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BRASILIANA
Volume 335
Direção de
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE
JACQUES LAMBERT
OS DOIS BRASIS·
segunda edição·
Impresso no · Brasil
A
HBNRIQUB DB MORAIS
INDICE
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO Ili
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPITULO IX
CAPÍTULO X
. .
Poucos sociólogos terão, como Jacques Lambert, compreen-
dido tão profundamente a problemática brasileira. .füte livro
marcou, à época de sua publicação, novos e definitivos rumos
para o estudo do Brasil e da sua evolução, e ainda hoje cons-
titui contribuição exemplar à nossa bibliografia sociológica.
Sua reedição, pois, é importante e continua oportuna. Não
apenas .pelo seu valor como interpretação global da dinâmica
da estrutura demográfica do país como pelo paralelo que os
anos que se passaram desde o aparecimento da primeira edição
possibilitam traçar com a realidade de hoje: a evolução
do Brasil,. nestes últimos _quinze anos, dá razão ao oti-
mismo e ao entusiasmo revelados por Lambert. E em tão
larga medida que resolvemos manter intacta a primitiva edição,
sem quaisquer notas ou revisões que objetivassem atualizar os
dados estatísticos então disponíveis. O leitor esclarecido, que
conhece os dados recentes, saberá apreender a importância
da evolução por que passa o país e, ·mais ainda, sentir em
tôda a extensão o vertiginoso progressó do "Brasil nôvo"
há duas décadas apenas esboçado - e a franca recuperação do
"Brasil arcaico".
Os Edítôres
P.ste livro é um pouco obra coletiva, ipois que
vários membros do Centro Brasilefro de Pesquisas
Educacionais lhe completaram a documentação e
corrigiram os erros. Entre êles, devo um agradeci-
mento particular ~ Anísio Teixeira, Roberto Moreira,
Darcy Ribeiro, _Aparecida Joli Go,uveia e Jaime Abreu.
Devo também, muito, a~s bons amigos Alceu
Amoroso Lima, L. A. Costa Pinto e José Honório
Rodrigues, que o leram, de lápis em punho, e me
orientaram na revisão de noções superficiais ou ine-
xatas.
Finalmente, a minha gratidão à tradutora Clo-
tilde da Silva Costa e a_o's Profs. Djacir Meneses e
Jaime Duarte pela_ colaboração que prestaram na re-
dação final do texto em língua portuguêsa.
J. L.
'
CAPÍTULO I
A AMtRICA ESPANHOLA
E A AMtRICA PORTUGUíSA
O aspecto andino
O aspecto platino
O aspecto brasileiro·
O CRESCIMENTO
DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
A habitabilidade do país
A mortalidade brasileira
Mortalidade infantil
Fecundidades diferenciais
IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA
E MIGRAÇÕES INTERNAS
Imigração ltaUana
ESTRUTIJRA lffNICA
E CONTACTOS DE RAÇAS
ros iguais aos outros, desde que seja o mesmo o seu comporta-
mento, o Brasil desconhece os problemas de raça e de cultura
que geralmente se apresentam às populações, mesmo àquelas
constituídas por contingentes raciais menos variados.
No Brasil, não poderia existir, como na América Andina, o
problema de um verdadeiro nativismo indígena, pois não possui
uma população indígena numerosa e agrupada. Mas a população
negra ou mulata, que constitui uma grande parte das massas cultu-
ralmente atrasadas, e que, pelos seus níveis e modos de vida,
faz lembrar, às vêzes, uma população indígena em relação aos
colonos, poderia um dia contrapor, à população de origem euro-
péia, um pseudonativismo afro-americano.
! um problema que a política racial, ou melhor, a ausência
de política racial do Brasil, parece não dever temer. Os brasi-
leiros, em geral, sejam êles de sangue europeu, índio, africano
ou mestiço, concordam em construir uma civilização baseada
em valores europeus. ! sobretudo no sentido espiritual, sem
dúvida o mais importante, que a população brasileira se torna
cada dia mais européia; e torna-se cada vez mais européia porque
é para a cultura euro-americana que se orientam todos os seus
elementos.
Atualmente não parece provável a ocorrência de divisões
raciais, o que, entretanto, não é impossível. Entre as camadas
superiores, que são as mais brancas, e as inferiores, que são as
mais pretas, a barreira de classe é tão alta que disfarça as bar-
reiras de côr impedindo-as, assim, de serem percebidas pela po-
pulação de côr. i:: difícil prever-se o que acontecerá com as
transformações da estrutura social do país num sentido mais
democrático e com a destruição das barreiras de classe.
Não há, naturalmente, nenhum perigo de ver surgir o pro-
blema, por querer o Brasil, como outrora os E.U.A. e atualmente
a África do Sul, impor discriminações raciais. Algumas pessoas
o tentaram, em 1935, e certos adeptos do integralismo, fascinados
pelo prestígio alemão, gostariam de disseminar pelo Brasil o
mito nórdico. Essa imitação ingênua, entretanto, não teve êxito
e não corre o risco de se repetir, porque já passou a hora daquele
mito. Ao contrário, alertado por algumas tentativas de certos
grandes hotéis e estabelecimentos de diversões para barrar os
fregueses de côr, o Govêrno aprovou, em julho de 1951, uma
lei que proíbe as discriminações nos hotéis e restaurantes.
ESTRUTURA ÉTNICA - 97
-
\
A SOCIEDADE DUALISTA - 123
AGRICULTURA BRASILEIRA
Pecuária
Culturas alimentícias
À. época de escassez do açúcar, durante o período colonial,
a cana-de-açúcar foi a grande cultura de exportação do Bra-
sil; ocupava, então, na economia do país, o lugar que hoje
ocupa o café, e foi em tôrno das suas plantações que primeiro
se desenvolveu a exploração do país. Foi com ela que se
enriqueceu o senhor de engenho; foi ainda por causa dela que
se importaram tantos escravos, e o grande número de indiví-
duos de origem africana, que hoje se encontra ao longo da
costa, do Nordeste ao Rio de Janeiro, é um legado da
cana-de-açúcar.
O Brasil deixou de ser grande exportador dêsse produto,
do qual, entretanto, ainda é grande produtor; o papel da cana
na economia brasileira ainda é de grande relevância, não sendo,
porém, geralmente reconhecido porque grande parte da colheita
é consumida pela família e tôda a produção utilizada no próprio
local. Juntamente com o milho, a cana-de-açúcar continua a
ser uma das culturas alimentares mais importantes no Brasil.
A cana é cultivada em todo o país, de várias maneiras
diferentes: no Nordeste, no norte do Estado do Rio de Janeiro
e no Estado de São Paulo, a cana-de-açúcar constitui a mo-
nocultura das fazendas que produzem para as grandes fábricas;
há, hoje em dia, forte tendência à concentração e as refinarias
se esforçam por congregar propriedades que elas exploram
diretamente. Mas, em todo o interior do país, o lavrador esta-
belece a sua própria plantação de cana e tôda a propriedade
um pouco maior tem um pequeno engenho, que refina grossei-
ramente a produção do proprietário e a dos pequenos produ-
tores da vizinhança. Em 1949, o Brasil teve uma produção
de 23 milhões de sacas de açúcar de 60 quilos; existe, porém,
uma produção, não comercializada, impossível de se avaliar.
O açúcar tem, de fato, um papel importante na alimen-
tação do brasileiro; a população se alimenta essencialmente de
arroz, mandioca, milho e feijão; em grande parte do país, na
refeição nunca entram o leite, a carne e os legumes frescos.
138 - OS DOIS BRASIS
O algodão
O cacau e as frutas
TRANSPORTES E ENERGIA
Transportes marítimos
Transportes fluviais
Transportes terrestres
Não podendo o Brasil, com o seu povoamento atual, tirar
grande proveito da rêde fluvial para os transportes pesados,
depende, inteiramente, quando se afasta do mar, das estradas de:
ferro e de rodagem.
Mas, a topografia, o clima e a dispersão do povoamento
tornam muito dispendioso o estabelecimento da infra-estrutura
dos transportes terrestres, sem falar na dificuldade da sua
manutenção.
O povoamento do Brasil processou-se de forma desordenada:
um longo período de exploração colonial atraiu vagas de popu-
lação para os pontos favoráveis à monocultura de exportação
mais produtiva na ocasião; outras migrações foram provocadas
pela extração dos minérios preciosos. Uma vez esgotadas as
terras ou· as jazidas, a prosperidade abandonava a região, onde,
entretanto; freqüentemente, permanecia a população que ali se
multiplicava. Para ligar êsses centros de povoamento, muitas
vêzes quase improdutivos, aos portos e centros da atividade
nacional, será necessário construir e manter estradas de ferro e
158 - OS DOIS BRASIS
têm que escoar as suas colheitas e é por ser tão difícil escoá-las
que grande parte se perde e muitas das velhas fazendas se
contentam com uma economia fechada. No próprio Estado
do Rio de Janeiro, a poucas horas da Capital Federal, em uma
região servida por uma rêde relativamente densa de estradas
de ferro e de rodagem, existem pastagens onde os proprietários
colocaram vacas de raça leiteira, cujo produto se escoaria fàcil-
niente para a população de três milhões de habitantes da capital
vizinha. Apenas quatro ou cinco horas são necessárias por fer-
. rovia e duas ou três por estrada de rodagem para atravessar os
150 ou 200 quilômetros que as separam da cidade. Mas, para
atingir a estrada ou a estação férrea, há 10, 15 ou 20 quilômetros
de caminhos acidentados, nos quais os caminhões, que só os
podem atravessar em tempo bom, se desgastam ao cabo de um
ou dois anos. Resta, pois, o recurso de transportar o leite em
lombo de burro; mas nem homens, nem animais podem fazer
tal trajeto todos os dias e, aliás, o leite não suportaria as longas
horas de transporte. Nessas pastagens a solução é, pois, a
criação extensiva, ou a transformação do leite em produtos,
como o queijo, cuja conservação seja garantida. As explorações
agrícolas ficam nos grandes subúrbios da capital, mas têm que
se comportar como se estivessem situadas no fim do mundo;
experimentam até mais dificuldade, porque não se podem valer
da refrigeração. Eis apenas um exemplo para mostrar que o
mais grave problema de transportes é o de curta distância,
porque nêle não intervêm somente os fatôres de custo e tempo
de transporte, mas o próprio arcaísmo dos meios de que se
dispõe.
Estradas de rodagem
Estradas de ferro
Transportes aéreos
Energia
Carvão
Energia hidrelétrica
Petróleo
INDUSTRIALIZAÇÃO, INVESTIMENTOS
E EQUIUBRIO DOS DOIS BRASIS
INSTRUÇÃO PúBLICA
Mas, por mais rápido que seja êsse crescimento, não satisfaz,
entretanto, completamente, às necessidades; para satisfazê-las,
seria necessário impor a uma população ativa, pouco numerosa,
um encargo esmagador. Pode-se avaliar o pêso dêsse encargo
quando se compara a situação com a da França, onde a partir
de 1945, com o ligeiro aumento da natalidade, a população
entrou em uma fase de crescimento lento.
INSTRUÇÃO PÚBLICA - 209
Brasil França
População total ........... . 51.944.000 42.130.000
Adultos de 18 a 64 anos . . . 25.400.000 26.000.000
Jovens de 6 a 13 anos .. 10.738.000 4.310.000
Coronelismo e populismo
Regionalismo
Tendências centralizadoras
política não pode deixar de ser uma luta entre duas concepções
igualmente sinceras da natureza das instituições políticas e a
parte do país, que fica lesada, é solicitada a procurar na vio-
lência remédios que só podem ser provisórios.
Até 1930, a política brasileira era relativamente ordeira e
o Brasil não compartilhava o gôsto dos seus vizinhos hispano-
americanos pelos regimes autoritários. Se, depois de 1930, a
vida política se tornou mais agitada, não é, portanto, em con-
seqüência de traços psicológicos típicos dos sul-americanos, que
os brasileiros tivessem subitamente adquirido, é, antes, a con-
seqüência da fase de transição, que hoje atravessa a sociedade
brasileira, é o tributo do progresso econômico muito rápido e
desigual e só poderá ser remediado pelo desenvolvimento eco-
nômico e sua generalização em todo o país.
-~'--'--
*
P.ste livro foi ronferrio,1ado
nas ofirínas da
,lNDOSTRIA GRÁFICA SARAIVA S. A.
d Rua Sampson, 265, São Pa11lo,
para a
.COMPANHIA EDITORA NACIONAL,
em agôslo de 1967