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“OS CORUMBAS” E A ROTINA DO TRABALHO INDUSTRIAL NAS FÁBRICAS TÊXTEIS

DE ARACAJU

Moisés Santos Menezes (FJAV)


Gladson de Oliveira Santos (FJAV)

RESUMO

Análise das condições de trabalho nas fábricas têxteis de Aracaju, no início do século
XX, a partir do discurso literário presente na obra “Os Corumbas” de Amando Fontes.
Foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais de caráter exploratório
utilizando autores como: Certeau (2006), Dantas (2004), Fontes (1937), Engels e Marx
(2003), Netto e Braz (2008), Romão (2000) e Santos (2010). Com isso, observou-se que
a rotina de trabalho nas fábricas era caracterizada por uma estrutura precária
comprometendo a qualidade de vida dos trabalhadores.

Palavras-chave: Fábricas, produção, capitalismo.

"OS CORUMBAS" THE ROUTINE OF WORK IN THE INDUSTRY OF TEXTILE


FACTORIES OF ARACAJU

ABSTRACT

Analysis of working conditions in textile factories of Aracaju, in beginning of century XX,


from the literary discourse in this book "The Corumbas" by Amando Fontes. Bibliographic
and documentary searches were conducted of exploratory nature using the authors as:
Certeau (2006), Dantas (2004), Fontes (1937), Engels e Marx (2003), Netto e Braz (2008),
Romão (2000) e Santos (2010). With this, it was observed that the routine of factory work
was characterized for a precarious disrupts compromising the quality of life of workers.
Keywords: Factories, production, capitalism.

INTRODUÇÃO

As primeiras décadas do século XX, no Brasil, foi um período de consolidação de


novos padrões políticos, culturais e econômicos. A abolição da escravidão, a proclamação
da república, o processo embrionário de industrialização foram acontecimentos que
determinaram adequações cotidianas às novas estruturas sociais.
A implantação das primeiras insdústrias resultou em um processo de recrutamento
de mão-de-obra constituída, na maioria das vezes, por indivíduos migrantes da zona rural.
Esse trânsito interregional contribuiu para o crescimento da população urbana, em várias
regiões do país, e para a fundação de aglomerados urbanos destinados à população
operária.
Esse processo, também vivenciado pela população sergipana, pode ser
reconstruído através de análises de documentos oficiais da época. Entretanto, tais fontes
possibilitam o acesso superficial ao cotidiano da população que participou dessa etapa de
transição, uma vez que os registros das impressões cotidianas dos operários nem sempre
foram realizados. Apesar disso, não podemos considerar que tal dificuldade constitua uma
impossibilidade para a realização de um estudo sistemático sobre o tema, basta saber
que a literatura desenvolvida por Amando Fontes conseguiu registrar importantes
aspectos cotidianos sobre o período.
A utilização de textos literários enquanto fonte para a análise do passado é uma
metodologia presente na prática historiográfica, dadas as semelhenças entre a produção
do conhecimento histórico e a elaboração do discurso literário.
O conhecimento histórico faz ressurgir, em suas interpretações, facetas do real que
puderam ser recriadas a partir da práxis historiográfica, por sua vez calcada e limitada
pela realidade histórica-social dos autores. Mesmo apoiando-se em documentos
criticados cientificamente, o historiador através de sua produção fornece uma
interpretação individual sobre o tema pesquisado, interpretação esta que não pode ser
encarada como uma reprodução do passado tal qual ocorreu, mas como a apresentação
de um dos diversos elementos que possivelmente constituíram a temática pesquisada.
O objeto historiográfico, reinventado pelo historiador, fundamenta-se em uma
estrutura bipolar alicerçada no passado, do qual foi extraído o objeto de pesquisa, e no
presente, temporalidade que abriga os métodos de reconstrução temática utilizados pelo
profissional da Ciência Histórica (CERTEAU, 2006, p. 46). Com isso, os paradigmas
atuais embutidos na práxis do historiador são também componentes intrínsecos do
resultado da pesquisa, inserindo o presente na “releitura” que o pesquisador realiza sobre
o objeto. Pode-se, portanto, afirmar que o Conhecimento Histórico faz ressurgir, em suas
interpretações, facetas do real que puderam ser recriadas a partir da pesquisa histórica,
por sua vez calcada e limitada pela realidade histórico-social do autor.
Assim, percebe-se que o “realismo” presente no conhecimento histórico promove
significações sobre o real perdido no passado, sendo este discurso mais uma ficção
estruturada em vestígios do real e em práticas metodológicas contemporâneas, do que o
ressurgir da realidade. O acontecimento não ressurge a partir da intervenção do
historiador. Através do discurso elaborado por este profissional, emergem percepções que
revelam possibilidades de apresentação ou mesmo reinvenções da realidade. O real no
âmbito da história está no possível ou no limite.
Com isso, observa-se a existência de outras formas de significações que se
articulam sobre o real passado, produzindo significados diversos, mesmo sem a
necessidade da utilização de técnicas científicas de investigação, assim como a
Literatura, o diário íntimo, fotografias, documentários. Obedecendo as suas próprias
regras de estilo, essas categorias também oferecem acesso a interpretações de possíveis
facetas do passado revelando com profundidade e clareza, significados e conexões que
não são tratadas, ou são abordadas superficialmente pela Ciência Histórica.
Já literatura promove uma reorganização arbitrária da realidade transformando-a
em arte (CÂNDIDO, apud: SANTOS, 2010, p.24). Dessa forma, a articulação entre
história e literatura possibilita a visualização de elementos que não foram registrados pela
historiografia tradicional (SANTOS, 2010, p.20). Essa transformação acontece no livro
“Os Corumbas”, permitindo a elaboração de análises sobre o cotidiano dos operários das
fábricas têxteis de Aracaju nas primeiras décadas do século XX.
Na obra “Os Corumbas” é possível observar nitidamente as fortes ligações que a
história do cotidiano dos operários nas fábricas têxteis de Aracaju possue com a maneira
literária trazida pelo autor ao narrar os acontecimentos do enredo da ficção. O objetivo
desse artigo é analisar o cotidiano dos operários das fábricas de tecido de Aracaju,
durante as décadas iniciais do século XX, a partir do discusso literário presente na obra
“Os Corumbas” de Amando Fontes.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a elaboração desse trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica de


caráter exploratório e documental no romance “Os Corumbas” de Amando Fontes,
utilizando reflexões de autores como Certeau (2006), Dantas (2004), Fontes (1937),
Engels e Marx (2003), Netto e Braz (2008), Romão (2000) e Santos (2010).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Um dos pilares centrais da economia sergipana no início do século XX era o setor


agroexportador açucareiro. Apesar disso, a economia açucareira passava por turbulências
de mercado que afetaram negativamente vários Estados brasileiros. Tal situação estava
vinculada a fatores como o reordenamento do trabalho e a baixa competitividade do
açúcar brasileiro no mercado internacional. Colocava-se, frequentemente, em segundo
plano o algodão, este cultivado, sobretudo no agreste e no sertão por pequenos
proprietários rurais (DANTAS, 2004 p.47).
O Estado de Sergipe, por exemplo, estava estruturado economicamente na
comercialização do açúcar. Entretanto, durante as décadas de 1920 e 1930, apresentou
um crescimento considerável no setor industrial, que em 1934 já contava com 630
fábricas diversas, das quais 11 eram de tecidos de algodão. Em Aracaju existiam 49
fábricas, destacando-se as de tecidos, calçados, bebidas, doces, charutos, cigarros e
móveis. Esse desenvolvimento industrial foi acompanhado pelo crescimento das cidades,
frequentemente caracterizado por um processo de urbanização desordenada. Em
Aracaju, o número de habitantes que era de 16.336 em 1890, ampliou-se para 50.564 em
1930 (DANTAS 2004, p.55). Com a industrialização a área urbana passou a receber
indivíduos provenientes do mundo rural, destinados à ocupação de funções nas fábricas e
setor de serviços, conforme o texto a seguir:

Não obstante, a grande importância econômica das atividades rurais, na


área urbana progredia vários ramos da indústria e dos serviços. Entre as
explorações industriais, aquela que mais ocupava mão-de-obra eram as
fábricas de tecidos. A primeira foi instalada em Aracaju em 1882, depois
outras foram aparecendo (DANTAS, 2004, p.49-50).

Para Karl Marx, a indústria moderna foi responsável pela submissão do


proletariado à classe burguesa, bem como do campo em relação à cidade, fazendo com
que o homem deixe suas terras, no mundo rural, para junto com sua família lançarem-se
na aventura da vida nas cidades:

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou cidades enormes,


aumentou tremendamente a população urbana em relação à rural,
arrancando assim contingentes consideráveis da população do
embrutecimento da vida rural. Assim como subordinou o campo à cidade,
os países bárbaros e semibárbaros aos civilizados subordinaram os povos
camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente. (MARX, 2003,
p.30).

Segundo Romão (2000, p.93), “entre 1930 e 1935, Sergipe exportou


aproximadamente 11.500 toneladas de tecidos de algodão, produzidos em 2.691 teares,
operados por 5.682 operários” representados, na ficção literária, pelas personagens
Albertina, Rozenda, Bela, Caçulinha e Pedro Corumba, filhos de Geraldo e Sá Josefa.
Eles, ao idealizarem uma vida estável e próspera na capital saíram de suas terras,
localizadas na zona rural, para buscar em Aracaju novas oportunidades de crescimento
pessoal, financeiro e familiar. Segundo Romão, “Aracaju destaca-se nesse cenário por
possuir 1.623 operários têxteis e 718 teares distribuídos entre a Sergipe Industrial e a
Confiança, estas produzem, no ano de 1931, 831.626 kg de tecidos.” (ROMÂO, 2000,
p.94). A vida na cidade impunha uma nova rotina de trabalho para a família Corumba,
como podemos observar no texto abaixo:

Todos os dias, os seus grandes portões, escancarados, tragavam para


mais de três milhares de operários. Mais de três milhares... gente de tôdas
as côres, de vários tipos, lembrando as raças mais diversas. Poucos
homens fortes, mulheres feias, quase todas. Eram praieiros de S.
Cristovão e Itaporanga; camponeses do Vaza-Barris, da Cotinguiba;
sertanejos de Itabaiana e das Caatingas - que, num dia ou noutro, tangidos
pela mais áspera miséria, haviam desertado de seus lares, na esperança
de uma vida melhor pelas cidades... (FONTES, 1937, p.19).

O modo de produção Capitalista caracterizado pela industrialização, acumulação


de capital, oposição entre as classes sociais, desenvolveu o proletariado, classe social
com a existência vinculada à permanência no trabalho, conforme Marx :

Na mesma proporção em que a burguesia, ou seja, o capital, se


desenvolve, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos
trabalhadores modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho, e
só encontram trabalho na medida em que este aumenta o capital. Esses
trabalhadores que são obrigados a vender-se diariamente, são uma
mercadoria, um artigo de comércio, sujeitos, portanto, às vicissitudes da
concorrência, às flutuações do mercado. (MARX, 2003, p.31).

Era exatamente dessa forma que se sentiam os operários das diversas fábricas de
Aracaju, submetidos a condições de trabalho insalubres, como falta de estrutura sanitária
nas fábricas provocando doenças. Os operários passaram a encarar um cotidiano
caracterizado por situações, muitas vezes, mais difíceis que as vivenciadas no campo,
tendo que responder a um mercado sedento por produtividade e lucros, sem levar em
consideração o atendimento aos direitos e necessidades básicas dos operários.
Diante da necessidade do capital e perante toda situação vulnerável da classe
operária é possível analisar a verdadeira função do trabalho e perceber que é através
dele que o ser social se constrói. Segundo Netto e Braz “foi através do trabalho que, de
grupos de primatas, surgiram os primeiros grupos humanos - numa espécie de salto que
fez emergir um novo tipo de ser, distintos do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser
social”. (2008. p, 34). O trabalho fornece ao homem a possibilidade de suprir suas
necessidades básicas ao mesmo tempo em que, cria novas necessidades e aprende
novas experiências neste contexto. Porém, como se construir um ser social em um lugar
sem as estruturas necessárias para esta construção? Como construir-se social em meios
que preza pelo individual? Esses questionamentos surgem ao analisarmos as situações
dos operários das fábricas de Aracaju, no início do século XX.
Vários eram os problemas enfrentados pela classe operária como, por exemplo, o
pó do algodão, presente em todos os setores e baixa luminosidade que aumentava ainda
mais o risco de acidentes de trabalho. O depoimento de um ex-operário da Sergipe
industrial S.R.: Manoel Jorge dos Santos, afirma que: “lá é um calor medonho, quando a
gente está na seção da engomadeira. Há dias que com dois minutos está molhado de
suor” (ROMÃO, 2000, p. 94).
As situações difíceis de certa forma obrigavam as pessoas a submeterem-se a
situações fora dos padrões de qualidade de vida. Visto isto, diretamente no romance Os
“Corumbas”, a personagem de Clarinha, uma menina de treze anos, que segundo o autor
trabalhava doente para sustentar a mãe, ganhando quatrocentos réis por dia. uando
Albertina percebe a sua fragilidade e incapacidade de trabalho, pede para que a mesma
volte para casa, visando sua melhora. Com isso, Clarinha responde: “ Não, Não! Ela me
bate! Diz que eu tenho é preguiça.” (FONTES, 1937, p22).
O controle dos salários é mais uma estratégia do modo de produção capitalista
para manter a eterna dependência do homem ao capital. Esta situação é visível em frases
da personagem Rozenda que ao reclamar de sua condição econ mica, mesmo estando
empregada em uma das fábricas t xteis de Aracaju, se expressa de forma revoltosa e
triste: “ ois eu tenho é ódio. Trabalhar que nem formiga e viver assim esmolambada...”
(FONTES, 1937, p.16).
Dentro do contexto operário das fábricas têxteis de Aracaju eram possíveis
encontrar várias mulheres, crianças e pessoas de todas as idades trabalhando. Esse
trabalho promove uma reprodução mais rápida do capital investido pelo burguês,
conforme Marx:

O trabalho dos homens é tanto mais suplantado pelo das mulheres quanto
menores são a habilidade e a força exigidas pelo trabalho manual, ou, em
outras palavras, quanto mais se desenvolve a indústria moderna. As
diferenças de idade e de sexo... Não tem importância social para a classe
operária. Todos são instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a
idade e o sexo. (MARX, 2003, p.33).
Nas fábricas de Aracaju, os operários do sexo masculino recebiam mais que as
operárias do sexo feminino e menores. Cada fábrica oficialmente podia contratar até dez
indivíduos menores de idade, com salários estabelecidos em tabelas. Entretanto, os
interiores das fábricas revelavam a constante exploração do trabalho infantil, com a
presença de diversas crianças em atividade diárias, descumprindo O Código de Menores
de 1927 e da lei de férias.
A necessidade de produtividade trouxe para as fábricas têxteis o aumento da carga
horária de trabalho, firmando-se agora ininterruptamente, “proveio o desacordo de
haveres as fábricas estabelecido o trabalho noturno, sem, entretanto, aumentar o preço
dos salários” (FONTES. 1971.p.60). Suas jornadas de trabalho variavam entre 10 e 14
horas, onde nem mesmo o decreto federal de n° 21.364, de 4 de maio de 1932 que
dispõe sobre a duração de oito horas para o trabalho industrial, eram obedecidos pelas
fábricas, causando ainda mais uma certa indignação social nos operários de todo o
Estado. Indignação esta estupidamente acalmada pela presença de diversas pessoas que
se encontravam fora das fábricas, desempregadas, em situações decadentes provocando
nos operários ativos um inevitável medo e aquietação por não desejarem também perder
seus postos de trabalho. Toda esta situação se encontra visível nas falas de Celestino e
Zé Afonso, que se sentem injustiçados ao verem os operários trabalhando à noite pelo
mesmo valor que o dia, apesar de desejarem mudanças, eram limitados pela percepção
da força repressora burguesa:

Você não avalia, Zé Afonso! O homem está positivamente indignado. Diz


que nunca viu uma exploração igual a essa! Querer que se troque a noite
pelo dia sem a menor compensação! Estou certo que, se a lei permitisse,
mandaria chamar os gerentes na Polícia e os obrigaria a pagar o serviço
da noite pelo dôbro, como é justo. Agorinha mesmo mandou me procurar e
disse: “Celestino sei que é um amigo e protetor dos operários. Eu também
sou. Sempre fui. Vamos prestigiá-los de forma decidida nessa questão, até
que êles vençam totalmente.” (FONTES 1971, p.64).

Esta dependência da classe operária com a burguesia trazia indignações


constantes aos trabalhadores. Situação que pode ser percebida através da observação da
personagem Albertina que, ao chegar em casa, revoltada com os assédios de seu
contramestres de seção, decide não voltar mais ao trabalho, expressando em meio a
lágrimas sua ang stia perante a toda situação constrangedora que sofrera. Sua mãe, Sá
Josefa, a corrige afirmando: “ Não diga isto, menina. obre não pode sustentar desses
caprichos...Se eu tivesse recursos, nenhuma de vocês estava lá... Não diga assim...
Ninguém sabe das voltas deste mundo”... (FONTES, 1937, p. 26).
Muitas vezes não ceder ao assédio de seus chefes acarretava em diversas
consequências, conforme o depoimento de Dona Joaninha Ex-operária da Sergipe
Industrial que afirma: “eram botadas pra fora. A operária é quem sofre, pegavam a
castigar a que não aguentava caía fora e outras que iam para outro contra mestre”
(ROMÃO 2000. p, 98). Esta realidade também é vista no texto a seguir:

Foi Misael, o contramestre da minha seção... Miseravel! Êle não gosta de


mim, porque eu não sou como as outras, que lhe dão confiança... Safado!
Uma vez me deu uma palmada nas cadeiras. Mas eu desgracei logo com
êle. Gritei-lhe no focinho: “Atrevido! Moleque! Vá bater na tua mãe , peste!”
O povo todo viu... Êle ficou danado comigo, e por isso vive de prevenção...
Hoje, só porque eu cheguei um bocadinho mais tarde - ainda não tinha
fechado o portão – o infame disse que eu não entrava neste quarto. E veio
logo com enxerimentos: “Se eu quisesse esperar por le, de noite, no Beco
da Cerim nia...” Nem deixei que ele acabasse. Dispamparei, xinguei tudo,
e vim m’embora...Com toda certeza agora o miserável vai da parte de
mim... Tambem, eu que me importo! Não volto mais pra trabalhar naquele
inferno. Não volto, não volto pronto! (FONTES, 1971, p.25).

A indignação de Albertina durou pouco, até perceber que sua situação econômica
era mais gritante que aquele constrangimento. Era, de certa forma, obrigada por causa da
necessidade a voltar para a fábrica:

Foi ao próprio Geraldo que entregaram o último ordenado de Caçulinha,


juntamente com uma nota, em que a despediam do serviço. Era este um
velho hábito, que desde sua fundação as Fábricas vinham mantendo com
rigor: Não permitia nunca o trabalho, na seção do Escritório, as m ças que
não tivessem vida honesta. E Caçulinha entrara nesse rol, desde o dia em
que a sua infelicidade correu mundo... (FONTES, 1971, p 163.)

“Os Corumbas” possibilita entender as relações do cotidiano dos trabalhadores das


fábricas têxteis de Aracaju, em que muitas operárias eram vistas com desprezo e
preconceitos, devido suas situações econômicas e sociais tidas como meras prostitutas
ou simples trabalhadoras que se mantinham com miseráveis salários:

A gente ficou pensando que tem mesmo uma sorte triste. Contra ela não
há remédio que sirva, porque a môça que trabalha numa fábrica pode ser
boa e direita como fôr, que não adianta. É sempre tratada de resto, com
desprezo... Todos torcem a boca pra um lado e vão dizendo: É uma
operária...Como se tôdas fossem iguais!... (FONTES 1971, p.140-141.)

As ideologias do clientelismo e do favor permeavam os pensamentos de vários


trabalhadores desta década. Ter um emprego, mesmo que em estado de vulnerabilidade,
garantia a subsistência. Quando o personagem Pedro, filho de Sá Josefa, reclamava de
estar trabalhando muito e ganhando pouco, foi surpreendido pelas palavras da mãe que
afirmava estar em ótimas condições de vida, pois “Se há um que não pode se queixar,
esse é você. Seus patrões lhe tratam como um filho; sobem você de posto a cada dia...
Por que então essa história de querer ganhar mais, só oito horas de serviço, e mais isso e
mais aquilo? Bem pensado, é até uma ingratidão de sua parte...”(FONTES, 1971. pp, 59-
60).
A ideologia de quem “é pobre é assim mesmo; não pode nunca satisfazer suas
vontades”... (FONTES, 1971. p, 85) era o lema da vida de muitos operários que segundo
Fontes levou Bela a sair da escola, mesmo doente, para trabalhar com o intuito de ajudar
nas despesas do lar. Já Caçulinha, a filha mais nova, largou seus estudos para buscar
emprego e ajudar seus pais, abandonando assim, o sonho de concluir os estudos e
garantir um futuro de vida mais digno para seus pais, longe das fábricas. Segundo
Romão, os operários das fábricas têxteis em Aracaju trabalhavam muito e sobre
condições terríveis com salários muito baixos, péssimas condições de moradia e
alimentação, estando sujeitos a contraírem várias doenças como tuberculose entre outras,
sendo estas o foco de morte dos operários daquela época (ROMÃO, 2000, p.102).
Esta realidade pode ser ilustrada a partir da personagem de Bela, a filha penúltima
de Geraldo e Sá Josefa, que ao ir trabalhar nas fábricas de tecidos de Aracaju agravou
ainda mais seu problema de saúde chegando a óbito;

Bela deixou o serviço às duas horas e dirigiu-se para casa, queixando-se


de fortes dores pelo corpo, as mãos e as faces escaldantes, uma tosse
sêca e impertinente a torturá-la... a doente, porém, não melhorava, Dóiam-
lhe as costas, a cabeça, o peito todo. Pôs-se a gemer baixinho. (FONTES,
1971, p.80).

Além destes grandes riscos à saúde pelas péssimas condições estruturais das
fábricas, também ocorriam acidentes de trabalho eram frequentes nos interiores das
mesmas. Além disso, os operários que possuíam restrições ao trabalho não dispunham
da assistência necessária à sua reabilitação, caso da irmã da personagem Isabel que
após vinte anos de trabalho para uma das fábricas de tecidos de Aracaju, encontrou-se
impossibilitada de continuar exercendo suas funções laborais, devido a doenças geradas
pelo trabalho, passou a ser desprezo pela fábrica que reduzia constantemente os
remédios oferecidos para o tratamento de sua doença.
Em meio a todo esse contexto de exploração, apresenta-se a ideologia comunista
através do personagem de Zé Afonso que almejava “A melhoria geral dos ordenados, a
diminuição das horas de serviços, tudo que, enfim pudesse dar ao operário de Sergipe o
conforto e o bem-estar que o trabalhador do Rio e de S. aulo já gozava” (FONTES, 1971
pp.56-57). Já o personagem Pedro possuía o desejo de mudança das estruturas
capitalistas em busca da igualdade, surgindo nele, o desejo de lutar pelos direitos dos
operários.
A necessidade de lutar pelos seus direitos torna-se constante. A concepção de que
as coisas poderiam ser diferentes encontra-se visível nos pensamentos de quase todos
os operários. Conforme Marx, essa luta nem sempre é bem vinda, greves, manifestações
e movimentos operários organizados, de certa forma ameaçam a manutenção da
burguesia, tendo esta que diretamente intervir repressivamente como se pode notar a
seguir:

Mas, na madrugada de terça-feira, veio a revanche, em que ninguém


acreditava. Os operários que retornavam do trabalho foram agredidos a
cacête, de emboscada, nos aterros e vielas por onde tinham seu
caminho... Um pano sobre os rostos, disciplinados e certos, os grevistas
atacavam em vários pontos. Vinham em grupos de quatro e seis.
Silenciosos. Dispostos a tudo. (FONTES, 1971, p 65).

Segundo relatos de Fontes (1971), mesmo com toda indignação da classe operária
pela ausência da conquista e cumprimentos de seus direitos, esta não consegue exercer
grande pressão devido ao exército industrial de reserva, os desempregados, que
contribuem para a diminuição do poder de luta dos operários, ameaçando-os através dos
fantasmas das demissões e substituições imediatas:

Não se arrecearam os patrões antes a ameaça. Êles sabiam que havia


muita miséria entre os humildes. As colheitas tinham sido más por toda a
parte. Do interior, todos os dias, chegavam famílias e famílias, em busca
de trabalho. Ganhariam a partida sem esforço. E declararam, então,
enèrgicamente, “que iriam trabalhar durante a noite com o mesmo salário
que pagavam pelo dia. Os operários escalados que falassem seriam
sumàriamente despedidos”. (FONTES, 1971, p.61).

Os direitos conquistados através de reivindicações e mobilizações da classe


trabalhadora eram suprimidos pelos patrões. Os sindicatos que buscavam os
cumprimentos das leis eram reprimidos pelos empresários que dispensavam
determinados operários ao se associarem às instituições sindicais.
A família Corumba migrou do campo para a cidade em busca de melhor qualidade
de vida. Entretanto, depara-se com a dissolução da instituição familiar, iniciada a partir de
Pedro, arrancado com violência do lar por defender ideologias comunistas; Seguida por
Bela, morta por doença associada ao trabalho, e posteriormente por Rozenda, Albertina e
Caçulinha que afastarem-se da família por terem se aproximado do concubinato e da
prostituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A práxis historiográfica produz um discurso construído a partir de uma interpretação


de fontes. Mesmo estando pautado em rigorosos métodos acadêmicos de investigação, o
resultado da pesquisa se apresenta como uma interpretação que o cientista elaborou a
partir da observação de determinados aspectos da realidade. Tal discurso possui um
prazo de validade, uma vez que se encontra limitado pelos paradigmas, normas
acadêmicas e demais percepções de ciência e possibilidades da época em que o autor
está inserido. O cientista produz artefatos literários que seguindo regras de estilo e
gênero, produz significações sobre a realidade.
O literato também é produtor de um discurso que reflete os paradigmas de uma
determinada sociedade, que segue as normatizações da época em que foi produzido e
que promove articulações sobre a realidade. Na Literatura, encontra-se uma realidade
paralela resultante de uma reorganização complexa e harmônica entre percepções,
realidade e a imaginação do autor, elo que liga o realismo encontrado na obra à sua
realidade sócio-histórica. O autor, ao elaborar o seu discurso, apresenta à sociedade o
universo do indivíduo, no qual realidade, aspirações, sonhos e temores se mesclam.
Na obra “Os Corumbas”, a busca por melhorias de vida da família Corumba foi o
motivo principal para a sua saída do campo em direção à cidade, porém, este objetivo não
obteve êxito. A família conviveu com a precarização do trabalho, nas fábricas têxteis de
Aracaju, a desvalorização da mão-de-obra, baixos salários, ausência de estruturas nas
fábricas e ambientes insalubres.
Muitos personagens como Rozenda e Albertina buscaram uma saída alternativa
para a exploração fabril em que estavam inseridos. Os Corumbas vivenciaram
literariamente dramas cotidianos comuns à população que constantemente saía da zona
rural em direção às grandes cidades.
A obra “Os Corumbas”, retrata o cotidiano social dos operários aracajuanos do
início do século XX, possibilitando a realização de interpretações sobre questões sociais
da sociedade aracajuana nas primeiras décadas do século XX, a partir das diversas
formas adaptativas que indivíduos procedentes de sociedades tradicionais utilizaram
frente a valores referentes a um sistema capitalista altamente contraditório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

DANTAS, Ibarê: História de Sergipe República (1989-200). Rio de Janeiro: Ed Tempo


Brasileiro, 2004.

ENGELS, Friedrich e MARX, Karl: O Manifesto Comunista. São Paulo: 2003.

FONTES, Amando: Os Corumbas; Rio de Janeiro: Ed José Olympio. 1937.

NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política: Uma Introdução Crítica. São Paulo.
4 ed. Cortez. 2008.

RIO DE JANEIRO, Decreto nº 17. 943 – A, de 12 de outubro de 1927. Código dos


Menores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-
1929/d17943a.htm. Acessado em: 23/06/2012.

ROMÃO, Frederico Lisbôa: Na Trama da História o Movimento Operário de Sergipe


1871 e 1935. Aracaju: Ed Andrade LTDA, 2000.

SANTOS, Gladson de Oliveira: José Lins de Rego e a Modernização da economia


Açucareira Nordestina. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2010.

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