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Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira

Introdução

Neste ano de 2010 o México comemora o centenário de um dos acontecimentos mais


importantes de sua história: a Revolução Mexicana. Muito já foi debatido, escrito e produzido sobre
esse evento, desde aquelas primeiras décadas do século XX até os dias de hoje. Por isso, este artigo
se dedica a retomar temas políticos diversos relacionados com tal processo dito revolucionário. E
parte da percepção de um dos homens que viveu aquele momento: o filósofo Samuel Ramos.
A preferência é dada a seu livro mais célebre: El perfil del hombre y la cultura en México.
Não por ser o mais célebre, mas por ter sido escrito em meio à Revolução Mexicana: teve alguns de
seus capítulos publicados avulsos em jornais no início da década de 1930, e foi lançado
integralmente pela primeira vez em 1934. Além do mais, o texto de El perfil tem a vantagem de,
como um ensaio, trabalhar uma gama maior de temáticas, inclusive relacionadas à política, vindo
de encontro a meu propósito primeiro.
De certo o referido autor possui outros trabalhos bastante significativos. Mas os anteriores a
El perfil não possuem sua variedade nem suficiente amadurecimento de questionamentos. Os livros
posteriores, redigidos por um Ramos mais acadêmico e especialista, versam sobre questões
filosóficas mais bem delineadas (ou estreitas): o universo do pensamento, da reflexão, da
epistemologia e da estética.
Significativo dizer que a primeira edição de El perfil rapidamente esgotou, e que a segunda
foi lançada logo no ano de 1938. A repercussão do livro revela que suas proposições estavam em
sintonia com os interesses dos leitores de sua época, concordassem ou não com elas. A bem da
verdade, é sabido que Ramos foi profundamente criticado, considerado um “traidor da pátria”, por
apresentar uma visão do mexicano comum como bruto, inculto, introvertido e possuidor de um
profundo sentimento de inferioridade. A esses críticos o filósofo respondeu que em sua análise tão
somente ousara ser realista; e que estudos da psicologia moderna indicavam que quanto mais
arraigados certos comportamentos, menor a capacidade dos indivíduos os perceberem, mais
inconscientes.
Samuel Ramos observa em El perfil temas tidos hoje como clichês nas investigações a
respeito do México revolucionário; temas complexificados através dos anos, porque sempre-vivos,
revistos, reutilizados e ressignificados no arcabouço vocabular dos cidadãos, expoentes da teoria
política no México, e de seus políticos profissionais interessados na e devedores da Revolução.
Inspirada pelas propostas teórico-metodológicas do historiador norte-americano Dominick
LaCapra, meu objetivo neste artigo é, portanto, antepor a visão particular de Ramos e diversas
visões mais ou menos clássicas e consensuais, sobre experiências e idéias políticas
produzidas/experimentadas naquela conjuntura. É retomar aspectos tradicionalmente presentes
em estudos sobre a revolução no México, e perceber de que maneira se fizeram presentes na obra
de Ramos, e na obra de outros pensadores.
Se a idéia é cruzar o texto de El perfil com textos mais ou menos clássicos sobre a Revolução
Mexicana, estão presentes em minha análise a voz de outras testemunhas oculares da realidade
política do México do início do século XX. Refiro-me, pois, neste artigo às percepções de José
Vasconcelos, Ministro da Educação durante a Revolução e autor do clássico La raza cósmica, mas
também de um robusto manual chamado, paradoxalmente, Breve historia de México, de 1937. Há
aqui citações de Manuel Gomez Morín, Ministro das Finanças naqueles idos. E, por fim, há
referências a Octavio Paz, intelectual mexicano célebre internacionalmente, que contava 20 anos
quando El perfil foi publicado, e que 16 anos depois, sob clara influência de Ramos, publicaria El
labirinto de la soledad. Creio que seria importante incluir ainda, futuramente, enlaces a opiniões de
outros dois ilustres “Carlos”, pensadores mexicanos: Fuentes e Monsiváis.
Além do mais, lanço mão da avaliação de trabalhos bem atuais, de investigadores
“estrangeiros” e mexicanos. No que se refere a investigações recentes promovidas por autores
estrangeiros sobre a história do México no início do século XX, adotei a iniciativa da Cambridge
University Press, na década de 1980: History of Latin America, com artigos dos professores Friedrich
Katz, John Womack e Jean Meyer Jr. Tal leitura me garante bases para avaliar as proposições de
Ramos sobre a organização e desorganização político-administrativas do México das primeiras
décadas do século XX.
Dentre os estudos mexicanos mais recentes, destaco o trabalho dos professores Hector
Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, que circulou tanto em fascículos, no México, em forma de livro,
através de uma publicação da University Texas Press (estou falando do livro In the Shadow of the
Revolution: Contemporany Mexican History). Minha tentativa será perceber, com a ajuda de Camín
e Meyer, como algumas idéias propostas por Ramos foram superadas, como algumas delas foram
retrabalhadas; de que maneira o texto de Ramos endossa “caras tradições” e “intoleráveis vícios”
mexicanos, para utilizar palavras dos dois autores supracitados.
Bom lembrar aqui que o estudo da história mexicana não é tarefa das mais fáceis de se
desenvolver no Brasil. Em estilo analítico suavemente literário, o dito texto de Ramos que aqui
investigo tem sido ignorado pela academia brasileira. Em geral, o conhecimento que se tem dele se
faz através da pena de Octavio Paz, em El labirinto de la soledad, que o cita e retoma algumas
vezes, e certamente o utiliza como base para definir o perfil do mexicano e do latino-americano
contemporâneos.
Assim sendo, é objetivo deste artigo também trazer ao público brasileiro um contato inicial
com a fascinante obra de Samuel Ramos. Estimulando uma visão crítica em relação às temáticas
políticas nela tratadas; e aguçando no leitor o interesse pelo estilo ensaístico de vanguarda do
autor.

1. Revolução, política, ruptura e continuidade

Antes de mais, é preciso definir como o termo “política” será empregado ao longo deste
artigo. Entre os autores que trabalham a Revolução Mexicana e refletem sobre as maneiras de se
perceber o escopo de acontecimentos que marcaram a história do México do início do século XX, o
conceito adotado de “política” varia significativamente.
Para John Womack, a Revolução Mexicana não corresponderia a um movimento de
iniciativa propriamente popular. Tampouco seria possível dizer que se caracteriza por uma mínima
unidade de propósitos e efeitos. Ao ver desse pesquisador, por fim, não conviria classificar tais
processos como revolucionários. Entende o pesquisador norte-americano, portanto, que falar da
Revolução Mexicana corresponde a falar de uma série de tomadas de decisões e de enfretamentos
entre líderes; falar de medidas administrativas com alcance social relativo e interesses muitas vezes
imediatistas e superficiais. “As grandes questões foram as de Estado. Por conseguinte, o assunto
não é mais tanto a revolução social quanto a administração política” (WOMACK, p. 108).
Porém, de acordo com outros pesquisadores, Camín e Meyer, a Revolução foi sim
transformadora. Foi um marco no sentido da integração nacional, e na afirmação da necessidade de
autonomia política e econômica.
A abordagem de Camín e Meyer cuida de outros aspectos da revolução relacionados ao
conceito de política: relações de força, negociações, disputas simbólicas entre chefes, guerrilheiros,
civis. O objetivo desses autores não é restringir-se às querelas militares e decisões governamentais,
mas falar da diversidade de interesses envolvidos, do dia a dia das batalhas, das alterações e
inseguranças vividas por qualquer mexicano que experimentou aquela realidade histórica.
Samuel Ramos experimentou aquela realidade. Em seu livro, é verdade, não aborda a
Revolução sistematicamente. Gasta mais tempo divagando sobre a colonização, a independência e
a Reforma, no México. É natural que não o faça: Jorge Luís Borges, em célebre ensaio, afirma que
não se encontra no Corão nenhuma referência, por exemplo, a camelos. A experiência às vezes se
faz tão entranhada, que não se pode ou não se deseja desenvolver uma reflexão clara e alongada
sobre ela.
Só que o fato é que Ramos, ainda que pouco diretamente e muito subliminarmente, se
refere sim à Revolução. Considera-a “un remolino circulante que trastornaba cuanto encontraba a
su paso, pero inmediatamente después la vida se normalizaba” (RAMOS, p. 136). Classifica-a como
um momento de crise, confusão, de pessimismo, de dor – para usar palavras que ele próprio
emprega em El perfil. O autor, porém, chega a declarar a importância daquele momento histórico:
“En el curso del segundo decenio de este siglo se produce un cambio de actitud del mexicano hacia
el mundo” (RAMOS, p. 140), uma espécie de “segunda independencia” (RAMOS, p. 150).
O mesmo tipo de declaração surge na obra de Manuel Gómez Morín: “Com estupor
otimista, descobrimos [através da experiência revolucionária] verdades insuspeitadas. O México
exista. O México como um país de grandes potencialidades, com aspirações, com vida, com seus
próprios problemas. Não se tratava apenas de uma aglomeração humana fortuita vinda de longe
para explorar certas riquezas ou observar certas curiosidades, para partir depois de algum tempo”
(Apud CARMÍN & MEYER, p. 75-76).
Igualmente para Octavio Paz a Revolução mistura drama e auto-reconhecimento: “La
Revolución es una súbita inmersión de México en su propio ser. De su fondo y entraña extrae, casi a
ciegas, los fundamentos del nuevo Estado. Vuelta a la tradición, reanudación de los lazos con el
pasado, rotos por la Reforma y la Dictadura, la Revolución es una búsqueda de nosotros mismos
(...). Y, por eso, también es una fiesta. (...) Como las fiestas populares, la Revolución es un exceso y
un gasto, un llegar a los extremos, un estallido de alegría y desamparo, un grito de orfandad y de
júbilo, de suicidio y de vida, todo mezclado. Nuestra Revolución es la otra cara de México, ignorada
por la Reforma y humillada por la Dictadura. No la cara de la cortesía, el disimulo, la forma lograda
a fuerza de mutilaciones y mentiras, sino el rostro brutal y resplandeciente de la fiesta y la muerte,
del mitote y el balazo, de la feria y el amor, que es rapto y tiroteo. (...) Una revuelta y una
comunión, un trasegar viejas sustancias dormidas, un salir al aire muchas ferocidades, muchas
ternuras y muchas finuras ocultas por el miedo a ser. ¿Y con quién comulga México en esta
sangrienta fiesta? Consigo mismo, con su propio ser. México se atreve a ser. La explosión
revolucionaria es una portentosa fiesta en la que el mexicano, borracho de sí mismo, conoce al fin,
en abrazo mortal, al otro mexicano (PAZ, p. 62).
Compartilhando uma espécie de viés relativismo semelhante, Ramos pontua que é possível
que um europeu não compreenda o sentido das guerras promovidas na América Latina. Muitas
delas chegam ao fim sem que aparentemente nenhum dos lados – por vezes, como no caso da
Revolução Mexicana, muito mais do que dois lados – tenha alcançado vantagem alguma. A verdade
é que elas não têm como fundamento interesses econômicos, e sim “paixões”. É dessa maneira
confusa e por vezes equivocada que, segundo o autor de El perfil, os mexicanos consideram seus
“princípios políticos”. (RAMOS, p. 162-163).
Por isso e com base nisso é preciso dizer que também para Ramos “política” não
corresponde apenas e tão somente a medidas administrativas e condutas de “grandes homens”.
Segundo ele, “la historia no puede ser movida exclusivamente por indivíduos; el individuo aislado
de la masa es uma abstracción” (RAMOS, p. 171). Diria eu que sua análise compreende um certo
viés antropológico, talvez avant la lettre, é verdade, em relação ao ato político. Política em El perfil
se refere a jogos simbólicos, jogos de poder, que se estabelecem em e/ou em nome de uma
“comunidade” (RAMOS, p. 150).
Isso embora, em certa medida diferentemente de Morín e Paz, Ramos não deixe de
compreender o alcance social das políticas revolucionárias mexicanas como bastante restrito. E que
os rumos tomados pela Revolução foram perpetrados por um círculo, heterogêneo, confuso, mas
limitado de indivíduos. No México, afirma, política corresponderia a algo como “la volundad de
poderio” (RAMOS, p. 168). E se a história nacional não era feita por indivíduos, tampouco o era
feita pela massa – era obra do que chamou, inspirado em Ortega y Gasset, uma “geração” (RAMOS,
p. 171). Tal assunto será apresentado na próxima seção e desenvolvido no capítulo 3 deste artigo.
Concluamos, por enquanto, que a Revolução Mexicana pode ser classificada como um
processo revolucionário na medida em que reuniu forças sociais e intelectuais múltiplas em
conflitos que previam o rompimento ora mais ora menos claro com o sistema, baseado no poder
exclusivista de uma rica classe proprietária tradicional (sempre ela), e na interferência mais ou
menos direta, mas sempre efetiva, do capital estrangeiro.
Assim, neste artigo considerarei a Revolução Mexicana em duas fases: a fase dos conflitos
abertos, e a fase de institucionalização da revolução. A primeira vai do Plano San Luís, redigido por
Francisco Madero em oposição à sexta reeleição do ditador Porfírio Díaz, até a morte de Emiliano
Zapata e Pancho Villa. A segunda vai do governo dos presidentes sonorenses, ou mais
propriamente de presidentes oriundos do norte do território mexicano, até o final do mandato de
Abelardo Rodrígues e, consequentemente, do Maximato.
Poder-se-ia argumentar que o governo de Lázaro Cárdenas deveria necessariamente estar
incluído num estudo acerca da Revolução Mexicana, porque corresponderia a um segundo passo
no sentido da institucionalização da revolução: à fase de institucionalização dos direitos sociais
exigidos por diversos grupos envolvidos no processo revolucionário. Entretanto, devemos estar
atentos para o fato de que o objetivo deste artigo é perceber qual a visão (política) do intelectual
Samuel Ramos em relação à Revolução Mexicana, expressa em sua obra El perfil del hombre y la
cultura en México. O leitor atento se dará conta de que tal livro foi publicado no ano de 1934,
mesmo ano em que Cárdenas chegou ao poder. E que, portanto, o livro não haveria de poder
conter referências ao dito governo.

2. Revolução e democracia

Como temos visto, a Revolução Mexicana não é tema dos mais simples a serem
investigados. Não se pode afirmar, sem correr o risco de parecer superficial, que a Revolução
Mexicana correspondeu a um típico movimento revolucionário e ponto.
É hora de pontuar que tampouco é inquestionável a idéia de que os governos pós a 1910
foram mais democráticos do que o Porfiriato. Primeiramente, porque não há como definir uma
linearidade e homogeneidade entre governos tão díspares. Depois, não é fácil apresentar uma
concepção consensual em relação ao que vem a ser essencialmente um governo democrático. Por
isso, neste capítulo tomarei a questão sob múltiplos aspectos.
Podemos considerar que governo democrático é aquele que zela por uma ampla
participação política. Sem dúvida, com Porfírio Díaz a liberdade de expressão foi consideravelmente
reduzida. Mandou fechar inúmeros jornais oposicionistas, e prender diversos jornalistas, como
Ricardo Flores Magón (KATZ, p. 90).
Ricardo Flores Magón editava o jornal El hijo de El Ahuizote. Exilado nos Estados Unidos,
juntou-se a seu irmão Enrique e começou a publicar Regeneración, que passou a circular
clandestinamente no México. Os irmãos Flores Magón sofreram diversas tentativas de assassinato,
sob o olhar desinteressado do governo norte-americano. Porém, dos Estados Unidos fundaram o
Partido Liberal Mexicano, um grupo político que não pretendia propriamente concorrer às eleições
e sim colocar em pauta algumas demandas da sociedade mexicana, relativas ao antireeleicionismo,
à reforma agrária, à educação básica, à necessidade de uma legislação trabalhista moderna.
Havendo a suspeita de que teriam retornado ao México, Díaz mandou espalhar cartazes com a foto
de Ricardo e prometeu uma recompensa de 25 mil dólares para quem o encontrasse vivo ou morto.
Foi nesse contexto que o candidato Francisco Madero viajou pelo país com o slogan de
campanha “O povo não quer pão, mas liberdade”. Aos olhos desse herdeiro de ricos proprietários
de terra, o México precisava menos de prosperidade econômica do que de maior participação
política. Identificaram-se com seu lema parte da oligarquia tradicional, pequenos camponeses,
classes médias urbanas, intelectuais, militares (CARMÍN & MEYER, p. 33).
É sabido que Díaz fraudou as eleições de 1910, que concorreu com Madero. E que Madero
teve de refugiar-se nos Estados Unidos a fim de tomar os procedimentos que seriam os primeiros
passos da Revolução Mexicana. Redigiu lá o chamado Plano San Luís, conclamando a população
mexicana à insurreição e deposição de Don Porfírio no célebre dia 20 de novembro. Diz-se, então,
que, em 1911, quando Madero tornou-se legítimo presidente, o velho ditador, expulso do país,
teria dito, lastimoso: “Libertaram o tigre” (CARMÍN & MEYER, p. 37).
De fato Porfírio Díaz era e foi um ícone dos ideais ditatoriais no México; tanto que, anos
mais tarde, foi justamente um sobrinho seu, Félix, que, carregando seu sobrenome, reorganizou
militares e simpatizantes da possibilidade de se implantar uma nova ditadura no México, e sem
sucesso pretendeu depor Madero (CARMÍN & MEYER, p. 48). Por outro lado, é fato que Madero, a
despeito de ter realizado uma administração confusa no discurso e pouco efetiva nas realizações,
sempre prezou pela liberdade de expressão em seu país; durante seu governo foi bastante comum
que jornais e revistas publicassem charges ridicularizando o presidente (CARMÍN & MEYER, p. 51).
Na sequência, Victoriano Huerta, ex-senador porfirista, realizou um governo violento,
lembrado pela chamada “decena trágica”. E seu sucessor, Venustiano Carranza, foi considerado um
democrata, por, sucedendo o governo de Huerta, levantar a bandeira do constitucionalismo e voto
(CARMÍN & MEYER, p. 54-58).
Porém, é possível se dizer que houve efetivamente, conforme previu Díaz, em 1911, uma
“liberação” para diversificação dos grupos sociais atuantes politicamente?
Com foco no âmbito governamental, de certa maneira, é possível se dizer que sim. Madero
e Huerta eram filhos de latifundiários. Carranza pertencia a uma família de prósperos criadores de
gado. Mas Álvaro Obregón e Plutarco Elías Calles eram de classe média: o primeiro se dedicara ao
cultivo de grão-de-bico para exportação; o segundo havia sido professor, tesoureiro e gerente de
um moinho de farinha. (CARMÍN & MEYER, passim).
Só que a revolução, como indica a historiografia, não foi feita apenas por quem alcançou a
cadeira presidencial. Inúmeros chefes de guerrilha e governos alternativos regionais apresentaram
distintos pontos de vista a respeito dos rumos a serem tomados, e não puderam ser simplesmente
negligenciados pelos governos. Como explica Friedrich Kats, vários deles “haviam criado o
equivalente a feudos independentes em seus estados de origem e temiam o retorno do México a
uma forte autoridade central” (Apud CARMÍN & MEYER, p. 71). Tinham origens sociais bem
diversas, como Emiliano Zapata, um rancheiro financeiramente remediado, e Pancho Villa, peão
fugitivo da polícia.
Falar em cadeira presidencial faz lembrar o curioso fato de que o movimento que teve início
sob a designação de anti-reeleicionista tenha se caracterizado, em seus desdobramentos, pela
manutenção da influência de determinados mesmos líderes políticos. Porfírio Díaz se manteve na
presidência do México de 1876 a 1911. Mas um mesmo grupo de caciques identificados à
Revolução se revezou regularmente no poder como filiados ao Partido Nacional Revolucionário de
1929 (ano de sua criação) até 2000. Importante pontuar que o PRN passaria a ser chamado Partido
Revolucionário Institucional (PRI) em 1938; e que ainda hoje é um dos partidos mais influentes do
México (CARMÍN & MEYER, p. 145). O que explica o sucesso do PRN? Veio sendo subsidiado por
décadas pelo governo (CARMÍN & MEYER, p. 147).
Não se pode esquecer também que o mesmo Obregón que ingressara nas tropas
revolucionárias contando 33 anos, intimamente comovido com o assassinato do ícone do
antireeleicionismo mexicano, Francisco Madero... aos 47 anos e então presidente, havia
empreendido uma batalha discursiva no Senado, solicitando a alteração do artigo da Constituição
que vetava a possibilidade de qualquer cidadão mexicano ser candidato à presidência por mais de
uma vez. Renunciou pensando em reeleição. Desejou voltar à presidência antes mesmo de findar
seu mandato completo. (CARMÍN & MEYER, p. 144).
Além do mais, pode-se dizer que as décadas de 1910 e 1920 nem ao menos se caracterizam
por líderes políticos revolucionários de intenção predominantemente “eleicionista”. Dos
presidentes mexicanos que governaram nesse momento, foram eleitos pelo povo em condições
minimamente legais Madero, Obregón, Calles, e Emílio Portes Gil, Pascual Ortiz Rúbio e Abelardo
Rodrígues. Senão, vejamos: Madero foi deposto e morto por Huerta, que assumiu a presidência, e
foi deposto por Carranza. Carranza foi retirado do poder a força, e assassinado. Obregón exerceu
influência política decisiva mesmo quando deixou de ser presidente. Por fim, os três presidentes
que governaram de 1929 a 1934 foram simples marionetes de Calles, o “Chefe Máximo”, no
período denominado “Maximato”.
Womack nos conta também que, ainda na eleição do ano de 1920, um dos candidatos rivais
de Obregón, Pablo Gonzalez, ligado a Carranza, não chegou a formular ou investir em uma
campanha política de monta, embora fosse um dos homens mais ricos da República. Acreditava ele
que não seria necessário, que o governo e o Exército tratariam de empoçá-lo (p. 177).
E Meyer transcreve a visão do serviço secreto norte-americano no que tange às eleições de
1929, que marcam o início do Maximato: “É provável que Vanconcelos [José Vasconcelos, rival de
Emílio Portes Gil, candidato te Calles] tenha o maior número de partidários, mas parece evidente
que será eliminado. Tem contra si a máquina do governo.” (p. 208).
Em El perfil Ramos relembrava que o espanhol recém chegado na América era um homem
sem limites. Muitas vezes a autoridade metropolitana não se fazia presente e a moral tornava-se
aqui mais flexível do que na Europa. Herdeiro dessa cultura, o mexicano de hoje não saberia
respeitar nem estabelecer regras impessoais e objetivas (RAMOS, p. 107). O mexicano, conforme
Ramos, seria “maledicente” (RAMOS, p. 127). Nada mais maledicente e indisciplinado do que o
comportamento desses líderes revolucionários. Do que a manutenção das mesmas influências por
anos a fio. Do que os dribles no processo eleitoral.
Seguindo o mesmo raciocínio estariam também na colonização espanhola as raízes
explicativas da tendência, no México, de se elaborar leis “excêntricas”. Reconhecendo dispor de
uma cultura por essência derivada, o México acomodou-se: importava da Europa e dos Estados
Unidos todo tipo de “produto”, incluindo a legislação (RAMOS, p. 97-98). A consequência de se
estabelecer leis que não condizem com a realidade é fácil de se prever: simplesmente ninguém as
cumpre (RAMOS, p. 99). “La ley adquiere entonces el fetiche de un fetiche intocable; pero como la
movilidad de la vida no se deja apresar dentro de fórmulas rígidas, rompe a cada momento la
legalidad, dando la impresión de una conducta incongruente” (RAMOS, p. 113).
É de se lamentar que tenha faltado a Ramos abordar os anos mais recentes e não sobretudo
o período da Independência e da Reforma, no que tange à elaboração de leis. E digo isso porque a
análise da Revolução seria um prato cheio para a crítica que Ramos faz em relação à elaboração de
leis, no México. O percurso seguido pela Revolução se caracterizou, desde o início, pela proposição
de uma série de medidas, em vários “Planos”, elaborados por diversos grupos, que em via de regra
pretendiam propor não apenas líderes mas leis escritas, regras formais, que garantissem o
cumprimento de demandas mexicanas bastante claras e reais. Buscou-se a consolidação e
uniformizações desses anseios na promulgação da Constituição, em 1917. E seu texto de fato
propunha reformas sociais: versava sobre a reforma agrária, a nacionalização dos bens naturais
mexicanos, o sistema de ensino, os direitos dos trabalhadores (WOMACK, p. 163). Ainda assim,
como veremos na penúltima seção deste artigo, pouco do que se propõe, por exemplo, para o
campo foi posto efetivamente em prática, por motivos eventuais, por falta de vontade política, ou
em razão de interesses pessoais de certos líderes.
Katz aponta que, mesmo antes do início da revolução os líderes políticos que se destacariam
nela eram admirados chefes aos olhos das populações locais, em seus estados de origem. A família
Madero, por exemplo, garantia acesso à educação e saúde para seus empregados e agregados,
conquistando fidelidade (KATZ, p. 96).
Quer dizer: o fato é que, no México, antes e depois da deposição de Díaz chefes locais
costumaram sobrepor seus interesses às leis. Com a institucionalização da Revolução, esses
caudilhos continuaram oferecendo e se sentiram cada vez mais capacitados a oferecer, por si
mesmos, à população, uma série de benefícios. Como se os benefícios não fossem ou devessem ser
garantidos legalmente.
O personalismo, por exemplo, de Carranza, é de se notar facilmente no seguinte fato,
narrado pelos clássicos anais de História do México: sofrendo o ataque do Exército e de Obregón,
teria reunido uma comitiva e sua bagagem em um vagão ferroviário que o levaria para longe da
capital; constavam em sua bagagem pessoal o tesouro do governo e os arquivos documentais
federais (CARMÍN & MEYER, p. 95). Camín e Meyer nos lembram que, durante o governo de
Carranza, foi cunhado o verbo “carrancear” para designar atos de corrupção e desonestidade (p.
88).
Os mesmos investigadores mexicanos não nos deixam esquecer que Obregón certa vez disse
que “não há general que resista a um canhonaço de cinquenta mil pesos”, propondo que mais do
que as leis e os interesses na nação costumavam prevalecer, entre os líderes revolucionários,
interesses (egoístas) econômicos (p. 108). Já abordei aqui o desvio de discurso de Obregón, no
Senado, advogando pela possibilidade de reeleição, pela alteração de um dos princípios básicos da
experiência dita “revolucionária”, desde 1910.
Como será reforçado adiante, antes de ser assassinado Zapata ousou denunciar a
apropriação de latifúndios por parte de “amigos” da revolução. E Womack indica a utilização das
Oficinas de Bienes Intervenidos para beneficiar interesses particulares e não propriamente para
financiar a causa nacional da guerra civil (p. 133 e 136).
Podemos enfim destacar que Calles chegou a assinar seu testamento político ao final de seu
mandado, quando declarou que o México deveria “passar de uma vez por todas da condição
histórica de ‘país de um homem’ à de ‘nação de instituições e leis’ (Apud CARMÍN & MEYER, p.
125). Entretanto, é sabido e aqui já foi dito que interferiu intensamente no governo dos três
presidentes seguintes. Enviava de sua residência decisões a serem tomadas pelos presidentes
eleitos, meros administradores de suas vontades. Tanto foi ele quem indicou o nome de Portes Gil
para ser apoiado pelo PRN e enfiado goela abaixo dos eleitores mexicanos; quanto foi ele quem
propôs a Ortiz Rúbio renunciar. Em 1933, Pérez Treviño manifestou o respeito à vontade de Calles,
ao retirar sua candidatura e dedicar-se à campanha do candidato preferido por Calles: Lazaro
Cárdenas (CARMÍN & MEYER, p. 130-132).
Como vimos, Ramos compartilhava a idéia de que os destinos dos movimentos
revolucionários mexicanos do início do século XX foram em grande parte responsabilidade de uma
minoria (RAMOS, p. 171).
Conforme Womack nem mesmo o período de institucionalização da revolução, a partir da
chegada dos sonorenses ao poder, foi um período de uniformização de interesses plurais.
Correspondeu à consolidação da primazia dos caudilhos do norte, homens de iniciativa, autônomos,
audazes, empreendedores; homens que se considerariam mais modernos do que o restante do
país, “os californianos do México”. Por sua formação e vivências, tais homens não podiam
compreender ou respeitar o estilo de vida dos mexicanos do sul, ainda fortemente ligados às
tradições indígenas ancestrais; mexicanos de hábitos simples, contemplativos, muita vezes dóceis.
O Partido Republicano Nacional não concentrava, portanto, nem os interesses de uma classe
nacional, nem de um grupo ideológico nacional, ou um líder de projeção nacional. O PNR
concentraria homens que compartilhavam um mesmo estilo de vida, de negócio, de prática política,
homens de origem quase sempre circunscrita a uma determinada parcela do território mexicano: o
norte (WOMACK, p. 191 + MEYER JR., p. 193). A próxima seção deste artigo se dedica a pensar
sobre o perfil político desses chefes.
E as demais classes e grupos que se costuma tomar como participativos do processo
revolucionário? Refletir sobre qual seria a visão de Ramos em relação ao papel político das classes
pobres é o objetivo da quarta seção. E as relações político-culturais entre o México da Revolução e
nações estrangeiras é o assunto da seção que encerra este artigo.

3. O perfil político dos chefes revolucionários e dos eleitores da classe média


Ramos afirmara em El perfil que, embora fosse numericamente minoritária, a classe média
era o grupo social que vinha, nas últimas décadas, ditando os destinos da política no México
(RAMOS, p. 129).
Como afirmam Camín e Meyer, a classe média foi um dos grupos que abraçaram a causa
revolucionária com maior vigor primeiramente porque recaíram em grande parte sobre ela os
prejuízos da política econômica porfirista. Díaz garantia isenções fiscais para as indústrias
estrangeiras que se estabeleciam em terreno mexicano, solicitava empréstimos de banqueiros
internacionais, e por conta disso acabava por ampliar os impostos e gerar uma inflação alta que
reduziam consideravelmente o poder de compra de comerciantes, advogados, médicos e
profissionais liberais em geral (CARMÍN & MEYER, p. 19).
Conforme Katz, a crise de 1908 foi determinante para fazer crescer a insatisfação da classe
média. Atingindo indústrias e o campo, essa crise reduziu a possibilidade de arrecadação do
governo, levando-o a aumentar ainda mais os impostos. Paralelamente, os estabelecimentos
bancários, nas mãos de estrangeiros ou de abastados investidores intimamente ligados ao ditador,
por conta da crise reduziram a oferta de crédito e aumentaram os juros, deixando poucas
alternativas de socorro financeiro aos pequenos comerciantes e profissionais liberais (KATZ, p. 88).
Em segundo lugar, a classe média não se sentia contemplada pela administração de Díaz
porque em geral cargos públicos e postos de destaque eram ocupados pela oligarquia tradicional
(CARMÍN & MEYER, p. 19). Os jovens mexicanos recém-formados também não viam possibilidade
de ascensão nem mesmo nas empresas estrangeiras que vinham chegando ao México, pois os
melhores postos eram ocupados por estrangeiros ou herdeiros de tradicionais famílias
latifundiárias porfiristas (KATZ, p. 91).
Por isso, vendo Francisco Madero presidente negociar com elementos do regime deposto, e
compondo um gabinete com muitos figurões do Porfiriato, a classe média urbana mexicana
também não lhe poupou críticas (WOMACK, p. 111 + CARMÍN & MEYER, p. 43). Classificaram-no
como “um inescrupuloso promotor de seus interesses familiares” (CARMÍN & MEYER, p. 43).
A chegada de Huerta ao poder, por sua vez, soou-lhes como uma volta ao porfirismo:
economia desordenada, poucas oportunidades de participação e pouca liberdade de expressão. Por
isso a identificação era maior com a administração dos caudilhos do norte.
Segundo Camín e Meyer, “se não tivesse havido a revolução, nenhum desses homens teria
deixado de triunfar como gerentes, comerciantes e agricultores, mas nenhum também teria
encontrado o caminho livre para alcançar o status econômico e social da oligarquia porfiriana, sem
contar a prosperidade política” (p. 60). Esses homens a quem se referem os historiadores
mexicanos que acabo de citar são mexicanos tais como Obregón e Calles. Mas poderíamos assim
nos referir a diversos representantes anônimos das classes médias, de mentalidade “moderna”,
que se identificavam com o jeito sonorense de administrar o país. Essa classe média se identificava
com os políticos do norte.
Essa classe média via os revolucionários atentos aos problemas rurais com uma certa
desconfiança. Aos olhos dela, teriam problemas se chegassem ao poder, porque não possuiriam um
verdadeiro projeto político. A bem da verdade, para além do interesse de Zapata em realizar uma
reforma na estrutura agrária do país, de fato muitos dos grandes chefes caudilhos não possuíam
programa político nenhum. Camín e Meyer narram o diálogo que Zapata e Villa teriam tido em
Xochimilco, em 1914, quando se encontraram pela primeira vez; Villa teria dito: “compreendo
muito bem que a guerra a fazemos nós, os homens ignorantes, e se aproveitam dela os gabinetes.
Mas tudo bem, porque não preciso de cargos públicos. Não saberia o que fazer com eles” (p. 78).
Em vistas disso a classe média mexicana optou por apoiar o conservadorismo de Carranza. E,
depois, por investir em Obregón como uma alternativa entre o radicalismo dos zapatistas e o
carrancismo reacionário (CAMÍN & MEYER, p. 71).
Efetivamente, conforme Camín e Meyer elementos para um programa político nacional
podem ter sido esboçados pelo Plano de San Luís, e pipocaram aqui e acolá, nos diversos “Planos”
formulados ao longo da história da Revolução. Só que uma modalidade dele apenas começou a ser
implementado mais ordenadamente não com a constituição, promulgada durante o governo de
Carranza, e sim com a chegada dos sonorenses à presidência do México. Já disse que eles se
caracterizavam por um modus operandi bastante específico do norte mexicano, com o qual as
classes médias de outras regiões se identificaram. Agora é hora de observar mais de perto que tipo
de projetos implementaram.
Conforme os pesquisadores mexicanos citados no parágrafo anterior, Calles teria restringido
sua política à administração da economia nacional. Cuidou de criar o Banco do México, o Branco de
Crédito Ejidal e o Banco Cooperativo Agrícola. Promoveu a reconstrução das ferrovias destruídas
durante as batalhas, e a ampliação da malha ferroviária e rodoviária – começou a construir a
rodovia Pan-americana e a estrada Acapulco-Veracruz. Investiu na irrigação de regiões secas (p. 105
e 136). Equilibrou tais investimentos com a política de enxugar o orçamento da nação, organizar o
sistema monetário mexicano, reestruturar o sistema de crédito (CARMÍN & MEYER, p. 134). E o fez
mesmo em meio à crise de 1929 que assolou as economias mais sólidas do mundo. Contudo, Calles
não abraçou um pacote de medidas sociais mais amplas.
Obregón, no governo anterior, diferentemente, parece ter desenvolvido um programa
político mais amplo. Fez acordos com operários, aumentou a área ocupada pelos ejidos e
preocupou-se com a questão do ensino, daí ter transformado o Departamento de Educação em
“Ministério”, e escolhido para por ele zelar o célebre intelectual José Vasconcelos (CARMÍN &
MEYER, p. 104).
Vasconcelos pensava “educação” num sentido bastante amplo, e foi além de ampliar a rede
de ensino pública no campo e nas cidades. Promoveu a alfabetização de indígenas, aumentou o
salário dos professores, construiu bibliotecas, publicou livros de escritores mexicanos e clássicos
internacionais. Também financiou projetos artísticos, como o muralismo. Desenvolvido pelos
chamados “los trés grandes” – Diego Rivera, José Clemente Orzoco e David Alfaros Siqueiros, o
muralismo almejou ser a expressão simbólica máxima da Revolução Mexicana: uma arte
monumental, produzida necessariamente de maneira coletiva (ainda que autoral), visava falar
sobre as massas para as massas (MEYER JR, p. 200-201).
O vínculo entre artistas e políticos foi retomado mas revisto no governo de Calles.
Vasconcelos não mais integrava o Ministério da Educação; e fez falta sua generosidade quixotesca.
Os escritores, pintores e escultores que foram vinculados ao governo e desfrutavam de certas
vantagens passaram a ser rotulados como “intelectuais de boa fé”. Aqueles que se opunham a
reproduzir o discurso nacionalista e panegírico pregado por Calles eram rotulados como
“descastados”, “traidores da pátria”, e tendiam experimentar dificuldades financeiras (MEYER JR.,
p. 201-202).
Assim foram rotulados poetas surrealistas do porte de Xavier Villarrutia e seus
companheiros, editores da revista Los contemporáneos. Ramos, que chegou a contribuir para essa
publicação e circulava entre esses intelectuais, em El perfil faz sua defesa: “No es deprecio a su país,
ni incomprensión de sus problemas la causa de que el intelectual mexicano no haga citas de la
realidad circundante; es que cuando el espíritu quiere expresarse tiene que hacerlo en su lenguaje
proprio que no ha creado todavía el suelo americano, y que sólo puede dárselo la cultura europea.
(...) Ser indiferente a ella sería tal vez signo de una inferioridad que nos condenaría a no salir nunca
de los horizontes de la patria, a no poder acercarnos a una comunidad más vasta de hombres. (...)
El hispanoamericano es apto a elevarse a la universalidad espiritual y tiene voluntad de realizarla en
sus formas posibles” (RAMOS, p. 137).
O Ministro da Educação de Calles, Moisés Saénz tinha projetos diferentes para o ensino no
México. O humanismo de Vasconcelos passava a ser considerado como demasiadamente sonhador,
genérico e pouco efetivo. Dava-se agora prioridade às escolas rurais, orientadas a práticas laicas e
profissionalizantes. O Ministro dizia: “É tão importante criar galhinhas quanto ler poesia” (Apud
MEYER JR., p. 202).
Ramos admite, em El perfil, a importância do projeto de Saénz, em razão da acolhida
popular que teve. Fazia sentido para todo mexicano que cuidar da educação de crianças, voltando-
se para sua formação técnica, condizia com as aspirações de desenvolvimento econômico pessoais
e nacional. Mas Ramos lamenta em seu livro que isso tenha ocorrido na mesma proporção em que
o ensino universitário, acadêmico, foi perdendo importância no México. O intelectual mexicano
deixou de ser “respeitado”. Um desprezo que Ramos relaciona a certa inveja obscura e,
provavelmente, inconsciente (RAMOS, p. 139).
Como aludi anteriormente, a descrição da conduta política dos líderes sonorenses parece
coincidir com a visão de Ramos acerca do mexicano em geral. Ramos traça no capítulo 4 de seu
livro características que considera bem típicas do cidadão padrão do México, o qual tentaria
demonstrar certo nível de civilidade, disfarce confuso que não corresponderia ao que ele realmente
é (RAMOS, p. 119).
Ramos não se dedica, todavia, a apresentar um quadro “fechado” acerca de como o
mexicano é em essência. Descobri-lo, diz em El perfil, é tarefa de todos. Ramos apresenta no livro
algumas de suas suposições. Pontua como o mexicano tenta parecer. E como ele deseja que o
mexicano não seja.
Na conformação do mexicano típico, Ramos destaca o legado da cultura do espanhol
colonizador. Do espanhol o mexicano haveria herdado o conservadorismo, o espírito individualista
e o fato de ser brutalmente passional (RAMOS, p. 103).
Recorda que no período colonial as classes mais altas tinham sua riqueza baseada não no
trabalho, e sim na concessão de privilégios pela Coroa. As classes mais pobres, subservientes, tudo
aceitavam e se adaptavam como podiam ao domínio dos chefes locais. Esse equilíbrio raramente
era quebrado e se reproduziu ao logo da Revolução Mexicana, com a adesão de pobres
camponeses às milícias de seus chefes caudilhos. O faziam porque insatisfeitos com suas condições
de vida e na intenção de depor o poder centralizado e sem dúvida nenhuma opressor de Díaz; mas
muitas vezes quase sem questionar o valor de um Madero, um Obregón, um Calles, um Zapata, um
Pancho Villa. A Crítica a esses indivíduos em geral vinha “de fora”, de outros cantos do país, e não
daqueles com quem conviviam cotidianamente, cujos defeitos conheciam de perto e de cujos
benefícios desfrutavam (RAMOS, p. 107).
Seguindo tal legado cultural, o mexicano se faria indiferente no que diz respeito ao coletivo.
Seguindo tal legado cultural, o mexicano típico seria, segundo o olhar de Ramos, egoísta e
egomaníaco (RAMOS, p. 127).
Dentre as três características herdadas do contato com o espanhol colonizador, para Ramos
a passionalidade seria a única não inteiramente deletéria. Quando se volta para fora, ao ver de
Ramos, faz-se vantajosamente solidária e construtiva. Seria o caso de José Vasconcelos, o Ministro
da Educação de Obregón. Seria talvez o caso de Zapata, não citado em nenhum momento do texto
de El perfil.
Porém, acontece que quando a paixão se volta para dentro, como tantas vezes, conforme o
autor, seria característico do comportamento do homem do México, incorre-se novamente no
individualismo cego, e na dificuldade de ordenação de uma vida coletiva. (RAMOS, p. 164-165).
A paixão de Madero pela liberdade de expressão e pela legalidade enquanto a maioria
desejava transformação; a paixão de Villa pela guerra, enquanto se deseja o reordenamento da
nação; a paixão de Obregón pelo poder. Caos político é decorrência previsível numa sociedade
composta por indivíduos com tais características.
Por fim, parece ser, para Ramos, um legado da colonização o fato do mexicano comum ser
caracteristicamente aventureiro (RAMOS, p. 106): colonizar foi uma empreitada sem muito projeto
e cheia de riscos, assim como os percursos de Madero, Carranza, Zapata, Villa, Obregón e Calles.
Mas Ramos também sugere algumas características que seriam típicas do mexicano e bem
distintas do espanhol padrão. O mexicano comum é idealista e gosta de falar bonito (RAMOS, p.
113). Porém, não pode seguir retamente uma religião ou uma ideologia, suas idéias são vagas e
artificialmente copiadas; e seu discurso é vazio. Pretende se mostrar um homem de sentido prático,
mas age conforme as circunstâncias, de forma imediatista e reativa; não no sentido de transformar
e criar conforme seus interesses e necessidades (RAMOS, p. 122-123). O mexicano se diz radical e é
utópico, porque guarda uma crença infantil de que é capaz de submeter a realidade à sua vontade
(RAMOS, p. 160 e 175).
Romântico, tenderia, segundo Ramos, a constantemente decepcionar-se e tornar-se
pessimista. Assim como Vasconcelos se havia decepcionado. Após propor todo o programa
educacional citado acima, foi desprezado pelos sonorenses. Como disse há pouco, candidatou-se à
presidência em 1929, mas perdeu para a máquina do PRN. Foi quando escreveu o livro “El ocaso de
mi vida”.
Todas essas características fundamentam o comportamento político confuso do mexicano, e
de certa maneira “explicam” os desdobramentos ilógicos, ambíguos e contraditórios da Revolução
Mexicana.
Mas, para além, Ramos destaca uma característica elementar do mexicano, que condiz
inteiramente com o espírito revolucionário: como se sente extremamente vulnerável, impotente;
como desconfia de tudo e de todos, se mostra como um homem viril, machista, grosseiro, violento,
explosivo (RAMOS, p. 92, 119 e 121). O mexicano típico se apresentaria como “Un animal que se
entrega a pantomimas de ferocidad para asustar a los demás, haciéndole creer que es más fuerte y
decidido” (RAMOS, P. 199).
O tom de ameaça, o tom machista, se fazia presente mesmo em momentos de relativa paz.
Obregón dirigiu-se à oposição no Senado, quando era presidente, da seguinte maneira: “Nossos
inimigos deveriam se apressar em afiar suas adagas e apontar seus rifles assassinos porque a guerra
é sem quartel, dente por dente, vida por vida.”
Como lembram Camín e Meyer, Calles sentia “repugnância quase física” pelos cristeros.
“Para ele, religião era coisa para mulheres e Jalisco era o ‘galinheiro’ da República” (p. 118). A
chamada Guerra Cristera foi considerada pelos sonorenses no poder uma rebelião tardia e
ideologicamente arcaica, mobilizada por camponeses cegos pela doutrina católica. Desenrolou-se
em diversos estados da região central do país, dentre os quais Jalisco, e durou de 1926 a 1929,
provando que os rebeldes não eram tão afeminados, frágeis ou suscetíveis como costumavam
supor os sonorenses. (CARMÍN & MEYER, p. 116-117).
Quais motivos levaram ao levante Cristero? Os caudilhos do norte, de inclinação jacobina,
revelaram-se severos críticos no que tange à influência do catolicismo nos lares mexicanos.
Pregaram a necessidade de se estruturar um Estado laico, de se fornecer registros civis de
nascimento e casamento, e uma educação pública secularizada.
José Clemente Orozco lembra que ainda no início da década de 1910 chefes nortistas
invadiram a cidade de Orizaba, destruíram o templo de Los Dolores, e utilizaram os santos, os
confessionários e os altares como madeira para queimar nos fogões dos acampamentos (Apud
CAMÍN & MEYER, p. 74). Em 1915 Obregón degredou dezenas de padres, e, numa clara tentativa de
desmoralização da Igreja, permitiu que se divulgasse a informação de que muitos deles estavam
contaminados por doenças venéreas (CAMÍN & MEYER, p. 74). Por fim, durante o governo de
Calles, a perseguição aos líderes católicos foi sistemática: foram proibidas as missas públicas, a
celebração de casamentos religiosos, diversos templos foram fechados e sacerdotes degredados. O
Código Penal que o presidente propôs ao Senado mexicano no ano de 1926 tipificava crimes
religiosos e determinava penas a serem cumpridas pelos clérigos infratores (CAMÍN & MEYER, p.
114-115).
Homem de seu tempo, Ramos não deixou de abordar a questão religiosa. Em El perfil
o catolicismo é analisado sob um viés positivo: o viés do mérito de ter sido o grande agente
civilizador do México (RAMOS, p. 103). Foi em torno da Igreja que se ergueram as cidades
mexicanas desde a colonização até a Reforma. Foram os sacerdotes que, “para bién o para mal”,
nas palavras de Ramos, apresentaram as primeiras referências de comportamento civilizado,
consciência de coletividade, e também de filosofia e arte (RAMOS, p. 131). Aspectos ainda não
inteiramente assimilado pelos mexicanos modernos. Talvez lhes faltasse ainda uma certa
maturidade coletiva/nacional...
Aliás, tal questão vem a calhar: a juventude da nação mexicana justificaria, para Ramos, seus
enganos mais característicos. (RAMOS, p. 93). E, de fato, não apenas o México era um país jovem;
sua população, em princípios do século XX, era composta majoritariamente por jovens. Escreve em
El perfil, ao caracterizar o mexicano, que haveria, então, um horror quase doentio à velhice.
“Conozco personas que a los treinta y cinco años se sienten viejas” (p. 166).
Camín e Meyer citam um legítimo representante da classe média do estado de Sonora,
Benjamín Hill. Dizia ele, em 1908: “Uma onda de sangue fresco é indispensável para renovar o
sangue estagnado das veias da República, debilitada por velhos decrépitos, em grande parte restos
horrorosos do passado mas, se quiserem, múmias que obstruem materialmente a marcha de nosso
progresso” (Apud CARMÍN & MEYER, p. 19).
Semelhante era a visão que se tinha do presidente Porfírio Díaz, reeleito pela sexta vez aos
75 anos. Luis González y González escreveu, sobre ele, que “Já não era o carvalho que um dia havia
sido. Mesmo a acuidade e a força de vontade haviam-se abrandado. As idéias lhe fugiam e as
palavras lhe faltavam. (...) Ele se tornou sentimental e lacrimoso e, consequentemente, incapaz de
emitir decretos. (...) A idade média de seus ministros, senhores e governadores era de 70 anos. (...)
O staff do velho ditador era quase tão velho quanto ele e alguns de seus assessores eram ainda
mais acabados” (CARMÍN & MEYER, p. 27).
Ainda que Ramos percebesse tal fenômeno como característico da época e não apenas da
nação mexicana, notava um agravamento em seu país, sobretudo após a queda de Díaz. Naqueles
idos se havia visto revezar no poder líderes de pouca idade. A valorização de uma suposta energia
da juventude deixava a impressão de que a vida se compunha de duas etapas, apenas: a juventude
e a velhice (RAMOS, p. 167).
Quase ao final de seu livro Ramos avalia as vantagens e desvantagens de ser governado por
um chefe jovem. Positivamente, seria impulsivo e dinâmico. Mas, negativamente, seria utópico
demais, e tendente ao egoísmo. Então, concluía: “No trato de sugerir, desde luego, que la política
deba ponerse en manos de los viejos, que la harían virar, probablemente, en sentido reaccionario.
Quiero decir más bien que, siendo la política una acción sobre cosas reales, debe ser la obra de
hombres maduros” (RAMOS, p. 168-169). Ramos, em El perfil, sempre atenta para a necessidade de
um senso mais profundo de realidade, e de um olhar mais crítico, tanto por parte de políticos como
por parte dos cidadãos comuns, para que se pudesse transformar do México.

4. Silêncio: as classes baixas no período revolucionário

Pode parecer descaso ou imperícia, mas o fato é que Ramos não se dedica a abordar
efetivamente classes trabalhadoras do México revolucionário. Destaca vários aspectos relativos à
personalidade do mexicano, mas não fala da importância da terra em sua identidade. Realiza uma
severa crítica da sociedade tecnicista, a qual abordarei na próxima seção, mas não trata da
condição do trabalhador das indústrias mexicanas do início do século XX.
Pode se dizer que, como legítimo representante da classe média que analisei na seção
anterior, Ramos não se preocupasse com os projetos políticos de Zapata. Ou pode-se concordar,
com Womack, que, na realidade, ainda que se costume classificar mais recentemente a Revolução
Mexicana como um movimento essencialmente rural, talvez não o tenha sido. Não aos olhos de
muitos de seus contemporâneos.
Da queda de Díaz à posse de Cárdenas pouco se tinha feito de transformador na estrutura
agrária do país. Zapata chegou mesmo a denunciar, certa feita, o fato de líderes revolucionários,
além de não realizarem a reforma agrária, estarem acumulando terras. Segundo Camín e Meyer,
ele teria dito: “As haciendas estão sendo cedidas ou arrendadas aos generais favoritos; os antigos
latifúndios, substituídos em muitos casos por latifundiários modernos que usam fragonas, quepes e
pistolas nos cintos; os povoados estão sendo burlados em suas esperanças” (p. 89).
Transcorridos 24 anos de lutas, o ejido passou a ser considerado uma estrutura inadequada
às necessidades econômicas do país, as terras distribuídas foram poucas e concentradas na região
sul, e a produtividade do pequeno proprietário era baixa e pouco competitiva, por falta de
subsídios do governo (MEYER JR., 228).
Isso nos obriga a lembrar a hipótese de Camín e Meyer (p. 14-16), segundo a qual a
Revolução não eclodiu em um México marcado pelo atraso e pela miséria. Suas cidades e indústrias
cresciam, a oferta de emprego para os operários também, a produção no campo era modernizada,
as exportações dos produtos agropecuários ganhavam vulto, meios de transporte e comunicação
mais ágeis e eficientes encurtavam as distâncias entre aquele país tão marcado pelos
regionalismos.
O caso é que tal desenvolvimento se operou de maneira desordenada, gerando inflação,
tornando a economia nacional vulnerável, destruindo a economia camponesa, criando
desconfiança em relação aos estrangeiros, fazendo crescer o sentimento nacionalista. Por isso a
Revolução se fez inevitável.
Isso levou os governos sonorenses a optarem por negociar com a classe operária.
Associados à Confederacíon Regional Operária Mexicana, garantiam benefícios, mas evitavam
greves. Era um prenúncio tortuoso do que veio ocorrer no governo de Lázaro Cárdenas: o
sindicalismo como uma das bases fundamentais de sustentação da política presidencial. Mas sobre
tal questão El perfil guarda completo silêncio.
Ramos deve ser, então, por conta disso, considerado um intelectual elitista e desinteressado
no que diz respeito às classes trabalhadoras? Ou o enfoque de Ramos é tão cultural que se
concentra, como tenho dito, não tanto em dados quanto em análise; e também não tanto em
“classes sociais” quanto em determinados grupos com determinados padrões de comportamento?
Pelo sim ou pelo não, o fato é que o perfil que Ramos traça do homem e da cultura no
México não abre espaço para a experiência de camponeses e operários como trabalhadores, suas
inquietudes, desejos e esperanças. Todavia, abre espaço para abordar o índio, elemento que
observa de maneira confusa, e que podemos tomar aqui como o expoente “massa” mexicana que
mais interessa e preocupa o autor de El perfil.
Conforme a historiografia atual ao que tudo indica a visão que se tinha do indígena, à época
da Revolução, variava significativamente no Sul e no Norte do México. No Sul, diversas
comunidades indígenas mantinham sua organização e cultura mais ou menos intactas. No Norte,
têm-se notícia de que os últimos resistentes, as tribos dos índios mayos e yaquis, teriam sido
“pacificados” ainda no final do século XIX; quer dizer, pouco restava de suas tradições (CARMÍN &
MEYER, 18).
Nesse contexto, convém destacar que em El perfil Ramos se declara crítico às teorias
biologicistas em voga na época, as quais pregavam a inferioridade elementar de negros e índios e a
necessidade do branqueamento (RAMOS, p. 109).
Por isso talvez possa parecer surpreendente que afirme categoricamente que o indígena
não apresentou qualquer contribuição na formação da cultura mexicana. Ramos não pode negar
que na formação histórica mexicana houve mestiçagem, é claro; porém, a seu ver, ela se restringiu
a questões étnicas, a características físicas (RAMOS, p. 102). O mexicano seria, assim, tipicamente
um homem de “fisionomía blanca con un matiz de color” (RAMOS, p. 106).
De maneira quase contraditória, o autor de El perfil admite que “por un influjo mágico”,
quer dizer, sem que se possa explicar racionalmente, o “mexicano” tem em comum com o
“indígena” o fato de se entregar ao devir das coisas, sem criticar ou tomar as rédeas da situação
(RAMOS, p. 108).
Declara que a cultura indígena nativa se caracterizava por uma grande maleabilidade. Havia
adotado sem resistência um ou outro elemento da cultura européia invasora, até perder por
completo o sentido original (RAMOS, p. 103). Mas Ramos não deixa de lembrar que contou muito
nesse processo a brutalidade do colonizador. (RAMOS, p. 102). A passividade típica do índio,
portanto, corresponderia à da vítima que não sabe como reagir a um agressor extremamente mais
forte, e se entrega. Daí classificá-lo como aparentemente apático e insensível (RAMOS, p. 106).
Os indígenas sobreviventes no México, até aquela década de 1930, eram para Ramos “como
un coro que assiste silencioso al drama de la vida mexicana” (RAMOS, p. 122). Os mexicanos de
classes inferiores não se distinguiam muito desse comportamento.
Mas ele prefere atribuir essa semelhança a mera fortuidade. O “comodismo” dos grupos
menos abastados corresponderia mais certamente à tal aqui já abordada herança do colonizador
espanhol, que era “inerte”, “entumecido”, resignava-se à ausência de liberdade imposta pela
metrópole e pouco ousava criar de novo (RAMOS, p. 109).
A crítica de Ramos em relação às teorias biologicistas, portanto, não se destinava a redimir o
índio frente à tradicional visão denegritória. Vinha embasar sua visão do mexicano como uma raça
mestiça, e vinha de encontro à sua visão crítica mas em última instância otimista em relação ao
futuro do México – ele diz que não há dados empíricos capazes de provar que a mistura de raças
gere “decadéncia orgánica o funcional” (RAMOS, p. 109).
E já que estamos tratando de mestiçagem cultural, é hora de abordar como as relações
entre México e potências estrangeiras influenciaram na Revolução, e de abordar o temor de Ramos
em relação à força com que essa influência, econômica e comportamental, vinha ocorrendo em seu
país.

5. Revolução e potências estrangeiras

Ramos se interessou pelas formas como países europeus e os Estados Unidos vinham se
relacionando com o México. Para ele, a análise dessa presença estrangeira em território nacional,
era essencial para se compreender de maneira mais completa e profunda o perfil do mexicano
“atual”.
Efetivamente, o quadro dessas relações é muito mais complexo do que possa parecer a
princípio: os chefes revolucionários não podem ser rotulados nem como subservientes nem
tampouco como claramente antiimperialistas.
Antes de mais, não podemos deixar de ponderar sobre os encaminhamentos da política
internacional de Díaz. Por vezes o ditador e seus ministros pareciam compartilhar um discurso
antiamericanista. Prezavam por atrair para o México uma diversidade de nações investidoras, sem
dar privilégios a nenhuma delas. Essa talvez tenha sido uma das causas da insatisfação norte-
americana com o ditador e do apoio garantido a princípio à pretensão golpista de Madero (CAMÍN
& MEYER, p. 28 e 33 + KATZ, p. 99-101).
Sim, pode-se dizer que certos agentes da revolução tiveram seus êxitos profundamente
relacionados à influência norte-americana. Foi nos Estados Unidos que Madero se refugiou após a
manobra de Díaz para vencer as eleições. E dos Estados Unidos Madero conclamou a população
mexicana para insurgir-se no célebre dia 20 de novembro de 1910. Dos Estados Unidos ele partiu
armado para pôr fim ao Porfiriato, seis meses depois, e tomar a presidência (CAMÍN & MEYER, p.
33-35).
Ironia do destino: interesses dos Estados Unidos também ajudaram a depor Madero.
Primeiramente, porque o presidente revolucionário havia aprovado um imposto que contrariava as
empresas petroleiras norte-americanas. Depois, porque Madero havia tentado, secretamente,
negociar com franceses uma alternativa de empréstimo, visando escapar ao controle político-
econômico do Tio Sam. Então, o embaixador norte-americano no México, Henry Lane Wilson, não
apenas ajudou a armar os golpistas ligados ao chefe do Exército, o general Victoriano Huerta, como
enviou navios de guerra para a costa de Veracruz (CAMÍN & MEYER, p. 51-54 + WOMACK, p. 117-
121).
Do porto de Veracruz, os mexicanos voltaram a contemplar a presença de navios norte-
americanos pouco tempo depois, por iniciativa de um novo embaixador, cujo nome ficaria marcado
para sempre nos anais de História do México: Woodrow Wilson. O novo Wilson não cansou de
repetir, nos anos que se seguiram, o argumento de que era preciso garantir a segurança de vidas e
propriedades norte-americanas no México (CAMÍN & MEYER, p. 65-66).
Mas para financiar um prometido aumento aos oficiais do Exército que eram a base de
sustentação de seu governo, Huerta fez uma opção semelhante à de Madero: negociou um
empréstimo com bancos franceses (WOMACK, p. 124). Negociou também com o capital inglês,
deixando bastante irritado o embaixador Wilson (WOMACK, p. 126).
A reação foi o embargo de armamentos destinados por comerciantes norte-americanos ao
México. Huerta fez pouco caso da rivalidade e investiu em armas européias e japonesas. O
embaixador dos Estados Unidos, então, recusou-se a reconhecer a legitimidade da eleição de
Huerta em 1913, e organizou uma expedição armada que chegaria a Veracruz em navios norte-
americanos, embarcaria em um trem, e se dirigiria à capital, para depor o presidente. (WOMACK, p.
122, 126, 128, 131).
A oposição a Huerta, porém, não desejava o apoio norte-americano. Tratava-se do grupo de
caudilhos do norte, caracteristicamente nacionalistas, antiamericanistas, em princípio avessos ao
grande capital internacional (CAMÍN & MEYER, p. 68).
O fato é que, com o passar do tempo, já não interessava mais aos norte-americanos o
estabelecimento de um poder centralizado no México. Temiam que esse poder acabasse por
reverter o jogo e fechar parcerias com sua então principal rival na guerra e no comércio
internacional, a Alemanha. Estavam, além disso, mais preocupados com a Europa do que com o
continente americano. Transcorreu, assim, um período bastante confuso nas relações diplomáticas
entre mexicanos e norte-americanos. Os Estados Unidos chegaram, nesse momento, a cogitar um
apoio a Pancho Villa (WOMACK, p. 141 e 160).
Empoçado presidente, Carranza optou inicialmente por uma postura cautelosa em relação
aos Estados Unidos. Esperava a Primeira Guerra Mundial chegar ao fim, para ter maior espaço de
manobra e negociação. (WOMACK, p. 152-153). Tendo que gastar com as guerras contra tropas
oposicionistas, dentre as quais as de Pancho Villa, e visando evitar pedir empréstimos a bancos
norte-americanos, optou pela emissão de papel moeda – os chamados “infalsificables”. Gerou
obviamente um aumento na inflação e insatisfação generalizada (WOMACK, p. 123 e 153).
Daí em diante, Carranza foi do tratamento hostil a um flerte simpático com as companhias
norte-americanas no México, dependendo da percepção que tinha acerca da vulnerabilidade de
seu governo, e da necessidade de pedir apoio militar e financeiro aos Estados Unidos (CAMÍN &
MEYER, p. 91 + WOMACK, p. 169 e 175).
Era desejo de grande parte dos revolucionários desde os primeiros motins, e passou a
constar na Constituição de 1917, proposta à época do governo carrancista, a nacionalização das
riquezas naturais mexicanas, incluindo o solo, os minérios, o petróleo. (CAMÍN & MEYER, p. 110).
Então, em 1925 Obregón começou a formular uma legislação que propunha a nacionalização das
companhias de extração de petróleo e, também, a proibição de que estrangeiros tivessem
propriedades afastadas a menos de 50 quilômetros da costa mexicana, o que incluía inúmeras
jazidas petrolíferas (p. 120).
Pontos de confronto importantes entre o governo de Calles e os Estados Unidos dizem
respeito não apenas a interesses mexicanos, mas às relações entre o México callista e outras
nações. Um deles foi o estabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética, em 1924.
Dois anos depois, Calles ajudaria a armar ao nicaragüense Juan Bautista Sacasa, que então
promovia um golpe contra o governo de Adolfo Díaz, ligado aos Estados Unidos (CAMÍN & MEYER,
p. 121).
Mesmo assim, tanto Obregón quanto Calles tiveram, cada um a seu momento, que ceder. O
reconhecimento do Estado revolucionário mexicano por parte dos Estados Unidos era essencial
para que pudessem regularizar a situação econômica do país, e iniciar gastos que promovessem o
reordenamento e o desenvolvimento da nação (CAMÍN & MEYER, p. 111). Destarte, os líderes
sonorenses, por mais antiamericanistas que pretendessem dizer ser, se tornaram ainda mais
vulneráveis quando estouraram tentativas de golpe e rebeliões – no caso de Obregón, a tentativa
de Adolfo de la Huerta retomar o poder; no caso de Calles, a Guerra Cristera.
A bem da verdade, já em sua posse Obregón havia declarado a percepção de que era
fundamental abrir-se ao diálogo com dos Estados Unidos. Em um de seus primeiros discursos como
presidente, afirmou: “Nossa esperança (...) está colocada na economia e na indústria e na amizade
com nossos vizinhos e capitalistas estrangeiros. (...) Em primeiro lugar, cuidaremos das obrigações
externas do México” (Apud. WOMACK, p. 189). O Ministro das Finanças de Obregón, Manuel
Gomez Morín, declarou em 1922 que era “preciso conseguir esse capital (...) não para ser
embulhado por ele, mas para nosso desenvolvimento” (MEYER JR., p. 212).
Calles jogou com os “símbolos”. Considerou a Lei de 1925, promulgada por Obregón,
inconstitucional, porque versava sobre títulos de posse anteriores à própria Constituição. Por outro
lado, pontuou que os empresários norte-americanos deveriam trocar a documentação de posse
suas empresas por títulos de concessão. Na prática, tudo continuava como estava antes. Mas assim
nem norte-americanos se sentiam tão ressabiados com o seu governo; nem mexicanos se sentiam
traídos (CAMÍN & MEYER, p. 128).
El perfil apresenta, assim, uma denúncia: possibilidade dos Estados Unidos colonizarem o
México, fazendo com que ele se tornasse dependente do capital e da tecnologia norte-americanas
(RAMOS, p. 155).
Mas, naquele contexto, Ramos, como intelectual, tinha uma preocupação que ia além dos
gastos com conflitos contra grupos armados, ou da necessidade de equilibrar as finanças do país.
Ramos temia sobretudo a cada vez mais notável influência da cultura estadunidense, porque a
considerava materialista, tecnicista e estreita. Inspirados por um certo americanismo, diz, homens
sem valor hoje apaixonam-se cegamente pelo trabalho prático, pelo dinheiro, as máquinas, a
velocidade (RAMOS, p. 141). Para ele, a única vantagem do pensamento técnico seria produzir
ferramentas que reduzissem o tempo de trabalho físico do ser humano, e lhe permitissem que nos
dedicássemos com mais vagar à reflexão humanística (RAMOS, p. 156).
Ao final de seu livro Ramos parece considerar que a Revolução foi apenas o
desencadeamento de forças, demandas e percepções desordenadas e desmedidas, que careciam
de um estudo objetivo, capaz de configurá-las num projeto sério, mais bem medido e profícuo do
que até então tinha sido costume fazer. Uma investigação que usufruísse da sabedoria dos clássicos
e da vivência dos homens que sobreviveram àqueles anos sofridos, de sua paixão, de seu espírito
aventureiro e crédulo; para um projeto político com senso coletivo, nacional, humano, espiritual e
amplamente transformador – para redefinir o perfil político do mexicano.
Por isso Ramos escreve sua obra mais célebre: para ligar as experiências passadas às
presentes, para entender alterações políticas e continuidades nos comportamentos, hábitos, idéias
típicos do mexicano. Destarte, concluo pontuando que, se Morín e Paz consideravam a Revolução
Mexicana como um momento em que se repensou o país, Ramos foi brilhantemente um intelectual
que então o ousou repensar com crítica e esperança.

Bibliografia
CAMÍN, Héctor Aguillar & MEYER, Lorenzo. À sombra de Revolução mexicana. São Paulo: EDUSP,
2000.
KATZ, Friedrich. O México: o Porfiriato. In: BETHELL, Leslie. Historia da América Latina: de 1870 a
1930. São Paulo: EDUSP, 2002.
MEYER JR., Jean. México: revolução e reconstrução. In: BETHELL, Leslie. Historia da América Latina:
de 1870 a 1930. São Paulo: EDUSP, 2002.
PAZ, Octavio. El laberinto de la soledad. México: Fondo de Cultura Económica, 1950.
RAMOS, Samuel. El perfil del hombre y la cultura en México. México: Espasa-Calpe, 1996.
WOMACK, John. A Revolução Mexicana. In: BETHELL, Leslie. Historia da América Latina: de 1870 a
1930. São Paulo: EDUSP, 2002.

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