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B*LAI frDA

$?no.-o
Revoltas
MotÍns
RevoluçÕes
Honrens livres pobres e libertos no
Brasil do século XIX

d,r i': - d*
0rc^ '2-,9É

i.l
I
Monica' Duafte Dantas (org.)
l

flt,*,au
294 Monica Duarte Dantas (org.)

cit., p. l3f -56; Barman,Brazil"op. cít.,p.lgg-


,.-RçgressqverFloryludgeandlury,op.
216; Ilmar RohloffdeMattos,o tempo saquarema,sâopaulo, Hucitec, l9gft )etrrey D.
Needell, The Party of order: The conservativa, the statq and slavery in the Brazilian
Monarchy, I83l- L&7l,Stanford, Stanford Universs press, 200 6, p. Z3-llZ.
I l4 Fé de o-ffqiode Ignacio foaquim pitombo, 27l03/1s52, ÂHE, lüx-3-l86; comandante
das Armas ao Presidente, Salvador, 04102il848,
ApEB,m.3422.
ll5.Augusto üctorino Alves do sacramento Blake, "á, Revolução de 7 de novembro e o
or. Iranciso elrrcs [sic] da Rócha vij rx, Revista ito Instituto Hktórtco e Gagráftco
Brasilcirdi. il,a. 4 1887, p. 187.
116 H€n;que Paguer, 1â, sabinaila história da revolta da cidade da Bahia em lg37-,
PAEB;v. Lp 10L Capítulo VIII
I 17 rhomas Garces Paranhos Montenegro et aL para o Instituto Geographico e Historico
da Búia,-Riode Ianeiro, tOtOZAggí, PAEB,v.4, p. 418-19; .Âuto de eúumação dos
ossos d'o Dr. Francisco iabino Alyares da Roctra Vieira", pAEB,v.4,p.l9l-97.
"Sustentar a Constituição e a Santa
l8 Ver, por exemplo, lornal de Notici* (Salvador), 07ll lltg92 eD7fitttgüü, Correío de
I
Religião Católica, amar a Pátria e o
Nofi'a'as (Salvador), 0Z I I I I tBgS e 0T t tt t l$gg.
ll9 Correio do Brasil (Salvador), O7fillt9}3; Braz do ÂmarâI, iA Sóinadtr, pAEB,v.2, Imperador". Liberalismo popular e o
p.23,51.
120 PNB,y.S, p. iii; Edith Mendes da Gama Abreu,'Àmbiente social da Bahia da
idéario da Balaiada no Maranhão
Independencia á sabinada", PÁEB, v. 4, p. 136; octávio Moniz Barreto, "Discurso
[...]
pronunciado na sessão de encerramento das conferencias sobre a sabinad{, pAEB,v.
4 P. 157;'!uiz Vianna Filho,
Á Sabinada (areptúblicabahiana ilel837), Rio de faneiro,
fosé olympio, 1938; Deolindo Âmorim, "A sabinada e a sua grande significação histó-
riczi,Revistailo Instituto Geognifico eHi*órico ila Bahia,t.63,l93Z,p.233-ZO.
t2l §ouza §a&inai!,o1, ctt., p. 9-rO 18, 190-91.
l}2Ver tambéü oensaio insti&nte de Hebe Maria Mattos, knavidão e cidadanla no
Bruilmq&quico, Rio de Ianeiro, forge Zúar,20(X).
Matthias Rõhrig Assunção

Durante a Regência, as províncias do Maranhão, do Piauí e me§mo Parte


do Ceará foram devastadas por nmaguera civil que entrou na historia como
'Balaiadtr (1833-41). Depois de uma série de derrotas, as forças da legalidade re-

ceberam reforços e recursos de outras províncias e dogoverno central. A Regência


também despachou Luís Alves de Lima e Silva, o futuro duque de Caxias, para
assumir o supremo poder polltico e militar. A nova "Diüsão Pacificadora" foi
dividida em três colunas, para cer@r e bater os 'balaios' que até então contro-
lavamgrande parte do interior. Âo mesmo tempo, os oficiais legali§tas tentavam
convencer os chefes rebeldes a deporem suas annas. O comandante da primeira
coluna, Francisco'Sérgio de Oliveira, em um desses apelos chamou os insurretos
de lovgs loucos" que precisavam de perdão. O mais proeminente líder dos ba-
laios, Raimundo Gomes, rebateu essa acusação numa longa carta em julho 1840'

onde orpõe os motlvos da insurreição:

t..:i NO. não queremos matar a ninguém para isso demos


provas que à primeiro Homen que Pegou nesta Causa deu
o exemplo que não foi matândo nem roubando e só o que

queriamos
.:
era a Ley da Constituição firme.r

'

Pode surpreender a ênfase na Constituição por parte do homem, sempre visto


pelas autoridades, as elites e historiadores conservadores como ignorante, §emPre

?q7
298 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 299

desquali6cado como *pardol'cabra', ou'firlo', e por vezes mesmo estigmatizado O assalto à prisão da Manga foi logo visto pelas autoridades, e a subsequen-
como portador de deftiência ffsica-2 Mas, apesar de todas as invectivas, foi ele o lí- te historiografia, como o início da Balaiada (183S-1S41). Tirnto as autoridades,
der mríximo de uma das grandes revoltas rurais da história do Brasil. o imaginário quanto os historiadores conservadores que escreveram os primeiros relatos da
coletivo brasileiro, e até parte significativa da historiografiq tendem a pensar que revolta, insistiram em qualificar os rebeldes de "facÍnoras" e negaram-lhes qual-
movimentos sociais no campo, durante o Império, foram sempre inspirados por quer motivação políüca além da sede de rapina e de vingança.6 Considerando a
ideias messiânicas ou resultado de bandiüsmo._Mas como já demostrou Astolfo ralé incapaz de escrever manifestos, chegaram mesmo a defender que uma "mão
*esuanho.comfuid,
serr+ o que tomou conta daqui:les que se autodenominavam oculta", ou seja o Partido Liberal, estaria por tr:ás da revolta. Ribeiro do Amaral,
*bqnr-te-vis',
tiúaseufirndamento na oqxessão regional do überalisrno.3 Esse ide- no seu clássico estudo da Balaiada, refutou esta teoriaT Mas o idéario dos revol-
ário se enraizou drrme
a Independência e a Regência entre a população liwe e tosos continuou a receber pouca atençáo.t
pobre da agiâo,taúém conhecida como Meio-Norte do Brasil.
Por que milhares de homens do campo pobres e não-brancos na sua maioria,
Raymundo Gomcs vieira |utúy, o "comandante em chefe das Forças Bem- se revoltaram atnís da bandeira da Consütuição e dos direitos da cidadania?
te-visi tinha sidoraqueiro de um fazendeiro da baixada maraDhense. um ano A explicação, me parece, reside numa conjunção de dois processos, um so-
emeio antes de sua req»osta às acusações dos legalistas, no dia 13 de dezembro cioeconômico, e o outro político. Uma economia de plantatior, baseada no cul-
1838, quando tanga gpdo para o seu patrão, o sub-prefeito da vila da Manga tivo do algodão e do arroz por escravos africanos, se desenvolveu no Maranhão
prendeu vários homens sob seu comando para serem recrutas. Gomes nâo he-
nas últimas quatro décadas do período colonial. Nos interstícios da economia de
sitou: com nove comlntrheiros arrombou a porta da prisão e liberou seu irmão algodão desenvolveu-se um campesinato relaüvamente autônomo, produzindo
e outros companheiros presos. vinte e três guardas nacionais estacionados ali para o mercado interno ou üvendo em autossubsistência. Essa classe camponesa
aderiram ao movimento cinco dias depois, já estava à frente de cem homens,
se formou a partir de três matrizes: indígenas aldeados, escravos alforriados ou
induindo os do destacanento mandado contra ele pelo prefeito do Itapecuru- quilombolas e emigrantes do sertáo cearense.
'i
mirim.4 Gomes, logo @ois do rompimentq lançou um manifesto com quatro
Que antagonismos dividiam essa sociedade? Como em toda sociedade de
reivindições, invocadaspara'o bem do sossego público.: plantation, os escravizados que garantiam os lucros dos fazendeiros eram, ao
mesmo tempo, motivo de preocupação constante para seus senhores. Devido à
d-l = Primeiro: que seja sustentada a Constituiçâo e ga- existêpcia de extensas matas ainda não colonizadas nem controladas pelas auto-
rotias dos cidadãos. = Segundo: que seja demitido o ridades, muitos escravos logravam fugir e constituir quilombos além da fronteira,
prcsidente da Província, e entregue o governo ao vice- percebidos como uma ameaça à ordem escravista Em 1817-1818 a economia de
= Terceiro: que sejão abolidos os prefeitos, exportação entrou em çrise da quàl nunca mais iria se recuper.u plenamente.
uúprefeitos, e comissários, ficando somente em vigor as Além do mais, uma pequena elite de fazendeiros, produtores de algodão para
leir gerais, e as provinciais, que não forem de encontro
exportação na área central da província, açambarcou o poder proüncial depois
à Constituição do Império. = Quarto: que sejão orpul- da Independência- A marginalização política gerou insatisfação entre produto-
sados [dos] empregos [os] portugueses, e despeüarem a
res de mandioca e fazendeiroi de gado das áreas mais periféricas (o sul e o vale
Prrovincia dentro em quinze dias, com excepção dos ca-
do Parnaíba), mais orientados para o mercado interno. Conflitos ao redor do
sados com famílias brasileiras, e os velhos de 16 anos
[sic,
trabalho e da comercializrçío dos produtos também opunham fazendeiros à
deve ser 6l] para cima.s
a

300 Monica Duarte Dantas-(org.J Revoltas, Motins, Revoluções 301

população liwe e pobre.e Por outro lado, a úegada da lEra das Revoluçôes" na do Equador (1824).t2 As aspirações populares da Independência foram retoma-
sociedade maranhense desencadeou um processo de intensa mobilizaçâo e trans- das na Setembrada (1831). Mas, como no resto do Brasil, o liberalismo 'exaltado"
formação política. como veremos, a reapropriação do liberalismo por diferentes perdeu fôlego e foi marginalizado pelo liberalismo moderado, sobretudo depois
atores sociais jogou um papel de destaque nos conflitos dos anos 1820-1838. do'Regresso" de 1837.
0 que importa enfatizar aqui é a formação de um liberalismo popular, ins-
pirado pdo liberalismo das elites, mas distinto dele em alguns pontos cruciais. A
Consütucionalismo, patriotismo e liberalismo, historiografia da Balaiada sempre ressalta o papel de um pequeno jornal para a
1820-1838 deflagra$o do conflito. O Bemtevifoilançado em junho de 1838 e circulou, com
29 números, até as eleições, em outubro do mesmo ano. Seu redator exclusivo
Pouco exposto às ideias ilustradas até então, o lv[eio-Norte foi definitivamen-
era Estevão Rafael de Carv"alho{1808-1S46), catedrático da nuh de comércio"
te incoqporado à modernidade políüca através da Revolução do porto de l820.ro
e professor substituto de geografia e história do Liceu de São Luís.ti Carvalho
É importante lembrar que o primeiro sistema constitucional implementado no
estudou em Coimbra.rr Depois de seu regresso ao Maranhão, no final da década
Brasil foi o português de 1821, consequência imediata da revoluçâo vintista. o de 1820, participou da agitaçáo liberal exaltada queculminou com a§etembrada,
novo regime lançou uma campanha pÍrra convencer os eleitores no Brasil que a
em 1831. Foi eleito deputado à Assembleia Geral para a legislação 1834-37.t5 Em
constituição que estava sendo elaborada pelas cortes iria promover a'regenera-
sua atuaçâo como deputado na Corte se destacam alguns projetos radicais como
çâo" da pátria unindo os portugueses dos dois hemisftrios. Um segmento da elite
a emancipação de todos os escravos pardos nascidos no Brasü e a separação da
maranhense aderiu ao projeto vintista, do qual esperava o fim do "despotismo.
Igreja e do Estado.r6
do antigo regime. A partir desse momeotq constitui$o virou uma referência
Carvalho escolheu o apelido dos liberais maranhenses - os bem-te-vis - para
positivapar.a todos que se opunham ao absolutismo.
o seu jornal. O Bemtevíse inscreve na linha das pequenas publicações programá-
0 movirilento pela Independência lançado no Sudeste provocou um segun-
tkas liberais que entravam em polêmicas virulentas com o§ conservadores locais,
do momento de ruptura e um realinhamento dos grupos políticos, seguido de
os tabanos'.r7 Retomando o üscurso dos "exaltados" maranhenses, Carvalho de
uma verdadeira gu€rra contÍa o partido "português",(LB2Z-L823).O Maranhão
fato rebatia várias teclasjá conhecidas, e que vamos reeÍrcontrar depois no discur-
. coúeceu enüio uma série de violências ('lustros") cometidas contra os "portu-
so dos rebeldes balaios. O liberalismo exaltado da década de trinta já não defen-
gueseso e a minoria branca que controlava o comércio local por parte dos que
dia mais a república. O jornal posicionava os bem-te-vis como moderados entre
agora se auto-denominavam latriotasl A Independência consoüdou o consti- absolutistas da direita e republicanos da esquerda como o "fetoz e brutal Sabino
tucionalismo através da carta Magna de L824. Anova cultura política se expres-
da Búia'itt Suas palawasile ordem éram: 'Guerra aos republicano§, guera aos
sava não somente nos debates nos corpos representativos da nova nação, mas
absolutistas" e "Consührição e Imperador, e só Consütuição e trmperadorlre '
tarnbém nos jornais, publicados a partir de 1820 na província como salienta
Sua polêmica virulenta com uma folha consenradora chamada Á Crônica ilos
Lúcia das Neves, os vocábulos dessa cultura "podem ser agrupados em torno de
Cronistas.nos permite entender,atiiudes mentais que davam fonna aos debates
quatro conceitos fundamentais: despotism§-liberalismo, consütucionalismo, e
políticos da época. Os insultos é associaçóes para desqualificar o adversário po-
separatismd., Essas catego.riís novas foram reinterpretadas conforme as linhas
lítico são muito reveladores da maneira como o§ agentes históricos interpretam
de conflito locais. o republicanismo, por exemplq foi desacreditado no Maranhâo
conflitos sociais. Assim, Á Crónica dos CronisÍas - seguindo uma tradição lusófila
depois da presidência de Miguel Bruce (1823-24) e do fracasso da confederação
302 Monica Duarte Dantas (org.)
Revoltas, Motins, Revoluções 303

conservadora que vinha desde os tempos da Independência - xingava


os liberais Carvalho üveu retirado na sua terra, Viana, que não foi atingida pela rebelião, e
de'nagôs",'cabras" e "bodes", insinuando sempre uma inferioridade dos
riberais aí esperou o fim do movimento sem se manifeitar.
em termos de lureza de sangue" de Antigo Regime. o Bemtevi rebatia
estes in- Carvalho foi logo acusado pelos conservadores maranhenses de haver pro-
sultos, mas de maneira ambivalente. Não criticaya a discriminação,
nem reivin_ movido a rebelião, junto com [oão Francisco Lisboa, iedator do mais importante
dicava a igualdade raciú mas apenas lamentava: -Santo Deus, para que haveis de jornal überal da época" e um dos chefes do Partido Bem-te-vi. Lisboa se esfor-
insultar assim os eleitores?-2. Tiambém defendia os liberais da acusação
conserva- çou em demonstrar - ainda durante a guera - que os jornais liberais (como sua
dora de serem repubücanos ou de pregarern a retolução.2r o Bemtevi,pero
con- crônica Maranhense eo Bemúiví) "não tiveram a menor influência nas desordensl
üário, responsabilieava os fuortugueses" pela corrupção do governo e pela
exclu- Considerava que o Bemtivi "[-J bem fora de orcitar a anarquia, não fazia senão
são dos'bra§Ieiro§', ou seja dos liberais maranhenses..sugeria
que a província apelar para as autoridades consütuídas, e os recursos que ofereciam as Leis do
€ra, na verdade, dirigida pelo líder da comunidade portuguesa,
o comendador Império'. Reconhecia que declamava contra as arbitrariedades dos prefeitos, mas
Meireles. comprazia-se em lembrar que o mesmo já fora objeto oa
de ressentimento assim mesmo julgava que sua parte doutrinal foi inteiramente nulal Ressaltou
popular durante a Independência, quando teve seus vidros quebrados
durante também sua limitada circulação:
um lustro" (quebra-quebra anü-lusitano). Associava Meireles com
os contratos
fraudulentos das *carnes verdes", através dos quais algumas câmaras
municipais
O 'Berntivi'imprimia quatrocentos e tantos exemplareg
concediam monopólio de venda no mercado local, garantindo fartos
lucros para
metade dos quais era distribuída pela populaçao pacífica
os contratistas.22 como no resto do Brasil, os "portugueses" eram
idenüficados da Capital, e o resto exdusivamente remetido aos eleitores
com o absolutismo, e a restauraçâo do domínio colonial. Á tarefa dos
überais, do Interior, compreendidas as Comarcas onde não lavrou a
Portanto' seria de defender as leis do Império contra os conservadores sempre desordem. Vê-se que nâo tocanaum exemplarparadois ele-
denunciados como "feiüçeiros absolutistas", que promoviam a
anarquia para der- mentos. A tuô isto acrescente-se çe o tsemtivi' mal durou
rubar a colrstituiçao." o Bemtevi estabelecia um vÍnculo direto entre a santa três meses, publicando-se duas meias folhas por semana, e
Âliança na Europ+ e as sociedades secretas no Maranhão que
também queriam analie-se a força da acusaçâo. Pode-seafoitarnente âsseverar
trazerde vúa o absolutismo.z que entre esses 8.000 homens çe talvez tenham tomado as
outro alrro predileto do Bemtevi era o presidente da província, o conserva- ' ,r-as em favor da desordem, nem 200 haja que saibÍrm que
dor vicente carnargo- seu primeiro número já denunciava que ele vivia houve um periódico intitulado - tsemtivi' - e é inçestioná-
debaixo
da tutela de "um puúado de homens que só respiram vingança vel Ere guantas averigu.açôes hâo feito os agentes da Tacçad
e ambição".2s O
jornal repeüdamente denunciava o empreguismo do presidentg [os consenradores], a este e outros respeitos, com os rebel-
como o uso de
ápadriúados na hora de nomear prefeitos. Os ataques à Camargo s çe têm aprisionadq ainda nadalhes produziu.2T
eram vee_
mentes e pessoais. o Bemtevi descreüa o presidente como ofeio',
e o qualificava
de "ineptol Equiparava a autoridade mfuima da província À ,r .
a um faccioso promo- E óbüo que a necessidade de rêbater as acusações dos conservadores levou
vendo anarquia, e atacava seu desempenho anterior em pernambuco.ã
A reação Lisboa a minimizar o papel do j«irnal. Ribeiro do Amaral, o meticuloso estud.ioso
do presidente da província foi imediata. Usando um pretexto leviano, demitiu da Balaiada que ainda conüveú com muitas testemunhas diretas dos eventos,
Estevão de carv"alho de seu cargo de professor substituto. Durante.a
Balaiada,
a

304 Monica Duarte Dantas [org.) Revoltas, Motins, Revoluções . 305

úrma, pelo contrfuig queapequenacirculação não impediu o jornal de alcançar


Contra o "despotismo" dos prefeitos: lemas e
grande popularidade:
reivindicações dos bem-te-vis
Este jornal, escrito em linguagem faceta e satírica, lo_ À Balaiada foi uma rebelião socialmente heterogênea Nas suas fileiras alista-
grou desde logo o favor públicq de maneira que era lido
ram-se fazendeiros, vaqueiros, camponeses e também escravos. Além do mais, foi
e procurado com avidez por todos, grandes e pequenos,
um moümento descentralizado. Apesar da formaçâo de unr "Conselho Militar.,
conseguindo em breve a suá cirorta6o estender-se pela
depois da tomada deCaxias (agosto 1839), e apesar de uma hierarquia formal,
província toda.ã
na qud Raimundo Gomes figurava como "comandante em chefe", e Lívio Lopes
como cabeça da revolta no Piaú os grupos rebeldes eram liderados por chefes
Apesar de sua pequena tiragem, jornais como o Bem-te-vi podiam ter in_ bastante independentes que nâo necessariarnente coincidiam em seú objeüvos
fluência no interior, pois é muito provável que fossem lidos em voz alta para au_ nem na sua prática insurecional. No Piauí, por exemplo, a revolta era dirigida
diências maiores e analfabetas. Mesmo que o Bem-te-yi não fosse diretamente sobretudo, contra o barão de Parnaíba, que desde a Independência monopolizana
responsável pela deflagração da Balaiada, acredito que contribuiu para divusar o mando na província.32
os pontos programáücos centrais do liberalismo, como a defesa da constituição Por esta raáo convém distinguirpelo menos três áreas de revolta. Em grande
e da monarquia. Alimentou a dissidência dos "exaltados'com a sua virulenta parte do Piauí e no sul do Maraúão (o chamadoSertão de Pastos Bons), a revolta
campanha contra o presidente e os prefeitos, e culünou antigos ressentimentos mobilizou, sobretudo, fazendeiros degado, e sua clientela. Nos vales do Itapecrrru
quando insinuava que tudo era obra dos Thmbém fa- e lguará, pelocontrário, a maioria dos fazendeiros de algodão apoiava a legalida-
fuortugueses'absoluüstas.
zia uma leitura progressista do crisüanismo próxima à üsão do catolicismo po- de, enquanto muitos escravos se juntaram aos rebeldes ou se aquilombarírm por
pular. Acueava assim os'feiüçeiroi absolutistas" de insultarem 'a religião de conta própria. Em todo o Maranhão oriental (vale dos rios Munim, Preto, e Periá
|esus
cristq esta religião de igualdade e de liberdade".2e No entanto, em alguns aspectos entre outros) e dos dois lados do baixoParnaíbq a população camponesa - cha-
seu conteúdo destoava do discurso dos rebeldes mais radicais como Raimudo mados de caboclos - aderiram em massa ao mordmento.
Gomes. Defendia a maçonaria, que Reconstituir um imaginário balaio partir das cartas
flanta e sustenta a liberdade dos póvos" con_ a e proclamações dos re-
tra a santa Á,liança absolutista.il se identificava dararnente corn a classe dos fa- beldes é uma tarefa arriscada porque esses textos Íepresentam, antes de tudo, as
zendeiros, quando reclamava que o governo sobrecarrega.va de impostos'os po- opiniões de sua liderança mais politizada e letrada. Não há dúvida que a maioria
hres lavradores" ou quando acusava os prefeitos de
introduzir eqpias no seio das dos rebeldes era analfabetatlsto não necessariamente os impedia de se comuni-
famílias dos lavradores para co.'omper os "nossos escravoslr! como veremos, car com seus companheiros ou oficiais legalistas através de cartas, porque chefes
alguns baiaios também foram muito mais longe na defesa da igualdade racial. iletrados como o Balaio (e mesmo allâbetizados como Gomes) dispunham de se-
cretários particulares. Há que levaremconsideração também.o quanto os alfabe-
tizados e'iletrados conüviam'no cotidiano. Ambos participavam, mesmo que em
graus distintos, da cultura polítiba regional que ultrapassava os limites do escrito.
 política, durante essas décadas, era sobretudo oral, feita nas assembleias, na rua
ou nos campos de batalha-
306 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 347

Existem três tipos de tefios bem-te-üs: proclamações destinadas a obter As reiündicações às vezes eram acomPanhadas de declarações sobre a im-
apoio da população, cartas entre eles, confiscadas do bolso de rebeldes presos, portância das tropas de que disporiam os rebeldes, na clara intenção de impres-
ou ofícios que mandavam para os oficiais da legalidade. Os militares, por sua vez, sionar os adversários. Francisco Lopes Castelo Branco, por exemplo, de influente
mandavam cópias das cartas originais para seus superiores, e sâo essas cópias que famflia do Piauí, "Coronel e Comandante das Forças Bem-ti-üs", assegurâ que
se encontraÍn hoje no Arqúvo Nacional ou nos arqúvo estaduais do Maranhão contam 'desde o Brejo até a ilha de Balças ll a 12 mil homens em armas".a
e do Piaú A maioria das cartas rebeldes é breve muitas apenas tratam de deta- Quando, durante o ano de 1839, os rebeldes consqJuem assumir o controle de
lhes da campanha, ou repetem os lemas e reivindiéações centrais. Há, no entanto, grande parte da província do Maraúão, suas exigências aumentam. O "Conselho
*composto
alguns manifestos mais flstalhxdss, que justificam a rebelião e expücam seus mo- Militar' reunido em Caxias, dos comandantes das forças do Partido

üvos. Eses ri,ltimso ms permitem apreender melhor a visão de mundo dos bem- Bem-te-vi', faz questão de frisar que conta com 6.000 homens armados e reiGra
te-vis. Para sua análise é necessário tomar em consideração como se relacionam as exigências iniciais, em l0 de julho de 1839.3s Mas pede, então, também a reu-

com a cronolqgia da rebeliáo, assim como as eventuais diferenças entre os vários nião da assembleia provincial para conceder anistia aos rebeldes, indenização de
autores - invariavelmente chefes de algum grupo rebelde. Como há poucos textos 80 contos de réis para a tropa bem-te-ü, assim como integração de alguns oficiais
mais programáticos, e que usam uma retórica similar, optei por uma análise te- rebeldes aos corpos armados da província.s
máüca" assinalando divergências que fogem do conjunto. Como em muitas revoltas populares, os rebeldes procuraram legiümar a §n
Os mesmos lemas são usados por todos os rebeldes. Sempre reiteram a sua fi- ousadia de haver empunhado as Íumas contra a autoridade provincial. Assim, o
delidade ao imperadoq à Consütuição ao catolicismo e à pátria brasileira. Cartas líder rebelde Pedro Alexandrino dos Santos, que à frente de 3.000 homens domi-
e proclamaçôes geralmente terminam dando vivas a estas referências fundamen- nava grande parte do baixo Parnaiba, convocou uma reunião na casa da câmara
tais do ideário bem-te-vi, por exemplo: da vila de são Bernardo, cabeg da comarca do Brejo. Este 'conselho geral" de 3
de junho de 1839, formado na tradição das'câmaras gerais" da Independência,
t

Ehavemos de gritar com gosto: Viva a Religião Catholica. reune além dos três oficiais rebeldes, "oficiais subalternos, povo armadq e mais

Viva O Senhor D. Pedro 2o. Viva a Constituição. Viva as cidadões". Elegeu por aclamação um notável local simpáüco à causa, o tenente-

Ilopas Bemtivis.33 coronel Antonio de Caldas Ferreira para presidência do conselho. O comandante
rebelde Pedro Alexandrino passa a e:rpor'os males, em que a Província inteirahá
de submergir-se'e pede que,o conselho geral despacJre uma rePre§entação con-
Para além destes motes, os pontos programáticos centrais também eram
tendo quase literalmente as quatro reiündicações proclamadas por Raimundo
defendidos por todos os rebeldes. Foram articulados pela primeira vez por
Gomes em dezembro de 1838, ou seja: sustentar a Constituiso de 1824 e garan-
Raimundo Gomes no já citado manifesto de dezembro 1838. Assim, três reivin-
tias dos cidadãos; renúncia do presidente da proüncia; abolição das prefeituras e
dicações - garantia dos direitos constitucionais dos cidadáos, abol&ão das pre-
outras leis provinciais que infringem a Consütuição; e demi§sâo dos portugueses
feituras, e expulsão dos portugueses - são reiteradas até pelo menos meados de
dos empregos públicos. Depois de [àa.e discutida o conselho geral resolve lerrar
1840. Somente a exigência da renúncia do presidente da província é abandonada
essa representaçáo ao conhecimàto do presidente da prwíncia, designando para
por muitos rebeldes depois que o governo central subsütuiu Camargo por Melo e firmaram a
tal dois cidadãos por aclamação. Quarenta e nove oficiais e cidadãos
Souza (em 3 de março de 1839).
ata.37 Nove dias depois éa vez da vila de Tutóia ter seu conselho geral, reunindo "o
308 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 309

Povo Armado e mais cidadõesi seguindo o exemplo -vila for-


de são Bernardo, a expedindo ordem de se reculutarem {sicl solteiros e casados Moços e velhos,
mada em conselho" elege por aclamação dois cidadãos para
levar a representação ora senhores digam vós isto é constituição?'o A lista de arbitrariedades é se-
que encampa as reivindicaçóes rebeldes, firmada por
17 pessoírs, ao presidente melhante à que encontramos na imprensa liberal da década de 1g30, o que não
da província.3. com a firma dos'cidadÕes" (pessoas que
satisfaziam os critérios necessariamente significa que uma é cópia da outr4 mas que era dessas injustiças
censitários da consütuição) os reberdes de fato logravam
uma legitimação demo- que os homens Iiwes do interior maranhense mais se ressentiam.
cnítica, infelizmente ignorada pelas autoridades da província. Â Constituiçãq pelo contráriO iunto com a figura do imperador formam os
dois pilares que, navisão dos rebeldes - e não somente eles -, sustentavam a socie-
dade imperial e deviam unir todos os brasileiros. A ênfase na religião católica era
"Sustentar a Constituição e a Santa Religião
complementada pela acusação de que os cabanos formavam sociedades secretas,
Católica". A üsão de mundo dos bem-te_vis pormeio das quaishaviam conseguido usurpar o poder na província- Aqui se ex-
pressava o receio das sociedades restauradoras que - como no resto do Brasil - se
Que significavam as para'ras de ordem dos reberdes? As reivindicaçôes e seus
destacaram no Maranhão depois de 1831, mas também a desconfiança católica da
lemas sintetizavam umavisão de mundo particulu.
o ideário benr-te-yi se desen- maçonaria, mencionada em alguns textos rebeldes.
volveu apartir da interação do catolicismo popularcom
o constifucionalismo libe-
O patriotismq outro sentimento forte entre os rôeldes, tem vií.rios desdo-
ral, e das experiências políücas dos rebeldes desde
a Independência. sintetizou-se
bramentos. Em primeiro lugar, seguindo a lógica da descolonização os bem-te-
nas medidas que, a seu ver, solucionariam seus problemas
maisgraves.
vis querem um Brasil dos brasileiros. Por isto parecem reiterar as exigências da
Prevalecia, entre todos os rebeldes, a firme convicção
de que os *cabanos,
Independência, mas naverdade o momento histórico é outro. Na suaüsão'os por-
estavam se aproveitando da tenra idade de d. pedro
para inftingir a constituição tugueses" através de suas arümanhas, já têm logrado controlar a jovem nação inde-
e oprimir.'os póvosi Deste modo, o reberde Francisco Lopes castero
Branco, em pendente. As dificuldades de operar um claro corte entre brasileiros e portugueses
carta ao enião mais alto oficial da legalidade, afirmava que
estana
senotanahora deisentarounão da opulsão daprovínciaos'adotivos" (portugue-
ses naturalizados com a Independência), ou os casados com brasileiras.ar
segurando os diferentes pontos do meu comandoem de- A oposição entre portugueses e brasileiros se superpõe e se combina com a
fesa da Constituição do Império e da sua integridade que
dicotomia entre brancos e não-brancos, tão forte na sociedade mar, anhense de-
os malvados tem pertendido [sic] derribáJa, coadjuvado
vido ao reduzido número dos primeiros em comparação com outras províncias.
do entusiasml dos povos me tem animado a sustentar as
Para os bem-te-vis é daro que o Brasil não pode ser, somente, dos brancos, pois
armas contra dstes opressores do Trono de Sua Majestade
a nação brasileira "é compogta de sarigue da.gentilidade baralhados com sangue
[...].,,
da Costa da Africa e dos portugueses".a2 De fato, muitos rebeldes assumem esta
miscigenaçâo de maneira positiva quando se afirmam como "caboclos".
A 'opressãoo se referia em primeiro lugar, ao tespotismo. O patriotismo brasileiro dos bein-te-üs seçombinava corh certo orgulho re-
dos prefeitos con_
tra os homens pobres e liwes, como o recrutamento arbitrrírio, gionalista, como se vê numa pioclamação anônima que dá vivas "á Liberdade
ou o mau-trato
que dispensavam aos pr€sos. Como explicou Raimundo Brasileira" e aos "briosos Maranhenses."a3 Alguns tortos sryerem que haüa, além
Gomes, o recrutamento
implementado pelos prefeitos infringia a "Lei da constituição": .os pdrfeitos do mais, uma certa animosidade contra pernambucanos {talvez por causa da
[sic]
310 Monica Duarte Dantas (org.) Revolas, Moüns, Revoluções 311

origem do presidente Camargo). Raimundo Gomes, por o<emplo, exortou o che- que o governo faziaao movimento e insiste que a guerra civil era desastrosa para
fe rebelde oliveira Brauna omais
a não ter comunicação com os cabanos", temen- todos, independentemente de sua cor:
do alguma "falsidadd'deles, e proclamou:

[...] nos náo queremos matar aos'Brancos todos como le-


[...] segurarmo o nosso Brasil e pormo o nosso imperador vantam para melhor engrossar os §eus Partidos, morrem
no trono e segurarmo a Constituição ea religião Cathólica tantos Brancos como Cabras como Caboclos.as
e não nosfaremos em palavríados de pernambucanos que

se acham fraco [...].{


O tomandante ern cJrefe", como os demais rebeldes, explicava o desrespeito
aosdireitos dos cidadãos brasileiros pelo fato de que ainda erarn os fuortugueses"
como a constituição e a religião, a defesa da liberdade e da pátria são fre- que mandavam na província: 'a justiça do Brazil toda é a Conselhada [sic] dos
quentemente associadas. Assim, um manifesto apela aos maranhenses para que
Portugueses que figura em frente para enganar aos tolos é Brasileiro." Por essa
'a custa da própria vida defendemos a überdade" e que'sacrifiquemos os ódios razão pergunta ao oficial
privados perante o sagrado altar da pátria'.{s sâo acompanhados de apelos mo-
rais às virtudes cívicas dos seus concidadãos. convencidos que estes meios lor [...] pedimos a Y S." que nos queira informar de que Terra
salvaremos as nossasüdas, honra e fazendas', os rebeldes apelam assim'aos bra-
V. S.'é Filho e que sangue V. S.'está fazendo derramar se
sileiros amalte[s] da nossa causa Bem-te-vi', para que "que sigamos a boa ordem,
V. S.'é Português tem muita razão porém se é Brasileiro é
haja união, deixemos os abusos, e ambição, obediência a Deus, e as autoridades
mais louco do que nós.
{sic]", Em contraste com as acusaçôes do governo, oferecem até seu auxílio: os
que procüarem *os braços, e a proteção das Tropas Bem-te-üs
[...] serão bem
aceitos, e bem tratados que as Tlopas Bem-te-üs são humanasl6 Por isso mütos rebeldes preferiam trataÍ com oficiais nascidos no Brasil,
como Falcão, do que com'adotivosi Gomes também acreditava que havia uma
conspiração maçônica pretendendo reescraüzar os homens de cor como ele e
"Esse mesmo Povo de Cor é que é as Forças do seus companheiros:

Brasil". Raimundo Gomes e aluta pela igualdade


[...] nós não estavamos a fato o como foi tramado este ne-
Ao lado da luta pela liberdade, e pelos direitos garanüdos pela constituição, góciô por meio do segredo da Sociedade Maçônica que
dlgumas cartas sugerem que há outra pela igualdade, como o já citado manifesto . sejam Cidadões os Brancos Ricos e gue todo o povo de
de l0 de julho 1840, no qual Raimundo Gomes rebate a acusação de "povos lou- Cór que esteje no hábito de desprezar que sofra o pesado
cos" feita pelo comandante da primeira coluna. tata-se de uma das cartas mais . iugo doabsoldtismo e da escraüdão.
detalhadas de sua autoria, escrita depois de escapar de várias invesüdas das tropas
;
:
legalistas, e de sua tropa sofrer séria derrota no lugar Vereda, entre o Munim e o
Essa era, de fatq uma teoria popular. Muitos rebeldes estavam convencidos
Iguará, onde perdeu sua bagagem e 40 cavalos.aT Gomes se defende das acusações
que os cabanos unidos aos portugueses queriam'fazer-nos seus escravoslae Mas
3lz Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções
.313

de que escravidão se trata? No discurso liberal das elites, o termo escravidão era [...] os Povos desesperados por se verem constrangi<ios da
frequentemente usado para descrever a elrploração colonial e o absolutismo, e sua mesma Nação sem poderem trabalhar as suas Famílias

não o cativeiro dos africanos.í No contexto maranhense cia década de 1830, no ao desemparo seus Filhos morrendo seus Parentes suas

entanto, quando homens de cor falavam de escraüdão, tamMm refletiam o seu Casas os tnimigo tocam fogo as suas Roças iurancam os

medo de serem (re)escravizados. trgumes.


Para Gomes não deve haver diferença entre os cidadãos, baseado na cor, ou

como tarnbém se dizia na época, "qualidade". Evo,ca uma poderosa imagem para
Como Gomes, reclamam do desprezo de que sofria'este mesmo povo de
defender sua visão da iguatdade de todos os homens que desafiava a noção ainda
Cor" e perguntam
hegemônicade'purezadesangue": ,

Ora Senhores, que aversão tomaram á estes Homens de


[...] digao senhores estes Homens de Cor por vintura pe- Cor Ora por ventura irão pegar a cor deles nos Brancos
garam a Cor deles nos Brancos estes Homens deCór por por ventura o Sangue dos Brancos terá outra Cor por
ventura não serão Filhos de Deus queiram Senhores nos ventura haverá outro Âdão e ouúa Ena Por ventura este§
mostrar outro Adão e outra Eva queiram Sangrar três
Homens não serão filhos de Deus {?]51
homens em um Só Vaso, um Branco, um Cabra, e um
Caboclo, e ao depois nos queiram mostrar diüdido o san-
) A retórica parecida, porém não idêntica àquela usada por Gomes, sugere que
.r gue de um e outro.
havia um ideário comum entre os rebeldes, baseado numa combinação de iguali-
tarismo cristão com a noção de direitos-garantidos pela Constituiçao, sintetizado
Contraos brancos que querem reescravizar os homens de cor, afirma que
nos vivas à ConstituiSo e a reügião.
todos têm'igual direito". Gomes chega mesmo a reivindicar que são os cabras e
Esse pensamento igualitário democrata e radical para a época, encontrou,
caboclos que constituem as forças üvas da Nação: 'esse mesmo povo de Cor é que
no entanto, seu limite com a omissão do negro.escravo. Como já salientou Maria
é as Forças do Brasil".
Ianuária Vilela Santos: 'de uma forma genérica, o negro estaria incluído nesta
Raimundo Gomes talvez fosse um üsionário excepcional Mas acredito que
visão. Mas persiste a omissão."s2 Da mesma forma como os s4 ns'culotta pat':.sien'
não deixa de ser representativo da consciência emer"gent€ do lovo de cor' na
ses, a adoção de uma postura democrata radical se combinou com a crença num
provínci4 enquanto força econômica, social e, nessa conjuntura, mesmo política.
complô da reaçáq que se explica, entre outras coisas, pela importância de rumo-
Tlú conceito, ultrapassando as categorias mais estreitas de caboclo, cabra ou cafuz
res numa sociedade na qual a circulação da informaçáo era muito mais limitada.
das classificaçôes e hierarqúas coloniais baseadas na "pureza de sangue", abriu
Essa desconfiança tinha uma base racional, se justificava pelo mau tratamento
possibilidades para a formafo de uma consciência de classe si" dos produ-
lara dispensado aos homens de cor. E se os bratrcos temiam um 'Haiti", o povo de
tores üvres e pobres. É usado no mesmo senüdo em pelo menos um outro texto
cor do Màranhão tinha rueo de sobra para temer uma reescraüzação. Os dois
rebelde. No manifesto destinado aos deputados da Assembléia Geml no Rio, os
medos eram de fato comPlemeritares: um alimentava o outro. Ambos remetem
chefes Francisco Gilberto castello Branco, Roberto |osé de Maria e Ánastácio da

Costa também denunciam as trueldades com a pobreza'. Lamentam que


314 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 315

à escravidáo como categoria fundamental para entender os debates ideológicos vantagens. O mesmo major Henriques, que estava tentando convencer o chefe
entre os homens livres na sociedade. Mathias Luiz de Medeiros a se apresentar, inforrna que o'cabecilha Mathias se
achava doente, e curando-se ocultamente no Saco dos Molundús" e que tem dei-

xado de ajudar Raimundo Gomes. Explica que, nesta negociaçãg'toncedi que


1{mar a Páüia e o Imperador". Como a maioridade sua mulher com os escravos voltasse para sua casa; e tratei-a bem".ss Esta táüca
abriu caminho para a trégua começou a dar resultados, pois no final de 1839 alguns chefes rebeldes se cansa-
ram de guerrear, entre eles o ex-pistoleiro de um fazendeiro conservador, Manoel
É importante coâtizar que os bem-te-vis em neúum momento assumem que
Rodrigues Ferreira Coque, que entrou para a história como o "Judas" da Balaiada
sua rebelião é dir8ida contra o governo central. consideram, pelo contrário, que
por se destacar na colabora$o com a legalidade. O presidente escreveu ao mi-
etão defendendo a c.onstituiÉo eo jwem d. Pedro II contra usurpadores portu-
nistro da )ustiça'que o apresentado Coque tinha prestado'relevantes serviços
guesese conserrradores, quelograram tomarconta do governo provincial através de
a legalidade" e argumentava que o'bom tratamento dado a Coque fazia com
intrigas. Por esta razão, osvivas (à constituiÉq à religiãq à pátria e ao imperador)
que outros chefes desertassemo.s As negociaçôes de alguns chefes balaios com a
com as quais usualmente terminam suas proclamaçóes soam, à primeira üsta, nada
legalidade não passaram despercebidas. Francisco Castelo Branco escreve assim
revolucionárias. Parecem demais com os da legalidade. o capitão valério Alves de
ao seu companheiro, o chefe rebelde Bernardo Antonio da Silveira, que se tem
Sousa, por exemplq para quem os rebeldes não passavam de uma .horda de anar-
'derramado por aqui a terrível desconfiança, que VS. tem mudado o seu sistemf.
quistas", termina sua proclamação com os mesmos vivas à religião e d. pedro II.
Exige que tesminta a esse boato logo" e para isto se reuna ao capitáo Lamêgo
*restauradoresis3
Mas, ao invés da\constituiçâo, d:á ún às autoridades legais e aos
'para irem bater o inimigo".sT
ÍIavia desta maneira, uma proximidade objetiva enre o ideário bem-te-vi ea ide-
Quando a notícia da aclamação da maioridade de d. Pedro II pela Assembleia
ologia liberal moderada dos governos da Regência. Esta proximidade abria possibi-
Geral (em 23 de julho de 1840) chega com algum atraso, no Maranhão, produz
lidades de ntgociação que a legalidade conseguiu usar em seu favor.
perplexidade entre os rebeldes. A noüdade é anunciada com grande pompa por
Dadas as circuastâncias da guerra de guerrilha não havia dois exércitos
Luís Alves de Lima no final de agosto, acompanhada de um apelo para os rebeldes
hermeticamente eqrarados por ut front, mas entre as escâramuças e batalhas
deporem suas armas. O bispo do Maranhão também lança pastoral neste sentido.
exisüam contatos,ffie os dois campos. As forças da legalidade não dêixavam de
Pouco depois, o novo gabinete da maioridade, de tendência liberal, oferece uma
apontar aos bem-te-ryis a contradição de uma revolta em nome do imperador e
anistia para apaziguar as províncias perifericas em rebelião.sE Esta mudança no
da consütuiSo contra um presidente que governava em nome dos mesmos prin- cenário nacional, aliada à experiência da guerra ciül levou muitos bem-te-vis,
cípios. como explicou o major fosé Thomas Henriques, ao relatar sua entrevista
sobretudo os que ainda tinham alguns cabedais a perder, a reavaliar a situação. Âs
pessoal com chefe rúelde valério Iosé de oliveira Brauna, muitos rebeldes acre-
incertezas aumentavam.no diálogo com as forças legalistas.
ditavam nas teorias conspiratórias em circulação. por isso, o oficial nutria'boas
Na segunda metade do ano de 1840 pode-se assim perceber uma nítida mu-
esperanças de desenganar uns poucos que estão iludidos e que nos consideram
dança de tgm nas cartas rebeldgs. Viírios líderes consideram não somente aban-
republicanos inimigos de Sua Majestade o Imperador'.s
donar a luta, mas mesmo mudar,ge hdo - o que era de fato requerido pela in-
Durante os ultimos meses da administraçâo do presidente Manoel Felisardo
terpretação que Alves de Lima fezda lei da anistia no Maranhão, exigindo que
souza e Melo (marçode 1839 a janeiro del840) os oficiais do exército já tentavam
os rebeldes batessem os matos atrás dos quilombolas antes de poderem se retirar
atrair chefes rebeldes para o lado da legalidade, oferecendolhes uma série de
376 . Monica Duarte Dantas (org.J
Revoltas, Motins, Revoluções
377.

para suas moradias.e uma carta representativa desta tendência é aquela fuma-
porém saibam V. S* que entre estes caboclos tem muitos
da por sete oficiais bem-te-vis, entre eles o coronel comandante da Mata foão que sáo homens de proibidade e que conhecem
o direito
coelho castelo Branco, de setembro de lgaO. Endereçada ao major Henriques
e sue nâo sâo corias de radrões
explica que
:::;::Hi;T.".
até o presente sem fazermos despoüsmos e nem assas_
os oficiais pedem que as tropas legalistas despachem as mulheres dos bem-
sinos de morte fora das leis ainda nâo roubemos e nem
te-vis em seu poder para as suÍut cílsÍls, "afim de cuidarem e trabalharem",
desfloremos senhoras donzelas e nem desacreütemos e que
também podem deixar as mulheres dos cabanos irpara as suas casas pois garan_
senhoras casadas [...].
tem que tom elas não contendemosl Dado que agora que d. pedro II subiu ao
trono, e que o Partido Cabano também dá üva ao imperador:
Rejeitando a acusação de rapina e saques afirma, pelo contrário, que trataram
bem as famflias epropriedades cabanas:
[...] queremos saber de V. S* porque V S* üvem uos ata_
cando em diligência de nos acabar estando V. S* já no
antes temos sido comandante de pontos onde prezestião nosso partido pois não vamos mais tratar de prefeitos e
{?]
muitas seúoras mulheres e flhos de Cabanos e sempre as sobreprefeitos [sic].
hatamos com todo o respeito e sempÍe Ís fanorecemos na-
quilo que podiamos e era do nosso dever e os escravos dos
Propõem de ir junto ao Rio e apresentar os fatos ao imperadoç pois os
Cúanos que nós sabiainos deles os mandava os ajuntar e
os entrega mos as zuas senhoras e aqueles que não
bem-te-vis
tinhâo
senhons e que andarram obsolutos [?] os ajuntaamos e
meüamos feitor e os mandava trabatharem nas lavouras de com todanossabrutalidade temos muito que dizer e have_
seus senhores e a guerra só era com os homens [...]. rnos ser atendidos e os nossos feitos hão de serem aprova_
dos talnez que melhores de que os de V S- que são homens
doutos e nós sendo uns rústicos [...] achamos em V. S* uma
É significatino como esses róeldes enfatizam que procuraram respeitar a
loucura quererem acabar os caboclos não imaginam V S*
honra das mulheres, e até os escravos dos seus inimigos. Lamentam que os caba_
gue os caboclos são muitos V. S-os não podem acabar
nos e a legalidade não responderam à altura: :

Apelam também à legalidade para que *deixemos de queima de casas


fá hoje vejo todos os Bem-ü-üs que V. S* pegam é ma- {...]
tando e surrando em formas que os Bemtivis por verem
nem se bulir com as familias que mulheres não tem partido e nem as crianças..@

essedespotismo muitos já estão fazendo o mesmq já nos Infelizmente este apelo não produziu resultado, pois na sua última fase a guerra
parece Il*o'Srs. que isto não é mais guerra sobre partidos assumiu proporções de genocídio da população 'cabocla" por parte das forças
púbücos já parece ser umâ vingança com V S* tratam da legalidade.
a a

318 Monica Duarte Dantas [org.) Revoltas, Motins, Revoluções 319

Em novembro de 1840, quando já está claro que o imperador assumiu seu estratégia de dividir o movimento deu certo. Os líderes remediados do movimen-
poder moderador e que, por outro lado, a revolta está perdendo fôlego e nâo to, donos de escravos e terras, tinham muito a perder se continuassem a combater
tem mais como impor nada, o rebelde foão da Mata Castelo Branco escreve ao a legalidade e tudo a ganhar com a reconciliaçeo. A liberdade era importante, mas
comandante da 2" coluna: as suas propriedades lhes garantiam o melhor usufruto dela. Acossados pelas três

colunâs da Divisão Pacificadora tentavam negociar sua saída.

Ficamos sc[i]entes de tudo quanto V S", no[s] diz sobre o


nosso imperador o Sr D, Peáro 2'jáestáentregue da sua
C[o]roa, e está nos governando como nosso imperador de
Intransigência bem-te-vi e radical ízaçáo
todo brasileiro [...] e tivemos em üsta uma proclamação quilombola
do nosso Imperador na qual ela[ele?] se dirigiu por sua
prudência e como bom pai amante a seus filhos perdoar a Raimundo Gomes e alguns outros chefes da revolta, no entanto, não se en-

todos os brasileiros em geral [...] tÍegaram apesar das mudanças no cenário nacional e do nítido refluxo da revolta
após as derrotas de julho, agosto e setembro de 1840. De onde vem essa intransi-
gência? Sem dúvida, nm emaranhado de razões deve ser considerado.
No entanto, João da Mata ainda não quer entregartodas as cartas. Por isso, usan-
Em primeiro lugar, parece que Gomes considerou, sim, depor as armas, junto
do a o<igência de Luís Alves de Lima para conceder a anisüa como pretextq afirma:
com três outros chefes rebeldes, já no final dejunho de 1840. Âo acreditarmos no
*arrependidos
relatório do major Falcão, eles se mostravam de haver empunhado
[...] só sim não podemos largar as nossas armas sem que .rs Íumas contra o governo legal".e Esse início de uma negociação, porém, não
r
.tt não combatemos ao tal D. Cosme que já gritou a Republica
e se assinou por Imperador do Brasil e nós já não demos
deu em nada, talvez porque ao mesmo tempo as tropas legalistas apertassem o
*comandante
cerco ao em chefe das Forças Bem-te-üs", para cuja captura - vivo
fim a ele e a todos os pretos que o acompanham por cau-
ou morto - o governo oferecia 1:000$000 de prêmio.63 No 18 de julho Raimundo
so das tropas de V. 51 [...] nunca peguei em armas e nem
Gomes e mais 300 rebeldes foram derrotados nas fraldas do morro de São Bento
Tropa minha cont[r]a o nosso imperador o Sr. D. Pedro
pelas forças conjuntas da 1'e 3'coluna. Gomes logrou fugir, mas perdeu'toda a
2" sim em sua defensa estes absolutistas é que andam en-
!ug"g.* e correspondêncif, e seu irmão foi feito prisioneiro. Logo em seguida,
ganando a V. S". pan nos ver estalar em uma continuada
o chefe Francisco Lopes Castello Branco (o'Rúvo") também foi preso. Além
gueÍTa uns com os outros.6l
do mais, apresentou-se o, rebelde que fazia offcio de bagageiro para Gomes.
*em
Informou que seu chefe estava apuros tais, que mal tivera tempo de esconder
Com essa artimanha pensava guardar suas armas e ainda tratar de igual para a bagagem que lhe restára dos anteriores rencontÍos, e fugir com a famflia para a
igual com as forças da legalidade. No entanto, a relação de forçajá não era a mes- - Bella Agual Levou as tropas ao esconderijo onde foram apreendidas quatro cai-
ma, e Luís Alves de Lima não se contentava com declarações de boas intenções. xas com o arquivo da correspondência'de.Gomes.a Em agosto, Francisco Ferreira
Precisava mostrar serviço, como o chefe Pedrosa, que se destacou na caça aos es- Pedrosa, a frente de 1.600 rebeldes, passou para a legalidade, mantendo-se, no
cravos insurretos. Alves de Lima teve uma compreensão de mestre para entender entanto, nas matas para bater os quilombolas do Cosme. Frente a estas derrotas,
por onde passavam as fissuras mais profundas no tecido social maranhense. A sua por que o núcleo duro dos rebeldes não se entregou?
320 Monica Duarte Dantas (org.)
Revoltas, Motins, Revoluções
321

Rebeldes como Gomes, Matroá (cacique do povoado


de São Miguel) e al_ nossoimperadori Agora insinua de novo que também quer se reunir
guns outros "caboclos" talvez tivessem menos a perder. ao partido
Tâlvez tenham feito uma
da legalidade, pois 'já basta de verrnos correr tanto sangue brasileirdlo
apreciação diferente das chances de sucesso ou se encantaram contudo,
com o efêmero po- no dia segúnte informa, por carta que não pode estar no ponto requerido
der que subitamente usufruíam como chefes rebeldes.
Acredito, no entanto, que lor
não ser-me conveniente" e pede licença para entrar com a sua força para
houve razões de ordem poritica e ideológica tamMm, particurarmente dentro
no caso da vila assegurando ao comandante que não haverá assassinatos nem
de Raimundo Gomes. Ele tinha sido "o primeiro homem'a roubos.rc
levantar a bandeira Tiítica para confundir o inimigo ou tentaüva sincera? Como seja, depois
da revolta para se defender, como cidadãq contrÍl o "despoüsmo, deste
dos prefeitos e abortado intentq continua sua campanhacontra as forças comandadas por
do governo prwincial. Além do mais, em contraste Luís
com as úrmaçóes dos chefes Ànes de Lima e silva. Em carta de dezembro relata que foi mandado pela rega-
tnais moderados, Gomes e alguns
outros líderes, desde o final do ano de rg39,
lidade à vila do Rosário para se certificar do perdão, e o que encontrou foi
sistemaücamente incorporavam escravos ao exército Togo
rebelde o que causava par_ que os cabanos me deiram". o tom da carta sugere que se sente traído. Af.rma ter
ücular consterna$o ao governo. segundo o presidente
da província, 'na mesma
25.000{sic) homens em Íum:§ municiadas, e termina a carta de maneira intran_
ocasião se dizia que um preto Lamego, inütulado
major do Baraio pregara a riber-
sigente, reiterando o direito à igualdade dos cúoclos:
dade dos escravos, e assegurava que pero menos
os de sua nação seriam livresi.s
A evenfual aliaaça cntre os quilomboras e os rebeldes liv.es é um assunto
ainda não inteiramente esclarecido. Se, por um lado, [...] eu obedeço o meu imperador o Sr D pedro 2. pois é
os rebeldes permanecem
omissos quanto à inclusão dos escravos na überdade Senhor de minha cabeça e creiq na religião católica a po_
que defendem, por outro, a
líüca na guerra é boa pois os caboclos também são fidalgo
correspondência legalista atesta que Gomes não somente
recrutava entre os es-
dado por sua Majestade.Tl
cravos das fazendas, mas ativamente os encorajava
a se rebelar.* Além do mais,
a relação pessoal entre cosme, o famoso ríder do quilombo
na Lagoa Amarera,
e Raimundà Gomes tampouco está bem clara. Gomes acabou entregando em janeiro de rg4l, no último dia antes de findar
Magalhães afirma que Cosme o se

manteve preso e quis exeortá_lo, mas outros documentos, o praz, paÍa usufruir da anistia sua desconfiança em relação às forças da
inclusive do proprio legalida-
chefe quilombola, sugerem que houve uma colaboração de era justificada, pois morreu em seu poder pouco depois, em circunstâncias
de fato entreos dois.n não
Raimundo Gomes devia estar consciente de que a aproximaçáol.o* esclarecidas, quando devia ser encaminhado para o desterro fora da proüncia-
o, .r-
cravos punha ainda mais entraves a um perdão por o riütimo chefe rebelde a ser preso foi cosme Bento das chagas. Forro natu-
parte da regalidade. Ao mes-
mo tempo, estava a par dâs mudanças políticas na ral de sobral, no cearií, esteve preso na cadeia de são Lús, no início da decada
Corte, que enfraqueciam o
argumento para continuar a luta. No final de outubro de 1830. |unto com seis outros presos organizou um leyante na cadeia, em maio
de l&o, inforrnava outro
comandante rebelde que o imperador haüa de de 1833.2 Tirlvez tenha conseguido escapar da prisão ulteriormente em umas
ser acramado, mas continua suas das
invectivas contra os cabanos. participana que "Francisco numerosíls fugas coleüvas que houve na época.D Ainda não se sabe por
Ferreira{pedrosa] ficara onde
de se apresentÍ'com as tropa§ todas'e adverte 'v.s",, andou durante os anos seguintes. Mas reapareceu durante a Balaiada, liderando
não se chame ao engÍrno
pois segurem as Íumas nas mão e tratemos o mais famoso quilombo que ba6içips. da revolta.z A atuação de cosme indica
de abater o enimigo e não nos fiemos
em palawiado de cabanosre que alguns escravos estavam bein sintonizados com o discurso liberal exaltado
|á em novembro decrara ao comandante da vila do
Rosário, queé do seu dever'comunicar-secom os dos bem-te-vis. cosme pode ser considerado exemplo de "crioulização políti
brasileirosamantes da coroa do
ca", entre as ideias e valores africanos e as tradições revolucionárias
de origem
322 Moniga Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 323

europeia em terras maranhenses. Ele se vestia de adornos de estilo africano e


também retirou das autoridades civis da proüncia o poder de concedê-la, como
§upostamente usava "feiüçaria" para impressionar seu séquito, Apelava ao cato-
previsto no decreto imperialT6
Iicismo popular colonial quando se identificava com a Irmandade do Rosário.
A derrota dos bem-te-vis resultou no aniquilamento de uma rica cultura po-
Mas, ao mesmo tempo, perseguiu objetivos derivados de princípios da Ilustração
lítica, fruto do envolvimento de amplos setores populares. O ideário dos rebeldes
europeia. Abriu uma escola no mocambo da Lagoa Amarela, onde as crianças
bem-te-vis mostra a importância do liberalismo popular numa província bra-
calhambolas aprendiam a ler e escrever. Também forçou os proprietrírios a firmar
sileira. Esse liberúsmo se originou da apropriação do überalismo das elites e a
cartas de alforria xraÍa seus escravos. Inütulava-se'imperador', mas o seu reino
sua combinação com elementos da cultura popular regional. Suas características
cra o da iliberdadel Esse império era também definido pela expressáo regional
democratizantes e igualitárias, resultado das orperiências políticas do período
do liberalismo brasileirq pois se dizia )rotetor das Iiberdades bem-te-üs'l Suas
1820-40, ameaçavÍun o conservadorismo do segundo reinado. Sua supressão pela
ideias iam muito além do liberalismo eraltado dos bem-te-vis, pois também fala-
intervenção do governo central significou também o fechar das.portas ao en-
va em república e alforria dregando a proclamar a aboliçâo generalizada com in-
volvimento das classes subalternas na política e a não-absorção da cultura polí-
denizagq similar ao que foi implementado no caribe inglês poucos anos antes: tica regional. Como mostrou Florência Mallon no caso do Peru e do México, a
invesügação sobre a incorpora$o ou exclusão das culturas políticas populares
Faço saber a todos os habitantes quem forem senhores de é fundamental parâ a compreensão do processo de formação do Estado.z No
fazendas que já úegou a Lei da Escravidão estarem forro Maranhão, como consequência da derrota da Balaiada, a politica de exclusão foi
pela Lei da República se quiser âcar com a escravaturas mantida durante décadas, e abriu as portas ao coronelismo obscurantista.
da fazenda ficará trabalhando como foro liwe de surra
e o seu[s] senhores que era ficará como pai de famflia

. pagará todos os anos sendo fazenda grandes pagará de


Notas
' finta duzentos por anos sendo que queira a combinaçâo

me escreva [...]75
OÍicio de Raimundo Gomes Vieira futúy ao ldajor Falcão 1010711840- Coleção

Caxias, pacote 1, doc.45, Arquivo Nacional do Rio de faneiro (doravante ÂNRI).


I
Segundo Dunshee Abranches, O Cativeiro (Memóias),2" ed-,§ão Luís, Alumar, 192,
Cosme tentou juatar forças com os rebeldes balaios, por isso se dizia "prote-
p.66, Gomes era'cambaio'. A descrição mais negativa é de Domingos fosé Gonglves
tor das überdades bem-te-vis". sabia que somente assim teria alguma chance de
de Magalhães, n revolução da província do Maranhão, desde 1839 até 1840, mémoria
sucesso no campo de batalha. como bem percebeu o general Luís Âlves de Lima, histórica e documentadf,'Revista ilo Instituto Histórico e Geognáfico Brasileiro (dora-
esse plano audacioso Írmeaçava diretamente a ordem imperial. por isso, o futuro vante RIHGB), 11, 184&p. 348-349.
duque de caxias fez de tudo para impedir sua realizdção. Numa interpretação 3 Astolfo Serra, Á Balaiaila,2'ed., Rio de Janeiro, Bedeschi, 19,16.

singular do decreto imperial de anistia, exigiu dos anistiados servir como capi- 4 Iosé Ribeiro do Amarat, APontanentos para a Hisúrta da Retolução da Balaíaila na

üies de mato. cosme não Província do Maranhão,liáoLt is dol Maraúão Teixeira" 1898-1906, vol. I, P. 79-80.
foi considerado eligível para a anistia, mas condenado
O manifesto, sem data, acomtranha bfício do prefeito do ltapecuru-mirim de l8 de
à morte e enforcado. o "pacificador" não somente introduziu a discórdia entre
dezembro de 1838 e se encontra reproduzido em Maria Raimunda Araújo (org.),
escravos e'povo de cor" livrg envenenando as relações entre os dois grupos, mas
Documentos para a histôria da Balaiada, São Luís, Edições FLINCMA, 2001, doc.
12, p.36-37. Esta é á mais abrangente coleção de fontes Primárias publicada sobre a
324 Monica Duarte Dantas (org)
. Revoltas, Motins, Revoluções
325
Balaiada. para melhor leitura, afuarizei
a ortografia neste, como nos
demais documen-
tos de arquivo citados. I 19 O Bemtevi,p.19.
6 Os dois primeiros relatos são: Magalhães,
i4^ revolução da província do
2O OBemtevi,p.32.
Maranhão.,
op' cit- p.263-362;e fosé Martins pereira Alencastre,
"Notícias Diárias sobre a revolta
I 2l OBemtevi,p.42,68.
I

civil [...]i iI]IG\


t 35, v. 45, rBZ2, p. 421-484. 22 O Bemtevi, p. 27, 39, 42, 44.
7 Amaral, Apontamentos, op. cit., p. 39_60. 23 OBentevi,p.22-23-
8 A primeira a considerar os motivo§
dos reberdes com alguma simpatia
24 O Bemtevi,p.18.
foi carrota
Carrralho,Oserrão,RiodelaneirqObrasscientÍficaseliterárias,l924;Sewa,Balniada, 25 O Bemteví,p.1.
op. at, examina o ideário bern_te_vi nas
p.221_243i Maria lanuária Vilela Santos,
26 O Bemtevi,p.39,54,58.
Balaiada
á 27 loão Francisco Lisboa,
e a insurreição de xcravos
no Maranhão,São paulo, Ática Crônica Maranhensq WlcÁll}4(l,, íz Carvalho, Bemtevi, op.
19g3, discute a.re-
novaçâo ideorógictr nas p. 46-54, cit., slp.
e faz t,- esfudo pormenorizado das rerações
entre
rebeldes e escravos nas p. 63_102. 28 Amaral, A|iontamentos, op. cit., l, p 37.
9 Para mais detalhes' ver Matthias
Rôhrig Assunçâo, 'Eryortação, mercado 29 O Bemtevi,p.6l.
interno
e crises de subsistência numa
província brasüeira; o caso do Maraúãq 30 O Bemtevi,p.l8.
lg09_lg5g.,
Estudos Sociedade e Agric,ttltura,v.
14, abril 2000, p. 32_Zl. 3l O Bemtevi,p.2,15.
l0 Para o impacto do
iluminismo, ver Colin Maclanchlan, tslavery, 32 Para aBalaiadano PiaúverOdilon Nunes,pesquisasparaahi*ória ilopiauí,v.3,.A
Ideology and insütu-
tional change üe impact of the Balaiada", 2" ed-, Rio de l[aria
enrightenment on slavery in late eighteenú-century faneiro, Á.rtenova, 1975; Amrália Freitas de Oliveira á
Maranhão", /ou rnal of Latin American
Studies,Cambridge f f , f , p. l_l,, Balaiada no Piauí,'ter«in4Projeto Petrônio portella" l9g5; Claudete Maria Miranda
ll lg,g.
Lúcia Maria Bastos pereira das Dias, Balaios e bem-te-vb: a guerrilha sertaneja, Teresina, Instituto Dom Barretq
Neves, Corcundas r
A cuttura potítica
da rndependência, 1820_1822,Rio 2002.
de laneiro, R ;':#r:;.k'
12 Para mais detalhes sobre a presidência 33 Proclamaçâo sem data, Documentos, no , lS2, p. 23tL
de Bruce, ver Matthias Rôhrig
Assunção,
"Misoal
Bruce e os 'horrores da anarquia'no 34 Documentos, no 149, p. 227 -28.
Maranhão, rszz-zz-rin Istrnín
(ed-), Inàepnitência: História Iancsó
e Histunografia,rr" ;;;;;.;'Á;;,;.
'rrr. 35 Documentos, n" 72,p. lll-14.
13 IIá divergências a respeito da data ;, 36 "Instruções'do Conselho Miütar à depntaÉo, citada em Sern, Balaiada, op. cit. p.
de nascimento Alguns autores indicam
1g00,
outros 1808. Ver Nascimento 227-228.
Morais Filhq síntese bio_bibüognífic
a e críticr,., in
Est&áo Rafael de car'alhq Benúevi'*-fac-simirar, 37 ata do conselho Geral reunido nesta vila de são Bernardo', in Documentosdoc.6l,
§ão Luís, secraaria da Fazenda,
1982,p.23-27. p.9s-98.
14 ,àmbéÍn há divergências quanto 38 'Ata do Conselho Geral reunido na Vila da \*óiú
in Documentos, doc,64, p. lOf -
à matéria cursada por ca.ratho:
ciências naturais,
flosofa ou matemática Morais Fithq 103. Ao chegar em são Luís, todos os emissários escolhidos pelos conselhos gerais
"Síntes€ bio_bibliognífica e críticy'.,
op. cit..
15 Depois da Baraiada ainda se destacou foram presos. como no caso da delegação de caxias, os notáveis, como o fazendeiro
como inspetor do tesóuro púbtico provínciat
' (1842-l8it6), deputado provincial
rg42-rg46,.e membro do Instituto Ignácio Portugal de Almeida da Tutóia, logo desertaram
a causa rebelde, argumentan-
Histórico e
Geogúfico Brasileiro. do que foram forçados a cumprir o papel de emissários. ver a este respeito crilnica
16 Antônio Lopes, "Estêrão Itafael de Carvalho", Maranhense. Artigos de loão Francisco Lisboa. Estudos e Docamentos, rrr, Rio de
iz Canralhq ge fitevi, op.cit., p. 12_21.
17 Há uma série de pubücações sobre faneiro, Museu Hisórico Nacional, 19,69, 2" parte, p. l3S, l37, 2lO.
a história da imprensa maftrnhense nesta
época
Paraamaisrecente,verSebastiãoforgg 39 Carta de l6tt2ll839, Docttme4tos, n" 149, p. Z2T.
Alhrytagemdospasquins,saofuís,tithograf,
1998. .t0 Offcio ao Major Falcáo, t}lDZtlg1t1,ColeçãoCaxias, pacote l, doc.45, ANRJ.
18 OBemtevi,p.3g.
326 Monica Duarte lantas [org) Revoltas, Motins, Revoluções 327

4l Para essa problemática ver Gladys Ribeiro, A liberdade em construfio, Iilentiilade 66 Ver, por exemplo, Documentos, n" 127, l4O-4L, 143-M'
nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado, Rio de Janeirq Relume Dumará,
67 Para mais detalhes, ver Matthias Rôhrig Assunção, "Cabanos contra Bem-te-vis: A
2002. constÍuçáo da ordem pós-colonial no Maranhão (1820-1841r, in Mat'y del Priore e
42 Carta de |oão da Mata Castelo Branco, 16ll l/18 40, Documentos,n l g5, p. 303. Fláüo dos Santos Gomes, Os senhora dos rios. Amazônía, rnargens e llisÍórl'as, Rio de
43 Proclamaçáo anônima, sld,Documentos,n" 69, p. 109.
faneiro, Campus & Elsevier, p. 2L9-224-
M Cartas de 13 e l4lll/1839, Documentos, n".122-23,p. lg}-lg}. 68 Oficio a Bernardo Alves Simões ,3oll0ll840, Docurnentos, n" 176, P' 289-290'
45 Proclamação anônima, s/d, Doczmentos, ao.69, p. f 08-109. l0/l l/1840, Doanmeitos, n" 180,p'296-297'
69 Offcio ao maior Âugusto Rocha,
ú Proclamações anônimas, s/d, Docu ffiefitos, no ÉZ.$3, p. 234-35. 70 Offcio ao major Augusto Rot*ra, lUll/1840, Documentos, n" 183' P' 300-301'
47 Amarú Apontafientos, op. oÍ., vol III, p. 4g, 52-53. 7L Ofício ao comandante de lcahr, 17 ll2l 184O, Docüflentos, n" 204 p' 330-31'
48 Carta de l0l07ll840, Coleção Car,.6 Pacore l, doc. 45, ANRJ. 72 Oficio do Carcereiro daCadeiado Maranhão no Hospital daMadre de Deus |oaquim
49 Proclamação anônima, s/d-, Documantos, n" 69, p. l0B. (dora-
Miguel de Lemos, 2 de maio de 1833, Arqúvo Público do Estado do Maraahão
50 Nsrcs, Corcundas, op. cit.,p. l3l. vante APEM). §radeço a Raimunda Âraújo, então diretora do APEM, por me haver
5l i{pelo do Povo do Maranhão" de 15/05/1840. Coleçâo Caxias, Cai:ra 808, doc. no 34, indicado este documento.
ANRf. Transcrito em Âssunção, pflanzea Keinbauern und SHaven in iler brasiliani- 73 Somente em no íulo de 1833 se registram duas ev'asões coletivas da prisão pelo cano
sehen Provinz Maranhõo, 1 800- l8,Sl,Frankfurt, Vervtr ert, 1993, p. 491-494. da latrina.
52 Maria Ianurária vilela santos, Á B alaiada e a insuneição de xcraros no Maranhão,sáo 74 Mundinha Araújo está terminando um estudo mais aprofundado sobre Cosme, base-
Paulq Ática" 1983, p. 91. ado em nova evidência de arquivo.
53 Proclamação de l4ll0ll839. Documentos, n. 98, p. lS6-tSZ. 75 Ofício de l6tllll840,Doc7tftientos, no 190' p.309-310.
54 Carta de I l/l l/1839. Do cumentos, no 120, p. I BB- 189. 76 Para o texto integral do decreto da anistia, assim com a polêmica de Âlves de
Lima
55 cartas de |osé Thomas Henriques, de24ezsfiLlt}39. Documentoq n. 105 e 106, p. com um juiz de direito acusado de simpatia pelos bem-te-vis e que renunciou porque
t6-t70. I foi privado do seu direito de conceder guias aos ex-rebeldes, ver Astolfo serra, carias,
56 Carta ilql0/12l1840 ao ministro da fustiça. Docufientos, \" l42,p.2tg-219. e seugoverno civil naprovíncia do Maranhão, Rio de Janeiro, s/eil,1944,p. L24-L35.
57 Cxta de26ll2ll839. Documentos, nol45, p. 223.Yer também carta no 133 ao óefe 77 Florencia E. Mallon, Pearan t aad Nation. The Making of Postcolonial Mexico anil Pmq
rebelde |oão da Mata- Univers§ ofCalifornia Press' 1995.
Berkeley,
58 Decreto imperial de z2lOStlB4O. Ver Sérgio Buarque de Holanda Hktórta Geral da
Civilização Brasileira,4" ed,.,Rio de faneiro & São paulo, DIFEI- 1978, Tômo II, vol. 2,
p. 163- No Maranhão, Alves e Lima atrasou a publicaçâo oficial do decreto até o dia 14
de novembro 1840. Ver Alencastre, NoÍas, op. cit.,p. 465.
59 Para uma apreciação crítica da lei da anistia, ver Austricliano de carvalho, Brasil
Colônia e Brasíl Império, Rio de faneiro, fornal do Comércio, 1922,v.11,p.397-398.
;
60 Carta de 26 l09l 1840, Documentos, no lZ l, p. 2Z S-229
6 I Carta de 02 I ll I 1840, Documentos, to 177, p. 29 I -293.
62 Offcio de Feliciano Ântonio Falcâo a Luis Alves de Lima e Silva O4tOTllBAO.Coleção
Caxias, Caixa 808, doc.46, ÁNRf.
63 Carta de Luís Alves de Lima e Silva Coleção Caxias, Caixa B0B, doc. n. 38, ANR .
64 Amaral, Apontamentos, op. cit, v. III, 1906, p. 59,61-62.
65 Carta de 05 I l2l 1839, Documentos, n. l3B, p. Zl2-214.

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