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Quando um antropólogo investiga sozinho, este potencial de descoberta acaba por
ver-se limitado na sua abrangência, pois os seus instrumentos de pesquisa dificultam a sua
transposição de um nível micro para macro, sem que tal se faça através de generalizações
potencialmente abusivas. Pelo contrário, se se encontra integrado num grupo de investigação
onde pontificam colegas especializados em metodologias macro, viabiliza-se uma mútua
maximização de potencial. Estabelecendo-se uma dinâmica interativa, ele fornece ao grupo
fatores, variáveis e perguntas relevantes que seriam imprevisíveis a priori (evitando que o
estudo se possa transformar numa mera variação acerca do que era pressuposto ou que, para
não se transformar em tal, tenha que reformular e repetir dispendiosas formas de recolha de
dados), ao passo que o restante grupo tem oportunidade de integrar essas contribuições e de
as operacionalizar e avaliar a um nível macro.
Uma outra utilidade coletiva dos antropólogos advém, curiosamente, de uma lacuna
relativa da sua disciplina. A antropologia não utiliza - no sentido estrito que lhe é atribuído em
ciências sociais afins - “indicadores”, sendo também raras e marginais, ou remetidas para a
história da disciplina, as análises baseadas em variáveis dependentes e independentes. Daí
resulta que um antropólogo terá a incómoda tendência para se questionar (e questionar um
grupo multidisciplinar em que esteja inserido) o que é que um determinado “indicador”, por
evidente que possa parecer aos seus colegas, realmente indica. Uma prática, uma
condicionante estrutural ou uma representação social? Uma representação partilhada por
uma comunidade, sociedade ou civilização, ou a interpretação particular de um grupo social
dentro delas, tornada visível por condições de poder e/ou de acesso a essa visibilidade? Uma
regra estável ou manipulável – e dentro de que limites de subversão?
Torna-se, claro está, mais confortável trabalhar segundo uma lógica repetitiva de
construção de indicadores, pouco questionados porque legitimados pelos hábitos disciplinares.
Mas este é (tal como o hábito antropológico de não os formalizar na sua organização dos
dados) mais um caso em que o conforto e a rotina disciplinares podem ser limitadores da
qualidade e profundidade de análise, constituindo por isso uma mais-valia o confronto
dialogante de diferentes tradições disciplinares.
No entanto, esse traço da cultura antropológica apresenta também, para um grupo de
investigação, uma utilidade mais instrumental. Pela flexibilidade das suas metodologias e pela
progressiva relutância disciplinar em «encaixar os factos do mundo objetivo no quadro de um
conjunto de conceitos que foram desenvolvidos a priori» (Leach 1974: 49), o antropólogo está
particularmente apto, não apenas a detetar impasses e potenciais tautologias numa pesquisa
coletiva, mas também a, regressando ao terreno de forma rápida e pouco dispendiosa, desatar
esses nós.
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Um paradoxo fulcral
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Mas mais grave é talvez o facto de, à força de apurarmos o nosso virtuosismo no
repetido uso de complicadas metodologias de análise cada vez mais refinadas, sermos levados
a acreditar que não são apenas intrínsecas caricaturas aquilo que produzimos ou, pior, a
esquecermo-nos de que o são. Dar-nos-emos então por satisfeitos com a reprodução de mais
das mesmas limitações.
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variáveis independentes e dependentes, infraestrutura e superestrutura, constrangimentos
sociais e agência individual, estrutura e conjuntura, deliberação e casualidade.
Contudo, se existe um longo caminho a percorrer até que princípios como estes sejam
conjugados num quadro teórico coerente e operacionalizável, isso não quer dizer que nos
resguardemos numa atitude de business as usual.
Por um lado, porque as tentativas de analisar fenómenos a partir desses princípios
inovadores se têm revelado adequadas e, quando versam casos já estudados de outras formas,
fornecem uma mais-valia de sentido e compreensão (Ward 1995, Lindenfeld 1999, Mosko e
Damon 2005). Por outro, porque ao atentarmos num fenómeno complexo e de mudança com
que estejamos familiarizados, verificaremos que a sua dinâmica e/ou racionalidade
corresponde a uma lógica de caos determinístico (Granjo 2007). Por outro, ainda, porque o
paradoxo que identifiquei constitui um problema grave e ele não desaparece por o
ignorarmos. Por fim, e numa perspetiva pragmática, porque existem diversas formas de
beneficiar das inovações conceptuais que a teoria do caos determinístico pode induzir, sem a
aplicar em sentido estrito.
Antes de mais, a simples assunção de que, para analisar adequadamente um
fenómeno complexo, é necessário identificar de forma exaustiva os fatores que estão nele
envolvidos e o tipo de relações que mantêm entre si conduz a quadros surpreendentemente
pormenorizados, tornando as abordagens subsequentes muito mais completas e adequadas. É
disso exemplo a figura que ilustra este capítulo, representativa dos fatores, interações e
influências que foram pertinentes nos motins de Maputo, ocorridos em Setembro de 2010.
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Para além disso, perante um ponto de partida desta natureza, abre-se a possibilidade
de diferentes níveis de abrangência e aprofundamento da pesquisa subsequente, de entre os
quais a equipa de investigação poderá escolher, em função das condições de que dispõe e dos
instrumentos analíticos que está disposta a utilizar (Granjo 2013). No entanto, passam a ser
para ela evidentes quer as opções que lhe são possíveis (incluindo algumas que não seriam
concebíveis de outra forma), quer os eventuais custos científicos de excluir da análise parte
dos fatores e relações que foram identificados.
A par do seu próprio trabalho de pesquisa e das suas contribuições correntes para que
os fenómenos complexos sejam, tanto quanto possível, concebidos e abordados como tal pela
equipa em que se insere, diria que é esta a principal mais-valia que, atualmente, um
antropólogo da incerteza e complexidade pode trazer a um grupo de investigação
multidisciplinar.
REFERÊNCIAS:
Gluckman, Max. 1961. «Ethnographic data in British social anthropology». The Sociological Review, 9: 5-17.
Gluckman, Max. 1987. «Análise de uma situação social na Zululândia moderna». In Antropologia das Sociedades
Complexas – métodos, org. Bela Feldman-Bianco, São Paulo: Global, 227-344.
Granjo, Paulo. 2007. «Determination and chaos, according to Mozambican divination». Etnográfica, XI (1): 9-30.
Granjo, Paulo. 2013. «Terreno, teorias e complexidade: como não descobrir só o que se espera descobrir». In O que
é investigar?, Paulo Granjo et all, Maputo: Escolar Editora, 25-49.
Grebogi, Celso e James Yorke, eds. 1997. The impact of chaos on science and society. Tokyo/New York: United
Nations University Press.
Lindenfeld, David. 1999. «Causality, Chaos Theory, and the End of the Weimar Republic». History and Theory, 38 (
3): 281-299.
Lorenz, Edward .1993. The essence of chaos. Washington: University of Washington Press.
Mosko, Mark e Fred Damon. 2005. On the Order of Chaos: Social Anthropology and the Science of Chaos. Oxford:
Berghahn.
Ward, Margaret. 1995. «Butterflies and Bifurcations: Can Chaos Theory Contribute to Our Understanding of Family
Systems?». Journal of Marriage and the Family, 57: 629-638.
Waldrop, Mitchell. 1992. Complexity: the Emerging Science at the Edge of Order and Chaos. New York: Simon &
Schuster.