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Revoltas
MotÍns
RevoluçÕes
Honrens livres pobres e libertos no
Brasil do século XIX
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Monica' Duafte Dantas (org.)
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294 Monica Duarte Dantas (org.)
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era a Ley da Constituição firme.r
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298 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 299
desquali6cado como *pardol'cabra', ou'firlo', e por vezes mesmo estigmatizado O assalto à prisão da Manga foi logo visto pelas autoridades, e a subsequen-
como portador de deftiência ffsica-2 Mas, apesar de todas as invectivas, foi ele o lí- te historiografia, como o início da Balaiada (183S-1S41). Tirnto as autoridades,
der mríximo de uma das grandes revoltas rurais da história do Brasil. o imaginário quanto os historiadores conservadores que escreveram os primeiros relatos da
coletivo brasileiro, e até parte significativa da historiografiq tendem a pensar que revolta, insistiram em qualificar os rebeldes de "facÍnoras" e negaram-lhes qual-
movimentos sociais no campo, durante o Império, foram sempre inspirados por quer motivação políüca além da sede de rapina e de vingança.6 Considerando a
ideias messiânicas ou resultado de bandiüsmo._Mas como já demostrou Astolfo ralé incapaz de escrever manifestos, chegaram mesmo a defender que uma "mão
*esuanho.comfuid,
serr+ o que tomou conta daqui:les que se autodenominavam oculta", ou seja o Partido Liberal, estaria por tr:ás da revolta. Ribeiro do Amaral,
*bqnr-te-vis',
tiúaseufirndamento na oqxessão regional do überalisrno.3 Esse ide- no seu clássico estudo da Balaiada, refutou esta teoriaT Mas o idéario dos revol-
ário se enraizou drrme
a Independência e a Regência entre a população liwe e tosos continuou a receber pouca atençáo.t
pobre da agiâo,taúém conhecida como Meio-Norte do Brasil.
Por que milhares de homens do campo pobres e não-brancos na sua maioria,
Raymundo Gomcs vieira |utúy, o "comandante em chefe das Forças Bem- se revoltaram atnís da bandeira da Consütuição e dos direitos da cidadania?
te-visi tinha sidoraqueiro de um fazendeiro da baixada maraDhense. um ano A explicação, me parece, reside numa conjunção de dois processos, um so-
emeio antes de sua req»osta às acusações dos legalistas, no dia 13 de dezembro cioeconômico, e o outro político. Uma economia de plantatior, baseada no cul-
1838, quando tanga gpdo para o seu patrão, o sub-prefeito da vila da Manga tivo do algodão e do arroz por escravos africanos, se desenvolveu no Maranhão
prendeu vários homens sob seu comando para serem recrutas. Gomes nâo he-
nas últimas quatro décadas do período colonial. Nos interstícios da economia de
sitou: com nove comlntrheiros arrombou a porta da prisão e liberou seu irmão algodão desenvolveu-se um campesinato relaüvamente autônomo, produzindo
e outros companheiros presos. vinte e três guardas nacionais estacionados ali para o mercado interno ou üvendo em autossubsistência. Essa classe camponesa
aderiram ao movimento cinco dias depois, já estava à frente de cem homens,
se formou a partir de três matrizes: indígenas aldeados, escravos alforriados ou
induindo os do destacanento mandado contra ele pelo prefeito do Itapecuru- quilombolas e emigrantes do sertáo cearense.
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mirim.4 Gomes, logo @ois do rompimentq lançou um manifesto com quatro
Que antagonismos dividiam essa sociedade? Como em toda sociedade de
reivindições, invocadaspara'o bem do sossego público.: plantation, os escravizados que garantiam os lucros dos fazendeiros eram, ao
mesmo tempo, motivo de preocupação constante para seus senhores. Devido à
d-l = Primeiro: que seja sustentada a Constituiçâo e ga- existêpcia de extensas matas ainda não colonizadas nem controladas pelas auto-
rotias dos cidadãos. = Segundo: que seja demitido o ridades, muitos escravos logravam fugir e constituir quilombos além da fronteira,
prcsidente da Província, e entregue o governo ao vice- percebidos como uma ameaça à ordem escravista Em 1817-1818 a economia de
= Terceiro: que sejão abolidos os prefeitos, exportação entrou em çrise da quàl nunca mais iria se recuper.u plenamente.
uúprefeitos, e comissários, ficando somente em vigor as Além do mais, uma pequena elite de fazendeiros, produtores de algodão para
leir gerais, e as provinciais, que não forem de encontro
exportação na área central da província, açambarcou o poder proüncial depois
à Constituição do Império. = Quarto: que sejão orpul- da Independência- A marginalização política gerou insatisfação entre produto-
sados [dos] empregos [os] portugueses, e despeüarem a
res de mandioca e fazendeiroi de gado das áreas mais periféricas (o sul e o vale
Prrovincia dentro em quinze dias, com excepção dos ca-
do Parnaíba), mais orientados para o mercado interno. Conflitos ao redor do
sados com famílias brasileiras, e os velhos de 16 anos
[sic,
trabalho e da comercializrçío dos produtos também opunham fazendeiros à
deve ser 6l] para cima.s
a
população liwe e pobre.e Por outro lado, a úegada da lEra das Revoluçôes" na do Equador (1824).t2 As aspirações populares da Independência foram retoma-
sociedade maranhense desencadeou um processo de intensa mobilizaçâo e trans- das na Setembrada (1831). Mas, como no resto do Brasil, o liberalismo 'exaltado"
formação política. como veremos, a reapropriação do liberalismo por diferentes perdeu fôlego e foi marginalizado pelo liberalismo moderado, sobretudo depois
atores sociais jogou um papel de destaque nos conflitos dos anos 1820-1838. do'Regresso" de 1837.
0 que importa enfatizar aqui é a formação de um liberalismo popular, ins-
pirado pdo liberalismo das elites, mas distinto dele em alguns pontos cruciais. A
Consütucionalismo, patriotismo e liberalismo, historiografia da Balaiada sempre ressalta o papel de um pequeno jornal para a
1820-1838 deflagra$o do conflito. O Bemtevifoilançado em junho de 1838 e circulou, com
29 números, até as eleições, em outubro do mesmo ano. Seu redator exclusivo
Pouco exposto às ideias ilustradas até então, o lv[eio-Norte foi definitivamen-
era Estevão Rafael de Carv"alho{1808-1S46), catedrático da nuh de comércio"
te incoqporado à modernidade políüca através da Revolução do porto de l820.ro
e professor substituto de geografia e história do Liceu de São Luís.ti Carvalho
É importante lembrar que o primeiro sistema constitucional implementado no
estudou em Coimbra.rr Depois de seu regresso ao Maranhão, no final da década
Brasil foi o português de 1821, consequência imediata da revoluçâo vintista. o de 1820, participou da agitaçáo liberal exaltada queculminou com a§etembrada,
novo regime lançou uma campanha pÍrra convencer os eleitores no Brasil que a
em 1831. Foi eleito deputado à Assembleia Geral para a legislação 1834-37.t5 Em
constituição que estava sendo elaborada pelas cortes iria promover a'regenera-
sua atuaçâo como deputado na Corte se destacam alguns projetos radicais como
çâo" da pátria unindo os portugueses dos dois hemisftrios. Um segmento da elite
a emancipação de todos os escravos pardos nascidos no Brasü e a separação da
maranhense aderiu ao projeto vintista, do qual esperava o fim do "despotismo.
Igreja e do Estado.r6
do antigo regime. A partir desse momeotq constitui$o virou uma referência
Carvalho escolheu o apelido dos liberais maranhenses - os bem-te-vis - para
positivapar.a todos que se opunham ao absolutismo.
o seu jornal. O Bemtevíse inscreve na linha das pequenas publicações programá-
0 movirilento pela Independência lançado no Sudeste provocou um segun-
tkas liberais que entravam em polêmicas virulentas com o§ conservadores locais,
do momento de ruptura e um realinhamento dos grupos políticos, seguido de
os tabanos'.r7 Retomando o üscurso dos "exaltados" maranhenses, Carvalho de
uma verdadeira gu€rra contÍa o partido "português",(LB2Z-L823).O Maranhão
fato rebatia várias teclasjá conhecidas, e que vamos reeÍrcontrar depois no discur-
. coúeceu enüio uma série de violências ('lustros") cometidas contra os "portu-
so dos rebeldes balaios. O liberalismo exaltado da década de trinta já não defen-
gueseso e a minoria branca que controlava o comércio local por parte dos que
dia mais a república. O jornal posicionava os bem-te-vis como moderados entre
agora se auto-denominavam latriotasl A Independência consoüdou o consti- absolutistas da direita e republicanos da esquerda como o "fetoz e brutal Sabino
tucionalismo através da carta Magna de L824. Anova cultura política se expres-
da Búia'itt Suas palawasile ordem éram: 'Guerra aos republicano§, guera aos
sava não somente nos debates nos corpos representativos da nova nação, mas
absolutistas" e "Consührição e Imperador, e só Consütuição e trmperadorlre '
tarnbém nos jornais, publicados a partir de 1820 na província como salienta
Sua polêmica virulenta com uma folha consenradora chamada Á Crônica ilos
Lúcia das Neves, os vocábulos dessa cultura "podem ser agrupados em torno de
Cronistas.nos permite entender,atiiudes mentais que davam fonna aos debates
quatro conceitos fundamentais: despotism§-liberalismo, consütucionalismo, e
políticos da época. Os insultos é associaçóes para desqualificar o adversário po-
separatismd., Essas catego.riís novas foram reinterpretadas conforme as linhas
lítico são muito reveladores da maneira como o§ agentes históricos interpretam
de conflito locais. o republicanismo, por exemplq foi desacreditado no Maranhâo
conflitos sociais. Assim, Á Crónica dos CronisÍas - seguindo uma tradição lusófila
depois da presidência de Miguel Bruce (1823-24) e do fracasso da confederação
302 Monica Duarte Dantas (org.)
Revoltas, Motins, Revoluções 303
Existem três tipos de tefios bem-te-üs: proclamações destinadas a obter As reiündicações às vezes eram acomPanhadas de declarações sobre a im-
apoio da população, cartas entre eles, confiscadas do bolso de rebeldes presos, portância das tropas de que disporiam os rebeldes, na clara intenção de impres-
ou ofícios que mandavam para os oficiais da legalidade. Os militares, por sua vez, sionar os adversários. Francisco Lopes Castelo Branco, por exemplo, de influente
mandavam cópias das cartas originais para seus superiores, e sâo essas cópias que famflia do Piauí, "Coronel e Comandante das Forças Bem-ti-üs", assegurâ que
se encontraÍn hoje no Arqúvo Nacional ou nos arqúvo estaduais do Maranhão contam 'desde o Brejo até a ilha de Balças ll a 12 mil homens em armas".a
e do Piaú A maioria das cartas rebeldes é breve muitas apenas tratam de deta- Quando, durante o ano de 1839, os rebeldes consqJuem assumir o controle de
lhes da campanha, ou repetem os lemas e reivindiéações centrais. Há, no entanto, grande parte da província do Maraúão, suas exigências aumentam. O "Conselho
*composto
alguns manifestos mais flstalhxdss, que justificam a rebelião e expücam seus mo- Militar' reunido em Caxias, dos comandantes das forças do Partido
üvos. Eses ri,ltimso ms permitem apreender melhor a visão de mundo dos bem- Bem-te-vi', faz questão de frisar que conta com 6.000 homens armados e reiGra
te-vis. Para sua análise é necessário tomar em consideração como se relacionam as exigências iniciais, em l0 de julho de 1839.3s Mas pede, então, também a reu-
com a cronolqgia da rebeliáo, assim como as eventuais diferenças entre os vários nião da assembleia provincial para conceder anistia aos rebeldes, indenização de
autores - invariavelmente chefes de algum grupo rebelde. Como há poucos textos 80 contos de réis para a tropa bem-te-ü, assim como integração de alguns oficiais
mais programáticos, e que usam uma retórica similar, optei por uma análise te- rebeldes aos corpos armados da província.s
máüca" assinalando divergências que fogem do conjunto. Como em muitas revoltas populares, os rebeldes procuraram legiümar a §n
Os mesmos lemas são usados por todos os rebeldes. Sempre reiteram a sua fi- ousadia de haver empunhado as Íumas contra a autoridade provincial. Assim, o
delidade ao imperadoq à Consütuição ao catolicismo e à pátria brasileira. Cartas líder rebelde Pedro Alexandrino dos Santos, que à frente de 3.000 homens domi-
e proclamaçôes geralmente terminam dando vivas a estas referências fundamen- nava grande parte do baixo Parnaiba, convocou uma reunião na casa da câmara
tais do ideário bem-te-vi, por exemplo: da vila de são Bernardo, cabeg da comarca do Brejo. Este 'conselho geral" de 3
de junho de 1839, formado na tradição das'câmaras gerais" da Independência,
t
Ehavemos de gritar com gosto: Viva a Religião Catholica. reune além dos três oficiais rebeldes, "oficiais subalternos, povo armadq e mais
Viva O Senhor D. Pedro 2o. Viva a Constituição. Viva as cidadões". Elegeu por aclamação um notável local simpáüco à causa, o tenente-
Ilopas Bemtivis.33 coronel Antonio de Caldas Ferreira para presidência do conselho. O comandante
rebelde Pedro Alexandrino passa a e:rpor'os males, em que a Província inteirahá
de submergir-se'e pede que,o conselho geral despacJre uma rePre§entação con-
Para além destes motes, os pontos programáticos centrais também eram
tendo quase literalmente as quatro reiündicações proclamadas por Raimundo
defendidos por todos os rebeldes. Foram articulados pela primeira vez por
Gomes em dezembro de 1838, ou seja: sustentar a Constituiso de 1824 e garan-
Raimundo Gomes no já citado manifesto de dezembro 1838. Assim, três reivin-
tias dos cidadãos; renúncia do presidente da proüncia; abolição das prefeituras e
dicações - garantia dos direitos constitucionais dos cidadáos, abol&ão das pre-
outras leis provinciais que infringem a Consütuição; e demi§sâo dos portugueses
feituras, e expulsão dos portugueses - são reiteradas até pelo menos meados de
dos empregos públicos. Depois de [àa.e discutida o conselho geral resolve lerrar
1840. Somente a exigência da renúncia do presidente da província é abandonada
essa representaçáo ao conhecimàto do presidente da prwíncia, designando para
por muitos rebeldes depois que o governo central subsütuiu Camargo por Melo e firmaram a
tal dois cidadãos por aclamação. Quarenta e nove oficiais e cidadãos
Souza (em 3 de março de 1839).
ata.37 Nove dias depois éa vez da vila de Tutóia ter seu conselho geral, reunindo "o
308 Monica Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 309
origem do presidente Camargo). Raimundo Gomes, por o<emplo, exortou o che- que o governo faziaao movimento e insiste que a guerra civil era desastrosa para
fe rebelde oliveira Brauna omais
a não ter comunicação com os cabanos", temen- todos, independentemente de sua cor:
do alguma "falsidadd'deles, e proclamou:
de que escravidão se trata? No discurso liberal das elites, o termo escravidão era [...] os Povos desesperados por se verem constrangi<ios da
frequentemente usado para descrever a elrploração colonial e o absolutismo, e sua mesma Nação sem poderem trabalhar as suas Famílias
não o cativeiro dos africanos.í No contexto maranhense cia década de 1830, no ao desemparo seus Filhos morrendo seus Parentes suas
entanto, quando homens de cor falavam de escraüdão, tamMm refletiam o seu Casas os tnimigo tocam fogo as suas Roças iurancam os
como tarnbém se dizia na época, "qualidade". Evo,ca uma poderosa imagem para
Como Gomes, reclamam do desprezo de que sofria'este mesmo povo de
defender sua visão da iguatdade de todos os homens que desafiava a noção ainda
Cor" e perguntam
hegemônicade'purezadesangue": ,
à escravidáo como categoria fundamental para entender os debates ideológicos vantagens. O mesmo major Henriques, que estava tentando convencer o chefe
entre os homens livres na sociedade. Mathias Luiz de Medeiros a se apresentar, inforrna que o'cabecilha Mathias se
achava doente, e curando-se ocultamente no Saco dos Molundús" e que tem dei-
para suas moradias.e uma carta representativa desta tendência é aquela fuma-
porém saibam V. S* que entre estes caboclos tem muitos
da por sete oficiais bem-te-vis, entre eles o coronel comandante da Mata foão que sáo homens de proibidade e que conhecem
o direito
coelho castelo Branco, de setembro de lgaO. Endereçada ao major Henriques
e sue nâo sâo corias de radrões
explica que
:::;::Hi;T.".
até o presente sem fazermos despoüsmos e nem assas_
os oficiais pedem que as tropas legalistas despachem as mulheres dos bem-
sinos de morte fora das leis ainda nâo roubemos e nem
te-vis em seu poder para as suÍut cílsÍls, "afim de cuidarem e trabalharem",
desfloremos senhoras donzelas e nem desacreütemos e que
também podem deixar as mulheres dos cabanos irpara as suas casas pois garan_
senhoras casadas [...].
tem que tom elas não contendemosl Dado que agora que d. pedro II subiu ao
trono, e que o Partido Cabano também dá üva ao imperador:
Rejeitando a acusação de rapina e saques afirma, pelo contrário, que trataram
bem as famflias epropriedades cabanas:
[...] queremos saber de V. S* porque V S* üvem uos ata_
cando em diligência de nos acabar estando V. S* já no
antes temos sido comandante de pontos onde prezestião nosso partido pois não vamos mais tratar de prefeitos e
{?]
muitas seúoras mulheres e flhos de Cabanos e sempre as sobreprefeitos [sic].
hatamos com todo o respeito e sempÍe Ís fanorecemos na-
quilo que podiamos e era do nosso dever e os escravos dos
Propõem de ir junto ao Rio e apresentar os fatos ao imperadoç pois os
Cúanos que nós sabiainos deles os mandava os ajuntar e
os entrega mos as zuas senhoras e aqueles que não
bem-te-vis
tinhâo
senhons e que andarram obsolutos [?] os ajuntaamos e
meüamos feitor e os mandava trabatharem nas lavouras de com todanossabrutalidade temos muito que dizer e have_
seus senhores e a guerra só era com os homens [...]. rnos ser atendidos e os nossos feitos hão de serem aprova_
dos talnez que melhores de que os de V S- que são homens
doutos e nós sendo uns rústicos [...] achamos em V. S* uma
É significatino como esses róeldes enfatizam que procuraram respeitar a
loucura quererem acabar os caboclos não imaginam V S*
honra das mulheres, e até os escravos dos seus inimigos. Lamentam que os caba_
gue os caboclos são muitos V. S-os não podem acabar
nos e a legalidade não responderam à altura: :
essedespotismo muitos já estão fazendo o mesmq já nos Infelizmente este apelo não produziu resultado, pois na sua última fase a guerra
parece Il*o'Srs. que isto não é mais guerra sobre partidos assumiu proporções de genocídio da população 'cabocla" por parte das forças
púbücos já parece ser umâ vingança com V S* tratam da legalidade.
a a
Em novembro de 1840, quando já está claro que o imperador assumiu seu estratégia de dividir o movimento deu certo. Os líderes remediados do movimen-
poder moderador e que, por outro lado, a revolta está perdendo fôlego e nâo to, donos de escravos e terras, tinham muito a perder se continuassem a combater
tem mais como impor nada, o rebelde foão da Mata Castelo Branco escreve ao a legalidade e tudo a ganhar com a reconciliaçeo. A liberdade era importante, mas
comandante da 2" coluna: as suas propriedades lhes garantiam o melhor usufruto dela. Acossados pelas três
todos os brasileiros em geral [...] tÍegaram apesar das mudanças no cenário nacional e do nítido refluxo da revolta
após as derrotas de julho, agosto e setembro de 1840. De onde vem essa intransi-
gência? Sem dúvida, nm emaranhado de razões deve ser considerado.
No entanto, João da Mata ainda não quer entregartodas as cartas. Por isso, usan-
Em primeiro lugar, parece que Gomes considerou, sim, depor as armas, junto
do a o<igência de Luís Alves de Lima para conceder a anisüa como pretextq afirma:
com três outros chefes rebeldes, já no final dejunho de 1840. Âo acreditarmos no
*arrependidos
relatório do major Falcão, eles se mostravam de haver empunhado
[...] só sim não podemos largar as nossas armas sem que .rs Íumas contra o governo legal".e Esse início de uma negociação, porém, não
r
.tt não combatemos ao tal D. Cosme que já gritou a Republica
e se assinou por Imperador do Brasil e nós já não demos
deu em nada, talvez porque ao mesmo tempo as tropas legalistas apertassem o
*comandante
cerco ao em chefe das Forças Bem-te-üs", para cuja captura - vivo
fim a ele e a todos os pretos que o acompanham por cau-
ou morto - o governo oferecia 1:000$000 de prêmio.63 No 18 de julho Raimundo
so das tropas de V. 51 [...] nunca peguei em armas e nem
Gomes e mais 300 rebeldes foram derrotados nas fraldas do morro de São Bento
Tropa minha cont[r]a o nosso imperador o Sr. D. Pedro
pelas forças conjuntas da 1'e 3'coluna. Gomes logrou fugir, mas perdeu'toda a
2" sim em sua defensa estes absolutistas é que andam en-
!ug"g.* e correspondêncif, e seu irmão foi feito prisioneiro. Logo em seguida,
ganando a V. S". pan nos ver estalar em uma continuada
o chefe Francisco Lopes Castello Branco (o'Rúvo") também foi preso. Além
gueÍTa uns com os outros.6l
do mais, apresentou-se o, rebelde que fazia offcio de bagageiro para Gomes.
*em
Informou que seu chefe estava apuros tais, que mal tivera tempo de esconder
Com essa artimanha pensava guardar suas armas e ainda tratar de igual para a bagagem que lhe restára dos anteriores rencontÍos, e fugir com a famflia para a
igual com as forças da legalidade. No entanto, a relação de forçajá não era a mes- - Bella Agual Levou as tropas ao esconderijo onde foram apreendidas quatro cai-
ma, e Luís Alves de Lima não se contentava com declarações de boas intenções. xas com o arquivo da correspondência'de.Gomes.a Em agosto, Francisco Ferreira
Precisava mostrar serviço, como o chefe Pedrosa, que se destacou na caça aos es- Pedrosa, a frente de 1.600 rebeldes, passou para a legalidade, mantendo-se, no
cravos insurretos. Alves de Lima teve uma compreensão de mestre para entender entanto, nas matas para bater os quilombolas do Cosme. Frente a estas derrotas,
por onde passavam as fissuras mais profundas no tecido social maranhense. A sua por que o núcleo duro dos rebeldes não se entregou?
320 Monica Duarte Dantas (org.)
Revoltas, Motins, Revoluções
321
manteve preso e quis exeortá_lo, mas outros documentos, o praz, paÍa usufruir da anistia sua desconfiança em relação às forças da
inclusive do proprio legalida-
chefe quilombola, sugerem que houve uma colaboração de era justificada, pois morreu em seu poder pouco depois, em circunstâncias
de fato entreos dois.n não
Raimundo Gomes devia estar consciente de que a aproximaçáol.o* esclarecidas, quando devia ser encaminhado para o desterro fora da proüncia-
o, .r-
cravos punha ainda mais entraves a um perdão por o riütimo chefe rebelde a ser preso foi cosme Bento das chagas. Forro natu-
parte da regalidade. Ao mes-
mo tempo, estava a par dâs mudanças políticas na ral de sobral, no cearií, esteve preso na cadeia de são Lús, no início da decada
Corte, que enfraqueciam o
argumento para continuar a luta. No final de outubro de 1830. |unto com seis outros presos organizou um leyante na cadeia, em maio
de l&o, inforrnava outro
comandante rebelde que o imperador haüa de de 1833.2 Tirlvez tenha conseguido escapar da prisão ulteriormente em umas
ser acramado, mas continua suas das
invectivas contra os cabanos. participana que "Francisco numerosíls fugas coleüvas que houve na época.D Ainda não se sabe por
Ferreira{pedrosa] ficara onde
de se apresentÍ'com as tropa§ todas'e adverte 'v.s",, andou durante os anos seguintes. Mas reapareceu durante a Balaiada, liderando
não se chame ao engÍrno
pois segurem as Íumas nas mão e tratemos o mais famoso quilombo que ba6içips. da revolta.z A atuação de cosme indica
de abater o enimigo e não nos fiemos
em palawiado de cabanosre que alguns escravos estavam bein sintonizados com o discurso liberal exaltado
|á em novembro decrara ao comandante da vila do
Rosário, queé do seu dever'comunicar-secom os dos bem-te-vis. cosme pode ser considerado exemplo de "crioulização políti
brasileirosamantes da coroa do
ca", entre as ideias e valores africanos e as tradições revolucionárias
de origem
322 Moniga Duarte Dantas (org.) Revoltas, Motins, Revoluções 323
me escreva [...]75
OÍicio de Raimundo Gomes Vieira futúy ao ldajor Falcão 1010711840- Coleção
singular do decreto imperial de anistia, exigiu dos anistiados servir como capi- 4 Iosé Ribeiro do Amarat, APontanentos para a Hisúrta da Retolução da Balaíaila na
üies de mato. cosme não Província do Maranhão,liáoLt is dol Maraúão Teixeira" 1898-1906, vol. I, P. 79-80.
foi considerado eligível para a anistia, mas condenado
O manifesto, sem data, acomtranha bfício do prefeito do ltapecuru-mirim de l8 de
à morte e enforcado. o "pacificador" não somente introduziu a discórdia entre
dezembro de 1838 e se encontra reproduzido em Maria Raimunda Araújo (org.),
escravos e'povo de cor" livrg envenenando as relações entre os dois grupos, mas
Documentos para a histôria da Balaiada, São Luís, Edições FLINCMA, 2001, doc.
12, p.36-37. Esta é á mais abrangente coleção de fontes Primárias publicada sobre a
324 Monica Duarte Dantas (org)
. Revoltas, Motins, Revoluções
325
Balaiada. para melhor leitura, afuarizei
a ortografia neste, como nos
demais documen-
tos de arquivo citados. I 19 O Bemtevi,p.19.
6 Os dois primeiros relatos são: Magalhães,
i4^ revolução da província do
2O OBemtevi,p.32.
Maranhão.,
op' cit- p.263-362;e fosé Martins pereira Alencastre,
"Notícias Diárias sobre a revolta
I 2l OBemtevi,p.42,68.
I
4l Para essa problemática ver Gladys Ribeiro, A liberdade em construfio, Iilentiilade 66 Ver, por exemplo, Documentos, n" 127, l4O-4L, 143-M'
nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado, Rio de Janeirq Relume Dumará,
67 Para mais detalhes, ver Matthias Rôhrig Assunção, "Cabanos contra Bem-te-vis: A
2002. constÍuçáo da ordem pós-colonial no Maranhão (1820-1841r, in Mat'y del Priore e
42 Carta de |oão da Mata Castelo Branco, 16ll l/18 40, Documentos,n l g5, p. 303. Fláüo dos Santos Gomes, Os senhora dos rios. Amazônía, rnargens e llisÍórl'as, Rio de
43 Proclamaçáo anônima, sld,Documentos,n" 69, p. 109.
faneiro, Campus & Elsevier, p. 2L9-224-
M Cartas de 13 e l4lll/1839, Documentos, n".122-23,p. lg}-lg}. 68 Oficio a Bernardo Alves Simões ,3oll0ll840, Docurnentos, n" 176, P' 289-290'
45 Proclamação anônima, s/d, Doczmentos, ao.69, p. f 08-109. l0/l l/1840, Doanmeitos, n" 180,p'296-297'
69 Offcio ao maior Âugusto Rocha,
ú Proclamações anônimas, s/d, Docu ffiefitos, no ÉZ.$3, p. 234-35. 70 Offcio ao major Augusto Rot*ra, lUll/1840, Documentos, n" 183' P' 300-301'
47 Amarú Apontafientos, op. oÍ., vol III, p. 4g, 52-53. 7L Ofício ao comandante de lcahr, 17 ll2l 184O, Docüflentos, n" 204 p' 330-31'
48 Carta de l0l07ll840, Coleção Car,.6 Pacore l, doc. 45, ANRJ. 72 Oficio do Carcereiro daCadeiado Maranhão no Hospital daMadre de Deus |oaquim
49 Proclamação anônima, s/d-, Documantos, n" 69, p. l0B. (dora-
Miguel de Lemos, 2 de maio de 1833, Arqúvo Público do Estado do Maraahão
50 Nsrcs, Corcundas, op. cit.,p. l3l. vante APEM). §radeço a Raimunda Âraújo, então diretora do APEM, por me haver
5l i{pelo do Povo do Maranhão" de 15/05/1840. Coleçâo Caxias, Cai:ra 808, doc. no 34, indicado este documento.
ANRf. Transcrito em Âssunção, pflanzea Keinbauern und SHaven in iler brasiliani- 73 Somente em no íulo de 1833 se registram duas ev'asões coletivas da prisão pelo cano
sehen Provinz Maranhõo, 1 800- l8,Sl,Frankfurt, Vervtr ert, 1993, p. 491-494. da latrina.
52 Maria Ianurária vilela santos, Á B alaiada e a insuneição de xcraros no Maranhão,sáo 74 Mundinha Araújo está terminando um estudo mais aprofundado sobre Cosme, base-
Paulq Ática" 1983, p. 91. ado em nova evidência de arquivo.
53 Proclamação de l4ll0ll839. Documentos, n. 98, p. lS6-tSZ. 75 Ofício de l6tllll840,Doc7tftientos, no 190' p.309-310.
54 Carta de I l/l l/1839. Do cumentos, no 120, p. I BB- 189. 76 Para o texto integral do decreto da anistia, assim com a polêmica de Âlves de
Lima
55 cartas de |osé Thomas Henriques, de24ezsfiLlt}39. Documentoq n. 105 e 106, p. com um juiz de direito acusado de simpatia pelos bem-te-vis e que renunciou porque
t6-t70. I foi privado do seu direito de conceder guias aos ex-rebeldes, ver Astolfo serra, carias,
56 Carta ilql0/12l1840 ao ministro da fustiça. Docufientos, \" l42,p.2tg-219. e seugoverno civil naprovíncia do Maranhão, Rio de Janeiro, s/eil,1944,p. L24-L35.
57 Cxta de26ll2ll839. Documentos, nol45, p. 223.Yer também carta no 133 ao óefe 77 Florencia E. Mallon, Pearan t aad Nation. The Making of Postcolonial Mexico anil Pmq
rebelde |oão da Mata- Univers§ ofCalifornia Press' 1995.
Berkeley,
58 Decreto imperial de z2lOStlB4O. Ver Sérgio Buarque de Holanda Hktórta Geral da
Civilização Brasileira,4" ed,.,Rio de faneiro & São paulo, DIFEI- 1978, Tômo II, vol. 2,
p. 163- No Maranhão, Alves e Lima atrasou a publicaçâo oficial do decreto até o dia 14
de novembro 1840. Ver Alencastre, NoÍas, op. cit.,p. 465.
59 Para uma apreciação crítica da lei da anistia, ver Austricliano de carvalho, Brasil
Colônia e Brasíl Império, Rio de faneiro, fornal do Comércio, 1922,v.11,p.397-398.
;
60 Carta de 26 l09l 1840, Documentos, no lZ l, p. 2Z S-229
6 I Carta de 02 I ll I 1840, Documentos, to 177, p. 29 I -293.
62 Offcio de Feliciano Ântonio Falcâo a Luis Alves de Lima e Silva O4tOTllBAO.Coleção
Caxias, Caixa 808, doc.46, ÁNRf.
63 Carta de Luís Alves de Lima e Silva Coleção Caxias, Caixa B0B, doc. n. 38, ANR .
64 Amaral, Apontamentos, op. cit, v. III, 1906, p. 59,61-62.
65 Carta de 05 I l2l 1839, Documentos, n. l3B, p. Zl2-214.