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Ao completar 31 anos de escrita literária, de uma grafia negra tecida das memórias
cinzentas dos meninos carvoeiros, das lembranças dos ensinamentos de seus mais velhos,
Fausto Antônio ou Carlindo Fausto Antônio (nome de batismo) diz que, num país
marcado pelo “totalitarismo da branquitude”, o autor negro deve se impor. Natural de
Campinas-SP, onde residia e trabalhava como professor da Rede Municipal de Ensino,
Fausto tem graduação em Letras e Pedagogia, mestrado em Ciências Sociais Aplicadas à
Educação (Unicamp) e doutorado em Teoria Literária (Unicamp), com a tese intitulada
Cadernos Negros: esboço de análise. Nessa pesquisa, empreende a leitura crítica de um
percurso de vinte sete anos de publicação coletiva de autores afro-brasileiros, que vai de
1978 a 2004, situando-a historicamente. Além de escritor de poesias, romances e textos
para teatros, com livros publicados e participação em coletâneas nacionais, produção de
textos críticos, é professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Brasileira – UNILAB, no Instituto de Humanidades e Letras, Campus dos Malê, em São
Francisco do Conde-Bahia. Em entrevista concedida a Cristian Sales para Coluna
Levantes Literários, assumindo uma gramática e uma dicção agressivas, reflete sobre os
efeitos perversos do racismo e da branquitude no Brasil. Também debate questões ligadas
à autoria, mercado editorial, crítica literária etc. Compartilha com os leitores etapas da
criação de duas obras: No reino da Carapinha e na Memória dos meus carvoeiros. Por
fim, afirma que em seu exercício artístico, crítico-literário “Exu é uma linguagem
ressonante” vocalizadora da auto-expressão de sua negrura.
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antirracismo foi exposto em Campinas num outdoor. É bom e didático
apresentá-lo aqui:
BRANCOS BANCOS
BANCOS BRANCOS
BANCOS SO BRANCOS
BRANCOS I BRANCOS
BRANCOS BRANCOS
BANCOS SEM BANTOS
BRANCO SO BRANCOS
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e também a circulação dessa produção feita por escritores (as) negros (as),
especialmente os jovens.
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cosmogonia negro- brasileira. O projeto de produção do romance seguiu o
curso das minhas produções; sou escritor, poeta e dramaturgo inspirado,
intuído, os meus livros e criações têm um lugar de inesperado e de margem
delimitada pela realidade e experiências negras no país, na minha família e
na minha trajetória pessoal. Concluído o livro; não consegui publicá-lo de
imediato. Publiquei, 2013, nos Cadernos Negros 36, uma parte do romance,
no conto denominado Memória dos meus carvoeiros. Sem editora, no ano de
2015, ainda nos Cadernos Negros 38, publiquei O episódio da forminha,
parte do romance que apresenta a relação afetiva do narrador com a
personagem Darlene, amor adolescente e meio pelo qual trago para o centro
da narrativa a relação de amor entre negros; no Brasil, possibilidade
perversamente vedada pelas autorias e recepções construídas quase que
exclusivamente pela branquitude/brancura. Memória dos meus carvoeiros é
um livro, um romance, de vitórias e de pontos de contato com personagens
negros com história, profundidade e relação com a cultura negra de
ressonância, que é a cultura negra como categoria filosófica.
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da Carapinha promove o encontro da Vila Valongo com o Brasil, isto é, o
Brasil é o reino da Carapinha. As escolhas de heróis e de heroínas negras são
fundamentais para a criação, auto-expressão inicial, e para a recepção, auto-
expressão em trânsito; afinal, o epistemicídio precisa ser interrompido nas
construções de sistemas de ideias, teorias, conceitos, filosofias, currículos ,
nas criações literárias e no cotidiano.
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pela tematização da escrita; Machado de Assis pela escrita ressonante, que
revela um jogo, a arte sofisticada e a sinuosidade para contestar, na estrutura
profunda da sua produção, a sociedade brasileira. Em outras palavras,
Machado é um gênio do texto e do contexto patriarcal e racista brasileiro.
Na poesia gosto imensamente de Rilke, João Cabral de Melo Neto, Jorge de
Lima e Hilda Hilst, referências tão díspares, mas definitivas. No teatro, gosto
e tenho afinidades com a obra de Pirandello, o ponto de contato é o exercício
da fabulação e o mesmo gosto-exercício para revelar o fabulado, o criado. A
obra e o pensamento do geógrafo e filósofo Milton Santos constituem; é um
caso à parte, aqui não se trata apenas de referência, mas de influência vital,
definitiva e articuladora do meu trânsito intelectual em tudo.
Cristian Sales – Movimentos sociais, militância, ativismo e as tentativas
de controle/disciplina/dominação pelas forças conservadoras... Quais
são tarefas dos intelectuais negros na atualidade?
Fausto Antônio - Diria, como intelectual negro, que é indispensável à
compreensão de como se define e funciona o racismo no Brasil. O que
demanda o entendimento da realidade concreta do racismo e a sua existência
sistêmica. O estágio do racismo no país é outro dado a ser considerado, a
política de extermínio e de branqueamento fracassou no plano físico; a
realidade concreta, vide o último censo, revela o enegrecimento físico da
sociedade brasileira e, na contramão a despeito das corporeidades negras em
profusão, temos o branqueamento nas cabeças e a branquitude absoluta nos
espaços de comando da sociedade brasileira. O nosso estágio atual é, no
tocante a nós negros, de esquizofrenia identitária e de ação violenta dos
brancos e brancas, violência materializada pelas atuações conjuntas e
articuladas dos sistemas empresarial, jurídico, policial – militar e de
comunicação. Desse modo, o racismo está nas coisas, peças publicitárias e
salões de beleza; nos objetos, favelas perigosas para caracterizar os espaços
ocupados por negros; condomínios de luxo, para se referir aos espaços de
brancos; nas pessoas, pardas para branquear; nas corporeidades e ações,
percentual de jovens negros assassinados pela polícia e presos; e nos
sistemas teóricos, currículos brancos apresentados como universais. O
sistema racista à brasileira é totalitário e se organiza e é organizado a partir
da branquitude. Há um totalitarismo engendrado pelo consumo da
branquitude e, no Brasil, o sujeito desse processo, ou seja, os seus
estruturadores e beneficiários, brancos e brancas, não são apresentados como
sujeitos étnicos, mas, sim, universais. O trabalho intelectual e a
transformação das bases estruturais desse projeto são mecanismos ou tarefas
conjuntas. O trabalho intelectual feito por negros (as), num mundo totalitário
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organizado estruturalmente na produção e no consumo da branquitude, deve
enfrentar a permanente, urdida e sofisticada construção da ignorância do
racismo e da centralidade da sua superação para a gênese e posterior
construção do projeto da nação brasileira. O trabalho intelectual é crucial
para se contrapor à redução das esferas humanas e sociais ao jogo de
informação; processo que reduz as possibilidade efetivas de
entendimento e de transformação do mundo atual.
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linguisticamente representada, no Campus dos Malês, São Francisco do
Conde, Bahia, por alunos (as) e docentes de Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe.
O meu trabalho na UNILAB tem como foco, na contramão do
epistemicício a que estamos submetidos no Brasil, as construções de
currículos e de práticas de sistematizações de conhecimento voltados para a
renovação das disciplinas históricas. Ser professor da UNILAB é atuar para
renovar as disciplinas históricas a partir da África, da Diáspora e da
superação do epistemicídio. Outro dado importante, concretizado com o
advento da UNILAB, diz respeito à inclusão de disciplinas estabilizadas
pelos movimentos negros e pelo sistema cultural negro-brasileiro; no caso
vertente, temos no rol das disciplinas obrigatórias; entre outras ,
“Fundamentos Filosóficos e Práticos do Samba e da Capoeira” e “Filosofia
da Ancestralidade como Filosofia Africana.”