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RESUMO
As primeiras exibições cinematográficas que se tem notícia na cidade de Belém do Pará, são do final
do século XIX, havendo fontes discordantes sobre o primeiro local de exibição, se no Teatro
Providência (1868) ou no Teatro da Paz (1896). A partir de então, aparelhos de projeção em
barracões improvisados, com tecnologias distintas, passaram a marcar presença constante,
sobretudo em datas festivais nos lagos e praças da cidade. Até que os teatros passassem a ser
adaptados para cine-teatros e posteriormente surgissem os primeiros cinemas. Entre 1920 e 1930,
Belém apresenta mais de vinte salas de cinemas de rua, incluindo cinemas de bairros (com
acomodações mais simples) ou mesmo o Cine Olympia, considerado o primeiro cinema de luxo da
cidade. Atualmente existem dois remanescentes ainda em funcionamento, da era dos cinemas de
rua, o centenário Cinema Olympia, bem tombado, mantido pela prefeitura e o Cine Ópera, o qual
elegeu como gênero único de exibição filmes erótico-pornográficos, fenômeno que se percebe em
várias capitais do país, como alternativa para a permanência desses espaços. Este trabalho tem
como objetivo o registro das transformações, desaparecimentos e permanências desses espaços
destinados à exibição cinematográfica, que começaram a entrar em declínio na década de 1990. A
relevância do tema esta pautada na teoria de Rielg e no valor de rememoração dos monumentos
remanescentes, bem como a salvaguarda da memória dos monumentos transformados ou
destruídos. A metodologia se deu a partir do registro fotográfico dos monumentos identificados,
pesquisa documental e entrevistas. Antes da chegada dos shoppings centers os cinemas de ruas e
teatros eram locais de entretenimento, cultura e sociabilidade, esse trabalho se propõe a registrar a
importância desses espaços para esse período.
No Brasil, alguns movimentos protestam a curta memória que se tem acerca dos
cinemas de rua, organizam manifestações com projeção nas fachadas ou nas paredes
externas de edificações, que no passado já funcionaram como cinemas de ruas,
videointervenções, misturando imagens de arquivo, trechos de filmes, além de imagens
captadas ao vivo no local. Esse movimento é denominado como Cine Fantasma, que foi
idealizado e dirigido pela premiada professora universitária, cineasta e doutora em Artes
Visuais, a carioca Paola Barreto, apoiada por uma equipe enorme que, no site do
movimento, encoraja os dispostos a reunir uma equipe “fantasma”, montar um projetor e sair
pela cidade “assombrando” os arredores dos extintos cinemas, afinal foi dessa forma que o
movimento começou.
O Cine Fantasma busca muito mais que exaltar a memória dos cinemas de rua,
mas fazer refletir sobre o quanto essa nova realidade imposta, na qual a migração das salas
de cinema para o interior dos shoppings centers, são garantia de conforto e segurança,
mudaram nossa percepção sobre a cidade e as relações de convívio antes desenvolvidas
nela, para que hoje as ruas se tornem meros espaços destinados a estacionamento e
passagem.
Esse trabalho tem como objetivo trazer à luz a memória desses espaços,
apresentar suas transformações e registrar o uso atual desses locais, que antes eram a
principal forma de entretenimento, cultura e lazer da população belenense, nos quais
também se desenvolviam redes de sociabilidade.
Assim como o Largo das Mercês ou o Largo de Nazareth, São Braz era um dos
pontos de encontro da população belenense no início do século XX. Além de abrigar a
suntuosa Estação de Ferro de Bragança, e também ser o lugar de chegada dos nordestinos
que vinham trabalhar nos seringais da Amazônia, lá aconteciam as famosas festas de São
Braz com tudo que um arraial da época tinha direito, e ainda com o acréscimo de um
velódromo, pista de hipismo, e claro, os barracões que exibiam as concorridas "fitas
cinematographicas". E foram nestes precários barracões que se exibiram algumas das
primeiras películas da história do cinema, como as produções fantásticas de Georges
Méliès, as primeiras comédias dos irmãos Lumière ou os pequenos filmetes de Thomas
Edison (SOUZA, 2015).
Em 1905, aparelhos e fitas, algumas coloridas, da casa Pathé Frère, de Paris, foram
exibidas primeiramente no teatro Politheama e posteriormente no teatro Chalet, iniciativas
do maestro Cincinato Ferreira de Souza. Pagavam-se as películas e as exibições se davam
com um pequeno custo de pessoal recrutado na cidade (SALLES, 2012).
Para os empresários locais, cinema era sinônimo de bom negócio, pois não havia
dispêndios com salários, passagens, hospedagens ou inúmeras outras exigências materiais.
Como os filmes eram mudos, para atrair o público, chegavam com dicas para sonoplastia,
truques já utilizados no teatro, capazes de criar ambientes sonoros com o objetivo de
sensibilizar o público. Devido aos altos custos exigidos pelos teatros, estes foram perdendo
vez ou adaptando-se para ambientes denominados de cine-teatros (VERIANO, 1999).
O Cine Olympia era um espaço destinado a uma elite que não frequentava as salas
existentes na cidade. Em estilo Art Nouveau o Olympia oferecia ao público um espaço com
400 poltronas, dez ventiladores, seis portas, 14 janelas que se abriam nas duas faces
laterais do edifício, além de uma sala de espera equipada receber a orquestra que tocava
antes das exibições iniciarem, bem como um espaço destinado a orquestra no interior da
sala abaixo da tela, pois os filmes eram mudos. A orquestra executava a trilha que
acompanhava as projeções, o teto era adornado em gesso e chumbo com desenhos em
alto-relevo e luminárias em ferro importado da França, na cabine de projeção, os projetores
utilizados eram alemães. De maneira incomum, as entradas para a sala de projeção se
localizavam abaixo da tela, posição estratégica, uma vez que a elite muito bem trajada que
frequentava o local tinha o objetivo de ver e ser vista (VERIANO, 1999).
Segundo Veriano (1999) em 1930, quando a grafia do nome do cinema foi alterada
para Olímpia (com i), chegava a Belém o cinema falado, e o Olímpia exibia o filme “Alvorada
do Amor” (The Love Parade, 1929). Ao final da referida década o cinema foi vendido para o
banqueiro Adalberto Marques, o qual fundou a Cia. Cinematographica Paraense Ltda, que
não sobreviveu por muito tempo. Em 1940, o cinema sofre uma reforma e é modernizado, o
estilo arquitetônico da edificação passa a assumir feições do Art Decó, além de receber
difusores de ar importados dos Estados Unidos e poltronas estofadas. No dia 17 de
Dezembro de 1940 o cinema é reinaugurado com a exibição do filme “Balalaika” (1939).
Em 1946 o cinema é vendido ao exibidor cearense Luís Severiano Ribeiro, que com
a inauguração do Cine Palácio, anunciado como “o máximo de luxo e conforto” e a pressão
popular, devido à degradação apresentada pelo espaço, o novamente Olympia (com y)
passa por mais uma reforma e é reinaugurado no dia 27 de Maio de 1960 com a exibição do
filme “Volta ao Mundo em 80 Dias” (Around the World in Eighth Days, 1956), apresentando o
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estilo moderno, as poltronas e a tela de projeção foram substituídas, o ambiente passou a
contar com sistema de ar refrigerado, os banheiros também foram reformados e a cabine de
projeção recebeu novos equipamentos (VERIANO, 1999).
Nas três décadas que se seguiram a edificação foi submetida a pequenas reformas
que modificaram o estilo arquitetônico da década de 1960, descaracterizando o edifício, que
apresentava uma mescla de estilos desarmoniosos.
O grupo Severiano Ribeiro administrou o cinema até 2006, data que foi cogitado a
venda do espaço para uma igreja evangélica. A população unida a artistas e realizadores
cinematográficos locais protestou para que o espaço permanecesse como sala de exibição,
o cinema então passou a ser administrado pela prefeitura de Belém, convertendo-se em
espaço municipal cultural. Atualmente o cinema apresentar programação regular, bem como
parcerias com a embaixada da França em Belém e o Instituto Goethe, que auxiliam a
programação, com o empréstimo de filmes inéditos na capital paraense. Até a ocasião de
seu centenário, o Olympia sofreu ações, sobretudo, vinculadas à sua manutenção, sem
alterações arquitetônicas e estruturais relevantes, com exceção da instalação de splits de ar,
para climatização do ambiente, e a utilização de data show e DVD player para projeção dos
filmes, no entanto, algumas vezes ainda são exibidos filmes em película.
O Cine Poeira recebeu esse nome devido à simplicidade de sua construção, o piso
do cinema era de terra batida. Localizado ao lado do Iracema, quando adquirido pelo grupo
Cardoso & Lopes em 1920, passa a se chamar Nazaré. O cinema posteriormente adquirido
também pelo grupo Severiano Ribeiro, permanece funcionando com o nome de Nazaré, tal
qual o Iracema, que, bem como o Ópera, na década de 1980 passa a exibir filmes erótico-
pornográficos. Apenas em 1997 o grupo Severiano Ribeiro inaugura na cidade os cinemas
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Nazaré 1 e 2. Após um longo período com o letreiro que comunicava “Fechado para
reformas”, em 2007 o espaço é oficialmente vendido para uma loja de departamentos.
Segundo Veriano (1999) o Teatro Chalet localizado na Praça Justo Chermont, bairro
de Nazaré, centro da cidade, também destinava sua programação a exibição de filmes, por
isso era conhecido como Cinema Ideal. O Teatro Chalet posteriormente passaria a chamar-
se Teatro Moderno.
Em meio a crise pela qual passavam os cinemas de rua em Belém, o Cine Palácio
inaugurou uma nova fase na cidade. Inaugurado no dia 12 de dezembro de 1959, na Av.
Figura 01: Cine Universal (1943), Cine Guarani (1931), Cinemas 1, 2 e 3 (Cinemas 1 e 2 inaugurados em
1978 e cinema 3 inaugurado em 1987), Salão Rio Branco (1912), (Cine Olympia (1912), Cine Palácio
(1959), Cine Paramazon (1957) , Cine Íris (1924), Cine Moderno (1937), Cine Ópera (1961), Cine Nazaré 1
e 2 (Nazaré 1, inaugurado em 1920, antigo Cine Poeira; Nazaré 2, inaugurado em 1997, antigo Cine
Iracema (1920), Cine 11 Bandeirinhas (1957), Cine Independência (1931), Cine Art (1957, antigo Cine São
João), Cine Vitória (1946, antigo Cine Rex), Cine Paraíso (1956), Cine Brasilândia (1957).
Entre as edificações que foram adaptadas para receber um novo uso, destacam-se
as de uso religioso, sobretudo as igrejas evangélicas (Figura 02 A, B e C), os usos
institucionais, como instituições de ensino (Figura 02 D) e instituições públicas (Figura 02 E
e F), usos de serviço, como posto de gasolina (Figura 02 G), banco (Figura 02 H), boate
(Figura 02 I), oficina mecânica (Figura 02 J), além de comércio, como papelaria (Figura 02
K) e loja de departamentos (Figura 02 L).
A E I
B F J
C G K
H L
D
Figura 02: (A)Antigo Cine Palácio, (B) Antigo Cine Art, (C) Antigo Cine Paraíso, (D) Antigo Cinemas 1, 2 e 3,
(E) Antigo Cine Universal, (F) Antigo Cine Guarani, (G) Antigo 11 Bandeirinhas, (H) Antigo Salão Rio Branco,
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=294613, (I) Antigo Cine Paramazon, (J) Antigo Cine
Íris, (K)Presenças
Antigo Cine Vitória, (L) Antigo Cine Nazaré 1 e 2.
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Quantos aos espaços que permaneces, destaca-se o cinema centenário Cinema
Olympia (Figura 03 A), mantido pela prefeitura de Belém e o Cine Ópera (Figura 03 B), que
desde a década de 1980 dedica sua programação a exibição de filmes erótico-
pornográficos, fenômeno que ocorreu em várias capitais do Brasil, como forma de
sobrevivências.
A B
Figura 03: (A) Cinema Olympia (1912), (B) Cine Ópera (1961)
Ausências
C D
Figura 04: (A) Antigo Cine Moderno, (B) Antigo Cine Brasilândia, (C) Antigo Cine Independência,
(D) Placa em memória ao cinema em frente ao edifício.
Conclusão
Nos espaços ausentes, dos quais os antigos cinemas de rua foram demolidos,
registra-se um enorme espaço de propriedade da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré,
que na maior parte do ano é utilizado como estacionamento, ou ainda a reutilização desses
espaços para fins residenciais, seja com a implantação de condomínio vertical ou para
reloteamento.
Referências Bibliográficas
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Fevereiro 2003. Caderno Cartaz.
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PETIT, Pere. Ramon de Baños: do Rio Branco ao Olympia. In: VERIANO, Pedro; ÁLVARES,
Maria Luzia Miranda (Org.). Cinema Olympia – 100 da história social de Belém. Belém:
GEPEM, 2012.
RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese. (tradução
Elaine R. Peixoto e Albertina Vicentini). Goiânia: Editora da UCG, 2006.
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RIBEIRO, De Campos. Gostosa Belém de outrora... Belém: Impr. Universitária do Pará,
1996.
SALLES, Vicente. No declínio da ópera chegou o cinema no Pará. In: VERIANO, Pedro;
ÁLVARES, Maria Luzia Miranda (Org.). Cinema Olympia – 100 da história social de Belém.
Belém: GEPEM, 2012.
VERIANO, Pedro. Fazendo fitas: memórias do cinema paraense. Belém: EDUFPA, 2006.