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OS ARQUIVOS F

TRILOGIA

Marco Aurélio Gomes Veado


1998-1999-2000
1 - O CASO DAS BEATAS
I

O domingo amanheceu quente e ensolarado. As irmãs Maria


Etelvina, Ana Maria e Maria Regina eram três solteironas convictas e
religiosas com fervor. Preparavam-se para a missa das 8 na Igreja da
Matriz. Após se vestirem com garbo e respeito, saíram de casa rumo à
missa dominical. Chegando na São Vicente de Férrer, postaram-se no lugar
habitual, tiraram seus terços da bolsa e esperaram pelo Padre Sérgio
Ventura, um italiano radicado em Formiga há mais de 43 anos. O Padre
entrou na Igreja e todos se levantaram. Ele olhou para as beatas como
sempre fazia, cumprimentou-as e então deu início a mais uma missa.
Virou-se para o altar e quando tornou aos fiéis, tomou um susto, um
grande susto!

Onde estavam as beatas? Como pode ser, num átimo de segundo


atrás elas estavam sentadas e agora, seus lugares nem sequer estavam
vazios! Estavam ocupados por outras pessoas!

O que havia acontecido? Padre Sérgio engoliu seco, sentido-se mal.


Pediu desculpas a todos e foi para o interior da Sacristia, se refazer do
susto. Mas não conseguiu voltar a rezar a missa. Estava abalado com tudo
aquilo... Passaram-se semanas e semanas e ninguém nunca mais ouviu
falar do paradeiro das beatas!

O casal Delbaron vive numa ampla casa às margens da lagoa. Os


dois sempre foram interessados pela pesquisa, investigação e estudos
mormente de caráter inusitado e misterioso. Por isso mesmo, conseguiram
ser aprovados num concurso para agentes especiais da CIF (Central de
Inteligência Formiguense), agência privada de investigação recentemente
fundada. Assim, com muita persistência, ambos conseguiram tal almejado
emprego.

Phyllis é uma mulher de meia-idade que ainda conserva seus dotes


físicos de quando mais jovem. É alta, morena-clara e com uma forte
presença. Todavia, o que mais lhe sobressai, são seus dotes mentais. Ela é
uma eficiente sensitiva que se especializou em RV (do inglês “Remote
Viewing” ), ou Visão Remota, termo adotado pela inteligência mundial
para o agente especial que possui a percepção extra-sensorial de
“enxergar” além de sua visão normal. Melhor explicando: o agente
especialista em RV, ou agente psíquico, é aquele que consegue detectar o
objetivo ao simplesmente tocar numa foto, objeto ou mesmo numa planta
de engenharia, conforme o caso, sem precisar sair do lugar. Basta
mentalizar o foco e conseguir sua localização, através da mente. O grau
de acerto é incrível. Além desta habilidade, Phyllis possui outras
características pouco comuns. É também clarividente e telepata. São,
pois, dotes raros que por sorte pertencem à pessoa certa, tendo em vista
as árduas missões que é incumbida. A seu turno, Pedro já é uma pessoa
mais pragmática, pois suas habilidades dizem respeito mais à matéria. É
um especialista em eletro-eletrônica e um inventor nato. Muitos dos

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aparelhos que utiliza quando em missão, são por ele mesmo criados.
Infelizmente, até hoje nenhum ainda foi patenteado. Ele alega que é por
falta de tempo, pois não tem paciência de ir à cata de um patrocinador.
Assim, ambos, graças às suas indiscutíveis técnicas mentais e materiais,
foram selecionados para atuarem nos “Arquivos F” , banco de dados
composto somente de casos enigmáticos de difícil solução, para, no
mínimo, obterem um resultado convincente, ou plausível.

No primeiro dia de trabalho, os dois novos agentes se apresentaram


ao Diretor Paulo Cunha, uma pessoa afável, apesar de exigente ao
máximo, não muito alto e com poucos cabelos, mostrando uma calvície já
bastante acentuada. Apertou as mãos de ambos, sentou-se, pegou seu
charuto Cohyba e sem acendê-lo, falou com decisão.

“Senhores agentes da CIF. O objetivo dos dois neste trabalho é


simples e óbvio: solucionar o problema. Não me interessa o quão difícil ou
mesmo misterioso seja o caso que pegarem! Os meios que vão utilizar
para se chegar à resolução também não me interessam, desde que sejam
lícitos. O que importa será que cumpram as determinações impostas
pela CIF. Esta cidade pode parecer pequena, mas o fato é que
periodicamente acontecem coisas que ninguém consegue explicar. Como
sabem, esta agência dá sustentação logística às polícias local e das
redondezas nos assuntos mais intricados. Somos bem pagos para isso.
Desta forma, o resultado tem que ser satisfatório, custe o que custar!
Portanto, mãos à obra, ou melhor, mãos, pés e mentes à obra!”

Sem titubear, Phyllis, com sua maneira incisiva e dominadora


asseverou-lhe com a usual elegância: “Não se preocupe, chefe. Pedro e eu
sabemos onde pisamos. Nossas experiências anteriores nos deu a
segurança que o senhor deseja. Já estamos ao seu dispor para a primeira
missão!” Pedro, como sempre, de poucas palavras, deixou sua
companheira falar e nada mais fez do que assentir com a cabeça.

“Muito bem. O primeiro caso que pegarão requer muita astúcia e,


sobretudo, espírito de iniciativa. Meses atrás um bizarro desaparecimento
abalou as estruturas paroquias desta cidade. Até hoje ninguém sabe o que
realmente aconteceu.

“Já ouvimos falar, seriam aquelas beatas que sumiram?”,


interrompeu Pedro. “Exatamente. O assunto já é corrente na cidade toda.
O Padre Sérgio Ventura, da Paróquia São Vicente de Férrer nos deu parte
de que três beatas desapareceram de repente nas suas barbas, quando
estavam assistindo a uma de suas missas. Ele está em pânico. Por sinal,
está sob efeito de sedativos até hoje. Ainda não conseguiu celebrar uma
missa desde então.”

“Como podem ter sumido em plena Matriz?”, perguntou Phyllis, com


a antena extra-sensorial já ativada. “Eis a questão, cara agente. E será
este o primeiro passo de vocês dois. Marquem uma hora com o Padre
Sérgio. Perguntem e esmiucem tudo que estiver ao seu alcance. Phyllis,

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use seus poderes psíquicos e você, Pedro, utilize seus aparelhos! Boa
sorte!” Quando Phyllis e Pedro chegaram na Casa Paroquial, o Padre
parecia estar em choque. De sua boca trêmula, saía: “O tempo! O
tempo!... Que fazem aí?! Cuidado!!! Ahhhhhhhhh!!!!!!”

Sem demora, os agentes da CIF (Central de Inteligência


Formiguense) prestam socorro ao pároco que está em crise. Nesse mesmo
momento, Pedro, como sempre prevenido, liga seu infalível contador
“geiger” que ele próprio adaptara. Era um aparelho que detectava não só
radiação, mas também a energia presente, positiva ou negativa. O
ponteiro oscilando para a esquerda, sinal de energia negativa, para o lado
oposto, positiva. Enquanto Phyllis ajudava o Padre Sérgio, Pedro observa:
“Phy, o local está de fato pesado! Você precisa tomar cuidado, pois sendo
susceptível às variações energéticas, pode ter a saúde alterada. Você sabe
disso.”

“Tem razão, já posso captar o ar pesado em nossa volta.” Nesse


momento, o Padre se recobra do mal-estar e, ainda cambaleante, indaga
com surpresa: “O que estão fazendo aqui? Quem os chamou?”

“Agentes especiais da CIF, Phyllis e Pedro Delbaron. Fomos escalados


para investigar a ocorrência da Igreja Matriz. Por isso, gostaríamos de
fazer-lhe algumas perguntas!”, respondeu Phyllis.

“O que tenho a falar não é compreensível dentro das minhas


concepções católicas. Mesmo assim, vou contar-lhes exatamente o que
aconteceu naquela manhã de domingo. Pois bem, nesse dia cumpri a
rotina habitual antes de rezar a missa das oito. Ao entrar na Igreja, através
da Sacristia, cumprimentei os fiéis mais assíduos, dentre eles as três
Marias: Etelvina, Ana e Regina. Elas me saudaram com o entusiasmo e o
fervor de sempre. Pude observar que elas estavam sentadas no mesmo
lugar de todas as vezes, ou seja, à direita do confessionário, perto daquela
imagem de Nossa Senhora da Piedade. A missa teve início justamente
quando o sino do nosso relógio deu as oito badaladas. Mas, após virar-me
para fazer o sinal do Pai junto ao altar, levei um grande susto. Estupefato,
vi exatamente o momento em que as três simplesmente se dissiparam! E
foi perante estes olhos que a terra há de comer! Assustado, tornei a virar
a cabeça e ao virá-la, novo susto: naquele mesmo lugar estavam outras
três pessoas! Diferentes! Não havia um sinal das irmãs que ali estavam
postadas! E o pior foi que ninguém sequer reparou aquela repentina
mudança. Senti calafrios e tive vertigens decorrentes do impacto que tive.
Por isso, pedi desculpas aos fiéis e saí direto para a Casa Paroquial.
Pensava ter sido apenas uma visão sem maiores conseqüências, mas
quando soube que as três estavam de fato desaparecidas, não mais
consegui celebrar uma missa sequer! Não posso fazê-lo, pois não estou
em paz com a minha alma, tampouco com o nosso Deus Pai...”, terminou
revelando uma grande decepção.

“Um momento, Padre, e o que estava acontecendo com o senhor há


pouco, quando aqui chegamos. Reparamos que repetia a palavra ‘tempo’

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e perguntou algo como ‘o que fazem aí’, depois gritou ‘cuidado’. Isto ainda
não nos foi explicado. Lembra de alguma coisa?”, indagou Pedro,
ajustando o seu “geiger”, agora com o ponteiro posicionado e fixo no lado
esquerdo.

“Não me lembro de nada. Agora com licença, pois tenho mais o que
fazer. Minha sacristã, a América, me espera para que possamos resolver
outros assuntos paroquiais. Apesar do meu estado, ainda consigo fazer
coisas... Passar bem!”, finalizou o assunto, revelando-se preocupado e
desconfiado, bem como estar escondendo alguma coisa.

Phyllis e Pedro se entreolharam sem compreender aquela estranha e


repentina atitude do Padre que inexplicavelmente mudou de tom. Sem
poder questionar mais, os dois partiram direto para a Igreja. No caminho,
Phyllis fica tonta e se apóia no companheiro, quando balbucia algo: “Oh,
minha cabeça está ficando pesada... Acho que vou desmaiar...”

O ambiente é lúgubre. Gritos por todos os lados. Uma névoa


dificulta a visão de Etelvina, Ana e Regina. Apesar disso, conseguem
vislumbrar logo à frente várias formas cortando-lhes o caminho. Sem
entender o que se passa, começam a correr desesperadamente. O chão é
lodoso, as árvores parecem estar mortas, não há folhas nelas, tampouco
outras plantações. Têm formato diferente do usual. O céu, muito vermelho,
começa a mudar de cor, torna-se esverdeado como num passe de mágica.

O vento uiva com força. O frio é intenso. Elas se abraçam para se


agasalharem. Em pânico e chorando muito, Regina grita: “O que está
acontecendo conosco? Onde estão as pessoas? Onde está a Igreja? Onde
estamos...?!!”. Mais calma e com a sua sobriedade peculiar, não somente
por ser a mais velha, mas pelo seu jeito de ser, Etelvina observa: “Não
estou entendendo mais nada. Há pouco estávamos sentadas, ouvimos o
sino da Igreja e agora aqui estamos! Como pode ser, meu Deus? Vamos
sair daqui, pois o terreno está mole e não estou conseguindo me
equilibrar. Vamos!”. Ana, a mais religiosa da três, procura por seu terço e
nada encontra. Mesmo assim, começa a rezar em voz alta. Tenta suplantar
o som agudo do vento com a sua fé, agora um pouco abalada. As três
irmãs beatas caminham com extrema dificuldade naquele bizzarro lugar.
Não sabem para onde vão, sequer o por quê daquilo tudo. O céu agora
está entrecortado por raios. Inicia-se uma tempestade magnética. Isto
aumenta o pavor das indefesas irmãs que continuam andando... sem
rumo...no desconhecido...

“Phyllis, acorde! O que aconteceu com você?”, Pedro pergunta com


aflição. De olhos entreabertos, ela diz: “Pedro, estou assustada! Acho que
já sei onde elas podem estar...”

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II

“Então fale logo, porque o ponteiro de meu ‘geiger” está colado no


lado esquerdo!”

“Não estou muito certa, mas fui projetada em corpo astral


provavelmente até um lugar um tanto estranho. Lá não havia formas
definidas, mas estava cercado de espectros ou algo similar. O fato foi que
vi – à distância - o Padre Sérgio que, à distância, falava ou tentava falar
com uma pessoa de aparência esquisita. De quando em quando, vultos
perpassavam ao derredor. Depois de andar algum tempo sem rumo pelo
lugar e, pouco antes de voltar, visualizei três silhuetas..., bem à frente
do Padre. De repente, voltei com você me chamando...”, terminou sua
breve descrição a agente da Central de Inteligência Formiguense, Phyllis.

“E olha que o ‘flash’ que você acaba de ter, não durou mais do que
30 segundos. Vamos agora à casa da três irmãs. Nisso, o celular de Pedro
toca. É o Diretor Paulo Cunha: “Pedro, o Padre Sérgio Ventura acaba de
ligar e diz que acabou de ter um sonho enigmático, porém, revelador.
Para ele, somente a Phyllis poderá lhe dar maiores explicações! Rumem-
se para lá agora mesmo! Depois, voltem à agência, pois temos mais
novidades!”

Rapidamente o casal de agentes da CIF saem do interior da Igreja


Matriz e retornam à Casa Paroquial. Porém, no caminho, são interceptados
por um senhor de feição bizarra, corpo arqueado e com a voz gutural,
lhes diz o seguinte: “Cuidado com o que não conhecem. Afastem-se do
desconhecido! O limbo não pode ser invadido!”

“Quem é você, o que sabe e por que fala assim?”, diz Phyllis um
pouco assustada com a repentina intromissão daquela pessoa. Ela
desconfiava que já o conhecia de algum lugar.

De repente, ouve-se um estalo seco, bem perto de onde estão, na


pracinha. Então, ambos se viram para ver o que acontecera. E reparam
que não há vestígios de bomba. Os transeuntes que passam sequer se
alteram. Eis que ao voltar novamente à pessoa que os interceptara o
trajeto, nada vêem mais... A pessoa volatizou-se simplesmente.

“Como pode ser? Incrível, o contador ‘geiger’ nem se moveu,


tampouco o meu hologômetro se manifestou, pois poderia ter sido um
holograma, ou mesmo um efeito de tele-transporte!”, também

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surpreende-se Pedro, assustado por aquela inusitada e inesperada
presença.

Chegando à Paróquia, a sacristã Francisca América os recebe, logo


dizendo que: “Por favor, andem logo! O Padre ficou velho! O Padre ficou
velho!” Gestualmente, indica-lhes como chegar até ao Pároco. E eles têm
uma nova surpresa: Padre Sérgio Ventura apresentava-se outra aparência,
ou seja, estava envelhecido.
“Desculpe-nos Padre Sérgio, mas ainda há pouco o senhor tinha
cabelos pretos e agora, eles estão grisalhos, quase brancos!”, indaga
surpresa a agente Phyllis.

“Tal transformação ocorreu logo após o meu sonho... Bem, sentem-


se por favor que lhes conto. Agente Phyllis eu queria tanto conversar com
você porque era a sua pessoa que vi nesse sonho! E pude ver também o
desespero das três irmãs, Etelvina, Ana e Regina, que estavam à minha
frente, vagando num ambiente de inexplicável paisagem! Além disso,
tentei falar com um ser estranho, que nada falava mas fazia o sinal de
‘não’ com o dedo.. e falava algo que não pude compreender. Só ouvia o
som de sua voz...”

“Como era essa pessoa?”, espantou-se Phyllis, curiosa pela pronta


resposta.

“Meio corcunda, voz grossa e pesada. Naquele momento, você se


aproximou de mim, mas subitamente, tudo se dissipou e acordei. Ao olhar
no espelho tive a surpresa de ver meus cabelos dessa cor!”

“Seu sonho se encaixa perfeitamente com a minha visão, Padre


Sérgio! Sim, agora posso afirmar que era mesmo o senhor e de longe
pude observar que conversava com alguém. Conforme desconfiei essa
pessoa deve ser a mesma que eu e Pedro encontramos ali na pracinha!
Veio nos ameaçar e alertar sobre o perigo que corremos por estarmos
contactando aquele lugar! Se é que podemos chamar aquilo de lugar...”

“À propósito, Padre Sérgio. Por acaso, o senhor pode identificar as


três pessoas que estavam exatamente no lugar das três beatas, logo após
o desaparecimento delas?”, pergunta Pedro, antes de se despedir.

“Como não? Apesar da tensão vivida naquela hora, pude reparar


bem quem eram os três indivíduos que repentinamente passaram a
ocupar o lugar que era das três irmãs! São três mendigos inseparáveis
que vivem nos arredores da São Vicente de Férrer. Não têm sanidade
mental normal e vivem contando estranhos casos para a garotada que
brinca na mencionada praça. Não sei seus nomes, mas posso identificá-los
porque sempre me ajudam a recolher o dízimo. Por que pergunta?”

“Para saber onde estariam os três antes da desintegração das três


Marias...”

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Nessa hora exata, Francisca América olha para a maçaneta. Aos
poucos ela vai rodando e a porta vai se abrindo...A Sacristã dá um grito
desesperado. O Padre e os agentes correm para ver o que era...
Assustados, vêem que se trata da estranha pessoa que haviam visto na
pracinha e nas paisagens misteriosas...

Surge uma bizarra silhueta com características humanas que


sorrateiramente se aproxima dos quatro ali presentes. Phyllis, Pedro e o
Padre Sérgio se surpreendem ao reparar que conhecem aquelas estranhas
e misteriosas feições. Então, postando-se à frente deles, a pessoa começa
a falar: “Seres deste mundo tridimensional: Bem sabem que já intervi em
suas vidas outras vezes: uma com o Padre e com a agente da CIF na
quarta dimensão e a outra com os dois agentes nesta mesma dimensão
em que ora me encontro. Ambas em vão, pois ainda não me ouviram: não
queiram desfazer o que já foi feito!...”

“Como? Que culpa temos em querer investigar um


desaparecimento?”, indaga Pedro com veemência.

“Aqui estou a fim de esclarecer o por quê dos recentes eventos


acontecidos nesta cidade. Explicarei de uma maneira simples, porém
objetiva e, espero ser entendido, pois procurarei não fugir de seu padrão
de assimilação, apesar do restrito vocabulário de que fazem uso para se
expressar. Inicialmente, devo ressaltar-lhes que não se deve afrontar os
irremovíveis Registros Akáshicos. Como sabem, alguns de seus cientistas
já levantaram uma teoria que é verdadeira em sua essência. Refiro-me à
teoria do ‘superstring’, ou ‘supercadeia’, que postula muitas dimensões
escondidas abaixo do que vocês chamam espaço-tempo, controlando a
intensidade dos fenômenos...”

Ainda surpresos, eles - a Sacristã, de tão assustada, abandonara o


recinto - tentavam compreender a metafísica explanação daquele ser que
eles já tinham idéia de onde era originário. Falando baixo, pausadamente
e com a voz acentuadamente gutural, continuou o seu relato.

“O universo mantém um conjunto completo de relações espaciais


que existiram e existirão ao longo da linha temporal. Há duas diferentes
categorias de entrada no espaço extra-temporal, ou seja, via estado
alterado de consciência e via física, conforme aconteceu com ambos, a
Agente Phyllis e o Religioso Sérgio. Mas como aconteceu, puderam ‘viajar’
apenas como observadores, porque a fenda que tentaram afetar, está
repleta de linhas mundiais, que é a energia e a matéria: passados e
futuros. E a energia à custa do deslocamento dessas linhas seria
insuperável. Em poucas palavras: não se esqueçam nunca de que o tempo
nada mais é do que é um tipo de ilusão. Nada existe absolutamente. No
mundo das três dimensões tudo é feito de substância mental!”

“Então o que leva o senhor a intervir neste nosso espaço-tempo? O


que estamos fazendo de errado? Por acaso, investigarmos o
desaparecimento das três irmãs formiguenses é tão sério assim?”,

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interrompe preocupada e curiosamente Phyllis. A essa altura, o “geiger”
de Pedro está inexplicavelmente parado e ele não pode entender o por
quê.

“Sua preocupação procede a partir do momento em que queiram


influir naquilo que poderíamos chamar, na sua linguagem, de ‘vácuo
atemporal’, pois como já disse, não há tempo, nunca existiu nenhum
tempo, e nunca haverá qualquer tempo... O tempo é eterno, nunca
poderia ter tido um começo. Pode, sim, existir diferentes variedades de
tempo, como há diferentes infinitos. Portanto, querer saber de algo que
não existe, ou melhor, nunca existiu, é insistir num erro que pode
acarretar em severas conseqüências!”

Todos ouviam, mas ninguém compreendia direito aquelas


bizarríssimas palavras.

“Senhor, queremos que dispense tais premissas. Na verdade, pouco


importa o que acha. O que nos importa é saber o que aconteceu com
Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina! Temos certeza que elas, de fato
e de direito existiram e ainda existem! Como e por quê elas
desapareceram sob as minhas vistas e por qual razão somente eu
presenciei o acontecimento?”, interveio o Padre, decidido a desvendar o
mistério que tanto o incomodava.

“Uma vez mais, devo assegurar-lhes que esses seres materiais não
existiram no tempo em que afirmam. Por causa de uma ainda inexplicada
falha dimensional, houve uma ruptura temporal que sugou aqueles seres
e...”

“Poderia nos explicar melhor?”, retruca Phyllis, já tomada por um


estranho pressentimento.

“Há neste seu mundo muitos portais dimensionais. São muitas


entradas, mas poucas saídas. Conforme disse, por um lapso de tempo,
cuja causa ainda não foi detectada, o Padre entrou numa faixa que jamais
existiu e presenciou a volatização das três! O problema é que isto não
estava nos Registros Akáshicos...”
“Quem lhe dá o direito de falar mentiras absurdas? Nossa religião não
permite elocubrações sem fundamentos científicos! Alguém me drogou e
tudo não passou de alucinação!” , gritou o Padre, empurrando com
violência aquele franzino ser que ainda não terminara suas explicações.
Antes de cair ao chão, algo acontece.

Um forte clarão toma todo o ambiente. Os três são arremessados


num vórtice que parece levá-los ao nada.

O Diretor Paulo Cunha tenta telefonar para Pedro e diz com


preocupação: “Não entendo, só ouço um barulho de estática. Algo
aconteceu com nossos agentes! Temos que ir à Casa Paroquial
urgentemente!”

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Pouco tempo depois, Cunha abre a porta principal daquela casa...e
toma um grande susto!

Está tudo vazio. Nenhum sinal de que alguém havia estado naquele
lugar, pois tudo estava arrumado, como se nada tivesse acontecido. De
repente, adentra a sala, a Sacristã Francisca América. Preocupada,
exclamou para o Diretor Paulo Cunha, perscrutando o ambiente: “Onde
estão o Padre Ventura e os dois agentes que há pouco conversavam com
uma pessoa um tanto estranha? Resolvi voltar porque esqueci minha bolsa
aqui, pois saí apavorada ao me deparar com os cabelos brancos do Padre
e todo aquele tumulto causado pela presença dessa pessoa!”

“É uma boa pergunta, cara Sacristã, há pouco tentei me comunicar


com meus agentes e o telefone estava fora de área. Estranhei, porque
aqui em Formiga isto jamais acontece. Já interroguei os três mendigos que
foram presos por vadiagem e, como falei com o Agente Pedro, acho que
descobri alguma coisa. Será que esse estranho elemento a que você se
refere seqüestrou os três? Onde você imagina que poderiam ter ido?”

“Não faço a mínima idéia. Padre Sérgio raramente sai da Casa


Paroquial. Só mesmo para celebrar missas ou quando participa de
alguma campanha beneficente. O que mais me intriga é que sua mesa
está corretamente arrumada...”, observou a Sacristã, quando o Diretor
quis saber mais daquele detalhe interessante.

“É que ontem logo antes de ir embora, eu arrumei esta mesa tal


qual o faço todas as tardes antes de ir embora. Mas, hoje de manhã, foi
desarrumada pelo Padre como de hábito e, como sou eu quem faz este
trabalho, quem mais poderia tê-la arrumado?”. O Diretor Paulo Cunha,
coçou a calva e arrematou: “De fato tudo é muito misterioso... Vou acionar
meus outros agentes para procurar Padre Sérgio, Agente Phyllis e Agente
Pedro em outros locais da cidade. Só me faltava essa agora...!”

Assim, uma equipe de agentes da Central de Inteligência


Formiguense (CIF) fora incumbida de procurar os agentes e o religioso,
agora também desaparecidos subitamente. Após dar as ordens, o Diretor
resolveu permanecer ali mesmo na Paróquia, aguardando os eventuais
acontecimentos.

Não havia qualquer som. Um silêncio profundo invadia o ambiente.


Tal quadro já era familiar à Phyllis quando em seus devaneios mentais.
Mas, para Pedro aquele momento era inédito. Com certeza, seus princípios
materialistas estavam sendo seriamente subjugados. O Padre Sérgio
também conhecia aquela cena.
Assim mesmo, os três se tocaram para ver se tudo aquilo não era fruto de
mais um sonho. Pelo visto, era real. Recordaram daquele turbilhão que
entraram sem mais nem menos logo após o Padre ter tentado agredir a
pessoa estranha que invadira a Casa Paroquial. E então, de repente, surgiu
novamente o bizarro e enigmático indivíduo.

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“Assim como a sombra sobre uma parede forma uma projeção
bidimensional de uma realidade de três dimensões, também os fenômenos
do ‘continuum’ espaço-tempo poderão ser projeções quadridimensionais
de realidades que, de fato, ocupam mais de quatro dimensões...”

“O que pretende dizer com isso e por quê nos encontramos


novamente neste lugar sinistro e amorfo?”, retruca Phyllis -
demonstrando ansiedade. Ou melhor, “pensou”, pois para sua surpresa e
dos outros, ela não falava, mas pensava...

“Esta realidade quadridimensional que vivenciam neste espaço-


tempo está acontecendo num lapso da sua realidade tridimensional. Em
verdade, independente do número de dimensões desse espaço-tempo,
muitas realidades existem. Todavia as regras têm que ser inalteráveis,
pois tais realidades devem situar no seu ‘continuum’ próprio. Aquelas três
religiosas ‘caíram’ na realidade errada. Naquele momento, houve um
imprevisível alinhamento deste mundo com planetas de outra dimensão o
que gerou no inesperado evento. É certo, porém, que tais acontecimentos
sempre acontecem, só que não tão perceptíveis! A cidade de Formiga está
alarmada ante esse inusitado acontecimento sem precedentes. Este é o
problema. Ainda não é o tempo de seres tridimensionais saberem de
certas verdades. Por isso, vocês se tornaram responsáveis perante os
Registros Akáshicos!”

“Ser misterioso. O que quer dizer com isso? Que influência possamos
ter exercido?”, disse o Padre, ainda irritado e surpreso com tantas e
“estranhas verdades”.

“Vocês invadiram a faixa que não lhes era permitido, receio que a
permuta é irreversível e... necessária...”

“Ei, vá abrindo logo o jogo. Por acaso está querendo nos trocar pelas
três beatas?!”, indagou Pedro, procurando deduzir quais seriam as
intenções do ser.

“Certamente que as regras não podem ser desacatadas. O espaço


para as formas tridimensionais é exclusivo, e não pode ser aviltado, pois
quando isto acontece, o eixo da Terra pode sofrer sérias conseqüências.
Portanto, a troca terá início agora. O tempo vai voltar para aquele
domingo durante a missa...Preparem-se!”

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III

Maria Etelvina, Ana Maria e Maria Regina vestiram-se com a usual


sobriedade para a missa das 8 da manhã, na Igreja Matriz, perto da casa
onde moravam. Depois, pegaram seus terços, o habitual véu, fizeram um
carinho em Lili, uma feiosa e desengonçada vira-lata preta e partiram
para a Igreja. Como acontecia sempre, ocuparam seus lugares, à direita
do confessionário, perto de uma bela e portentosa imagem de Nossa
Senhora da Piedade. Ainda faltavam poucos minutos para o início da missa
e, enquanto o Padre Sérgio Ventura não aparecia para celebrar a missa, os
fiéis murmuravam, excetuando três pessoas. Maria Etelvina, então
cochichou algo para Ana: “Esses mendigos definitivamente não respeitam
a Casa de Deus. Além de federem a urina, não param de conversar
enquanto recolhem o dízimo. Padre Sérgio devia proibi-los de vir aqui!”

“É mesmo. Repare que falam e olham toda hora para o altar, como
que se esperassem algo...”, observou, demonstrando uma certa
curiosidade, Ana Maria, habitualmente de acordo com a irmã mais velha.

“Além disso, estão gesticulam muito. Não suporto este desrespeito.


Vou lá repreendê-los agora mesmo!”, disse a irritadiça Maria Regina, a
mais séria e exigente das três irmãs beatas.

Não foi necessário, pois naquele instante o Padre chegou.


Cumprimentou os fiéis e o silêncio fez-se presente, inclusive os mendigos
que pararam de falar, mas ficaram apreensivos subitamente. Então,
fizeram uns gestos desesperados na direção do Padre, como se
quisessem dizer-lhe algo. Tocam as oito badaladas do sino.

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Susto geral. O Padre colocou sua mão direita sobre o próprio
coração, apoiou-se no altar e caiu estatelado ao chão. Tumulto. Todos
correram até ele. As irmãs, que estavam próximas, foram as primeiras a
socorrê-lo.

Maria Etelvina deu um grito clamando por socorro. O Padre estava


caído e inconsciente. Tentaram reanimá-lo. Em vão. Um dos mendigos, pôs
o ouvido no peito do religioso, e exclamou displicentemente: “Uai, parece
que seu Padre partiu para o Outro Lado. Não ouço seu coração!!”

Enquanto isso, o casal de agentes da CIF, Phyllis e Pedro,


descansava em sua casa, perto da lagoa. Ela, aguava suas plantas. Se
mais nem menos, é acometida por um mal-estar repentino. Começou a
ver estranhos pontos luminosos à frente. Com dificuldades, tentou gritar
pelo marido. Em vão, pois a voz não saiu. Tal qual num pesadelo, quando
se quer falar e sai um ronco. O ar lhe faltava e tudo se escureceu. No outro
lado da casa, Pedro estava em seu laboratório, fazendo uns ajustes no
“hologômetro”, um eficiente medidor de hologramas que havia inventado,
instruído a partir das projeções astrais e canalizações de sua mulher, que
lhe transmitia mensagens preciosas advindas provavelmente de seres
extraterrestres e extradimensionais, conforme o caso. Quando pegou a
chave de fenda, teve a nítida impressão que ela derretia em sua mão.
Seria uma visão? Soltou a ferramenta com pavor. Ao tentar correr em
direção à porta de saída, o caminho até ela se esticou inexplicavelmente,
independente de suas passadas! A cabeça ficou mais pesada e o ar se
rarefez. A perda dos sentidos foi inevitável...
“O que fizeram conosco? O que vimos em nossas telas mentais foi a
realidade?”, indagou ainda atônita a agente Phyllis, acompanhada por
Pedro e pelo Padre Sérgio, ambos também sem saber o que estava
acontecendo.

“Reafirmo-lhes uma vez mais: as leis devem permanecer imutáveis.


Os Registros Akáshicos não poderiam e nem podem ser alterados sem o
prévio assentimento da Hierarquia Cósmica que rege sua dimensão. O que
aconteceu foi uma outra realidade que vivenciaram. Agora, vocês não
mais existem naquele momento. O que antes havia acontecido com as
três irmãs, não estava previsto, conforme ressaltei. O alinhamento
planetário abriu uma brecha no tempo e as engoliu, tal qual age o
conhecido ‘buraco negro’. Infelizmente, o Padre, inadvertidamente
presenciou a volatização das irmãs e avisou aos agentes da inteligência
formiguense... Portanto, devem sanar a falha. O que não está previsto em
nenhum futuro, não pode acontecer. Esta é a lei...”

“Não posso ir agora! Minha missão na Terra ainda não terminou! Se


já pôde mudar o que aconteceu, faça-o novamente e deixe-nos voltar!”,
falou desesperadamente o Padre, acompanhado pelos agentes.

“Todavia, devo asseverar-lhes que o Talmude muito bem esclarece


sobre as leis bíblicas quando diz que ‘tudo está previsto, porém a
liberdade de ação é concedida’. Portanto, face ao efêmero fator tempo

13
que tanto já lhes falei e adverti, há muitos futuros reservados para seu
planeta. As profecias que tanto dão ouvidos são justamente esses futuros.
O seu livre-arbítrio é que vai determinar a sua realização ou não!”, disse
mansamente o ser que já fazia tempo que lhes advertia sobre o perigo de
“aviltar as leis dimensionais”, clamando-lhes a abandonar o caso.
Poderiam ser aquelas palavras sinônimo de esperança?

“Pois queremos um outro futuro! Temos este direito!”, gritou


esperançoso Pedro.

“A fenda temporal foi remendada novamente e os Registros


Akáshicos puderam ser refeitos. Acabam de acontecer suas próprias
transições. Tudo já foi refeito. Porém, seu livre-arbítrio prevalecerá e nova
chance há de lhes ser dada. Outro futuro pode lhes ser reservado, graças
à importante missão de cada um: ajudar os desprovidos e coibir delitos
através da paranormalidade. Mas, tudo isso dependerá de uma
condição...”

Dito isto, os três presentes àquele singular momento, postaram-se


atentos ao que lhes seria dito, ou melhor, prepararam-se para ouvir à
condição que lhes seriam impostas, a fim de que pudessem retornar ao
seu plano dimensional de origem.

“Prevê-se um novo alinhamento planetário para daqui a sete dias.


Uma nova dobra temporal será ativada. É a oportunidade para as ‘trocas’,
isto é, o momento para que os eventuais erros sejam retificados ou
corrigidos. Pessoas e objetos ‘desaparecidos’, dependendo das condições,
poderão ‘reaparecer’. No caso das pessoas, estas retornam sem lembrar
de nada. Apenas voltarão a ter rápidos vislumbres através do chamado
fenômeno ‘dejá-vu’, ou seja, a recordação de um momento que
aparentemente não existiu. Portanto, vocês têm aproximadamente uma
semana para realizarem o que lhes pedirei agora, caso contrário, será
definitivamente decretada sua passagem para esta outra dimensão!”

“Como voltaremos à terceira dimensão se lá já estamos ‘mortos’?”,


perguntou Phyllis. Com certeza, a mais sensível dentre os três, visto a sua
conhecida e apurada percepção extra-sensorial.

“Boa pergunta, estimada agente especial da CIF. Haverá um lapso de


tempo, isto é, como existem no planeta Terra – assim como em outros
planetas tridimensionais – vários futuros e, conseqüentemente, vários
passados e presentes, todos dependendo do livre-arbítrio para se
realizarem, vocês ‘cairão’ num desses momentos que ainda não
aconteceram e nem acontecerão. Em seguida, terão uma inspiração
momentânea para realizarem a missão. Aviso-os, todavia, que será uma
forte intuição. Se se sentirem dispostos a ‘darem ouvidos ao seus
sentimentos’, tentarão cumprir o ‘chamado’. Caso contrário, acontecerá o
que já aconteceu, ou seja, quem não ouvir a si mesmo, passará pela
transição naquele futuro já definido, cujos acontecimentos já se passaram
no interior da igreja de sua cidade...”

14
“Estou confuso. Meus princípios religiosos certamente não me
permitirão que eu acate tudo isto. Portanto, não irei confiar nessa intuição,
por achar que ela não condiz com as minhas convicções! Que faço?,
questionou o Padre Sérgio, bastante alarmado com a iminência da sua
eventual recusa ao “chamado”.

“Vai depender de suas memórias pregressas. Será quando aflorarão


as intuições. São sentimentos presos aos arquivos do passado, sempre
presentes nos escaninhos da memória e que todos deveriam levar em
conta. É a hora em que têm um sentimento estranho aos seus princípios,
mas que soam como verdade. É quando o radicalismo deve ser afastado.
Por isso, é salutar que ninguém faça ouvidos moucos a certas verdades
que intuem, mas que inicialmente não coadunam com o que pensam, pois
um dia poderão verificar a sua autenticidade, e a decepção pode ser
grande, ou o momento poderá ser tardio...”

“Outra pergunta: por acaso no tempo em que nos aportarmos,


teremos nossas mesmas características? Ou seja, continuará a Phyllis
dotada de poderes extra-sensoriais; o Padre será Padre ainda e eu terei
comigo os aparelhos que inventei e que tanto me auxiliam em minhas
investigações?”, também indagou Pedro, a essa altura preocupado com
seu utilíssimo aparato técnico-eletrônico.

“Já o disse. Todos serão como são. Nada mudará. Apenas o tempo
será outro. Formiga terá os mesmos costumes, os mesmos habitantes, as
mesmas ruas, tudo continuará igual. Só o destino é diferente, pois ele
depende da vontade humana, conforme enfatizei tantas vezes. Seu
planeta ainda está preso à essa vontade. O ser humano não possui
disciplina própria para ser regido pelas leis universais. Os planetas mais
desenvolvidos são controlados porque seus habitantes são evoluídos e
podem seguir os ditames regidos pela Grande Energia, aquela que vocês
chamam de Deus. Enfim, passo-lhes agora a missão para que possam
voltar ao espaço-tempo que desejam...”

“Estamos prontos para cumprir o que nos será exigido. Estamos


também decididos a viver no tempo a que pertencemos, pois é quando
poderemos satisfazer nossos sentimentos altruístas. O Padre Ventura
precisa continuar estendendo sua mão aos pobres, sejam eles carentes de
bens físicos ou espirituais; Pedro necessita continuar criando meios para
ajudar no combate ao mal que ainda insiste em dominar a Terra e eu, com
meus dotes e habilidades extra-físicos, também pretendo dar
continuidade a tais ações contra o mal, através da mente, com certeza,
nosso principal atributo no próximo milênio! Estamos preparados!”, disse
com orgulho a agente Phyllis.

“Agora voltarão à cidade de Formiga. Terão que convencer as três


irmãs a não ocuparem aquele lugar na igreja, que é um dos portais para
outras dimensões. Depois, convencerão os mendigos a estarem nesse
exato local, para serem teletransportados, pois são eles os eleitos, uma

15
vez que não pertencem àquele tempo. Farão tudo isto, porém,
inconscientemente, pois será uma ação intuitiva. Portanto, só dependerá
de seu arbítrio para que tudo isto aconteça. No mais, não se esqueçam: a
maior aventura de suas vidas está apenas começando!...”

Num piscar de olhos, Padre Sérgio e os agentes da CIF, Pedro e


Phillys, são teletransportados...

O Diretor da Central de Inteligência Formiguense, Paulo Cunha, está


numa importante reunião com os agentes especiais Phyllis e Pedro
Delbaron. Com o habitual Cohyba no canto da boca, disse o seguinte aos
seus principais agentes dos Arquivos F, como se sabe, de casos
aparentemente inexplicáveis à visão comum, ou mesmo de solução difícil.

“Caros colegas. A nossa cidade vem sendo tomada por estranhos


acontecimentos. O que corre de boca em boca, é que três indivíduos mau-
vestidos, com aparência de mendigos, estão alarmando a população, pois,
segundo dizem, podem manipular a natureza, ou seja, fazem chover,
trovejar, ventar e, como se não bastasse, ainda podem conversar com as
plantas!”

“Como soube que isto tem acontecido de fato? Por acaso, alguém já
presenciou tais prodígios?”, indagou Phyllis, com a sua peculiar
curiosidade.

“Sim, temos uma testemunha. É um comerciante de Córrego Fundo,


chamado Marden, que jurou ter visto um mendigo ‘conversando’ com
uma árvore, além de fazer chover, pois caiu uma tempestade violenta
na cidade logo após fazer gestos em direção ao céu. De fato. Ontem
realmente choveu forte e parou de súbito!”

“Lembro disso...iremos procurá-lo agora mesmo. Antes, tenho que


preparar meu aurômetro, que é um eficaz detector de mentiras, pois ao
medir a aura do indivíduo, acusa se este está ou não falando a verdade!”,
falou animadamente Pedro, pronto para a missão, já que o assunto soava
ser bem interessante.

Enquanto isso, Padre Sérgio tem um breve diálogo com as mais


dedicadas devotas da Paróquia, as três inseparáveis irmãs beatas, Maria
Etelvina, Ana Maria e Maria Regina.

“Minhas estimadas devotas em Cristo, tenho tido uns sonhos


estranhos. Mas eles são contra meus princípios religiosos. Por isso, as
incumbo de uma missão sublime. O que importa é que certamente, Deus,
nosso Pai, ficará muito satisfeito com a sua ajuda em prol dos carentes de
nossa cidade. No vindouro domingo, vamos fazer a distribuição dos
alimentos e outros sortimentos logo após a missa das oito da manhã.
Portanto, espero ver as três me prestigiando nesse magnânimo dia!”

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“Conte conosco, Padre Sérgio, iremos à igreja no domingo cedo com
muito orgulho! Não podemos faltar a esse importante evento. Nossas
almas estão regozijadas por tamanha honra!”, disse orgulhosamente a
mais velha das irmãs, Etelvina, sendo apoiada fervorosamente pelas
outras duas. Como sempre.

“Este ficus não está satisfeito de ficar aqui nesta rua. Ele me pede
para ser transferido para a praça Getúlio Vargas, perto do Cine Glória. Diz
que lá tem muita poluição por causa do excesso de carros que passam
naquele lugar e, por isso precisa ajudar a limpar o ar! Vamos, Evandro e
Ronaldo, ajudem-me a desenterrá-lo!”

IV

O maltrapilho Silvério, ajudado pelos fiéis amigos, então começou a


retirar a terra onde estava plantado o enorme ficus. Aqueles que
passavam por aquela rua, se espantavam com a cena incomum: três
mendigos tentando desenterrar uma árvore em plena Monsenhor João
Ivo!

Um dos transeuntes, porém, não pensou duas vezes e ligou para a


polícia que chegou ao local com rapidez e deu voz de prisão aos esquisitos
elementos por “atentado ao meio-ambiente”. Não gostando da
repreensão, um deles, passou a gesticular para o céu e franzir o rosto,
como se mentalizasse algo. De repente, uma chuva forte caiu para o
espanto geral. Mas, nem isso impediu que fossem algemados. Tendo em

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vista o caráter inusitado do acontecimento, os três foram logo transferidos
para a CIF.

Nesse ínterim, os agentes da Inteligência Formiguense, localizaram


a testemunha citada pelo Diretor Cunha. Era o comerciante Marden, que
confirmou tudo.

“Foi impressionante. Após presenciar uns mau-cheirosos mendigos


tentando desenterrar uma árvore, ainda vi um deles fazer gestos para o
céu, quando repentinamente caiu uma forte chuva! A polícia os algemou
e a chuva parou, como se o fenômeno fosse manipulado por eles!”

“O aurômetro acusa que este cara diz a verdade. Mas eu não


acredito nisto. Com certeza, há alguma coisa errada com este aparelho...”,
pensou o desconfiado Pedro.

“A pessoa que pode nos dar mais informações, ou ser o canal delas é
a Fiorella!”, lembrou Phyllis, referindo-se à famosa sensitiva italiana.
Ambos, então foram para o laboratório, a fim de contactar a médium..

O Diretor da CIF resolveu liberar os três mendigos porque o ato


delituoso que iam cometer não fora consumado, não havendo motivos
para segurá-los. Porém, antes da liberação, disse-lhes com uma
complacência incomum: “Parecem estar com fome. Amanhã vai haver
uma distribuição de alimentos na igreja Matriz. Sugiro que compareçam
naquele lugar, pois poderão saciar seus instintos e parar de querer
desenterrar árvores!”

“Engraçado. O senhor tem razão. Sentimos fome. Isto é estranho...”,


reclamou o mendigo Evandro, o maltrapilho líder, e cujos dentes frontais
eram bastante proeminentes.

“Não entendi muito bem o que quer dizer, rapaz! Explique-se


melhor! Por acaso, não tinham fome antes? Do que está falando?”,
questionou o Diretor Cunha, sem entender aquela curiosa observação do
perrapado.

“Ele está confuso como nós, senhor, é que a falta de comida nos
deixa um pouco fora do ar!”, despistou o mendigo Ronaldo. Este, de
cabeça um tanto desproporcional ao corpo que tinha, possivelmente, por
causa de sua inteligência.

“Um pouco? Bem, deixa para lá. Você estão liberados. E não tentem
fazer o que fizeram, senão voltarão para o xadrez da Polícia, ouviram
bem?”, finalizou o Diretor.

“Como tem passado, querida amiga?”

“Tutto bene! Molto piacere ao ouvir tua voz, estimadíssima Phyllis!


Como está o Pedro? E la cittá de Formiga? Continua pacata, como

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sempre?”, falou Fiorella Antarulli, a sensitiva italiana, misturando italiano
com português.

“Esta cidade não é tão pacata assim como você imagina! Fatos
estranhos...”

“Si, si. Non precisa concluir. Pelo che parla uno amice espirituale, os
tre bambini che manipulam o clima, anche parla com las plantas, non
pertencem a questa dimensione! Loro eston em questa cittá por
accidente de percurso, ecco...”

“Que quer dizer com acidente?”, questionou a agente especial da


CIF.

“Caíram num portale dimensionale allora una fenda surgiu. Pero


estan quase percebendo lo cambio que sofreram. Ma non podem
continuar nesta nostra dimensione. Precisam ser cambiados
urgentemente! Domenica una outra fenda se abrirá a las otto. É questo
momento que têm que ser cambiados!”, revelou a maga, com seu
linguajar característico.

“Como devemos proceder para eles retornarem ao seu tempo ou à


sua dimensão original?”, perguntou ressabiada a agente Phyllis.

“Ma che! Solo há una única maneira. Atencione: questo momento o


mio guia me revela una importante informacione: questa città de
Formiga existe uno portale dimensionale no interior da igreja mas
importante. Intuirão onde se localiza exactamente...”, falou a sensitiva,
como se estivesse em transe.

“Bom, com certeza todos os indigentes e demais pobres da cidade lá


estarão. Será uma boa oportunidade para teletransportamos os
mendigos”, disse Phylllis, já com a missão planejada na cabeça.

“Todavia, há uno problemíssimo, cara Phy, los tre precisam estare


nesse exacto locale e hora para o tele-transporte, senon a missioni va
falhare!”, advertiu Fiorella, sentindo grande preocupação também pelo
destino dos agentes.

“Eis o problema maior, teremos que arriscar! É nessa hora que a


missa se iniciará!”

Contudo, a agente Phyllis sentiu que o problema maior não era só


este. Sua conhecida extra percepção sensorial fez com sentisse que “algo
mais” também poderia acontecer. Começou então a mentalizar, chegando
a uma conclusão lógica.

“Pressinto que as três beatas estão de certa forma envolvidas nesta


trama toda. Mas o que seria?”

19
“Vamos com calma, Phyllis. Explique-se sem se apavorar!”, falou o
agente Pedro.

“Calma nada! O assunto é urgente! Minhas percepções raramente


falham. Algo de ruim pode acontecer com aquelas religiosas! Não posso
afirmar o que seria mas...”

“Não imagino o que poderia acontecer com três freqüentadoras


assíduas da igreja! Elas não têm outro lugar para ir! Não. Duvido que
corram qualquer perigo. É muita pasmaceira para meu gosto!”

“Não precisa acreditar, Pedro! Como sempre, você está duvidando


de mim. Pois saiba que vou conversar com elas ainda hoje mesmo. Sinto
que devo convencê-las a não irem à igreja... Estamos correndo contra o
tempo! Literalmente!”

“Faça o que bem entender. Eu não posso ir com você, pois estou
tendo problemas com meu aurômetro, que não está nada confiável. Não
acreditei naquele tal de Marden...”

Saudada por Ana Maria e pela irritadiça cadela Lili, Phyllis entrou na
casa das irmãs e, antes de começar a falar, esperou pelas outras duas,
que estavam no quintal aguando as plantas. “Minhas caras amigas. Serei
objetiva no que tenho para lhes dizer: por favor, infelizmente vocês não
podem e não devem ir à igreja amanhã cedo!” “Como não? Já está tudo
preparado! O Padre Sérgio está contando com a nossa imprescindível
colaboração. Não podemos faltar-lhe o apoio logo agora! Temos que
coordenar a distribuição de alimentos que acontecerá logo após a missa
das oito! Seria uma heresia não comparecermos. Nem precisa dizer o por
quê você nos pede isto, pois nossas obrigações para com Deus são mais
importantes do que qualquer coisa!”, esbravejou Maria Etelvina, exibindo
todo o seu radicalismo.

Foi uma ducha de água fria na tentativa de expor seus argumentos


contra a ida das irmãs beatas à igreja naquele fatídico domingo. Sem se
prolongar mais na casa delas, Phyllis tratou logo de ir embora, tentando se
convencer também por qual motivo queria tanto que as três faltassem à
sua obrigação moral e religiosa. Alguma coisa continuava martelando-lhe
a mente.

O sábado demorou a passar para a agente especial da CIF.

“Que misterioso, este aurômetro está perfeito! Não consigo achar


nenhum defeito nele... Não é que aquele cara de índio falava a
verdade?!”, resignou-se Pedro, demonstrando seu arrependimento por
ter duvidado de sua parceira, que logo chegou.

“Pôxa, foi rápida a sua visita! Conseguiu convencer as irmãs? Que


ar grave de preocupação você está...!”

20
Sem responder nada, Phyllis tentou se relaxar e foi assistir TV.
Estava terminando um documentário sobre os famosos Códigos Secretos
da Bíblia. O narrador finalizou o programa.

“...é justamente por isso que uma profecia só é verdadeira quando


se cumpre. Enquanto ela não se cumpre, é apenas virtual e constitui tão-
somente uma possibilidade de futuro. Portanto, não devemos ser
fatalistas, pois o destino de cada um não está preestabelecido; está
condicionado à maneira como os homens apliquem individual e
coletivamente seu livre-arbítrio. A maioria das profecias negativas do
futuro da humanidade constituem, finalmente, nas advertências e não têm
caráter irrevogável.”.

Eis a chave! Agora, Phyllis tinha a certeza absoluta de que fazia a


coisa certa ao tentar avisar as três irmãs para não irem à igreja no
domingo cedo. Estava certa também de que algo grave poderia acontecer
com elas, caso não “mudasse tal futuro”. E o que é pior, consigo própria,
com Pedro e até com o Padre Sérgio, que parecia tão alheio aos
acontecimentos! Mas, o que poderia ser exatamente? Tal detalhe crucial
escapava-lhe da consciência, apesar do inconsciente já “saber” de toda a
verdade por trás de tudo. De fato, nesse caso específico, “a verdade
estava lá dentro...”.

O dia seguinte amanheceu chuvoso. Um domingo típico do inverno


formiguense. A igreja Matriz estava abarrotada de carentes de todo tipo.
Graças à campanha empreendida pela Casa Paroquial, havia donativos
para todos. Desde roupa, brinquedos e, principalmente, alimentos.

“Sinto que alguma coisa vai acontecer hoje com a gente!”,


exclamou, esboçando um certo contentamento com a sua intuição, o
cabeçudo mendigo Ronaldo.

“Então não vá à igreja, porque quando você prevê algo, vai dar em
gafe!”, caçoou o nervoso e preocupado mendigo Evandro. Por outro lado, o
pacífico mendigo Silvério, o mais condescendente dos três, resolveu
defender o amigo.

“Se o Ronaldo antevê, devemos respeitar! Esta samambaia acaba de


me confidenciar que vamos ter uma boa surpresa! Teremos de aceitar um
pedido! Bem, vamos logo!”

“Pena que ainda tem a missa. Espero que o Padreco não nos peça
de novo para ajudá-lo a recolher o dízimo. Já estou farto disso!”, reclamou
o mendigo Evandro, sempre de pavio curto.Assim, os três foram para a
igreja. A fila para entrar já estava longa. Cada um que chegava, recebia
uma senha das mãos de Francisca América, a taciturna sacristã
divinopolitana que ajudava o Padre em seus afazeres paroquiais.

21
“Meu coração está muito feliz! Vamos ajudar nosso querido Pároco a
ajudar o próximo!”, exultou-se em lágrimas, Maria Regina, sempre muito
poética e emotiva.

“Sim, Vamos louvar a Deus, nosso Pai!”, complementou Ana Maria,


como sempre, a mais fervorosa em suas ações religiosas, denotando um
intenso amor pela missão que achava estar cumprindo. Então, elas foram
para a igreja.

EPÍLOGO

22
Nesse espaço de tempo, os agentes Phyllis e Pedro já estavam
postados à porta do templo, esperando pelas irmãs. Viram então os
mendigos na fila.

“Veja, Phyllis, os três mendigos já estão na fila para colher a senha!


Segundo as palavras de Fiorella, temos que policiá-los e tentar convencer
cada um a assentar naquele local que você intuiu aqui na igreja!”

“Ah, vejo que está mais convencido da veracidade de tudo isto, não?
O que o levou a acreditar em mim?”,

“Por dois motivos: o primeiro é minha própria consciência que me


induz a acreditar, depois foi o aurômetro, que não estava estragado, como
eu imaginava...”, concordou finalmente, Pedro, até então bastante cético
com relação aos recentes acontecimentos.

“Muito bem. Conforme pude perceber, as irmãs usualmente se


assentam no lugar onde está o portal dimensional. Temos de impedi-las de
qualquer forma que tomem aqueles assentos. Depois, devemos fazer os
mendigos se assentarem lá para o tele-transporte que será às oito em
ponto. Como vamos convencer a todos, não sei ainda. Vamos, todos já
estão entrando!”

As irmãs chegaram à igreja discretas e cabisbaixas. Ostentavam


véus em suas cabeças e terços nas mãos. Faltavam dez minutos para as
oito horas da manhã.

Logo atrás delas, estavam os dois agentes da CIF. A idéia para fazê-
las sentar em outro lugar ainda não surgira. As beatas então se dirigiram
para o fatídico local, que era, na verdade, uma passagem para a quarta
dimensão! O tempo corria...célere...

“Já sei, Phyllis. Primeiro, diga aos mendigos que não precisam mais
ajudar o Padre no recolhimento do dízimo. Depois, eu lhes digo que
aquelas três beatas têm uma surpresa para eles. Vá rápido, enquanto há
vagas ao lado delas!” O relógio marcava cinco para as oito.

“Atenção, Pedro, o lugar tem que ser exatamente aquele em que


elas já estão sentadas! Por que tem tanta certeza que elas sairão do
lugar?”, cochichou Phyllis.

“Você não entendeu ainda! As irmãs são famosas na cidade pela


higiene exagerada. Se os mendigos ficarem ao lado delas, certamente
sairão dali, pois não suportarão o odor fétido de urina seca. Enquanto isto,
você senta do lado e os empurra para o lugar onde estão! Vá! Não
podemos perder mais tempo!” Três minutos para as oito.

Padre Sérgio entrou na igreja e todos se levantaram. Intuitivamente,


Phyllis disse aos ouvidos do mendigo Ronaldo, dizendo-lhe que a beata
Maria Etelvina tinha uma surpresa para os três.

23
Convencido daquilo ser verdade, por causa da intuição do
companheiro Ronaldo, o mendigo Evandro puxou os outros dois amigos e
sentou-se ao lado das beatas.
Quando isto aconteceu, Maria Etelvina, a mais radical, também com
a higiene, deu de ombros e virou o rosto, cochichando às irmãs,
demonstrando seu nojo: “Saiamos daqui, este cheiro de xixi me enjoa.
Que Deus me perdoe...”

Oito horas da manhã. De repente, a luz da igreja dá uma piscada,


mas ninguém se incomoda.

A missa transcorreu sem nenhum incidente.

“Esquisito. De repente, cessou um aroma fétido de mictório que


estava aqui. Por um momento, pensei que um pobre coitado estava ao
meu lado... Não posso pecar, vou fingir que nada vi ou senti..., deve ser
alguma tentação...”, pensou arrependida, a mais velha das beatas.

“Você está muito incomodada, Etel. Não há nada aqui...”, disse Ana
Maria à irmã, exigindo que se comportasse naquele sacro ambiente.

Pedro e Phyllis se cumprimentaram. A missão fora cumprida a


contento. Agora, podiam se lembrar que salvaram a própria vida com
aquela “troca”.

O Padre Sérgio, alheio aos acontecimentos e refratário aos próprios


sentimentos com relação a algumas “intuições esquisitas” que tivera,
celebrou normalmente aquela missa, talvez a mais importante de sua
vida. Sua salvação foi possível, graças à sua missão: dar alento aos
necessitados.

O celular de Phyllis tocou. Era Fiorella, dizendo que acabara de


receber uma mensagem. Iria mandá-la via fax. Foi o que aconteceu. Pedro
lê o seu conteúdo.

“Os registros akáshicos são os registros indeléveis, eternos, de


todos os acontecimentos e de todo o conhecimento que são partes
integrantes da Consciência Cósmica, a Mente Divina. Encerram todas as
coisas, passadas, presentes e futuras. Não são eles relatos materiais,
escritos e, sim, a consciência dos acontecimentos passados e futuros da
humanidade terrestre. Conforme aconteceu, eles podem ser alterados,
dependendo do merecimento individual.

Mas nem sempre, pois nunca se deve esquecer que coletivamente


os seres humanos ainda são muito limitados em seu estágio evolutivo;
limitados em sua capacidade para lidar com as forças que acarretam as
catástrofes; limitados em previsão e percepção; limitados em sua
capacidade para evitar coisas que trazem dor e sofrimento. Estas são as
coisas que têm que aprender. Ainda têm que aprender a lidar com suas

24
emoções; com o ódio, o ciúme, o amor, a inveja, atração e a repulsa. Têm
que aprender a respeito de seu próprio corpo e de seu estado consciente
e inconsciente. Tudo isto é necessário aprender, antes que possam
superar os pesares que a ignorância e a materialidade colocam em seus
ombros. Quando isto acontecer, o seu futuro não precisará ser
constantemente mudado, pois ele não só pertencerá a Deus, mas a vocês
próprios...

do Nicholas, aquele ser que sempre falou com vocês: neste e nos
outros tempos.”

FIM DO 1º EPISÓDIO

25
2 - A SEDE DA ALMA
I

Formiga estava toda enfeitada para os festejos natalinos. Como


sempre, o que mais chamava a atenção de todos na bela decoração de
final de ano, era a imponência do iluminado Cristo Redentor. Do alto do
morro, ele parecia emanar energias ao povo formiguense, preparando-se
para mais um Natal. As igrejas também estavam tradicionalmente
enfeitadas para as festas. A novidade eram as barraquinhas, lotadas de
curiosos e consumidores, ávidos por conseguir uma lembrança aos seus
entes amados. Como não podia deixar de ser, a correria era geral.
Enquanto uns faziam compras, outros participavam de campanhas
beneficentes patrocinadas pela Casa Paroquial, pelo Rotary, pelo Lions, ou
pelas Escolas. Como bem condiz com a época, os bons fluidos pairavam na
atmosfera formiguense.

Phyllis, a agente especial da Central de Inteligência Formiguense –


CIF -, também fazia suas compras, mas seu pensamento ora estava
voltado para mais um mistério que assombrava a pacata cidade e
adjacências. Esse era o lado negativo daquele momento: crianças na faixa
de 13 e 14 anos de idade, estavam desaparecendo. O estranho é que
sumiam por no máximo uma semana e depois eram encontradas nos
arredores de suas próprias casas. Mas, o mais estranho era que não
estavam em seu estado normal, ou seja, voltavam completamente
abobalhadas, ou retardadas!

Médicos e cientistas, a par dos acontecimentos, nada


compreendiam, pois elas não apresentavam quaisquer outros problemas
de saúde. Francisco Augusto, por exemplo, era um garoto ativo. Tirava as
melhores notas no Colégio de Aplicação, onde estudava. De repente,
desaparecera por exatos sete dias. Retornou à sua casa em perfeito
estado físico, só que tornara-se um menino bobo. Ria por qualquer coisa e
não raciocinava direito. Parecia estar num estado de embriaguez
permanente. O mais interessante era que pelos começaram a crescer por
todo o seu corpo. Seus pais fizeram-lhe todos os exames clínicos e
psicológicos e nada. O mesmo acontecera com outros meninos, não só de
Formiga, mas de Arcos, Pains, Piumhi, Itapecerica e outras cidades
próximas.

O Diretor da CIF, Paulo Cunha, então convocou seus agentes


especiais de confiança e explanou toda a situação do momento.

“Não há vestígios de qualquer pista sobre como, quando e por quê


as crianças de 13 e 14 anos desaparecem e voltam idiotizadas. Já houve
uma busca minuciosa em cada canto de nossa cidade e das cidades da
redondeza. Nada foi detectado! Podem começar agora mesmo suas
investigações. Se este caso chegar na esfera federal ou até internacional,

26
correremos o risco de ficar à margem. É isto que não desejo. Temos que
resolver o mistério já!

E assim foi feito. Chegando ao laboratório-escritório, os agentes


puseram-se a traçar os primeiros planos para dar início à mais uma
intricada investigação.

“Estamos praticamente na estaca zero. Inicialmente temos que


interrogar alguns dos garotos que foram raptados...”

“Como? Não disseram que eles estão apalermados? Como


conseguiremos tirar algo deles, se não falam coisa com coisa?”,
questionou o sempre cético, Pedro.

“Não importa. Temos que tentar analisá-los de uma forma ou de


outra. Quem sabe se os hipnotizarmos, possamos detectar alguma coisa?
Lembre-se que os escaninhos do subconsciente jamais podem ser
devassado, independente do que possa acontecer com o consciente!”,
defendeu sua posição a incansável agente psíquica, Phyllis.

Munido de seu detector de mentiras, do aurômetro e do energizador


de ambientes, Pedro então acompanhou sua companheira em mais uma
missão. Começaram pelo menino Francisco Augusto, pois fora ele o
primeiro a ser seqüestrado. Chegando em sua casa, cumprimentaram seus
pais, explicaram o motivo de ali estarem e receberam o garoto para o
interrogatório. Como não obtinham resultados práticos em conversas
normais, resolveram hipnotizá-lo.
“Posso ler uma placa...PCM...aiiiiiiiii!!!! Meu ouvido vai sangrar! Não quero
ficar surdo!”

“Parem já com esta experiência! Meu filho não pode sofrer mais!
Parem!” , gritou desorientada, Carolina, a mãe do garoto Francisco
Augusto.

Phyllis não teve outra alternativa, senão fazer o menino voltar ao


tempo presente. Mesmo com poucos dados obtidos, ela conseguiu anotar
alguma coisa.
“Hummm, o que seria PCM? E por que ele falou que o seu ouvido iria
sangrar?” “Segundo me consta, o médico já disse que não há qualquer
tipo de seqüela com todos aqueles que até agora foram raptados e
voltaram abobalhados...”, complementou o lacônico agente especial,
Pedro Delbaron.

O tempo passava e nada de resultados nas investigações. Com o


Natal se aproximando, houve uma certa pausa nos raptos. Isto permitiu
aos agentes da CIF, uma pesquisa maior nos garotos. Testes e testes eram
exaustivamente feitos com eles e não se evoluía nas conclusões.

“Bem, os raptos pararam, mas desconfio que isto é sintomático...”

27
“O que quer dizer com isso, Phyllis, não seria por causa do Natal ?”

“Não acredito. Parece que os autores deste crime sabem da nossa


atuação. Coincidência, ou não, o fato é que as cidades adjacentes também
experimentam esta pseudo-calmaria. Vamos aproveitar e dar uma ida à
Divinópolis para ver até quanto são semelhantes as conseqüências desses
seqüestros!”
“Sim, temos que aproveitar a bonanza. O tempo urge! Pelo menos,
até o momento, a notícia ainda não vazou, pois quando a mídia estiver a
par dos acontecimentos, a balbúrdia vai ser geral!”, finalizou e advertiu o
agente Pedro.

Antes de partir, ambos resolveram consultar uma renomada


cientista da cidade de Formiga, Dra. Nicole. O objetivo era ver se a
sintomatologia era igual aos casos divinopolitanos. Ao encontrá-la, ela lhes
disse: “Além de apresentarem um quadro de retardamento mental e
puberdade precoce, os garotos apresentam febre constante, ou seja, um
total descontrole no seu ritmo biológico, pois não têm hora de dormir ou
de comer. Ainda assim, não há sinais de iminente risco de vida. Confesso
que os médicos e, nós cientistas, estamos confusos. É um enigma...”

Os agentes da CIF, então partem para a bela metrópole do Oeste


mineiro, Divinópolis. De posse da lista das famílias, cujos meninos foram
raptados, foram até a casa de uma delas.

“Com licença, D. Andréa, sou o agente especial Pedro e esta é minha


companheira , a agente especial, Phyllis Delbaron, da CIF. Soubemos que
seu filho, o pequeno Camilo, ficou desaparecido por uma semana, mas já
voltou. A senhora poderia nos fornecer mais informações sobre este
acontecimento?”

“Pois não. O fato é que Camilo sempre foi um guri esperto. Ficou
desaparecido durante este tempo que o senhor falou. Passou a ter
constantes delírios seguidos de febre, que só é controlada com remédios.
Notei, porém, que ele sempre está desenhando isto aqui...”. D. Andréa
mostrou-lhes o esboço de uma árvore, cujos galhos saíam folhas em
forma de olho.

Mesmo sem compreender, os agentes ficaram com uma das cópias


do desenho e a anexaram aos arquivos do caso.

Carentes de conclusões concretas, Phyllis e Pedro voltaram para


Formiga.

A viagem transcorreu tranqüila até que de repente o carro deu sinais


de que ia parar. Pedro estacionou no acostamento e foi ver o que estava
acontecendo. Abriu o capô e não viu nada de diferente no motor. Quando
baixou-o, só teve tempo de ver Phyllis ser puxada por dois homens
encapuzados. Colocaram-na dentro de um outro carro e partiram em
disparada.

28
“Socorro! O que está acontecendo aqui?” Já era tarde demais...
“Quem são vocês?”, Phyllis recuara para perto de uma cama,
enquanto olhava para duas silhuetas na penumbra de um cubículo sem
janelas.

Não houve resposta. As duas sombras se afastaram do local e a


estonteada agente especial da CIF, não conseguia concatenar direito
suas idéias.
“Onde será que eu estou? Só me lembro do Pedro abrindo o capô do
carro...mais nada... Agora, me encontro neste lugar. Provavelmente fui
sedada...”, ela pensou, demonstrando uma certa preocupação, apesar de
se manter calma, não fugindo de seu habitual estado, o de perfeito
domínio sobre seus temores.
II

O silêncio imperava. Ou melhor, este só era cortado pelo barulho de


um pequeno ventilador que ajudava a arejar aquele fechado e escuro
ambiente. Phyllis sentou-se na cama e concentrou-se. Tentava se projetar
ou mesmo fazer uso de uma de suas faculdades paranormais, a visão
remota, para se situar. Em vão. Não conseguia raciocinar direito.
Certamente, devido à ingestão de alguma droga que desconhecia. Os
sintomas lhe eram claros, pois podia ainda ouvir um zumbido em suas
entranhas mentais e isto impedia sua focalização. Por isso, não conseguia
dar uma seqüência coerente para àquilo que lhe estava acontecendo.
Uma coisa, porém, ela estava certa: tudo tinha relação com os raptos dos
garotos. Mas, por quê tinha sido também raptada? Sua idade não
concatenava com a característica dos raptos! Mais tarde, contudo, iria
saber...

Pedro, ainda em desespero, devido ao repentino desaparecimento


de sua companheira, chegou em Formiga e tratou de comunicar o
acontecimento ao seu chefe, o Diretor da Central de Inteligência
Formiguense, Paulo Cunha.

“Tudo foi muito rápido. Em fração de segundos ela desapareceu. Só


pude vislumbrar um carro saindo em disparada. Nem tempo tive para
anotar a placa. O mais interessante é que Phyllis não soltou um grito ou
murmúrio sequer. Provavelmente foi sedada!”

“Hum...realmente misterioso. Já não bastam esses raptos de


meninos aqui e nas redondezas... e agora até a Phyllis! E o que você tem
para me falar sobre os casos de Divinópolis? Alguma correlação com os de
Formiga?”, indagou o Diretor, ajeitando seu cigarro de palha na boca,
acompanhado de uma cerveja, pois a noite de sexta-feira estava
começando.

“Quanto aos sintomas, ou seja, às conseqüências nas crianças após


seus raptos, tudo parece encaixar com as desta cidade. Mas, ao contactar

29
um dos meninos, sua mãe nos deu este desenho que ele persiste em fazer
sistematicamente...Veja.”

A árvore, de cujos galhos brotavam folhas em forma de olhos,


chamou a atenção do Diretor. Por sinal, ele tinha um apurado dom
artístico, apesar de sua sisudez peculiar.

“De fato, é um esboço enigmático, mas há de ter um certo sentido.


A criança não iria insistir nele se não houvesse razão. Temos que estudar
este desenho. O que você acha?”

“Bem, pelo que posso imaginar, é óbvio que há alguma relação com
os olhos. Todavia, por que há tantos olhos brotando de uma só árvore?
Camilo, o garoto divinopolitano desenhou isto. Por outro lado, Francisco
Augusto, daqui de Formiga, disse que seu ouvido ia sangrar, o que não foi
constatado pelos médicos. Não há conexão... Pelo menos por enquanto!”

O telefone toca. É a cientista, Dra. Nicole, que tem novidades quanto


aos resultados dos exames do material colhido na maioria dos garotos
raptados.

“Os meninos examinados carecem de melatonina, que é um


hormônio que as glândulas endócrinas produzem. Isto ocorre quando elas
estão superativas ou estressadas por causa de algum evento. Ainda não
sabemos o motivo desta carência. Novos exames estão sendo procedidos.
Contudo, já temos uma forte suspeita. Confirmo depois... Boa noite...”
Phyllis divisa uma gigantesca abóbada de onde saiam muitas luzes
coloridas. Estava sendo puxada por dois homens encapuzados. Então, ela
vê uma placa onde estava escrito: “PCM – Programação de Controle
Mental”. Alguém pega em seu ombro.

“Que prazer revê-la, cara Phyllis! Sussurrou com ironia um senhor


portando um jaleco branco, óculos quase no nariz e cabelos atrapalhados.
Ordenou aos dois homens encapuzados que se retirassem do laboratório
imediatamente.

Ainda um pouco atordoada - fruto das sedações constantes a que


estava sendo submetida, desde o momento em que fora raptada na
estrada de Divinópolis para Formiga – e sem conseguir ordenar direito
seus pensamentos, Phyllis, balbuciou com certa dificuldade.

“Não estou me lembrando do senhor... Oh! É o Professor Nestor,


titular da famosa Faculdade de Paraciências de Oconomowoc, no estado
de Wisconsin, nos Estados Unidos! Então, está envolvido...”

“Sem histeria, e sem pré-julgamentos, cara Phy! Sim, sou eu


mesmo. Finalmente, revejo a minha melhor aluna na cadeira de Remote
Viewing! Seus dons paranormais sempre me sobressaíram aos demais. Por
isso, resolvi me basear nesta cidade, pois seus prodígios como agente da
inteligência local já correram o mundo!”

30
Aos poucos, Phyllis foi recobrando o seu controle mental, mas,
concentrar-se ainda era difícil. As idéias, contudo, se ordenavam e ela
pôde se recordar daquela inusitada pessoa, responsável pela matéria
Visão Remota, de quando estagiou na América, atendendo às exigências
da CIF. Uma espécie de calafrio percorria-lhe a espinha. Era uma
explicável sensação. Mas que diabos, pensou, estava fazendo ali e por que
merecia aquele tratamento? Ainda, por que fora raptada? Tentou dominar
a emoção e tornou a indagar o seu interlocutor.

“Não me sinto bem, devo ainda estar dopada... Qual é a conexão


disso tudo com o caso dos meninos seqüestrados, professor? E esta placa
me parece familiar..”

“Repito, vá com calma, garota! Não apresse suas deduções e


observações! Ficará sabendo de tudo, por partes e no momento oportuno.
Realmente, você não está com suas faculdades no estado normal. É
capital que sua mente esteja em estado alterado...”, disse sorrindo
sarcástica e reticentemente o professor.

Além da placa, onde se lia, “PCM – Programação de Controle


Mental”, Phyllis ainda podia também vislumbrar numa prateleira, logo à
sua frente, uma considerável quantidade de potes feitos de um material
parecido com cristal. Dentro de cada um deles, havia algo parecido com
grãos de arroz. Desses potes, saía um tubo interligado a outro grande
pote, parecido com uma bacia. Do teto, tubos catódicos jorravam suas
luzes multicoloridas nesse pote maior.

Nessa mesma hora, Pedro, bastante preocupado pelo


desaparecimento de sua companheira, ouve atentamente ao seu
superior, o Diretor da CIF, Paulo Cunha.

“Tranqüilize-se, meu amigo, pois acabo de convocar a Dra. Nicole


para uma reunião. Ela irá nos expor pessoalmente os resultados dos
exames feitos com os meninos que foram.”

“Isto é bom. Talvez nos seja dado algum indício do paradeiro da


Phyllis. Uma coisa é certa, ela não deve estar aqui em Formiga, pois
nossos homens já procuraram cada canto da cidade! Não acharam o
cativeiro dos garotos, muito menos o farão agora!”

“Sem pessimismos, Pedro. A cientista vem acompanhada de dois


especialistas. Não sei de que, mas ela disse que tem novas surpresas.
Assim, quem sabe, outras pistas poderão surgir!”, atenuou o calvo
Diretor, enquanto acendia o seu inseparável “Cohyba”.

Coincidentemente, a secretária Mariana, anunciava à Cunha, a


chegada da cientista.

31
“Diretor, a Dra. Nicole, acompanhada dos professores Michel e
Fernando, anuncia a sua chegada. Faço-os entrar?”

“Tenho boas novas, senhor diretor, já suspeitamos qual foi o motivo


dos raptos!”, disse a cientista Nicole, com um otimismo incontido.

“Chegou a hora, cara Phyllis! Agora, você doará a sua sede da alma!
Atenção, apaguem todas as luzes! É chegado o momento crucial de
nossas experiências!”, bradou com todas as suas forças o sinistro
Professor Nestor...

Véspera de Natal. A cidade de Formiga estava movimentada. A


rodoviária estava lotada, pois os filhos ausentes da terra chegavam para
passar as festas de fim de ano juntamente com a família. O movimento
era intenso. As pessoas corriam aqui e acolá. Umas, assoberbadas pelas
compras de última hora, outras, menos preocupadas, comemoravam nos
barzinhos e restaurantes o festivo momento. Até os menos afortunados
tinham motivos para alegria – pelo menos naquele dia – pois recebiam
presentes, que variavam da comida, aos brinquedos: baratos, mas
representativos. O céu estava estrelado, sem sinal de chuva, e por isso, os
locais estratégicos estavam apinhados de gente. Na verdade, os ares
contagiavam positivamente os ânimos. Para culminar com essa bela cena
natalina, ao longe, dava para vislumbrar a imponente estátua do Cristo
Redentor. Ninguém, todavia, poderia imaginar o que se passava ali...

Na mesa do salão de reuniões do QG da Central de Inteligência


Formiguense estavam o seu Diretor, Paulo Cunha; o agente especial, Pedro
Delbaron; a cientista Dra. Nicole Castro; os dois especialistas que a
acompanhavam e o restante da cúpula da agência. Contrastando com o
lado externo, o ambiente era tenso. Na verdade, naquela hora seriam
reveladas as mais recentes descobertas com relação aos exames feitos
nos garotos que foram raptados nas últimas semanas. Uns da cidade,
outros das adjacências.

Os resultados dos testes já poderiam ser considerados como


conclusivos, por isso era hora de revelá-los. O referido salão estava
também tomado de repórteres, fato incomum, pois o lugar era mais
usado para receber estagiários vindos de todo o Brasil, uma vez que a CIF
era uma das poucas agências de inteligência do País, voltada
exclusivamente às investigações psíquicas. Devidamente acomodado em
sua cadeira, ao centro da mesa, o Diretor iniciou a reunião, dando as boas-
vindas aos visitantes, porém ressaltando que aquele encontro não poderia
ser de forma alguma noticiado. Era uma reunião estritamente confidencial
e tudo que ali fosse dito, não poderia sair do prédio, sob pena de as
agências internacionais tomarem para si o caso, visto a sua óbvia
importância. E parecia que a infalível intuição já o advertia quanto aos
vindouros acontecimentos... Assim, alguns jornalistas, menos gabaritados,
tiveram de sair do recinto, mesmo que a contragosto.

32
Apesar do céu cheio de estrelas, a escuridão era plena. Phyllis
sentiu um líquido viscoso escorrer-lhe de seu ouvido direito. Mesmo sem
dor, ficou alarmada e gritou.

“Meu ouvido está sangrando?! O que o faz comigo, professor


Nestor?! Não consigo vê-lo! Está muito escuro!”

“Não se preocupe, cara sensível psíquica... só sentirá um sutil


molhado advindo do seu ouvido.Nada mais. Atenção, podem começar.
Tudo preparado! Os tubos podem ser acionados. É hora da sucção!”

A voz do professor foi sumindo, diminuindo de intensidade...até


sumir. Nesse momento, Phyllis sentiu uma fisgada bem dentro do ouvido.
Em seguida, um longo silvo e sua resistência minou-se. Desmaiara.

“Senhores da Central de Inteligência Formiguense. Apresento-lhes os


especialistas paraendocrinólogos, professores doutores Michel Lomes e
Fernando Ourado. São ambos renomados pesquisadores e estudiosos dos
efeitos paranormais das glândulas endócrinas e exócrinas no organismo
humano. Passo-lhes a palavra para que possam esclarecer com maior
propriedade os resultados obtidos nos garotos examinados...”

Silêncio sepulcral. Pedro nem engolia sequer. Preparava o


“denômetro”, um aparelho utilizado para captar as atividades
eletromagnéticas do ambiente. Queria saber se havia presenças etéreas
no local... Uma mera formalidade para se precaver. Por sinal, uma praxe
para momentos tensos. Evidenciando sobriedade e firmeza, professor
Michel inicia a sua explanação...

“Existe um antigo aforismo que diz mais ou menos o seguinte: ‘Só


sentimos falta da água quando o poço seca’. Analogamente, somente
através da sua ausência, é que podemos chegar a uma apreciação
conclusiva da contribuição que uma glândula pode prover também à
saúde psíquica do homem!”, falou com indisfarçável emoção o professor
Michel, sendo assentido pelo seu inseparável colega, professor Fernando,
que complementou a explanação.

“Descobrimos que a epífise, ou pineal, é a que comanda as demais


glândulas endócrinas além de produzir – como todos sabem - um hormônio
conhecido como melatonina, responsável, dentre outras funções, pela
sedação do cérebro. É, pois, superativa durante a noite, mormente
quando não há luz, sendo fotosensível. Por isso, é conhecida também
como o ‘oráculo da luz’ entre os místicos.”

“Através da melatonina, a pineal é uma das responsáveis pelo


metabolismo do organismo, regulando todo o seu fluxo aquoso, bem como
o relógio biológico e a temperatura. A carência desse hormônio gera grave
desequilíbrio. Pêlos começam a crescer desordenadamente. Com o centro
de navegação descontrolado e alterado, a pessoa não tem hora para
dormir ou para se alimentar. Assim, advém a sede, a fome e a febre que

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ficam constantes. Tudo isso resulta em confusão mental, que se
assemelha ao retardamento. Em suma, perde-se a noção de tempo e
espaço...!”

“Esta é a conexão com os meninos raptados! Eles apresentavam


toda esta sintomatologia!”, interrompeu o diretor Paulo Cunha,
demonstrando, demonstrando a sua habitual perspicácia investigativa.

“Com certeza. É aí que vamos chegar. Por causa desses sintomas,


verificamos que era a glândula pineal que não funcionava, uma vez que
ela tem plena atividade principalmente antes da puberdade, entre os 13
ou 14 anos de idade, ficando encapsulada na fase adulta. Mas, para a
nossa total surpresa, a tomografia tridimensional revelou que nenhum
deles tinha mais essa glândula!”, exclamou estupefata a médica Dra.
Nicole.

Murmúrios assustados tomaram o ambiente. As surpresas estavam


apenas começando...

“Porém, até agora ainda não temos idéia do motivo pelo qual os
garotos tiveram a pineal retirada. Esse diminuto corpúsculo, tem a
dimensão aproximada de um grão de arroz. Passa facilmente pelo
ouvido...”, finalizou o professor Fernando.
“Pronto. A primeira fase da experiência está completa. Levem-na
Phyllis daqui! Ela está fraca. Amanhã, complementaremos a
transmigração!”, ordenou o sinistro professor Nestor.

Desacordada, a mais efetiva agente psíquica da CIF, foi levada até


seu quarto, aquele pequeno cubículo sem luzes. Sentia fortes dores de
cabeça. Do ouvido direito, ainda escorria um líquido viscoso, de cor
amarelada. No laboratório, o professor vibrava.

“Muito bem. Temos em mãos o agente químico que dará seqüência à


minha obra maior! No estágio seguinte, estirparemos o seu reprodutor,
que será o elo final! O tempo do poder está próximo!”, bradou com
entusiasmo, esboçando uma incontida euforia.

Francisco Augusto estava tendo mais uma de suas crises. Sua mãe,
a humilde dona de casa, Carolina, tratou de ligar para Pedro, pois o delírio
do garoto agora estava sem controle. Foi a conta. No exato momento em
que Pedro chegava à casa do menino, este em meio a uma convulsão,
gritava: “Está de braços abertos! É um túnel... muito escuro... a placa
PCM; potes, fios, cores... Meu ouvido está machucado! Sai sangue! Não!”,
em seguida desmaiou.

Pedro gravara tudo. Já em seu escritório, tornou a ouvir o que o


garoto dissera .

34
“Hum, o que será que está de braços abertos? De novo surge a sigla
PCM...”. Pensativo, folheou um mapa turístico da cidade de Formiga. Na
capa, vislumbrou a pista que poderia dar a resposta às suas indagações.

“É isso! O Cristo Redentor! Ele está de braços abertos! Phyllis está


lá!!!”

Pedro estava estupefato pelo achado. Havia poucas dúvidas de que


o cativeiro de Phyllis poderia ser mesmo no Cristo Redentor. O garoto
Francisco Augusto, apesar do retardamento mental, certamente observara
com acuidade o detalhe dos “braços abertos”. E, além do mais, não havia
na cidade imagem ou estátua com uma característica tão marcante!

Mas, para se certificar de que sua suspeita tinha fundamento,


resolveu contactar a sensitiva italiana, Fiorella Antarulli, a mesma que
havia ajudado quando do caso das beatas, o último dos Arquivos F. Ligou
logo para ela e relatou-lhe com detalhes os acontecimentos.

“Si, si! Ecco. É vero quanto la gravidade de questo caso, ma io non


acho que Phyllis, com tutti los poderes mentais que tiene, poderá incorrer
em fracasso! Pedirei agora mesmo para auxíliar-te uno belo amigo mio.
Questo ragazzo é Cabral, potentíssimo canalizador eletronico, proveniente
de Cascais, Portugal. Graças à TCI, é certo que vai conseguir las
necessárias informaciones. Dentro do permitido, tutto será revelado.
Marduk raramente falha com nosotros!”, tranqüilizou Fiorella usando o
seu peculiar idioma ítalo-portunhol.

O pesquisador chegaria no dia seguinte, para o alívio de Pedro.


Trazia consigo uma inusitada parafernália eletrônica, como monitores de
TV; fones de ouvidos; rádios; gravadores, além de potentes caixas de
áudio.

“Como estás, ó Pedro. Espero poder vos ajudar através de meus


contactos interdimensionais. Já estou ao par dos acontecimentos, ora pois.
Fiorella me disse tudo, e meus amigos de Marduk me confirmaram o que
ora se está a passar nesta bizarra terra vossa. Como bem o sabes,
Formiga faz parte de um mui restrito círculo de cidades que têm um
cinturão de emissões fotonicas bastante acentuadas. Tais emissões
provocam os chamados portais dimensionais. À guisa de exemplo, há
outras cidades mais conhecidas onde acontecem semelhante fenômeno,
tais como São Tomé das Letras, Aiuruoca, Chapada dos Veadeiros, no
Planalto Central e Mata do Jambreiro, em Nova Lima, dentre outras. Isto
facilita aos experimentos com a morada da mente...”, esclareceu em
parte, o lusitano Paulo Cabral, do alto dos seus cento e cinqüenta
centímetros de altura, fazendo Pedro ficar mais confuso ainda.

“Seja bem-vindo! Antes de qualquer ação... devemos confirmar o


paradeiro de Phyllis Se eu estiver certo, poderemos resgatá-la antes
mesmo da virada do ano ...e descobrir do que se trata todo este

35
mistério!”, falou entre pausas, Pedro, mas deixando Cabral ciente da
situação e também cônscio do perigo iminente.

Em outra parte da cidade, a agente da CIF, ainda um pouco grogue


por causa da dolorosa experiência por que passara, tentava re-arranjar
seus pensamentos, enquanto era obrigada a ouvir mais um discurso do
sinistro professor Nestor.

“Inicia-se definitivamente o nosso Programa de Controle Mental!


Devo advertir-lhe, cara Phyllis, que suas habilidades psíquicas, tais como,
visão remota, projeção astral, bilocação, telecinese, clarividência,
clariaudiência, telepatia e toda o seu poder mental que as gera, passarão
a ser de meu próprio domínio! A fase final do processo vai iniciar agora!”

“Qual é a conexão disso tudo com minhas percepções extra-


sensoriais? O que foi dragado de meu ouvido? E o que significam estes
potes com pequenos grãos?”

“Poderosa, mas ingênua! Após intensa pesquisa, verifiquei que você


possui a glândula pineal mais evoluída do que o normal. Mais evoluída do
que grande parte dos paranormais de nosso planeta. Esta é a sede da sua
alma! Ela produz a maravilhosa pinolina, substância idêntica ao princípio
ativo da ayahuasca, droga alucinógena utilizada pelos shamãs, índios
feiticeiros, que lhes abre os canais psíquicos para os estados alterados da
consciência e para obter o poder. A sua pineal, aliada à produção das
outras glândulas dos garotos que estão nestes potes, obterei o poder
mental máximo!”

“O senhor blefa, professor! Se a pineal é de fato a sede da alma, o


assento da mente, como poderá funcionar sem o seu portador?”, provocou
Phyllis.

“Engana-se, minha querida. Você será a árvore que dará os frutos de


que necessito!”

“Então é isso! Devo ser a árvore, ou melhor, é a minha pineal a


força-motriz da energia que o senhor pretende usurpar. As folhas então
seriam as demais glândulas extraídas dos garotos raptados!” Concluiu
Phyllis, enquanto o Professor Nestor tomava as últimas medidas antes da
“transfusão glandular” que pretendia fazer com sua cobaia-mor.

“Muito bem, cara sensitiva! O simbolismo de que fala, está


representado nesta parede. Os meninos conseguiram de fato gravar em
suas ora alteradas mentes, esta significativa figura!”, asseverou o
professor, apontando para um grande painel à sua frente, onde se
vislumbrava uma árvore, de cujo tronco, saíam folhas, tais como
pequenos e faiscantes olhos.

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“A sede de sua alma, minha prezada reprodutora psíquica, vai se
tornar a sede de minha força mental! Aliada às outras pineais, o estoque
de pinolina jamais me faltará! Terei o maior poder de todos os poderes:
uma super-mente! O mundo se curvará diante de meus prodígios e nada
será mais impossível de ser realizado! Esta máquina é o maior invento da
humanidade! O Programa de Controle Mental vai começar! É o advento da
Nova Era!”

“Mas, ainda não me respondeu, como minha glândula pineal, assim


como aquelas retiradas dos meninos, poderão produzir pinolina sem um
agente hospedeiro; sem a alma, propriamente dita!”

“Acabei de dizer! Esta máquina substitui as características do


organismo humano, ela não é alma, mas corpo! A partir de reações
similares, ela fará o papel metabólico que vai enganar a pineal induzindo-a
à sintetização da maravilhosa pinolina que ao fortalecer a minha pineal,
me dará o poder maior!”, vociferou o Professor Nestor, com a ênfase de
um lunático em estado de torpor. Subitamente, silenciou-se. Parecia estar
sendo avisado de algo que estava acontecendo. Sem perder tempo,
acomodou-se, ligou um aparelho e adormeceu...

Phyllis já começava a temer pelo seu futuro. Naquele exato


momento, as luzes se apagaram. O silêncio foi cortado por um silvo
longo, vindo da bizarra parafernália que parecia controlar o ambiente. De
repente, luzes multicoloridas cruzaram a escuridão. Apesar de ainda estar
consciente e de seu notório auto-controle, Phyllis começou a temer de fato
pelo seu futuro iminente.

“Não podemos mais perder tempo, ó Pedro! Vamos tentar agora,


obter dos gajos etéreos de Marduk algumas informações que poderão nos
nortear. Já sabemos pelo seu denômetro, o medidor das atividades
eletromagnéticas, que o campo de força em torno da estátua do Cristo
Redentor, é poderoso e fulmina o desavisado que tentar se aproximar do
local, desintegrando-o sem deixar rastros. Nem espírito chega ali perto!”,
avisou o calmo, mas sempre atento, lusitano Paulo Cabral.

Dito isto, preparou seus equipamentos: ligou o gravador e a TV;


depois sintonizou o rádio numa estação apropriada aos contatos
extradimensionais e deu início às tentativas de conexão com o Outro Lado.
Rapidamente, apareceu na tela da televisão, uma imagem trêmula, que
foi se tornando nítida. Atrás da silhueta, outras imagens, menos claras, se
misturavam, dando a impressão de que o comunicante se encontrava num
campo, cheio de árvores e muita flor. Em seguida, surgiu uma voz
metálica, bastante pausada, mas muito bem audível, apesar de
entrecortada por sons de estática.

“Local muito carregado...Difícil entrar...Só há uma maneira...”

37
O som se foi, mas a imagem ainda permanecia no monitor. Pedro e
Cabral ficaram desesperados, porque era visível que o espectro projetado
ainda dizia algo.

“Faça alguma coisa, Paulo! Não podemos perder a parte principal da


mensagem!

Demonstrando rara capacidade técnica e vasto conhecimento no


assunto, o português rodou os botões, tentando sintonizar melhor a
captação. Em vão. A silhueta desapareceu.

Uma interferência impediu a conclusão do contato.


Eis que surge uma outra silhueta na televisão! Era o Professor
Nestor!
“Suas tentativas não surtirão efeito!”, ameaçou o próprio Professor
Nestor, refletido no monitor e assustando ambos, o pesquisador
português, Paulo Cabral, e ao boquiaberto agente da CIF, Pedro Delbaron.

“Como isto pôde acontecer, Cabral? Quem é este cara e como


invadiu nossa transcomunicação? Será um espírito mau?”

“Pelas características da recepção, ou seja, clareza de áudio e vídeo,


trata-se de uma pessoa viva, mas em corpo astral. Já fiz semelhante
experiência e posso notar a diferença de um espírito encarnado para o
desencarnado. Tudo indica que é alguém ligado ao rapto de Phyllis e dos
meninos. Pelo semblante, é um Ser carregado de negatividade e de força
mental significativa... Veja os espectros ao seu lado! São seus
pensamentos-forma!”

“Não permito que invadam meu campo energético! Breve, todos


ficarão conhecendo o Professor Nestor! Nossa doadora-mor está prestes
a...”, caiu a transmissão e a tensão dos dois espectadores aumentou.
Definitivamente, era a hora para agir.

“Comunique-se com o Diretor Paulo Cunha e peça um pessoal de


apoio para irmos até ao local. Espero que seu denômetro nos direcione
corretamente!”, gritou Cabral, preparando-se para desligar todo o seu
instrumental de transcomunicação.

Através das luzes coloridas, geradas pelo fantástico maquinário, e


que ainda refletiam no teto, Phyllis notou que o Professor adormecera
repentinamente. Era a chance para tentar escapar. Ao tentar se
desvencilhar de alguns fios que estavam no caminho, esbarrou num dos
potes - que continha uma glândula pineal - que espatifou-se ao cair no
chão. Foi o sinal para acordar o professor. Apavorada, saiu correndo do
laboratório. Perseguida por alguns homens, rumou-se para o lado de fora.
Viu o portão para o lado externo. Não sabia, contudo, que o campo de
força estava acionado!...
III

38
“Ei, veja, Pedro, a imagem daquele outro Ser voltou! Bem na hora,
pois já ia desligar o monitor!”, exclamou com alegria o pesquisador Cabral.

“Denômetro inútil agora...Phyllis em perigo...Pedro, tente


telepatia...agora!!!”

Pedro compreendeu perfeitamente o teor da mensagem da entidade


comunicante. Deitou-se em seu divã e pôs-se a concentrar, tentando
transmitir à mente de Phyllis um aviso de suma importância.

“Phy, sou eu. Não continue! Pare! Campo magnético externo!”

A agente especial da Central de Inteligência Formiguense estacou-


se. A mensagem telepática de Pedro chegava-lhe com clareza plena. Mas,
agora estava sem alternativa.

O Professor Nestor uivava desesperadamente aos seus lacaios para


que não perdessem a fugitiva.

“Não a deixem escapar! Se conseguir sair, ela vai morrer e


perderemos a nossa mais importante cobaia! Não há tempo para desativar
o campo!”

Os carros da CIF partiram em disparada rumo ao Cristo Redentor. Os


pedestres paravam para ver. Batedores abriam os caminhos. Apesar da
estreiteza das ruas formiguenses, das subidas e descidas, em pouco
tempo todos chegaram ao seu destino.

Phyllis não sabia para que lado ir. O perigo estava dentro e fora do
cativeiro.

“O lugar está cercado por emissões fotonicas altamente destrutivas!


Não há como invadí-lo, senão seremos dizimados!”, Pedro deu o alerta ao
Diretor Cunha, que coordenava as ações da tropa de choque da CIF.

Não havia tempo para raciocinar, os homens do professor se


aproximavam. Phyllis resolveu arriscar a sair.

Do lado de fora, Pedro lamentava-se com seus companheiros.

“Infelizmente, não conseguiremos entrar no interior deste lugar, o


denômetro acusa alta intensidade magnética. Não temos escolha, senão
esperar pelo desfecho. Ei... é ela quem está saindo! Não, Phy, não saia,
você será desintegrada pelo campo de força!!!”

Para a surpresa geral, Phyllis, a agente especial da Central de


Inteligência Formiguense, CIF, conseguiu sair ilesa do cativeiro-laboratório
onde estava aprisionada. Pedro correu ao seu encontro, preocupado, mas
ao mesmo tempo eufórico pelo resultado. Antes de saber como sua

39
companheira estava passando, foi logo perguntando como conseguira
escapar, já que em volta do covil havia um denso campo de força que,
segundo as palavras de Cabral, “poderia até mesmo desintegrar um
espírito”, tamanha a sua potência energética.

“Mesmo sabendo do perigo que estava correndo, pois recebi por


telepatia, o aviso de Pedro, intuitivamente prossegui e depois, captei uma
outra mensagem psíquica dizendo-me como deveria me proceder. Então,
‘formei’ um desintegrador etérico para eliminar o campo magnético que
circundava este local. Na verdade, um pensamento-forma salvou-me a
vida. Como bem sabem, tal espécie de pensamento pode tanto salvar,
como destruir!”, respondeu a agente ao questionamento de seu colega.

“Foi o Ser de Marduk que comunicamos há pouco que lhe passou tal
mensagem, minha cara amiga!”, regozijou-se orgulhosamente, Cabral,
vendo o quão fora importante para a salvação da agente.

“A quarta dimensão nos reserva muitas surpresas... mas, não há


tempo para mais explicações, o Professor Nestor está lá dentro ainda e já
sabe que escapei. Como ele não tem outra alternativa, deve estar se
munindo das armas que ainda tem!”

Era o que acontecia no interior do laboratório, onde ainda se


encontrava o temível cientista, cujo objetivo era dominar as pessoas
através da força mental, ou seja, a partir da aquisição de pinolina, uma
substância produzida pela glândula pineal e responsável pelos dotes extra-
sensoriais do ser humano, variando sua intensidade de acordo com a
evolução psíquica de cada um.

“Apesar de ter perdido duas glândulas-reprodutoras, a de Phyllis e a


que estava no pote que se espatifou no chão, ainda tenho o produto de
onze pineais! Não há outra alternativa, senão sintetizar estas que ainda
possuo!”, gritou, ainda esperançoso, o professor, cujos comparsas ouviam
cabisbaixos, esperando pelo pior.

Então, ele acionou a grande máquina conectada aos potes onde


estavam as outras glândulas retiradas dos garotos raptados na cidade de
Formiga e adjacências. Fios e tubos interligavam tais potes e as
respectivas glândulas à um capacete, de onde saía um outro tubo que
penetrava diretamente no centro da cabeça do Professor Nestor. As luzes
se apagaram. Era o sinal para ativar a produção da almejada substância.

Do lado de fora, o Diretor Paulo Cunha, ordenava a invasão imediata


do laboratório. O pequeno exército de choque deu início à ação.

A feição do professor contraía-se, à medida que descargas do líquido


advindo das glândulas lhe “abasteciam” a própria pineal. As visões
também inundavam-lhe a mente. Imagens desconexas, cores diversas,
fagulhas, enfim parecia que sua caixa craniana iria literalmente explodir,
tamanha a quantidade de informações que perspassavam em suas

40
entranhas cerebrais. Sem mais, nem menos, surge em sua cabeça uma
forma humana. O aviso foi lacônico e contundente.

“A ingenuidade do homem continua estagnando sua evolução.


Repositórios mentais sem mente, não passam de meros receptáculos
inócuos..., buracos negros da alma!”

Foi nesse momento que o Professor Nestor observou o erro


elementar que cometera: a sede da alma é um lugar vazio se não há
alma... Ou simplesmente, a glândula pineal jamais poderia funcionar se o
seu hospedeiro, a mente, não estivesse presente! Era o fim da pesquisa?
O fim dos sonhos megalomaníacos de que o ser humano pode receber
além do que produz? Além de sua capacidade?!...

O professor Nestor atinou para a realidade cruel. Sua decepção foi


grande. Verificou, enfim, que os órgãos do corpo humano estão
invariavelmente interligados com o seu próprio lado psíquico. Ou seja, a
dualidade do ser é indivisível: a parte depende da contraparte e vice-
versa. Então, desligou as máquinas que pretensamente deveriam dar-
lhe a almejada super-força psíquica emanada das glândulas pineais que
foram extraídas dos garotos raptados e da potente glândula pineal de
Phyllis. Tudo isso seria conseguido a partir da síntese da substância
pinolina, o líquido responsável por todo o processo metabólico da pineal,
“a sede da alma”, o “assento da mente humana”. Em suma, ele sabia que
a pineal era o portal que permitia ao Eu psíquico se manifestar sobre o Eu
físico.

Tal qual um autômato e muito desiludido, levantou-se e caminhou


rumo ao lado de fora do laboratório, no subterrâneo da estátua do Cristo
Redentor. Mas antes, a tropa de choque da CIF invadiu o local,
capturando-o. Era o fim de um sonho impossível. A sua pretensão pelo
poder mental máximo fora um erro de estratégia. Utilizara seus
conhecimentos paracientíficos em vão...

Após ser algemado, o sinistro professor foi encaminhado para as


dependências da Central de Inteligência Formiguense. Antes de ser
transferido da cidade, o Diretor Paulo Cunha teve interesse em saber o por
quê de toda aquela inusitada “aventura psíquica”. Convocou a médica
Dra. Nicole; os pesquisadores e especialistas em paraendocrinologia,
Michel e Fernando; o pesquisador português, Paulo Cabral e, como não
podia deixar de ser, os agentes especiais Phyllis e Pedro Delbaron para
uma reunião extraordinária juntamente com o pivô de todos os
acontecimentos.

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EPÍLOGO

“Ao nos tornarmos adultos, inevitavelmente é necessário sacrificar


uma parte de nossas faculdades psíquicas e intuitivas a fim de podermos
adquirir um certo grau de razão. Por causa dessa inevitável tendência, a
pineal se calcifica e as habilidades psíquicas nos abandonam. Foi o que me
aconteceu. Já não podia demonstrar, na prática, minhas potencialidades
mentais. Quando vislumbrei a iminente decadência, tomei uma decisão
definitiva: escolhi minha melhor aluna da Faculdade de Paraciências de
Oconomowoc, e determinei que ela me doaria a sua pineal, a fim de suprir
tal deficiência. Através de uma série de testes, concluí que Phyllis
Delbaron era a indicada. Ao saber que ela trabalhava nesta energética
cidade de Formiga (não por acaso, pois o forte magnetismo deste lugar
certamente a auxilia quando de suas experiências psíquicas) aqui me
instalei e planejei com rara eficiência o plano para conseguir meu objetivo
final!”

“Como poderia ter certeza de que obtendo a substância pinolina,


adquiriria os mesmos poderes psíquicos dos hospedeiros?”, indagou o
especialista Dr. Michel, esboçando grande curiosidade, pois estava
adentrando num campo pouco investigado.

“Minhas descobertas corroboraram que a pineal realmente funciona


como uma passagem através da qual as influências psíquicas se
manifestam no corpo. E como poderia eu produzir componente químico
em abundância? Na infância-puberdade, a pineal ainda está ativa, sendo
esta a causa da sensibilidade das crianças. Capturei, então, várias cobaias
para desenvolver meu projeto. A cobaia-mor, seria Phyllis, cuja pineal
superdesenvolvida me forneceria a quantidade pinolítica necessária para
meus objetivos centrais. As outras pequenas glândulas, funcionariam
como repositório imediato da glândula maior...e veio o aviso fatídico... Eu
estava errado!”

“Diga-nos: o que acontecerá agora com os garotos, que já não têm


mais a pineal? Continuarão abobalhados?”, indagou a Dra. Nicole, ainda
um pouco perdida.

“Não se preocupe, prezada médica formiguense. O maravilhoso


processo metabólico do corpo humano deve suprir-lhes a falta, uma vez
que o encapsulamento não começou ainda. Em pouco tempo terão seu
compartimento mental de volta, voltando à lucidez.”

“Por que as luzes do ambiente sempre estavam apagadas quando o


senhor tentou me extrair a pineal, ou o líquido que produz?”, perguntou a
agente Phyllis, ainda assustada com as revelações bombásticas do
professor Nestor.

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“As atividades da pineal, direta ou indiretamente, reagem à luz do
ambiente. É, pois, uma glândula que liga o ambiente com todo o sistema
endócrino através dos olhos e outros órgãos de percepção. Assim, suas
atividades estão ligadas à luz, ocorrendo com maior intensidade quando
se está dormindo, de olhos fechados e quando o cérebro está em estado
letárgico. Dois terços das experiências psíquicas ocorrem nesse
período...”, Pedro interrompe:
“Afinal como pretendia transferir as potencialidades mentais de
Phyllis e dos outros garotos? Somente a pinolina seria suficiente?

“Este foi o meu maior erro. Como já disse, fui advertido por uma
entidade e pela própria Phyllis dessa impossibilidade, pois o processo de
transferência mental ainda não foi descoberto exatamente. Há teorias,
contudo, que prevêem tal eventualidade, mas nada foi comprovado, ou
ainda não foi conseguido pelos outros cientistas. No futuro, poderemos,
sim, transportarmos nossas mentes para outros cérebros, tal como ocorre
num computador, que transfere seus arquivos para outro computador.
Poderíamos ‘assentar’ temporariamente nossas mentes em outras pineais
e vivenciarmos a vida em outro corpo! Meu invento foi o inverso: queria
obter somente a substância da pineal, que na verdade não reage sem a
mente! Estou arrependido!!!”

“Muito bem, senhores. Para finalizar esta reunião de


esclarecimentos, desejamos que a agente Phyllis, nos dê mais detalhes de
como conseguiu evadir-se do laboratório sem ter sido afetada pelo campo
magnético que circundava aquele local...isto foge da realidade científica!”

“Conforme falei anteriormente, logo após receber o chamamento


telepático de Pedro, advertindo-me do perigo que me esperava do lado de
fora, não tive outra alternativa, senão concentrar-me com todas as minhas
forças e criar um pensamento-forma. Imaginei um desintegrador etérico
para destruir as emanações enérgicas ali presentes. Como conheço esta
técnica, pude lograr êxito no meu intento. À título de ilustração, o
pensamento-forma nada mais é do que uma forma etérea gerada pela
energia dos pensamentos, emoções e sentimentos das pessoas. Uma vez
criada, tal modelagem passa a existir como verdadeira entidade
energética ‘inteligente’, viva e que age de acordo com o seu ‘dono’, sendo
de características positivas ou negativas, dependendo do estado de
espírito do emissor. Enfim, o pensamento-forma age e interage no campo
de energia das pessoas e do ambiente. Foi assim que concebi tal
desintegrador etérico. Tenho a vantagem de saber como controlar meus
pensamentos e, portanto, formá-los de acordo com a minha vontade. Isto
nem sempre acontece com a maioria dos indivíduos. Eis o perigo, pois
cada ser humano é responsável por tudo aquilo que pensa...”

O silêncio impregnou-se na sala de reuniões da CIF. Cada um dos


presentes fez a si próprio um valor de juízo sobre tudo que lhes fora
revelado. Não houve murmúrios, tampouco comentários.

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Deste “causo” formiguense, lições foram assimiladas: Phyllis
compreendeu novamente o quão importante é a evolução mental e suas
habilidades decorrentes; Pedro também pôde, uma vez mais, contar com
seu aparato tecno-eletrônico para o auxílio físico e não-físico; Cabral e
Fiorella tiveram o importante auxílio de seus amigos do Outro Lado que
lhes mostraram o caminho para as soluções dentro do permitido pelas Leis
Cósmicas e, finalmente, o Professor Nestor verificou que havia extrapolado
e, portanto, ultrapassado os limites de seu livre-arbítrio, pois infrigiu uma
regra elementar, porém sagrada: “Ninguém pode dar o passo além do
alcance de sua perna...”.

O conhecimento deve ser utilizado só e somente só para o lado


positivo, isto é, jamais poderá alterar ou usurpar as leis que regem o
compasso evolutivo do planeta, que segue um curso flexível, porém
inalterável. Caso contrário, há de prevalescer a implacável terceira lei de
Newton: “Para toda ação, uma reação”.

FIM DO 2º EPISÓDIO

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3 - SALTO QUÂNTICO

A agente especial da CIF (Central de Inteligência Formiguense),


Phyllis Delbaron juntamente com seu colega de trabalho, o agente Pedro,
foram convidados para uma palestra do português Cabral, renomado
pesquisador e inventor.

Naquele dia, no final do mês de maio, a inteligência estava reunida


nas antigas dependências do velho Cine Glória, onde acontecia uma
importante palestra. Presente no local, estava também toda a cúpula da
CIF, representada pelo seu chefe, o Diretor Paulo Cunha. A palestra seria
para a apresentação dos novos instrumentais para transcomunicação
concebidos pelo lusitano. Ele ficara famoso após a captura do temível
gênio do mal, Professor Nestor, quando seus aparelhos auxiliaram a CIF
nessa ação. Por isso, todos se curvavam à importância de tais
equipamentos, fato que há poucos anos era impensado, tamanho o
ceticismo geral quanto à sua confiabilidade e eficácia.

Dessa vez, porém, a inteligência formiguense tinha pleno interesse


em adquirir tais aparelhos de comunicação interdimensional, já que
acontecera o tão almejado reconhecimento oficial, graças, sobretudo, à
interveniência das entidades de outras dimensões, cuja ajuda foi decisiva
para a prisão do cientista malfeitor.

Formiga, portanto, seria a pioneira na implantação da inusitada


parafernália. Até o FBI, a CIA, o Mossad e outras agências, também se
mostravam interessados, tendo em vista os resultados. Essas agências já
empregavam agentes paranormais, através da visão remota para
desvendar delitos misteriosos, mas o uso da tecnologia era ainda
novidade, apesar de toda a divulgação mundial sobre o assunto.
Ninguém, contudo, ousara tanto como a CIF. E os frutos dessa coragem
eram bem conhecidos no âmbito da investigação paranormal.

“Prezados formiguenses patrícios, senhoras e senhores de todos os


cantos do mundo que aqui comparecem: orgulho-me de apresentar-lhes
telefones fixos e móveis, computadores, faxes, gravadores, monitores de

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TV e secretárias eletrônicas, totalmente remodelados, prontos para a
transcomunicação, fato que mudará definitivamente o rumo da
investigação criminal, seja ela de ordem física ou extrafísica...”, disse com
ênfase e orgulho, o português Cabral, mostrando a todos os presentes os
aparelhos que, de fato, iriam nortear a inteligência de maneira jamais
concebida antes. Era dado o passo inicial para o fim do crime psíquico!

Enquanto assistia atentamente à exposição, Phyllis sentiu vontade


de ir ao banheiro para retocar a sua maquiagem. Chegando ao “toillete”,
abriu a bolsa e retirou desta os apetrechos necessários ao objetivo.

Fixou seu olhar no espelho e, ao fitar o próprio rosto, observou


espantada que este, além de mudar repentinamente de coloração,
começou a ficar distorcido. As peculiares vertigens voltavam, dessa vez,
com intensidade incomum. Aos poucos, o ambiente refletido no espelho,
começou a mudar. A imagem se curvava tal como os espelhos de um
parque de diversões. Um ruído parecido com som de estática, só que com
alto volume tomou conta do recinto. O espelho parecia estar sugando o
seu corpo. Sem entender, segurou na torneira, forçando o corpo para trás.
Tudo à sua volta estava como se estivesse dentro de um líquido
gelatinoso. De súbito, sua vista escureceu. Um silêncio incomodante
tomou-lhe o cérebro. Sem barulho interno ou externo.

Em segundos, a visão voltara ao normal e Phyllis pôde largar a


torneira que agarrara com todas as suas forças, tentando se desvencilhar
do bizarro torvelinho que lhe surgira repentina e inexplicavelmente.

Com a peculiar calma de volta, mas sem entender muito bem o que
acabara de acontecer, ela concluiu seu pequeno trabalho facial, recolocou
a maquiagem na bolsa e retornou para o auditório.

Quando pôs seu rosto para fora da porta, tomou um susto incomum.
O que estava acontecendo? Estava em outro lugar?! O que se via eram
plantas e mais plantas de variadas espécies! Podia ver o céu pelo teto
transparente! Que lugar era este?

Phyllis, então tateou a parede para se certificar que aquilo não era
um sonho, tampouco uma viagem extracorpórea, como estava
acostumada a fazer de quando em quando. Verificou, finalmente, que a
cena era de fato a mais concreta realidade. Contudo, experiência
semelhante jamais tivera antes. Já, sim, tivera sensações de transporte
como esta, mas sempre fora de seu corpo físico, nunca com ele!

“Tudo indica que saltei fora do meu espaço-tempo. Mas, desta vez
vejo que não estou projetada só mentalmente! Meu corpo está comigo e
posso sentí-lo. Conheço muito bem este sentimento, pois o peso corporal é
óbvio! Puxa, agora estou ultrapassando os limites da ponderabilidade! De
repente, estou num lugar igual em formas, mas diferente em conteúdo!
Sei que estou no antigo Cine Glória, vejo pela construção... mas tudo aqui
dentro é diferente do que era há pouco!”, balbuciava consigo mesma,

46
enquanto apalpava em tudo que via e sentia. O local era uma grande
estufa. Plantas de variadas espécies davam o tom. O aroma de clorofila
estava forte. O teto era de vidro e o sol reluzia num céu muito azul. Phyllis,
então, caminhou até a porta que dava para a rua e teve outro susto: lá
estava a velha rua Barão de Piumhi! Todavia, com uma diferença! Carros
ultra-modernos cruzavam a agora larga avenida.

No céu, pequenas naves também faziam o mesmo. Os pedestres


trajavam-se normalmente, mas seus semblantes eram por certo diferentes
daqueles do século 20. Dava a impressão de que eram mais bem nutridos.
Uma energia incomparável irradiava de seus rostos, diferentes dos rostos
tensos da cidade de sua época de origem!

“Não entendo mais nada! Sei que estou em Formiga, mas nada é
igual. Os carros são de modelos que não conheço, alguns prédios são de
estilo futurista. Será que me transportei para o futuro?”

Eis que Phyllis sentiu um leve toque em seu ombro direito. Virou-se e
viu que era um senhor de idade, que emitia uma serenidade contagiante .
Antes que pudesse dizer qualquer coisa ou expor suas dúvidas, o senhor
lhe disse calma e mansamente.

“O transporte foi um sucesso. Nossos esforços surtiram efeito.


Esperamos muito pelo momento de você comparecer ao antigo cinema
para o aporte temporal. As energias das plantas ali presentes, nos
permitiu completar o processo. Bem, antes de você começar com os
questionamentos, acompanhe-me...”

Enquanto isso, na outra faixa de tempo, ainda na palestra do


transcomunicador Cabral, Pedro já estava ficando impaciente com a
demora da companheira que saíra apenas para retocar sua maquiagem.
“Engraçado, já era tempo da Phyllis estar de volta. Vou até ao banheiro
para ver o que está acontecendo. Estou ficando preocupado...”.

Em vão. Após vasculhar em todo o antigo teatro, sentou-se perto do


Diretor Paulo Cunha e sussurrou-lhe: “Diretor, parece que temos um caso
pela frente...Phyllis acaba de desaparecer...”

“O que diz? Ainda há pouco, ela estava ao seu lado! Com certeza,
deve ter saído do cinema. Você deve ter se enganado!”, vociferou Paulo,
quase perdendo a sua peculiar calma.

“Negativo. Ela simplesmente volatizou-se. Já procurei por todos os


cantos deste lugar. Perguntei aos seguranças se viram alguém saindo e
nada. Receio que a agente Phyllis virou pó! Temos que manter segredo
disso, senão a pressão vai ser forte!”

Antes mesmo do final da exposição do pesquisador-inventor Cabral,


com sua parafernália de transcomunicação, Paulo Cunha acionou outros
agentes e foi para a sede da CIF, acompanhado pelo agente Pedro. O

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segredo que queriam da situação foi em vão, pois o repórter Marciel, do
semanário Nova Imprensa ouvira tudo...

No dia seguinte, o jornal estampava em letras garrafais, o furo


do ano:
“Agente especial da CIF desaparece misteriosamente! Não há pistas!
Cabeças devem rolar se o caso não for solucionado logo!!!”

Na Central de Inteligência Formiguense, uma reunião urgente


aconteceu no interior do gabinete do Diretor Paulo Cunha.

“Mas, o que querem dizer com isso? Quem descobriu tudo? Agora,
teremos que dar explicações à sociedade formiguense, pois a agente é
muito bem conceituada na cidade! E se não progredirmos neste caso, as
agências de inteligência do País e do mundo vão nos cobrar! Se este caso
continuar na estaca zero como está, nossas cabeças podem rolar mesmo,
como vaticinou o jornal Nova Imprensa!” , gritou Paulo para todos os
agentes presentes em seu gabinete, desta vez, sem a habitual
complacência.

“Chefe, a busca está intensa, porém não há nenhum indício de que


Phyllis tenha sido seqüestrada ou até mesmo assassinada. Não há pistas.
Jamais vimos algo semelhante. Só nos resta uma última alternativa:
vamos pedir ao transcomunicador Paulo Cabral que nos ajude novamente.
Temos que apelar para o inusitado...”, sugeriu o agente Pedro, cuja feição
denotava grande preocupação com o destino de sua companheira.

“Você tem meu aval! Faça tudo para descobrirmos o paradeiro da


nossa agente!”, concordou o Diretor, também bastante preocupado com a
iminente e irreparável perda.

Ainda assustada pela mudança repentina de ambiente, apesar de


estar no mesmo lugar, mas em época diferente, Phyllis acompanhava
aquele sereno senhor, que caminhava com certa dificuldade pelas ruas
amplas e movimentadas da cidade de Formiga, agora pertencente a um
outro tempo que ela ainda não descobrira qual era.

Chegaram à uma rua íngreme e avistaram um prédio que destoava


dos demais à sua volta, do estilo habitual que ela estava acostumada a
ver.

“Mas, o que vejo aqui: é o Fórum da cidade! Ainda intacto, tal como
o conheço!. A rua Silviano Brandão, sim, está toda modificada, cercada por
habitações ultra-modernas!”, disse em voz alta, para que o homem que a
acompanhava ouvisse. Porém, ele só deu um sorriso e nada disse. Então,
eles entraram no velho prédio.

As dependências internas do Fórum estavam modificadas. Um novo


arranjo físico as compunham com a leveza que deixava entender ser um
local de debates.

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“Aqui funciona diariamente a Sessão da Plena Justiça, minha amiga
de outras eras. Felizmente, fui bafejado pelo sopro divino e posso espargir
um pouco de meu aprendizado com debates altamente profícuos.
Chamam-me Justiceiro Advíncula e devo revelar-lhe que você, conforme
já pôde notar, se encontra no século 22! Na verdade, está aqui por um
motivo bastante válido!”, disse-lhe o velho senhor, apontando para uma
cadeira, onde Phyllis se acomodou, preparando-se para ouvir mais
novidades.

“Não sei o que dizer disso tudo. Sinto meu corpo de fato e estou
certo de que não sonho, tampouco viajo em corpo astral. Vejo realmente
que me encontro na cidade de Formiga, mas em outro tempo, em outra
época, diferente da minha. Pergunto-lhe o por quê desta minha
transferência. Por que eu especificamente? Não haveria outros neste
tempo aptos a desempenhar a missão que querem de incumbir?”
“Calma, estimada agente... vamos por partes. Para não perturbar-lhe
ainda mais, devo-lhe explicações mais objetivas. Primeiramente, falarei
como e por quê foi feito o seu transporte no tempo. Como você já deve
saber, o tempo é mutante, isto é, os universos paralelos dos quais
fazemos parte, são perfeitamente transitórios. Você já aprendeu que os
Registros Akáshicos, aqueles que registram nossas ações presentes e
futuras aqui neste mundo, são passíveis de mudanças por causa do livre
arbítrio. É claro que nem tudo pode ser modificado, pois devem seguir
certas leis cósmicas, que são permanentes. Todavia, aquilo que pode ser
mudado, pode também gerar importante desequilíbrio, resultando numa
catástrofe de grandes proporções. Já que nos é facultado mudar,
resolvemos que você, que veio do passado, é a mais apropriada para esta
missão!”

O Diretor da CIF, Paulo Cunha não resistiu e resolveu acompanhar o


agente Pedro até o laboratório de Cabral, agora radicado na cidade de
Formiga, desde os eventos acontecidos quando da captura do Professor
Nestor, aquele que queria os poderes de glândulas pineais retiradas de
garotos (ver “Os Arquivos F:A Sede da Alma”).

49
II

“Que bela surpresa receber os amigos da inteligência formiguense!


Acaso gostastes da exposição de meus aparelhos remodelados e
reconfigurados? Pena que aconteceu o triste incidente do
desaparecimento misterioso da agente Phyllis! De facto, é um estranho
ocorrido...mas... que bons ventos cá os trazem! Em que posso ser-vos,
úteis, ó gajos?”

“Receio que precisamos novamente de sua ajuda, ou melhor, de


seus amigos que habitam outras dimensões...”, falou Pedro, um pouco
sem jeito pelo teor do pedido.

“Não vos preocupes, não há constrangimento com tal solicitação.


Lembras que já estamos no limiar do milênio e os tempos são outros!
Portanto, a polícia tem, e deve, contar com o auxílio de outras orbes! Caso
não seja assim, todos iremos perder o controle, pois a criminalidade já
atingiu uma evolução tal, que nem Júlio Verne poderia imaginar em seus
contos mais fantásticos! Estou, pois, ao vosso inteiro dispor.”

Ambos se acomodaram no bagunçado laboratório de Cabral. Rádios,


monitores, amplificadores, gravadores, câmeras, enfim, equipamentos
audiovisuais de toda espécie misturavam-se com as mesas e poucas
cadeiras do ambiente que cheirava a mofo, não só porque a janela sempre
ficava fechada, mas por causa da tradicional umidade formiguense.

“Muito bem, caro Cabral. Precisamos que você entre logo em contato
com seus amigos de Marduk, ou outras estações interdimensionais, para
sabermos do paradeiro de Phyllis. Já procuramos em todos os lugares
possíveis e não houve resultado. E veja que após o caso Nestor (ver “Os
Arquivos F: A Sede da Alma”), nenhuma agulha some nesta cidade, sem
que possamos achá-la logo, porque, além de cada lugar ser por nós
minuciosamente monitorado, já vasculhamos cada metro quadrado daqui!

50
Fora de nossa jurisdição, também não há vestígios de Phyllis. Só podemos
concluir, finalmente, que ela simplesmente sumiu. Conquanto, não
imaginamos como, tampouco para onde ela poderia ter ido! Além do
mais, a população da cidade e da redondeza está sabendo de tudo,
porque a notícia vazou. A pressão da mídia e das autoridades é grande.

A própria agência ficou em situação delicada. Corremos o risco de


ter o nosso orçamento reduzido por causa desse incidente, pois sem a
nossa mais poderosa e insubstituível agente, nada vai para a frente! No
mais, esta é a sua incumbência: tentar achá-la!”, falou desesperado, o
Diretor Cunha, que jamais vivenciara situação semelhante, exceto quando
a agente também ficou desaparecida nos dois últimos casos, mas jamais
desta forma.

“Acomode-se, prezada Phyllis, agente mais importante que esta


cidade já teve. Lembre-se que seu nome está nos livros da história da
cidade!”

“Oh, sim! Uma vez que me encontro no futuro, por certo já faço
parte da história, não?”, gracejou Phyllis, agora um pouco menos tensa,
pois estava se habituando com a nova situação. Ela queria era mais
explicações, a fim de poder se direcionar melhor nessa nova e inusitada
situação. “No linguajar dos cientistas que lidam com o assunto, ‘salto
quântico’ é a mudança de um padrão vibratório. No seu caso, você foi
teletransportada com a sua integridade molecular preservada. Em corpo e
alma, vulgarmente falando. Já temos máquinas que fazem isto neste
presente século 22, mas jamais o fizemos de um tempo para outro. Em
viagens astrais, por exemplo, somente o seu corpo astral é projetado...”

“Por que isto aconteceu logo no antigo Cine Glória e, não, em outro
local?”

“Porque existe ali o chamado ‘wormhole’, que é uma fenda


temporal. Há em Formiga portais dimensionais, que conectam com outras
dimensões, mas tais aberturas de tempo são mais raras. Hoje, o ex-Cine
Glória é uma estufa. Ali as plantas ajudam a equilibrar as energias
subatômicas. No mais, você está aqui porque deve salvar nossa cidade!”

Phyllis apoiou seu braço no queixo e procurou fixar seus olhos nos
olhos do Justiceiro Advíncula que, como de hábito, serenamente lhe
explicava o motivo de estar ali e como se processou a “viagem no tempo”.

Tudo reluzia naquele que atualmente era o local de debates. Havia


espelhos em cada canto. Flores de variadas espécies imantavam o
ambiente rodeado de vibrações revigorantes. Tudo isso, aliado a um
agradável incenso de rosa musgosa, que queimava logo à sua frente.
Phyllis sentia que a voz de Advíncula tinha uma entonação magnética,
quase hipnotizante.

51
Era como uma vibrante música das esferas! Mesmo enlevada pela
atmosfera reinante, ela perquiriu-o: “Fui literalmente catapultada de meu
tempo e à minha revelia. Só gostaria de saber se esta missão não poderia
ser cumprida por outra pessoa, com percepções iguais ou mais adiantadas
do que as que tenho: o senhor, por exemplo... Enfim, por quê eu? Pode me
explicar melhor o que se passa e a razão deste pulo temporal?”

“Querida amiga do século 20...”, asseverou o Justiceiro, apoiando-se


em sua confortável e anatômica cadeira, “é justo que esteja inquieta. O
passado e o presente subsistem simultaneamente separados, tão-somente
por estados vibratórios distintos. Assim, é possível ocorrer o
deslocamento físico de um tempo para o outro mediante pulsos de
energia. Após termos consciência do risco que nossa cidade está correndo
e, por conseguinte, seu povo, conseguimos reprogramar nossa máquina
de teletransporte e realizar a sua passagem sem danos físicos e mentais
para a sua pessoa. Em verdade, há indivíduos tão ou mais evoluídos do
que você. Isto é certo, mas você é a única a possuir um mapeamento
genético tal que faz com seu corpo esteja imune à mudanças de situação
sem alterações moleculares importantes.”

“Contudo, o senhor ainda não me passou a missão que deverei


cumprir para salvar nossa cidade, conforme disse há pouco. Afinal, que
grande perigo é este que o seu tempo ficou tão preocupado? Qual é a
conexão com a minha época?”

“Bem, antes de passar-lhe as coordenadas, sinto que todos estes


acontecimentos deixaram-na faminta, visto o desgaste intenso por que
passou. Venha, vamos ao restaurante...”

“Pronto... agora só nos resta selecionar as cobaias que irão nos doar
a matéria-prima necessária ao desenvolvimento do projeto. O ataque será
acompanhado do tempo presente, refletindo-se no futuro. Precisamos usar
as emanações, armazenando-as e controlando-as desta rede! Temos
memória de sobra para o intento?”

“Tudo está programado, Magnus! Os gases emanados do lixo tóxico


que grassa nesta cidade, irão fortalecer nossos agentes! Há espaço virtual
suficiente! O buraco será aberto!!!”, concordou Maurício, um “hacker”
preparado para o ataque.

Uma chuva forte caia sobre a cidade de Formiga. Os pingos batiam


com força na telha de amianto do laboratório do transcomunicador
lusitano, Cabral, que após ouvir aos clamores do Diretor Cunha, e do
agente Pedro, tranqüilizou-os com sua habitual humildade.

“Ora pois. Haveremos de lograr êxito nos nossos objetivos. Logo


iniciarei os transcontactos com o ‘Outro Lado’. Como dizem os iluminados
espíritos que acaso o telefone de lá tocar para nós, o seremos atendidos.
Temos que adotar de novo esta preciosa estratégia que cá temos. Acalmai-
vos, pois nossos amigos vão a nós outros ajudar a localizar Phyllis. Estou

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certo de que ela não passou pela transição corporal definitiva. Sinto suas
vibrações fortes. Vós bem sabes, que tenho muita afinidade com ela, por
isso tal intuição é verdadeira! Podem se acomodar, porque vamos
começar agora a nossa caça!”

Nesse mesmo instante, mas em outro espaço-tempo, o Justiceiro


Advíncula conduziu Phyllis para uma espécie de restaurante. Apontando
para uma pequena máquina, explicou-lhe que se tratava do
hipnosensabor!

“O hipnosensabor é uma máquina que trouxe a solução satisfatória


ao problema da alimentação artificial. Veja só. Ingerindo estas duas
cápsulas, verde e amarela, sob a ação deste aparelho, a pessoa
experimenta a desejada sensação de variados sabores, à sua escolha. Na
verdade, o processo empregado é o do hipnotismo mecânico. Certas
regiões do cérebro, responsáveis pelo sabor, são induzidas de acordo com
a vontade da pessoa e, através da máquina, plasma o pensamento
relacionado ao alimento desejado. Assim, além de ficar satisfeita, as
proteínas do alimento desejado, suprirão também suas necessidades
orgânicas. É o pensamento agindo sobre a matéria! E, falando em
pensamento: esta será a missão! Corpúsculos mentais criados
virtualmente na sua época, agirão na cadeia do tempo e,
conseqüentemente, neste século 22...que não será mais tão maravilhoso
como o é agora!”

Após ingerir as cápsulas, Phyllis nem pôde degustar direito o


alimento imaginado, pois teve sombrios pressentimentos quanto ao que
acabara de ouvir. Na verdade, ela conhecia muito bem o fator
“pensamento-forma”. Sabia o que representava uma moldura mental
criada pelo homem, seja voluntária ou involuntariamente, de teor positivo
ou negativo.

“Já tive sérias experiências lidando com pensamentos-forma criados


por pessoas mal intencionadas. Que o diga o Professor Nestor (ver “Os
Arquivos F:A Sede da Alma”), mestre em criar tais artifícios etéricos.
Felizmente, consegui vencê-los com as formas por mim criadas durante
aquele caso. Mas, por quê o senhor disse que o século 22 também está
ameaçado? Não entendi o teor de sua observação...”, indagou a agente,
ainda desconsertada pelos sinistros acontecimentos que se avizinhavam.

“Como você bem sabe, a matéria é pura energia condensada. Na


verdade, a matéria, em sua constituição básica, é simplesmente uma
ilusão, ou ‘maya’, como dizem os milenares budistas. A sua aparente
substancialidade, decorre do movimento relativo que cria as formas.
Diversos estados da matéria, desde o sólido até a matéria espiritual, são
formas diferenciadas de energia em níveis vibratórios cada vez mais
elevados.”

“De fato. Esta mesma mente, através do pensamento impulsionado


pela vontade, é a grande modeladora das formas e das ações! Todos

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devemos controlá-la, pois, como disse, os plasmas energéticos são
capazes de efeitos inimagináveis...”

“Sim. Em assim sendo, o pensamento irradia-se em todas as


direções, a partir da mente, por meio desses módulos energéticos. Este é
o grande problema. Formiga está prestes a virar um caldeirão tóxico em
ebulição. O problema é que o lixo tóxico que ora está ameaçando a cidade
nesse final do século 20, poderá ser manipulado e os resultados serão
previsivelmente funestos para o povo de sua e de nossa era e, por tabela,
para o planeta. Você, somente você, poderá nos ajudar contra esta praga
iminente que agora está não somente na forma material, mas na mental,
que é muito pior!”, advertiu emocionado Justiceiro Advíncula, fato raro do
alto de seus tantos anos de vida física, sempre voltada aos sábios
conselhos e a disseminar o bem, mas que agora corria risco de ser parte
de um tempo que nunca existiu! Uma outra era de sombras poderia ter
início a qualquer momento...

O português Cabral deu atribuiu tarefas específicas para os dois que


estavam em seu laboratório tentando saber do paradeiro da agente
especial Phyllis. Ao Diretor da CIF, Paulo Cunha, coube ficar monitorando
a captação de imagens e para o agente Pedro, ficou o controle de energias
ambientais presentes, ou seja, do resguardo do local contra formas
invisíveis. Os trabalhos tiveram início visando o contato com os seres da
Estação do planeta Marduk, situado numa dimensão paralela à Terra.
Graças aos novos inventos de Cabral, a estação estava previamente
sintonizada, facilitando o contato, filtrados e sem interferências. Frases
inteiras e conexas já podiam ser detectadas com a nova aparelhagem.

“Estamos felizes por mais este contato, irmãos do plano terrestre!


Podemos assegurar-lhes que o problema que ora se nos impõe é de
conotação sobremaneira preocupante... Imagens criadas no hoje,
afetarão o amanhã...”

Apesar da chuva intermitente do lado de fora, fez-se um silêncio


mórbido no laboratório do transcomunicador Cabral. Os três se
entreolharam, pois não estavam entendendo a mensagem intrínseca
daquela sinistra metáfora emitida pelo ser comunicante da estação de
Marduk.

“Querido irmão Márcio. Como pode sentir pelas vibrações do


ambiente, o momento não permite muito entusiasmo. A agente da CIF,
Phyllis, muito conhecida por vós, está desaparecida. Já comentei que sinto
que ela não cessou suas funções orgânicas e, por isso, imploro por vossa
ajuda. Sabemos, também, que temos condições de ajudá-la, mas ainda
estamos perdidos num túnel sem luzes. Podeis nos indicar algum caminho
para iniciarmos a busca neste plano físico?! Explicai-nos, enfim, o
significado de vossa advertência!”

“Desafortunadamente, não captamos nenhum sinal da agente, pois


interferências magnéticas poderosas não permitem fazê-lo. Isto não

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impede, porém, de vasculharmos até onde podemos alcançar. Estaremos
sintonizados para quando...”

Sem motivo aparente, a conexão caiu. Cabral tentou refazer o


contato, mas em vão. De repente, ectoplasmas invadiram o laboratório. Os
três desabaram ao chão. Inertes. A respiração cessara. Estariam mortos?

III

“Conseguimos! Nossas formas ideoplásticas virtuais cumpriram a


programação e invadiram o laboratório daquele português! Agora, com ele
sob controle, poderemos agir. Interrompemos, em momento certo, o
contato com Marduk e, por certo, iríamos ter problemas com as forças
daquela estação. A memória do computador já está bem carregada com
as formas que colhemos de nossas cobaias. Deveremos liberá-las, tão logo
as fortalecermos com as impregnações tóxicas advindas daquele lixão
tóxico daqui de Formiga!”, deu um grito de vitória o “hacker” Maurício,
falando ao seu comparsa Magnus, que ajudava nas formatações mentais.

“Puxa, o esforço é demasiadamente intenso. Mas, ele nos


compensará com o controle da cidade e posteriormente da região e...”

“...e assim sucessivamente, hahaha!”, completou, com uma sonora


gargalhada, o estranho pirata cibernético, Maurício.

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“Com esta arma infalível, poderemos, sim, dominar a tudo e a todos.
Os pensamentos-forma que criamos e que seguem aos nossos comandos
se encarregarão de ‘deletar’ para sempre a mente de cada um desta
cidade! Além disso, a camada de ozônio se romperá e o buraco será a
passagem para outras formas de outras dimensões. Dominaremos tudo!!!
A varredura vai começar aqui, por ser um ambiente bastante poluído, e
cuja atmosfera favorece às nossas ações!”

“Sim, será uma autêntica lavagem cerebral coletiva! O mais


importante é que tais formas por nós controladas, não serão captadas com
facilidade, pois agirão na dimensão do pensamento, imunes às artimanhas
bélicas!”

“E depois de obtermos o controle, não haverá mais barreiras para


nós. Bem, meu amigo, aí o universo nos aguardará! Vamos começar logo
com o processo de ‘higienização’ desta cidade!”, finalizou Magnus, dando
seu habitual sorriso sarcástico.

Phyllis aguardava as instruções para começar a agir logo. Seria


novamente teletransportada de volta ao tempo de origem, contudo, num
hiperespaço diferente...

Antes, disse ao sábio mentor: “Ao me aportar de volta ao século 20,


terei que adotar um método que me permite não ser captada por nenhum
médium, nenhum espírito, nenhum elemental ou outra forma que habita a
quarta dimensão. Do contrário, não poderei sobrepujar as larvas mentais
que ora estão à solta! Utilizarei a infalível ‘técnica da inivisibilidade’!”

Dito isto, a agente especial entrou na máquina de teletransporte


para ser “repatriada” à sua época, quando, dessa vez, agiria – conforme
por ela mesmo enfatizado, num plano “entre-dimensões”, ou seja, no
autêntico limbo...

Muito apreensivo, o Justiceiro Advíncula preveniu Phyllis, antes de


efetivar seu teletransporte sobre a situação corrente no outro espaço-
tempo, ou seja, no século 20.

“Receio, minha prezada missionária dimensional, mas acabo de


saber que seus companheiros da CIF, mais o transcomunicador Cabral,
não estão bem! Nossas máquinas de detecção áurica não estão captando
seus sinais vitais. Parece que as formas-pensamento já estão agindo.
Inicialmente, pelo que pudemos verificar, elas se movimentarão,
sintonizando com outras formas já liberadas e de igual teor vibratório. Se
não há convergência, as desintegrarão com o poder aniquilador de sua
carga negativa. Serão, depois, fortalecidas pelos gases emanados do lixo
industrial que, por sua vez, contribuirá para que a camada de ozônio seja
rompida definitivamente! Será o começo do fim... Agirão em cadeia,
atingindo, conseqüentemente, este nosso século 22! A cidade mais
desenvolvida da Região do Centro-Oeste pertencerá a um tempo que não
existiu! Phyllis: você foi escalada para nos salvar! Como disse, além de

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sua genética propícia, você é a única que domina a técnica da
invisibilidade. Poderá agir diretamente do limbo, sem ser notada! Vá e
salve-nos a todos!”

A agente então, num átimo, desintegrou-se, sendo teletransportada


de volta ao final do século 20, numa faixa entre-dimensões. Estava
munida do hipnosensabor, que lhe supriria as necessidades orgânicas,
uma vez que iria agir somente no campo não-físico.

No laboratório, Pedro entreabriu um os olhos. Antes de levantar,


certificou-se de que o ambiente estava normalizado, sem a presença
daqueles espectros energéticos. Observou que uma vez mais, um de seus
inventos funcionara!

“Felizmente, o “energo-constructor” me salvou desta. Ele construiu


uma carapaça quântica em torno do meu corpo, e me protegeu contra
aquelas estranhas emissões plasmadas. Agora tenho que reconstituir as
ondas mentais do Diretor e Cabral, enquanto estão latentes e ainda
pulsam!”, pensou o agente Pedro, saindo de um pretenso estado
catatônico, que só não se consumou, por ter acionado seu invento ao
entrar no laboratório de Cabral.

Sem pestanejar, e com o auxílio de providenciais eletrochoques, o


Diretor Paulo Cunha e Cabral, recobraram os sentidos, livrando-se de uma
situação que poderia ter sido irreversível, não fosse a ajuda providencial
do agente Pedro Delbaron.

“Lidamos com forças mentais pré-moldadas... Temos que descobrir


sua fonte. Vamos agora tentar outro transcontacto, pois certamente, as
emoldurações pressupõem que já estejamos fora da contenda. Antes, dá-
nos cá, ó Pedro, um banho deste vosso aparelho protetor energético, no
fito de nos precavermos contra novas investidas!”

“Acionarei agora mesmo os estagiários, futuros agentes psíquicos da


CIF. Através da Visão Remota, deverão tentar achar o nascedouro dessas
ondas que nos atacaram!”, acrescentou o Diretor Cunha, ainda
cambaleante.

Enquanto isso, à beira do lixão, devidamente paramentados, os


“hackers” Magnus e Maurício preparavam-se para “turbinar” suas
“criaturas espectrais”...

“Ótimo. Agora vamos sugar essas emanações tóxicas que são


liberadas pelo lixo. Fortalecerão nossos pensamentos-formas
armazenados. Isto aqui, meu amigo é uma autêntica ‘bomba quântica’, de
alto poder destrutivo, físico e mental!”.

De volta ao laboratório, Cabral consegue estabelecer uma conexão.


Dessa vez, porém, ele verificara que a sintonia estava em faixa diferente
das que se habituara a captar.

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“Não entendo, ó pá! Recebo sinais estranhos. Ei, vejam a imagem
que está se formando no videocom! É um NVC! E parece familiar!”

Surge na tela do monitor uma compleição conhecida. É Phyllis.


Nítida e clara, ela se comunicava através de sinais.

“O que é NVC, caro Cabral? E pelo que vejo, o rosto projetado na tela
do computador, é mesmo da Phyllis! E ela gesticula muito!”, exclamou
Pedro.

“NVC vem do inglês ‘Non-Verbal Communication’, e é uma forma


universal de comunicação através de sinais. Ela tem sido muito utilizada
pelas entidades que se comunicam através do videocom que, como
percebem, é a transcomunicação instrumental via imagens. Temos que
gravar todas as imagens captadas para depois decodificarmos a
mensagem de Phyllis. Ó Pedro, reforça a nossa segurança, pois temos de
nos precaver!”

Do outro lado temporal, o Justiceiro Advíncula monitorava o que


acontecia no século 20. Para ser mais exato, ele seguia os passos de
Phyllis, naquele momento situada no hiperespaço intradimensional.
Observava que ela não era notada por outras entidades que ali vagavam.
Sua técnica da invisibilidade a protegia contra emissões plasmadas, de
carga negativa principalmente. Reparava, também, que a agente da CIF
mexia muito com as mãos.

“Por certo, nossa agente está tentando enviar alguma mensagem


cifrada através de sinais. Vejo que é através da ‘NVC’. Seus amigos já
foram avisados e estão cientes do perigo iminente. De nossa parte,
devemos também dar-lhe a necessária guarida...”

Então, virando-se para uma de suas assistentes, que não tirava o


olho da tela virtual, o Justiceiro, franzindo o rosto, falou com a sua habitual
veemência: “Susana, tente não perder o contato visual. Phyllis deve
contar com o nosso constante amparo energético, apesar de não
podermos interferir no passado. Pelo menos, não pode ser percebida por
nenhuma entidade errante que vaga naquele umbral e, assim poderá
preservar seu invólucro carnal!”

Dito isso, o Justiceiro foi direto à Reguladoria, onde pretendia ter


uma audiência, em caráter urgente, com a Reguladora Andrea, a Prefeita.

“Estimada Reguladora. Venho solicitar à Vossa Excelência, que nos


auxilie a construir e reforçar a carapaça mental em torno de Phyllis, uma
agente do século 20, cuja missão será dissipar formatos etéreos
modelados por temíveis pessoas que querem vampirizar a cidade, além
de abrir a camada etérea de ozônio, aumentado o efeito estufa e
permitindo a entrada de outros vermes energéticos. Receio dizer-lhe que

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nosso tempo sofrerá as conseqüências, como se fosse uma reação em
cadeia...”

“Será um forma de agradecimento ajudá-lo, estimado Mestre. Em


verdade, nos ajudaremos a todos. Iniciarei minhas mentalizações o mais
rápido possível para que nossa emissária do passado esteja forte e possa
normalizar tudo. Mas, por que este século corre os mesmos riscos?”,
questionou a Reguladora, demonstrando interesse em ajudar eu povo.

“O objetivo dos bandidos virtuais, que naquele tempo passado


criaram, programaram e aprisionaram pensamentos-forma é sinistro. Eles
pretendem dominar a tudo e a todos, via mental, ou seja, vão sugar as
energias dos habitantes da cidade, sujeitando-os ao seu jugo implacável.
Se não forem impedidos, todo este desenvolvimento formiguense de
ordem física e espiritual, será parte de um mundo paralelo, um tempo que
jamais existiu.

O livre-arbítrio dá-lhes tal perigosa liberdade. Tudo repentinamente,


alterará e entraremos numa era de trevas, ou melhor, prosseguiremos
com o que foi iniciado no final do século 20, com o retrocesso que os
piratas vão nos impor. Tal atraso, por sinal, será semelhante ao que
aconteceu com a civilização egípcia. Seu povo detinha conhecimentos
que a maioria da humanidade desconhecia naquela época, que foram
trazidos pelos exilados de Capela, um grupo de pessoas evoluídas que
cometeu delitos em seu planeta e foi obrigado a reencarnar neste nosso
atrasado mundo. Mas, a ganância, a maldade, enfim, as imperfeições do
ser humano, se mantiveram, a despeito do progresso material e toda a
sua sapiência foi perdida. Se não lograrmos êxito, vamos retroceder
novamente!, explicou o Justiceiro, não escondendo sua emoção pelo que
poderia acontecer.

“Não reviveremos tudo isto novamente. Phyllis é a enviada para nos


salvar. Ela tem uma mapa genético diferente, porque sua missão já foi
traçada!”

Voltando ao século 20, no seu laboratório, Cabral, anotara tudo que


Phyllis disse, via NVC. Suas feições eram graves. Vira que a situação era
pior do que imaginava. Na verdade, o que mais o assustara, era que não
havia “armas” suficientes para combater os pensamentos-forma que
estavam por atacar. Após ter revisado tudo o que escrevera, deu uma
breve pausa para respirar fundo, visto a sua emoção contida, explicou ao
agente Pedro e ao Diretor da CIF, Paulo Cunha, que estavam ávidos por
notícias.

“Não conseguimos detectar a voz dela, porque provavelmente deve


se encontrar numa espécie de umbral, de onde as emissões sonoras não
se propagam e, por isso, são difíceis de serem sintonizadas. Sabendo
disso, ela se comunicou através da NVC, que eu já vos expliquei o
significado. Primeiramente, é bom ressaltar que a estação MGV, de
Marduk, cujo transcontactante principal, se chama Márcio, cedeu sua faixa

59
para que Phyllis se comunicasse. Temos ajuda de todos os lados. Contudo,
vimos, também que já pegamos certas interferências, provavelmente
advindas dos emissores dessas ondas mentais formatadas...”

“E o que a nossa agente disse! Desde que desapareceu lá no Cine


Glória, que não temos notícias dela! Queremos saber o que está de fato
acontecendo, afinal!”, interrompeu impacientemente, o Diretor Cunha,
com o imediato assentimento do agente Pedro.

“Bem, ela disse que foi escolhida por ter um genoma especial, que
não se altera com mudanças drásticas, foi teletransportada a uma
dimensão paralela, que seria o futuro, onde ficou sabendo do plano de
dois ‘hackers’ que, com complexos plasmados pelo pensamento humano e
reprogramados por computador, querem controlar a população de
Formiga, sugando-lhes todas as energias e, depois, abrindo a camada
etérea de ozônio, facilitando a entrada de entidades nocivas. Segundo
Phyllis, vai ser o começo do fim se tiverem êxito. E os formiguenses
ilustres do futuro, conseguiram resgatá-la para tentar reverter tal processo
e por ser uma pessoa do passado, pois este só pode ser revertido por
alguém deste tempo!”

Nesse momento, o celular do Diretor Paulo Cunha tocou, quebrando


o clima de tensão e medo que reinava no laboratório. Era o estagiário
psíquico, Flávio.

“Diretor, boas notícias! Com o auxílio da Visão Remota, conseguimos


rastrear um lugar altamente carregado! Detectamos que tais sinais
quânticos, são remanescentes de um computador localizado nos fundos
de uma viela adjascente ao Beco Protestante. Já estamos indo para o
local! Nossa equipe poderá combater as formas de pensamento,
construindo outras de igual teor, mas de polaridade diferente!
Aguardamos novas instruções.”

IV

60
Cabral ouviu a mensagem e adiantou a Cunha da inviabilidade da
proposta do estagiário Flávio.

“Diga ao gajo, que não adianta formar pensamentos positivos para


combater os negativos que infestam o local! Acabei de saber que são
cargas poderosíssimas, quase invencíveis, porque, apesar de tudo, ainda
estão fortalecidas pelos gases tóxicos, e até voláteis, emanados pelo lixão
industrial. Poluição mental, mais poluição material, uma combinação
explosiva e daninha para nós outros!”

Ciente de que fora descoberto, através de potentes antenas que


captaram o telefonema que Cunha acabara de receber, o bandido
cibernético, Maurício, tratou logo de apressar seu plano maligno,
autorizando seu comparsa Magnus a liberar os pensamentos-forma
imediatamente.

“Não perca mais tempo! Como viu, eles nos descobriram! As formas
já podem agir conforme o programado! Vamos, acione logo esta
máquina! Dê-me as coordenadas!”

“O processo de ataque será simples: ao dar um clique no comando


central deste computador, os plasmas aqui configurados, vão literalmente
vampirizar todos os habitantes desta cidade. Primeiramente, temos que
controlar os homens que têm cargos-chave na cidade. Depois será a vez
do grosso da população. Vamos fundar a era do pensamento! Do
pensamento negativo, para ser mais exato!!! Os tempos já estão
chegados!”

Portando um pequeno compartimento, pouco maior do que uma


caixa de fósforos, Magnus conectou-o ao computador. Na tela, muitas
imagens surgiam, como por encanto. Sem demonstrar qualquer indecisão,
apertou uma tecla do computador e, rapidamente, o ambiente foi tomado
por espectros de variadas formas. O cubículo ficou tal, como se estivesse
enevoado. O som que se ouvia era ainda mais estranho. Sibilações de
variadas entonações zoavam e reverberavam em todas as direções.
Parecia que tramavam algo. Na verdade, eram pensamentos-forma de teor
vibratório diferente uns dos outros. Esperavam pela senha de seus
criadores para dar início à “intoxicação mental” do povo de Formiga.

“A rapidez da ação destas formas nos dará o pleno controle de cada


ser vivo pensante! Larvas etéricas se fixarão no campo áurico de cada
entidade encarnada que estiver no perímetro que demarcamos!”

“Sim! E ao invadir também o corpo perispiritual, a harmonia estará


definitivamente perturbada! Assim, obteremos o controle psicossomático
de cada um!”

Enquanto isso, novas mensagens de Phyllis, ainda através do


processo NVC, chegavam ao tubo catódico do monitor de Cabral, que
escrevia tudo que decodificava. A cada mensagem cifrada, franzia seu

61
rosto, revelando uma incomodante preocupação. Subitamente, a tela se
escureceu, fazendo sumir a imagem nela refletida.

“Aconteceu alguma coisa. Tudo indica que Phyllis foi perturbada por
alguma coisa...O que será?”

Intuitivamente, o Diretor Cunha e Pedro olharam pela janela e,


assustados, depararam com cenas um tanto incomuns. Sem motivo
aparente, os pedestres paravam repentinamente e entravam numa
espécie de transe. Andavam sem direção, tal como robôs desnorteados
vagando sem rumo. Vapores de gás ou fumaça, saía de seus ouvidos,
olhos e bocas.

“Vejam...os ‘fantasmas mentais’ já começaram a agir...Até quando


conseguiremos resistir? Nossa proteção tem limite, as baterias tem um
tempo de vida!”, observou Pedro.

Por sorte, os três ainda estavam protegidos porque, prevenidos,


puderam “construir” , através do “energo-protector”, um muro de energia
em torno do laboratório. Porém, conforme ele mesmo dissera, o
equipamento funcionava através de baterias, que tinham um tempo
limitado de duração. Boquiabertos, foram interrompidos pelos
equipamentos de transcomunicação. Dessa vez, a mensagem, via áudio,
advinha da Estação MGV, capitaneada pela entidade de nome Márcio, que
disse em alto e nítido som.

“Houve uma perda de contacto com Phyllis. A faixa que cedemos foi
invadida pelas ideações plasmadas pelos seres encarnados, que atacam
sua cidade agindo em proveito de seus criadores e visando o domínio
total, conforme bem sabem! Nosso tempo também é curto, pois dentro em
pouco, todos os canais serão tomados. Você devem agir logo!”

“Como o faremos, ó estimado Márcio! Cá estamos de mãos atadas.


O ‘energo-protector’ já dá sinais de fadiga e nós seremos também
tomados! Alguma solução para salvarmos a cidade formiguense?!”

“Phyllis está no limbo e tenta apagar as formas que a rondam,


tentando atacá-la. Tais formatos ainda não a detectaram, por causa do
poder da invisibilidade que ela tem. Contudo, se tais plasmas se
multiplicarem ainda mais, a invasão se tornará irreversível, decretando o
retrocesso da cidade e, depois do resto do planeta! O futuro será sombrio!
(pausa) ... Mas ainda há esperança! Atenção, Cabral! Acabamos de
receber a mensagem que Phyllis manda repassar para você! Consulte seus
arquivos de cinco anos atrás...!” bzzzzzzzzzzzzzz

O aparelho de transcomunicação começou a emitir somente um


chiado sem sentido. Cada um se entreolhou novamente. O enigma estava
lançado. Ninguém entendera exatamente a mensagem de Márcio, da
Estação MGV.

62
“O que será que tem meu arquivo de 1995? Eu estava na minha
cidade, Cascais. Ela estava no Brasil. É. Acho que o fim destes tempos
está mesmo próximo...”

Enquanto se energizava através do “hipnosensabor”, cedido pelo


Justiceiro Advíncula, do século 22, Phyllis, sentia que os plasmas criados
no plano material a rondavam. Sentiam sua presença, mas não podiam
enxergá-la. Contudo, o tempo de invisibilidade variava de acordo com a
resistência que tinha. Por sua vez, aquela invenção do século 21, também
contava com um tempo determinado de carga.

“Esse energizador já está no seu limite e eu também. Espero que a


entidade Márcio tenha conseguido repassar ao Cabral a mensagem acabei
de ditar-lhe. Nosso sucesso vai depender do recebimento desse aviso. Se
demorar muito, os cérebros daqueles que estão sendo ‘vampirizados’, vão
se deteriorar e não terão condições de se recuperar do lapso mental que
ora se encontram. Como já disse o Justiceiro Advícula, se todos falharmos,
será igual ao que aconteceu com alguns retrógrados atlantes,
reencarnação dos capelinos, que foram dizimados pela própria vaidade...
Felizmente, a água acabou com suas intenções...”

O local de onde eram liberados os pensamentos-forma, finalmente


fora estourado pelos agentes da CIF. Mas nada puderam fazer, pois
ficaram imediatamente paralisados por causa do imediato controle mental
a que foram submetidos.

“Bando de inocentes estes pseudos agentes psíquicos! Por acaso,


não sentiram que não podem contra nossas criaturas mentais, que estão
fortalecidas, graças às emanações do lixão industrial? Nada poderá detê-
los! Nenhum pensamento positivo tem pontência suficiente para destruí-
los! Em pouco tempo, poderemos abrir o buraco de ozônio e os portais de
energia para o avanço de forças deletérias que nos auxiliarão na nossa
empreitada. Não cometeremos mais os mesmos erros do passado! Se não
deu certo na Atlântida, agora vai dar!!!”

“É claro! Agora estamos prevenidos, esta poluição que afeta a


cidade conspira a nosso favor, fortalecendo nossos pensamentos-forma!”,
apoiou com ênfase, o “hacker” Magnus.

Um tanto abatidos e desanimados, o Diretor da Central de


Inteligência Formiguense, Paulo Cunha, além do agente especial, Pedro
Delbaron mais o pesquisador português, Cabral tentavam decifrar o
enigma lançado pela entidade Márcio, da Estação MGV.

“Tente lembrar, ó Cabral. Que experiência relevante poderia ter


feito em 1995? Qual seria a conexão? Vamos lá. Pesquise no seu banco de
dados!”, falou em tom de exigência, o Diretor da CIF, um tanto
impaciente, mas cheio de esperança.

63
Sem nada responder, Cabral revirava um monte de papéis, cadernos
e livros que estavam num escaninho de uma velha escrivaninha, onde as
aranhas e cupins se misturavam.
“Bem, aqui pairam todos os registos que fiz há cinco anos passados.
Mas, ainda estou perdido no que tange à ligação com Phyllis. Tenho aqui
uma fita que ela me deu...tem músicas de Beethoven, um de meus
compositores clássicos favoritos. Foi um presente amável que muito me
emocionou...”

“Realmente, está difícil. De qualquer forma, toque-a pelo menos,


vamos ter momentos de enlevo dentro desta balbúrdia sem fim!”,
lamentou Pedro, desesperançado.

“A Pastoral”, de Beethoven, que retratava uma tempestade, invadiu


o laboratório. De repente, um som de estática sobrepôs a canção. Para o
espanto geral, surgiu a voz de Phyllis que dizia:

“Neste momento, posso lhes afirmar que a manipulação das


energias negativas vai mudar os conceitos e a visão mecanicista, que
ainda estão arraigados na ciência clássica. Os novos parâmetros de
matéria, espaço, tempo e casualidade sempre rondaram os moucos
ouvidos dos cientistas, mas nunca tiveram eco. Mas, agora, não tem mais
jeito... Amigos, a solução está mais próxima do que podíamos ter
imaginado! A água cobriu definitivamente o mal que imperava em
Atlântida. Deve fazer o mesmo na cidade de Formiga...A tempestade dilui
corpos energéticos! É necessária para a nossa sobrevivência! Pedro, você
precisa forçar que o clima mude! Você tem a solução!...”

“Eis a chave! Pedro, o que Phyllis quis dizer com mudar o clima da
cidade? gritou Cabral, com o semblante mais otimista e querendo
descobrir definitivamente a solução para todos aqueles problemas que
assolavam Formiga.

“É claro! Como não pensamos nisto antes! Phyllis se referiu a um


aparelho que inventei para acabar com larvas etéreas. É o ‘storm-maker’,
que nada mais é, do que um fazedor de tempestades plasmáticas! Sua
função é condensar nuvens do tipo cúmulus e nimbus, energizando-as
com plasmas que são partículas carregadas com movimentos livres. O
plasma é o quarto estado da matéria e suas características e propriedades
físicas são diferentes dos sólidos, líquidos ou gases. Em seguida, a
máquina reativa as nuvens e provoca uma tempestade elétrica que limpa
tudo, inclusive essas pragas invisíveis que atacam plantas medicinais,
utilizadas pelos índios e até pelos homeopatas, por sinal, nossos clientes.”

“Realmente! Dizem os sábios que as tempestades existem, também


para eliminar do éter os pensamentos-forma que os homens criam
diariamente com seus pensamentos negativos! Não fosse isto, o ar seria
irrespirável, não somente para o corpo, mas para a alma...”, acrescentou
Cabral, que ouvia Pedro atentamente.

64
“Vamos agir logo! Mas... tem um questionamento que está me
intrigando: Se esta fita tem 5 anos, como a mensagem que acabou de ser
gravada, saiu nela!?”, indagou o Diretor Cunha, esboçando um certo
ceticismo em torno do que acabara de ouvir.

“Não vos espantais! Este fenômeno já aconteceu em outras


oportunidades. Sabemos que o tempo – se é que ele de fato existe - é
mensurado diferentemente nas várias dimensões paralelas à nossa. Pois
bem: Phyllis acabou de emitir a mensagem e a Estação MGV conseguiu
detectá-la antes que sofresse interferências. Imediatamente, a entidade
Márcio a repassou para nós. Por causa da pressa, tal aviso, deve ter sido
enviado aleatoriamente e, por isso mesmo, caiu num tempo
indeterminado. Foi justamente ‘cair’ numa fita gravada em 1995 e onde
estava uma música que fazia alusão à tempestade: a “Pastoral”, de
Beethoven. Enfim, recebemos o que foi dito hoje, numa gravação do
passado!”, explicou o pesquisador Cabral, com a segurança de um
cientista de respeito, enquanto Cunha e Pedro o ouviam estupefatos..

“Não cantemos vitória, ainda...: há um pequeno obstáculo!”,


interrompeu Pedro, “Para pegar o ‘storm-maker’, vou ter que gastar toda a
carga que resta do ‘energo-protector’, pois ele está no meu escritório, na
Agência. Caso contrário, correrei o risco de ser literalmente ‘sugado’ pelas
formas de pensamento que estão pululando por todos os cantos da
cidade...”

“Não temos escolha. De facto, precisas da proteção do ‘muro


energético’ a fim de que possas atravessar a cidade! Desguarnecidos,
vamos tentar nos proteger através do poder de mantras, potentes sons
vocálicos que ajudam a mudar as condições ambientais, criando em torno
de nós, uma nova capa protetora, que resiste menos tempo do que aquela
formada pelo seu aparelho. Mas, enfim, resistiremos! Vamos começar a
emití-los agora mesmo!”, disse Cabral, sendo prontamente assentido pelo
Diretor Cunha.

Bem adiante, no futuro, exatamente em 2155, o Justiceiro Advíncula,


juntamente com seus mentalizadores mais próximos, assistia a todos os
acontecimentos através de um equipamento chamado “teletempo”, que
captava as imagens geradas do passado. As cenas eram transcodificadas
através da mente e transformadas visualmente para o vídeo.

“Finalmente, nossos amigos descobriram a solução para o problema


que poderia ‘lançar’ estes tempos para a inexistência e condenando-nos a
ficar sob a tutela do mal, provocando o retrocesso de Formiga!”, disse o
Justiceiro.

“Mestre, por quê não podemos, com nossas mentes, alterar aquele
tempo?”, um mentalizador perguntou.

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“Esta lei Cósmica é imutável! Não nos intrometamos no passado:
averiguemo-lo; não observemos o futuro: alteremo-lo!”

O mentalizador compreendeu que a eles só caberia acompanhar o


desfecho...

“Nossas mentalizações surtirão melhor efeito quando canalizarmos


os mantras que vão emitir. O poder do cântico que emanam, ajudam a
fortalecer. De certa forma, eis a força de uma oração, seja ela de que
emissão for. O importante é a sua entonação!”, completou o mentalizador
Cláudio Fernando, tataraneto de um antigo engenheiro da cidade.

O tempo de Phyllis, que agia diretamente dos umbrais, na


estratosfera formiguense, estava se esgotando. O corpo físico,
independente do seu grau de resistência, não agüenta muito tempo
desmaterializado. Por isso, chegava o momento de readquirir sua
densidade molecular. Mas, a situação ainda não estava sob controle.

Pedro, por sua vez, saíra em disparada até a agência da CIF, onde
estava seu “storm-maker”, o equipamento que “fazia tempestades”. Como
estava protegido, os pensamentos- forma não conseguiam atacar-lhe,
pelo menos enquanto durava o restante da bateria do “energo-protector”.
Enquanto caminhava pelas ruas de Formiga, ele assistia, horrorizado a
agonia dos pedestres e animais, que vagavam sem rumo por toda a
cidade. Não havia um lugar sequer, onde não tinha gente andando em
zigue-zague, tal qual robôs descontrolados. O cenário lembrava um filme
de suspense. Pássaros não voavam, também andavam pelo chão, às vezes
sendo pisoteados, cachorros e gatos, da mesma maneira, pareciam
desnorteados.

“Jamais presenciei cenas como esta. O que são capazes os


pensamentos-forma é de arrepiar o mais cético. São fantasmas plasmados
pela própria mente do ser humano, com o respaldo da cibernética e
alimentados pelas emissões tóxicas desse lixão industrial que ajuda a
destruir a cidade! Devo agir logo, pois a carga do aparelho já está no fim.
Não sei se conseguirei!”, pensava Pedro, enquanto apressava seu passo
em direção à agência de inteligência. Não havia carros, porque as suas
baterias estavam todas descarregadas, cuja energia fora “sugada” pelos
pensamentos-forma, que varriam tudo à frente.

“Maurício, já devíamos ter o controle total da cidade! Todos nós


sabemos que a velocidade de um pensamento-forma é superior à
velocidade da luz. Logo, por quê ainda não temos o domínio absoluto à
esta altura?”, indagou preocupado o pirata virtual, Magnus.

“Fica calado e ouça. Ainda existem aqueles duros na queda. A igreja


é um local de difícil acesso, pois tem energias fortes em função das
orações que ali permeiam. Há também pessoas de índole forte,
pensamento tão retilíneo que torna difícil o seu domínio completo pelas
forças negativas. Vamos precisar de aumentar a dosagem de energia

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eletro-magnética, para que os pensamento invadam esses recintos
nocivos! O programa de computador prevê tais inconvenientes. Quando o
portal de energia estiver definitivamente rompido, as outras forças terão
mais ‘alimento’, hehehe...!, respondeu com sarcasmo o engimático
Magnus.

EPÍLOGO

Cheios de fé, o Diretor Paulo Cunha e seu xará Paulo Cabral, em


posição de meditação profunda, emitiam mantras e outros sons vocálicos
em diversificadas entonações. Tal ação afastava, mesmo que
temporiamente, as emanações que tentavam furar aquele bloqueio.

O céu da cidade começara a escurecer. O vento empurrava as


nuvens que aos poucos, cobriam tudo. Nenhum transeunte notava a
mudança repentina do clima. Não sem motivo, pois estavam subjugados
pelas emissões mentais deletérias que, sem parar, sugavam um a um.

“Pronto. Agora é só esperar pelos resultados. O storm-maker’ está


acionado. Vamos aguardar os acontecimentos. É tudo ou nada!”, Pedro já
se sentia tonto, pois o ‘energo-protector’ já dava sinais de completa
fadiga, em função da descarga de suas baterias.

“Magnus, algo está acontecendo! Veja na tela: o número de


emissões está sendo reduzido por alguma força contrária! Não entendo. O
que se passa com nossas cobaias e com você próprio? São
pressupostamente fornecedores de substâncias plasmáticas
inesgotáveis!”

Demonstrando grande esforço, Magnus respondeu: “Não sei! As


formas estão enfraquecidas! Veja a sua carga energética neste gráfico! Ei,
está chovendo lá fora! Trovões e raios caem sem parar? Haverá alguma
ligação?”

Desesperados, Maurício e Magnus olharam pela fresta da janela do


lugar onde estavam, e viram que caía na cidade uma forte chuva,
acompanhada de trovões e raios, que cortavam o céu sem parar. Para o
espanto de ambos, as pessoas, até então automatizadas pelos
pensamentos-forma, que lhes sugavam todas as energias existentes,
recobravam-se aos poucos do torpor em que se encontravam. O ar,
misteriosamente, parecia estar sendo purificado.

“Estamos enrascados! De acordo com o computador, tudo está


sendo dissipado, na verdade, ‘deletado’! Parece mesmo que os raios

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contribuem para isso! Como pode ser!? Nosso plano está indo literalmente
por água baixo! Temos que fugir, antes que nos peguem!”, gritou
desesperadamente o “hacker” Maurício, antevendo um mal presságio.

“Não sem antes agirmos novamente! Ainda dá tempo para criarmos


um vírus do tipo ‘Trojan’, que como um cavalo de Tróia, armazenará
pensamentos-forma programáveis. Depois é só mandá-los atacar todos os
sistemas de segurança máxima do planeta, como Nasa, FBI, Pentágono,
Polícia federal, etc. Sua função é simples: ele abre uma porta do
computador e o invade! Será nossa vingança! Está batizado o ‘TF-2000’!
Ainda temos uma carta na manga, meu caro!”, gritou em tom de vitória o
programador Magnus, e sendo aplaudido pelo comparsa.

No laboratório, Cabral e Paulo Cunha já podiam sentir os efeitos dos


novos ares. Interromperam suas entoações e se cumprimentaram
efusivamente. Em pouco tempo, chegou Pedro. Estava encharcado por
causa da chuva, mas feliz pelo sucesso da operação.

“Conseguimos! A cidade recobra aos poucos do estado cataléptico


de seu povo. Parece que voltaram a fazer o que antes faziam e ninguém
notou o que aconteceu. Somente aqueles que não foram atingidos é que
poderão contar-lhes o que aconteceu...”

“Minhas escusas por interromper-vos, ó estimado Pedro. Mas, sinto


que nossa amiga vai reaparecer a qualquer momento e...”

“...E devemos nos rumar logo para as dependências do ex-Cine


Glória onde, com certeza, ela dará o salto quântico de volta ao nosso
tempo!”, complementou a observação o Diretor da CIF, Paulo Cunha,
coçando a calva e esboçando um estado de euforia típico de quem estava
satisfeito, “Este caso ainda não acabou, pois tempos que pegar aqueles
dois que fizeram tudo isto! Nossos agentes já devem estar no encalço dos
elementos!”

Ao saírem do laboratório, puderam respirar fundo. O ambiente de


fato estava limpo. A tempestade, realmente higienizara aquele espaço-
tempo, livrando Formiga de retroceder de seu iminente progresso,
definitivo no século 21, conforme presenciara a própria Phyllis, quando
para lá saltara.

O céu estava límpído naquele momento. Uma mancha esverdeada,


belíssima, iluminou-o. A cena era emocionante. Cabral, com os olhos
marejados, explicou.

“Miras, bem, ó queridos gajos! Este fenômeno é a chamada aurora,


que no norte, chamam de boreal e no sul, de austral. Isto nada mais é do
que a atração de partículas carregadas pelos pólos magnéticos da Terra. O
céu está limpo e fechado! As pragas etéricas, realmente foram diluídas da
atmosfera...”

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Enquanto caminhavam, em direção ao velho Cine Glória, e aspirando
o cheiro de umidade presente, Cabral prosseguia com sua explicação
científica: “...Tais partículas se interagem com os gases atmosféricos e o
resultado desta interação é a emissão das luzes multicoloridas que
podemos vislumbrar no céu neste sublime momento!”

Nesse ínterim, Maurício e Magnus, os “criadores” de toda aquela


celeuma, não tiveram tempo de agir como queriam. Antes de “soltarem”
os vírus “TF2000”, foram pegos pelos mesmos agentes que antes haviam
sido dominados. Restabelecidos e sem notar o que havia acontecido, eles
“acordaram” e prosseguiram com a missão de prender os larápios virtuais.
O agente Flávio, então ligou para o Diretor da CIF:“Chefe, cumprimos
nossa missão. Não houve resistência. Só não estamos entendendo é o
motivo de nossos relógios marcarem cinco horas, já que arrombamos a
porta deste esconderijo às três da tarde!”

Cunha ouviu tudo e segurou para não rir. Deu os parabéns ao agente
e desligou seu celular. Depois contou aos dois que o acompanhavam e
todos também deram uma sonora gargalhada, que os desopilou, após
tanta tensão e pressão juntas.

Do outro lado no tempo, o Justiceiro Advíncula e seus discípulos


mentalizadores, também respiravam aliviados, depois de presenciarem
tudo, através do “teletempo”.

“Fortunadamente, os registros akáshicos não foram alterados,


graças aos nossos amigos do século 20. Phyllis cumpriu bem a sua missão
e já está reintegrada à sua época. Sua forte intuição guiou-a à solução do
problema que poderia ter afetado o futuro desta privilegiada metrópole
formiguense. E, no final das contas, aconteceu o mais elementar: a
diluição dos pensamentos-forma através do eletro-magnetismo da água.
Em suma, as respostas aos nossos problemas sempre está mais perto de
nós do que imaginamos!”

Os mentalizadores se entreolharam com alegria. Estavam satisfeitos


por terem contribuído pelo desfecho positivo. Afinal, suas emissões
mentais ajudaram a inspirar Phyllis. Por fim, um deles, Nicholas, indagou:
“Estimado Mestre. Só mais um questionamento que ora me intriga. Se
acaso todos falhássemos, o que teria acontecido à Terra?”

O Justiceiro acomodou-se em sua macia cadeira, franziu um pouco a


testa e respondeu com a calma de sempre: “A décima lei espiritual, a
chamada ‘Lei da Dissociação do Espaço-Tempo’, diz que, se por aceleração
do fator tempo, colocarmos no futuro, ou no passado, um espírito
incorporado, sob comando de pulsos energéticos, ele sofre um salto
quântico, caindo em região astral compatível com o seu campo vibratório
e peso cármico específico, ficando sob a ação de todas as energias
presentes, de caráter positivo ou negativo. Foi exatamente o que
aconteceu com a agente especial Phyllis.

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Sendo portadora de poderes extra-sensoriais acima da média,
atenuou o carma de todos, ao conseguir agir de zonas umbralinas em pról
da salvação de seu povo. Ela combateu forças mentais plasmadas que
foram potencializadas em computadores programados por dois retógrados
indivíduos - aparentemente incorrigíveis. Eles são a reencarnação de
velhos habitantes da Atlântida. Já tentaram outras vezes mudar o mundo
e, de novo, falharam. Não sei quando aprenderão.

Chegando ao ponto de sua pergunta, amado buscador, se


tivéssemos falhado, a Terra teria tido o mesmo destino do planeta Plutão,
que hoje passa por momentos difíceis, em decorrência de ações negativas
que o retroagiram em sua evolução. Os habitantes desse planeta não
sabem mais o valor da serenidade, da consciência tranqüila, pois agora
eles só conhecem o mal-estar. Um dia, com certeza, sentirão os efeitos
benéficos da polaridade positiva. Felizmente, a Terra teve mais uma
chance. Até quando, não sabemos... Dependerá de nossos atos físicos e
extra-físicos. Paz profunda!”

Cabral, Cunha e Pedro chegaram ao antigo cinema quase no


momento em que Phyllis reconstituía seu estado físico. Todos a abraçaram
e, para não fugir às suas características, Cabral indagou: “Querida Phy.
Tudo deu certo. Todavia, algo ainda está a martelar minha massa cinzenta.
Responda-me lá, ó esbelta gaja, afinal de contas, qual foi a influência do
espelho neste seu salto temporal?”

“A astronomia já sabe muito bem que, qualquer um que caísse num


buraco negro, seria esmagado até a morte. Contudo, os cientistas
descobriram que os buracos estão girando muito rapidamente e podem
ter o formato de um anel giratório. De acordo com Einstein, qualquer um
que passe por esse anel pode cair num universo paralelo. Como ‘Alice no
País das Maravilhas’, o espelho em que ela caiu, representa o buraco
negro. O espelho facilita, pois, o giro de nêutrons. E quando ela, Alice,
perpassou sua mão pelo espelho, emergiu em um outro universo, o ‘País
das Maravilhas’. Esse seria o chamado ‘buraco de minhoca’, que conecta
nosso mundo com outros mundos de dimensões quânticas diferentes. Em
suma, o espelho serviu como um portal para o contacto com outro tempo,
a Formiga no ano de 2155! Em suma, creio que a ‘Nova Era Formiguense”
de fato chegará, sem maiores alterações...”

Dito isto, cada um tomou seu caminho. E foram refazer suas


energias.

FIM DO 3º EPISÓDIO

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