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A hora e
a vez dos
VLTs
Brasil já conta com modelos, mas faltam
políticas públicas para impulsionar
investimentos em novos sistemas
Por Renata Passos
D
ados da ANPTrilhos dão conta de que havia 1,5
mil sistemas de Veículos Leves sobre Trilhos
(VLTs) em todo o mundo, no início do século XX.
O número foi reduzido para pouco mais de 200
na década de 1950, quando o automóvel e a cultura rodovi-
ária passaram a ser sinônimo de “modernidade”. Liderada
pela França, a volta dos VLTs aconteceu a partir dos anos
de 1970, na cidade de Grenoble, a 400 km de Paris. Desde
então, o modal ressurgiu em outros países como opção para
grandes centros urbanos e municípios médios: atualmente,
existem mais de 2,3 mil linhas operando em 388 cidades e
transportando mais de 13,6 bilhões de passageiros por ano,
de acordo com levantamento da associação.
No Brasil, os VLTs também tiveram seu auge, extinção
e ressurgimento (ainda que de maneira tímida). Apelidados
de bondes por aqui, devido ao aportuguesamento da palavra
inglesa bond (que significa título de ações/debêntures), os
veículos já foram os principais meios de transporte de passa-
geiros em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e
Porto Alegre. Outros munícipios como Piracicaba, São Car-
los, Campinas, Belo Horizonte, Manaus e a maioria das ca-
pitais do Nordeste também tiveram seus sistemas. Segundo o
Anuário Estatístico do Brasil, documento sob posse da ANP-
Trilhos, em 1945, o Brasil contava com 1.759 km de linhas
de bondes. Rio de Janeiro e São Paulo eram os primeiros em
extensão da malha: 500 km e 225 km, respectivamente.
O sistema do Rio dá uma pista da relevância dos bondes
na época. Entre os anos 1920 e 1940, os veículos transitavam
por uma via que cobria da Zona Norte à Zona Sul do Rio.
Em 1950, 1.325 carros circulavam pela cidade, transportan-
do por ano 626,9 milhões de passageiros. Nove anos depois,
36 REVISTA FERROVIÁRIA | Novembro/Dezembro DE 2018
VLT Carioca em o número de carros e de passageiros rados pela CBTU em cidades como João
frente à igreja da havia caído para 794 e 390,3 milhões/ Pessoa (PB), Recife (PE), Natal (RN) e
Candelária, no
Centro do Rio ano, respectivamente. Acusados de atra- Maceió (AL), além do de Teresina (PI).
vancarem as ruas da cidade, eles foram “O VLT é uma tendência mundial.
expulsos: primeiro pelos lotações, de- Não temos que inventar a roda. Precisa-
pois pelos ônibus, e acabaram saindo de mos ver o que deu certo em outros lu-
circulação em 1964, quando ainda eram gares e, se preciso, fazer as adaptações
o meio de transporte de 225 milhões de necessárias para usar aqui”, declara o
passageiros por ano. presidente da ANPTrilhos, Joubert Flo-
Os VLTs voltaram a ser tratados como res, que acrescenta: “O problema é que
alternativas de transpor- como o BRT é mais ba-
Divulgação/VLT Carioca
VLTs operam em diversas cidades na Europa. Na foto, os sistemas de Bordeaux, na França (à esq.), e Budapeste, na Hungria
o Brasil, na opinião do especialista do setor e atualmen- carros para transferência de modal. O VLT é um modo de
te diretor-adjunto da Aeamesp, Ayrton Camargo e Silva. desenvolvimento urbano”, afirma.
Ele recorda as iniciativas das cidades de Nantes e Greno-
ble como as primeiras do mundo a implementar os VLTs Relação complexa
modernos dentro de uma concepção de renovação urba- Além disso, Silva diz que um dos fatos de os VLTs
nística. “Nos anos de 1970, quando havia o protagonis- ainda não serem amplamente utilizados no Brasil está na
mo do automóvel em áreas congestionadas, cimentadas, relação complexa entre as esferas estadual e municipal.
com pouco espaço para pedestre e nenhuma ciclovia, “A política urbana, pela Constituição, é uma atribuição do
eles resolveram passar uma borracha e reintroduziram os município. Mas se analisarmos corredores de transporte
veículos como espinha dorsal das cidades”. em regiões metropolitanas, não há distinção entre dois
Hoje, conforme o especialista, a França é uma refe- municípios. Então, entra na atribuição do estado, que é
rência de reintrodução de bondes em áreas degradadas gestor do transporte metropolitano e os envolvidos (esta-
de cidades. Um exemplo é Bordeaux, onde o VLT foi dos e municípios) acabam não se entendendo. O ideal se-
reintroduzido para revitalizar o Centro. “Foi uma salva- ria que as cidades vizinhas se articulassem para mandarem
ção da área central. A experiência francesa é muito signi- para as Câmaras Municipais uma legislação urbanística
ficativa para aprendermos que, quando falamos em VLT, mais homogênea”, explica Silva.
não estamos falando apenas de mobilidade”. Para Silva, o Brasil precisa discutir o futuro das ci-
O diretor de Ferrovias e Transporte Urbano da Egis dades médias, que estão sendo estranguladas na sua
Engenharia e Consultoria, Philippe Grisez, diz que além eficiência por conta dos congestionamentos. “Se o Bra-
da questão da necessidade de recursos para investimen- sil quer uma nação competitiva e cidades médias que
tos, o problema no Brasil é a percepção dos políticos so- atraiam negócios, o congestionamento, o acidente e
bre a importância da infraestrutura de modo em geral. a poluição não podem existir. O VLT entra como ins-
“No caso específico do VLT, a questão é que os gover- trumento de um novo cenário. Infelizmente, o gover-
nantes não estão percebendo o seu potencial maior, que no federal ainda não tem essa visão e o que estamos
é a reclassificação urbana. Essa resistência não ocorre vendo é cidades médias sendo engolidas pela inefici-
apenas no Brasil. Estamos em um processo de maturi- ência econômica e perdendo competividade”, reforça
dade. Também vivenciamos isso na França no passado. o especialista.
Estamos no fim desse estágio de maturação no Brasil, Na sua avaliação, o governo federal precisa desen-
que está pronto para ouvir a mensagem do VLT. Se o volver estudos efetivos e completos sobre as cidades
enxergam apenas como meio transporte, eles acabam que necessitam investir em mobilidade. “Essa é a nossa
comparando-o com o BRT, que é totalmente diferente, tragédia. Infelizmente, se os gargalos da infraestrutura
apesar de mais barato. Não há como fazer comparações logística não estão na pauta como deveriam, o que dirá
de valores. Com o BRT, as pessoas não deixam os seus o problema urbano das cidades”.
Américo Vermelho
29 estações. Em dois anos e meio de operação, já foram
transportados cerca de 30 milhões de passageiros.
Segundo o diretor de Operações da concessionária VLT
Carioca, Paulo Ferreira, com a operação da Linha 3, a ex-
pectativa é de um impacto inicial de acréscimo de 20% a
30% no número de passageiros. “Como benefício para o
usuário diário, desde o início da operação, o tempo de per-
curso foi reduzido em mais da metade, além dos intervalos
entre os trens que estão sendo reduzidos gradativamente”.
Os intervalos atualmente são de 7 minutos nos horários
de pico em cada linha. Já nos trechos compartilhados, os
intervalos chegam a 3,5 minutos.
Ferreira destaca que o VLT é um transporte integra-
do à rotina da cidade. “Além da reurbanização da região
O Centro e a Zona Portuária do Rio foram
portuária, o VLT facilitou deslocamentos no centro fi- revitalizados junto com a chegada do VLT
nanceiro e ajudou a recuperar o turismo no Centro. Nos
fins de semana, por exemplo, 45% do público do VLT é Árabes Unidos”, conta o diretor-geral da empresa no Bra-
voltado para o lazer”. sil, Pierre Bercaire, acrescentando que no Rio de Janeiro,
O VLT do Rio conta com uma frota de 32 trens mode- o modal limitou o acesso dos carros, além de permitir a
lo Citadis, da Alstom, 100% livre de catenárias. “O Rio criação de um boulevard para pedestres na Avenida Rio
foi a segunda cidade do mundo a usar a tecnologia APS Branco. “Resultados parecidos são vistos também em Pa-
em toda a sua extensão, depois de Dubai, nos Emirados ris e Hong Kong”.
Divulgação/EMTU
para o contrato Sistema Integrado Metropolitano (SIM), são 15 estações e 25 mil
passageiros/dia
João Paulo Rodrigues.
O gestor diz que o VLT tem atraído passageiros por ser
um modal mais confortável, seguro, pontual e regular. “Os trecho é segregado, pois utilizou uma antiga linha ferrovi-
intervalos entre os trens são de 10 a 12 minutos e chega a ária. “Já a região do Valongo, área histórica de Santos, tem
6 minutos nos horários de pico”, detalha Rodrigues, que grande potencial para qualificação urbana. Porém, isso de-
ressalta também: “O VLT tem melhorado o entorno, mas o pende do município”, admite.
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capa
Na opinião de Ayrton Camargo e Silva, ainda que a Nordeste: simples e barato
questão urbanística não esteja tão presente, o VLT da Mais barato (quatro vezes mais que o sistema elétrico) e
Baixada Santista é um exemplo para o Brasil. “O trecho adaptável a linhas já existentes, o VLT a diesel, produzido
entre Santos e São Vicente, próximo à orla, já contava pela Bom Sinal na fábrica de Barbalha (CE), domina o
com bairros residenciais consolidados, mas não havia cenário ferroviário no Nordeste. A encomenda mais recen-
um sistema viário que promovesse essa ligação que o te é para o sistema de Teresina, cujo primeiro veículo foi
VLT realiza. Além disso, tem uma importância enorme inaugurado em junho deste ano. São três no total, destina-
porque atende São Vicente, cidade dormitório, que é de- dos ao trecho de 13,5 km. As novidades já são percebidas
pendente da economia de Santos. Para completar, o siste- pelos passageiros: o novo trem percorre em 26 minutos
ma melhorou o trajeto que antes contava com uma antiga (contra 34 minutos pelo antigo trem de subúrbio) a via
faixa ferroviária que degradava o ambiente”. entre a Zona Sudeste e o Centro de Teresina.
A EMTU publicou em novembro o edital de licitação Uma das particularidade do modelo da Bom Sinal é o uso
das obras da segunda fase do projeto do VLT da Baixada de uma solução integrada de tração, chamada Powerpack.
Santista, no trecho de 8 km entre Conselheiro Nébias e Va- O sistema, desenvolvido pela Voith, é formado pelo redutor
longo (ambas em Santos), com 14 estações. A assinatura de velocidade, transmissão hidrodinâmica, eixo cardan e o
do novo contrato está previsto para acontecer em março de engate Scharfenberg, que realiza as conexões físicas, elé-
2019, com um prazo de 30 meses de obras. A expectativa tricas e pneumáticas entre os carros. O sistema é instalado
é acrescentar mais 30 mil passageiros à operação diária. embaixo do trem, para conectar com o truque. A velocidade
Há ainda um terceiro trecho, de 7,5 km, entre Barreiros e máxima atingida pelos veículos é de 80 km/hora.
Samaritá, com quatros estações. Em Natal (RN), são cinco composições, que circulam
nos 56,2 km de via. Ao todo são feitas 30 viagens diárias,
Divulgação/CBTU
taca o gerente regional de Operação da CBTU
Natal, George de Brito Pinheiro.
VLTs de Natal
O VLT de João Pessoa (PB), em operação circulam em
desde 2015, atende os pessoenses e os morado- 56,2 km de via
res de Cabedelo, Bayeux e Santa Rita. Com 30
km de extensão e 12 estações, o sistema transporta cerca e movimentou 362 mil passageiros em 2017.
de 7 mil passageiros por dia útil. Em Maceió (AL), o sis- Em Fortaleza, além da Linha Oeste, que opera com VLT, o
tema atende as cidades de Satuba e Rio Largo nos atuais governo estadual investe na construção da Linha Parangaba-
34,4 km de extensão e 16 estações, e transporta cerca de -Mucuripe, que está sendo operada de maneira assistida por
10 mil passageiro/dia. Com dois ramais, o VLT de Recife veículos da Bom Sinal entre as estações Parangaba e Papicu.
conta com 33,7 km de extensão e nove estações. Os trens percorrem 10,8 km nesse trecho, passando por oito
O VLT do Cariri, no Crato (CE), começou a operar em estações, das dez previstas no projeto. O VLT ainda e se inte-
dezembro de 2009. De lá para cá, vem aumentando grada- gra ao sistema de ônibus, à Linha Sul e, futuramente à Linha
tivamente o total de passageiros transportados (em 2016 Leste do Metrô de Fortaleza. O restante da obra, com mais
foram 365 mil), com seus três veículos e 13,6 km de ex- duas estações (Mucuripe e Iate) deve ficar pronto até o fim
tensão. O VLT de Sobral, também no Ceará, tem 13,9 km deste ano. A previsão é de 90 mil passageiros por dia.