociais, há,
então, a assimilação através da meta de um país, uma língua.
Já o modelo Assimilacionista por programa de transição a rigor consiste
em aulas em L1 nos primeiros anos escolares e em L2 nos anos finais. É o
modelo adotado para a educação indígena em toda a América Latina, segundo
Rebolledo12. Esse modelo é qualificado como desastroso por Hornberger
(2009) e violento por Maher (2007), uma vez que a criança chega monolíngue
em L1, passa por bilinguismo – como acesso à L2 – e finaliza sua vida escolar
monolíngue em L2 em uma total desvalorização, pela escola, dos saberes e das
práticas de letramento em sua língua materna.
O modelo de Preservação Intercultural pressupõe uma sala de aula cujos
alunos são majoritariamente falantes de língua minoritária e terão aulas durante
toda a vida escolar tanto na língua dominante como na língua minoritária.
Baker (1993) subdivide esse programa em de manutenção e de manutenção
evolutiva: no primeiro, há uma estabilização da língua que se mantém como
língua do lar; e no segundo a língua ganha o lugar de língua de ensino e segue
“evoluindo”, pois passa a ser equipada para desempenhar tal função.
Por último, o modelo de Enriquecimento Linguístico por bilinguismo
aditivo por programa de imersão pressupõe que os alunos sejam imersos em
salas de aula com uma segunda língua como língua de instrução. Esse modelo
tem como foco salas de aulas nas quais a maioria dos alunos é monolíngue na
língua majoritária.
12
Prof. Dr. Nicanor Rebolledo, em aula ministrada no ano de 2012, em curso na Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina.
52
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
[Submersão] Minoritária Língua Majoritária A L1 (MI) não se Assimilação Monolinguismo Criar ideais sociais,
Por Imersão O Professor usa desenvolve e é políticos e econômi-
estruturada uma forma substituída pela cos comuns a todos
simplificada da L2 (MJ) (uma língua =
L2 (MJ) e uma nação)
inicialmente
pode aceitar
contribuições das
crianças com
L1 (MI)
13
As nomenclaturas utilizadas para denominar os programas podem sofrer variação, segundo
Baker (1993). Por exemplo, os EUA utilizam certas nomenclaturas e o Canadá outras, porém
com o mesmo significado. Os programas também podem se subdividir para além do apresentado
aqui.
14
O próprio autor orienta para que se evite esse termo.
15
Primeira Língua, minoritária.
16
Segunda Língua, majoritária.
17
A tradução, quando há, é a partir do espanhol e de nossa responsabilidade.
53
Quadro 1 – Modelo de Subtração (continuação)
Tipo de Língua Língua da Consequências Objetivo social Objetivo Objetivos
programa do aluno sala de aula e educativo linguístico amplos
[Submersão] Minoritária Língua Majoritária A L1(MI) não se Assimilação Monolinguismo Criar ideais sociais,
Com aulas [com aulas de desenvolve e políticos e econômi-
de retirada / ‘saída’ em L2] é substituída cos comuns a
Com Língua Grupos de alunos pela L2(MJ) todos (uma língua =
Majoritária têm aulas em L2 uma nação)
Protegida (LM) para criar
condições aos
alunos de acom-
panhar o conteúdo
das disciplinas em
L2 (LM)
Língua Minoritária
[sem eleição]
Geral com Majoritária Língua Majoritária A L1(MI) se Enriquecimento Bilinguismo Oferecer habilidades
ensino de LE [com aulas em LE] desenvolve e limitado Limitado. Os linguísticas
[‘Goteo’] Disciplina de LE há pouco resultados, comerciais
– 30min/dia aprendizado de dependendo
LE/L2 da motivação,
são bastante
limitados
54
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
[Manuten- Minoritária Bilíngue [com • Aulas de língua patrimonial Manutenção Bilinguismo Resgatar a L1
ção] Língua importância [aulas 2,5 h/ semana] plurilinguismo e Biletramento (MI) ou preve-
Patrimonial em L1/ • L1 (MI) meio de instrução – enriquecimento nir a extinção
• Proteção minoritária] 50% do período L2 (MJ) lições
• Manuten- e tarefas
ção Evolutiva
Dupla Majoritária Minoritária e Uma língua = Um período Manutenção Bilinguismo Acesso a bens
Direção/Duas (parte da Majoritária Exposição a cada uma das plurilinguismo e Biletramento culturais em
Línguas sala) e línguas em dias alternados ou enriquecimento. duas línguas;
Minoritária períodos alternados Falantes de MI ampliação de
(parte da MI meio de instrução e MJ integrados capital intelec-
sala) MJ meio de instrução em todas as tual/cultural;
Emprega as MI e MJ em lições/ aulas. Alteridade
tarefas garantindo equilíbrio de Eliminação ou
assuntos em cada língua. diminuição de
Evita-se a alternância de língua discriminação
em uma aula – buscando-se étnica
manter os limites de cada uma.
Quem domina uma língua ajuda
o(s) colega(s) no dia em que
sua língua 1 é a de instrução
(cooperação e amizade).
Quando não há professores
bilíngues pode-se ter uma dupla,
mas desde que haja compro-
metimento de ambos com o
bilinguismo e multiculturalismo.
Participação dos pais (pais
de MJ podem precisar ser
‘convencidos’).
Participação ativa dos pais de
MI com seus conhecimentos
auxiliando o professor. Ambiente
Aditivo Bilingue e Multicultural
55
No Quadro 3, concentram-se os programas de imersão com vistas ao
bilinguismo. São quatro programas que contemplam alunos com L1 (MJ) e um
programa para alunos com L1 (MI), dividido em duas subcategorias: Proteção
e Manutenção Evolutiva. Este último programa é utilizado, por exemplo, para
crianças de famílias de imigrantes, nos estudos referenciados neste artigo.
O modelo de Adição nos oferece quatro programas distintos, que têm
como objetivo linguístico o bilinguismo. O programa de Dupla Direção tem
sido o aplicado no Programa de Segundas Lenguas em Educación Primária
do Uruguai.
Na zona de fronteira do Brasil e Uruguai, por iniciativa governamental, o
Uruguai, desde 2003, passou a tratar das línguas em suas escolas na fronteira
com o Brasil de maneira a potencializá-las.
Entende-se o Programa de Segundas Lenguas em Educación Primária
uruguaio como uma das referências para pensar as línguas em algumas
zonas de fronteira do Brasil, pois utiliza o modelo de Dupla Direção. Por esse
motivo, abriu-se uma seção para relatar, mesmo que brevemente, a iniciativa
uruguaia.
56
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
57
professores pelo que se entende conceitualmente por “semilinguismo”, que,
de maneira geral, é competência parcial em duas línguas, sem o domínio de
nenhuma das duas, em função de variados motivos. Contudo, segundo os
relatos, os alunos não apresentam interferências e são capazes de separar as
línguas e utilizá-las adequadamente nos âmbitos correspondentes.
Há um aspecto não linguístico mencionado pelos professores que diz respeito
à mudança de atitudes dos falantes nativos de espanhol em relação aos que têm
o português como língua materna, assim como a redução do impacto sobre
essas crianças no ingresso da vida escolar. Para os professores, o Programa
tem sido importante para “fazê-los [os alunos] sentir-se identificados com una
propuesta que os motiva e respeta.” (BROVETTTO et al , 2007, p. 39)
Em relação às atividades relacionadas aos aspectos de bidialetalismo, há
pouco a apresentar aqui, restringindo-se à informação de que há atividades,
mas talvez não estejam contempladas no currículo escolar, restritas a eventuais
participações da comunidade em sala de aula.
Como varia o funcionamento das línguas, dependendo da zona de
fronteira, há possibilidades de diferentes programas a serem utilizados, em
função do perfil do aluno e do status das línguas e dos objetivos linguísticos,
educacionais, sociais, econômicos, ideológicos e políticos envolvidos.
É claro que modelos e programas são parâmetros e como tal somente
auxiliam a construir novas possibilidades para a educação bilíngue, de acordo
com cada realidade presente em cada zona de fronteira.
5 CONCLUSÃO
58
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL. Rio terá quatro escolas públicas bilíngues até 2014.
Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-10/rio-tera-
quatroescolas-publicas-bilingues-ate-2014>. Acesso em: 25 jul. 2013.
59
IBGE. Censo 2010: população indígena é de 896,9 mil, tem 305 etnias
e fala 274 idiomas. 2012. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/
noticias?view=noticia&id=1&idnoticia=2194>. Acesso em: 15 mar. 2013.
60
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ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS
PLURILÍNGUES NAS ESCOLAS
BRASILEIRAS DE FRONTEIRA
Antonia Kelly Garcete Rodrigues1
Haidee Benites Mongez2
Maria Erineuda de Oliveira Ferreira3
RESUMO
Este artigo tem como propósito apresentar o trabalho realizado na Escola Mu-
nicipal Maria Lígia Borges Garcia integrada com o Observatório de Educação
de Fronteira (OBEDF), enfocando a presença da língua espanhola e guarani no
lado brasileiro da zona de fronteira Brasil/Paraguai. Devido aos problemas que a
escola enfrenta em alfabetizar os alunos de origem paraguaia, esta investigação
foi proposta pelo OBEDF com objetivo principal de analisar o nível de interação
linguística oriunda do contato das línguas espanhola, guarani e portuguesa no
contexto escolar. Nesse sentido, amparados no método da sociolinguística intera-
cionista, observou-se e delineou-se o complexo contexto linguístico das relações
estabelecidas de encontro intercultural. Procurou-se explanar, neste estudo, al-
gumas questões socioculturais e o aparente distanciamento ou afinidades dos ha-
bitantes brasileiros aos costumes e às tradições paraguaias e suas consequências
na alfabetização e no letramento dos cidadãos brasileiros nascidos e residentes
no Paraguai.
Compreender os valores, as ideologias, as concepções e os possíveis preconceitos
linguísticos presentes na interação diária desses habitantes fronteiriços poderá
suscitar ações que fomentem a integração efetiva dessa convivência, sem se limi-
tar à questão da dificuldade que os professores encontram para alfabetizar esses
alunos brasiguaios, mas valorizar a L1 (língua materna), a cultura e os valores
sociais desses alunos. Dessa forma, além de olhar a fronteira através da dificulda-
de de receber um aluno bilíngue e ter de alfabetizá-lo em português, a proposta é
levar em consideração que quando ele entra na escola, traz consigo suas origens e
61
cultura, que devem ser respeitadas, para que não ocorra a exclusão. Buscaram-se
bibliografias que levantassem a discussão do assunto, de modo a ampliar o estudo
e mostrar que os espaços fronteiriços possuem grandes diversidades culturais em
que a aprendizagem da língua do outro poderá ser um meio de diminuir precon-
ceitos e não cultuá-los. Conforme Magnoli (1997), a política territorial de fron-
teira no Brasil está marcada por dificuldades na elaboração de políticas públicas
direcionadas para cada espaço fronteiriço devido a interesses governamentais
diferenciados. Um problema muito comum nessa questão é não perceber que as
escolas de fronteiras necessitam de uma atenção especial, um currículo próprio
e capacitação de professores para a inclusão dos alunos plurilíngues. Ensino de
qualidade e uma aprendizagem efetiva é um direito do aluno brasiguaio, cidadão
brasileiro, que está matriculado nas escolas de Ponta Porã/MS.
1 INTRODUÇÃO
62
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
63
em ambiente de sala de aula e as estratégias utilizadas para gerir essas línguas
e o processo de ensino-aprendizagem.
Ainda, a seção intitulada Integrar as línguas, incluir indivíduos, facilitar
a aprendizagem divulgará os resultados dos trabalhos dos professores
participantes do projeto por uma gestão de incorporação das três línguas
nos processos de instrução e relata as experiências e tentativas de
mudanças metodológicas para o sucesso do processo ensino-aprendizagem,
principalmente da alfabetização e do letramento nesse universo plurilíngue.
Por fim, registram-se considerações sobre o trabalho enfocando os desafios
e as possibilidades para as políticas linguístico-educacionais em situação
de contato de línguas, como é o caso da fronteira Ponta Porã - Pedro Juan
Caballero.
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
Figura 1 - Pórtico de entrada do município de Ponta Porã, que representa o encontro de culturas.
65
No que se refere às línguas faladas no município, há grande contato entre o
português, espanhol e guarani, o que promove a existência de variedades como
o jopará (híbrido de espanhol com guarani), o portunhol (híbrido de português
com o espanhol) e, ainda, um híbrido das três línguas. Além disso, devido àquela
região ter forte presença de imigrantes oriundos de outras partes do mundo,
também línguas como a árabe e as asiáticas irão compor o cenário plurilíngue
e pluricultural de Ponta Porã-Pedro Juan Caballero.
A Escola Maria Lígia Borges Garcia, que se localiza em frente à “linha in-
ternacional”, irá refletir esses contatos, em especial, entre as três línguas ofi-
ciais orais6 dos dois países. Contatos estes que representam desafios às ações
pedagógicas da escola, em especial aos procedimentos de ensino-aprendizagem
no contexto de sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental, já que
muitas crianças que ingressam na escola são descendentes de paraguaios e/ou
residentes do país vizinho e possuem como língua materna o espanhol e/ou
o guarani. Ao ingressarem no sistema educacional brasileiro, enfrentam
dificuldades quanto ao processo de escolarização, já que não ‘dominam’ a língua
de instrução das escolas brasileiras: o português.
No ano de 2011, com o objetivo de ampliar o campo de observação sobre a
realidade plurilíngue e pluricultural das escolas que se localizam nas fronteiras
e qualificar seu corpo docente, o projeto Observatório da Educação na Fronteira
(OBEDF) foi criado com o apoio da Capes7 e desenvolvido em rede com
universidades brasileiras, o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em
Política Linguística (IPOL), escolas parceiras localizadas em três Estados
brasileiros: Acre, Mato Grosso do Sul e Rondônia. A Escola Maria Lígia Borges
Garcia compõe essa frente de trabalho.
66
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
porém muitos deles residentes no Paraguai. Dessa forma, verifica-se que o Brasil
não é mesmo um país monolíngue, confirmado por Oliveira (2000, p.127): “no
Brasil hoje são falados por volta de 200 idiomas.” Ignorar a língua materna
(espanhol e/ou guarani) desses indivíduos durante a alfabetização e nos demais
momentos de ensino-aprendizagem é anulá-los, excluí-los e desconsiderar a
multiplicidade de línguas existentes no país. Sobre o mesmo assunto, Hamel
(1988, p. 2) afirma:
67
na referida escola – docente do 1º e 2º ano –, munida de um roteiro elaborado
pela equipe do projeto, observassem cada uma a aula da outra e anotassem
os pontos relevantes relativos à metodologia empregada em sala de aula, as
interações linguísticas entre professores e alunos e demais ocorrências tanto
em sala quanto no âmbito escolar. A partir desse trabalho de observação, muitos
questionamentos surgiram e cada professora passou a sugerir modificações e
intervenções para as aulas da outra. Pôde-se observar, então, que alguns alunos
que não desenvolviam as atividades escritas, ou que eram muito retraídos e
não se socializavam, estavam, muitas das vezes, exteriorizando o fato de não
entenderem o que lhes era proposto, sugerido ou indicado. Com isso, ora esses
alunos se agitavam, o que gerava indisciplina, ora demonstravam apatia e eram
considerados alunos com distúrbios de aprendizagem. Foi a partir dessas
observações que a postura das duas professoras observadoras mudou, pois
começaram a perceber que poderiam se utilizar do conhecimento dos alunos
para alcançar os objetivos com os outros, além de também aprender com eles.
Durante as reuniões de socialização dos trabalhos entre elas e a coordenadora
do projeto na escola, as bolsistas conseguiram mudar sua didática e metodologia
ao longo daquele ano e obtiveram melhores resultados com alguns alunos. Um
caso que pode ilustrar bem essa ocorrência será abordado no decorrer deste
trabalho.
Como parte das exigências do OBEDF, em 2011, as professoras e a
coordenadora do projeto na escola se reuniam uma vez por semana para
elaborar relatórios das atividades e observações, os professores observavam as
posturas em sala tanto dos alunos quanto das professoras e a coordenadora do
OBEDF na escola os enviava semanalmente para a coordenadoria geral do
projeto em Santa Catarina, onde eram arquivados em um banco de dados.
Em maio de 2012, houve o segundo seminário, no qual ficou decidido, com
todo o grupo participante, que a partir daquele ano, as aulas seriam, em um
primeiro momento, explicadas em português para a turma toda e, em um
próximo momento, individualmente. Para aqueles que não fossem falantes só
de português a professora faria as explicações em espanhol e/ou guarani. Assim,
haveria dias específicos que as aulas seriam nas três línguas.
Antes da chegada do OBEDF na escola, nunca se havia pensado sobre o que
acontecia com os alunos, por não se dar o devido valor à sua origem, cultura e
língua. Nem mesmo os professores que também têm fluência nas três línguas
68
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
69
Novak e Hanesian (1980), o conhecimento prévio do aluno é a chave para a
aprendizagem significativa. Deve-se, portanto, preparar os professores para
receber esses alunos, levando em conta o seu conhecimento prévio, sua cultura
e seus valores para poder tornar o ensino realmente efetivo.
Durante as avaliações diagnósticas, que são realizadas no início do ano
com todas as turmas dos anos iniciais, inclusive a pré-escola, como exigência
do processo ensino-aprendizagem, é levado em conta o nível de escrita dos
alunos, se eles conhecem a base alfabética e os números. Contudo, não há
a preocupação se o aluno conhece a língua portuguesa ou se vai conseguir
compreender o que lhe será solicitado no decorrer do ano. Seu contexto
sociocultural e linguístico é totalmente ignorado. As professoras envolvidas
no projeto já passaram a fazer uma avaliação em que a língua é levada em
consideração; porém, as demais ainda demostraram resistência, já que não
sabem como resolver o problema porque não dominam a língua do aluno, não
são capacitadas para isso ou mesmo por não concordarem com a presença
desses alunos falantes de espanhol e/ou guarani na escola. Aparentemente,
vive-se harmonicamente com essas diferenças étnicas que se entrecruzam na
fronteira, mas não se pode mascarar a realidade.
As professoras bolsistas, já sensibilizadas e com um olhar mais aguçado,
começaram a perceber que a repetência de alguns alunos, por várias vezes
nos mesmos anos escolares, poderia ter uma correlação com a língua. Esses
alunos talvez eram considerados fracassados apenas por não terem sua língua
valorizada, por não terem tido a oportunidade de uma metodologia que os
transportassem para a inclusão de forma a se apoderarem dos conhecimentos
passados da mesma forma que os outros alunos, falantes apenas do português.
Um fato que merece destaque foi quando os alunos brasiguaios (brasileiros fi-
lhos de paraguaios, que vivem ou não no Paraguai), ao perceberem que a
professora também falava espanhol e guarani, sentiram-se à vontade para
solicitar explicações em espanhol e/ou guarani e até para interagir com
os demais e com o professor para dizer quando não estavam compreenden-
do. A questão não é simplesmente a tradução: com ela vem a valorização do
que já sabem, da importância dos seus preceitos e de fazê-los existir, o não
isolamento. Segundo Rivas (2010, p. 5),
70
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
71
contato com o guarani e o espanhol; crianças que moram no Paraguai, falam
espanhol e/ou guarani e têm contato com o português apenas na escola ou
em outra situação social; e aluno que chega à escola sem nunca ter escutado
ou pronunciado uma palavra em português. Daí vem a dificuldade apontada
pelos professores de ensinar a língua antes de alfabetizar e letrar.
Segundo os professores entrevistados, essa mistura de línguas acaba
atrapalhando e/ou dificultando o processo ensino-aprendizagem nas relações
com os colegas, na fala, mas especialmente na escrita, pois os alunos conversam
entre si o guarani até mesmo na sala de aula e acabam misturando as línguas.
Outro fato citado pelos professores é sobre a interpretação dos alunos do que
lhes é solicitado ou do que leem. Se alguns alunos brasileiros, não nascidos
na fronteira, já são considerados analfabetos funcionais (pessoa que lê, mas
não compreende o que lê), os alunos que ainda estão em fase de aquisição da
língua na fronteira têm mais esse agravante: não entendem ou não conhecem
o significado de muitas das palavras que leem.
Os professores abordaram o tema Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), que é um indicador criado pelo governo federal para medir a
qualidade de ensino. As crianças da fronteira, que primeiramente necessitam
aprender a falar a língua portuguesa, com muitos problemas de ensino e
aprendizagem como tantas outras, diferem por ter de serem alfabetizadas e
letradas em uma segunda língua, o que contribui muito para que esse índice
seja baixo. Se já não é fácil obter bons números nesse indicador em escolas
brasileiras que não sejam de fronteira, nessas regiões plurilíngues a dificuldade
em alcançar altos índices ainda são maiores. Reforçando o pensamento da
maioria das professoras pesquisadas, Ledesma e Grassi (2011, p. 4) dizem:
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73
5 INTEGRAR AS LÍNGUAS, INCLUIR INDIVÍDUOS E FACILITAR A
APRENDIZAGEM
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
75
a palavra cenoura que era a resposta correta. O exercício 5, que solicitava que
fosse reescrito um trecho do texto, também não foi respondido, assim como o
6, que era escrita de frases, e o 7, que era um pequeno texto de desejos de feliz
páscoa à família. Na atividade 8, em que era para escrever o próprio nome e
sobrenome, a aluna escreveu apenas o primeiro nome e não conseguiu res-
ponder questões como número de letras, primeira e última letras e quais se
repetiam. Na atividade 9, era para ser feito o registro do alfabeto maiúsculo e
minúsculo e a aluna não o fez. Na atividade 10, de ditado, a aluna encontrava-
-se no nível de hipótese de escrita SCVS (Silábico Com Valor Sonoro), em que,
segundo Ferreiro (1985) e Ferreiro e Teberosky (2008), a criança escreve uma
letra para cada sílaba falada e o que se escreve tem correspondência ao som
daquela sílaba. A aluna analisada já deveria estar em um nível mais adiantado
de escrita, já que frequentou a Educação Infantil, o 1º ano e parte do 2º (essa
avaliação foi feita em abril). Mas Luz Mariel não compreendia quase nada do
que lhe era proposto, solicitado e/ou ordenado. Somente após a atuação do
OBEDF que ela passou a receber orientações em português com tradução em
espanhol e/ou guarani em todas as intervenções em salas de aula feitas por sua
professora. Os colegas começaram também a usar o espanhol e/ou o guarani
para se comunicarem com ela e com os demais que sentiam dificuldade em
entender o português. Assim, a aluna passou a se dedicar mais e se mostrou
mais predisposta à aprendizagem, o que fez com que ela avançasse muito em
seus níveis de hipóteses de escrita e de aquisição da língua escrita e falada. A
respeito disso, para Wallon (2006), “as emoções têm um papel preponderante
no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus
desejos e suas vontades. Em geral, são manifestações que expressam um
universo importante e perceptível...”.
Quando a língua da aluna passou a ser valorizada, seu saber anterior e
seus costumes passaram a ser respeitados. Consequentemente, ela passou
a demonstrar mais interesse pelas atividades e os resultados positivos
começaram a aparecer. Ao terminar o 2º ano, a aluna que estava fadada ao
fracasso escolar passou de SCVS para alfabética, com resultados bem mais
satisfatórios do que alguns dos alunos brasileiros. Para comprovar isso,
ilustra-se uma produção de texto, Cartinha para o Papai Noel, que ela mesma
produziu em dezembro, mostrando que já dominava com fluência a língua
escrita e consequentemente a falada.
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(...) por trás da mão que pega o lápis’ dos olhos que olham dos ouvidos
que escutam há uma criança que pensa. Essa criança que pensa não
pode ser reduzida à um par de olhos, de ouvidos e uma mão que pega
o lápis ...O processo de alfabetização nada tem de mecânico do ponto
de vista da criança que aprende. Portanto, ignorar sua língua materna,
segregar o aluno é torná-los os analfabetos funcionais.
77
trabalhadas em sala que lhes chamassem a atenção, que não conhecessem o
significado em português e que gostariam de saber como se fala em guarani
e espanhol. A curiosidade da turma, no geral, foi lhes dando abertura para
perguntar aos pais, vizinhos, tios, etc. Essa foi uma forma que a professora
encontrou de socializar e valorizar o conhecimento de cada um sobre a língua.
Cada vez mais curiosos, os alunos iam aprendendo as três línguas. Essas aulas
foram muito enriquecedoras, pois tornaram possível que cada criança
participasse e aprendesse uma com a outra.
Após essa proposta de trabalho, observou-se que o aluno Hector* chamava
muito a atenção nas aulas de espanhol e guarani, por sua facilidade em regis-
trar palavras em guarani e participação e dedicação nas atividades propostas
pela professora. Numa mudança muito significativa, seus conhecimentos
foram se ampliando: já conseguia ler melhor e interpretar textos. Assim como
ele, outros que apresentavam dificuldades com a questão do plurilínguismo
na sala de aula também tiveram mudanças significativas na aquisição do
conhecimento. Com o projeto da OBDEF, os professores participantes
passaram a ver a situação de outra forma e conseguiram tornar as aulas
diferentes, fazendo com que fosse possível o aluno compreender a ponto de
conseguir interpretar os textos lidos, mesmo que oralmente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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saber o idioma espanhol e/ou guarani são fatores secundários, que eles não
determinam a interpretação e que não fazem diferença nas dificuldades de
os alunos se alfabetizarem. Dizem não querer aprender espanhol ou guarani,
nem com o objetivo de inserir os alunos plurilíngues no contexto do ensino e
aprendizagem. Consideram que, se os alunos estão matriculados nas escolas
brasileiras, automaticamente devem saber falar português. Por outro lado,
admitem que haja muita dificuldade para se alfabetizar e dar continuidade
ao ensino, devido à língua materna desses alunos ser guarani e espanhol, pois
apresentam muita dificuldade tanto na interpretação quanto na ortografia,
o que interfere na aprendizagem de todos os outros conteúdos, já que não
compreendem o que leem.
Já as professoras e a coordenadora participantes do projeto bilíngue do
OBDEF, após todo 0 período de observação-reflexão e estudo dos casos,
concluíram que o meio para minimizar a exclusão desses alunos de acesso ao
conhecimento seria valorizar tudo o que é trazido por eles e procurar adaptar
o currículo escolar, que não inclui os alunos plurilíngues. Isso só acontecerá
com conscientização do professor, mudança de postura metodológica, didática
e políticas públicas. De acordo com Ferraço (2008, p. 7/8),
79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Anexo 3
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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
85
Ensino Fundamental Messias Rodrigues de Souza, em Sena Madureira, no
Estado do Acre (AC). A partir, notadamente, do estudo das produções orais e
escritas de alunos indígenas e não indígenas dessa escola, o trabalho pretende
contribuir com as pesquisas feitas no âmbito do OBEDF. Os referidos estudos
mostram que as muitas dificuldades observadas na alfabetização (leitura,
escrita, oralidade) em língua portuguesa podem ser decorrentes de um
imaginário de homogeneidade linguística da escola, escolas que, como Escola
Municipal Messias Rodrigues de Sousa, são evidências de que no Brasil falam-
se outras línguas que não somente o português. Levando em consideração que a
diversidade linguística e cultural do Brasil, muitas vezes, não é contemplada na
abordagem pedagógica para o ensino da língua portuguesa, a pesquisa na Escola
Municipal Messias Rodrigues de Sousa mostrou, por um lado, os problemas
enfrentados pelos professores que não estão preparados para receber os alunos
Jaminawa vindos de diversas aldeias da região e, por outro lado, as dificuldades
desses alunos para aprender a variedade oficial da língua portuguesa.
Atualmente, os povos Jaminawa, do Estado do Acre, somam uma população
crescente de 1.800 pessoas e todos tem o jaminawa como primeira língua.
Vivem em duas Terras Indígenas (TI): a TI Mamoadate3, no Rio Yaco, com a
extensão de 313. 647 hectares, localizada nos municípios de Sena Madureira
e Assis Brasil, e a TI Rio Acre, com 76.680 hectares de extensão, localizada no
município de Assis Brasil.
Diversas famílias Jaminawa vivem fora da terra demarcada em diversos
seringais da região: Kaiapuká, São Paulino, Caeté, Extremo e Guajará. Essas
cinco áreas estão sendo reivindicadas pelo povo Jaminawa para demarcação
e já estão com alguns estudos antropológicos em andamento. Devido a essa
reivindicação dos Jaminawa pela posse da terra, há grandes conflitos com os
não índios que lá se estabeleceram e lutam pela mesma posse da terra.
Uma das cidades do Estado do Acre que recebe maior número de indígenas
Jaminawa é Sena Madureira. Ali, no bairro denominado Beco do Adriano,
vivem 36 famílias, totalizando 118 pessoas. Esse ambiente urbano depara-se
com inúmeros problemas, tais como: falta de moradia, dificuldade de conseguir
trabalho, problemas relacionados à assistência médica e, dificuldade para
integrarem suas crianças no sistema de educação municipal.
³ Essa terra é compartilhada com o povo Manchineri, que também soma uma população cres-
cente de 1.600 pessoas.
86
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
87
Jaminawa, então, dominar a língua portuguesa também na variedade escrita
é fundamental. Sobre esse tema, o professor da aldeia Kaiapuká, Samuel
Jaminawa, afirma: “Eu penso que estamos trabalhando certo na aldeia,
primeiro nossos filhos aprendem o Jaminawa na nossa escola e depois para
quebrar o galho não ficar fora do mundo da civilização, aprender a falar o
português”. Assim, os Jaminawa, mesmo os que moram nas aldeias, têm
consciência que precisam aprender a falar o português, sobretudo, para
defender os seus direitos. E dentre eles estão, justamente, o direito a falar sua
própria língua e ao acesso ao aprendizado da escrita da língua oficial brasileira.
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i) A oralidade
Os alunos Jaminawa que dominam satisfatoriamente português (falam com
muito sotaque) apresentam dificuldade para identificar e fazer concordância
de gênero na língua, o que demonstra baixo grau de proficiência. Contudo,
destacamos que a narrativa oral dos Jaminawa se mostrou muito mais
completa e rica do que a sua escrita. Ao narrarem oralmente à história do
Mapinguari, o fizeram de forma mais criativa que seus colegas não indígenas:
mostraram-se extrovertidos, sorridentes e, gesticulando, trouxeram muitas
informações, que envolviam diretamente a sua vida na comunidade, pois,
segundo eles, o que sabiam sobre o Mapiguari lhes foi contado pelos avós,
89
pelos pais e por outras pessoas mais velhas. De tal modo, o fato dos alunos
Jaminawa dominarem o tema da discussão garantiu-lhes uma performance,
na narrativa oral, mais expressiva do que aquela dos não indígenas.
Os alunos não indígenas, por seu turno, também conhecem a história do
Mapinguari e a contaram com muito mais domínio da língua portuguesa.
Contudo, narraram à história de maneira mais resumida e foram poucos os
que quiseram participar da contação. Suas informações ficaram repetitivas e
a narrativa pouco criativa.
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2 A COMPLEXIDADE DO TEXTO
não existe texto incoerente em si, mas que o texto pode ser incoerente
em/ para determinada situação comunicativa (...).O texto será incoerente
91
se seu produtor não souber adequá-lo a situação, levando em conta
intenção comunicativa, objetivos, destinarias, regras sócio culturais,
outros elementos da situação, uso de recursos linguísticos, etc. caso
contrário será coerente.
No que diz respeito aos textos aqui analisados, destacamos que foi
solicitado aos alunos Jaminawa e aos não indígenas que escrevessem sobre
o Mapinguari, personagem lendário que compõe o imaginário coletivo
do povo Jaminawa e de outros povos indígenas que vivem na Amazônia.
Os ribeirinhos e seringueiros assimilaram também essa história, o que
mostra que esse personagem lendário está inscrito no cotidiano dos várias
comunidades (indígenas e não indígenas) que vivem na floresta. Passaremos,
agora, à análise desses textos, notadamente dos textos dos alunos Jaminawa,
que, como já mencionado, apresentaram dificuldades no agenciamento dos
recursos de coesão e coerência textuais. Vejamos os exemplos:
Textos alunos Jaminawa
o mapinguare
o mapiguari come amulhe aqueli homem
brá muito preguesosa ele deixo
amulhe amulhe estava gravida
quando ela correu ela não pudia maes
corre quando ela parou ela viram datolado
veu uma mapeguari muito peludo
e tem um olho no meio datesta
é altão e ele é tem jeto di homem
tem braço tem pele
92
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mapinguaré
mapinguaré e parece com homem ele tem olho no meio
ele tabem e cabiludo e peludo ele tem Dente grande
ele tem enspinho ele mora no perto do garape
ele proteje os animas
Era uma vez um homem foi ao
garapé pra pega os bodo dentro Do
buraquinho ele vi o mapingaré
comeu o homem e amigo estava preocupado
e um homem foi procura o amigo e
depente olhou o mapinguar
homem pegou o flexa e homen
e matou o mapiguare
o mamapineuari e um bix
feio e vive na mata para
mata e comei bixo o
o lho deli na barig
e mora no mato.
93
Texto 04: T04TJ2ºA
o mapiguari
o mapiguari é um bicho que
Tem um olho no meio datesta ele
vivem na froresta e dizer que
tem grito orriveo ele tem Pés Pa
traís ele Proteger ele
dizer que ele e todo peludo
O manpiguare e
Bicho que tem um
Olho no meio da testa ele tem pelo i grade
e cabeludo é e muito grande
de que predio. ele tem bigo
ele mora na floresta.
a historia do mapiguri
o mapiguri
o mapiguri e um binho que
Tem um olho no testa
ele tem muito pelo
i tem muito o Mosquito
quando ele acha uma pesoa
corre atras dele ante
pega a pessoa quado ele
pega uma pessoa ele come o
ele tei um iBigue grade
o o de come gente etc.
Esse recurso sintático de coesão com conectivo aditivo “e”, que pode
ser identificado na maioria dos textos Jaminawa, não parece se constituir
94
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Mapinguari
o mapinguari é um bicho que tem um olho no meio da
testa
uns diz em que é ele é no unbigo – tante- mais alto do que
um homem
tem jeito de o e homem. tem braço – tem pele – eli e todo
cabiludo
Aonde ele pisa o e que nem uma mão de pilão – E ligrita
muito.
Dar cada grito horrível o que quebra o pescoso e chupa
o tutano das pessoas.
O mapinguari
o Mapinguari é um bicho que tem um olho no meio da
testa. Uns dizem que no umbigo. É alto. Mais alto que um
homem. Tem jeito de homem. Tem braço. Tem pele. É todo
cabeludo. A onde ele pisa é que nem uma mão de pilão.
Ele grita muito. Dá cada grito horrível, quebra o pescoço e
chupa o tutano das pessoas.
95
linearmente estruturas independentes (T01LSP5ºA) muito mais aceitáveis em
português.
Destaca-se, no entanto, que dos 24 (vinte e quatro) textos dos alunos não
indígenas analisados, em pelo menos três (T06MA5ºA, T11J5ºA e T12JE5ºA)
há também o mesmo procedimento de encaixe sintático através do conectivo
aditivo “e”. Mas como pode ser observado no texto em destaque abaixo em,
T11J5ºA, mesmo apresentando certa recursividade de orações com o conectivo
“e”, a estruturação de encaixe sintático vai se mostrar mais diversificada, já
que o aluno não indígena vai utilizar também outras construções coordenadas
(adversativa) e subordinadas (substantiva objetiva direta):
Texto 11 T11J5ºA
Mapinguario
mapinguari é um bicho que tem um olho no meio da testa. UNS
dizem que é imbigo. É alto que um homem. Tem jeito de homem
tem braço. Tem pele – é todo cabeludo. Aonde ele pisa é que nem
uma mão de pilão. Ele grita muito. DÁ cada grito horrível, quebra o
pescoço e chupa o tutano das pessoas eu já ouvi falar no mapinguari
mas nunca vi. Eu tinha era medo. Lá no seringal tem um pessoal
que ia quebra castanha e escutava um grito. Muito “alamante” dizem
que tem muita gente viu esse bicho – dizem que é um homem
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“bem altão” não tem quem alcance a altura dele. É uma coisa feia,
feia. Agora dizem que os grito que ele dá, até de ouvir, a gente se
arrepia todinha mas, eu nunca escutei não.
Texto 08 T08TTO5ºA
97
papel do aluno indígena nesse cenário, ou seja, estamos lidando com um
sujeito que desconhece a escrita e os sistemas de ensino/aprendizagem da
escola não somente porque seus pais são analfabetos, mas, sobretudo, por
determinações históricas e sociais que, por um lado, os colocam em uma
cultura em que o conhecimento é passado oralmente e, por outro, os exclui
desse mundo que se “aprende” na escola. Juntese a isso, evidentemente, o
contexto sociolinguístico desses alunos: são falantes de outra língua materna
que não o português. São sujeitos bilíngues que tem o Jaminawa como língua
materna e o português como segunda língua e que, em sua maioria, não
dominam o português a ponto de falar com desenvoltura. Eles têm, sim, um
conhecimento do português como segunda língua, que envolve muito mais
uma atuação como “ouvintes” do que como “falantes”.
Assim, entendendo a coerência como elemento que dá sentido a um texto,
sendo regulada, por sua vez, pela interação entre os interlocutores e pelo
conhecimento de mundo, diremos, no que se refere aos textos dos alunos
Jaminawa, que o ambiente sociolinguístico da sala de aula não garante a
construção de uma relação falante-ouvinte que permita ao aluno Jaminawa
compreender o que seu interlocutor, o professor, deseja. Isso acontece devido
ao distanciamento desse aluno das práticas educativas dos não indígenas, as
quais passam pela construção de uma metalinguagem tanto para a produção
de conhecimento (aprender sobre as coisas do mundo) quanto para o
aprendizado de uma escrita do português, língua com a qual o aluno indígena
pouco se identifica.
Pode-se perceber, também, que a dificuldade do aluno Jaminawa para se
desvencilhar do uso dos recursos da modalidade oral em seus textos escritos
se deve ao fato do professor não refletir junto com seus alunos sobre as
diferenças existentes entre a modalidade oral e escrita. De fato, percebeu-se
quase que um total desconhecimento da realidade linguística brasileira por
parte dos docentes que foram entrevistados, pois muitos afirmaram que só
conhecem três línguas faladas no Brasil: português, inglês e espanhol.
De tal modo, o professor das escolas brasileiras, notadamente da Escola
Municipal Messias Rodrigues de Sousa, não está preparado para receber
alunos falantes de línguas diferentes do português, especialmente falantes
de uma língua indígena, que é ao mesmo tempo absolutamente desconhecida
e desvalorizada. O professor, assim, não compreendendo o aluno bilíngue a
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99
O texto T08LJ2ºA expõe esse “contato” entre o português e o Jaminawa,
quando o aluno Jaminawa, ao escrever em português, põe em relação às duas
línguas através do uso do léxico jaminawa: CACORO “corcunda”, MADE
“terra” e MUTO “bicho”. Essas palavras da língua Jaminawa, assim como a
grafia “sh” na palavra “bicho” (texto aluno T07MJ2ºA), provavelmente seriam
consideradas “erros” pelos professores.
De outro modo, se esses alunos fossem percebidos como falantes bilíngües,
a análise de seus textos pelo professor poderia ser outra. De fato, o aluno
Jaminawa vive um processo de aprendizado da escrita do português que é
característico daqueles falantes de mais de uma língua:
Assim, a escrita do português desse aluno bilíngue não pode ser considerada
“errada”. É, sim, uma escrita que revela a sua competência bilíngue. Entretanto,
nosso olhar não pode ser simplista a ponto de negar que neste caso específico
essa interferência, por não ser percebida e aproveitada, está comprometendo o
aprendizado de ambas as línguas. Estruturas como CACORODO CASADO OLO
MO MARÍGA, E MUTO REÍA TAMADA BOI do referido texto são exemplos
para demonstrar a inconsistência do uso dos mecanismos lexicais e gramaticais
de uma estrutura sintática do português: o texto em questão (T08LJ2ºA) foi
levado ao conhecimento de um professor Jaminawa que afirmou que o aluno
tentou escrever nas duas línguas, mas que, segundo ele, não conseguiu em
nenhuma das duas.
O diretor4 da Escola Municipal Messias Rodrigues de Sousa mostra
preocupação com o modo que a escola recebe os alunos indígenas. Entende
que a comunidade acadêmica não está preparada para lidar com esses alunos
bilíngues e indígenas:
⁴ Nei Lima da Silva é o atual diretor da Escola Municipal Messias Rodrigues de Sousa.
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Uma das dificuldades maior, eu diria, não só da escola Messias, mas sim
de Sena Madureira é com o conteúdo né, nós aqui não temos em nosso
currículo, não da de anteceder o conhecimento deles, ninguém está
preparado, a escola não está preparada para oferecer um conteúdo de
qualidade para eles. Até mesmo temos dificuldades até de professores,
então, primeiro sabemos uma coisa que a gente faz que não é direito
da gente é eliminar a questão da cultura deles, a gente internaliza neles
a cultura nossa, eliminando a cultura deles, exatamente por falta de
conhecimento de conteúdo desse pessoal. (04-10-2011).
101
03: rawe ita wisti = dois mais um
04: rawe ita rawe = dois mais dois
05: meke wisti
06: meke wisti ita wisti
07: meke wisti ita rawe
08: meke wisti ita rawe ita wisti
09: meke wisti ita rawe ita rawe
10: meke rawe
Muitos: itxapa
Essa visão de linguagem oral e escrita tem muito a ver com que
comumente se chama de erro de linguagem. Como a escola tradicional
trabalha com a linguagem somente do ponto de vista da escrita, fica
muito difícil entender os mecanismos da fala e quais os seus usos.
Tudo o que foge do padrão da escrita passa a ser considerado erro. É
preciso acabar com esse equívoco. Do ponto de vista da escrita, está
tudo errado o que vai contra a ortografia e as normas gerais do nosso
sistema da escrita. A escrita também tem um estilo próprio, exigido de
acordo com as circunstâncias pela tradição cultural. (CAGLIARI, 2009
p. 249).
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3 ALGUNS ENCAMINHAMENTOS
103
De qualquer modo, mesmo com uma escola que ainda não está preparada
para o bilinguismo e a interculturalidade, os alunos Jaminawa marcam sua
identidade na produção acadêmica através de suas produções orais ricas em
detalhes. De fato, sua tradição que envolve dentre outras coisas a oralidade e
sua relação singular com a natureza também foi trazida para contar a história.
O exercício oral mostrou-se profuso no uso de expressão corporal e rico em
detalhes, materializando seu conhecimento diferenciado sobre o tema.
Queremos destacar que o bilinguismo dos Jaminawa é fator decisivo
para o entendimento dos processos de ensino e aprendizagem dos alunos
indígenas na escola Ensino Fundamental Messias Rodrigues de Souza. Assim,
para ensinar português, o professor precisa conhecer, minimamente, a outra
língua, a primeira língua que, invariavelmente, influencia a segunda língua.
Daí a necessidade de se produzir materiais sobre e em língua Jaminawa.
Evidentemente, esse é um trabalho que precisa ser feito a médio e longo
prazo e envolve um esforço conjunto de pesquisadores de diferentes áreas,
notadamente, da área da linguística e educação, assim como dos próprios
falantes Jaminawa.
Contudo, a produção de literatura Jaminawa deve levar em consideração
a relação entre oralidade e escrita garantindo à primeira o valor que por
séculos lhe foi negado. Nessa perspectiva, cita-se o ensino contemporâneo
do português em que não se considera de forma simplista “erro” falar, por
exemplo, respeitando as variedades regionais do português que por ventura
não se enquadrem dentro das normas da escrita. O “diferente” que, nesse
caso, são as variedades ágrafas do português, precisa ser valorizado e isso já
pode ser observado quando, da perspectiva dos estudos linguísticos, essas
variedades não são consideradas “erradas”, somente menos “aceitáveis”
socialmente. A língua Jaminawa, uma língua ágrafa com forte tradição
oral, passa a ser estudada, assim, em um momento histórico em que estão
sendo revistas as afirmações equivocadas e preconceituosas sobre o valor da
oralidade e, consequentemente, sobre o valor das línguas e culturas ágrafas.
Diante das questões expostas nesse trabalho, especificamente envolvendo
as dificuldades de aprendizagem de alunos falantes de outra língua que
não português, nesse caso o Jaminawa, em nossas escolas, gostaríamos de
contribuir com algumas sugestões. Entendemos a necessidade de:
1. levar a experiência de educação bilíngue das escolas de fronteira,
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implementada pelo projeto OBEDF para aquelas escolas que não são
de fronteira, mas que recebem alunos falantes de outra língua, como é
o caso da Escola Messias Rodrigues de Sousa;
2. dar ênfase à oralidade em sala aula, pois é importante para o aprendizado,
sobretudo, dos alunos indígenas que trazem os conhecimentos de uma
cultural oral. Essa ação vai ajudar na valorização do aluno indígena,
assim como dos outros alunos não indígenas que ainda não dominam a
variedade padrão (escrita e falada) do português, o que, em decorrência,
contribuirá para o seu processo de aprendizagem do português padrão;
3. incluir na grade curricular do curso de formação continuada para
professores discussões sobre questões indígenas tais como língua,
cultura, legislação;
4. ter contratação pela Secretaria Estadual de Educação de professor
bilíngue para atuar em sala de aula dando subsídio aos professores não
indígenas.
REFERÊNCIAS
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APONTAMENTOS SOBRE A
ORTOGRAFIA DA LÍNGUA
JAMINAWA: ENTRE O
LINGUÍSTICO E
O NÃO LINGUÍSTICO
Marci Fileti Martins1
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
107
O propósito desse trabalho é contribuir para os estudos sobre a língua
Jaminawa, com ênfase na investigação dos processos envolvendo o
desenvolvimento de escrita e sistemas ortográficos. Para tanto, propõe-
se a análise de duas propostas ortográficas: o Guia del Alfabeto Yaminawa
(Bolívia) e a Cartilha Jaminawa (Brasil), paralelamente, à análise de dados
linguísticos referentes às variedades da língua Jaminawa falada nas aldeias
Kanamari (Terra Indígena Kaite, no Estado do Acre) e Sete Estrela (Terra
Indígena Kaiapuka, no Estado do Amazonas) (PADILHA 2013).
Os materiais didáticos serão tratados como casos exemplares tanto da
problemática envolvendo o estabelecimento de sistemas ortográficos de base
fonológica para línguas carentes de descrição linguística, como é o caso da
língua Jaminawa, quanto da complexidade desse tipo processo, em que se
relacionam, por um lado, uma língua de oralidade2 e, por outro, certa tradição
de conhecimento linguístico fortemente constituída pela escrita.
O Jaminawa (Iaminawa, Yaminawa, Yaminahua) é um povo ou povos
falantes de uma língua de mesmo nome e, de acordo com Calávia Saez (1995
apud PADILHA 2013), dividem-se em um número determinado de clãs de
caráter “totêmico” e de linha paterna, nomeados Xixanawa (gente do quati),
Kununawa (gente da orelha de pau) Sharanawa, (gente boa) Mastanawa,
(gente guerreira), dentre outros. A denominação Jaminawa foi lhes dada por
outros, sendo mencionada por José Correa Jaminawa como o nome dado pela
FUNAI em 1975, justamente, por “desconhecer a realidade dos índios que
viviam no Estado” do Acre , mas que, atualmente, já foi assimilada e aceita
pelo povo que passou a se autodenominar Jaminawa. (“Papo de índio”, 2006
apud PADILHA 2013, p. 16).
No conjunto das línguas Pano, o Jaminawa está posicionado, segundo
Ribeiro (2003 apud SOUZA, 2012), no Grupo I (Pano das Cabeceiras),
especificamente, no Subgrupo IV desse grupo3, no qual também se inclui o
108
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
109
Os Jaminawa mesmo os que moram nas aldeias, tem consciência que
precisam aprender a falar o português, para defender os seus direitos.
(PADILHA, 2013, p. 28)
110
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
mostra por um lado, o problema enfrentado por professores que também não
estão preparados para receber os alunos Jaminawa vindos de diversas aldeias
da região e, por outro lado, as dificuldades desses alunos por não dominarem
suficientemente o português e nem terem sido satisfatoriamente alfabetizados
em sua língua materna, o que evidentemente os leva a terem dificuldades para
desenvolver a escrita e leitura em língua portuguesa.
A partir da análise da produção escrita e oral desses alunos, Padilha
(2013) aponta alguns problemas de ortografia na escrita da língua portuguesa
relacionados diretamente com o processo de alfabetização em língua Jaminawa.
Em sua análise, a referida autora observou no texto de um aluno Jaminawa
uma grafia bastante singular na escrita da palavra “bicho”. Essa palavra foi
grafada pelo aluno como “BISHO” que, ao invés de empregar o dígrafo “ch”
ou mesmo “x” que grafam, por vezes, a consoante fricativa palato-alveolar /ʃ/
do português, utilizou o símbolo “sh”. O grafema “sh” representa, no sistema
ortográfico do Jaminawa, a consoante fricativa retroflexa /ȿ/, inexistente
no sistema fonético/fonológico do português. Sem avançar na discussão do
que teria motivado do aluno Jaminawa a fazer tal escolha, menciona-se que
a consoante /ȿ/ tem o mesmo modo de articulação da consoante fricativa
palato-alveolar /ʃ/ do português, indicando uma proximidade fonética entre
os dois sons.
Ao desconhecer a experiência de um processo de alfabetização anterior
baseado em outro sistema ortográfico que não o do português, pelo qual,
possivelmente, esse aluno Jaminawa passou, o professor irá avaliar da palavra
“bicho” escrita com “sh” como um erro de ortografia, o que, segundo Padilha
(2013), não é a análise mais condizente nem a mais produtiva:
111
1.1 A Gramatização4 como Política Linguística?
⁴ “Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e instrumentar uma
língua na base de duas tecnologias que são ainda hoje os pilares do nosso saber metalinguísti-
co: a gramática e o dicionário.”(AUROUX 1992, p. 65)
112
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
113
indígenas na produção de seus sistemas de escrita, é a afirmação da
contradição, ou seja, da busca por uma fissura no arcabouço das ciências
da linguagem que possibilite encontrar a “falha”5. O deslocamento, assim,
pode emergir dos próprios princípios que regem um alfabeto: o princípio
da convenção (regras padronizadas) constitutivo de um sistema ortográfico,
pode ser o elemento capaz de regular, em certa medida, a determinação dos
modelos gramaticais institucionalizados. Dessa perspectiva, a escrita e sua
ortografia são consideradas contratos sociais e, portanto, não seria somente
a “técnica”: a fonologia (1 fonema = 1 grafema), o pedagógico (mais fácil para
ser ensinado/apreendido), o que determinaria um sistema ortográfico. Fazem
parte do empreendimento, portanto, elementos provenientes de demandas
político-sociais.
Dois casos podem ser esclarecedores. Um deles relaciona-se com a proposta
dos povos Guarani que, em seu movimento para o desenvolvimento de um
sistema ortográfico, optaram por representar cada uma das suas variedades
linguísticas (Mbya, Kaiowa e Nhandeva) por sistemas gráficos diferenciados.
Outro, é o caso da língua Quechua quando de sua oficialização, em 1975. Nesse
momento, de acordo com Alfaro6 foi necessário decidir sobre a representação
ortográfica do sistema vocálico do Quechua composto por três vogais: /a/, /i/ e
/u/. Os linguistas propuseram as letras “a”, “i” e “u” para representá-las, o que
foi recusado pelos membros da Academia Cusquenha, que argumentaram não
ser possível aceitar que a língua espanhola tivesse cinco vogais e o Quechua
somente três. A questão foi resolvida com uma negociação, que resultou na
admissão dos alofones [e] e [o] no sistema ortográfico do Quechua.
De tal modo, tanto a concepção “tecnicista” quanto a “político-social” adotadas
no desenvolvimento de sistemas ortográficos, são ambas “determinações
que sustentam um tipo de intervenção” sobre língua (CALVET 2007), o que
corrobora outra afirmação de Calvet (2007) de que a política linguística é
inseparável de sua aplicação:
⁵ “É importante ressaltar que apesar da força engendrada pela colonização linguística, não há
ritual sem falhas. Assim sendo, à revelia da colonização linguística imposta pela metrópole, pe-
quenos lugares de esgarçamento nessa ideologia de dominação pela língua do colonizador vão
sendo constituídos.” (MARIANI 2003, p. 81)
⁶ http://br.groups.yahoo.com/group/etnolinguistica/files/Biblioteca_Virtual/Liderancas_Indigenas.
pdf (agosto 2003)
114
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2 A ANÁLISE
115
2.1 As Propostas Ortográficas
⁷ Variedades do Jaminawa faladas nas Terras Indígenas Cabeceira do Rio Acre, Jaminawa da
Colocação São Paulino, Jaminawa Arara do Rio Bagé, Jaminawa do Igarapé Preto, Mamoadate
e Jaminawa do Rio Caeté.
⁸ A Cartilha Jaminawa não apresenta data, assim tomaremos como referência a data IV Módulo
do Curso de Formação em Magistério Indígena que ocorreu em 2003.
116
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Consoantes
p b n m
t d k r
s h sh tx
ts x y w
Vogais
a e i u
117
no Segundo taller sobre alfabetos de las lenguas del oriente boliviano,
em Tumichukua, do qual participaram os professores Jaminawa: Lucibal
Rodriguez da Silva e Eduardo Melendre Luis e a linguista Pilar Valenzuela. O
Guia tem como finalidade ensinar aos falantes Yaminawa,
118
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
Gramática
Eakikin, Lucille (1991). “Lecciones para el aprendizaje del idioma
yaminawa”. Documento de trabajo 22, Yarinacocha, Peru: ILV Ministerio
de Educación.
Textos
Usudawa, Julio y otros (1994). “Geografia Jaminawa”. XIII Curso de
Formação de Professores Indígenas do Acre e Sudoeste do Amazonas.
Rio Branco, Brasil.
Cartillas de alfabetizacion en yaminawa (serie Kirika), elaborados em el
Perú por el ILV (SILVA e OLIVIO 2003, p. 65)
Consoantes
p t n m
f s x sh
ts ch k j
r y
Vogais
a e i o
119
2.2 Grafemas e Sons
Quadro 1
Alfabeto Yaminawa Alfabeto Jaminawa
(Peru) (Brasil)
- letra “O” Pode variar com - letra “U”
- letra “F” Pode variar com - letra “W”
- letra “M” Pode variar com - letra “B”
- letra “N” Pode variar com - letra “D”
120
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Quadro 2
Quadro 3
121
[ɨ] - ortodoxamente representado na tradição linguística pela consoante “y” -
pode ter sido motivada pelo fato de a letra “y” já ser empregada na ortografia
da língua espanhola para representar tanto a vogal “i” (final de palavra: estoy
“estou”), quanto a aproximante palatal [j] ou a africada palato-alveolar sonora
[dʒ] (de palavras como yo “eu”, ayer “ontem”). A letra “y”, portanto, aparece
como a melhor candidata para grafar a aproximante palatal [j] do Jaminawa.
O grafema “j”, que no espanhol representa a consoante fricativa uvular surda
[x], está sendo usado no Guia para identificar a consoante fricativa glotal
surda [h] (Quadro 2).
A referência feita no Guia, (Quadro 1), às possíveis diferenças entre as
variedades do Jaminawa faladas no Peru e no Brasil: a letra “f” pode variar
com a letra “w”, por exemplo, juntamente com a posição do grafema “f”
no quadro da representação do trato vocálico (Quadro 2), permite que se
aponte duas possibilidades para a identificação do fone por ele representado.
A primeira assumiria que no do Quadro 2, somente o modo de articulação
(fricativa) teria sido representado: “f” grafa a consoante fricativa, labiodental,
surda [f]. Na segunda , “f” representaria a consoante fricativa, bilabial, sonora
[β] e, portanto, tanto modo (fricativa) quanto ponto (bilabial) estariam sendo
indicados no Quadro 1. Essa última possibilidade esbarraria, no entanto, na
identificação equivocada da posição da fricativa, retroflexa, surda [ʂ] que
estaria sendo classificada como palato-alveolar no Quadro 2. De qualquer
modo, a representação dos segmentos consonantais no Quadro 2, não garante
a sua rigorosa caracterização fonética, assim como não há referência à
fonêmica da língua.
Na Cartilha Jaminawa não há qualquer indicação da relação entre sons e
grafemas, o que dificulta ainda mais a análise do material. Entretanto, numa
comparação com o Guia, é possível afirmar que a Cartilha também utiliza a
letra “e” para grafar a vogal central, alta, oral, não arredondada [ɨ] e “y” para
representar a aproximante palatal, sonora [j], sem que a decisão, nesse último
caso, tenha o mesmo valor da convenção proposta pelo Guia: o alfabeto do
português não utiliza a letra “y” a não ser para grafar palavras estrangeiras.
Além disso, a letra “j” presente na ortografia do português para representar
a consoante fricativa, pós-alveolar, sonora [ʒ] não foi utilizada na Cartilha.
A letra “h”, que grafaria, possivelmente, a consoante fricativa, glotal, surda
[h], compõe o quadro dos grafemas consonantais da Cartilha, contudo não
122
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123
2.3 Descrição Fonética dos Segmentos
As Vogais Orais
124
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[us’ka] “cabeça”
[u’pa] “água”
As Vogais Nasais
125
[õ] vogal posterior, média, nasal, arredondada:
[hõ’si] “lontra”
[ɾĩ’mõ] “remo”
[nõ’nõ] “pato”
I) [o] e [u]
126
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04) a. [ɾo’do]
b. ? [ɾu’du] rudu “cobra” (Cartilha)
05) a. [ki’to]
b. ? [ki’tu] kitu “bermuda” (Cartilha)
06) a. [kɨ’ʧo]
b. ? [kɨ’ʧu] kitxo “caneca” (Cartilha)
07) a. [i’to]
b. ? [i’tu] itu “onça” (Cartilha)
127
10) a. [vɨ’ɾu] “olho”
b. ? [fɨ’ɾo] fero “olho” (Guia)
⁹ Conf. Shanenawá (CÂNDIDO 1998, 2004), Katukina (BARROS 1987, AGUIAR 1998), Shawã
(SOUZA 2012)
10
Conf. Ferreira Spanghero (2000) e Ferreira (2005).
128
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
Nos dados CKK, a vogal central, alta, oral, não arredondada [ɨ] que ocorrendo
em contraste em ambientes idênticos, exemplos 12)a-b, é considerada fonema
na língua, pode ser atestada em pelo menos um contexto de variação como
segmento [e], exemplos 13)a-b:
129
e [ã]. Apenas dois possíveis registros de nasalidade vocálica foram observados
nos materiais didáticos: na Cartilha, há uma ocorrência uma vogal nasal na
palavra asĩ “mutum” e no Guia identifica-se uma possível vogal nasalizada por
um segmento nasal na palavra jonsi “zorro”.
Os estudos referentes à natureza da nasalidade nas línguas Pano
mostram-se diferenciados, já que, segundo Cândido (2004), de um lado estão
os pesquisadores - Barros (1987), Paula (1992), Cunha (1993), dentre outros -
que descrevem a nasalidade como uma característica inerente dos segmentos
vocálicos, e de outro, estão aqueles - Loos (1967), Camargo (1991) e Costa
(2000), dentre outros - que sugerem que tal fenômeno seja o resultado do
contato entre a vogal e uma consoante nasal. Cândido (1998, 2004), por sua
vez, assume que no Shanenawa não existem vogais nasais, mas sim vogais
nasalizadas em decorrência do contato com uma consoante nasal adjacente,
portanto, toda a ocorrência da nasalidade em vogais na língua “deve-se ao
contato com um segmento [Nasal], esteja ele em posição heterossilábica [...]
ou tautossilábica”. (CÂNDIDO 2004, p. 62).
Nos dados CKK, identifica-se segmentos nasais adjacentes à vogal em:
Posição heterossilábica
[ʃã’no] “gato”
[nũ’ma] “juriti (ave)”
[sã’mu] “abelha”
[ɾĩ’mõ] “remo”
Posição tautossilábica:
[mãɲ’ja] “banana”
[kãɲ’ja] “rio”
[mɨ̃ŋ’kɨ] “mão”
130
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
[hõn’si] “ariranha”
[uĩn’te] “coração”
[kĩn’te] “panela de barro”
[a’sĩn] “mutum”
[ɾi’mõn] “remo”
[ɾi’mãn] “limão”
Médio
e o õ
Baixo a ã
131
[jo’ba] “peixe”
[badɨ’pɨj] “folha”
[va’ba] “jacaré”
[bɨtu’te] “dedo”
132
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133
[ʃiva’tɨ] “paneiro”
[ʃa’ʃo] “canoa”
[ki’ʃi] “coxa’
134
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[ȿa’wɨ] “jabuti”
[ɨ’wa] “mãe”
[‘taw] “paxiuba”
I) [v] e [f]:
Não foi registrada, nos dados CKK, a ocorrência do segmento [f]. Contudo,
tomando-se a consoante fricativa, labiodental, surda [f] como o segmento
grafado pela letra “f” no Guia (Seção 2.1.2), é possível apontar a variação entre
os segmentos [v] dos dados CKK, exemplos 16)a e 17)a, e [f] do Guia, exemplos
16)b e 17)b:
135
enquanto no Guia há uma proposição mínima sobre relação som e grafema
– representação do trato vocálico e quadrilátero vocálico (Seção 2.1.2) – na
Cartilha Jaminawa não há referência a essa relação:
Registra-se, ainda, nos dados CKK, uma única ocorrência de variação entre
os segmentos fricativos [v] e [h]:
136
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V) [d] e [t]:
137
VI) [b] e [p] :
138
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36) a. [ʃa’nõ]
b. [ȿa’no] shano “gato” (Guia)
139
1998, 2004) e em outras línguas Pano, necessita ser melhor investigada no
Jaminawa. Do que se pode afirmar a partir dos dados aqui considerados, é
que a consoante oclusiva, velar, surda /k/ pode ser considerado fonema no
Jaminawa ao ocorrer em contraste em ambientes idênticos:
[mãɲ’ja] “banana”
[kãɲ’ja] “rio
Aguiar (2004), por sua vez, afirma que a glotal [Ɂ] não um segmento
fonológico, somente fonético:
[…] achamos por bem dizer aqui que a glotal [Ɂ] ocorre na língua no nível
fonético. Se esta glotal - Ɂ - fosse um segmento no nível fonológico, ela
estaria em distribuição complementar com o w quanto à sua ocorrência
na posição de Coda, Ɂ só ocorrendo na coda da sílaba tônica - final- e
w só ocorrendo efetivamente na sílaba átona- inicial. Todavia, a glotal
não tem o comportamento semelhante ao ɾ, ʃ, ʂ, y, e n. Teoricamente,
esses segmentos, incluindo w, podem aparecer tanto em Onset quanto
em Coda de qualquer sílaba, mas a glotal - Ɂ - só ocorre na sílaba
proeminente do IL finalizada em vogal - aberta. Há outras possibilidades
140
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
11
A tradução de “jonsi” como “raposa” (zorro) pode estar equivocada no Guia del Alfabeto Ymai-
nawa. No Shanenawa, o item lexical “lontra” é [fu’siɁ] ~ [fu’seɁ] /fusi/ (CÂNDIDO 2004, p. 36).
141
e são sensíveis ao peso silábico para fins de atribuição do acento. Assim,
retoma-se a proposta de Cândido (2004), para o Shanenawa, na qual a autora
afirma que a glotal [Ɂ] tem um papel decisivo na implementação de sílabas
pesadas que atraem o acento:
[badɨ’pɨj] “folha”
[‘dij] “árvore”
[‘vaj] “roçado”
[ɾupaʃu’tij] “camisa”
[‘taw] “paxiuba”
[u’tis] “unha”
[dɨ’ʂɨʂ] “cigana (ave)”
142
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como uma consoante que a sucede12. A consoante nasal responsável tanto pelo
travamento da sílaba quanto pela nasalização da vogal será identificada no
Jaminawa, preliminarmente, como a nasal alveolar [n]:
[a’sĩn] “mutum”
[ɾi’mõn] “remo”
[ɾi’mãn] “limão”
Nasal m n ɲ ŋ
Oclusiva p b t d k
Tepe ɾ
Fricativa f v s ʃ ʂ h
Africada ts ʧ dʒ
Aproxi- j w
mante
4 ALGUNS ENCAMINHAMENTOS
12
Conforme Souza 2012, Cândido 2004, Camargo (1991), Costa (2000) e Loos (1967).
143
consonantais da língua Jaminawa apresentado no Quadro 7, a análise aponta,
a partir dos critérios de contraste, distribuição complementar e variação livre
para algumas característica da fonologia da língua. A descrição proposta deve
ser tomada como preliminar e tem como finalidade servir como elemento para
a análise dos materiais didáticos aqui em destaque.
As propostas ortográficas para a língua Jaminawa apresentadas pelo do
Guia del Alfabeto Yaminawa (Bolívia) e pela Cartilha Jaminawa (Brasil)
constituem-se diferenciadamente no que diz respeito ao número e à escolha
dos símbolos gráficos, assim como no modo como apresentam a relação entre
fone, fonema e grafema. Enquanto a Cartilha brasileira é omissa sobre essa
questão, o Guia boliviano, mesmo sem fazer referência aos conceitos de fones/
fonemas/alofones, aponta para a distinção entre grafemas e som ao trazer,
por um lado, o quadrilátero vocálico comum à representação das vogais
(Quadro 3) e, por outro, uma representação do trato vocálico com as letras
representativas das 14 consoantes dispostas numa tentativa de indicar os
pontos e os modos de articulação consonantais (Quadro 2).
O Guia sugere também contextos de variação que seriam decorrentes de
diferenças dialetais ao destacar as distintas opções ortográficas nos alfabetos
Jaminawa produzidos no Peru e no Brasil (Quadro 1), os quais foram tomados
como base para a produção boliviana. Já na Cartilha não há menção à
variação, contudo a seleção dos grafemas “b” e “d” (além de “p” e “t”) poderia
indicar especificidades dialetais quando se considera que o Guia afirma serem
as letras “M” e “N” do alfabeto peruano, variações de “B” e “D” do alfabeto
brasileiro, variação esta não observada na Cartilha nem nos dados CKK. De tal
modo, sendo as alusões à variação, quando feitas, decorrência de uma visada
da ortografia e não da fonêmica, a sua compreensão fica mitigada no Guia.
De fato, as proposições sobre o sistema fonético/fonológico do Jaminawa
resultantes da análise dos dados CKK, amplia, por exemplo, o conjunto de
potenciais pares de segmentos consonantais [f] e [v], [v] e [w], [v] e [h], [b] e
[p], [d] e [t], [ʃ] e [ʂ] e vocálicos [o] e [u], [ɨ] e [e] em variação livre, delineando
um contexto de variação motivado também por fatores internos ao sistema
linguístico (estruturais), o que problematiza a suposição do Guia, que toma as
variações como decorrentes de fatores sociais (extralinguísticos).
Retoma-se nesse ponto, a questão, inicialmente, referida: a complexidade
de se desenvolver um sistema de escrita em língua indígena, com a necessária
144
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
145
das quais participaram um grupo heterogêneo de colaboradores: professores,
linguistas e educadores (indígenas e não indígenas), do Peru e da Bolívia.
Os representantes Jaminawa também ganham destaque ao se evidenciar
a participação de Lucibal Rodrigues da Silva, como o professor Jaminawa
que acompanhou o projeto do alfabeto desde sua primeira versão em 1996.
Ao enumerar as revisões pelas quais passou o alfabeto Jaminawa, sendo a
primeira datada de 1996 e a terceira proposta do Guia, do ano de 2003, expõe-
se também a longevidade desse tipo de projeto, que deve ser pensado a longo
prazo. Junte-se a isso, o seu valor político, já que o Guia simboliza também a
acolhida do Estado boliviano ao povo Jaminawa:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
146
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
LOOS, E. E. The Phonology of Capanahua and its Grammatical Basis. Tesis para
optar el grado de Ph. D. Especialidad en Linguística. Austin: University of Texas
at Austin, 1967.
147
SAUSSURE, Ferdinad de. Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix, 1991.
SOUZA, Emerson Carvalho de. Aspectos de uma gramática Shawã (Pano). Tese
de Doutorado. IEL – UNICAMP. 2012.
148
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
O ENSINO E A APRENDIZAGEM NA
ESCOLA BELA FLOR ANTES E DEPOIS
DO PROJETO OBSERVATÓRIO DA
EDUCAÇÃO NA FRONTEIRA
Antonia Maria de Oliveira Nery1
Jhonier Kellyn Thomaz Lima2
Margarida Mitsue Ueno3
RESUMO
O presente texto tem por principal objetivo socializar os resultados obtidos sobre
o ensino e a aprendizagem antes e depois do desenvolvimento do trabalho de
observação e intervenção sobre bilinguismo e línguas fronteiriças, na escola de
Ensino Fundamental (séries iniciais) Bela Flor, no município de Epitaciolândia -
Estado do Acre, fronteira com a Bolívia, Pando - Cobija. Em colaboração à inicia-
tiva e coordenação da equipe, o Projeto Observatório da Educação na Fronteira
(OBEDF) prevê duas ações prioritárias: sistematizar os modos de ensino de lín-
gua em cinco escolas de Ensino Fundamental (Escola Municipal Maria Ligia Bor-
ges Garcia, Escola Polo Municipal Ramiro Noronha em Ponta Porã (MS), Escola
Estadual de Ensino Fundamental Durvalina Estilbem de Oliveira, Escola Munici-
pal de Educação Infantil e de Ensino Fundamental Floriza Bouez em Guajará Mi-
rim (RO) e Escola Municipal de Ensino Fundamental Bela Flor em Epitaciolân-
dia (AC)); e realizar um diagnóstico sociolinguístico com o objetivo de conhecer
o perfil dos estudantes dessas escolas sediadas em região fronteiriça brasileira.
Acrescenta-se a isso, como parte específica da escola, relato do que foi observado
sobre o ensino e a aprendizagem dos alunos bilíngues, falantes do português e
do espanhol ou descendentes de bolivianos, na instituição de ensino Bela Flor.
149
1 INTRODUÇÃO
150
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a grande importância do olhar que deve ser voltado à escolha da língua que
fará parte de seu currículo. Assim, a instituição deveria compreender a língua
de fronteira não como língua de aprendizagem, mas como língua de instrução.
Em 5 de agosto de 2005, foi implantada no Acre a Lei n. 11.161, que tornou
obrigatória a presença do espanhol no Ensino Médio das escolas brasileiras
e, em 2011, foi fundado o Centro Estadual de Línguas no Acre. Porém, isso
não foi suficiente para atender a necessidade que se faz presente nas escolas
acreanas, em especial nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
O presente texto deixa evidente que é nas séries iniciais o momento
mais apropriado para as crianças absorverem e construírem conhecimento
com maior facilidade e naturalidade, embora seja necessário que a escola
conheça e identifique a realidade cultural e intelectual de cada criança. Em
específico, o texto detalha as dificuldades e os avanços de aprendizagem das
crianças bilíngues, falantes do português e do espanhol, estudantes da escola
municipal Bela Flor na área de fronteira com a Bolívia (Pando, Cobija) e o
Brasil (Epitaciolânida, no Acre).
2 DESENVOLVIMENTO
151
como fazem regularmente em casa, no convívio com os pais, quando um é
brasileiro e o outro, boliviano.
No relacionamento com a família, a concretização dessas trocas linguísticas
pode ser estritamente oral ou constituir práticas de aprendizagem, quando
nela intervêm, direta ou indiretamente, os textos escritos.
Na sala de aula, ao invés de se calarem, ficarem apáticas, tais crianças
deveriam ser sujeitos participativos das tarefas propostas pelo professor,
como, ouvir, falar, discutir, questionar, fazer inferências, participar de
práticas de ensino e de aprendizagem que contribuam para a formação do seu
conhecimento como participantes desse processo, que, através da interação
com sua turma, obtêm e, ao mesmo tempo, repassam suas experiências de
vida para outros.
O ideal é que a escola torne-se uma extensão de suas casas, onde vivenciam
todos os dias a evolução cada vez maior da tecnologia, por meio da qual
pessoas do mundo inteiro podem comunicar-se a qualquer momento, criando
elos entre diferentes grupos sociais. Isso ocorre de várias maneiras, seja pelos
meios de comunicação de audiovisual, seja através de redes sociais de páginas
de internet, como o Orkut, Facebook, Twiter, e-mails, salas de bate-papo,
blogs, entre outros.
Assim, os indivíduos estão inseridos num processo de inter-relação
com a linguagem, porque tomam para si os conhecimentos de mundo, dos
contextos sociais e, ao mesmo tempo, estão transmitindo, para os seus
interlocutores, seu repertório linguístico, que se aprimora à medida que
eles transitam pelo contínuo de oralidade e aprendizagem, o que representa
adquirir conhecimentos sempre, em todos os eventos dos quais participam,
principalmente no espaço escolar, onde deve se concretizar a socialização
desses conhecimentos.
Desde sua fundação, em 2006, a clientela da escola Bela Flor é bem
heterogênea. Formam a comunidade escolar tanto crianças brasileiras quanto
bolivianas ou descendentes de bolivianos.
Conforme depoimento de pais, são dois os principais fatores para adesão
às escolas brasileiras: o primeiro é por serem filhos da união de brasileiros
com bolivianos, o que automatiza esse direito sem nenhuma burocracia;
e o segundo é porque a família boliviana vê no ensino do Brasil um melhor
aproveitamento, desempenho e preparo acadêmico, pelo fato de o ensino no
152
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
153
as crianças falavam apenas em português. Foi necessário recorrer às fichas
de matrícula das crianças, nas quais se observou a demanda de 418 alunos,
entre o 1º e o 5º ano, dos quais 4% eram filhos de bolivianos com brasileiros
ou descendentes.
Durante esse processo de identificação de crianças falantes de outra língua
ou de descendentes de outra cultura (boliviana, mais especificamente, por ser
área fronteiriça com a Bolívia), observou-se pelas informações nas fichas de
matrícula que, em sua maioria, as crianças filhas de bolivianos com brasileiros
são registradas no Brasil e que tanto o registro de nascimento quanto a ficha
de matrícula da escola deixam muito a desejar na parte de identificação dos
dados familiares dos pais das crianças. Um dado interessante é que todos
apresentam comprovante de residência brasileira, mesmo morando na
Bolívia. Isso ocorre com filhos de casamento de brasileiros com bolivianos e
com filhos de casais bolivianos, talvez pelo fato de terem algum tipo de contato
direto com famílias brasileiras, seja por questões de trabalho, seja por laços
familiares, resultantes da união matrimonial ou trabalhista entre as duas
culturas. Acredita-se que apresentar um comprovante de residência brasileira
é uma forma de garantir vaga na escola.
Realizado o levantamento, houve a necessidade de repensar, em colaboração
com o OBEDF, a metodologia do trabalho docente e lançar um novo olhar
às crianças bilíngues e/ou descendentes de bolivianos. A partir dessa nova
visão, percebeu-se que lidar com uma segunda língua torna a sala de aula um
ambiente com necessidades especiais por várias situações, como o silêncio
das crianças, a inexperiência ou falta de conhecimento dos professores para
lidar com a situação, a ausência da família na escola e o medo de seus filhos
sofrerem preconceito por falarem diferente, ou por falarem outra língua, e,
ainda, o baixo nível de aprendizagem de tais crianças.
Algumas ações foram sugeridas pela equipe do OBEDF para auxiliar os
professores no acompanhamento das crianças que vivem em ambientes
bilíngues, buscando adequar o ensino à capacidade cognitiva das crianças
através de brincadeiras, leituras, produção de listas, narração de histórias,
apresentação de vídeos infantis, músicas e danças, visitas à feira livre,
onde é reservada uma galeria de barracas de venda aos bolivianos, que por
coincidência fica ao lado da escola. Atividades pensadas e planejadas com o
objetivo de envolver e estimular as crianças à aprendizagem.
154
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
155
das crianças no que se refere ao seu perfil sociolinguístico. Por utilizarem mais
o espanhol em suas casas, era natural que nas atividades de escrita algumas
misturassem português e espanhol, como por exemplo, ao escrever a palavra
pão escreviam pan (em espanhol). Isso somente foi compreendido pelos
professores após o início do Projeto Observatório da Educação na Fronteira
através do trabalho de observação.
As atividades eram baseadas em: visitas com os alunos à feira livre ao
lado da escola, nas barracas bolivianas, com pesquisa de preços de produtos
como brinquedos, relógios, roupas etc., na qual os alunos se comunicavam
em espanhol; leituras e narração de histórias em espanhol; rodas de conversa
em espanhol; vídeos de músicas e filmes; apresentações culturais; leituras de
listas diversas; uma hora de oralidade em espanhol (comunicação informal)
envolvendo todos na escola.
Essas atividades tornaram-se rotina na primeira hora de toda sexta-feira.
Quando um professor falhava com a atividade, as crianças demonstravam
imediata insatisfação, recorrendo à equipe de coordenação para que fosse
tomada providência. As crianças passaram a envolver seus familiares em casa,
falando em espanhol com os pais, irmãos, avós, parentes que tinham algum
tipo de contato com a língua espanhola. Muitas crianças desenvolveram a
curiosidade e passaram a fazer perguntas aos pais e familiares sobre como se
falava isso ou aquilo em espanhol e a fazer visitas a seus parentes residentes
na Bolívia apenas com a intenção de se comunicarem na língua. Portanto, está
evidente que a criança consegue muito facilmente envolver-se e distinguir
as diferenças de pronúncia e entonação que existem entre as línguas sem
inibição.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
156
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
cultura, mas consciência de que ela deve ser levada em conta no processo
de acompanhamento da aprendizagem, ou seja, devem estar disponíveis a
abraçar novos desafios.
Pode-se dizer que a escola Bela Flor tem sido um palco positivo, pois seus
educadores, não apenas os docentes, mas também os da administração, da
alimentação, da higiene escolar, entre outros, vêm colaborando satisfatoriamente
no desenvolvimento dessa experimentação bilíngue, conscientes de que a língua
de fronteira é imprescindível nas escolas fronteiriças, pois envolve diversas
atividades sociais, como a identidade cultural, a valorização e o respeito da
diversidade, a integração e a pluralidade social e cultural.
Sabe-se que a aprendizagem acontece não somente dentro da sala de aula,
mas é nela que ocorre sua sistematização. Considerando que o que se observa
sobre o ensino de língua de fronteira nas escolas do Estado do Acre nas séries
finais do Ensino Fundamental é apenas um cumprimento de carga horária,
na qual o aluno estuda apenas para adquirir notas, ignorando completamente
a importância da aprendizagem para enriquecer seu repertório cultural e
intelectual, é evidente a necessidade de se refletir a respeito da metodologia
utilizada no desenvolvimento de ensino. E, para garantir que as atividades
sejam continuadas na Escola Bela Flor, elaboramos o Projeto “Bilinguismo
na Escola Bela Flor”, como parte específica da instituição, que foi incluído no
Plano de Desenvolvimento – PDE da escola.
O Projeto Escolas de Fronteiras do MEC diz que:
157
uma língua, o que contribui para a qualidade da educação e para o
aprimoramento de suas relações comunicativas, tendo em vista que
esses alunos encontram-se, em maior ou menor grau, expostos a
situações de utilização de ambos os idiomas.
REFERÊNCIAS
158
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
CONSTRUÇÃO CURRICULAR
NA PERSPECTIVA DE UMA
ESCOLA BILÍNGUE NA FRONTEIRA
BRASIL/BOLÍVIA
Ariádne Gomes de Souza1
Aurelúcia Moura dos Santos2
Sandra Lima Karantino Abiorana3
RESUMO
Este artigo apresenta o perfil sociolinguístico de uma das escolas públicas loca-
lizadas na cidade de Guajará-Mirim/RO, na fronteira Brasil/Bolívia, juntamente
com uma discussão sobre construção de um currículo escolar intercultural bilín-
gue/plurilíngue de fronteira que atenda aos anseios dessa comunidade escolar.
Observa-se a emergente necessidade de ser inserida no currículo escolar uma
proposta ou modelo de ensino que satisfaça as expectativas dessa comunidade de
zona de fronteira, estreitando laços de interculturalidade com a cidade fronteiriça
– com ênfase no ensino do português e do espanhol.
1 INTRODUÇÃO
159
a partir dos falantes da língua e da influência dos meios de comunicação, em
particular do rádio e da televisão de cada lado da fronteira.
É assim na área que limita o Brasil e a Bolívia, por exemplo, onde estão
presentes, entre outras línguas, o português e o espanhol. E é nesse contexto
linguístico que se encontra a Escola Estadual de Ensino Fundamental Durvalina
Estilbem de Oliveira, localizada entre Guajará-Mirim/RO e Guayaramerin,
na Bolívia. Essa escola, nos últimos anos, vem buscando, através de estudos e
pesquisas cientificas, apresentar uma educação para escolas de fronteira e/ou
programa de educação intercultural a sua comunidade escolar, na tentativa
de concentrar esforços para a construção de uma identidade bilíngue.
Nessa perspectiva, estabelecemos a parceria com o projeto Observatório
da Educação na Fronteira (OBEDF), que tem por objetivo construir um
panorama qualificado da situação linguística em escolas da fronteira,
observando seu reflexo sobre os processos de aprendizagem, notadamente
da língua portuguesa, em alunos de séries iniciais. Tal parceria fortaleceu o
trabalho que já vinha sendo estudado e enriqueceu a troca de conhecimentos
e possibilitou ações a serem aplicadas na escola.
Por meio de instrumentos de observação aplicados nas salas de aula e
planejados com o OBEDF, a “rotina das aulas” foi modificada de modo que
as professoras puderam fazer um acompanhamento sistemático e contínuo
de suas aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental, inicialmente no 1º e
2º anos e posteriormente no 3º e 4º anos, objetivando melhor compreender
como o ensino da língua portuguesa é desenvolvido na escola e de que modo
se dá a aquisição da leitura e da escrita pelos alunos falantes de outras línguas,
que não o português.
160
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
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161
Gráfico 2: -ÓOHVBEFDMBSBEBQFMPs alunos de acordo com a procedência no
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5
Definem as variedades sociais ou dialetos sociais, com as suas variedades diatópicas, diastráticas
e diafásicas, como línguas com teto.
162
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
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DO OBEDF E ENTREVISTAS COM OS PAIS, 2011.
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FONTE: INSTRUMENTAIS DE OBSERVAÇÃO
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Vale aqui ressaltar que foi dada ênfase à linguagem verbal e não à escrita
por ser aquela a mais utilizada cotidianamente em diversos ambientes dentro
e fora da escola, inclusive nas idas a Bolívia por qualquer motivo, não só pelos
alunos, mas pelos pais, professores, turistas, etc. Isso acaba interferindo na
continuidade do uso da escrita na sua língua, por acreditarem que não há mais
necessidade de aprofundamento, principalmente por parte dos alunos que
foram alfabetizados na Bolívia.
Com a apropriação dessas informações obtidas através dos Relatórios de
Interação no Espaço Escolar, na aplicação do Diagnóstico Sociolinguístico I,
na participação em algumas fases de aplicação do Diagnóstico Sociolinguístico
II do OBEDF e com o apoio das pesquisas e entrevistas de cunho científico
realizadas em estudos anteriores, apresentam-se alguns pontos positivos e
dificuldades encontradas na convivência diária com esses alunos:
163
Pontos positivos e dificuldades de convivência com os alunos bolivianos
no ambiente escolar
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164
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
⁶ Entende-se por ‘interculturalidade’ um conjunto de práticas sociais ligadas a ‘estar com o outro’,
entendê-lo, trabalhar com ele, produzir sentido conjuntamente. Como em toda prática social, in-
terculturalidade se vive à medida que se produzem contatos qualificados com o outro. Ou ainda,
como conhecimento sobre o outro, sobre o outro país, suas formas históricas de constituição e
de organização, conhecimentos que precisam estar presentes curricularmente nos projetos de
aprendizagem planejados e executados nas escolas.
165
uma grande oportunidade de entrar em contato com outros mundos e
terão mais dificuldades de entender as diferenças; fechando-se para a
riqueza cultural da humanidade, elas perderão também um pouco de
capacidade de aprender a se humanizar [grifos do autor].
Ainda nesse contexto, Santos (2011, p. 41-42), afirma que “Faz-se necessária
uma reflexão sobre o futuro das crianças e adolescentes que convivem nesse
espaço fronteiriço ‘privilegiado’ que não é ‘privilegiado’.”
As políticas devem estar voltadas para a construção de uma cidadania
regional, bilíngue e intercultural, propugnando uma cultura de paz e de
cooperação interfronteiriça.
Há a necessidade de difundir o aprendizado do português e do espanhol
por meio dos sistemas formais e não formais, considerando como áreas
prioritárias o fortalecimento de identidade regional, o que leva dessa forma ao
conhecimento mútuo, a uma cultura de integração e à promoção de políticas
regionais de formação de recursos humanos visando à melhoria da qualidade
da educação.
É preciso avançar na sensibilização ao aprendizado dos idiomas oficiais do
Mercosul. Cita-se aqui um aspecto apresentado na reunião7 de Ministros da
Educação do Setor Educacional do Mercosul, no qual defendem “a educação
como espaço cultural para o fortalecimento de uma consciência favorável
à integração, que valorize a diversidade e reconheça a importância dos
códigos culturais e linguísticos”.
E, de acordo com Morello (2009), a implementação de políticas linguísticas
propõe o agenciamento de novos mecanismos de representação de variados
setores da sociedade. Mas esse agenciamento tem por suporte os vínculos
sociais e os mecanismos que instalam. Os vínculos afetam a consecução de
políticas públicas, interferindo em sua capacidade de estabelecer lastros
identitários, não sendo apenas seus efeitos. A atenção sobre esses vínculos
nos indica os modos de relação cultural que constituem os espaços simbólicos
compartilhados, desenhando redes de sustentação para as iniciativas das
políticas públicas. Mais um desafio, portanto, mobilizado pelas atuais políticas
para a diversidade.
⁷ Reunião realizada em Assunção / Paraguai, no ano de 2001, quando foi aprovado o Plano de
Ação do Setor para 2001-2005.
166
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
4 ADEQUAÇÕES PEDAGÓGICAS
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FONTE: SANTOS, 2011 E RELATÓRIOS
FINAIS DO OBEDF, 2011/2012.
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167
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
168
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
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da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
DIFERENÇAS E PRECONCEITOS
LINGUÍSTICOS – DESAFIOS
PARA A ESCOLA PÚBLICA
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
Para que o ensino de línguas nas escolas seja efetivo, torna-se necessária a
conscientização sobre a diversidade linguística.
171
Felizmente, essa diversidade já é observada pelas instituições oficiais
encarregadas de planejar a educação no Brasil. Assim, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), publicados pelo Ministério da Educação e do
Desporto em 1998, observa-se que:
172
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
3 O CONTEXTO DA PESQUISA
173
• alunos indígenas das etnias Oromon e Macurap que só falam a língua
indígena com a família; e
• alunos bilíngues que usam uma segunda língua na escola e em casa.
No decorrer das observações, encontraram-se as seguintes dificuldades:
• alunos dentro do perfil observado com dificuldades de leitura e escrita;
• preconceito dos colegas com os alunos indígenas e descendentes de
bolivianos;
• resistência das famílias em assumir as origens;
• desinteresse dos alunos em realizar as atividades propostas em sala de
aula; e
• professores que não sabem falar espanhol para trabalhar uma segunda
língua em sala de aula.
174
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
175
É necessário que a escola reconheça a riqueza da diversidade, encarando-a
positivamente como uma grande oportunidade de capitalizar novas aprendiza-
gens. Só então estará consolidando o princípio da escola inclusiva, defendendo
a ideia de que a diversidade deve ser aceita e respeitada, na cultura e na língua
do outro.
De acordo com Pessini (2003), a baixa proficiência na língua de interação
em sala de aula coloca o aluno falante de uma segunda língua numa relação
de desigualdade com os demais, na qual as chances para um desenvolvimento
so-cial e acadêmico serão mínimas, a menos que se tomem providências
para superar a limitação imposta pela barreira linguística, que interfere nas
oportunidades de sucesso de aprendizagem do aluno nas diversas disciplinas
do currículo e na sua verdadeira integração à escola. Não é essa, como aponta
Freitas (2006), a essência das atuais políticas públicas de educação que
buscam incluir e garantir uma educação de qualidade para todos?
Para melhor retratar a realidade desses alunos sem domínio da língua
de escolarização, foi importante pesquisar, também, o que os professores
tinham a dizer com relação às dificuldades que esses alunos apresentam
em sala de aula. Foi relatado que, quando se deparam com as dificuldades
enfrentadas pelos alunos, os professores percebem-se angustiados por não
contar com apoio de nenhum projeto pedagógico ou orientação da SEMED
(Secretaria Municipal de Educação), de recursos ou capacitação que os auxilie
a encaminhar a questão.
Quanto ao interesse dos professores no sentido de ajudar os alunos a
superar a barreira linguística, não é plausível esperar que apenas o professor
ajuste sua prática pedagógica para lidar com esses alunos em sala de aula, sem
que lhe seja provido o devido preparo, necessário para ensinar o português
com a abordagem de segunda língua. O projeto político pedagógico da escola
deverá garantir a implementação de ações que visem à integração desses
alunos à realidade escolar. Os professores que recebem os alunos falantes
de espanhol em suas salas de aula não tiveram a formação específica para
lecionar aulas em espanhol e sentem-se despreparados, não confiantes, o que
é perfeitamente compreensível.
Houve, durante a pesquisa, a oportunidade de constatar ações como a
realização de aulas em espanhol ministradas pelas professoras participantes
da pesquisa. Tratou-se de uma iniciativa pontual, em resposta à demanda dos
176
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
alunos bolivianos matriculados nessa escola que não tinham o domínio da língua
portuguesa. O rendimento escolar desses alunos melhorou, bem como se percebeu
a diminuição do preconceito existente por serem falantes de outra língua.
Observou-se, portanto, que determinadas atitudes, como o desenvolvimento
de aulas em português e espanhol; reuniões com pais e professores, orientando-
os sobre como trabalhar com alunos falantes de outras línguas em sala de aula;
encaminhamento dos alunos com dificuldades de aprendizagem ao Centro
Multidisciplinar para atendimento especializado; e realização de palestras
educativas para funcionários, alunos e pais, contribuíram para minimizar as
dificuldades dos alunos à integração no sistema escolar.
177
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
178
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 28ª ed. São Paulo: Loyola, 2004
179
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
181
suas comunidades escolares. Nesse sentido, a Escola Polo Municipal Ramiro
Noronha (EPMRN), localizada no município de Ponta Porã – MS/Brasil,
conta com uma comunidade estudantil composta de aproximadamente 1.500
alunos, dos quais uma média de 85% são brasiguaios4 e bilíngues, que utilizam
uma língua diferente na comunicação no dia a dia: o jopará5. O jopará é uma
mescla do espanhol com o guarani, ou com o portunhol, uma mistura de
português com o espanhol, linguajar típico da fronteira, que se diferencia,
do lado paraguaio, até mesmo de outras localidades paraguaias e, do lado
brasileiro, de outros municípios.
Essa complexidade linguística, com que os alunos convivem naturalmente
em seus lares, provoca um estranhamento e um desafio para a escola, em espe-
cial no processo de alfabetização, pois muitas vezes gera dificuldades tanto
para os alunos quanto para os professores na consecução de seus objetivos.
Entendendo essa realidade como uma característica das escolas situadas
em região de fronteira, a EPMRN, a partir do projeto Dois países, uma só
Cultura (concebido pela direção da escola) e da participação dessa escola no
projeto OBEDF- Observatório da Educação na Fronteira, vem desenvolvendo
um trabalho, muito específico, por parte dos educadores, que visa a atender
essa peculiaridade, explorando a bagagem linguística e cultural dos alunos
com o objetivo de socializá-los, respeitando suas características psicossociais.
A língua é um fator extremamente importante para formação da identidade
cultural, à medida que demarca comunidades, grupos étnicos e serve de
expressão, em diferentes níveis, pois configura as diferenças sociais no meio
de uma comunidade. Uma grande porcentagem de alunos que residem no
Paraguai convive com a língua espanhola e guarani no lar e com o português
na escola, pois muitas famílias, devido à situação geográfica e a migrações,
são de origem paraguaia também. Não raro há famílias em que os pais são
brasileiros e paraguaios, residentes no Brasil ou no Paraguai, ou, ainda, pais
brasileiros e avôs paraguaios.
A reflexão sobre a realidade dessa escola promoveu questionamentos que
se busca responder no desenrolar deste artigo.
4
Brasileiros residentes no Paraguai, que incorporaram a cultura paraguaia ao seu cotidiano e/
ou vice-versa.
⁵ Língua resultante da mescla do espanhol com o guarani (dialeto muito utilizado no Paraguai).
182
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
183
alunado que apresenta uma linguagem mesclada. Essa dificuldade deve-se
ao fato de que muitos educadores não possuem a formação ou conhecimento
necessários das línguas envolvidas (espanhol e guarani) na questão.
Tendo-se como pressuposto que a aprendizagem de uma nova língua
implica, concomitantemente, o conhecimento de uma nova cultura, podemos
deduzir que daí partem as dificuldades enfrentadas pelo sistema de ensino
que não se encontra preparado para atender o bilinguismo dessa criança.
Trata-se, então, de inserir o conteúdo escolar propriamente dito à experiência
linguística (bilinguismo) que já compõe a vivência do aluno, isso é, deve-
se “acrescentar” e não “sobrepor” uma língua (cultura) a outra. Em outras
palavras, é preciso apoderar-se de um sistema cognitivo através de outro
traduzindo uma forma de pensar, organizar e estruturar o mundo de forma
distinta. Esse processo é difícil de ser realizado por quem não está habituado
e preparado para lidar com o bilinguismo e pode constituir um obstáculo
considerável à aprendizagem.
Pode-se afirmar que o processo de aquisição de uma língua e de todos os
conteúdos dependentes ou não desse aprendizado não começa na escola. Ao
contrário, sons e estruturas gramaticais da língua materna já são dominados
pela criança antes de sua chegada ao ambiente escolar.
Considerando-se os fatores observados nas pesquisas de campo, pode-
se demonstrar os resultados através de gráficos, que concretizarão frente os
nossos olhos a realidade vivida pela escola na cidade de Ponta Porã.
Ao analisarmos os gráficos apresentados nos resultados parciais do
diagnóstico sociolinguístico da escola, realizado pelo IPOL Instituto de
Informação e Desenvolvimento em Política Linguística, algumas questões
conduzem à reflexão. Neste artigo algumas respostas obtidas são apresentadas
a partir das observações sistematizadas realizadas nas mais diversas turmas e
nos níveis escolares ao longo da participação no OBEDF.
184
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
185
brasileiros (conforme a demonstração nos gráficos), a maioria deles encontra
dificuldades com a escrita e com a leitura da língua portuguesa, pois, para
muitos, especialmente os que ainda residem em Pedro Juan, as línguas
maternas são o espanhol e/ou o guarani. Além de se constatar a dificuldade
com a língua portuguesa, pode-se acrescentar outro aspecto, especialmente
para os casos em que só o aluno é brasileiro dentro de uma família paraguaia:
a presença do “guarani”, uma das línguas oficiais do povo paraguaio, de
origem indígena.
O guarani se faz presente na maior parte das famílias paraguaias. É daí que
provém um dos maiores desafios para o aluno, especificamente no tocante
ao letramento, pois, em casa, a língua utilizada é o espanhol, o guarani e
“jopará”, que torna a língua portuguesa uma “língua estrangeira” para o aluno
da fronteira que, embora cidadão brasileiro, até então não havia tomado
conhecimento da língua oficial do país, visto que para ele a língua materna
é o espanhol ou guarani. Porém, em idade escolar, precisa apropriar-se do
português na escrita e na fala.
O espanhol, conforme se observa, representa a língua materna para um
numeroso grupo de alunos da escola que, mesmo residindo no Paraguai e
falando espanhol e guarani, identificam-se como “brasiguaios”.
Para a criança em idade escolar, que aprendeu o espanhol e o guarani
antes do português, a escrita e a leitura dessa terceira língua torna-se
muito difícil, pois ela não conhece o significado das coisas que “precisa ler e
escrever”. Daí advém todas as dificuldades devido ao preconceito linguístico
muito característico nessa região específica de fronteira. Conhecendo essa
característica da clientela, foi implantado na gestão 2008/2012 um projeto
pedagógico intitulado “Dois Países, uma só Cultura”, que, segundo sua
idealizadora, teve como missão: “Tornar-se referência na prestação de serviço
educacional em tempo integral, valorizando a cultura fronteiriça, resgatando
valores e enaltecendo o futuro cidadão, mantendo-se suas raízes, seus
costumes e sua identidade.” (CÂNDIA, 2008, p.11).
O projeto teve como objetivo fazer com que a Escola Polo Municipal Ramiro
Noronha estimulasse a valorização da integração cultural dos educandos,
possibilitando-os a reflexão sobre a relevância dos hábitos culturais fronteiriços
e, principalmente, incentivando-os à preservação desses hábitos como marcas
de identidade social e exteriorização de valores pessoais.
186
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
Pode-se constatar que, embora apenas 30% dos alunos declarem ter
o português como L1, e 16% declare não ter essa língua como L1, sendo
falantes, em casa e como língua materna, do espanhol ou do guarani ou do
jopará, a escola não possui uma metodologia adequada à integração das
línguas no ensino como um instrumento de letramento. Ou seja, o aluno fala
outras línguas, mas aprende a ler e escrever (nos anos iniciais) apenas em
português em razão da falta de formação e preparo do corpo docente e da
própria instituição para lidar com essa realidade. Esse fator faz com que não
consigamos sistematizar uma pedagogia na escola que inclua as outras línguas
que por ventura o aluno possa conhecer. Isso é, devido às limitações deixa-
se de lado a língua que o aluno fala em família e, na escola, este passa a ser
“brasileiro”, falando e escrevendo apenas em língua portuguesa.
187
de a maioria dos professores não conhecer a gramática da língua espanhola,
pois o ideal visto pelo professor é o espanhol standard (padrão), um espanhol
mais normatizado, menos popular, diferente do portunhol, híbrido linguístico
falado pela maioria das pessoas da região fronteiriça.
A dificuldade que se enfrenta, na verdade, é o preconceito que existe em
relação ao espanhol que é popularmente falado, dado observado constantemente
durante o desenvolvimento do projeto do OBEDF.
⁶ A língua guarani tem tido seu estatuto e âmbitos de uso fortemente promovidos nos últimos
anos. CF. as ações da Secretaria de Políticas Linguísticas do Paraguai.
188
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
189
processo de letramento, se ele partisse da exploração da língua materna do
aluno, independentemente de ser brasileiro ou paraguaio. Dentre os motivos,
pode-se citar: a interpretação, a leitura, a escrita, a percepção e leitura do
mundo, a facilidade de compreensão, a valorização de sua própria identidade,
a descoberta de cultura diferente, etc.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
190
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
pode transferir sua habilidade de ler de uma língua para outra.” (POLÍTICAS
EDUCACIONAIS, 1992, p.15) Aliando-se os conhecimentos informais relacio-
nados à língua materna, que formam a bagagem cultural dos alunos, ao que se
propõe como objetivo fundamental para a exploração da língua portuguesa,
é possível facilitar a aprendizagem de uma segunda língua e, portanto, o
acesso a uma nova cultura. Note-se, porém, que, ao falar-se em L2, engloba-
se não apenas a oralidade da língua, mas, sim, a escrita e todos os aspectos
relacionados à gramática, leitura e escrita, isto é, a aprendizagem sistematizada
e o domínio de outra língua.
Ao falar-se em “aprender” uma nova língua, não se pretende que o aluno
apenas fale em português e/ou espanhol; pressupõe-se que o ele terá o mesmo
conhecimento de uma ou de outra língua, já que a proposta deste estudo é que
o aluno que ingressa na escola de região de fronteira tenha a possibilidade de
ser alfabetizado na sua língua mãe, o espanhol, devido à alta incidência de
alunos paraguaios na escola.
Entende-se que existe a necessidade urgente das escolas de reconhecerem
que os alunos da região de fronteira já são naturalmente bilíngues e que
cabe apenas ao sistema escolar aprimorar esse conhecimento, oferecendo
subsídios técnicos para que as habilidades necessárias à sistematização sejam
evidenciadas e desenvolvidas no aluno. Sabe-se que a definição da língua
materna do aluno é muito importante, pois poderá ser a ponte utilizada na
aprendizagem de outra língua.
Diante do quadro exposto e delineado pelo projeto desenvolvido pelo
OBEDF, essa escola propõe uma imediata e inovadora prática docente, na
qual a exploração do espanhol e do guarani, nos anos iniciais, sejam subsídios
para alavancar a aprendizagem do português, isso é, a exploração da bagagem
cultural do aluno deve ser mais valorizada e, portanto, a sua identidade
preservada.
Propõem-se, ainda, que novos estudos de atualização e capacitação sejam
oferecidos aos professores da escola e da rede de ensino para que sejam
capazes de atuar com segurança na sua função, explorando as riquezas que
oferece uma realidade multicultural.
Por fim, agradecemos ao OBEDF pela oportunidade dada à Escola Polo
Ramiro Noronha, representada na pessoa da atual gestora Diretora Ana
Cristina Espínola Cândia, à Coordenadora Maria Helena Silva, que esteve
191
presente em todas as etapas deste trabalho, às Professoras Ana Lúcia Guieiro
e Rosimar dos Santos Alves, companheiras incansáveis nesta jornada, às
Professoras Martha Ruiz, Kátya Soto e Édna Ferreira, que foram incansáveis
no assessoramento ao grupo de trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANDIA, Ana Cristina Espínola. Projeto “Dois Países, Uma Só Cultura”, 2008.
192
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
193
monolíngue, que contribui, como consequência, para a formação de uma nação
cuja maioria de professores do Ensino Fundamental é monolíngue em língua
portuguesa. Além das limitações do ponto de vista da comunicação e do acesso
a uma gama de possibilidades que o conhecimento de outra língua oferece aos
indivíduos, o quadro revela-se crítico quando, ao olharmos atentamente para
a composição linguística do país, verificamos que o Brasil é, na verdade, um
país plurilíngue, o que se vê refletido no cotidiano das práticas linguísticas de
muitas comunidades, em muitas escolas.
Em contextos de imigração, de comunidades indígenas, de espaços de
fronteiras internacionais, bem como em razão da grande comunidade de
surdos existente neste País (CAVALCANTI, 1999), a presença de indivíduos
bilíngues em salas de aula é uma constante em inúmeras escolas públicas
brasileiras. Essa questão precisa ser enfatizada na agenda da formulação de
propostas de valorização da diversidade, uma vez que tem ocupado espaço
significativo nas discussões no âmbito da educação. Entendendo a diversidade
linguística não só do ponto de vista variacional em torno dos usos da língua
portuguesa, mas da coexistência de línguas distintas, diferentes propostas e
estratégias metodológicas precisam ser levadas em consideração. Assim, será
possível melhor acolher indivíduos bilíngues em suas identidades linguístico-
culturais nos espaços da escola e propiciar condições para que desenvolvam
e valorizem seus idiomas concomitantemente à aprendizagem da língua
majoritária do país.
Regiões de intenso contato de línguas e culturas, as fronteiras nacionais
representam um grande desafio para todos aqueles que participam da
gestão da educação em seus diferentes níveis, seja no âmbito da idealização
e proposição de políticas educacionais, seja no âmbito da implementação
dessas políticas por meio dos procedimentos didático-pedagógicos nos
espaços de instrução (planejamento linguístico-educacional). Assim, o projeto
Observatório da Educação na Fronteira (doravante OBEDF), concebido a
partir do programa Observatório da Educação3,representou um grande passo
em direção ao fomento de pesquisas no âmbito da educação no contexto das
fronteiras brasileiras, visando a fortalecer a interlocução entre pesquisadores
194
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
195
autoridade e os gestores de línguas locais (a exemplo dos professores)
estão sob grande pressão daqueles que hierarquicamente possuem
maior autoridade, seja no interior do domínio ou fora dele. (SPOLSKY,
2009, p. 114) [tradução minha].
196
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
197
brasileiro, a escolha pela oficialização da língua portuguesa como língua
nacional, como um dos símbolos da cultura brasileira, refletirá em todo um
conjunto de saberes e práticas no País. Diversas ações conduzirão a uma
homogeneização linguística (THOMAZ, 2005), através de várias esferas
da sociedade: educação, mídia, produção de documentos oficiais, esferas
administrativas e de jurisdição, etc.
Considerando esses elementos, as questões que se propõem neste trabalho
visam a encorajar educadores a buscar informações e compreender quais
políticas linguísticas estão vigentes na sociedade e de que forma interferem
no ensino.
a) Qual (quais) a(s) língua(s) oficial (s) do país? E do município em que a
escola se insere?
b) De que forma essa línguas é representada (estão presentes) nas diversas
esferas da sociedade?
c) Que documentos (legislação, orientações, diretrizes, etc.) explicitam
a oficialidade e as esferas em que essa(s) língua(s) deve(m) ser
utilizada(s)?
d) Quais as razões (históricas, políticas, econômicas) para a valorização de
determinada(s) língua(s) na sociedade em detrimento de outra(s)?
e) As políticas linguísticas vigentes contemplam o perfil sociolinguístico
da comunidade escolar?
198
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
199
ter-relação entre as políticas linguísticas vigentes e a forma como as línguas
são organizadas nos currículos escolares.
A formulação de orientações e diretrizes curriculares, a formação de
recursos humanos (a exemplo da formação de professores), a escolha e adoção
de materiais de instrução ou a criação de exames para avaliação e regulação
do ensino são procedimentos que representam etapas do planejamento
linguístico-educacional. Segundo Shohamy (2006 apud MENKEN & GARCIA,
2010), em muitas nações, as medidas são implementadas por entidades
políticas de forma vertical e enfrentam pouca (ou nenhuma) resistência por
parte de educadores e instituições de ensino, de sorte que eles atuam como
“soldados do sistema” (soldiers of the system), sentindo-se sem a agência
necessária à proposição de mudanças.
O trabalho desenvolvido no escopo do OBEDF visou à proposição de
uma mudança nesse quadro, capacitando professores no sentido de prover-
lhes informações e instrumentos necessários à compreensão das políticas
linguísticas vigentes e, como consequência, da conformação do currículo
escolar. Assim, é possível encorajá-los a refletir sobre a forma como tais
políticas e o currículo relacionam-se ou destoam da especificidade e das
demandas linguístico-educacionais dos contextos de fronteira. Seguem
questões para discussão:
a) o currículo escolar valoriza/contempla a diversidade linguística?
b) que línguas são privilegiadas pelo currículo escolar?
c) a conformação do currículo está de acordo com as demandas linguísticas
da comunidade local?
d) de que forma a escola e os planejamentos pedagógicos lidam com as
orientações curriculares em relação às línguas do ambiente linguístico
em que se insere a escola?
e) o biletramento4 é privilegiado pelo currículo? E pelo planejamento?
f) que estratégias didáticas são adotadas em sala de aula para contemplar
as diferentes práticas linguísticas e, ao mesmo tempo, as diretrizes
curriculares?
g) qual a relação entre os sistemas de avaliação de aprendizagem e as
políticas linguísticas vigentes?
⁴ Conceitua-se biletramento como o letramento em duas ou mais línguas político-linguisticamen-
te definidas, ou seja, o ensino da leitura e escrita significativa em mais de uma língua para o
contexto de uso dos alunos.
200
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
201
MENKEN, Kate; GARCÍA, Ofelia. Negotiating Language Policies in Schools:
Educators as Policymakers. NY: Routledge, 2010.
SPOLSKY, Bernard. Language Policy. In: COHEN, James (et al.). Procedings
of the 4th International Symposium on Bilingualism. Somerville, MA:
Cascadilla Press, 2005. p. 2152-2164. Disponível em: <http://www.lingref.com/
isb/4/168ISB4.PDF> Acesso em 28 mai 2012.
WILEY, Terrence G. Language planning and policy. In: MCKAY, Sandra Lee;
HORNBERGER, Nancy H. Sociolinguistics and Language Teaching. USA:
Cam-bridge University Press, 1996.
202
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
RESUMO
203
1 INTRODUÇÃO
204
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
uma história de conflito ora entre brasileiros e bolivianos, ora entre indígenas
e colonizadores:
205
a mídia nessas cidades vai regular o seu dizer sobre o que é língua, fronteira
e educação, assim como sua escolha da(s) língua(s) para circulação em seu
ambiente, pelo conjunto de fatores sociais, econômicos e políticos que
organizados, constituem a história e a vida das pessoas nesse espaço.
206
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
6
O artigo Aspectos Fisiográficos da Síntese da Formação do Estado de Rondônia foi publica-
do em 19/10/2007 no sítio http://portovelho-netojc.blogspot.com/2007/10/histria-de-rondnia_19.
html, o qual foi visitado como fonte de para esse projeto no dia 19/08/2011.
207
1.1.2 Guayaramerin e suas Línguas
208
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
209
nem espanhol) não pode ser aplicado sem ressalvas em todos os outros
contextos sociolinguísticos da fronteira brasileira com os outros países
hispanofônicos.
1.2 Metodologia
210
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
2.1 Rádios
Alcança o lado Oeste até Riberalta (BO), o lado Norte até Porto-Velho
(RO), o lado Sul até Costa Marques (RO) e o lado Leste até Rio Negro Ocaia.
É associada à Rede Amazônica, que oferece serviços à Rede Globo. Com quase
100% da programação em língua portuguesa, apresenta um único programa
em língua espanhola, denominado “O Milagre da Oração’’, que acontece de
segunda a sexta, das 20h às 21h, somente às quintas-feiras. A rádio é dirigida
⁸ Disponível em http://portalamazonia.globo.com/guajarafm/
211
por Noemi Rimba, da Igreja Pentecostal, e sua programação é totalmente
voltada à evangelização. Não foram identificadas na programação analisada
referências aos temas língua, educação e fronteira.
Essa rádio é uma filial da emissora estadual, que tem sua matriz em Porto
Velho. Abrange 93% de todo o Estado de Rondônia e seu nome comercial é
Rádio Rondônia Sociedade Ltda. Em Guajará-Mirim, alcança o lado Oeste até
Riberalta (BO), o lado Norte até Porto-Velho, o lado Leste até Rio Negro Ocaia
e o lado Sul até Costa Marques.
Na filial de Guajará-Mirim, a maior parte da programação é em língua
portuguesa, com um único programa na língua wari, denominado “Além
das Fronteiras’’. O programa ocorre somente às quintas-feiras, das 20h às
20h30min, e é transmitido em língua wari. É patrocinado e produzido pela
Igreja Presbiteriana Fundamentalista e direcionada à pregação do evangelho.
No ano de 2012, por iniciativa do diretor da rádio, Jorge Câmara Lopes,
foi realizado um programa específico chamado “Desafio’’, através de uma
parceria com as escolas estaduais do município. Esse programa promoveu
uma competição entre os alunos de cada escola, que participavam ao vivo
respondendo perguntas sobre temas de história e atualidade regionais,
nacionais e internacionais. Segundo seu idealizador, o programa tinha como
objetivo aproximar a rádio, que é uma entidade privada, da escola, que é uma
entidade pública. No que diz respeito aos temas língua, educação e fronteira,
não foram encontradas referências a eles na programação analisada.
Alcança o lado Oeste até Trinidad do Beni, o lado Norte até Vila Murtinho,
Distrito de Nova Mamoré, o lado Sul até São Miguel do Guaporé, no Vale do
Guaporé, e o lado Leste no município Governador Jorge Teixeira. A rádio,
⁹ Disponível em http://www.portalradiorondonia.com.br
10
Disponível em http://www.radioeducadoraam.com.br
212
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da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
2.2.1 O Mamoré
213
no jornal impresso quanto no on-line, traz o tema fronteira e educação no
destaque para a notícia relacionada à política de incentivo à educação por
parte de uma empresa privada da cidade de Guajará-Mirim. A matéria faz
menção à “fronteira livre”, quando destaca o projeto que possibilita aos
alunos bolivianos o trânsito gratuito nas embarcações de alunos bolivianos e
brasileiros até as escolas brasileiras ou bolivianas;
3ª matéria - “Educadores recebem capacitação do Programa Jornal
Escolar’’: a matéria, que circulou tanto no jornal impresso quanto no on-
line, trata da capacitação de educadores para ajudar na criação de jornais
escolares produzidas pelos próprios alunos em escolas municipais urbanas e
rurais. Esse programa teve o apoio da Secretaria Municipal de Guajará-Mirim.
Segundo a matéria, o jornal escolar tem duas funções: alfabetizar por meio do
uso social da escrita e promover a participação de crianças. A notícia destaca,
ainda, que a iniciativa enriquece o trabalho do professor em sala de aula e
resgata a função social da escrita, inserindo a escola pública na sociedade da
informação. Também poderá a escola interagir com a comunidade uma vez
que as famílias poderão ler os jornais produzidos pelos alunos;
4ª matéria - “Se cachorro fosse professor’’: é uma crônica escrita por
Ramiro Ros e Sidny Frazão que trata das emoções e dos aspectos psicossociais
envolvendo o trabalho dos professores;
5ª matéria - “Educação: Confúcio se reúne com professores e diz que
Guajará será o modelo para todo o estado’’: a matéria circulou tanto no
jornal impresso quanto no on-line. Refere-se a projeto do governo do Estado
na cidade de Guajará-Mirim, no qual se implantará uma escola de ensino
integral e outra de ensino médio renovável, ambas com aulas em espanhol.
214
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
12
Disponível em http://www.guajaranoticias.com.br
215
1ª matéria - “Palestras educativas nas escolas na semana do meio
ambiente”: escrita por Aluizio da Silva, a matéria relata uma série de palestras
sobre o meio ambiente nas escolas, com o objetivo de difundir entre as crianças
as práticas da educação ambiental.
2.4 Televisão
13
Disponível em http://www.avozdacidadegm.com
216
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
3.1 As Rádios
217
3.1.2 Rádios Guayaramerin, Santa Ana, Patiti e JSV
3.1.3 Rádios Activa, Rádio Nickol, Nueva Vida, Sol, Asambleia de Dios,
El Verbo de Dios e a Estambul
A Rádio Bambu (FM 101,1)14 é uma rádio privada dirigida pelo comunicador
Dorian Arias Monteiro e tem alcance de aproximadamente 30 km: partindo de
Guayaramerín, atravessa a fronteira até ao rio Iata e alcança Vila Velha, Nova
Mamoré e Cachoeira da Esperança, no Brasil. É, também, uma das emissoras
de maior audiência na cidade de Guayaramerín. Desde sua inauguração no
dia 19/03/1989, tornou-se um dos pontos de referência na comunicação local.
14
Disponível em bambutv8fm101@yahoo.es
218
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
219
3.1.6 Rádio Pátria Nueva
3.2 Televisão
220
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221
3.3.1 O Boletin de La Cultura
222
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
223
que o antecede, é fazer com que cada homem resuma o mundo vivente, é
chamar o homem para a vida. A educação ambiental é, de acordo como o autor,
dividida em formal e informal. A educação formal está marcada no currículo
das séries primárias, secundárias e universitárias, já a educação informal é
princípio da educação permanente, na qual a educação é um processo contínuo:
se prolonga pelo tempo de toda a vida e em quaisquer circunstâncias. Supõe
ações constantes de formação, atualização e aperfeiçoamento.
4 ALGUNS ENCAMINHAMENTOS
224
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
225
Estado Plurinacional da Bolívia, que, através de sua Constituição, reconhece
na Bolívia 37 idiomas oficiais.
Essa ação pode ser considerada uma “política linguística (determinação das
grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade)” com seu
respectivo “planejamento linguístico (sua implementação)” (CALVET, 2007,
p. 11), que se materializa no espaço midiático de Guayaramerin determinando
o aparecimento da Rádio Aguai e de seu projeto, que posiciona as línguas
nativas como línguas de divulgação/circulação de quaisquer conteúdos
midiáticos. Os sentidos sobre a língua que surgem daí, materializam um
espaço social e político de legitimidade para as várias línguas originárias, que
é entendido como resultado de uma intervenção importante e necessária para
a consolidação de um Estado que se diz plurinacional.
REFERÊNCIAS
226
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
227
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
OS CENSOS LINGUÍSTICOS E
AS POLÍTICAS PARA AS LÍNGUAS
RESUMO
229
interessante saber quem não falava o português como língua materna, que
línguas predominavam e em quais regiões, se eram línguas ‘estrangeiras’ ou
‘aborígines’, se os falantes eram brasileiros natos, naturalizados ou estrangeiros
e, ainda, como as diferentes faixas etárias estavam representadas no universo
de falantes de cada língua.
Com referência à natureza do questionário, cumpre lembrar que o cerne
dos interesses era o do número de falantes das línguas classificadas como
‘estrangeiras’, isto é, as línguas dos imigrantes, como é possível deduzir dos
temas das análises realizadas em diversas publicações do órgão de estatísticas
encarregado, o IBGE. Além disso, no que tange às línguas ‘aborígines’, o censo
não se preocupou em minimamente distinguir as línguas indígenas entre si,
mas tratou-as em um único grupo, o que aponta o pouco interesse despertado
por esse grupo de idiomas, como mostra o seguinte comentário sobre o Mato
Grosso:
230
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
² Dados relativos a Santa Catarina foram tabulados e analisados pelo assessor técnico do Con-
selho Nacional de Estatística, Giorgio Mortara (1950b), que teve como colaboradores Guido Mor-
tara, Heloísa Vital, Pedro de Salles Georges, José Távora, Leandro dos Santos e Rêmulo Coe-
lho. Ainda sobre esse assunto aborda Mortara (1950a) na coletânea, sobretudo no capítulo III.
231
de questões linguísticas no recenseamento. “Nacionalidade ameaçada” parece
ter significado, concretamente, medo de perda de controle sobre o território:
232
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
233
extensível ao caso dos professores indígenas bilíngues, como os Kaingáng e
Guarani5, entre outros.
Os dados levantados por esses censos permitem diversos tipos de
diagnósticos. No entanto, convém lembrar que nem mesmo as observações
realizadas pelos estatísticos do IBGE passaram por uma análise linguística
mais detalhada, o que bem mostra o divórcio entre a pesquisa realizada na
universidade e aquela realizada por órgãos associados mais diretamente ao
Governo, como o IBGE. É o caso dos estudos nomeados a seguir, referentes
ao censo de 1940 realizados pelo IBGE, e que nunca contaram com a
apreciação e o comentário mais detalhado dos linguistas acadêmicos. Estudos
semelhantes - é interessante frisar - nunca foram realizados, que sejam do
nosso conhecimento, sobre os dados de 1950, de modo que uma perspectiva
comparada nesse âmbito está ainda por fazer.
“Estudos sobre as línguas estrangeiras e aborígines faladas no Brasil”
(MORTARA, 1950) – doravante apenas “Estudos” – , publicado pelo IBGE
na Série Estatística Cultural, é uma coletânea que analisa os resultados do
censo de 1° de setembro de 1940. Trata-se de um livro com 11 artigos e uma
interessante introdução do assessor técnico do IBGE, Giorgio Mortara, por
mais de 30 anos um dos grandes responsáveis pela construção de um sistema
eficiente de censos no Brasil, que produziu centenas de artigos a partir dos
números apresentados nos recenseamentos.
Mortara (1950b) focaliza o Estado com maior proporção de falantes de
línguas outras que não o português, utilizando também os dados de 1940. Essa
assimetria entre os estudos realizados sobre os dados de 1940 e os de 1950 é
explicável, por um lado, pelo caráter altamente particular do censo de 1940,
que dá “início, no país, à série dos modernos recenseamentos brasileiros,
realizados com a adoção de princípios técnicos e critérios metodológicos
atualizados, que dão aos censos brasileiros uma situação de relevo no
continente americano” (AZEVEDO, 1990, p. 118).
Diz ainda Azevedo (1990, p. 18):
234
Observatório Política Linguística em
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
235
introdução aos volumes estaduais do censo de 1940, mostra alguns objetivos e
efeitos inesperados das perguntas realizadas:
⁵ Usa-se o termo “provavelmente” nesse contexto porque não se tem conhecimento de análises fei-
tas tais quais as realizadas sobre os dados de 1940, que tenham vindo a público. Por outro lado, re-
conhece-se que a utilização do dado pelos órgãos executivos do governo não depende de ele estar
formalmente apresentado em uma publicação. Os primeiros resultados do censo de 1940 estavam
disponíveis em 1943, mas as análises só foram publicadas dez anos depois da coleta, em 1950.
236
Observatório Política Linguística em
da Educação Contextos Plurilíngues: desafios
na Fronteira e perspectivas para a Escola
237
um instrumento valioso para o planejamento de políticas culturais de modo
geral e de políticas educacionais em particular. A integração dos países
latinos, por um lado, ocorrida pelo desenvolvimento do Mercado Comum do
Sul (MERCOSUL), estende o âmbito desse planejamento e dessas políticas
culturais para todo o Cone Sul, já que muitas dessas políticas referem-se à
situação cul-tural de dois ou mais países. Essa mesma perspectiva pode, por
outro lado, ser estendida à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP). Nesse novo quadro expandido, os censos nos permitem avaliar
variáveis linguísticas importantes para a formulação de políticas culturais,
como o grau e a natureza do bilinguismo da população, a dimensão das
minorias linguísticas, sua localização geográfica nos países associados (por
vezes cruzando fronteiras), as tendências encontradas no seio de cada um
para o desenvolvimento de habilidades linguísticas, bem como a questão das
territorialidades linguísticas e o grau de perda intergeracional das línguas,
quando houver.
Chegamos assim à equação ideal desta argumentação: a edição de um
Censo Linguístico do Mercosul e da CPLP como diagnóstico dos números e da
natureza da problemática linguística nas regiões, empreendimento de longo
alcance político, econômico e social.
REFERÊNCIAS
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
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na Fronteira e perspectivas para a Escola
CARTA DO OBSERVATÓRIO DA
EDUCAÇÃO NA FRONTEIRA - OBEDF
Considerando que o Brasil é um país plurilíngue e que em seu território
coexistem diversas línguas de comunidades linguísticas historicamente
estabelecidas, além de possuir regiões extremamente plurilíngues, como é o
caso da faixa de fronteira;
241
Considerando que nas regiões de fronteira as línguas estão presentes no
cotidiano das relações sociais, incluindo o espaço escolar;
Considerando que essas línguas são primeira e/ou língua materna ou,
ainda, segunda língua de muitos alunos, bem como de professores, gestores e
funcionários que atuam nas instituições públicas de ensino na fronteira;
242
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(tal como indígenas que vivem em espaços urbanos) que frequenta escolas
brasileiras situadas em variados contextos;
243
profissionais de educação para a valorização do plurilinguismo em ações
contínuas e articuladas às propostas pedagógicas e curriculares.
Escola Municipal Maria Ligia Borges Garcia, Ponta Porã (MS) – fronteira
Brasil/Paraguai
244