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Deve-se ter em mente que o paganismo clássico era uma forma de religiosidade
bastante específica, pois os seus símbolos estavam fortemente associados aos do Estado
Imperial Romano. O culto aos símbolos pagãos era uma forma de prestar homenagem, jurar
lealdade e reconhecer a autoridade deste Estado. Senadores pagãos podiam ter a sua religião
particular sem que isto significasse um abondono das representações do Estado do qual muitas
vezes participavam. Zelar por estas representações passava também a ser uma tarefa de
manutenção de toda uma idéia de Império e de como o Império deveria operar. Isto aparece
claramente na Terceira Relação de Símaco, na qual este afirma que as glórias do passado de
Roma ocorreu devido ao respeito que os romanos observavam ao culto dos antepassados (7).
A postura de um senador pagão em relação à religião tinha características semelhantes
à postura que este mesmo tinha em relação ao Estado. A sua participação nos cargos imperiais
era um aspecto público pelo qual este senador poderia reunir recursos para conferir vantagens
ao seu círculo de clientes e protegidos, e ao mesmo tempo construir o seu perfil de homem
privado virtuoso (8). A sua atuação nos cargos sacerdotais contribuíam da mesma maneira para
formar a imagem de um senador correto que participava de forma penosa nos cultos
tradicionais e que simultaneamente recolhia os benefícios advindos desse cargo. Símaco parece
se queixar nas suas cartas tanto de assumir um cargo administrativo quanto dos encargos
sacerdotais, mas em nenhum dos casos deixa de reconhecer a devida importância de ambos,
nem muito menos tenta se livrar de tais incumbêcias (9). Tanto os cargos sacerdotais como os
burocraticos são encontrados listados em inscrições como parte do cursus honorum de vários
senadores pagãos, sendo assim considerados importantes para que um senador ascendesse
dentro da hierarquia interna do Senado. O carater público e privado acabam se
complementando de tal forma que torna difícil uma distinção nítida dessas duas esferas de
atuação (10).
John Matthews apresentou a tese de que tanto as cartas particulares de Símaco como
as referências que este faz a religião pagã oficial devem ser compreendidas como uma faceta
pública estudada de um administrador político que estava imerso numa série de relações de
prestígio onde a espontaniedade não tinha lugar. A vida particular era para ser exposta apenas
na medida que contribuísse para enaltecer o orador e demonstrar o seu valor como patrono,
amigo e administrador correto (11).
Qual o lugar que este tipo de paganismo poderia ter na formação de uma identidade
para certos senadores? Se definirmos identidade como um conjunto de comportamentos e
valores que permite o reconhecimento de um grupo, notamos que o paganismo propiciava isto
quando associado com alguns elementos não religiosos (12). O paganismo clássico influía de
forma mais direta naqueles senadores pagãos que pertenciam às famílias mais antigas de Roma
e que tinham uma participação no Estado Imperial. Senadores pagãos, que procuravam manter
a sua posição privilegiada dentro da hierarquia da ordem senatorial frente aos novos membros,
valorizavam os aspectos da cultura clássica (incluindo a religião pagã) que lhes permitiria
estabelecer critérios de distinção que explicassem a sua posição social como parte de uma
tradição antiga ligada ao Império. A cultura clássica era valorizada como um dos elementos
pelo qual um indivíduo poderia ascender a ordem senatorial. Participar dessa cultura clássica
era partilhar de alguns valores que permitiam que os senadores se reconhecessem como
diferentes e especiais (13). A cultura clássica estabelicia um código de regras e condutas que
permitia aos recém chegados aderirem a uma organização social préexistente a sua inclusão e
serem assimilados sem maiores traumas.
Bibliografia:
* Esta comunicação faz parte da pesquiza que venho realizando no mestrado de História
Económica da Universidade de São Paulo como bolsista da FAPESP sob a orientação do
Professor Norberto Luiz Guarinello.
(1)-Historiografia do início do século (que ainda encontra seguidores), que usa o conceito de
reação pagã como uma estratégia e ações calculadas contra o cristianismo como por exemplo:
HOLLAND, John. The Death of Classical Paganism. Geoffrey Chapman Publishers,
London/Dublin, edição 1976.
BROGLIE, Albert. L’Empire Romain au IV Siècle. Perrin, Paris, 1904.
BOISSER, G. La Fin du Paganism: Étude sur les Dernières Luttes Religieuses en Occident au
Quatrième Siècle.Paris, Librairie Hachette, 1913.
(2)-Esta historiografia foi criticada principalmente por autores como: BROWN, Peter.
Authority and the Sacred: Aspects of the Christianization of the Roman Empire.
Cambridge/New York, Cambridge, University Press, 1996. e BROWN, Peter. Religion and
Society in the Age of Saint Augustine. London/New York, Harper & Row, 1972.
CAMERON, Alan. In: “Cristianisme et Formes Litériaires de L’Antiguité Tardive en
Occident”. Genéve, Fondation Hart Pour L’Étude D’Antiquité Classique (Tome III), 1976.
(3)- CHASTAGNOL, A. Le Sénat Romain à L’Époque Imperiale. Les Belles Lettres, Paris,
1992.
CHASTAGNOL, A. “L’Evolution de l’Orde Senatorial dans le IIIeme et IVeme siècle de notre
ère” In: Revue Historique. I:496, 1970.
JONES, A. H. M. The Later Roman Empire 284-602 A.D. : A Social, Economic, and
Administrative Survey. Oxford, Basil Blackwell, 1964.
(4)- MacMULLEN, Ramsay. Paganism in the Roman Empire. New Haven, Yale University
Press, 1981.
(5)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(6)- MacMULLEN, Ramsay. Paganism in the Roman Empire. New Haven, Yale University
Press, 1981. MacMULLEN, Ramsay. Christianizing the Roman Empire: A.D. 100- 400. New
Haven, Yale University Press, 1984.
(7)- SYMMACHUS, Quintus Aurelius. Prefect and Emperor: The Relationes of Symmachus,
A. D. 384. translations and notes by R. H. Barrow. Oxford, Claredon Press, 1973.
(8)- MATTHEWS, John. Western Aristocracies and Imperial Court (A.D. 364/465). New
York, Oxford University Press, 1975.
(9)- CALLU, Jean Pierre.Symmaque: Lettres. Paris, Société D’ Edition- Les Belles Lettres,
Vol. I-III, 1972.
(10)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(11)-MATTHEWS, John. “The Letters of Symmachus” In: BINNS, J. W. (org.). Latin
Literature of the Fourth Century. London/Boston, Routledge & Kegan Paul, 1974.
(12)-melhor definição do conceito encontrei/e adaptei do Aurélio: Dicionário da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993. “Reconhecimento de uma coisa ou
indivíduo como próprio”.
(13)- JONES, A. H. M. The Later Roman Empire 284-602 A.D. : A Social, Economic, and
Administrative Survey. Oxford, Basil Blackwell, 1964.
(14)- MATTHEWS, John. “Symmachus and the Oriental Cults” In: Journal of Roman Studies.
63, 1973.
(15)- SYMMACHUS, Quintus Aurelius. Prefect and Emperor: The Relationes of Symmachus,
A. D. 384. translations and notes by R. H. Barrow. Oxford, Claredon Press, 1973.
(16)- Não acredito que se deva radicalizar negando totalmente a importância da religiosidade
pagã em detrimento dos interesses materiais, mas considero que estes devem ser levados em
consideração como : McGEACHY Jr., John Alexander.Quintus Aurelius Symmachus and the
Senatorial Aristocracy of the West. Chicago, University of Chicago Libraries, 1942. Este
afirmar que ” a manutenção da religião romana era muito próxima à posição da nobreza
senatorial como classe social e economicamente dominante” pg. 129.
(17)- CHUVIN, Pierre. A Chronicle of the Last Pagans. Cambridge, Harvard University Press,
1990.
BLOCH, Herbert. “El Renascimento del Paganismo en Occidente a Fines del Siglo IV”, In: El
Conflito Entre el Paganismo y el Cristianismo en el Siglo IV. Organizado por Arnaldo
Momigliano. Madrid, Alianza Editorial, 1989.