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Introdução
Esta investigação foi realizada tendo como objeto de estudo o processo de
alfabetização, com a finalidade de verificar as características que contribuem para o seu
sucesso.
O processo de alfabetização foi observado durante os anos letivos de 1984 e
2004 e analisado quanto a currículo, prática pedagógica e avaliação, em três turmas de
escolas públicas de Porto Alegre – duas em escola estadual (em sistema seriado de
ensino) e outra em escola municipal (em sistema por ciclos de formação).
A análise dos dados foi embasada nas contribuições teóricas de Basil Bernstein
(1996, 1998) e nas definições operacionais de Morais e autoras associadas (1993).
A opção pela modalidade qualitativa de pesquisa deu-se por esta privilegiar
“dados ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas”
(Bogdan e Biklen, 1994: 48) obtidos em contato aprofundado com os atores sociais nos
seus contextos.
Seleção dos contextos e delineamento da pesquisa
A Escola A (estadual) foi investigada em 1984 (Veit, 1990) e em 2004, tendo
sido aí comparadas duas turmas de alfabetização. Também no ano de 2004, foi
investigado o processo de alfabetização de uma turma de escola municipal (Escola B).
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Esta ampliação do Ensino Fundamental antecipou-se à Lei 11.114, de 16 de maio de 2005, que
determinou alterações nos artigos 6o, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN) que, tornou obrigatória, a partir do ano letivo de
2006, a matrícula das crianças de seis anos, visando justamente ao aumento dos anos de permanência na
escola.
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anos, atendendo aos educandos da faixa etária dos doze aos quatorze anos e onze meses
(aproximadamente).
Cada ciclo atende a uma fase de desenvolvimento do aluno e se propõe a
acompanhar as características dos educandos em suas diferentes idades e situações
socioculturais (SMED, 1996: 12).
A caminhada de cada sujeito passou a ser respeitada como algo único e
importante. Os conteúdos passaram a ser selecionados e desenvolvidos numa concepção
onde se pressupõe que currículo e realidade extra-escolar interagem, influenciando-se
mutuamente; os conteúdos escolares passam a ter maior significação quando têm a ver
com os contextos dos sujeitos envolvidos (SMED, 1996: 33).
Passar do Sistema Seriado de Ensino para o Sistema por Ciclos de Formação
abrangeu mudanças na relação ensino-aprendizagem, na forma de perceber o currículo e
na organização da escola em si.
Os alunos são distribuídos por ano-ciclo de acordo com a idade. Aqueles alunos
que, porventura, encontravam-se com idade acima da proposta para a série em questão
eram encaminhados para Turmas de Progressão. A constituição dessas turmas deveria
atingir, no máximo, vinte alunos que seriam trabalhados em suas dificuldades e,
posteriormente, inseridos na turma de ano-ciclo adequada. Nessa turma de progressão o
aluno pode avançar para a turma de ano-ciclo adequada a qualquer tempo. Na proposta
inicial do sistema por ciclos de formação, as turmas de progressão seriam extintas
gradualmente, pois se acreditava que, num prazo relativamente curto, os alunos estariam
inseridos em suas turmas de ano-ciclo e o problema da defasagem idade-série seria
gradativamente eliminado.
Também, na proposta inicial dos ciclos de formação, não havia previsão para
qualquer tipo de retenção de alunos. Todos os alunos deveriam acompanhar sua turma de
ano-ciclo e as dificuldades, que apresentassem, seriam trabalhadas ao longo do ano-
ciclo.
A avaliação, nessa modalidade de organização de ensino, foi concebida como um
processo contínuo, com função diagnóstica e prognóstica, cujas informações
embasariam o planejamento da ação pedagógica.
Para complementar o processo pedagógico da sala de aula, foi previsto, além da
ação da Professora Referência, responsável pela turma, uma Professora Itinerante, ou
Volante, para atender a estes alunos como apoio à Professora Referência, uma
Professora de Educação Física e uma de Arte-Educação para as turmas de primeiro ciclo.
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modos de controle social enraizados na sociedade maior” (Giroux apud Gatto, 1998:
115).
Basil Bernstein defende que a educação
tendentes a serem satisfeitos por aquela fração da classe média que tem uma
relação direta não com o campo econômico mas com o campo de controle
simbólico e que trabalha nas agências especializadas de controle simbólico
comumente localizadas no setor público [...]. Para ambas essas frações, a
educação é um meio crucial de reprodução cultural e econômica (Bernstein,
1996: 108).
condições acentuam-se à medida que a criança fica mais velha, o fracasso escolar torna-
se expectativa e, por fim, realidade. Ao trabalhar com alunos nestas situações, é
provável que a escola altere a ritmagem, alongando o tempo de aquisição de cada
conteúdo em sala de aula, pela não realização das tarefas de casa. “Dessa forma, a
consciência das crianças é regulada, diferencial e discriminatoriamente, de acordo com
sua origem de classe social e a prática pedagógica oficial de suas famílias” (Bernstein,
1996: 113).
Em uma pedagogia invisível, os pressupostos de classe “se traduzem em pré-
requisitos para a compreensão e aquisição eficazes dessa prática”. As modalidades de
pedagogia invisível “pressupõem uma longa vida pedagógica”. Por serem caracterizadas
por uma ritmagem lenta e aquisições menos especializadas, implicam uma projeção
temporal diferente. Como exemplo, pode-se citar muitas famílias de classe média que
incentivam este tipo de prática “nos anos iniciais da vida de seus filhos, mudando
depois, na fase de escolarização secundária, para uma pedagogia visível” (Bernstein,
1996: 117; 119). São características da pedagogia invisível hierarquia, regras de
seqüenciamento e critérios de avaliação implícitos – invisíveis para o adquirente. “[O]
professor cria o contexto que a criança irá recriar e explorar, tendo a criança
aparentemente largos poderes sobre o que seleciona e como o estrutura, bem como
sobre a escala de tempo das suas atividades; a criança aparentemente regula os
movimentos e as suas relações sociais”; os critérios de avaliação são múltiplos, difusos
e dificilmente mensuráveis (Domingos et al., 1986: 185).
Contextos educacionais públicos e desempenho no processo de alfabetização
Decorrente da pesquisa realizada em Lisboa por Morais et al. (1993) e com base
na teoria do sociólogo Basil Bernstein, foram observados os três sistemas de mensagem
do conhecimento formal: o conhecimento escolar (currículo), a pedagogia e a avaliação.
A prática docente da Professora A demonstrou estar baseada em regras explícitas
e ser uma modalidade de Pedagogia Visível: o seqüenciamento dos conteúdos foi
definido por ela, numa ritmagem forte; os critérios de avaliação, também por ela
definidos, foram explicitados aos alunos na forma de comportamentos esperados,
sempre que necessário, tanto em relação ao discurso regulador, quanto ao discurso
instrucional; e as regras hierárquicas definiram uma relação de autoridade explícita
entre a transmissora – Professora, e os adquirentes – Alunos.
A prática docente da Professora B, por outro lado, demonstrou características de
uma Pedagogia Invisível: o seqüenciamento dos conteúdos foi definido por ela, num
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Para comparação do desempenho dos alunos nas três práticas pedagógicas foi
utilizado um instrumento de avaliação do nível ortográfico – um ditado de quarenta
palavras, aplicados a todos os que permaneceram na escola até o final do ano letivo.
Quanto ao comparecimento ao TNO, todos os quinze alunos da turma D e
dezesseis da turma A o realizaram nos dias acordados, sendo registrados dez alunos2
ausentes na turma A. Na turma B, vinte e um dos vinte e três alunos realizaram o TNO.
Isto posto, verificou-se, para cada turma, quantas das quarenta palavras ditadas
tinham sido escritas corretamente por, pelo menos, metade dos alunos (considerando-se
oito alunos, como metade, nas turmas D e A; e onze alunos na turma B).
Os resultados indicaram: na turma D, oito ou mais alunos acertaram vinte e uma
palavras; na turma A, catorze. Na turma B, da escola municipal, nenhuma palavra
ditada foi acertada por onze ou mais alunos; a palavra LADO, a mais acertada, foi
corretamente escrita por dez alunos.
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Os dez alunos que faltaram à aplicação do TNO na turma A estavam distribuídos desigualmente entre
aprovados e reprovados, isto é, 68,4% dos alunos aprovados pela escola e 42,9% dos alunos reprovados
realizaram o teste. Como no grupo dos aprovados pela escola mais alunos realizaram o TNO e no grupo
dos reprovados menos alunos o fizeram, na comparação das três turmas os escores da Turma A, da escola
estadual, foram favorecidos (isso, se partimos da pressuposição de fidedignidade da taxa de aprovação da
escola).
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falta de participação da família no processo cognitivo das crianças como um dos fatores
condicionantes. Ambas também demonstraram preocupação com as precárias condições
socioeconômicas em que sobrevive a maioria dos alunos.
Na modalidade de Pedagogia Invisível, a Professora B demonstrou, durante todo
o ano letivo, disponibilidade em aceitar os alunos em suas diferentes expressões,
estimulando-os à participação. A inclusão de assuntos do cotidiano das crianças ocupou
um espaço importante nas aulas. Porém, como resultado final, nesta turma, alunos que
não acertaram nenhuma palavra do Teste de Nível Ortográfico avançaram para o
próximo ano-ciclo. A maneira de lidar com as dificuldades cognitivas destes alunos
manifestou a definição da proposta característica do Ensino por Ciclos de Formação.
Retomando a teoria, Bernstein (1996: 119), defende que as Pedagogias Invisíveis
baseiam-se em uma “longa vida pedagógica”, em que os alunos têm mais tempo para a
aprendizagem. Na organização por Ciclos de Formação, subjacente à sua implantação,
houve a diminuição da evasão escolar e o aumento da duração do Ensino Fundamental
de oito para nove anos. Com isso, objetivou-se: (a) proporcionar mais tempo para o
aluno no sistema escolar (sem, contudo, reprová-lo), e (b) compensá-lo pela falta do
segundo local de aquisição do currículo: o lar. O trabalho, com ênfase na formação do
cidadão e na construção do conhecimento a partir das vivências na comunidade, trouxe
o afrouxamento da ritmagem, tendo assim, havido o abandono da abordagem
sistemática da relação som-letra.
Na modalidade encontrada de Pedagogia Visível, das Turmas D e A, os
resultados finais demonstraram uma explicitação da estratificação ocorrida no ano
letivo. Aqueles com melhor desempenho foram promovidos e formaram as turmas mais
adiantadas. Os que não conseguiram atingir os objetivos propostos, foram reprovados.
Considerações Finais
Ao tentar responder o questionamento central desta investigação - Como se dá
um Processo de Alfabetização com sucesso – tendo por base as práticas pedagógicas
investigadas, poder-se-ia apontar, como elementos positivos, a preocupação da
Professora B, em sua Pedagogia Invisível, de manter o aluno na escola e ouví-lo,
conhecê-lo e envolvê-lo no processo. Mas, apenas isso, não foi suficiente: apenas uma
minoria de alunos foi alfabetizada. Para o objetivo de alfabetizar, a Pedagogia Visível,
com seleção de conteúdos e ritmagem forte, seqüenciamento e critérios de avaliação
muito fortes da Professora A foi a que obteve melhores resultados, confirmando os
resultados da mesma modalidade pedagógica desenvolvida em 1984 (Professora D).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Controle. Petrópolis: Vozes, 1996, 307 p.
GATTO, Carmen Isabel; VEIT, Maria Helena Degani.. Educação de Jovens e Adultos:
o currículo a partir de suas ausências. Resumo em: REUNIÃO ANUAL DA ANPED,
22, 1999, Caxambu. Diversidade e desigualdade: desafios para a educação na fronteira
do século: programas e resumos. Caxambu: ANPED, 1999. p. 162-3. Disponível em:
http://www.mvirtual.com.br
MORAIS, Ana Maria et al.. Socialização Primária e Prática Pedagógica. Volume II.
Análise de Aprendizagens na Família e na Escola. Lisboa: Fundação Gulbekian,
1993.
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VEIT, Maria Helena Degani. Success and Failure in First Grade: a Sociological
Account of Teachers’ Perspectives and Practice in a Public School in Brazil.
Montreal: McGill University, 1990.