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Moralidades brasílicas: deleites sexuais e linguagem erótica na sociedade escravista, Ronaldo

Vainfas (fichamento)

1. A colonização do Brasil inscreve-se no processo de expansão marítima e comercial europeia.


Motivava-a, fundamentalmente, a exploração do território para o enriquecimento da
metrópole, não obstante a cruzada espiritual levada a cabo pelos agentes eclesiásticos da
colonização, à frente dos quais os jesuítas.

2. Demonstrou-se, também, que no próprio seio da população negra, africana e crioula,


tornou-se viável a constituição de famílias à moda cristã, o que por muito tempo se julgou
impossível, dada a predominância de homens no tráfico negreiro e a má vontade senhorial no
tocante aos matrimônios entre cativos.

3. Mas se é necessário evitar estereótipos e generalizações apressadas, a exemplo do modelo


exposto em Casa-Grande e senzala, não convém, por outro lado, cair no polo oposto por vezes
sugerido pela pesquisa recente, sob o risco de supor uma sociedade quase europeia em terra
de hibridismos culturais e contrastes regionais acentuados.

4. Se a existência de espaços e de uma sociabilidade privada já era difícil de ocorrer na Europa


dos séculos XVI e XVII, mais complicado era vê-los surgir na precária colônia portuguesa da
América.

5. Vainfas destaca a “total falta de privacidade que caracterizava as habitações senhoriais do


passado”. Rústicas ou requintadas, tudo parece indicar, porém, que as casas senhoriais de
outrora ensejavam pouquíssimas condições de vivências privadas.

6. Devassada no topo da hierarquia social da Colônia, a casa o seria ainda mais entre os
pobres, os trabalhadores urbanos, os lavradores de roça, os excluídos que as autoridades
coloniais chamavam de vadios e desclassificados.

7. Vizinhança de parede-meia na cidade, casas devassadas no meio rural, promiscuidade, assim


transcorria o dia-a-dia da Colônia, ao que se deve acrescentar a escassez da população e a
baixa densidade demográfica dos povoados e vilas.

8. Faz-se necessário, portanto, divorciar, no caso do Brasil Colônia, a ideia de privacidade da


ideia de domesticidade. As casas coloniais, fossem grandes ou pequenas, estavam abertas aos
olhares e ouvidos alheios, e os assuntos particulares eram ou podiam ser, com frequência,
assuntos de conhecimento geral. Não resta dúvida de que, assim sendo, o território da
sexualidade era bem menos privado do que se poderia supor, distanciando-se largamente dos
padrões supostamente vigentes nos dias de hoje.

9. Não por acaso, vale dizer, as principais fontes que permitem conhecer, com alguma
sistemática, o universo das intimidades sexuais na Colônia são as fontes produzidas pelo
poder, especialmente pela justiça eclesiástica ou inquisitorial, sem falar na correspondência
jesuítica, tratados de religiosos e sermões. Vainfas refere-se às visitas diocesanas e aos
processos do Santo Ofício, tribunal que além de cuidar dos erros de fé propriamente ditos,
imiscuiu-se também no território de certos atos sexuais assimilados a heresias.
10. A matéria-prima dos documentos que apontam o universo das intimidades sexuais na
Colônia reside na denúncia da população contra os que se desviavam dos comportamentos
sexuais e morais considerados lícitos.

11. Era a população colonial, livre ou escrava, branca ou mestiça, rica ou desvalida, que, por
medo do Poder ou dele cúmplice, acorria a delatar vizinhos, parentes, desafetos, rivais: todos
estavam a vigiar-se mutuamente.

12. As fontes da Igreja e da Inquisição mostram-se, portanto, riquíssimas para aproximar o


historiador das intimidades vividas no passado.

13. Não convém exagerar, reduzindo ao campo do sadomasoquismo ou somente a contatos


físicos as relações sexuais entre portugueses e índias ou negras, como se tudo não passasse de
encontros episódicos e de busca da satisfação imediata por parte de homens esfaimados de
sexo. É verdade que não faltaram aventuras deste tipo, encontros sexuais rápidos, fugazes e
violentos, mas é igualmente certo que ao lado deles conviveram, muitas vezes, uniões estáveis
e duradouras entre portugueses e índias.

14. Os casos mais célebres de homens que assumiram, para sobreviver, diversos usos e
costumes indígenas são os de Diogo Álvares, o Caramuru, na Bahia, e o de João Ramalho, em
São Vicente, homens que vivenciaram uma autêntica aculturação às avessas, posto que
submersos nos padrões culturais do colonizado, sem deixar, no entanto, de colaborar
posteriormente com a expansão portuguesa.

15. Alguns mamelucos, nas aldeias tinham várias mulheres indígenas, já que possuíam a
destreza dos guerreiros necessária para a aquisição de esposas entre os tupinambá; nas vilas
coloniais, possuíam, por vezes, esposa à moda cristã, casados na forma da igreja e não raro
com mamelucas como eles.

16. Manuel da Nóbrega: “a esta terra não vieram senão desterrados da mais vil e perversa
gente do Reino”.

17. O que dizia de Ramalho e dos primeiros colonos, Nóbrega estenderia ao próprio clero
secular, os padres do hábito de Cristo: useiros em dar mau exemplo, amancebados com as
índias, fornicários. “A evitar pecados [o clero colonial] não veio, nem se evitarão nunca”;
melhor que não viessem, que não se embarcasse sacerdote “sem ser sua vida muito
aprovada”.

18. Pesquisas realizadas nos últimos dez anos sobre as visitas diocesanas realizadas em Minas,
na Bahia e até no Mato Grosso, têm revelado uma gama muitíssimo variada de relações
amorosas classificáveis como concubinato, boa parte delas envolvendo forros e pobres que
entre si se uniam ou “andavam juntos”. No entanto, não resta dúvida de que o concubinato
guardou íntimo parentesco com a escravidão, quer a indígena, quer a negra.

19. Longe de circunscreverem-se ao círculo estreito dos grandes senhores do nordeste ou das
Minas Gerais, as práticas concubinárias entre senhor e escrava pareciam igualmente
difundidas no seio da população modesta, havendo casos em que humildes donos de uma só
escrava mantinham com ela amancebamento e visando, por vezes, a aumentar suas rendas,
colocavam-na na prostituição.

20. Acostumados a ver nos escravos bens pessoais, os senhores, mesmo que pobres,
estendiam seu senhorio à esfera sexual, de maneira que não seria exagero dizer que a
escravidão não raro implicava a possibilidade do concubinato, de chamegos entre amos e
cativas, e por vezes em relações homossexuais com os cativos, segundo indica Luiz Mott em
estudo sobre a sodomia entre senhores e escravos. Relações, estas últimas, que por vezes
eram surpreendentemente afetuosas, não obstante a escravidão, mas via de regra não
dispensavam a violência e a coação típicas do sistema.

21. Os inacianos pregavam no deserto, contudo, impotentes diante da parceria concubinato-


escravidão consagrada pelo uso. A bem da verdade, a própria Igreja colonial vergar-se-ia a este
costume, como se vê nas Constituições do Sínodo baiano de 1707, que considerava como
prova de concubinato o fato de um homem manter em casa alguma mulher que dele
engravidasse, não sendo com ela casado e desde que a mesma fosse livre24. Reconhecia-se,
assim, tacitamente, o direito dos senhores engravidarem, com plena liberdade, as escravas da
casa...

22. Sexo pluriétnico, escravidão, concubinato, eis um tripé fundamental das relações sexuais
na Colônia. No entanto, de modo algum quer isto dizer, como se afirmou muito tempo em
nossa historiografia, que o casamento legal era raro na Colônia e somente restrito às famílias
de elite, as quais aderiam ao matrimônio cristão para chancelar uniões conjugais com
interesses patrimoniais.

23. É igualmente certo, conforme a historiografia dos últimos anos tem indicado, que o
matrimônio legal difundiu-se muito além do estreito círculo dos “homens bons” da Colônia.

24. Vainfas destaca a ocorrência de casamentos entre escravos e forras bem como a ampla
difusão do casamento na sociedade colonial.

25. Entre os bígamos e bígamas da Colônia predominavam os de condição social humilde ou


subalterna, incluindo escravos, a confirmar a popularização do casamento naquele tempo.

26. É verdade que os estudos calcados nas visitas diocesanas indicam que, em vários casos, os
amantes “viviam de portas adentro”, “viviam como se fossem casados”, tinham e criavam
filhos. Não resta dúvida de que, nestes casos, está-se diante de uma autêntica conjugalidade
que nada devia ao legítimo casamento, exceto a falta da benção sacerdotal à união.

27. Noutros casos, porém, os chamados “tratos ilícitos” em nada lembravam uma situação
conjugal, fosse legítima, fosse informal. Neles despontavam os inúmeros amancebamentos
entre senhores e escravas, os concubinatos de clérigos, as relações de adultério que muitas
vezes terminavam em sangue, e toda uma plêiade de relações amorosas, duradouras ou
fugazes, que a comunidade não hesitava em classificar como concubinato ao atender o
chamado do visitador.

28. O estigma social decorrente dos “tratos ilícitos era independente da ocorrência das visitas
(diocesanas, inquisitoriais), mas era estimulado por elas”.
29. Rival e cúmplice do casamento a um só tempo – e por vezes enlaçado com o estado clerical
–, o concubinato moldava as relações extraconjugais da Colônia, relações em boa medida
pluriétnicas, não sendo comum naquele tempo a ocorrência de casamentos entre nubentes de
posições sociais díspares. Casavam-se todos “dentro da mesma igualha”, ou quase, como que a
seguir o conselho dos moralistas, ao menos quanto à cor e à fortuna, deixando os amores e
deleites para o mundo dos “tratos ilícitos”.

30. Era, pois, em meio às deleitações de portugueses e índias, senhores e escravas, padres e
suas mucamas que se ia processando a miscigenação e o povoamento da Colônia. Mas nem de
longe as deleitações interétnicas e a miscigenação que delas resultava poderiam comprovar
ausência de preconceito racial nos tempos da Colônia.

31. A ideia de que o preconceito racial decorreu do escravismo é, no fundo, uma simplificação
errônea, pois supõe uma identificação quase absoluta entre preconceito racial e preconceito
de cor.

32. Os chamados cristãos novos ou judeus convertidos ao catolicismo foram, a rigor, o


principal alvo da ação inquisitorial portuguesa por mais de duzentos anos e os mais
estigmatizados, ao menos do ponto de vista jurídico, pela obsessão com a “pureza de sangue”
que grassava em Portugal.

33. Sociedade hierárquica moldada pelo tomismo, eis o modelo de sociedade que foi
transplantado para o Brasil, modelo que valorizava o fidalgo cristão velho e aviltava o cristão
novo com variados estigmas que nada tinham que ver, obviamente, com o escravismo colonial.

34. O problema dos cristãos novos nos é particularmente caro, dado que, se de um lado
demonstra a anterioridade e autonomia dos preconceitos raciais lusitanos em relação ao
colonialismo e à escravidão, de outro lado permite recolocar a importância dos preconceitos
de cor no plano das relações sexuais e na consecução de uniões conjugais na sociedade
colonial.

35. Os preconceitos de cor, estes sim derivados do colonialismo escravista, e que vitimavam
sobretudo as negras, mulatas e índias, pareciam suplantar, em terra brasílica, os estigmas
raciais herdados do Reino.

36. Se é verdade que os casamentos entre brancos e negras ou pardas não era uma
impossibilidade total – o que as pesquisas histórico-demográficas demonstram com números –
, não é menos verdade que prevaleceram nestas relações os “tratos ilícitos”, os concubinatos,
as aventuras fugazes de que as visitas diocesanas dão mostra.

37. O que pensava e recitava Gregório de Matos na Bahia seiscentista era o que já diziam, sem
métrica ou rima, os colonos de nosso primeiro século. Confirmam-no as falas dos acusados na
Visitação do Santo Ofício por “defenderem a fornicação simples”, dizendo não haver nela
pecado mortal, ao contrário do que pregava a moral católica ortodoxa.

38. Em contrapartida, os “fornicários” mais desbocados pareciam concordar que só não havia
pecado em “dormir com índias” ou “mulheres públicas” – o que para eles dava no mesmo; mas
se fosse a fornicação com mulheres “brancas e honradas”, sobretudo donzelas ou casadas, aí
sim, tudo se transformaria em grave ofensa a Deus, condenando suas pobres almas à danação
eterna.

39. Misoginia e racismo, eis o tempero das relações pluriétnicas da colonização lusitana no
Brasil.

40. Não faltou, enfim, a violência física, combinada à exploração da miséria, traços essenciais
do colonialismo escravocrata e das práticas de poder no Antigo Regime.

41. Se é certo que o encontro sexual de corpos pode guardar algumas invariantes que chegam
a ser a-históricas, muitas atitudes do passado, atualmente consideradas “extravagantes” ou
mesmo “aberrantes”, podiam ser corriqueiras naquele tempo, ao passo que outras, pueris ou
simplórias aos olhos de hoje, podiam conter boa dose de erotismo. Em matéria de intimidades
sexuais o historiador deve redobrar sua prudência, acautelar-se mais que nunca contra o risco
da subjetividade e do anacronismo.

42. No tocante à documentação sobre as relações homoeróticas entre mulheres, toda ela
incluída na visitação inquisitorial ao Brasil no século XVI, o problema é ainda mais grave. Os
papéis do Santo Ofício dizem respeito a relações entre mulheres de idade e condição étnico-
social díspar.

43. Vale lembrar, nem mesmo os inquisidores sabiam do que exatamente se tratava a sodomia
feminina, indecisos sobre se a mulher podia cometer o pecado da sodomia, sendo
anatomicamente desprovida de pênis.

44. Vainfas cita Norbert Elias: “o quarto de dormir tornou-se uma das áreas mais ‘privadas’ e
‘íntimas’ da vida humana. Tal como a maior parte das demais funções corporais, o sono foi
sendo transferido para o fundo da vida social [...] Suas paredes invisíveis vedam os aspectos
mais ‘privados’, ‘íntimos’, irrepreensivelmente ‘animais’ da existência humana, à vista de
outras pessoas”.

45. Casa, quarto e cama, eis o tripé, ao nível do espaço, da noção contemporânea da
privacidade relacionada à sexualidade.

46. À América portuguesa faltaram bordéis, é verdade, mas a colônia toda era ou podia ser um
grande prostibulum, especialmente as cafuas dos pobres, que não raro alcovitavam as próprias
mulheres e filhas.

47. O mato, com efeito, parece ter sido espaço muitíssimo frequentado pelos amantes ilícitos
ou eventuais, sendo também muito referido nos casos heterossexuais dos colonos que
copulavam com índias. Colônia de poucas cidades e casas devassadas, o Brasil teria nos matos
(“em cima das ervas”) um espaço de deleitações, sobretudo, insisto, no caso de relações
proibidas. Grande paradoxo: um espaço, por assim dizer, público, como era o mato ou a beira
do rio, podia ser mais apto à privacidade exigida por intimidades secretas do que as próprias
casas de parede-meia ou cheias de frestas.

48. Lugares privados do prazer sexual eram poucos na Colônia. Mas, afora a difícil privacidade,
o sexo podia ser buscado e praticado em muitíssimos lugares, inclusive na igreja, o santuário
do catolicismo, o que mais uma vez confirma a confusão entre o sagrado e o profano nas
moralidades populares. E não é de admirar que assim ocorresse, sendo a igreja o espaço por
excelência das sociabilidades, do encontro dominical das famílias, das festas religiosas. Era ali,
em meio às missas e ofícios divinos, que se iniciavam muitos flertes e namoros, quando não
adultérios.

49. A igreja logrou converter-se, em certas circunstâncias, num dos raros espaços privados de
conversações amorosas e jogos eróticos, os quais envolviam nada menos que os próprios
confessores. E tudo isto, vale dizer, ocorria em absoluto segredo, protegido pelo sigilo do
sacramento da penitência, constituindo, por isso mesmo, um espaço privado que por vezes
nem os casais logravam usufruir em suas casas.

50. No tocante aos conventos, historiadoras recentes têm mostrado que podiam ser, não um
refúgio espiritual, mas um espaço de liberdade para as filhas de patriarcas que, de outro
modo, ficariam sujeitas à tirania dos pais e depois à dos maridos.

51. Palavras de amor e tratos ilícitos nos recolhimentos, conventos, capelas e igrejas. A mesma
Igreja que controlava e punia não era capaz de guardar seus próprios templos, oferecendo-os
como o espaço talvez mais nitidamente privado para as intimidades na sociedade colonial.

52. Um dos aspectos que mais chamou a atenção dos jesuítas no século XVI foi, sem duvida, a
relação que mantinha o índio com o próprio corpo: o canibalismo, a luxúria e a nudez.

53. Se a nudez era relativamente banalizada na Europa quinhentista, e não necessariamente


ligada a erotismo e práticas lascivas, o que dizer do Brasil? É preciso, pois, acautelar-se ao ler a
correspondência inaciana quinhentista que, ao insistir na nudez, estigmatizando-a, erotizando-
a, pode exprimir antes o seu mal-estar face à exibição do corpo nativo, e não um quadro real
de frenesi sexual. De qualquer modo, os colonos teriam mesmo que conviver com a nudez,
sendo ela um traço cultural dos índios em terras tropicais e sendo eles a maioria da população
em terra brasílica.

54. Se a nudez cotidiana podia não ser excitante e um simples “escarrinho” conter mensagens
de sedução, está-se diante de uma alteridade radical que desconcerta o historiador.

55. Na documentação inquisitorial não faltam exemplos de homens – que de padres só tinham
a batina – useiros em apalpar os seios das mulheres, meter suas mãos por debaixo das saias,
beijá-las, agarrá-las.

56. Bilhetes amorosos, palavras enamoradas, tudo isto conviveu com o palavreado chulo e
com os gestos obscenos no dia-a-dia das seduções e deleites sexuais da Colônia. Mas não nos
deixemos levar pelas tentações do olhar microscópico, e com isso perder de vista as linhas de
força do colonialismo que, com certeza, imprimiram sua marca nas relações amorosas do
passado. Antes de tudo, a escravidão e o racismo de que tratamos anteriormente.

57. Abuso sexual de cativos e exploração da miséria, eis o que prevaleceu nestas relações, fiéis
à hierarquia social erigida no trópico: homens a violentar seus escravos e os alheios; a
prometerem dádivas que não cumpriam, em troca de favores sexuais; a dar abrigo a
andarilhos sem pousada, convidando-os depois ao pecado nefando.

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