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“O Paganismo da Aristocracia Senatorial Romana”*

João Pedro de Souza Lobo Caetano

A historiografia tradicionalmente tratava da aristocracia senatorial romana no século IV


d.C. como um foco de resistência do paganismo ao avanço do cristianismo. Indivíduos de
destaque desta aristocracia (como: Símaco, Praetextato e Nicomano Flaviano) eram tidos
como associados daqueles que compartilhavam de um mesmo sistema de crenças que
valorizavam a herança cultural clássica (1). A partir da metade deste século, historiadores
começaram a perceber que as distinções religiosas não eram necessariamente o crivo principal
que regia a conduta dos membros dessa aristocracia (2). Muitas vezes elementos como: a
formação de uma clientela e uma adesão a um código de conduta aristocrático operavam de
maneira a permitir uma identificação que suplantasse um critério religioso muito restrito. A
intenção desta comunicação é tentar perceber o lugar da religião pagã na formação de uma
identidade de certos segmentos da aristocracia senatorial romana. O Senador Símaco será
utilizado como exemplo de um caso no qual o paganismo oficial tinha uma importância de
destaque na formação de uma identidade entre senadores aristocráticos pagãos.

O Senado, na segunda metade do século IV d.C., era uma instituição bastante


heterogênia. A própria instituição do Senado Imperial da cidade de Roma não abarcava toda a
ordem senatorial que, desde o início do século IV d.C. com Constantino, começava a crescer
tanto em importância quanto em número. Isto provocou o ingresso de inúmeros membros
provenientes de outros segmentos sociais e de várias partes do Império. Entretanto, desde o
século III d.C., se pode notar que um grupo composto pelas famílias mais antigas adquire uma
certa estabilidade nas constantes alterações na composição da ordem senatorial e que este
grupo tem uma certa preponderância dentro da hierarquia interna do Senado Romano. As
famílias com linhagens mais antigas assumiriam a característica de zelar pela cultura classica
pagã utilizando-a como instrumento de distinção e prestígio (3).

O problema da historiografia tradicional que trata deste tema é procurar isolar o


paganismo como um elemento especial de coesão social e transforma-lo em uma espécie de
“plataforma política” dos aristocratas romanos pagãos. O próprio termo paganismo é bastante
ambíguo sendo antes de tudo uma referência pagã aos indivíduos e práticas que não eram
cristãs (4). No que concerne a aristocracia senatorial romana, diversas práticas religiosas
podem ser encontradas. Existiam senadores cristãos arianos, cristãs nicenos, que seguiam
cultos orientais e cultos de mistério das mais variadas espécies e aqueles que mantinham
alguma ligação com cultos do panteão clássico. Além do mais, encontramos pagãos que
transitavam entre diferentes sistemas religiosos. Muitos senadores cultuavam divindades
orientais e participavam dos cultos tradicionais pagãos. Vários senadores do chamado “círculo
de Símaco”, como Nicomano Flaviano, se enquadravam entre os senadores pagãos que
pareciam atuar em cultos pagãos oficiais e simultaneamente exercer práticas religiosas ligadas a
cultos orientais (5). Segundo MacMullen, o exclusivismo era um traço característico somente
do cristianismo. Um pagão não era obrigado a ater-se a somente a uma prática religiosa (6).

Deve-se ter em mente que o paganismo clássico era uma forma de religiosidade
bastante específica, pois os seus símbolos estavam fortemente associados aos do Estado
Imperial Romano. O culto aos símbolos pagãos era uma forma de prestar homenagem, jurar
lealdade e reconhecer a autoridade deste Estado. Senadores pagãos podiam ter a sua religião
particular sem que isto significasse um abondono das representações do Estado do qual muitas
vezes participavam. Zelar por estas representações passava também a ser uma tarefa de
manutenção de toda uma idéia de Império e de como o Império deveria operar. Isto aparece
claramente na Terceira Relação de Símaco, na qual este afirma que as glórias do passado de
Roma ocorreu devido ao respeito que os romanos observavam ao culto dos antepassados (7).
A postura de um senador pagão em relação à religião tinha características semelhantes
à postura que este mesmo tinha em relação ao Estado. A sua participação nos cargos imperiais
era um aspecto público pelo qual este senador poderia reunir recursos para conferir vantagens
ao seu círculo de clientes e protegidos, e ao mesmo tempo construir o seu perfil de homem
privado virtuoso (8). A sua atuação nos cargos sacerdotais contribuíam da mesma maneira para
formar a imagem de um senador correto que participava de forma penosa nos cultos
tradicionais e que simultaneamente recolhia os benefícios advindos desse cargo. Símaco parece
se queixar nas suas cartas tanto de assumir um cargo administrativo quanto dos encargos
sacerdotais, mas em nenhum dos casos deixa de reconhecer a devida importância de ambos,
nem muito menos tenta se livrar de tais incumbêcias (9). Tanto os cargos sacerdotais como os
burocraticos são encontrados listados em inscrições como parte do cursus honorum de vários
senadores pagãos, sendo assim considerados importantes para que um senador ascendesse
dentro da hierarquia interna do Senado. O carater público e privado acabam se
complementando de tal forma que torna difícil uma distinção nítida dessas duas esferas de
atuação (10).

John Matthews apresentou a tese de que tanto as cartas particulares de Símaco como
as referências que este faz a religião pagã oficial devem ser compreendidas como uma faceta
pública estudada de um administrador político que estava imerso numa série de relações de
prestígio onde a espontaniedade não tinha lugar. A vida particular era para ser exposta apenas
na medida que contribuísse para enaltecer o orador e demonstrar o seu valor como patrono,
amigo e administrador correto (11).

Qual o lugar que este tipo de paganismo poderia ter na formação de uma identidade
para certos senadores? Se definirmos identidade como um conjunto de comportamentos e
valores que permite o reconhecimento de um grupo, notamos que o paganismo propiciava isto
quando associado com alguns elementos não religiosos (12). O paganismo clássico influía de
forma mais direta naqueles senadores pagãos que pertenciam às famílias mais antigas de Roma
e que tinham uma participação no Estado Imperial. Senadores pagãos, que procuravam manter
a sua posição privilegiada dentro da hierarquia da ordem senatorial frente aos novos membros,
valorizavam os aspectos da cultura clássica (incluindo a religião pagã) que lhes permitiria
estabelecer critérios de distinção que explicassem a sua posição social como parte de uma
tradição antiga ligada ao Império. A cultura clássica era valorizada como um dos elementos
pelo qual um indivíduo poderia ascender a ordem senatorial. Participar dessa cultura clássica
era partilhar de alguns valores que permitiam que os senadores se reconhecessem como
diferentes e especiais (13). A cultura clássica estabelicia um código de regras e condutas que
permitia aos recém chegados aderirem a uma organização social préexistente a sua inclusão e
serem assimilados sem maiores traumas.

Os senadores pagãos, que participavam de cargos do Estado Imperial e estavam


imersos em um universo onde a simbologia do Estado se confundia com aquela do paganismo
clássico, quando estavam ligados a cargos sacerdotais mantidos pelo Estado tinham,
fortalecido os seus vínculos com essas formas de culto. Os sentimentos de devoção pessoal
não tinham lugar nessas discussões de Estado e talvez por isso os cultos de mistério e os cultos
orientais praticamente não são mencionados quando se trata do Império ao contrário do
paganismo oficial que era associado a história de glórias do Império. Não existe referências aos
cultos orientais nos escritos de Símaco que, como já foi dito, tratava menos de expor os
pensamentos pessoais deste senador do que ser um instrumento de um administrador e um
patrono influente com uma vasta rede de poder pessoalizado (14).

Os senadores pagãos entendiam a manutenção dessas práticas litúrgicas como algo


fundamental ao bem estar do Império. Símaco expõe isto claramente quando defende a
restauração do Altar da Vitória ao Senado fazendo um alerta sobre os malefícios que cairíam
sobre o Império Romano (como fome, desordem e invasões) se as antigas práticas religiosas
não fossem respeitadas (15). Não se pode disassociar o sentimento religioso dos interesses que
estavam envolvidos com a prática desses cultos. A atitude comtemporânea de dividir as esferas
de afetividade que regem nossas vidas, onde o sentimento religioso está separado de interesses
materiais não pode ser transposto para a realidade desses senadores pagãos do século IV d.C.
que entendiam a interação dessas práticas como um todo coerente e indivisível (16).

O paganismo oficial não foi um elemento de resistência ao cristianismo como se


supunha no início do século. Este ideal romântico do paganismo tardio tem tamanha força
explicativa que estudos recentes ainda se referem a ele junto com a noção mais moderna de
tolerância religiosa (17). O que pretendíamos mostrar neste breve estudo é que o paganismo
clássico era fruto de um meio social específico e que ele só poderia criar alguma identidade
para um número restrito de senadores que estavam inseridos neste meio e que sem os demais
elementos que informavam a realidade destes senadores, este conjunto de crenças se esvaziaria
de sentido.

Bibliografia:

* Esta comunicação faz parte da pesquiza que venho realizando no mestrado de História
Económica da Universidade de São Paulo como bolsista da FAPESP sob a orientação do
Professor Norberto Luiz Guarinello.
(1)-Historiografia do início do século (que ainda encontra seguidores), que usa o conceito de
reação pagã como uma estratégia e ações calculadas contra o cristianismo como por exemplo:
HOLLAND, John. The Death of Classical Paganism. Geoffrey Chapman Publishers,
London/Dublin, edição 1976.
BROGLIE, Albert. L’Empire Romain au IV Siècle. Perrin, Paris, 1904.
BOISSER, G. La Fin du Paganism: Étude sur les Dernières Luttes Religieuses en Occident au
Quatrième Siècle.Paris, Librairie Hachette, 1913.
(2)-Esta historiografia foi criticada principalmente por autores como: BROWN, Peter.
Authority and the Sacred: Aspects of the Christianization of the Roman Empire.
Cambridge/New York, Cambridge, University Press, 1996. e BROWN, Peter. Religion and
Society in the Age of Saint Augustine. London/New York, Harper & Row, 1972.
CAMERON, Alan. In: “Cristianisme et Formes Litériaires de L’Antiguité Tardive en
Occident”. Genéve, Fondation Hart Pour L’Étude D’Antiquité Classique (Tome III), 1976.
(3)- CHASTAGNOL, A. Le Sénat Romain à L’Époque Imperiale. Les Belles Lettres, Paris,
1992.
CHASTAGNOL, A. “L’Evolution de l’Orde Senatorial dans le IIIeme et IVeme siècle de notre
ère” In: Revue Historique. I:496, 1970.
JONES, A. H. M. The Later Roman Empire 284-602 A.D. : A Social, Economic, and
Administrative Survey. Oxford, Basil Blackwell, 1964.
(4)- MacMULLEN, Ramsay. Paganism in the Roman Empire. New Haven, Yale University
Press, 1981.
(5)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(6)- MacMULLEN, Ramsay. Paganism in the Roman Empire. New Haven, Yale University
Press, 1981. MacMULLEN, Ramsay. Christianizing the Roman Empire: A.D. 100- 400. New
Haven, Yale University Press, 1984.
(7)- SYMMACHUS, Quintus Aurelius. Prefect and Emperor: The Relationes of Symmachus,
A. D. 384. translations and notes by R. H. Barrow. Oxford, Claredon Press, 1973.
(8)- MATTHEWS, John. Western Aristocracies and Imperial Court (A.D. 364/465). New
York, Oxford University Press, 1975.
(9)- CALLU, Jean Pierre.Symmaque: Lettres. Paris, Société D’ Edition- Les Belles Lettres,
Vol. I-III, 1972.
(10)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(11)-MATTHEWS, John. “The Letters of Symmachus” In: BINNS, J. W. (org.). Latin
Literature of the Fourth Century. London/Boston, Routledge & Kegan Paul, 1974.
(12)-melhor definição do conceito encontrei/e adaptei do Aurélio: Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993. “Reconhecimento de uma coisa ou
indivíduo como próprio”.
(13)- JONES, A. H. M. The Later Roman Empire 284-602 A.D. : A Social, Economic, and
Administrative Survey. Oxford, Basil Blackwell, 1964.
(14)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(15)- SYMMACHUS, Quintus Aurelius. Prefect and Emperor: The Relationes of Symmachus,
A. D. 384. translations and notes by R. H. Barrow. Oxford, Claredon Press, 1973.
(16)- Não acredito que se deva radicalizar negando totalmente a importância da religiosidade
pagã em detrimento dos interesses materiais, mas considero que estes devem ser levados em
consideração como : McGEACHY Jr., John Alexander.Quintus Aurelius Symmachus and the
Senatorial Aristocracy of the West. Chicago, University of Chicago Libraries, 1942. Este
afirmar que ” a manutenção da religião romana era muito próxima à posição da nobreza
senatorial como classe social e economicamente dominante” pg. 129.
(17)- CHUVIN, Pierre. A Chronicle of the Last Pagans. Cambridge, Harvard University Press,
1990.
BLOCH, Herbert. “El Renascimento del Paganismo en Occidente a Fines del Siglo IV”, In: El
Conflito Entre el Paganismo y el Cristianismo en el Siglo IV. Organizado por Arnaldo
Momigliano. Madrid, Alianza Editorial, 1989.

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