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Direito Internacional Privado

Prof. Luís de Lima Pinheiro

António Rolo

I – Introdução: O Direito Internacional Privado Enquanto Ramo de


Direito1

Noção de DIP

As Situações Transnacionais e o Problema da Sua Regulação Jurídica

- LIMA PINHEIRO – na organização actual da sociedade internacional encontramos uma


pluralidade de Estados soberanos e a cada um destes corresponde uma ordem jurídica
– pluralidade de sistemas jurídicos estaduais

- Com zonas de convergência e divergências importantes

- Muitas vezes as diferentes situações jurídicas têm diferenças profundas na


escolha dos fins a prosseguir e interesses a valorar

- Mas a sociabilidade humana não pára nas fronteiras dos Estados – assim, situações da
vida juridicamente relevantes podem inserir-se completamente dentro de uma ordem
jurídica estadual, mas cada vez menos acontece tal coisa – hoje, há uma crescente
internacionalização das relações transnacionais através de uma multiplicação e
aceleração dos movimentos físicos de pessoas e bens.

- E é um caso desses que o órgão de aplicação nacional tem de resolver uma


questão transnacional, determinando o ordenamento a que há-de pedir solução para
o problema.

- Há ainda outro problema – o da competência internacional dos tribunais e o do


reconhecimento de decisões estrangeiras.

- Estes três problemas estabelecem nexos entre si, dando ao DIP uma feição
triangular.

1
LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado I, 2ª Edição Refundida, Almedina, Coimbra, 2009,
pp 25-45

1
- BAPTISTA MACHADO2 – a necessidade deste Direito dos Conflitos que é o DIP advém da
relatividade especial da concepção de justiça de qualquer ordem jurídica e dos
limites à aplicação da lei no espaço.

As Situações Transnacionais e Situações Privadas: Imunidades de Jurisdição e


Pretensões de Estados Estrangeiros

- Tradicionalmente, entende-se que o DIP regula as situações privadas, tanto os ramos


e pessoas jurídicas privadas, como também pessoas colectivas públicas enquanto
sujeitos de direito privado.

- LIMA PINHEIRO – o DIP também abrange certas situações que, no todo ou em


parte, não são reguladas pelo Direito Privado – assim, a expressão que se usa será
expressões transnacionais e não situações transnacionais privadas.

- Assim, para o Professor, serão situações internacionais todas aquelas em que se


coloque um problema de determinação do direito aplicável que deva ser resolvida
pelo DIP.

- Relativamente aos sujeitos públicos, só serão transnacionais todas aquelas situações


que, apesar de estabelecidas com sujeitos públicos forem de Direito Privado?
Reconduz-se à classificação de relação jurídico-privada ou jurídico-pública.

- Dogma da Absoluta Territorialidade do Direito Público – Direito Público será


territorial relativamente aos seus órgãos de aplicação – isso leva à chamada concepção
absoluta da imunidade de jurisdição dos Estados – um Estado não poderia ser
accionado nos tribunais doutro Estado.

- Assim, litígios emergentes de uma situação de uma relação estabelecida por um


Estado ao abrigo do seu Direito Público só poderiam ser resolvidos pelos tribunais dos
mesmos, até se metesse um estrangeiro – essas situações não causariam problemas.

- Esse dogma foi superado – só se aceita imunidade de jurisdição relativamente a


actos praticados iure imperii – o chamado ius gestionis não tem essa imunidade.

- Relativamente à admissibilidade de pretensões formuladas por Estados estrangeiros


com fundamento no seu Direito Público, a doutrina diverge.

- LIMA PINHEIRO – ordem jurídica de um Estado é inteiramente livre de decidir se


tutela ou não juridicamente a pretensão de um Estado estrangeiro no seu Direito
Público. É de esperar que um Estado, na falta de motivos especiais, designadamente de
solidariedade ou cooperação jurídica não admita nos seus tribunais pretensões de
Estados estrangeiros que digam respeito a situações que, em princípio, só podem ser

2
BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 1997, PP??

2
objecto de regulação na ordem jurídica destes Estados. Para determinação desses
limites deve estabelecer-se um paralelo com a imunidade de jurisdição.

- Se a distinção entre actos iure imperium e gestionis correspondesse sempre ao


carácter jurídico-público ou jurídico-privado do acto, pareceria possível dizer que só as
relações de Direito Privado dos entes públicos entram no DIP. Contudo:

- Contratação pública, responsabilidade civil do Estado e impugnação de actos


podem ser arbitráveis – art. 180º/1 CPTA

- Imunidade de jurisdição é renunciável – quando Estado consente um pacto


atributivo de jurisdição...

- LIMA PINHEIRO – distinção pouco interessa – é esperar pela entrada em vigor da


Convenção da ONU sobre as imunidades jurisdicionais, que exclui a imunidade
respeitante a transacções comerciais, direito do trabalho, etc.

- Assim, a qualificação de uma situação como transnacional não pressupõe o seu


carácter jurídico-privado, só não o sendo quando:

- Relação é directamente submetida ao Direito Público interno

- Ius imperii sem convenção de arbitragem válida

Carácter Transnacional das Situações

- Quando se fala em ‘internacional’ isso implica a existência de contactos com mais de


um Estado soberano, ou com as esferas sociais de mais de um Estado soberano.

- Adjectivo transnacional evita ambiguidade – não é ‘inter-‘ Estados

- Múltiplos factores podem estar na origem da situação transnacional – nacionalidade


dos sujeitos, residência habitual, domicílio, lugar dos factos, lugar do sítio da coisa

- Situações transnacionais são em regra apreciados segundo o DIP de cada ordem


estadual – assim, a internacionalidade da situação é vista, da perspectiva da ordem
jurídica de referência, como uma estraneidade, i.e., contém elementos de
estraneidade que ligam a situação com outros Estados.

- A transnacionalidade relevante para a aplicação de normas de conflito


internacionais não se aparente com a estraneidade relativa a cada Estado, uma vez
que se aplicam uma pluralidade de ordens jurídicas Estaduais.

3
Processo Conflitual

- O DIP regula as situações transnacionais através de um processo conflitual, já que o


núcleo tradicional do DIP é constituído por normas de conflitos.

- Conflito de leis não deve ser confundido com: conflitos de soberanias (Direito Int.
Público) conflitos de normas (intra-ordem jurídica), conflitos de sistemas de DIP
(sistemas de DIP diferentes divergem entre si sobre que lei aplicar)

- A função do Direito de Conflitos é, em primeira linha, regular situações


transnacionais, operando essa regulação por meio de um processo de regulação
indirecta – regula as situações transnacionais mediante a remissão para o direito
aplicável.

- O Direito dos Conflitos pode ser entendido stricto sensu, mas também lato sensu,
mediante o reconhecimento de situações jurídicas fixado por sentença estrangeira,
fazendo com o que o DIP envolva o Direito de Conflitos e o Direito de
Reconhecimento.

Caracterização das Normas de Conflitos de Leis no Espaço 3

- LIMA PINHEIRO – as normas de conflitos são normas remissivas/de regulação indirecta,


normas de conexão e normas fundamentalmente formais.

Normas de Regulação Indirecta

- Contrapõem-se às normas de regulação directa ou materiais, que desencadeiam


efeitos jurídicos que modelam as situações jurídicas das pessoas

- As normas de regulação indirecta mandam aplicar à situação descrita na previsão a


estatuição doutra norma ou complexo normativo. No caso das normas de conflitos,
estatuição é o chamamento do direito aplicável.

- LIMA PINHEIRO – isto não quer dizer que as normas de conflitos não tenham uma
função reguladora, orientada para a conduta das pessoas – ex: casamento
multinacional

- FERRER CORREIA – só normas materiais são normas de conduta – regulae agendi –


e as de conflito são meramente de decisão – regulae decidendi.

3
FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 2000, PP ??

4
- LIMA PINHEIRO – partes orientam conduta ao escolher direito aplicável. Assim, o
Professor, juntamente com ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, considera as normas de conflito
normas de conduta mas de regulação indirecta.

Normas de Conexão

- As normas de DIP são geralmente normas de conexão porque conectam uma


situação da vida com o direito aplicável, mediante um elemento de conexão.

- RAAPE – legislador de DIP é um pontifex entre situação e ordem jurídica.

- Conexão estabelece-se mediante a selecção de determinados laços que o DIP


considera juridicamente relevantes – os elementos de conexão

- Ex: capacidade é regulada pela lei da nacionalidade – 25º + 31º/1 CC –


nacionalidade é elemento de conexão.

- Factores podem consistir em:

- Vínculos jurídicos que se estabelecem directamente entre um elemento da


situação e uma ordem jurídica – nacionalidade

- Laços fácticos entre situação e outra esfera social – residência habitual

- Consequências jurídicas que se projectam num dado lugar – lugar do dano

- Factos jurídicos – designação do Direito aplicável

- Selecção de elementos de conexão em função das matérias implica uma valoração,


pois a norma de conexão veicula uma justiça de conexão, que se exprime na escolha
dos elementos de conexão mais adequados.

- Não é objectivo ou espacial, como propunham SAVIGNY e GIERKE

- Pode ser subjectivo – designação pode ser encarado com uma norma de conexão.

- Há conceitos designativos indeterminados de conexão – art. 4º da Conv. De Roma


– ‘conexão mais estreita’.

- Não é importante a classificação da conexão ou não, porque DIP, para LIMA PINHEIRO,
é caracterizado por um processo de regulação indirecta, tanto podendo ser realizado
por normas de conexão ou não.

Norma Formal

- São formais porque na designação do direito aplicável não atendem ao resultado


material a que conduz a aplicação de uma das leis em presença.

5
- CAVERS – juiz está vendado no método conflitual – art. 49º CC – não manda
atender ao conteúdo – só não seria formal se sistema optasse por um better law
approach (já veremos). Esse approach pode ser visto em relação normas.

- Assim, o formalismo do Direito de Conflitos tem limitações, tendo este um


certo controlo e interesse no resultado – v. art. 22º CC – reserva de ordem pública
internacional.

- Também há normas de conflitos materialmente orientadas, que atendem ao


resultado material – art. 36º e 65º CC – favorecem validade formal dos negócios,
preferindo a lei que salve validade formal do negócio.

II – Planos, Processos e Técnicas de Regulação das Situações


Transnacionais4
Preliminares

- No que toca aos processos de regulação das situações transnacionais, é tradicional


contrapor o processo conflitual, ou de regulação indirecta, a determinadas processo
materiais ou directos.

- Aplicação directa de Direito material comum

- Criação de Direito material especial de fonte interna

- Unificação internacional do Direito material

- LIMA PINHEIRO – distinção entre regulação indirecta e directa deve fazer-se em função
da necessidade ou desnecessidade de uma valoração conflitual – se for precisa,
regula-se indirectamente com normas de conflito, se não, aplica-se direito material.

Regulação Pelo Direito Estadual

Regulação Por Direito dos Conflitos

- Aquela que opera na esfera de uma ordem jurídica estadual – a situação é em


primeira linha regulada pelo direito vigente nessa ordem jurídica estadual e que os
litígios que lhe digam respeito são apreciados pelos respectivos tribunais estaduais.

- Tradicionalmente, todas as situações transnacionais são reguladas pelo direito


dos conflitos.

4
LIMA PINHEIRO, DIP, pp? ??

6
Aplicação Directa do Direito Material Comum

- Neste caso as situações transnacionais seriam reguladas como se de situações


puramente internas se tratassem.

- Técnica de regulação directa que prescinde da norma de conflitos

- Tem a vantagem de ser mais fácil

- Tem a desvantagem de colocar em risco a segurança jurídica e a harmonia


internacional de soluções, incompatibilizando-se com o DIPúblico. Levaria à
imprevisibilidade e ao forum shopping.

Criação de um Direito Material Especial de Fonte Interna

- Encontrando precedente no ius gentium romano, nesta situação, o Estado cria direito
material especial aplicável exclusivamente às relações transnacionais.

- Ex: ex-RDA, ex-Checoslováquia

- Tem vantagens de maior adequação às especificidades das situações transnacionais

- Tem desvantagens – o Direito material especial de fonte interna só constituirá uma


técnica de regulação directa se for aplicável a quaisquer situações que comportem
elementos de estraneidade independentemente de uma ligação com o Estado do foro.
Ora, nesse caso, o Direito material especial de fonte interna apresenta todas as
desvantagens do Direito Material Comum acima ditas.

- LIMA PINHEIRO – é de rejeitar, apesar de poder limitar a actuação do direito dos


conflitos, limitando-o.

- v. art. 54/2 CC

Unificação Internacional do Direito Material Aplicável

- Aplicável por via de convenções internacionais como a UNIDROIT, existindo


diferentes métodos de unificação:

- Uniformização – criação por uma fonte supraestadual de Direito uniforme, aplicável


interna e internacionalmente, substituindo o direito interno – ex: LULL e LUC, e
Regulamento 2027/97, relativo aos acidentes aéreos.

7
- Unificação – criação por uma fonte supraestadual de Direito material unificado,
direito material especial que se aplique só a situações transnacionais. Principais áreas
de unificação: venda internacional de mercadorias, transportes internacionais,
transportes aéreos, direitos sobre embarcações e aeronaves, direito marítimo,
propriedade intelectual, testamentos.

- Harmonização – estabelecimento de regras ou princípios fundamentais comuns –


método com objectivos mais modestos, visando só aproximar sistemas: leis-modelo
ou Directivas da UE, Princípios UNIDROIT (no último caso, será mais um estudo feito
por académicos), mas nem todos os Estados fazem parte.

- Conclusão de LIMA PINHEIRO – DIP material tem uma série de desvantagens, e só o


direito material unificado constituiria uma alternativa global ao sistema do direito
dos conflitos, apesar do seu alcance limitado.

- FERRER CORREIA - existem outros métodos:

- A better law approach de CAVERS, que não repudia sistema de conexão, dizendo
que será aplicável a lei, de entre as conectadas com a situação concreta, que regule
de modo mais adequado e mais justo.

- Escolha da lei não deverá ser a resultante de uma simples operação


mecânica, antes a ela presidirá uma ideia de justiça material

- Juiz guia-se por dois critérios – justiça devida às partes e o conteúdo devido
e objectivos da política legislativa prosseguida pelas normas de conflito.

- Teoria do interesse do Estado – de BRAINERD CURRIE – solução coloca-se na


perspectiva do interesse do Estado e não na do interesse dos sujeitos das relações
jurídicas e do comércio internacional.

- Radical ruptura com método de conexão e negação do sistema de direito das


regras de conflitos.

Regulação Pelo Direito Internacional Público e Direito da União Europeia

Regulação pelo Direito Internacional Público

- LIMA PINHEIRO – aquela que opera na ordem jurídica internacional – a situação


transnacional é regulada pelo Direito Internacional Público quando lhe forem directa
e imediatamente aplicáveis regras de DIPúblico - inscrevem-se na esfera institucional
dos Estados porque os órgãos de aplicação que são chamados a apreciar as situações
transnacionais são os órgãos estaduais.

8
- Arbitragem quasi-internacionalpública? Arbitragem de DIPúblico, mas com
particulares ao barulho.

- No Centro Internacional para Resolução de Conflitos Entre Estados e Nacionais


Desses Estados, ou CIRDI

- Relações com organizações internacionais – jurisdições internacionais estabelecidas


por pactos constitutivos de organizações internacionais – UNIDROIT + OIT.

Regulação pelo Direito da União Europeia

- Admitindo que o Direito da União Europeia constitui uma ordem jurídica autónoma,
coloca-se o problema da relevância directa de situações transnacionais perante esta
ordem jurídica

- Aliás, o Direito da União Europeia tem uma vocação mais ampla do que o DIPrivado
nacional para regular situações transnacionais

- Relevância das relações entre particulares na esfera institucional da UE é limitado –


as jurisdições competentes são tendencialmente nacionais.

Regulação pelo Direito Autónomo do Comércio Internacional – a Lex Mercatoria

- Nova lex mercatoria – inclui os usos e os costumes do comércio internacional

- Há regulação directa e imediata de situações transnacionais pelo Direito Autónomo


do Comércio Internacional? LIMA PINHEIRO – quando partes houverem estipulado
convenção de arbitragem que respeite o Direito Internacional ao não abranger
matérias não arbitráveis, como direitos indisponíveis.

- SCHMITOFF – lex mercatoria é essencialmente Direito material especial do comércio


internacional

- Direito dos conflitos é uma barreira artificial criada pelo homem à condução de
negócios de forma prática

- Diz o autor, a actual lex mercatoria é diferente da medieval – é menos


espontânea e controlada por entidades estaduais – legislador + costume.

- GOLDMAN - ordem jurídica da societas mercatorum; tal como LIMA PINHEIRO, usa a
escolha das partes para determinar se se aplica ou não

- MAGALHÃES COLLAÇO – existem uma série de critérios para a vigência da lex


mercatoria:

9
- Exprimir valores partilhados pela grande maioria dos operadores do comércio
internacional

- Apta para realização desses valores

- Formadas por processos autónomos reconhecidos como idóneos para a criação


de regras juridicamente vinculantes

- Aplicadas na arbitragem internacional

- Conformes aos princípios gerais de Direito

- LIMA PINHEIRO – não existe uma lex mercatoria, mas sim várias leges mercatori,
aplicáveis a dado sector.

- Há que frisar ainda o seguinte, se olharmos para o considerando 13 do Reg. Roma I,


ele afirma que Regulamento não impede partes de incluírem corpo legislativo não-
estadual:

- Autonomia privada das partes em DIP manifesta-se na escolha de Direito


aplicável, e assim, podem escolher ‘aplicamos a lex mercatoria’? Não! Só quando
critérios do considerando 14 estiverem preenchidos.

- Mas a cláusula pode reger-se por princípios UIDROIT, tendo sempre como pano
de fundo o Direito Nacional que partes escolhem

- Assim, autonomia privada das partes manifesta-se duplamente: no art. 3º/1, da


escolha de direito aplicável; e, no âmbito desse direito estabelecerem as cláusulas que
entenderem, dentro da autonomia privada do direito escolhido – dupla autonomia
privada.

Natureza do Direito de Conflitos5


Órgãos Aplicadores

- Estaduais (jurisdicionais e administrativos)

- Transnacionais (tribunais de arbitragem internacional, por exemplo)

5
LIMA PINHEIRO, DIP..., PP ??

10
- Supraestaduais (TJI, Tribunal Penal Internacional, CIRDI, Tribunais da UE)

Fontes de Direito dos Conflitos

Fontes Internacionais

- Escola Nacionalista Italiana de AGO – DIP seria sempre direito interno, e convenções
internacionais de DIP só criam obrigação de fazer regras.

- LIMA PINHEIRO – ultrapassado – fontes de DIPúblico podem conter normas de


DIPrivado

- Universalistas – existe um sistema de DIPrivado com unidade universal

- LIMA PINHEIRO – indefensável perante diversidade do DIP

- Quais são as fontes internacionais? Tratados internacionais que constituem ou


enquadram jurisdições internacionais ou quase internacionais

Fontes Europeias

- Direito originário e derivado emanados dos órgãos comunitários são fontes de DIP

- Normas comunitárias que consagram as liberdades fundamentais têm incidência


sobre Direito dos Estrangeiros

- Também o Direito dos Conflitos de fonte comunitária pode operar a nível da ordem
jurídica dos Estados-Membros

- Direito da UE pode ainda ser fonte de Direito de conflitos interno – maior parte das
Directivas ou Regulamentos contêm disposições conflituais. Contudo, haverá
competência genérica do Direito da União para regular DIP?

- LIMA PINHEIRO – não, só na medida do bom funcionamento do Mercado Interno,


excluindo à partida, regulação de situações familiares e sucessórias transnacionais.

- Conselho entende que uniformização do DIP é condição ao bom funcionamento


do Mercado Interno.

Fontes Internas

- Direito de conflitos português ainda é principalmente de fonte interna

11
- Lei, costume (importante até 66), jurisprudência, etc.

Direito Público ou Privado?

- Tese clássica – objecto e função da norma de conflitos é delimitação de competência


legislativa, resolvendo conflitos de soberanias – logo, será Direito Público.

- Opinião dominante – regula situações jurídicas internacionais privadas,


prosseguindo fins de direito privado.

- LIMA PINHEIRO – predominantemente privado, mas com alguma coisa de público.

III – Objecto e Função da Norma de Conflitos6 7


Objecto e Função das Normas de Conflitos Bilaterais

- LIMA PINHEIRO – para examinar o objecto e a função das normas de conflitos importa
distinguir entre normas bilaterais e unilaterais.

- Classificação atende aos sistemas jurídicos que são destinatários da remissão

- As normas unilaterais só determinam a aplicação da lei do foro

- Art. 38º LCAg. ou 3º/3 Code Civil.

- As normas bilaterais tanto remetem para o Direito do foro como para o


estrangeiro – maior parte das regras, por exemplo, art. 50º

- LIMA PINHEIRO e FERRER CORREIA – maioria das normas de conflito no CC são bilaterais,
apesar de existirem exemplos de normas unilaterais:

- Teses clássicas – universalistas e particularistas – objecto da norma de


conflito é conflito de soberania

- Escola nacionalista italiana – norma reguladora de relações interindividuais,


pois os interesses em causa são individuais – a norma de conflitos
nacionaliza/incorpora a norma estrangeira

- Para outros, trata-se de uma mera norma de remissão/reenvio material, pois


remete resolução para lei estrangeira.

6
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 226-283
7
FERRER CORREIRA , Lições de DIP, pp ??

12
- AUBRY diz-nos que conflitos de leis nunca perturbam as relações externas –
em primeira linha regula-se uma situação privada, não determinando qualquer
competência legislativa.

- Objecto da norma de conflitos é o mesmo que o DIP – situação


transnacional

- FERRER CORREIRA – objecto são normas materiais, pois as normas de conflitos


são enunciadas como normas sobre normas e não normas de regulação indirecta.

- Posição de LIMA PINHEIRO – a teleologia da norma de conflitos é tutelar


interesses dos Estados ou interesses privados?

- A tutela de interesses privados tem grande preponderância, mas não se


pode excluir à partida a prossecução de políticas estaduais de índole social, económica,
ambiental, cultural, etc.

- Função técnico-jurídica das normas de conflitos – norma de conflitos bilateral, ao


admitir remissão para ordem jurídica estrangeira, reconhece implicitamente que essas
ordens jurídicas existem autonomamente.

- Dupla função da norma de conflitos - MAGALHÃES COLLAÇO e MAURY – por um


lado, a norma de conflitos determina o Direito aplicável: por outro, quando remete
para ordem jurídica estrangeira, confere-lhe um título de aplicação na ordem jurídica
interna. Assim, vemos uma ideia diametralmente oposta à escola nacionalista italiana,
que procurava nacionalizar a norma.

- Proposição jurídica não se converte num elemento da ordem jurídica do


foto enquanto critério de conduta ou decisão, sendo o direito estrangeiro aplicado
como estrangeiro.

Objecto e Funções da Norma de Conflitos Unilateral e Bilateral

- Depois de correntes universalistas de DIP, houve uma reacção particularista.

- Séc. XIX – Estado não pode, com as suas normas, delimitar competência
legislativa de outro.

- Unilateralismo – legislador só deve fixar limites de aplicação do seu próprio


Direito – art. 3º Code Civil.

- LIMA PINHEIRO – unilateralismo é suspeito de levar a favorecimento da esfera de


aplicação do Direito do foro, em detrimento do estrangeiro, usando as normas
unilaterais para maximizar a aplicação da lei do foro.

13
- Muitas vezes, o bilateralismo e o unilateralismo convivem em sistemas de DIP,
especialmente com as preocupações sociais dos Estados pós-Guerra a exigirem a
existência de algumas dessas normas.

- Normas unilaterais gerais – referem-se normalmente a estados ou categoriais

- Normas unilaterais especiais – relação de especialidade com outras normas de


conflito

- Qual a função das normas unilaterais no Direito vigente?

- Têm por função realizar um processo de regulação indirecta de situações


transnacionais, mas realizam essa função exclusivamente por meio do chamamento
do Direito do foro, não tendo a dupla função de conferir título ao direito estrangeiro.

- Em Portugal, só existem normas unilaterais especiais: art. 28º/1 CC e 3º/3 CSC,


não havendo gerais.

- Problema da bilateralização das Normas Unilaterais:

- Perante algumas das lacunas que geralmente acompanham as normas


unilaterais, os tribunais procedem geralmente à sua bilateralização, apesar de nem
sempre ser possível.

- MAGALHÃES COLLAÇO – quando ratio seja defesa de interesses locais – 28º CC –


não se pode bilateralizar.

- LIMA PINHEIRO – problema põe-se a dois níveis:

- Primeiro, tem que se saber se existe uma lacuna – quando,


relativamente a certos Estados ou categorias de relações jurídicas, um sistema não
dispõe de normas bilaterais, mas só unilaterais, surge uma lacuna sempre que não
seja aplicável o direito do foro; se forem normas unilaterais especiais, cabe saber se,
quando não seja aplicável, se há uma lacuna ou se deve simplesmente aplicar a norma
de conflitos geral; também pode existir quando normas unilaterais que se refiram
parcialmente a questões que estariam, em princípio, englobadas no domínio de
aplicação das normas de conflitos bilaterais.

- Ex: art. 3º/1 CSC – só contempla directamente a hipótese em que a


sociedade tem sede da administração no estrangeiro e sede estatutária em Portugal.
Quando se tenha de determinar o Direito aplicável ao estatuto pessoal da sociedade
nas relações com terceiros e a sociedade tenha a sua sede estatutária num país
estrangeiro que não é aquele onde se situa a sede da administração, aplica-se a regra
geral (lei estatuto = sede da administração) ou bilateralizar-se a norma unilateral
especial, para que releve a lei da sede estatutária estrangeira? Como legislador
português procurou tutelar confiança de terceiros, há que, por conseguinte, ser

14
tutelada também quando a sede estatutária seja no estrangeiro. Não é unilateral ad
hoc, é só uma regra especial. Por outro lado, o art. 38º da Lei da Agência já será uma
norma ad hoc, aliás, até porque está no próprio texto do direito material. (so what? O
3º do CSC também... não se percebe)

- Quanto às normas unilaterais ad hoc, a circunstância de não se


verificar a conexão estabelecida para a aplicação da norma proibitiva do Estado do
foro, pode apenas significar que a licitude do acto deve ser apreciada exclusivamente
segundo o Direito chamado pela norma de conflitos geral.

- Depois, há que integrar a lacuna – ao considerar-se haver uma falha


no plano legislativo é preciso saber se deve ser preenchida por meio de uma
bilateralização, como nas normas unilaterais gerais - L IMA PINHEIRO – em princípio, sim,
atentando atendar às finalidades prosseguidas pela norma. Quanto às normas ad hoc,
a bilateralização terá sempre de ser condicionada à existência no sistema designado
de normas e regimes com o mesmo conteúdo e função. Terá de se fazer, como diz
KEGEL, uma generalização, que implicará um alargamento de previsão (com a
passagem de uma norma ou lei individualizada para uma categoria de normas) e
depois, a bilateralização.

- Que impedimentos à bilateralização? Regimes que promovam interesses


públicos nacionais ou privados locais perante interesses estrangeiros, mediante
condições específicas de âmbito especificamente local.

- As normas unilaterais insusceptíveis de bilateralização podem-se designar como


normas de delimitação – Grenznomen ou rules of limitation of law.

- Normas bilaterais imperfeitas – aquelas que, podendo determinar a aplicação, tanto


do Direito do foro como do Direito estrangeiro, limitam o seu objecto a certos casos
que têm uma ligação especial com o Estado do foro, não fornecendo, directamente, a
solução para a as situações do mesmo tipo abstracto – art. 51º/1 e 2 CC

Normas Autolimitadas

- Como diz LIMA PINHEIRO, uma norma ‘autolimitada’ é aquela norma material que,
apesar de incidir sobre situações reguladas pelo DIP, tem uma esfera de aplicação no
espaço diferente da que resultaria da actuação do sistema de Direito de Conflitos,
podendo isso resultar do facto dessa norma material ser acompanhada de uma
norma de conflitos unilateral ad hoc que se reporta exclusivamente a uma norma ou
lei material determinada da ordem jurídica do foro. F ERRER CORREIA diz que elas são
‘normas espacialmente autolimitadas’, pois são normas que demarcam, só por si, o
seu campo de aplicação.

15
LIMA PINHEIRO divide-as em quatro categorias:

- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais vasta do que aquela que
decorreria do Direito de Conflitos geral – aplicáveis sempre que o Direito do foro é
chamado pelo Direito de Conflitos geral – art. 38º da LCAg. determina que aos
contratos regulados por esse diploma que se desenvolvam exclusiva ou
preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da
portuguesa no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais
vantajosa para o agente.

- Ela alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas normas de conflitos


gerais, sendo que o regime português se aplica em duas situações à cessação do
contrato – quando o contrato for regulado (por escolha das partes) pela lei portuguesa
e quando, apesar de ser regulado por lei estrangeira, se desenvolva maioritariamente
em território nacional e se o regime português for mais vantajoso.

- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço que só em parte coincide com
aquela que decorreria do Direito dos Conflitos geral – aplicam-se em alguns casos em
que o Direito do foro é chamado pelo Direito dos conflitos, mas não em todos, e
também se aplicam em casos em que o Direito do foro não é competente. Art. 60º/7
do DL nº 275/93 – ‘as disposições deste diploma aplicam-se a todos os contratos, por
períodos de tempo limitados em cada ano, relativos a direitos reais de habitação
periódica e a direitos de...., que tenham por objecto imóveis sitos em Portugal ou outro
EM da UE’

- Se se abstrair da última parte (para o Professor, um lapso), isto significa que as


disposições materiais do diploma devem ser aplicadas qualquer que seja a lei
reguladora do contrato, quando o imóvel estiver situado em Portugal. Segundo as
regras gerais – 4º/3 Reg. Roma I – em alguns casos seria a lei portuguesa outros seria a
estrangeira.

- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais restrita do que o Direito
dos Conflitos geral.

- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço inteiramente diferente das
normas gerais.

- Diz LIMA PINHEIRO que já defendeu que as normas de aplicação necessária, imediata
ou lois de police, ou overriding statutes eram uma modalidade de normas
autolimitadas – aquela em que a norma reclama uma esfera de aplicação mais vasta –
tipo I. Reviu a posição, dizendo que as normas autolimitadas das duas primeiras
categoriais podem nuns casos ser aplicadas como elementos da ordem jurídica
competente segundo o Direito de Conflitos geral e noutros casos como normas de

16
aplicação necessária. Assim, para o Professor, as normas de aplicação necessária não
são uma modalidade de normas autolimitada, uma categoria, mas um modo de
actuação de certas normas autolimitadas. Assim, a norma actua como norma de
aplicação necessária ou que é susceptível de aplicação necessária, e não é uma norma
de aplicação necessária.

- FRANCESCAKIS discorda, dizendo que seriam normas de aplicação imediata as


normas ‘cuja observação é necessária para a salvaguarda da organização política,
social ou económica’ do país. LIMA PINHEIRO discorda, dando o exemplo do tipo II dado
atrás, que protege a parte mais fraca – elas podem seguir outras finalidades. As
normas autolimitada susceptíveis de aplicação necessária não são pois uma alternativa
ao processo conflitual ou de regulação indirecta, mas uma manifestação de um certo
tipo de unilateralismo que coloca o problema do Direito aplicável em função de normas
individualizadas. LIMA PINHEIRO prefere o termo ‘aplicação necessária’.

- FERRER CORREIA fala das regras de aplicação imediata ou necessária como


normas que, por corresponderem a um interesse fundamental da organização
política social ou económica do Estado, não podem achar-se sujeitas às normas gerais
de DIP. Elas são de aplicação obrigatória para os tribunais do respectivo Estado, para
além dos limites estabelecidos pelas regras de conflitos do sistema nacional de DIP –
assim, a sua aplicabilidade pressupõe que entre o caso e a lex fori se verifique a
conexão que eles próprios estabeleçam ou que se deduza do seu fim, uma conexão ad
hoc que elas próprias definem. Não lhes é alheia, assim, a necessidade de uma
conexão, simplesmente, ela não coincide com a fixada pela norma de conflitos
relativa à matéria em causa, é uma conexão específica. São de aplicação necessária
da lex fori, já tendo sido reconhecidas na nova Lei de Introdução ao BGB, Lei Federal
Suíça, etc.

- A expressão ‘autolimitada’ também suscita reservas para L IMA PINHEIRO– as normas


materiais não autolimitam a sua esfera de aplicação. FERRER CORREIA diz que elas são
‘normas especialmente autolimitadas’, pois são normas que demarcam, só por si, o
seu campo de aplicação.

- Para LIMA PINHEIRO, são três as vias que se abrem para a qualificação de uma norma
como ‘autolimitada’:

- Inferência de uma norma de conflitos ad hoc implícita – ex: é defensável que a


proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos político-ideológicos – 53º
CRP – seja aplicável aos CT’s onde o trabalho é prestado habitualmente em Portugal.
Daqui se infere uma norma de conflitos especial sobre o âmbito de aplicação no espaço
das regras portuguesas sobre despedimentos

- Criação de uma solução conflitual ad hoc à luz da teoria das lacunas da lei

17
- Vigência de uma cláusula geral que permita colocar o problema da aplicabilidade da
norma material em função das circunstâncias dos caso concreto.

- ATENÇÃO: art. 9º do Reg. Roma I – regulamento não pode limitar aplicação de uma
norma de aplicação imediata – v. nº 2

- nº 3 – Regulamento fecha a porta a uma mera aplicação imediata a países onde


não se executam o ...

Normas de Remissão Condicionada e Normas de Reconhecimento

Remissão Condicionada

- PIERRE LALIVE – há conexão condicional quando a regra de conflitos incorpora,


enquanto condição de aplicação, uma posição assumida por DIP da lei designada. Art.
47º CC, por exemplo.

- WENGLER – condição é o resultado material

- O princípio subjacente será o da efectividade (posição privilegiada de uns Estados


relativamente a outros), da conexão mais estreita, da harmonia internacional e da
maior proximidade.

- Diferença da devolução – se lei estrangeira designada pela nossa norma não aceita a
competência.

- LALIVE – diferença reside em que norma de remissão condicionada não


abandona a solução de DIPrivado mas cinge-se a tomá-lo em consideração.

Normas de Reconhecimento

- HART – norma sobre fontes

- LIMA PINHEIRO – aquela que estabelece que determinado resultado material o que
estado jurídico de determinada categoria se produzirão na ordem jurídica do foro
quando se verifiquem noutro Direito

- Normas de reconhecimento de sentenças

- Não são norma de recepção, mas assim de remissão.

O Problema da Relevância das Normas Imperativas Estrangeiras

18
- Que importância deverá ser dada a normas autolimitadas de ordenamentos
estrangeiros?

- As normas imperativas estrangeiras só podem ser aplicadas na ordem jurídica local


por força do título de aplicação que uma proposição vigente nesta ordem lhes
conceda.

- É preciso, então, distinguir entre normas imperativas da lex causae – lei designada
pela norma de conflitos – e de estados terceiros.

- As primeiras são aplicáveis, em princípio.

- E se normas autolimitadas estrangeiras vejam a sua aplicação excluída? A


negação de aplicabilidade da norma não põe em causa a competência da ordem
jurídica a que pertence a autolimitação, e a negação da sua aplicação, levará à
aplicação do direito comum da lex causae.

- As segundas, sendo de terceiros ordenamentos, coloca-se a questão saber se


a ordem jurídica local lhes confere um título de aplicação mediante preposições
jurídicas especiais ou se permite a sua tomada em consideração (v. art. 7º/1 Conv.
Roma). Pergunta-se LIMA PINHEIRO, porquê que se há de tratar diferentemente normas
imperativas de terceiros Estados, que apresentam uma ligação significativa com a
situação, conforme na ordem jurídica estrangeira sejam ou não encaradas como
‘normas de aplicação necessária’? Para o Professor, de iure condendo, dever-se-á criar
normas de remissão condicionada a certas categorias de normas imperativas vigentes
em Estados que apresentam determinada conexão com a situação. Não vigorando em
Portugal qualquer regra geral sobre a relevância de normas imperativas de terceiros
ordenamentos: há certas normas de remissão condicionada que permitem ter em
conta a ‘vontade de aplicação’ de normas estrangeiras – art. 36º/1, in fine, art. 45º/3,
47º, 65º/2 tudo do CC e 9º/6 Conv. De Roma. Fora destes domínios, os órgãos de
aplicação de Direito estão, em princípio, vinculados pelo sistema de Direito de
Conflitos a aplicar exclusivamente as normas imperativas da lei competente.

A Justiça e os Princípios Gerais de Direito dos Conflitos8


A Justiça do Direito dos Conflitos

8
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 283 ss

19
- LIMA PINHEIRO – Direito é uma ordem orientada à realização de valores socialmente
reconhecidos, e a ideia de justiça surge, num acepção muito amplo, como ideia
unificadora desses valores.

- São diferentes as valorações subjacentes às normas materiais e às normas de


conflitos, especialmente as de conexão – a justiça de conexão atende ao significado
dos laços que a situação estabelece com os Estados em presença e não às soluções
materiais – é uma justiça formal e não material.

- A justiça conflitual é mais ampla do que a justiça de conexão, pois ela pode exprimir
adequação de um Direito supraestadual como o DIPúblico ou de um Direito para-
estadual, como a lex mercatoria.

- Ela também pode atender a considerações jurídico-materiais, designadamente, à


adequação material de um direito estadual ou não-estadual para reger determinadas
categorias de decisões.

- Para NEUHAUS, a justiça no DIP realiza-se a dois níveis: na escolha do elemento de


conexão adequado e no controlo e modelação da solução material para o caso,
através de instrumentos tais como a reserva de ordem pública internacional, entre
outros.

- Quando é que se justifica o favorecimento de resultados materiais?

- Quando no Direito material interno há uma finalidade subjacente a um ramo de


Direito ou instituto jurídico que aponta nesse sentido. Por exemplo, regra do favor
negotii.

- Não basta essa finalidade (por respeito à autonomia do Direito dos Conflitos e
harmonia internacional de julgados) – normas de conflitos só devem ser
materialmente orientadas quando se manifeste uma tendência internacional para a
prossecução de determinada finalidade jurídico-material – protecção de crianças,
consumidores e trabalhadores.

- Também se pode fundamentar na necessidade compensar desvantagens do


carácter internacional da situação – fundamento da validade formal do negócio pode,
até certo ponto, ser justificada pelas incertezas e dificuldades que resultam do
contacto da situação com diversos Estados.

- Deve ser compatibilizado com as exigências de previsibilidade e certeza


jurídicas.

- Contudo, registam-se divergências profundas de sistemas de DIP, quer na escolha


quer na hierarquização de valores.

20
- LIMA PINHEIRO – a justiça concretiza-se na ideia de supremacia do Direito, bem como
no conjunto de valores materiais e formais. Daí decorre que, nas situações
transnacionais, o Direito deve orientar os aspectos essenciais da conduta social dos
sujeitos:

- Relacionada internamente com os valores formais do Direito dos Conflitos,


como a certeza e a previsibilidade, as normas de conflitos devem ser conhecidas pelos
destinatários e devem permitir a determinação do Direito aplicável com certeza e
facilidade – há uma preferência por essas regras.

- Outro valor formal – harmonia internacional de julgados – divergências


prejudicam a certeza e a previsibilidade, e legislador estadual deve ter essa harmonia
em conta.

- No que toca aos valores materiais, são tutelados:

- Dignidade da pessoa humana – que impõe um controlo sobre a solução


material

- Igualdade – equiparação de nacionais e estrangeiros e carácter bilateral


das normas de conflitos

- Adequação – está ínsita na própria ideia de justiça de conexão, e mais


amplamente, toda a justiça conflitual. Para a sua realização, importa, em primeiro
lugar, atender à especificidade do domínio jurídico-material a regular na escolha do
elemento de conexão. Esta consideração não permite indicar sempre o elemento de
conexão decisivo, mas permite delimitar o leque de elementos de conexão relevantes.
Contudo, deve-se sempre atender às políticas legislativas prosseguidas por certas
normas ou regimes materiais individualizados, consideração ligada ao tema das
normas autolimitadas, entre outras.

- Equilíbrio – justifica regras de conflitos que protejam partes mais fracas

- Ponderação, liberdade (autonomia privada), tutela da confiança

- Bem comum – DIPúblico constitua um limite à aplicação do Direito


estrangeiro

- Então, quais serão os princípios de DIP?

- Primeiramente, há que frisar que desempenham uma função de resolução de


problemas de interpretação, integração de lacunas e redução teleológica.

- Princípios de conformação global do sistema

21
- Harmonia jurídica internacional – normas bilaterais, atender à dimensão
internacional na escolha de elementos de conexão

- Harmonia material ou interna – uniformidade de valoração das mesmas


situações dentro de cada ordem jurídica, e limitação do dépeçage.

- Confiança – art. 3º/1 CSC

- Efectividade – atender à circunstância de uns Estados estarem numa


posição privilegiada

- Maior proximidade – alcance limitado em Portugal

- Favor negotii – art. 36º/2 ou paralisação da devolução no 19º/1

- Reserva jurídico-material – o Direito de Conflitos não opera sem limites


colocados pela justiça material

- E os princípios de conexão?

- Conexão mais estreita – traduz a própria ideia de justiça da conexão no


seu conjunto – aplicar-se o Direito que o interessado esteja mais ligado ou familiarizado

- Personalidade – decorrência do princípio da dignidade da pessoa


humana, manifestando-se na ideia de lei pessoal

- Autonomia privada – possibilidade de escolha das conexões

Breve Referência à Relação Entre DIP e Direito da UE

- O Direito da UE é o complexo normativo formado pelos tratados da União, direito


derivado e outras fontes.

- Tem relevância óbvia para o DIP, seja meramente enquanto fonte de obrigações
internacionais dos Estados-Membros ou por ser direito vigente nas respectivas
ordens jurídicas internas.

- O DIP tem fontes comunitárias

- Do TUE e do TFUE decorrem certas soluções conflituais ou limites genéricos à


aplicação de normas de Direito de Conflitos dos Estados-Membros – uns defendem
que dos Tratados decorrem isso. Outros entendem que os Tratados não contêm
normas de conflitos ocultas nem condiciona a actuação do Direito dos Conflitos, só
havendo problemas no que toca a normas discriminatórias.

22
- LIMA PINHEIRO - concorda com a segunda posição – não se inferem normas de
conflitos ocultas das normas que consagram as liberdades fundamentais e que as
normas de Direito privado não constituem, em regra, excepções a essas liberdades.

- Seja como for, há sempre tensão entre as normas comunitárias que consagram
liberdades fundamentais e os Direitos de Conflitos dos Estados-Membros, mas
resolve-se por duas vias:

- Mediante a autonomização das questões de Direito privado suscitadas pela


aplicação dessas normas comunitárias e a sua sujeição ao DIP dos Estados membros.

- Noutros casos, mediante a tolerância dos efeitos secundários e indirectos da


aplicação de certas normas de Direito privado sobre o comércio intracomunitário
porquanto essa aplicação é justificada pelos fins prosseguidos por essas normas bem
como pelas finalidades do Direito de Conflitos.

- LIMA PINHEIRO – indiscutível que a proibição de discriminação em relação da


nacionalidade, constante dos Tratados, é incompatível como normas de DIPrivado
que estabeleçam tratamentos mais favoráveis a nacionais. Esse tratamento
diferenciado pode resultar da utilização, como critério diferenciador, seja da
nacionalidade seja de outro critério que conduza ao mesmo resultado discriminatório.
Contudo:

- O art. 18º TFUE só proíbe a discriminação no âmbito de aplicação do Tratado,


entendido em sentido amplo, abrangendo as normas nacionais que tenham uma
incidência directa ou indirecta sobre as liberdades comunitárias – para LP, parece claro
que as normas de conflitos em matéria pessoal estão fora do âmbito de aplicação
desta proibição.

- Por outro lado, a utilização do elemento de conexão nacionalidade,


designadamente em matéria de estatuto pessoal, não encerra qualquer discriminação
– a equiparação entre nacionais e estrangeiros está assegurada, no plano do Direito
dos Conflitos, quando o mesmo elemento de conexão for utilizado em todos os casos.
TJUE tem concordado no que toca às ‘sociedades comunitárias’ – Ac. Überseering e Ac.
Inspire Art – estabeleceram uma série de limites à actuação das normas de DIP em
conexão com o exercício de direito de estabelecimento.

- TJUE – princípio do país de origem – prestação intracomunitária de serviços está


submetida, em princípio à lei do Estado de origem, apesar do professor ter dúvidas
relativamente a sua pertinência.

- LIMA PINHEIRO – de jure condendo, parece-lhe concebível que se a Europa lentamente


se transformar num Estado federal, se justifiquem outros limites à aplicabilidade das
próprias normas de Direito privado do Estado destinatário da prestação de serviços,

23
tendo de se arranjar um novo critério de ponderação, menos restritivo do que o
desenvolvido pelo TJUE.

- O Direito da UE tem ainda relevância no que toca os limites de aplicação do Direito


estrangeiro ou não-estadual, por via da reserva de ordem pública ou como limite
autónomo.

- O Direito da UE que é auto-executório é aplicável às situações transnacionais dentro


da sua esfera de aplicação no espaço. Na maioria dos casos, Direitos de Conflitos de
Estados regulariam essas situações, mas Direito da União sobrepõe-se à lei
normalmente competente segundo o Direito de Conflitos geral, actuando como
normas de aplicação necessária.

- Muito importante é o facto de o Direito da União alterar as regras de resolução dos


concursos de nacionalidades – no Ac. Michelet, decidiu-se que, se um binacional
tiver a nacionalidade de um Estado-Membro e de um terceiro Estado, pelo menos
para efeito de liberdade de estabelecimento, prevalece sempre a nacionalidade do
Estado-Membro – valerá isto para outros efeitos? Já vamos ver.

Estrutura Geral da Norma de Conflitos


Elementos da Norma de Conflitos

- Previsão – a previsão da norma de conflitos define os pressupostos de cuja


verificação depende a sua aplicação

- Fenómeno da dépeçage – muitas normas de conflitos não se reportam a situações


típicas globalmente consideradas, reportando-se só a questões parciais. Art. 36º não
regula negócio jurídico na sua globalidade, tal como muitas normas ad hoc, trazendo o
risco de contradições normativas. A preservação da harmonia material exige a
reconstrução da unidade e coerência perdidas com fraccionamento, mediante
conjugação de diversos estatutos.

- Estatuição – a estatuição é a consequência jurídica que desencadeia, sendo


identificada com a conexão, i.e., o chamamento de um ou mais Direitos para
regularem a situação.

- Dupla função – por um lado a norma remete para um direito, através deu ma
conexão ou remissão.

- Conexão singular simples – designação directa e simples de um único Direito


aplicável

24
- Conexão singular subsidiária – série de elementos de conexão que operam em
ordem sucessiva – art. 21º, 31º e 32º

- Conexão singular alternativa – dois ou mais elementos de conexão susceptíveis de


designarem dois ou mais Direitos, sendo aplicável aquele que se mostrar mais favorável
à produção de determinado efeito jurídico – art. 36º

- Conexão singular optativa – dois ou mais elementos de conexão, susceptíveis de


designarem dois ou mais direitos – art. 7º Reg. Roma II em matéria de danos
ambientais

- Conexão plural cumulativa simples – norma de conflitos exige, para que se


produza certo efeito, a concorrência de dois ou mais Direitos – art. 33º/3

- Conexão plural condicionante – não há atribuição de competência paritária a dois


ou mais Direitos, a norma de conflitos chama um Direito como primariamente
competente, mas atribui a outro sistema uma função limitativa ou condicionante
quanto à produção de efeito certo – art. 60º

Interpretação e Aplicação da Norma de Conflitos

Interpretação

- Norma de fonte interna - art. 8º e 9º CC – apesar de interpretação estar ancorada no


direito material interno, não lhe está subordinada

- Muitas vezes, conceitos podem ser diferentes de país para país. Por exemplo, divórcio
vs. Talak – a técnica do conceito-quadro procura a base e o esqueleto, por exemplo
no caso, do divórcio, que se reconduz à dissolução do vínculo conjugal.

- Assim, como vemos, interpretação ancora-se no direito material português mas


não lhe está subordinado

- Fonte internacional – art. 31º Conv. Viena de Dto. Tratados

Integração de Lacunas

- Da lei – não se encontra normas de conflitos de fonte legal que indique a lei
reguladora.

25
- Pode ser uma lacuna oculta, apesar de se afirmar frequentemente que as lacunas
de DIP serão patentes, i.e., a falta de uma norma de conflitos aplicável a uma situação
transnacional é necessariamente uma lacuna. LIMA PINHEIRO entende que não, dizendo
que pode haver lacunas ocultas.

Aplicação no Tempo e no Espaço

- Direito dos conflitos é relativo no tempo e no espaço? É que a relatividade das


normas é normalmente pensada para as normas de conflitos, que orientarão as
condutas dos sujeitos.

- Para a escola de Coimbra, os destinatários das normas de conflitos são os tribunais –


assim pensam FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO .Assim sendo, elas serão de
aplicação universal e imediata.

- Mas admitir que norma de conflitos possa operar como norma de conduta
quando a lex fori for uma das leis interessadas, i.e., quando haja uma conexão entre a
situação e a lei do foro – as partes só podem ter orientado a sua actuação pelo Direito
dos Conflitos do foro se no momento da acção havia um laço significativo entre a
situação e o direito do foro.

- LIMA PINHEIRO – do reconhecimento de uma função reguladora às normas de


conflitos hão de advir consequências para as questões de aplicação no tempo

Aplicação no Tempo

- Início e termo de vigência das normas de conflitos não sustenta dificuldades,


resolvendo-se com as regras gerais da vacatio legis

- E sucessão no tempo de normas de conflitos? Há que delimitar o âmbito da


norma velha e da norma nova.

- Problema poderia ter sido resolvido pelo legislador ao consagrar normas


intertemporais. Na sua falta, deve recorrer-se ao Direito Intertemporal da ordem
jurídica em que estão integradas as normas de conflito em causa. Assim diz LIMA
PINHEIRO

- Tese dominante na Alemanha e França e perfilhada pelo STJ, TC e M AGALHÃES


COLLAÇO,

- Ainda existe a tese da aplicação imediata e retroactiva do novo direito dos


conflitos

26
- BAPTISTA MACHADO – normas de conflitos não são reguladoras nem são normas
de condutas – não há razões para intervenção do princípio da irretroactividade.

- Não existindo regras dessas, serão aplicáveis as normas do art. 12º e 13º CC

- Em princípio também se aplicam as normas especiais de Direito transitório sobre a


aplicação no tempo de certo diploma que contenha normas de conflitos, sendo que a
aplicação às normas de conflito de normas especiais de direito transitório relativas a
direito material, terá de ser mediante analogia.

- Ex: regime de bens – art. 15º do DL que aprova o CC

Aplicação no Espaço

- Conflitos de sistemas de DIP – os progresso realizados na unificação do Direito de


conflitos eliminaram muitas das divergências

- Expressão, para LP, não é inteiramente satisfatória, pois há problemas de


coordenação de sistemas nacionais de DIP

- Se os dois sistemas conduzirem à competência de dois direitos – conflito positivo

- Nenhum declara-se competente – conflito negativo.

Do Elemento de Conexão
Princípios Gerais de Interpretação e Aplicação

- Existem dois momentos na interpretação e aplicação do elemento de conexão –


interpretação e concretização. Quanto à primeira pergunta-se: qual o conteúdo do
elemento de conexão? Na segunda determina-se o laço em que se traduz o elemento.

- Interpretação – de conceitos técnico-jurídicos suscita dificuldades, perante a


diversidade do conteúdo atribuído a estes conceitos.

- LIMA PINHEIRO – norma de conflitos deve ser interpretada no contexto do seu


sistema, mas também com autonomia relativamente ao direito material vigente.

- Concretização – como determinar o conteúdo concreto do elemento de conexão?

- Se se reportar a um elemento fáctico, é fácil – lugar celebração do contrato

- Se se reportar a um vínculo, consequência ou facto jurídico, é mais difícil

- Vínculo jurídico – nacionalidade – com referência à lex fori ou à lex causae.

27
- Consequência jurídica – local onde ocorre o dano

- Facto jurídico – designação do direito aplicável

- Se elemento de conexão tiver conteúdo múltiplo ou falta de conteúdo?

- Quando no caso concreto surgem vários laços que se estabelecem com


diferentes Estados, reconduzíveis ao mesmo conceito designativo – dupla
nacionalidade

- Podem ser resolvidos por lei especial – art. 27º e 28º da LN para a dupla
nacionalidade (concurso de nacionalidades)

- Art. 28º aplica-se se alguma das nacionalidades for comunitária? Como já


vimos, Ac. Micchelet afirmou que para efeitos de direito de estabelecimento, a
nacionalidade relevante é sempre a do Estado Comunitário. Valerá isto para outros
efeitos? LIMA PINHEIRO e MARQUES DOS SANTOS entendem que sim, pois seria indesejável
que um plurinacional em Portugal fosse tratado como nacional de um Estado para
uns efeitos e de outro Estado para outros efeitos.

- Na falta de norma especial, o problema deve resolver-se com base na


interpretação da norma de conflitos, ou mediante uma conexão alternativa ou
optativa.

- Quando houver falta de conteúdo? Aí, há que atender se existe ou não norma
especial que regule o problema. Art. 32º/1 – aplicável ao apátrida. Na falta absoluta de
conteúdo, há que atender ao art. 23º/2, que manda recorrer à lei que for
subsidiariamente competente, e na falta de conexão subsidiária, aplicar-se a lei do
foro.

- Problema da concretização de elementos de conexão no tempo – nacionalidade,


residência habitual ou lugar da situação da coisa móvel podem mudar. Surge assim um
problema de sucessão de estatutos ou conflito móvel. Há duas teses:

- Analogia entre sucessão de estatutos e conflito de leis no tempo, sendo


analogicamente aplicáveis as leis intertemporais - BAPTISTA MACHADO, NEUHAUS, BATIFFOL

- Não é possível formular regras gerais em matéria de sucessão de estatutos –


deve-se interpretar a norma de conflitos que suscita o problema: M AGALHÃES COLLAÇO,
WENGLER e de FERRER CORREIRA - oferece uma base metodológica mais segura – a
determinação do momento relevante para a concretização do elemento de conexão é
um problema de interpretação da norma de conflitos que o utiliza. Aqui, estamos
perante duas ordens jurídicas vigentes, mudando a situação da vida.

- LIMA PINHEIRO – é preciso determinar o momento relevante da conexão – por


vezes legislador fixa – art. 53º/1, 56º/1 ou 62º

28
- À semelhança do Direito Intertemporal, a situação validamente
constituída sob o império do estatuto anterior deve persistir em caso de mudança.

- Disposições especiais – art. 29º ou 63º/2

A Nacionalidade, o Domicílio e a Residência Habitual

- A nacionalidade dos indivíduos tem relevância na determinação do seu estatuto


pessoal, como elemento de conexão primário nos termos do art. 31º/1 ou
nacionalidade comum no 52º e 53º, relevando também em responsabilidade
extracontratual – art. 45º/3

- Interpretação deste elemento – parte-se da acepção geral da nacionalidade


como um vínculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado.

- ATENÇÃO: ainda há os vínculos infraestaduais, como as nacionalidades


secundárias dos EUA ou a nacionalidade primária do cantão suíço; também se
considera nacionalidade se o vínculo for com estados não-soberanos – assegura-se o
princípio da liberdade de cada Estado na determinação dos seus nacionais.

- O domicílio, como vínculo jurídico entre uma pessoa e um lugar situado num
determinado espaço territorial tem um papel reduzido no nosso direito dos conflitos,
pois em matéria de estatuto pessoal, é a lei da residência habitual e não a do domicílio,
a conexão subsidiária.

- Relevância – art. 32º/1 (lei pessoal do apátrida menor), art. 12º Conv. Genebra
dos Refugiados, e art. 39º/3 (representação voluntária).

- Tem mais relevância no direito de conflitos estrangeiro, divergindo muito – em


Portugal assenta na noção de residência (102º CC) e em França no centro de actividade
profissional; nos direitos anglo-saxónicos, o conceito de domicílio surge como ligação
de um indivíduo a uma circunscrição territorial sujeita a um único sistema jurídico –
uma pessoa não é domiciliada no RU, mas em Inglaterra ou na Escócia.

- Quanto à interpretação, já se sabe que os conceitos designativos têm de se


interpretar no contexto do sistema a que pertencem, mas com autonomia. No conceito
de domicílio, devem-se incluir uma nota objectiva de permanência num determinado
lugar e uma nota subjectiva de intenção em aí permanecer, se bem que o domicile of
origin inglês não se enquadra aqui.

- Art. 32/1 – art. 85º CC só se aplica quando está em causa domicílio legal
em Portugal, sendo que o nº 5 do 85º reitera isso

29
- A residência habitual é o elemento de conexão subsidiário geral em matéria de
estatuto pessoal – 32º/1 para apátridas, residência habitual comum nos arts. 52º, 53º,
54º, 56º, 57º e 60º

- Art. 53º/2 CC – primeira residência conjugal tem de ser uma residência habitual
ou pode ser ocasional? Não vale como primeira residência habitual a localização
temporária ou acidental dos cônjuges num determinado país sem que aí tenham
organizado a sua vida – é mero paradeiro.

- Conceito menos carregado de elementos técnico-jurídicos que o conceito de


domicílio, sendo mais fácil de aplicar e gerando menos divergência. Por residência
habitual, há que entender centro da vida pessoal do indivíduo, independentemente
de autorização de residência, contendo já uma nota de permanência. O qualificativo
de habitual exige um elevado grau de estabilidade e permanência - assim, será
residência habitual como o centro efectivo e estável da vida pessoal do indivíduo.

- E se tiver várias? Deve relevar a residência habitual do Estado com o qual o


indivíduo esteja mais intimamente ligado. Na sua falta, residência ocasional – art.
32º/2

Outros Elementos de Conexão

- A sede da pessoa colectiva – é relevante para a determinação da lei pessoal das


pessoas colectivas – art. 33º e 3º/1 CSC enquanto sede principal e efectiva da
administração, se bem que a sede estatutária pode relevar em matéria de sociedades
comerciais e pessoas colectivas internacionais – 3º/1 CSC e 34º CC

- Lugar da celebração – utilizado em matéria de forma do negócio jurídico – art. 36º,


50º e 51º e 65º, tendo sido acolhido relativamente às obrigações voluntárias no art.
42º/2 – solução criticável que suscitava frequentemente problemas no que toca à
determinação do lugar da celebração nos contratos entre ausentes.

- Designação pelo Interessado ou Interessados – elemento de conexão primário no


que toca obrigações voluntárias, como decorre do art. 3º do Reg. Roma I, 41º CC e
ainda art. 5º Conv. Haia sobre Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e
Representação.

- Também dá para obrigações extracontratuais – art. 14º Reg. Roma II

- Pessoas colectivas internacionais – 34º

- Lugar da situação da coisa – principal elemento de conexão em matéria de posse e


direitos reais, sendo o que resulta do art. 46º/1 e 2 CC.

30
- O lugar da situação da coisa também é utilizado em matéria de capacidade para
constituir direitos reais sobre imóveis e para dispor deles, nos termos do art. 47º CC

- Releva ainda na representação voluntária relativa a imóveis – art. 39º/4

- Lugar da Produção do Efeito Lesivo – releva em matéria extra-contratual – art. 4º/1


Reg. Roma II

- Outros – lugar do comportamento negocial (35º/2), lugar da recepção da proposta


(35º/3), lugar onde são exercidos poderes representativos (39º/1), lugar da actividade
do gestor de negócios (art. 11º/3 Reg. Roma II), lugar da matrícula (46º/3), lugar de
estabelecimento profissional do intermediário (art. 6º/1 e 11º/1
ChaiaLApCttosMedRep)

Remissão Para Ordenamentos Jurídicos Complexos9


Problema

- O conceito e as modalidades da ordem jurídica complexa foram examinados, sendo


que eles suscitam dois problemas:

- Quando é que uma norma de conflitos remete para ordenamento jurídico


complexo?

- Supondo que sim, como se determina qual dos regimes se aplica ao caso?

- Art. 20º CC, 19º Reg. Roma I, 25º/1 Reg. Roma II, 19º Conv. Haia

Princípios Gerais de Resolução do Problema

Quando é que uma norma de conflitos remete para ordenamento jurídico complexo?

- O art. 20º CC só se refere à remissão feita pelo elemento de conexão nacionalidade,


não respondendo à questão de saber qual a lei reguladora do estatuto pessoal de um
apátrida com residência habitual em Londres mas domiciliado na Escócia.

9
LIMA PINHEIRO, DIP, 461-468

31
- Como proceder nos casos em que o elemento de conexão seja a residência habitual,
domicílio, lugar da celebração, do delito, situação da coisa, etc.?

- FERRER CORREIA – quando o elemento de conexão aponta directamente para


determinado lugar no espaço, será competente o sistema em vigor nesse lugar.

- MAGALHÃES COLLAÇO – remissão da norma de conflitos é feita, em princípio, para o


ordenamento do Estado soberano.

- LP concorda – porque ao DIP compete determinar o direito aplicável, quando a


situação está em contacto com mais de um Estado soberano, e não resolver conflitos
internos. Em princípio, quando a norma remete para Direito estadual, fá-lo para Direito
de um Estado soberano. Assim apontam as leis austríacas, italiana e 19º e 20º da Conv.
Haia Sucessões Por Morte.

- Já em matéria de obrigações contratuais e extracontratuais e contratos


de mediação resultantes do 19º/1 Reg. Roma I, 25º/1 Reg. Roma II e 19º da
CdeHaiaMediação a remissão é entendida como referência directa a um dos sistemas
locais – o legislador internacional e comunitário não contemplou a hipótese de
designação de uma ordem jurídica complexa no seu conjunto – Direito Britânico –
sendo inevitável considerar remissão feita para Estado soberano e proceder à
determinação do sistema aplicável nos seguintes termos:

Como Determinar o Sistema Aplicável?

- Dois princípios orientadores: pertence ao ordenamento jurídico complexo resolver


os conflitos de leis internos e, assim, determinar qual o sistema interno aplicável; e se
ordenamento não resolver problema, deve-se aplicar, de entre os seus sistemas, o que
tem conexão mais estreita com situação a regular.

- Estes princípios concretizam-se quando a remissão para o ordenamento jurídico


complexo é feita pelo elemento de conexão nacionalidade

- No caso de ordenamentos jurídicos de base territorial, o art. 20º/1 determina que


pertence ao ordenamento fixar o sistema aplicável, o que vai acontecer se ordem
jurídica complexa tiver um sistema unitário de Direito Interlocal ou quando todos os
ordenamentos locais estejam de acordo sobre o ordenamento aplicável – e na falta
de concordância de todos, chega a concordância dos que estão em causa.

- Se não, recorre-se ao DIP unificado – 20º/2. E se não houver?

- MAGALHÃES COLLAÇO – releva residência habitual dentro do Estado soberano

32
- Escola de Coimbra – aplica-se a lei da residência habitual, mesmo fora do Estado
da nacionalidade. IMG discorda, pois não se fornece, no art. 20º/2, in fine, um critério
para determinar o sistema aplicável quando a residência habitual se situe fora do
Estado da Nacionalidade. LP – devemos aplicar aquele, na falta de residência habitual,
com que apresenta maior ligação, como no 28º da LN.

- Para a determinar, há que atender a todos os laços objectivos e


subjectivos que exprimam uma ligação entre a pessoa em causa e um dos sistemas
vigentes no ordenamento complexo, e, designadamente, ao vínculo de
subnacionalidade, ao domicílio e à última residência habitual ou domicílio.

- No caso de ordenamentos jurídicos de base pessoal, o art. 20º/3 CC consagra o


princípio de quem pertence ao ordenamento complexo determinar o sistema pessoal
competente.

- Assim, serão aplicáveis as leis de Direito Interpessoal da ordem jurídica


designada, incluindo tanto as normas de conflitos interpessoais como as normas de
Direito material especial, como as que regulem o casamento entre pessoas de religião
diferente.

- O legislador supôs que o ordenamento de base pessoal disporá sempre de


critérios para determinar o sistema pessoal aplicável – pode não acontecer e, nesse
caso, teremos de aplicar o sistema com o qual a situação a regular tem uma conexão
mais estreita.

- E se elemento de conexão não for a nacionalidade? O art. 20º não contempla esses
casos.

- LP – lacuna integrada por aplicação analógica do art. 20º CC, i.e., no caso de
remissão para um ordenamento complexo de base territorial, deve-se sempre atender
ao Direito Interlocal e ao DIP unificados que lá haja. Se não houver, se remissão
operada apontar para um determinado lugar no espaço ou directamente para
determinado sistema local, há que entender que a remissão operada pela norma de
conflitos como uma remissão para o sistema local, afastando-se a aplicação analógica
do 20º/2, 2ª parte em todos os critérios que não a nacionalidade, considerando os
sistemas locais como se fossem autónomos e entende-se que a norma de conflitos,
ao indicar para um sítio, remete indirectamente para o sistema que aí vigora.

- Idem para designação de direito aplicável pelas partes – atender-se-á o sistema


local para onde remetam. Se tiverem designado a ordem jurídica complexa, aplica-se o
sistema com conexão mais estreita com a situação.

- Se estivermos a falar de remissão para um ordenamento complexo de base


pessoal operada por elemento de conexão que não a nacionalidade, aplica-se

33
analogicamente o art. 20º/3, e atende-se às normas de Direito Interpessoal da ordem
designada. Na falta, conexão mais estreita.

Devolução ou Reenvio10
Introdução

- Problema – quando a norma de conflitos portuguesa remeta para ordem jurídica


estrangeira pode acontecer que essa ordem jurídica, por ter norma de conflitos
idêntica, também considere aplicável o seu direito material.

- Assim, a referência feita poderá ser de duas ordens:

- Material – remissão directa e imediata para o Direito Material, que se


contrapõe a qualquer sistema de devolução.

- Global – tem DIP do Estado em questão em conta também – remissão abrange


sempre direito de conflitos, para salvaguardar harmonia internacional.

- Três pressupostos da devolução:

- Norma da lei do foro remete para lei estrangeira

- Remissão não é referência material

- Lei estrangeira não se considere competente, quando utiliza um elemento de


conexão diferente ou interpretado de forma diferente.

- A devolução feita pode ser:

- Devolução simples – remissão da norma de conflitos do foro abrange as


normas de conflito da ordem jurídica estrangeira, mas essa última é entendida como
referência material.

- Dupla devolução ou devolução integral – tribunal do foro deve decidir a


questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal da ordem jurídica
designada.

- Visto tudo, LIMA PINHEIRO diz não ser precisa uma posição radicalmente pró-
devolucionista ou anti-devolucionista. Uma doutrina dominante, onde se situa, por
exemplo, MAGALHÃES COLLAÇO, entende que se deve renunciar a qualquer regra geral
em matéria de devolução – o problema deveria ser resolvido no plano da
interpretação de cada norma de conflito. Os legisladores, geralmente, têm
frequentemente adoptado uma regra geral acompanhada de importantes desvios.

10
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 470-496

34
- O sistema português parte de uma regra geral de referência material mas aceita
a devolução em certos casos, e a grande parte das codificações recentes mostra-se
desfavorável à admissão geral do reenvio, não o excluindo totalmente – leis suíça,
belga, do Quebeque e da Luisiana.

- Lei alemã e lei italiana – devolução aceite como regra geral, mas com limites.

- LIMA PINHEIRO – concluindo, devolução deve ser admitida como mecanismo de


correcção do resultado a que conduz no caso exigido a aplicação da norma de
conflitos de foro, quando tal seja exigido pela doutrina conflitual.

- Em Portugal, é precisamente, o princípio da harmonia internacional de


soluções que pode fundamentar a aceitação da devolução, conjugado com as ideias
antagónicas do favor negotii e da protecção especial de pessoas.

O Regime Vigente em Portugal

- Regra Geral da Referência Material – art. 16º - quando diz ‘direito interno’ quer
significar Direito material – na verdade esse direito ‘interno’ pode ser também de fonte
internacional, europeia ou transnacional. O mesmo se diga da utilização da expressão
nos arts. 17º e 18.

- Deste artigo resulta que a referência material é enunciada como regra geral,
admitindo preceito em contrário, i.e., que se aceite a devolução nos casos em que a lei
o determine – 17º, 18º, 36º/2 e 65º/1.

- BAPTISTA MACHADO – 16º não é regra geral, mas regra pragmática que admite
desvios nos casos em que aceita a devolução.

- Transmissão de Competência – art. 17º - preceito permite, sob certas condições, a


transmissão de competência

- nº 1 – ‘remeter’ deve-se entender como ‘aplicar’ – o que interessa é que L2


aplique uma terceira lei. Assim, os dois pressupostos serão: que o Direito estrangeiro
designado pela norma portuguesa aplique outra ordem jurídica estrangeira; que essa
ordem jurídica aceite a competência. Ex: sucessão imobiliária de um francês que deixa
imóvel situado em Inglaterra – L1 remete para L2 que remete para L3 que se considera
competente.

- Situações com L4 e L5 e por aí fora, transmissão em cadeia, são abrangidas


na ratio do preceito.

- Nos casos em que L1 remete para L2, L2 remete para L3, que remete para L2
(ambos praticam devolução simples) – ambos aceitam retorno, e assim, L2 aceita o

35
retorno de L3, aplicando o seu Direito e L3 aceita o retorno de L2 – não há transmissão
porque L2 deveria aplicar L3. Funciona a regra de referência material do art. 16º, pelo
que se deve aplicar a lei francesa.

- Lei aplicada por L2 pode considerar-se directa ou indirectamente


competente – L1 remete para L2 que remete com referência material para L3, que faz
devolução simples para L2, considerando-se então competente.

- nº 2- aplica-se em matéria de estatuto pessoal – dois pressupostos: interessado


tenha residência habitual em Portugal ou interessado tem residência habitual noutro
Estado que aplica o Direito material do Estado da Nacionalidade

- Em princípio L2 tem de ser lei da nacionalidade chamada a reger


matéria do estatuto pessoal, sendo que o interessado é aquele que desencadeou o
funcionamento do elemento de conexão que designou L2

- Concretização no tempo – ex: perante o art. 43º que em matéria de


substância e efeitos de CAN’s e regimes de bens manda atender à lei nacional dos
nubentes no tempo da celebração do casamento, se entretanto mudou a residência
habitual qual é a relevante para o 17º/2 – residência habitual à data do casamento ou
residência habitual actual? Será, para LP, a residência habitual ao tempo do
casamento, pois doutro modo, a mudança de residência mudava regime de bens.
Enfim, a lei da residência habitual pode remeter para lei da nacionalidade – L2 – mas
não a aplicar, por aceitar a transmissão de competência operada pela lei da
nacionalidade, ou pode remeter para Direito português e vir a aplicar a lei da
nacionalidade, também através da devolução.

- Ratio – porque se dificulta a transmissão em matéria de estatuto? Dá-


se relevância ao elemento de conexão resid. habitual, para dificultar a aplicação de
uma lei diferente da lei da nacionalidade – primazia da conexão nacionalidade –
critério de justiça subjacente à escolha da lei nacional sobrepõe-se à harmonia
internacional

- 2ª parte do art. 17º/2 releva quando o interessado tiver residência


habitual noutro Estado que aplica a lei da nacionalidade – lei da nacionalidade remete
para um Estado que não é o da residência habitual, não consagrando, os elementos de
conexão normalmente relevantes – nacionalidade, domicílio ou RH.

- nº 3 – vem repor transmissão de competência – só se aplica quando antes se


tenham verificado as previsões das normas do nº 1 e 2 – é um afloramento do
princípio da maior proximidade – Direito português admite abandonar o seu critério
de conexão para assegurar a efectividade das decisões dos seus tribunais, quando o
Direito da nacionalidade estiver de acordo na aplicação da lex rei sitae.

- Retorno de competência – art. 18º

36
- nº 1 – depende de um único pressuposto: que L2 aplique o Direito material
português. Porquê? Só neste caso o retorno é condição necessária e suficiente para
assegurar a harmonia com L2. Assim, se L2 remeter para o Direito português, mas não
para o Direito material português, não aceitamos o retorno, aplicando-se o art. 16º

- Desta forma, nunca aceitamos o retorno directo operado por um sistema


que pratica devolução simples.

- Retorno pode ser indirecto – o que interessa é que L2 aplique o Direito


material português. Assim, se L2 remete para L3 com devolução simples e L3 remete
para o Direito português, L2 aplica o direito material português – importante é a
harmonia com L2

- Maior dificuldade – L2 não remete directa e imediatamente para Direito


material português, mas condiciona a resposta ao sistema de devolução português,
i.e., sistema que aplique ou não o nosso Direito material consoante o nosso direito
aceite ou não o retorno. Acontece no caso de retorno directo operado por um sistema
que faça devolução integral – aí BAPTISTA MACHADO acha que, por razões de boa
administração de justiça, dever-se-á aplicar o retorno, também porque se L1 aceitar
retorno L2 aplicará Direito material português. Opinião isolada, pois nós aceitamos o
retorno se L2 aplicar direito português, L2 aplica Direito material português se nós
aceitarmos o retorno – raciocínio circular.

- Noutros casos em que L2 não remete incondicionalmente para Direito


material português, dificilmente se aceita o retorno, pois não haverá condição
necessária ou suficiente para haver harmonia com L2.

- nº 2- limites ao retorno em matéria de estatuto pessoal – só se aplica quando


nº 1 também se aplica, tendo duas hipóteses: interessado tem residência habitual em
Portugal; ou quando interessado tem residência habitual num Estado que aplica
direito material português.

- Ratio – também é a ideia de primazia da conexão da lei da nacionalidade,


apesar de LP não entender porquê que se dificulta mais – no 17º/2 a transmissão de
competência só cessa em 2 hipóteses; aqui, no 18º/2, só há retorno em duas
hipóteses.

Limites

- O Favor Negotii como Limite à Devolução – art. 19º/1 – o favor negotii paralisa a
devolução, advindo da preocupação em facilitar e desenvolver o comércio
internacional por meio do favorecimento da validade e eficácia dos negócios
jurídicos.

37
- Primazia do favor negotii sobre harmonia internacional

- Preceito tem enorme alcance – sempre que haja devolução for força do art. 17º
ou 18º, esta devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do
negócio ou à legitimidade de um estado. Apesar da Escola de Coimbra fazer uma
interpretação restritiva, dizendo que só se aplica às situações já constituídas, LP diz
que tudo indica que o legislador quis dar primazia ao princípio do favor negotii
relativamente à harmonia, nem o Anteprojecto faz qualquer referência.

- Casos em que Não é Admitida a Devolução

- Não é admitida quando a remissão seja feita pelo elemento de conexão


designado pelos interessados utilizando, nomeadamente, art. 34º e 41º

-19º/2 – em rigor não terá de se fazer cessar ou paralisar a devolução, não se


aplicam os arts. 17º e 18º dada a natureza do elemento de conexão – ideia da
existência de conexões adversas ao reenvio.

- Reg. Roma I e II – 15º e 24º respct, excluem o reenvio, quer se trate da lei
designada pelas partes ou objectivamente determinada.

- Contratos de mediação também.

- 42º CVM

Regimes Especiais

- Art. 36º/2 – favor negotii como fundamento autónomo de devolução –


favorecimento da validade formal do negócio e não apenas da harmonia
internacional de soluções – nem se vai aos artigos do reenvio

- Art. 36º/1 tem uma conexão alternativa, que abre a possibilidade do negócio
obedecer à forma prescrita por uma de duas leis aí indicadas. O nº 2 cria uma terceira
possibilidade: observância da forma prescrita pela lei para que remete a norma de
conflitos da lei do lugar da celebração – conexão alternativa por validade de negocio
jurídico

- Tem se entendido que o 36º/2 adopta um sistema de devolução simples – o


preceito manda atender à norma de conflitos da lei do lugar da celebração. Mas LP
entende devolução integral, pois o favorecimento da validade formal não deve ser
cego à importância de harmonia com L2.

- O exposto aplica-se à hipótese de devolução do art. 65º/1, in fine – devolução vem


abrir uma quarta possibilidade para salvar a validade formal de uma disposição por
morte.

38
Características do Sistema de Devolução Português

- Regra geral da referência material – decorre dos limites colocados à devolução no


art. 19º

- Arts. 17º e 18º contêm regras especiais que admitem a devolução, configurando um
sistema de devolução sui generis, visto não corresponder nem à simples nem à
integral

- Em matéria de forma do negócio jurídico admite-se a transmissão de competência


para uma lei que não esteja disposta a aplicar-se para obter a validade formal do
negócio.

A Fraude à Lei11 12

Noção

- FERRER CORREIA – a fraude à lei em DIP consiste em alguém iludir a competência da lei
de aplicação normal a fim de afastar um preceito de direito material dessa lei,
substituindo-lhe outra lei onde tal preceito, que não convém às partes ou a uma
delas, não existe.

- A fraude à lei é reconhecida como um instituto jurídico de alcance geral em alguns


sistemas (França), podendo também não o ser (Common Law e Alemanha). Em
Portugal, o ponto é controverso. LIMA PINHEIRO não toma posição pois o instituto está
legalmente consagrado em Portugal, sendo que a posição que se tome relativamente a
ele em teoria geral não terá grande influência no direito de conflitos.

- No Direito de Conflitos trata-se geralmente de alcançar o resultado que a norma


proibitiva visa evitar, mas a manobra defraudatória consiste no afastamento da lei
que contém essa norma proibitiva, na ‘fuga de uma ordem jurídica para outra’, apesar
de a norma à qual se foge poder ser imperativa não proibitiva (requisitos de negócios
jurídicos).

- Historicamente chamou-se a atenção para este instituto no caso Bibesco em França: a


Princesa Bauffremont, cidadã francesa, queria divorciar-se, mas a lei francesa não
admitia o divórcio, só a separação. Assim, ela obteve a cidadania do Estado alemão
Saxe-Altenburg, cuja lei assimilava a separação ao divórcio, e casou posteriormente
com o príncipe romeno Bibesco. Os tribunais franceses consideraram nulo o divórcio e
o segundo casamento.
11
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 498-504
12
FERRER CORREIA, Lições..., pp 421 ss

39
- Alguma doutrina estrangeira falava da fraude à lei como um caso particular da ordem
pública internacional, se bem que hoje se tende a estabelecer uma clara distinção
entre os dois institutos: na ordem pública internacional está em causa a
compatibilidade do resultado a que conduz a aplicação da lei estrangeira com a
justiça material da ordem jurídica do foro e na fraude à lei está em causa o
afastamento da lei normalmente competente e o desrespeito pela norma imperativa
nela contida, ainda que o Direito do foro não contenha uma norma equivalente.

- Tal como conformado pelo Direito de Conflitos português, a fraude à lei constitui um
instrumento de justiça da conexão e um limite ético colocado à autonomia privada na
modelação do conteúdo concreto dos elementos de conexão.

- Quanto à sua tipologia, podemos distinguir:

- Manipulação do Elemento de Conexão – para afastar a lei normalmente


competente, o agente da fraude vai modelar o conteúdo concreto do elemento de
conexão (malteses que residem em Portugal que queiram divorciar-se, naturalizam-se
portugueses, embora não se integrem na nossa sociedade)

- Internacionalização Fictícia de uma Situação Interna – par afastar o Direito


material vigente na ordem jurídica interna, o que é o exclusivamente aplicável a uma
situação interna, estabelece-se uma conexão com um Estado estrangeiro, por forma a
desencadear a aplicação do direito estrangeiro (dois portugueses vão celebrar contrato
a Badajoz para fugirem aos limites da lei portuguesa às taxas de juros do mútuo).

- Os elementos da fraude são dois:

- Objectivo: consiste ou na manipulação com êxito do elemento de conexão ou na


internacionalização fictícia de uma situação interna.

- Para haver uma manipulação com êxito tem de haver uma manobra contra
a lei normalmente aplicável, coisa que não ocorre quando se dá às partes a
possibilidade de escolher a lei normalmente competente (contratos obrigacionais
internacionais); terá de haver uma norma imperativa objecto da fraude (se bem que
há uma divergência doutrinária – F ERRER CORREIA, KEGEL e BAPTISTA MACHADO dizem que
o objecto da fraude é a norma de conflitos, o que pode acabar por ser verdade se
virmos a norma de conflitos como objecto de fraude no sentido em que há uma
actuação que conduz à sua frustração); e a manipulação terá de ter êxito, i.e., tem de
desencadear o chamamento de uma lei diferente (ex: português faz testamento em
Inglaterra para privar os filhos da legítima, sendo que a validade vai depender da
nacionalidade e não do local).

40
- FERRER CORREIA (com a concordância de LIMA PINHEIRO) – não haverá fraude
à lei quando ela consistir na mudança de nacionalidade e o naturalizado se integrar
seriamente na sua nova comunidade nacional. Há, de facto, inicialmente, fraude à lei,
fraude essa que é sanada pela integração efectiva na nova comunidade nacional.

- Subjectivo – ou elemento volitivo, consiste na vontade de afastar a aplicação


de uma norma imperativa que seria normalmente aplicável, tendo de ser feito com
dolo: não há fraude por negligência, dolo esse que terá de incidir sobre a modelação
do conteúdo concreto do elemento de conexão ou sobre a internacionalização fictícia
da situação interna. Esse elemento tem geralmente de ser inferido dos factos, com
base em juízos de probabilidade fundados em regras de experiência.

- Há casos em que o legislador qualifica o elemento de conexão de modo a evitar ou


dificultar a fraude, i.e., as medidas preventivas da fraude.

- Art. 33.º/1 CC – o legislador manda atender à sede principal e efectiva da


administração da pessoa colectiva, afastando-se a relevância de uma ‘sede fictícia’
estabelecidas por sociedades em paraísos fiscais como o Liechtenstein, o Panamá ou as
Ilhas Caimão.

- Art. 55.º/2 CC – em caso de mudança da lei competente na constância do


matrimónio só pode fundamentar a separação ou o divórcio algum facto relevante
perante a lei competente ao tempo da sua verificação, pretendendo-se evitar a
alteração da relevância do facto mediante a mudança de lei aplicável – são os casos de
imobilização do elemento de conexão em que se fixa definitivamente o momento da
sua concretização.

A Sanção da Fraude à Lei

- Posição da jurisprudência francesa e de F ERNANDO OLAVO – segundo o princípio fraus


omnia corrumpit, considera-se que todos os actos integrados no processo fraudulento,
incluindo a própria naturalização, são nulos ou inoperantes.

- Posição da doutrina portuguesa mais recente – o Estado do foro não pode declarar
inválida a aquisição de uma nacionalidade estrangeira. O que o Direito de Conflitos do
foro pode fazer é recusar a essa naturalização qualquer efeito na aplicação da norma
de conflitos – o caminho seguido no art. 21.º CC parece ser esse, decorrendo
claramente que a sanção da fraude à lei se confina àquilo que respeite à aplicação das
normas de conflitos.

- Sendo irrelevante a manipulação do elemento de conexão ou a


internacionalização fictícia, a sanção da fraude consiste em aplicar a lei normalmente
competente. Os actos em si, por exemplo um testamento, não são inválidos, apenas se
aplicará a lei normalmente competente.

41
- Pode-se também sancionar a fraude à lei estrangeira.

- Questão controversa: no tratamento da fraude à lei estrangeira deve-se ter em conta


a posição da lei defraudada?

- FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO não diferenciam entre a sanção da fraude à lei
do foro e a sanção da fraude à lei estrangeira

- MAGALHÃES COLLAÇO – a fraude à lei do foro é sempre sancionada, enquanto que a


fraude à lei estrangeira só o será em dois casos: se a lei estrangeira defraudada
também sanciona a fraude ou se não sancionar, a fraude está em causa, na perspectiva
do DIP do Estado do foro, um princípio do mínimo ético nas relações internacionais
que não se conforma com o desrespeito da proibição contida na lei normalmente
competente, pesando, a favor desta diferenciação a harmonia internacional de
soluções. Se não atendermos à posição da lei estrangeira arriscamo-nos a sancionar
uma fraude que esta lei não sanciona.

A Qualificação13 14 15
Enquadramento Geral

- FERRER CORREIA – é por meio de conceitos técnico-jurídicos que as regras de conflitos


definem e delimitam o respectivo campo de aplicação: tais conceitos têm a
característica peculiar de serem aptos a incorporar uma multiplicidade de conteúdos
jurídicos, sendo, pois, conceitos-quadro.

- Será que o nosso conceito de divórcio vale como o divórcio privado do direito
rabínico judaico ou o talak do direito muçulmano? I.e., neste exemplo, a decisão
judicial será característica essencial do divórcio?

- LIMA PINHEIRO – trata-se de resolver os problemas de interpretação e aplicação da


norma de conflitos que dizem respeito aos conceitos técnico-jurídicos utilizados na sua
previsão.

13
LIMA PINHEIRO, DIP, pp. 505 ss
14
FERRER CORREIA, Lições..., pp. 199 ss
15
BAPTISA MACHADO, Lições..., pp. 105 ss

42
- Palavras/conceitos como ‘relações de família’, ‘sucessões por morte’ e ‘direitos
reais’ delimitam o objecto da remissão – o objecto será a situação da vida
transnacional.

- A qualificação é normalmente concebida como a operação pela qual se subsume uma


situação da vida no conceito técnico-jurídico utilizado para delimitar o objecto da
remissão.

- BAPTISTA MACHADO – o problema da qualificação em sentido estrito é o problema


da subsumibilidade de um quid concreto a um conceito utilizado por uma norma.
Qualificar um certo quid é determiná-lo como subsumível a um conceito, por
aplicação desse mesmo conceito, é verificar ou constatar em certo dado as notas ou
características que foram a compreensão de certo conceito.

- Dificuldade – saber se dada realidade se reconduz à previsão de determinada


norma

- Qualificação em DIP tem de ter em conta dois níveis: direito material e direito de
conflitos e a pluralidade de ordens jurídicas – art. 15.º CC – não se deve tomar o
preceito como ponto de partida.

Operações Desenvolvidas na Qualificação

- Não se deve isolar a interpretação da aplicação nem a delimitação do âmbito de


aplicação.

- Aplicação tem de fazer um ‘vaivém’ entre a norma e o caso.

- Assim, diz LIMA PINHEIRO, os principais problemas da qualificação reconduzem-se a


problemas de interpretação

- Tradicionalmente a qualificação é encarada através de um esquema subsuntivo,


baseado na lógica formal – o silogismo de subsunção:

- 1º Momento – estabelece-se a premissa maior (previsão da norma de conflitos),


que envolve a interpretação da proposição jurídica de forma a determinar a previsão
normativa.

- 2º Momento – estabelece-se a premissa menor, por meio de uma delimitação do


objecto de remissão, envolvendo uma caracterização da situação.

- Não é constituída por factos mas sim por um enunciado de que as notas
características da previsão se encontram preenchidas nessa dada situação da vida.

43
- 3º Momento – a subsunção, que se traduz na recondução da matéria
delimitada na previsão normativa.

Interpretação dos Conceitos Que Delimitam o Objecto da Remissão

- Corresponde ao primeiro momento

- No CC, o legislador optou por utilizar na previsão das normas de conflitos conceitos
técnico-jurídicos que se reportam a categorias de situações jurídicas definidas pelo
seu conteúdo típico.

- A secção dedicada ao Direito dos Conflitos reproduz toda a sistemática do Código


e, com ela, a classificação germânica das situações jurídicas.

- Obrigações e reais – situações jurídicas agrupadas segundo um critério


estrutural: nas primeiras fala-se de um direito a uma prestação ou o dever de prestá-la,
e no segundo o direito à atribuição de uma coisa que todos devem respeitar.

- Família e sucessões – um critério diferenciador de pendor mais funcional e


institucional – nos primeiros fala-se em situações jurídicas que respeitem à instituição
família e nas segundas da transmissão de direitos mortis causa.

- A que Direito recorrer para a interpretação?

- Solução clássica – recurso aos conceitos homólogos da lex fori, i.e., na tarefa
interpretativa deveria proceder-se nos termos de uma referência automática aos
conceitos homólogos do sistema material da lex fori. Ex: determinar conceito de
obrigação através do art. 397.º CC

- Resulta da ‘união pessoal’ entre legislador de Direito de Conflitos e o legislador


do Direito Material interno – LP – isso deixa de fora muita coisa, como, por exemplo, a
noção de casamento como união indissolúvel até 1910 (não admitindo como
casamento um casamento de um país que admitisse divórcio) – é preciso que
conceitos das normas de conflitos sejam mais abertos.

- MAGALHÃES COLLAÇO – partir da lex fori mas tendo em conta as finalidades


específica do Direito de Conflitos

- FERRER CORREIA – perspectiva do DIP transcende forçosamente os horizontes do


sistema jurídico. Recurso ao direito comparado é inevitável, pois o DIP é por natureza
um direito aberto a todas as instituições e conteúdos jurídicos conhecidos no mundo
– as categorias de conexão podem não ser vazios, mas são certamente elásticos.

- BAPTISTA MACHADO – a interpretação dos conceitos-quadro das Regras de


Conflitos da lex fori só se fará pela lex fori.

44
- RABEL introduziu a ideia de que a interpretação deve ser autónoma,
independente do sentido e alcance que o mesmo conceito tenha no direito material
do foro

- LIMA PINHEIRO – interpretação ancorada no Direito Nacional mas com


autonomia

- Se estivermos a interpretar Regulamentos da União Europeia, a interpretação deve


ser autónoma: não deve ser feita referência ao direito de um dos Estados em
presença mas antes aos ‘objectivos e ao sistema’ do Regulamento e aos ‘princípios
gerais que decorrem do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais’.

Delimitação do Objecto da Remissão

- Como delimitamos as situações da vida que se hão de reconduzir aos conceitos


interpretados nos termos atrás expostos?

- FERRER CORREIA– é o momento em que o problema da qualificação assume a sua


verdadeira importância, naquele em que se trata de averiguar se dado instituto ou
preceito do ordenamento designado por uma regra de conflitos da lex fori pode
subsumir-se à categoria normativa visada por essa regra.

- LIMA PINHEIRO – o objecto da remissão é um concretum, uma situação da vida ou um


seu aspecto – a caracterização tem de incidir sobre a situação da vida em causa e
consiste na determinação da relevância jurídica desta situação.

- A que sistema pedir a caracterização da situação da vida?

- AGO – caracteriza-se lege fori, solução que tem vários inconvenientes e é contrária
à ideia de paridade de tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira, podendo-nos
levar a aplicar, por força de uma norma de conflitos, normas materiais estrangeiras que
não correspondem à categoria normativa utilizada na previsão da norma de conflitos,
contrariando a justiça da conexão e a ideia de adequação que lhe está subjacente. Ex:
iríamos aplicar normas jurídico-reais de um sistema estrangeiro por força de uma
norma de conflito relativa às obrigações voluntárias, mesmo tendo carácter real
segundo a lei estrangeira.

- LP – a competência atribuída a um Direito deve ter sempre em conta o conteúdo


e os fins das normas materiais que, nesse Direito, são aplicáveis à situação, só assim se
garantindo a adequação do elemento de conexão à especificidade do domínio
jurídico-material a regular, e, assim, só devemos aplicar por força de uma norma de
conflitos as normas materiais que correspondem à categoria normativa utilizada na

45
previsão da norma de conflitos – por isso é que o alcance material da remissão é
limitado.

- Ex: destino do património situado em França de um francês residente em


Portugal que morre intestado e sem parentes sucessíveis. Face ao Direito português o
Estado é sucessível, tendo uma pretensão ao património do de cuius, ela tem natureza
sucessória. Se usarmos o art. 62º aplicamos o Direito francês – mas em França o Estado
não é sucessível – o património torna-se res nullius e o Estado usa o direito régalien,
manifestação da soberania estadual sobre heranças vagas. Se não podemos aplicar a
norma francesa que atribuiu tal direito ao estado francês por força da norma de
conflitos sucessória, então não encontramos normas que regulem o destino destes
bens, apesar da lei francesa ser a lex rei sitae. Um caracterização lege fori levaria a uma
negação da tutela jurídica de uma situação em que ela é tutelada pelo sistema com
que está mais ligada, contradizendo a justiça de conexão.

- LIMA PINHEIRO – daí que pareça preferível a caracterização lege causae. Mas não
haverá um ciclo vicioso, já que não sabemos qual a lei competente antes de
completarmos o processo de qualificação? Não, porque fazemos um raciocínio
hipotético, atendendo à relevância jurídica dos factos perante cada uma das ordens
jurídicas potencialmente aplicáveis. Procede-se com um método de tentativas, em que
se vai perguntando às ordens jurídicas em presença qual a relevância jurídica que
dariam aos factos se lhes fossem aplicáveis.

- A caracterização só tem de ser lege causae? Pode ser lege fori se ela
também por lege causae.

- A caracterização é feita através de uma indagação acerca das proposições


jurídico-materiais aplicáveis ao caso em cada uma das ordens jurídicas
potencialmente competentes, atendendo a uma série de critérios, como as finalidades
dos institutos, aos nexos intrassistemáticos ou a função jurídica das proposições.
Elementos com a inserção sistemática do preceito podem ser um indício. Ex: 877º está
no direito das obrigações em Portugal, mas respeitam todavia a relações familiares,
sendo aplicável quando chamado pelo art. 57º, que rege relações entre pais e filhos.

Qualificação em Sentido Estrito

- Neste momento, trata-se de reconduzir a matéria, o concretum caracterizado


juridicamente nos termos anteriormente expostos, ao conceito empregue na previsão
da norma de conflitos.

- Esta operação tem uma vertente positiva e uma negativa:

46
- Por um lado a recondução da matéria ao conceito utilizado na previsão da norma
de conflitos, que desencadeia a aplicação desta norma.

- Por outro, a não recondução da matéria aos conceitos utilizados na previsão de


outras normas de conflitos, que determina o seu afastamento. Isto sem prejuízo da
possibilidade de concurso de normas de conflitos.

- Se concluirmos que a exigência de consentimento de outros filhos, na venda feita


pelos pais a um dos filhos no art. 877º CC é de reconduzir ao art. 57º, excluímos a
qualificação obrigacional. Se o Direito português for chamado a título de lei reguladora
das obrigações contratuais e o Direito inglês a título de lei reguladora das relações
entre pais e filhos o art. 877º não é aplicável. Não havendo no direito inglês preceito
equivalente, a venda é válida.

- Entre direitos ‘vizinhos’, pode presumir-se a equivalência de qualificações –


direitos reais em Portugal serão os mesmos, em princípio, dos alemães, franceses ou
italianos. Presunção que cabe sempre ser ilidida.

- Negócio real na Alemanha é divido em dois, a parte obrigacional e a parte real.


Como resolver? LP – formação e validade do negócio regulada pelo Regulamento e
efeitos reais pelo 46º CC.

- Em suma, embora o objecto da qualificação, as situações da vida ou aspectos


parcelares terem de ser caracterizado face à lei potencialmente aplicável, a última
palavra cabe sempre ao critério de qualificação do sistema a que pertencem as
normas de conflito em jogo, a não ser que não sejam de fonte nacional.

- Caso dos títulos de crédito do Tennessee: como regras de prescrição norte-


americanas são direito processual, o tribunal alemão quis aplicar as regras da lex fori,
mas também não o fez, porque as regras alemãs eram substantivas, e não haviam sido
chamadas para reger a situação. Assim, o tribunal condenou o réu num pedido que já
havia prescrito em ambas as ordens jurídicas. O tribunal deveria ter averiguado o
conteúdo e a função do instituto e compará-lo com o conteúdo e a função da
prescrição no Direito alemão, averiguação essa que conduziria à conclusão que se
deveriam reconduzir ao direito conflitual de obrigações alemão. Isto significa que
embora a caracterização seja feita lege causae, a qualificação é feita lege fori, rectius
segundo o sistema de Direito de Conflitos que for aplicável.

- FERRER CORREIA– em casos desses, diz o autor, a classificação de preceitos, a sua


inclusão da categoria x da norma de conflitos m da lex fori depende de nele se
verificarem as características, depende dessa lei mesmo. Quanto ao material
normativo a ordenar, esse pertence ao sistema jurídico em que se enquadra: as suas
características reais só nesse sistema se poderão colher, tendo em conta a sua função,
conexões intersistemáticas, etc – nenhuma instituição jurídica poderá ser

47
correctamente entendida se não a situarmos no seu contexto próprio. Neste caso dos
títulos de crédito e da sua prescrição, há que olhar para o instituto norte-americano da
limitation of action, cuja natureza processual não destrói o facto de entre ele e a
prescrição romano-germância existir um denominador comum: ambos inspiram-se em
razões práticas e se acham ao serviço dos mesmos fins sociais e valores, sendo
irrelevante extinguirem a acção ou o direito.

- RABEL acaba por dizer que o DIP é um direito aberto, detendo a ideia de que entre
todos os sistemas jurídicos há uma ponte de passagem, há algo de comum que os
torna comensuráveis ou comparáveis, ponte essa representada pela identidade de
tarefas ou funções normativo-sociais do Direito

- FERRER CORREIA– se à lex fori compete decidir se os preceitos considerados


correspondem na verdade, atentas as suas características primordiais, ao tipo visado
na regra de conflitos, é no quadro da lex causae que vão pesquisar-se essas
características – as características das normas materiais potencialmente aplicáveis ao
caso.

Especialidades das Normas de Conflitos Ad Hoc e de Remissão Condicionada

- Como a norma de conflitos ad hoc não carece de delimitar ela própria a categoria de
situação jurídica ou a questão a que se reporta, visto que só actua em função de uma
norma ou de um sistema de várias normas, a norma ad hoc tem por objecto as
situações dou aspectos de situações susceptíveis de serem disciplinadas pela norma
ou conjunto de normas materiais a que está indissociavelmente ligada – não há um
problema específica de qualificação, portanto.

- Relativamente às normas de remissão condicionada, para ela operar tem de se


encontrar uma situação juridicamente caracterizada e reconduzível à previsão da
norma, e, por conseguinte, a previsão não se verifica se no Direito estrangeiro não se
verificar o resultado ou não existirem determinadas normas.

- Contudo, pode acontecer que na previsão da norma de remissão condicionada


não se encontre outro conceito delimitador do objecto da remissão que não seja o
conceito relativo à condição material da remissão. Ex: quando a validade de um
negocio seja objecto de uma remissão condicionada para determinada lei, na condição
desta o considerar válido.

A Dépeçage – dificuldades suscitadas pelo fraccionamento conflitual das situações da


vida

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- A dépeçage corresponde ao fraccionamento conflitual das situações da vida

- Esse fraccionamento suscita vários tipos de problemas. No que toca à qualificação,


temos as dificuldades que suscita a delimitação dos aspectos que são abrangidos por
uma e outra normas de conflitos em jogo e a do concurso de normas aplicáveis.

- O problema da delimitação surge principalmente quando as situações, com o


conteúdo que lhes é concedido pelas leis em presença, têm um carácter misto, pondo
em jogo mais do que uma norma de conflitos que se reporta a categorias de situações
jurídicas: um contrato de compra e venda que gera obrigações e vai orientado à
produção de efeitos reais – as questões jurídicas suscitadas por diferentes aspectos de
uma mesma situação da vida são designadas questões parciais, e a delimitação vem a
traduzir-se na recondução das questões parciais a uma ou outra das normas de
conflitos aplicáveis.

- O problema não se porá quando haja normas especiais de conflitos, como se verifica
com as questões relativas à capacidade ou à forma do contrato de compra e venda; ou
quando o legislador indique que determinadas questões estão submetidas a uma
norma de conflitos – art. 10º Regulamento Roma I – enumeração não taxativa das
questões que são reguladas pela lei aplicável ao contrato.

- Em muitos casos não acontecerá nenhum dos casos acima descritos: por vezes o
problema tem de ser resolvido pelo intérprete com respeito a questões como a
transferência de propriedade e passagem do risco na compra e venda.

- LIMA PINHEIRO fala num núcleo de conteúdo mínimo determinado e zonas cinzentas
ou periféricas do conceito utilizado para delimitar.

- Núcleo abrange conjunto de questões jurídicas que são indubitavelmente


abrangidas pela previsão da norma, que não suscitam dificuldades de delimitação.

- Já as questões jurídicas que caem na zona periférica suscitam um problema


específico de interpretação dos conceitos que delimitam o objecto da remissão das
normas de conflito em jogo, sendo que a resolução deste problema exige uma
apreciação dos fundamentos que subjazem às normas de conflitos em presença,
tendo sempre em atenção os fins gerais do Direito de Conflitos, apreciação esta que
vai fornecer o critério orientador, que deverá exprimir os nexos funcionais e
axiológicos entre as normas de conflitos em presença, nexos esses que podem
corresponder a uma preordenação de uma norma relativa a outra ou a uma
prejudicialidade – por vezes, esses nexos poderão valer como critério geral, para a
resolução de todos os problemas de delimitação que venham a surgir.

- P ex: quanto ao contrato de compra e venda, na delimitação entre normas de


conflitos reguladores das obrigações contratuais e norma de conflito reguladora do
direito real é defensável a existência de uma relação de preordenação. As normas de

49
conflitos reguladores das obrigações contratuais aplicam-se, em princípio, à formação,
validade, interpretação, integração e obrigações geradas pelo contrato; a reguladora do
direito real controlará a produção dos efeitos reais ordenados pelo contrato, i.e.,
transferência da propriedade. A passagem do risco, ainda que ligada à transferência da
propriedade, deve ser regulada pela lei contratual, porque o que está em causa são
obrigações das partes.

??? – mais uma vez, o Lime Pinetree é claro como a água

O Art. 15º CC: articulação entre a qualificação e o alcance jurídico material da


remissão

- Art. 15.º CC diz: “a competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que,
pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime do instituto
visado pela regra de conflitos.”

- Este preceito só faz alusão ao momento da qualificação (interpretação dos conceitos


que delimitam o objecto da remissão) quando se refere ao ‘regime do instituto...’

- Mal-emprego da expressão ‘instituto’, devendo ser entendido como referindo


qualquer uma das categorias normativas utilizadas para delimitar o objecto da
remissão.

- LIMA PINHEIRO – o preceito não define um critério de interpretação destas categorias


normativas, tarefa a ser desempenhada pela ciência jurídica; quanto ao objecto da
delimitação estabelece uma indicação importante: manda atender ao conteúdo das
normas aplicáveis e à função que têm no sistema a que pertencem.

- Aponta-se aqui no sentido de uma caracterização lege causae.

- A qualificação em sentido estrito é indirectamente visada no início do preceito: ‘a


competência atribuída a uma lei abrange somente’ – isto diz respeito ao alcance
jurídico-material da remissão e, por conseguinte, à sua estatuição.

- A letra do art. 15.º parece sugerir que o objecto da qualificação são normas e não
situações da vida. Mas ao legislador, diz LP, não compete tomar posição em questões
de dogmática jurídica.

- FERRER CORREIA– a qualificação tem por objecto preceitos jurídico-materiais, pois o


problema da qualificação proprio sensu consiste em averiguar se tal norma ou
complexo de normas de uma hipotética lex causae, atentas as características que
reveste essa lei, entra na categoria de conexão de uma regra de conflitos da lex fori,
precisamente a regra de conflitos de que derivará, em caso de resposta afirmativa à

50
questão formulada, a aplicabilidade daquele sistema, ideia enunciada expressamente
pelo art. 15.º CC.

- LIMA PINHEIRO – a formulação dada no art. 15.º deve antes ser entendida à luz da
correlação entre qualificação e estatuição da norma de conflitos. Com efeito, da
repartição de matérias operada pelas categorias normativas utilizadas nas normas de
conflitos pode resultar que diversos aspectos da mesma situação sejam reconduzíveis
a normas de conflitos diferentes. Estas categorias normativas delimitam o objecto da
remissão com recurso a notas jurídicas e, por conseguinte, a recondução de vários
aspectos da situação a várias categorias normativas é feita em função da conformação
jurídica da situação por diferentes complexos normativos contidos no Direito ou
Direitos aplicáveis. Daí resulta que a remissão operada por cada uma das normas de
conflito para determinado Direito só pode, em princípio, abranger o complexo
normativo que conforma o aspecto da situação que é reconduzível à categoria
normativa utilizada na sua previsão. No mesmo sentido, dispõe o nexo de adequação
entre a previsão e a estatuição da norma de conflitos – é uma janela através da qual o
aplicador olha duas vezes, um primeiro olhar no qual ela recorta as situações da vida
que podem ser reconduzidas à previsão da norma e um segundo onde a janela delimita
as proposições jurídico materiais que podem ser chamadas pela norma,
desempenhando a dupla função de delimitar o objecto da norma e o alcance material
da remissão.

- Daqui resulta que as normas de conflitos portuguesas desencadeiam uma


remissão de alcance jurídico-material limitado

Problemas Especiais de Interpretação e Aplicação do Direito de Conflitos 16

- Seria errado supor que, depois de resolvidos os problemas relativos à devolução e à


qualificação, e afora a excepcional intervenção da ordem pública internacional, bastaria
aplicar o Direito material competente.

- O DIP não pode ignorar certas dificuldades que do processo conflitual advêm para a
solução do caso, nem se desinteressa, em geral, da adequação da solução às
circunstâncias do caso concreto.

- De entre esses problemas especiais salientam-se a questão prévia, o concurso e a


falta de normas aplicáveis, a substituição e a transposição.

A Adaptação

- O termo adaptação pode ser utilizado em duas acepções distintas: adaptação-


problema e adaptação-solução.
16
LIMA PINHEIRO, DIP, 532-568

51
- O termo começa por ser utilizado com respeito a determinados casos em que a
aplicação de dois direitos materiais competentes a uma mesma situação transnacional
origina dificuldades, que são solucionadas por meio de um ajustamento das normas
em presença. Ex: presunções de sobrevivência inconciliáveis, problema resolvido no
art. 26.º/2 CC, como no caso em que, num acidente de viação morrem um francês e
um inglês seu filho: não é possível determinar quem morreu primeiro, e ambos tinham
feito testamentos em que deixavam o outro como herdeiro universal, e dois amigos
como herdeiros substitutos – o direito francês estabelece presunção de sobrevivência
da filha e o inglês do pai – há aqui uma incompatibilidade que resulta do
chamamento de leis diferentes pela norma do art. 26.º/2. Felizmente, o art. 68.º/2
estabelece uma presunção de comoriência. Daí resulta que cada herdeiro substituto
herda a herança respectiva, e não as duas.

- Na omissão do legislador seria preciso chegar a uma solução idêntica através do


ajustamento das normas materiais em presença – adaptação é a solução, encarada
como uma modificação das normas materiais ou de conflitos. Em rigor, porém, as
normas não são modificadas, pois a adaptação consiste antes numa modelação do
critério de decisão do caso concreto, através de uma extensão ou restrição da
previsão da norma ou de uma alteração dos efeitos que desencadeia no caso
concreto.

- Mas a adaptação-solução é nestes casos aplicada para resolver problemas de


contradição normativa ou valorativa, ou de incoerência na regulação da mesma
situação da vida por normas que se vão pedir a diferentes leis – esses casos passam a
ser exemplos paradigmáticos de adaptação, que recortam a adaptação como
problema:

- A adaptação-problema vai assim abranger problemas de conjugação de estatutos


que têm de ser resolvidos à luz da ideia de unidade do sistema jurídico. Mas há
outros problemas cuja solução passa por uma modelação da situação material:

- Como consequência da intervenção da ordem pública internacional, podemos


ter de introduzir ajustamentos na aplicação da lei estrangeira, como adiante veremos.

- Na resolução de problemas de sucessão de estatutos poderemos ter de ajustar


situações materiais, geralmente casos de transposição que têm de ser solucionados por
meio de adaptação.

- Pode suceder excepcionalmente que o problema jurídico-material seja alterado


essencialmente por circunstâncias decorrentes da internacionalidade da situação, o
que pode justificar um ajustamento do critério de decisão à especificidade do caso.

- Portanto, a adaptação-solução tem lugar nos casos que não são adaptação-
problema.

52
- A adaptação-solução é uma técnica que pode ser usada na resolução de
problemas diversos, não servindo para resolver problemas de contradição normativa
ou valorativa ou de incoerência entre normas que não estão solucionados por uma
modelação do critério de decisão. Por isso, LIMA PINHEIRO entende que a adaptação não
deve ser encarada como um problema especial de interpretação e aplicação do Direito
de Conflitos nem, de outro modo, como uma figura da teoria geral do DIP.

- Contudo, devem ser feitas algumas considerações sobre a técnica da adaptação-


solução:

- Deve introduzir o mínimo de alterações necessárias à resolução do problema,


devendo elas, tanto quanto possível, ser feitas à luz do Direito de Conflitos, pois a
adaptação ao nível do Direito Material vem a traduzir-se em soluções que podem não
corresponder a nenhuma das ordens jurídicas em presença, e soluções que são
formuladas a posteriori pelo órgão de aplicação do Direito. Além disso, a adaptação
das normas de conflitos favorece a harmonia internacional, porquanto as soluções
conflituais são mais facilmente generalizáveis que as soluções materiais.

- Quando não se consiga resolver ao nível do Direito dos Conflitos, e tiver de se


recorrer à adaptação ao nível do Direito Material, deverá ser feita com o mínimo dano
possível à lei ou leis competentes, como na ordem pública internacional.

- MAGALHÃES COLLAÇO dá um exemplo (finalmente um exemplo, porra!): a transferência


da propriedade de um imóvel situado na Alemanha na sequência de um contrato de
compra e venda de estatuto português. À face do Direito português, a propriedade da
coisa transfere-se por mero efeito do contrato, e, por isso, a nossa lei não inclui a
obrigação de transferir a propriedade entre os efeitos do contrato (879º CC). O Direito
alemão o contrato de compra e venda só tem eficácia obrigacional e a propriedade só
se transmite com um contrato real acompanhado de acto material de execução, daí
que a lei alemã estabeleça que o contrato de compra e venda obriga o vendedor a
proporcionar ao comprador a aquisição da propriedade. A transferência da
propriedade é regulada pelo Direito alemão, como lex rei sitae, sendo necessário que o
vendedor celebre o contrato real e procede ao acto material de execução. Porém, as
obrigações contratuais estão reguladas pela lei portuguesa e aparentemente o
vendedor não está obrigado a celebrar o contrato real nem proceder à inscrição no
registo, sendo necessária uma adaptação da lei portuguesa, para obrigar o vendedor
à prática dos actos necessários à transferência da propriedade.

- A tipologia de problemas especiais de interpretação e aplicação do Direito de


Conflitos que se segue não é exaustiva, havendo designadamente problemas de
conjugação de estatutos que não se podem configurar como casos de concurso de
normas de conflitos, falta de normas aplicáveis, substituição ou transposição.

- De referir que não percebi nada do que acabei de escrever. Obrigado Lima Pinheiro!!

53
A Questão Prévia17

- FERRER CORREIA – segundo a orientação tradicional, o problema da questão prévia é


um problema de ‘escolha de lei’, mas precisamente, de escolha do sistema conflitual a
que, em certos casos deverá pedir-se a resolução do conflito de leis.

- BAPTISTA MACHADO chama-lhe referência pressuponente

- LIMA PINHEIRO – são quatro os pressupostos de um problema de questão prévia no


Direito de Conflitos:

- Primeiro, na previsão da norma material aplicável por força de uma norma de


conflitos integra-se um pressuposto cuja verificação constitui matéria abrangida por
outras normas de conflitos.

- Ex: sucessão legal de um suíço que falece com último domicílio na Suíça e
deixando bens em Portugal. A questão principal é a determinação dos sucessíveis e das
suas quotas hereditárias. O art. 62º remete para a lei suíça e o art. 457º do CCSuiç
estabelece como primeira classe de sucessíveis legais os descendentes do autor da
sucessão: pode discutir-se se uma pessoa é ou não filho do de cuius, sendo uma
questão prévia relativa à filiação, tendo de se usar do art. 56º, norma de conflitos
relativa à filiação. Repare-se que o problema só se levanta quando for questão
autonomamente conectada pelo sistema conflitual do foro.

- Segundo, para reger a questão principal, no caso anterior a sucessão, é competente


uma lei estrangeira.

- Terceiro, há uma divergência entre a norma de conflitos portuguesa aplicável à


questão prévia e a norma de conflitos da lei reguladora da questão principal aplicável
à questão prévia.

- No exemplo, a questão prévia é o estabelecimento da filiação. Nos termos do art.


56.º/2, tratando-se de filho de mulher casada a constituição da filiação em relação ao
pai é regulada, na falta de nacionalidade comum, pela lei da residência habitual
comum ao tempo do nascimento. Admitamos que a mãe tinha nacionalidade alemã e
que no momento do nascimento o casal tinha residência habitual na Alemanha. Na
falta de nacionalidade comum, o art. 56º designa a lei alemã, a título de lei da
residência habitual comum no momento do nascimento. A lei de conflitos suíça dispõe
que a lei reguladora é a da residência habitual da criança, e suponhamos que era na
suíça, apesar dos pais residirem no estrangeiro

17
v. tmb. FERRER CORREIA, Lições..., pp 320 ss.

54
- Quarto, a divergência entre o DIP da lex fori e da lex causae, i.e., lei aplicável à
questão principal, leva à apreciação da questão prévia segundo leis diferentes que
dão soluções diferentes à questão prévia.

- Imaginemos que a filiação é reconhecida pelo direito suíço e não pelo alemão.

- FERRER CORREIA - se entre duas questões jurídicas pende um nexo de prejudicialidade e


uma delas, a principal, está sujeita a um direito estrangeiro, surge o problema de
saber como ‘conectar’ a questão prejudicial: se de harmonia com o sistema de
conflitos do foro, se do acordo com o sistema de conflitos da lex causae

- Assim caracterizado o problema tem fundamentalmente duas soluções:

- Aplicar a norma de conflitos do foro para determinar o direito aplicável – tese da


conexão autónoma

- Aplicar a norma de conflitos da lei reguladora da questão principal para


determinar o Direito aplicável à questão prévia – tese da conexão subordinada

- A primeira é a que corresponde ao entendimento tradicionalmente seguido na


generalidade dos sistemas nacionais. Perante este entendimento o problema nem
existe, sendo óbvio que as normas de conflitos de um sistema se aplicam quer a
questão se suscite como principal ou prévia.

- A descoberta do problema deve-se aos defensores da tese da conexão subordinada,


como WENGLER, seguido por BAPTISTA MACHADO – para estes autores não faria sentido
dar à questão prévia uma solução diferente da dada pelo DIP da lei reguladora da
questão principal. É o que sucede, no exemplo dado, pois vamos negar direitos
sucessórios a uma pessoa a que o DIP suíço, que rege a sucessão, concede.

- Entre nós, a tese da conexão autónoma foi defendida por L IMA PINHEIRO e MOURA
VICENTE.

- Entretanto, tem ganho apoio crescente uma terceira orientação, segundo a qual o
problema da questão prévia não deve ser resolvido mediante um critério geral, mas
em função da questão jurídica ou normas de conflito em causa.

- Argumentos a favor da conexão subordinada:

- Se a norma do ordenamento estrangeiro aplicável à questão principal coloca


como pressuposto da respectiva consequência jurídica um determinado facto ou
situação jurídica, só a esse ordenamento cabe decidir se este pressuposto se verifica
no caso concreto.

- LP – nada obriga a seguir as soluções conflituais contidas neste ordenamento


relativamente a questões prévias.

55
- O argumento mais importante é o da harmonia internacional das soluções – a
aplicação do DIP do foro à questão prévia encerra o risco de uma divergência entre a
ordem jurídica do foro e a ordem jurídica reguladora da questão principal na
resolução da questão prévia, levando a uma desarmonia na solução dada ao caso por
estas ordens jurídicas.

- LP - para evitar a desarmonia basta a devolução

- Argumentos contra:

- Harmonia interna – se aplicarmos às mesmas situações da vida leis diferentes,


consoante serem apreciadas a título principal ou prejudicial, chegaremos
frequentemente a soluções contraditórias – ex: ser filho para todos os outros efeitos,
menos sucessão.

- Certeza jurídica sobre a lei aplicável – tornam mais difícil e complicado o


processo de regulação conflitual.

- A própria estrutura do Direito de Conflitos português, o modo como espelham


os apoiantes desta concepção o carácter analítico do DIP, ao submeterem diversos
aspectos das situações a diferentes normas de conflitos, parece não ser compatível
com uma regra geral de conexão subordinada. É incompatível com o Direito vigente.
No plano jurídico-positivo, a tese da conexão automática teria de justificar perante o
sistema legal do foro o abandono da norma de conflitos que regula a questão que ora
se suscita como prejudicial.

- O acima exposto não impede que se siga a tese da conexão subordinada,


excepcionalmente. Verifica-se em certas matérias – 10º/1 da Conv. Da Haia Obrig.
Alimentares

- De iure condendo, LIMA PINHEIRO entende que a conexão subordinada também se


justificaria relativamente aos bens imóveis situados no estrangeiro. A validade de um
contrato de compra e venda de imóvel, quando se suscitasse como pressuposto para a
produção de um efeito real, designadamente a transferência da propriedade, seria de
apreciar segundo o DIP da lex rei sitae e não pela lei designada pelo Reg. Roma I

- Como expõe FERRER CORREIA, mesmo aceitando-se a tese da conexão subordinada e


aplicando-se o DIP da Hauptfrage (questão principal), há hipóteses em que a Vorfrage
(questão prévia) não pode ser resolvida pelo DIP da primeira.

- Hipótese em que a lei chamada a reger a questão principal é aplicada apesar de


não se considerar competente, ou porque a norma de conflitos é hostil ao reenvio, ou
devido às limitações gerais a que a regra do reenvio está sujeita no DIP do foro.

56
- Hipótese na qual, por força dos princípios do direito processual do foro, a decisão
da questão controvertida envolverá a própria questão prejudicial – que no caso julgado
se constituirá mesmo relativamente a esta questão. Em tais circunstâncias terá de
convir-se em que a questão prévia como que perde esse carácter – o vínculo de
subordinação que a ligava ao outro problema deixa de relevar, tudo se passando
como se tratasse de autêntica questão de fundo. E assim, sendo certo que os
litigantes irão ver a questão prévia resolvidas em termos definitivos, não será justo que
a vejam apreciada em si ou por si mesma, e não em função daquela relação jurídica
que de início constituía todo o objecto da lide?

- Também diz que as questões prejudiciais devem resolver-se de conformidade


com a lei designada pelo direito de conflitos do estatuto da questão principal, pois tal
solução não envolverá risco apreciável para o princípio da harmonia jurídica interna.

Substituição e Transposição

- LIMA PINHEIRO – elas têm algo em comum com a adaptação-problema: são problemas
que surgem quando uma situação da vida suscita questões que devem ser apreciadas
segundo Direitos materiais diferentes.

- Na substituição, o preenchimento de um elemento da previsão da norma material de


uma ordem jurídica deve ser apreciado segundo uma ordem jurídica diferente. O
conteúdo conformado pela segunda ordem jurídica é um mero pressuposto de
aplicação da norma da primeira ordem jurídica – a norma pressuponente – entre
essas ordens jurídicas estabelece-se um nexo de prejudicialidade ou pressuposição.

- O art. 371.º CC atribui força probatória aos documentos autênticos e o art. 365.º
CC determina que os documentos autênticos passados em país estrangeiro, conformes
com a sua lei, fazem prova em Portugal. Suponhando que um desses documentos havia
sido lavrado por um Notary Public dos EUA sem formação jurídica e fé pública. O
documento é autêntico em Portugal? É um problema de substituição. A interpretação
desses preceitos mostra que não pode ser considerado equivalente a documento
autêntico um passado no estrangeiro por alguém desprovido de fé publica e sem
formação jurídica. Assim, não terá força probatória plena.

- Para LIMA PINHEIRO, é um problema de qualificação jurídico-material de uma situação


concreta. Este raciocínio é especialmente relevante no caso de relações conformadas
por negócios jurídicos. Neste caso o que conta é a relação contratual concretamente

57
em causa, com o conteúdo e o sentido que as partes lhe imprimiram, e não um dado
tipo normativo de contrato.

- O problema da adaptação tem de se resolver à luz da interpretação da norma


material pressuponente. É esta a interpretação que fornece as notas conceptuais que
a situação jurídica conformada por outra ordem jurídica deve preencher para poder ser
reconduzida à previsão da norma pressuponente. Se a interpretação da norma não
fornecer indicações em sentido contrário ,a substituição envolve essencialmente um
raciocínio de analogia – quando um elemento da previsão da norma pressuponente
se reporta a uma situação da vida, tem em vista, em princípio uma situação
conformada por outras normas materiais da mesma ordem jurídica. Quando, porém,
a situação proposta for submetida pelo Direito de Conflitos a uma ordem jurídica
diferente, torna-se necessário examinar se a situação conformada por esta ordem
jurídica é suficientemente análoga com uma situação conformada pela ordem jurídica
da norma pressuponente para que se justifique a mesma valoração.

- Em princípio, o Direito de Conflitos do foro deve respeitar as soluções em matéria


de substituição seguidas na ordem jurídica da norma pressuponente, não sendo de
excluir desvios a estas soluções.

- Direitos hereditários de mulheres de casamento poligâmicos. Elas são


considerados cônjuges, mas exige-se uma substituição que reserva a cada das
mulheres/cônjuges uma quarta-parte da herança para se salvaguardar os direitos
sucessórios dos filhos.

- Qual o momento da transferência da propriedade no contrato de venda alemão,


relativo a coisa imóvel situada em Portugal, com entrega diferida? Se este problema for
colocado numa óptica de substituição, importará indagar da reconduzibilidade do
contrato concretamente celebrado com o conteúdo que lhe é atribuído pelo Direito
alemão, ao conceito de contrato de venda utilizado na lei portuguesa, indagação que
será inconclusiva, pois a lei portuguesa indica que as partes podem contar ou contam
com a transferência imediata da propriedade, mas nada permite afirmar com
segurança que as partes de um contrato de venda ‘alemão’ sobre coisa situada em
Portugal contam com a transferência imediata da propriedade. Cairíamos assim numa
situação de incompletude do contrato que teria de ser suprida com recurso às
normas da lex contractus que fixam o momento da transferência da propriedade.
Assim, em última análise, não há um nexo de prejudicialidade entre a lex rei sitae e a
lex contractus, justificando-se uma transposição.

- Na transposição postula-se que o conteúdo jurídico que uma situação tem face à de
determinado Direito deve quanto possível ser respeitado à face de outra ordem
jurídica, designadamente quando esta for chamada a reger a produção de certos
efeitos. Parte-se da ordem jurídica que dá conteúdo jurídico à situação o não da ordem

58
jurídica que rege a produção de efeitos, estabelecendo-se entre as duas ordens
jurídicas uma relação de preordenação.

- A situação é primariamente conformada por uma ordem jurídica diferente daquela


que vai disciplinar a produção de certos efeitos. A situação não releva somente
enquanto pressuposto da produção de efeitos perante o ‘estatuto dos efeitos’,

- LEWALD usava o conceito de transposição para dois casos:

- Interpretação de negócio jurídico impregnado por ordem jurídica diferente da que


é chamada para o reger: testamento de um português baseado em conceitos de Direito
dos EUA – trata-se de transpor um conteúdo jurídico apurado segundo o Direito dos
EUA para a lei portuguesa.

- Destino das situações duradouras em caso de sucessão de estatutos. Por


exemplo, em matéria de sucessão de estatutos reais, trata-se de transpor um direito
real da lex rei sitae anterior para a nova lex rei sitae.

- Para LIMA PINHEIRO, o primeiro caso é um caso de interpretação de negócio jurídico


não entrando nesta sede.

- Já há um problema especial de aplicação de Direito de Conflitos quando o Direito


de Conflitos regula separadamente a formação, validade, interpretação e integração de
um negócio jurídico, por um lado, e os seus efeitos, ou parte deles, por outro. Há que
transpor os efeitos ordenados pelo contrato, segundo a lex contractus, para o
estatuto dos efeitos. É o que sucede, para LP, com a compra e venda regulada pelo
Direito alemão de coisa sita em Portugal. Se o contrato de venda não tem, pela lex
contractus, vocação para desencadear uma transferência imediata de propriedade, ela
só deve ser transmitida com a entrega da coisa e contanto que esta não seja
acompanhada de indicação em contrário.

- A transposição do estatuto do negócio para o estatuto dos efeitos pode justificar


uma adaptação das normas materiais do estatuto dos efeitos, por exemplo do
estatuto real – no caso de sucessão de estatutos é o princípio da continuidade das
situações jurídicas que leva a adoptar a óptica da transposição.

- Ex: uma coisa móvel vendida em França ao abrigo de um contrato de venda


regido pelo Direito francês contendo cláusula resolutiva e sobre a qual se constituiu, no
mesmo país, um direito de penhor sem entrega, é trazida para Portugal. Há uma
sucessão de estatutos reais, sendo o novo estatuto definido pela lei Portuguesa. Será
que por força do art. 677º CC, o penhor se extingue por a coisa estar na disponibilidade
material do devedor? LP diz que atenta à posição global do devedor no Direito francês
se justifica a transposição da sua posição para a reserva de propriedade portuguesa.

59
- Ex: caso Chemouni. Esse gajo, tunisino e polígamo, estabeleceu-se em
França e naturalizou-se francês. A segunda mulher veio pedir prestação de aliemtnos, e
o tribunal francês entendeu que, tendo o casamento sido validamente celebrado à face
da lei pessoal ao tempo da celebração, a pretensão de alimentos podia ser deferida
com base no Direito francês, que regulava as relações entre os cônjuges. Mas, não se
suscitará dificuldades aplicar o Direito da Família francês, baseado no casamento
monogâmico, a um casamento poligâmico?

- Concluindo, enquanto que na substituição a ‘recepção’ do conteúdo jurídico


estrangeiro depende, em princípio, do sentido da norma pressuponente, a
transposição traduz um nexo em que é postulado, pelo Direito de Conflitos do foro, o
reconhecimento, perante uma ordem jurídica, de certas situações da vida com o
conteúdo jurídico que lhes atribui outra ordem jurídica. A opção por uma delas
depende do DIP do foro, e da interpretação das normas de conflitos em presença.

Estatuto do Direito Estrangeiro18

- Tradicionalmente, o direito aplicável às situações jurídicas transnacionais é


necessariamente o Direito vigente numa ordem jurídica estadual – a ordem jurídica do
foro ou uma estrangeira. Quando a norma de conflito remete para uma ordem jurídica
estrangeira levantam-se certas questões, nomeadamente quanto à interpretação,
conhecimento e prova do Direito aplicável.

- O problema que nos ocupa neste capítulo diz estritamente respeito àqueles casos em
que a norma de conflitos que regula a situação no contexto da ordem jurídica
portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira.

Direito Estrangeiro Aplicável

- O Direito estrangeiro aplicável é o que vigora na ordem jurídica designada pelo


Direito de conflitos – não têm de ser normas que emanam directamente de fonte
estadual, podem ser de fonte não-estadual que, segundo o sistema de fontes da ordem
estrangeira, vigoram nessa ordem jurídica. Assim, são aplicáveis as normas de
convenções ou de órgãos supraestaduais.

- Para saber quais são as normas juridicamente vigentes, atende-se ao sistema de


fontes da ordem jurídica em causa. Assim, se na ordem jurídica estrangeira designada
vigorar um sistema de precedent law, o órgão de aplicação português respeitará as
decisões dos tribunais superiores.

18
LIMA PINHEIRO, DIP, pp. 569-584

60
- Mais discutível é se se deve respeitar a jurisprudência estrangeira constante ou
dominante, quando na ordem não vigore um sistema de precedente. L IMA PINHEIRO diz
que sim, e LALIVE diz que não.

- Terá de ser também respeitada a hierarquia das fontes da ordem jurídica estrangeira,
o que poderá ser relevante quanto à relação entre o costume a lei.

- Quanto ao controlo da constitucionalidade das normas estrangeiras face à


Constituição estrangeira, é de entender que o tribunal português o poderá fazer em
dois casos:

- Se a inconstitucionalidade foi declarada com força obrigatória e geral na ordem


jurídica estrangeira.

- Se, e nos termos em que, os tribunais do Estado estrangeiro possam exercer este
controlo, como se verifica com sistemas de controlo difuso da constitucionalidade, e já
não perante sistemas de controlo concentrado da constitucionalidade (França ou
Suíça).

- O Direito estrangeiro aplicável não tem de ser emanado de órgãos estaduais


legítimos ou reconhecidos pelo Estado português, sobrelevando considerações de
efectividade.

- Podem ser normas postas em vigor por autoridades de ocupação, desde que
conformes com o DIPúblico, por forma a acautelar os interesses das pessoas que
tenham de se conformar com o Direito do ocupante. Contudo, se a ocupação ainda
não se encontrar consumada, haverá que examinar caso a caso até que ponto os
interesses das partes justificam a aplicação do Direito emanado das autoridades de
ocupação.

- Nem sequer é inconcebível a aplicação do Direito de um Estado não reconhecido


pelo Estado português: o Direito que é aplicado por um poder político juridicamente
organizado e que efectivamente vigora num território será em princípio aplicável por
força do Direito de Conflitos português.

- Nem tem de ser necessariamente Direito privado, poderão ser aplicadas normas
de Direito Público e que ocupam zonas cinzentas entre o público e o privado que
regulem ou tenham incidência sobre situações reguladas pelo DIP. Ex: concorrência,
por exemplo.

- Decorre do exposto relativamente à qualificação que a circunstância de o direito


estrangeiro competente conter um instituto jurídico desconhecido da ordem jurídica
do foro não obsta ao seu chamamento pelo Direito de Conflitos português – a
divergência entre o conteúdo do Direito estrangeiro competente e o Direito material
do foro só excepcionalmente releva como limite à sua aplicação.

61
- Além da reserva de ordem pública internacional, a aplicação do Direito estrangeiro
pode não ser possível em dois casos: quando esse Direito exija a intervenção de uma
autoridade pública e não exista no Estado do foro, nenhuma autoridade com
competência para praticar os actos necessários. No Código de Seabra, assim, não se
podia constituir em Portugal uma relação de adopção segundo um Direito estrangeiro
ou quando a sua aplicação requeira procedimentos especiais que sejam de todo
incompatíveis com o Direito processual do foro.

- Fora destes últimos casos, os órgãos portugueses de aplicação do Direito devem


colocar-se ao serviço da aplicação do Direito estrangeiro, esforçando-se por adaptar o
Direito processual interno ao Direito substantivo estrangeiro.

Interpretação do Direito Estrangeiro

- O Direito estrangeiro tem de ser interpretado em conformidade com os critérios de


interpretação seguidos no país de origem e com a jurisprudência e doutrina aí
dominantes – art. 23.º/1

- O intérprete encontra-se menos familiarizado com o Direito estrangeiro e por isso


deve actuar com especial prudência.

- GOLDSCHMIDT – na construção do próprio Direito somos arquitectos e quanto ao


direito estrangeiro somos fotógrafos desse direito. L IMA PINHEIRO acha um exagero – o
intérprete local tem a margem de apreciação e a competência de desenvolvimento
do Direito que a ordem jurídica estrangeira reconhece aos seus juízes e aos seus
intérpretes, mas deverá ser mais prudente e seguir a opinião dominante na cultura
jurídica estrangeira.

- A circunstância da regra ser a mesma não impede que a respectiva interpretação


seja diferente (CC Português e dos PALOP’s). Ex: o art. 970º do Code Civil, que manda
datar o testamento ológrafo, foi literalmente transcrito para o CC Belga, mas no
primeiro é interpretado como dando nulidade e no segundo validade.

Conhecimento e Prova do Direito Estrangeiro

- Normalmente, os factos têm de ser alegados e provados pelas partes, enquanto que o
Direito deverá ser investigado e determinado por iniciativa do tribunal – art. 664º CPC.

- O direito estrangeiro é de conhecimento oficioso? Nos direitos anglo-saxónicos não,


sendo de alegação e prova pelas partes.

62
- Em Portugal, o art. 348.º/1 e 2 resolve a questão – há um dever de colaboração da
parte que invoca o Direito estrangeiro na determinação do seu conteúdo, não
havendo ónus da prova. O incumprimento não terá por consequência o indeferimento
da pretensão nem, necessariamente, a aplicação do Direito material português,
embora possa contribuir para uma situação de impossibilidade de determinar o
conteúdo da lei estrangeira.

- O Direito estrangeiro é de conhecimento oficioso, tem o estatuto de Direito. Esta


posição é assumida pelos sistemas alemão e italiano. Por conseguinte, os tribunais
portugueses, quando conheçam de uma relação controvertida transnacional estão
obrigados a aplicar ex officio o Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica
portuguesa, não existindo qualquer ónus de alegação da competência da lei
estrangeira quer perante o tribunal de 1º instância ou de recurso.

- O erro na determinação de costume, nacional ou estrangeiro, é excluído do


recurso de revista. Mas isso não impede que o costume estrangeiro tenha estatuto de
Direito.

- O tribunal, ao determinar o conteúdo do Direito estrangeiro, deverá contentar-se


com um conhecimento suficiente para formar a sua convicção, a dúvida não deve
levá-lo a concluir pela impossibilidade.

- LP – em caso de dificuldade, o tribunal pode mesmo recorrer a presunções para fixar


o conteúdo do Direito estrangeiro. Assim, o tribunal poderia recorrer aos sistemas
jurídicos da mesma família que presumivelmente forem mais semelhantes – princípio
da maior semelhança de que falam KEGEL e SCHURIG.

- Contudo, o autor tem muitas dúvidas quanto à conveniência deste recurso a


presunções, uma vez que pode conduzir a soluções completamente diferentes, não lhe
parecendo que o Direito positivo o autorize.

- Na impossibilidade de determinação do conteúdo, o art. 23º/2 manda passar à


conexão subsidiaria, e, só nesse caso, se aplica o Direito material português – art.
348.º/3 CC. Isto só relativo ao direito material, pois se for impossibilidade de
determinar conteúdo de Direito de Conflitos –, deve-se entender como referencia
material à ordem designada.

Limites à Aplicação de Direito Estrangeiro ou Transnacional

Reserva de Ordem Pública Internacional19 20

19
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 584-597
20
FERRER CORREIA, Lições..., pp 405 ss

63
Como Cláusula Geral Que Veicula Princípios e Normas Fundamentais da Ordem
Jurídica do Foro

- Art. 22.º CC – é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional


competente segundo o Direito dos Conflitos.

- Outros preceitos de fonte interna que se referem à ordem pública internacional –


art. 1651.º/2 CC (registo casamento), 1096.º f) CPC (reconhecimento de sentenças) e o
art. 6.º/1 CRC (registo de actos lavrados no estrangeiro por entidades estrangeiras).

- LIMA PINHEIRO – não é possível determinar a priori qual o conteúdo desta cláusula
geral – é difícil enumerar taxativamente os princípios e normas fundamentais da ordem
jurídica portuguesa

- Há que relembrar que a ordem jurídica portuguesa faz uma recepção automática
do DIPúblico, à qual o art. 22.º também se refere (isso e Direito da União Europeia).

- Reserva de ordem pública internacional pode ser afastada ou mitigada – art. 16º Reg.
Roma I e art. 26.º do Reg. Roma II

- Não deve ser confundida com a ordem pública do direito interno, que inclui regras e
princípios. A ordem pública internacional só inclui princípios gerais, configurando um
núcleo muito mais restrito do que aqueles que subjazem à ordem pública do direito
material

- FERRER CORREIA – enquanto que ordem pública interna é o conjunto de todas as


normas que, num dado sistema, revestem natureza imperativa, a ordem pública
internacional, em vez de restringir a liberdade, limita a aplicabilidade das leis
estrangeiras, sendo, nas palavras de KEGEL, um reduto inviolável do sistema jurídico
nacional, resultante do salto para o desconhecido de que RAAPE falava – o Sprung ins
Dunkle.

- Esses princípios gerais podem ser normas e princípios constitucionais

- Actuação da reserva de ordem pública internacional pressupõe que o Direito dos


Conflitos português chame direito estrangeiro a regular a situação. Ou seja, é um
problema que só se põe no fim da resolução de um caso.

- O art. 22.º CC consagra essa mesma concepção aposteriorística da reserva de


ordem pública internacional, o que implica uma comparação dos efeitos
desencadeados pela lei estrangeira ou pelo Direito Transnacional que seriam
ordenados pela lex fori – é a concepção já desenvolvida por SAVIGNY, a da ordem
pública internacional como excepção.

64
- A outra variante, perfilhada por alguma doutrina como M ANCINI ou PILLET, mais
apriorística, define as normas pertencentes à OPI como leis territoriais, de garantia
social.

- Não se diz que uma lei estrangeira viola a ordem pública internacional portuguesa,
diz-se que a solução do caso concreto não é aceite pela ordem jurídica portuguesa.

- Há quem meta aqui as normas de aplicação necessária – concepção apriorística. As


normas de aplicação necessária sobrepõem-se ao sistema de Direito de Conflitos por
força de uma norma de conflitos unilateral que prevalece, como norma especial, sobre
a norma de conflitos geral ou de uma valoração casuística, por conseguinte, não é
correcto considerar as normas susceptíveis de aplicação necessária, na sua
generalidade, como expressão de uma ordem pública internacional a apriorística

Características

- Excepcionalidade – cláusula só intervém como limite à aplicação do Direito


estrangeiro ou transnacional quando solução é intolerável.

- Conceito evolutivo – conteúdo da reserva de ordem pública internacional acompanha


a evolução da ordem jurídica, designadamente dos seus valores fundamentais. Ex:
filhos ilegítimos sem direitos sucessórios antes de 1977

- Relatividade – a sua actuação deve depender da intensidade dos laços que a situação
tem pelo Estado do foro.

- Um determinado resultado pode ser manifestamente intolerável quando a ligação


com o Estado do foro for mais intensa e já não quando não o for.

- FERRER CORREIA – exige-se que entre a factualidade sub judice e o ordenamento do


foro interceda um nexo suficientemente forte para justificar a não aplicação da norma
estrangeira em princípio aplicável – doutrina alemã da Binnenbeziehung ou
Inlandbeziehung). Assim, se a relação em causa é uma relação estranha ou tanto monta
à comunidade local, em que pode a decisão do caso abalar esta comunidade nos seus
alicerces, que são as convicções reinantes em matéria ético-jurídica ou religiosa, mais
as coordenadas básicas da sua organização económico-social? Não esquecer que a
justiça será relativa e espácio-temporalmente determinada. Diz assim o autor que a
gravidade da divergência entre a norma estrangeira e o direito nacional reputada
necessária para justificar a intervenção da ordem pública, variaria na razão inversa da
intensidade do nexo apurado entre a relação em causa e o ordenamento jurídico do
foro.

65
- FERRER CORREIA dá alguns exemplos: denegação de personalidade jurídica a alguns
homens (escravatura ou servidão), recusa de certos direitos fundamentais de ordem
racial ou política, casamento poligâmico, divórcio sob a forma de repúdio da mulher (a
não ser que ela consinta)

- Alguns autores franceses e portugueses falam da variabilidade da ordem pública


internacional, conforme se trate da constituição de uma situação ou do
reconhecimento de efeitos de situações já constituídas no estrangeiro. Essa doutrina
fala de um efeito atenuado da ordem pública internacional, quanto ao
reconhecimento de situações constituídas no estrangeiro – ex: quando a celebração de
um segundo casamento ao abrigo de um Direito que admite a poligamia violaria a
ordem pública internacional, esta cláusula já não se oporia à pretensão de alimentos
deduzida por uma das mulheres quando o casamento tenha sido celebrado no
estrangeiro. Diz FERRER CORREIA – isso não implica o reconhecimento directo da união
poligâmica, mas tão só o de que a lei reguladora da sucessão mortis causa atribui a
determinados indivíduos, em virtude da posição em que se encontravam perante o
autor da herança em vida deste, não tendo nada de chocante.

- Mas, adverte LIMA PINHEIRO, uma certa flexibilização da ordem pública


internacional em relação aos efeitos não significa que a própria constituição da
situação no estrangeiro não possa ser considerada à ordem pública internacional.
Assim, o art. 1651.º CC condiciona o registo do casamento celebrado por estrangeiros
no estrangeiro à sua conformidade com os princípios fundamentais da ordem pública
internacional do Estado português, podendo a OPI opor-se ao reconhecimento de
casamento celebrado no estrangeiro. Mesmo neste caso, a OPI não obsta a que o
mesmo casamento seja indirectamente reconhecido para efeitos de obrigação
alimentar ou de direitos sucessórios.

- Em última análise, o que releva não é tanto a distinção entre a constituição de


uma situação e reconhecimento de uma situação mas a intensidade da ligação que a
situação apresenta com o estado do foro. Em muitos dos casos em que se verifica esse
‘efeito atenuado’ verifica-se que no momento da constituição a situação não tinha
laços significativos com o Estado do foro.

- FERRER CORREIA fala ainda da imprecisão – o conteúdo da noção de ordem pública


internacional é forçosamente impreciso e vago, pois ela é um conceito indeterminado,
um conceito que não pode definir-se pelo seu conteúdo, mas só pela função: como o
expediente que permite evitar que situações jurídicas dependentes de um direito
estrangeiro e incompatíveis com postulados basilares do direito nacional venham
inserir-se na ordem sociojurídica do Estado do foro e fiquem a poluí-la.

- Como tal, não basta estabelecer a incompatibilidade abstracta da norma


estrangeira em causa com as concepções fundamentais da lex fori, com o espírito ou

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alma do sistema, mas interessa para além disso, tirar a limpo a incompatibilidade com
esse espírito de uma aplicação concreta da mesma norma, o que supõe da parte do juiz
da causa uma liberdade de avaliação inconciliável com qualquer fórmula rígida, pois a
ordem pública não é uma medida objectiva para aferir a compatibilidade concreta da
norma estrangeira com os princípios gerais do direito nacional, mas a decisão de não
aplicar leis estrangeiras é algo que joga essencialmente com as avaliações subjectivas
do juiz – a vaguidade, a imprecisão da noção de ordem pública é, portanto, um mal
sem remédio.

Consequências

- Acção preclusiva da cláusula de ordem pública internacional incide sobre os efeitos


jurídicos desencadeados pelo direito estrangeiro, havendo um afastamento do
resultado.

- Como é limite de aplicação de direito estrangeiro, vale o princípio do menor dano à


lei estrangeira, i.e., se do afastamento não resultar lacuna e aplicar-se a lei estrangeira.
Ex: uma ordem jurídica estrangeira que declara nulo casamentos interraciais, sendo
essa, hipoteticamente, uma regra especial, aplica-se o regime geral da capacidade do
casamento, sem essa regra.

- Se surgir lacuna, faz-se uma analogia no direito estrangeiro: Ex: numa ordem
jurídica estrangeira em que a sucessão de filhos ilegítimos não é permitida, aplica-se as
regras sucessórias relativas aos filhos legítimos – a este ajustamento é chamado
adaptação.

- Em último recurso, nos termos do art. 22.º/2 CC, aplica-se a lex fori.

Direito Internacional Público e Direito da União Europeia

Direito Internacional Público

- A questão de saber se os órgãos estaduais de aplicação do Direito podem, e até se


devem, controlar a conformidade com o Direito Internacional do Direito estrangeiro
chamado pela norma de conflitos e dos efeitos de decisões estrangeiras, foi discutida
designadamente com respeito à expropriação ou nacionalização operada por Estado
estrangeiro.

- Uma parte da doutrina, nomeadamente DOMKE e LAUTERPACHT, pronuncia-se a favor


do controlo. Segundo esta doutrina, do primado do Direito Internacional decorre não
só a possibilidade mas também a obrigação de realizar o controlo. Invoca-se ainda a

67
necessária colaboração dos tribunais estaduais na aplicação e desenvolvimento do
Direito Internacional.

- Em sentido contrário, algumas decisões nacionais entenderam que o Direito


Internacional não permite que os tribunais de um Estado considerem inválida uma lei
estrangeira ou um acto soberano estrangeiro, ainda que sejam contrários ao DIPúblico.
Também diversos autores, como FALK e VON BAR entendem que não existe uma
obrigação de controlar a conformidade da lei estrangeiro ou do acto administrativo
estrangeiro com o Direito Internacional, pelo menos com respeito a direitos cujo
exercício é objecto da protecção diplomática.

- LIMA PINHEIRO – crê que não se deve duvidar da legitimidade do controlo perante o
DIPúblico, entendimento seguido, aliás, pelo Instituto de Direito Internacional na sua
Resolução sobre a Actividade do Juiz Interno nas Relações Internacionais do Estado –
Milão, 1993 – recomendado que as jurisdições nacionais, quando tenham de aplicar a
lei estrangeira, se devem reconhecer competentes para decidir da compatibilidade
desta lei com o Direito Internacional, devendo recusar dar efeito a actos públicos
estrangeiros que violem o Direito Internacional.

- E há uma obrigação internacional de o realizar?

- Perante um sistema de recepção automática como o nosso, é de crer que um


órgão nacional só deve aplicar o Direito estrangeiro ou transnacional que for
conforme ao Direito Internacional Público.

- Controlo feito por uma cláusula geral de ordem pública ou autonomamente?

- RAAPE e WENGLER – recurso à cláusula geral de ordem pública internacional

- VON BAR e LAGARDE – actuação do direito internacional dos direitos fundamentais


como limite autónomo à aplicação do Direito estrangeiro.

- LIMA PINHEIRO crê tratar-se de um limite autónomo, pois a aplicação das normas
internacionais não depende necessariamente dos pressupostos de intervenção da
ordem pública internacional.

Direito da União Europeia

- Considerações paralelas às tecidas com respeito ao DIPúblico justificam que o Direito


da União Europeia constitua um limite autónomo à aplicação do Direito estrangeiro
ou transnacional.

- Já sabemos que o Direito da União auto-executório é aplicável às situações


transnacionais que caiam dentro da sua esfera da sua aplicação no espaço.

68
- Logo, um órgão nacional só deve aplicar o Direito estrangeiro que for conforme com
o Direito da União Europeia.

Constituição

- Foi atrás referido que as normas e princípios constitucionais, principalmente os


relativos a direitos fundamentais, assumem a maior importância para a ordem pública
internacional.

- Até que ponto estas normas e princípios só actuam através da ordem pública
internacional ou como limite autónomo?

- Entendimento tradicional, defendido por NEUHAUS, KEGEL e FERRER CORREIA - o âmbito


de aplicação no espaço das normas constitucionais que tutelam direitos
fundamentais decorre do funcionamento das normas de conflitos gerais, com reserva
da sua actuação por meio da cláusula de ordem pública internacional. Assim:

- Nem todas as normas e princípios constitucionais seriam necessariamente


veiculados pela ordem pública internacional; o órgão de aplicação poderia
legitimamente considerar que certos preceitos constitucionais não constituem um
limite à aplicação do Direito estrangeiro por não integrarem a ordem pública
internacional.

- Segundo a concepção tradicional caracterização da reserva de ordem pública


internacional, esta reserva não actua perante qualquer divergência entre o Direito
estrangeiro e as concepções jurídicas do foro, mas só em casos de manifesta
incompatibilidade – assim, nem toda a violação de um preceito constitucional seria
susceptível de desencadear a actuação da reserva de ordem pública internacional.

- A favor da autonomia, temos WENGLER, HERZOG e MARQUES DOS SANTOS – para essa
tese, a relevância da Constituição não pode depender da norma ordinária que
estabelece a reserva de ordem pública internacional, nem deve ficar na
disponibilidade do intérprete a determinação das normas constitucionais que são ou
não de ordem pública internacional.

- Art. 6.º/2 da Lei de Introdução ao BGB configura a incompatibilidade da lei


estrangeira com os direitos fundamentais como um caso de aplicação da ordem
pública internacional – resulta daí que qualquer violação dos direitos fundamentais
desencadeia a actuação da ordem pública internacional.

- Ex: um jordano residente na Jordânia pretende que o filho português, que reside com
a mãe, portuguesa que adquiriu pelo casamento a nacionalidade jordana, em
Portugal, seja confiado à sua guarda, com base na lei jordana que consagra a primazia

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do pai no exercício do poder paternal. O princípio da igualdade entre os cônjuges leva,
por meio da ordem pública internacional, ao afastamento da lei jordana e aplicação da
lei portuguesa sobre o exercício do poder paternal.

- Certas normas constitucionais poderão mesmo ser de aplicação universal, por


consagrarem direitos básicos de todo o ser humano, sendo elas aplicáveis a situações
transnacionais independentemente de qualquer laço com Portugal. Mas aí cai-se no
âmbito da tutela pelo DIPúblico geral.

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