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FACULDADE CATÓLICA DOM ORIONE – FACDO
© Copyright 2016, Daniel Cervantes Angulo Vilarinho, Nilsandra Martins de Castro, Edison
Fernando Pompermayer
1ª edição
1ª impressão
ISBN: 978-85-69435-01-3
CDD 340
Todos os direitos reservados, protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte desta edição pode ser
utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma, nem apropriada e estocada sem a expressa
autorização dos autores.
1
FACULDADE CATÓLICA DOM ORIONE - FACDO
DIRETORIA GERAL
Pe. Josumar dos Santos
DIRETORIA ACADÊMICA
Pe. Eduardo Seccatto Caliman
CONSELHO EDITORIAL
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SUMÁRIO
Apresentação
Daniel Cervantes Angulo Vilarinho, Nilsandra Martins de Castro e
Edison Fernando Pompermayer ............................................................................ 05
Hospitalização e Cárcere
Paulo de Tasso Moura de Alexandria Junior .......................................................... 33
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APRESENTAÇÃO
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VIRGÍLIO C. DE O., CIDADÃO AOS 98 ANOS
Introdução
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O sub-registro de nascimento é definido pelo IBGE como o conjunto de
nascimentos não registrados no próprio ano de ocorrência ou até o fim do primeiro
trimestre do ano subsequente.
E o Sr. Virgílio C. de O., era um desses brasileiros sem nome, sem
documento. Homem simples, de vida rural, pai de família, conhecido em sua região.
Mas já em avançada idade, não possuía documentos da vida civil.
Em situações como essa cabe pensar de que maneira os direitos humanos e
fundamentais podem ser garantidos à pessoa. Pode-se então imaginar, de quantos
direitos o Sr. Virgílio Cachoeira de Oliveira foi privado ao longo do tempo, pela falta
do registro civil.
Partindo dessa História de Vida então, procedeu-se a uma reflexão do nome
enquanto direito humano-fundamental. E ainda sobre saídas, dadas pela própria
legislação vigente, por meio do exercício da Jurisdição, para que haja o
reconhecimento desse direito, ainda que tardiamente.
Esta é uma pesquisa qualitativa, que aqui se importa com questões de ordem
social e valorativa, às quais não se aplica a quantificação. Marconi e Lakatos (2010)
explicam que a abordagem qualitativa é a pesquisa que tem como objetivo analisar e
interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento
humano e ainda fornecendo análises mais detalhadas sobre as investigações,
atitudes e tendências de comportamento. Tem como foco os processos e os
significados.
Pela História de Vida do Sr. Virgílio C. de O., extraída de fontes documentais,
foi realizado um apanhado, partindo do relato do caso estampado no processo judicial
para autorização de registro de nascimento fora do prazo até a sentença que deu
provimento ao pleito.
Para realização do trabalho buscou-se o juiz da causa, Jean Fernandes
Barbosa de Castro, por meio do qual, se teve acesso a toda documentação que faz
parte do processo. Foi levantada ainda, bibliografia que desse suporte à análise do
ponto de vista conceitual.
A pesquisa preocupou-se com o indivíduo em foco, seu ambiente, relações
de parentesco e sociais. Tendo sido infrutífera a tentativa dos pesquisadores em
manter contato com o Sr. Virgílio Cachoeira de Oliveira e sua família, a investigação
limitou-se à trajetória de vida constante nos documentos que compõem o processo
judicial.
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Importante ressaltar que se trata de um processo judicial público, ao final do
qual foi feita a ressalva pelo julgador para que se procedesse a divulgação do fato em
virtude das peculiaridades únicas do caso.
Foram trazidos para a pesquisa dados descritivos, de forma que a situação
estudada, no caso o direito ao nome e a efetividade da tutela jurisdicional, possa ser
entendida por meio de uma trajetória de vida. Portanto, os dados vistos segundo o
ponto de vista do Sr. Virgílio C. de O. e das pessoas próximas a ele, são de suma
importância para a pesquisa. E esses pontos de vista foram extraídos a partir das
falas e relatos estampados nos autos.
O método de História de Vida evidencia o momento histórico e a dinâmica
das relações vividas pelo sujeito. Isso permitiu, partindo de um caso concreto, analisar
o grau de importância do direito ao nome, viabilizado nesta história, por meio de uma
decisão judicial efetiva.
A Trajetória de Vida
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Como filho, alega que sua data de nascimento é 02/08/1915, no povoado da
Ilha do Bananal. Como não há registro e as datas são imprecisas, o fato de neste ano
o Sr. Virgílio completar 100 anos de idade, se torna um grande mistério.
Sua trajetória demonstra uma peculiaridade: foi adotado por uma família
substituta que não providenciou a lavratura de seu registro de nascimento. Sobre
seus pais biológicos, a Sra. Maria C. de O. e Sr. Manoel C. de O., apesar de saber os
seus nomes, ele não os conheceu.
Esse é um padrão de comportamento de pessoas com as mesmas
características do Sr. Virgílio. Por não terem documentos que registram sua data de
nascimento, localidade, nome dos pais biológicos, possuem uma vida sem raízes na
sua árvore genealógica.
No caso do Sr. Virgílio, cujo nome dos pais é Maria e Manoel, ele poderia ter
criado nomes para tentar criar uma realidade para si ou, esta realidade artificial, foi
produzida pelos pais biológicos. De uma forma ou de outra, a falta de um documento
não proporciona aos indivíduos conhecer sua verdadeira realidade. Tudo que possui
de referência torna-se uma construção artificial para fazer do mundo um lugar seu.
Da mesma forma, a construção artificial de uma localidade, no povoado da
Ilha do Bananal, poderá ser uma tentativa de pertencer a um lugar.
Não há registros do povoado Ilha do Bananal na rede mundial de
computadores. Especula-se, então, que o local de nascimento do Sr. Virgílio é a
Fazenda Bananal no município de Aurora.
O Sr. Virgílio nunca frequentou a escola. A distância, o trabalho no campo e,
principalmente, a falta de documentos pessoais não permitiu ter acesso a esse direito.
Apesar de saber assinar o nome, de reconhecer algumas palavras, foi durante toda
uma vida, marginalizado por ser analfabeto.
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O termo “união estável” utilizado na Petição Inicial da Defensoria Pública,
tenta racionalizar o estado civil do Sr. Virgílio, já que, para uma declaração pública de
União Estável é necessária a apresentação de documentos pessoais.
O trabalho na terra garante o sustento da família, mas com poucos recursos,
o que não permite “juntar dinheiro suficiente” para fazer valer um direito: o acesso a
um documento pessoal.
Desse relacionamento nasceram 04 (quatro) filhos que não passaram pela
mesma trajetória do pai e vivem na zona urbana. Apesar de não acesso à educação
e a informação, durante anos se esforçaram para conseguir o seu registro de
nascimento.
Porém, seus filhos não possuem pai. No registro de nascimento dos filhos o
sobrenome de cada um deles não é acompanhado do sobrenome do pai.
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Nestes termos, deve o Estado tomar providências para assegurá-lo,
buscando garantir o que se nomeou de padrão mínimo de dignidade humana,
considerando que sem o registro civil é impossível inserir uma pessoa na sociedade
e, por consequente, como anteriormente mencionado, exercer sua cidadania.
Para dimensionar o direito à certidão de nascimento, importante salientar que
um dos mais importantes direitos fundamentais, como o direito à educação, só pode
ser exercido pela criança se esta portar o referido documento para ter direito a se
matricular em uma escola.
No Brasil, milhares de crianças não são registradas em seu primeiro ano de
vida e foi o que aconteceu com o Sr. Virgílio, cuja história de vida se constitui no objeto
do trabalho.
Ora, não é demais lembrar que todo ser humano tem direito ao registro de
nascimento, constituindo tal documento em condição sem a qual não se é possível a
qualquer pessoa exercer o direito à cidadania, especialmente, no que diz respeito ao
direito à personalidade, de modo que uma pessoa sem o registro de nascimento fica
à margem dos direitos sociais, como estudar, trabalhar com carteira assinada,
possibilitar ver seu nome no registro de seus filhos, enfim, existir como cidadão!
Interessante notar que o direito ao registro de nascimento e por consequente
à certidão nascimento encontra resguardo na Constituição Federal como um dos
direitos fundamentais, conforme se depreende do art. 5º, LXXVI, tanto que o registro
de nascimento é obrigatório.
Desta maneira, o registro de nascimento é o documento que determina a
existência do ser humano, tendo embasamento na Constituição Magna, destacando-
se entre eles a dignidade humana e a cidadania.
Ademais, nos termos do que preceitua o art. 1º do Código Civil a vida jurídica
se inicia com o nascimento, isto porque determina que toda pessoa é capaz de direitos
e deveres na ordem civil.
Por outro lado, o artigo 2º do mesmo diploma legal remete à individualização
necessária enquanto ente de direito, quando expressa a personalidade civil, da
mesma maneira que individualiza a concepção, como um ser, tanto que lhe preserva
os direitos do nascituro.
Neste sentido, imperioso notar que o mesmo texto legal leva a uma única
conclusão, somente o nascituro não tem um nome, tem uma qualidade que é a
nascituro.
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A personalidade precisa de um nome o qual o artigo 9º do mesmo Código
assegura-lhe de antemão o registro em Cartório de Registro Público. Vejamos:
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Ao observar-se que o registro de nascimento é um direito essencialmente
humano, verifica-se que a Constituição Federal, em seu art. 4°, inciso II, prevê que os
direitos humanos devem prevalecer sobre os demais.
Neste passo, observa-se que os direitos humanos devem prevalecer num
ambiente de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade
reconhecendo os princípios e direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
Portanto, infere-se que sem o registro, a pessoa natural não tem acesso aos
serviços sociais fundamentais para uma existência digna, vivendo em uma
permanente exclusão social.
Conclui-se, também, que não podem existir políticas públicas de qualquer
natureza, sem que em sua formulação existam a prevalência e as prerrogativas
conferidas aos Direitos Humanos como referencial obrigatório e, conclui-se, por óbvio
que os Direitos Humanos somente se materializam por meio de políticas públicas,
capazes de conferir satisfação ao pleno exercício da cidadania, garantindo o
cumprimento dos preceitos e normas fundamentais insculpidos na Constituição
Federal Brasileira bem como na Declaração de Direitos Humanos.
De tudo o que foi dito até o presente momento, chama a atenção o fato de
que é indubitável que a certidão de nascimento é seguramente um direito
fundamental, cuja terminologia nos traz o ideal de garantia de direito natural
constituindo-se no mínimo que deve ser observado em toda e qualquer sociedade.
Importa trazer a baila que, ao longo do tempo, com a constitucionalização dos
direitos fundamentais, o ser humano passou a ser o núcleo da titularidade dos direitos
constitucionais. Por tal motivo os direitos fundamentais são atualmente apontados
como centro de um ordenamento constitucional, reconhecidos inclusive como
cláusula pétrea na maioria das constituições, consubstanciando um núcleo
insuscetível de abolição pelo poder constituinte de reforma.
Ademais, considerados como direitos fundamentais, conferem ao seu titular
a possibilidade de exigir do Estado, uma ação ou omissão com a finalidade precípua
de preservação das dignidades, garantida na atual Constituição Brasileira de 1988,
no artigo 1.º, inciso III, como princípio fundamental: a dignidade da pessoa humana
que tem início como o nome: O direito ao nome.
Certidão de Nascimento Tardia e o Acesso À Justiça
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Da análise da história de vida em estudo, verifica-se que o registro ocorreu
de forma tardia. Ora, se a certidão de nascimento constitui-se numa consequência do
direito ao nome e da necessidade de individuação, ato contínuo é a forma legítima de
se exercer a cidadania plena ainda que de forma tardia.
O registro tardio é aquele que se dá pelo conjunto de nascimentos não
registrados no ano de ocorrência ou até o final do primeiro trimestre do ano
subsequente.
Esta ainda é uma triste realidade no Brasil, sendo comum nas regiões mais
pobres nas quais pessoas privadas de nome e de sobrenome são também privadas
ainda do exercício da cidadania.
Percebe-se que tal fato gera a exposição dessas pessoas a uma sobrevida
de fragilidades contribuindo para a desigualdade bem como exclusão social, ou seja,
ausência total de dignidade.
Logo, neste caso, pessoas que não tem o registro de nascimento podem
exigi-lo do Estado, firmadas no direito à dignidade garantida pela Carta Magna,
constituindo-se num direito equiparado ao direito à própria vida.
Observe que o Sr. Virgílio viveu sob o fosso social com um grande entrave no
registro civil, uma vez que se achava na linha da pobreza e por desinformação,
grandes obstáculos que só foram superados com o ajuizamento de ação judicial para
ver seu direito reconhecido.
Importante notar que a justiça, em razão do instituto da dignidade da pessoa
humana, não pode deixar de apreciar o pedido que a ele vem na maioria das vezes
nominado de "Ação de Registro de Nascimento Tardio" na certeza de que se tratar
de pedido fundamentado e não de fraude, não pode deixar de ser concedido.
O Processo Judicial
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2014, o Senhor Virgílio C. de O. não existia. Nunca possuiu conta em agência
bancária, nunca votou, nunca pode ser proprietário e nem sequer pode registrar os
próprios filhos.
Com o avançar da idade, tentou aposentar-se e foi impedido por não ter
qualquer documento que comprovasse a data, o local ou sequer sua ascendência. E
assim, pobre e sem instrução, buscou junto a Defensoria Pública do munícipio de
Aurora do Tocantins, a representação judicial a fim de ingressar com a ação.
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Na segunda audiência, em 26/03/2014, o Ministério Público se manifestou
pela procedência da petição inicial em todos os seus termos. Também foram ouvidas
duas testemunhas do autor bem como o próprio autor, que afirmou nunca ter sido
registrado.
Após os procedimentos judiciais o juiz emitiu a sentença deferindo o pedido
do autor.
A Sentença
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TO, nascido aos 02 dias do mês de agosto de 1915, sexo masculino, filho de Maria
C. de O. e Manoel C. de O..
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são várias tanto entre os membros do Poder Judiciário quanto entre os doutrinadores,
de forma que não cabe a esse trabalho apresentá-las.
A efetividade da tutela concedida no caso estudado é de fácil visualização e
comprovação. Isso porque a partir da sentença e concretizado mediante o Ofício nº
076/2014 (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TOCANTINS, 2014) do Cartório de Registro
Civil de Pessoas Naturais de Taguatinga, pode o Senhor Virgílio C. de O. dispor de
seus documentos pessoais.
O jurisdicionado ao buscar a tutela do Poder Judicial visa alcançar um seu
direito que entende desrespeitado ou violado e sobre o qual não foi possível chegar
a uma solução entre as partes. Na presente análise a violação não decorreu da ação
de uma terceira pessoa, ou seja, não se tratava de uma demanda contenciosa, mas
tão somente queria o autor ter acesso ao seu direito pleno de cidadão que por tanto
tempo lhe foi negado.
Ainda que pareça impossível aos olhos das pessoas “normais” um indivíduo
viver por quase 100 anos sem qualquer documento, esse fato existe sim e ainda,
principalmente nos rincões do Brasil rural, decorrente da falta de instrução aliada a
falta de recursos financeiros. Mas o caso é singular em razão da situação ter se
postergando por tanto tempo, quando em geral o fato da falta de registro de
nascimento ocorre na infância e não na vida adulta.
Considerações Finais
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Já em avançada idade, o sujeito em análise encontrava-se em dificuldade
para aposentar-se, devido ao fato de não possuir registro de nascimento. E quantas
outras não foram as privações que sofreu? É pai de fato, mas não registrou nenhum
de seus quatro filhos; é marido, mas não se casou com sua esposa; não estudou; não
possui propriedade em seu nome.
Ora, para que tenha seus direitos amplamente reconhecidos, não basta ao
homem ter nascido. Preciso é, que como atributo da personalidade, haja registro civil
do nascimento em cartório. E como bem fundamentou o juiz da ação movida pelo Sr.
Virgílio, reconhecer o direito ao registro, constitui verdadeiro respeito à dignidade da
pessoa humana.
Sabe-se que o nome apresenta um caráter público. Afinal, interessa ao
Estado a identificação dos indivíduos. No entanto, o estudo foi voltado principalmente
para o aspecto privado, do nome enquanto uma garantia que permite à pessoa o
exercício aos direitos e até mesmo o cumprimento de deveres, podendo assim,
alcançar o patamar de cidadão.
Não há como ser considerado cidadão se não se pode participar da vida
política, se não se pode exercer direitos fundamentais. E sem o registro civil, isso é
uma realidade.
Embora o Sr. Virgílio não tivesse o registro, fato é que era uma pessoa, que
inclusive exercia direitos. Todavia, impedido estava de exercer a cidadania de
maneira ampla, afinal, estava privado de inúmeros direitos em decorrência da falta de
registro civil, o que por certo, viola a dignidade do homem. Portanto, o direito ao nome,
é direito humano e fundamental.
O caso em foco trata-se de um reconhecimento tardio, operado via judicial.
Diante dos fatos e depoimentos, o que se viu por meio do provimento judicial dado na
sentença, foi o reconhecimento devido, a um homem que por quase um século foi um
anônimo para os atos da vida civil.
O que se tutelou não foi apenas o direito ao nome, mas à pessoa e à sua
dignidade. Além de ser a representação da pessoa humana, o nome é direito de
cidadania, expressão primeira da personalidade, que habilita a pessoa a ser titular de
direitos e obrigações.
De muito pouco valem tantos direitos humanos consagrados, se o direito ao
nome é negado. Portanto, a desburocratização e a eficácia de decisões judiciais como
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a aqui estampada, em que pese, ser uma medida tardia, que aponta para a
necessidade de políticas públicas anteriores, promove, sem dúvida, justiça social.
Nessa História de Vida, relatada num processo, constata-se mais que a
concretização de uma obrigação de interesse social, que é a identificação de uma
pessoa. Vislumbra-se uma decisão judicial efetiva e necessária, que fez nascer, aos
98 anos, um cidadão.
Referências
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva,
2007.
FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. Porto Alegre: Fabris, 1996.
20
origem=processo_consulta_nome_parte_publica&acao_retorno=processo_consulta
_nome_parte_publica&num_processo=50006535120138272711&num_chave=&has
h=5d66c5ca50d74886b53b99364e15bea1&num_chave_documento=>. Acesso em:
23 ago. 2015.
21
DIVÓRCIO SEM FILHOS INCAPAZES E SEM BENS A PARTILHAR:
NECESSIDADE DE AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA?
Introdução
22
Contextualização Histórica do Divórcio no Brasil
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Da redação supra, observa-se nítida redução do prazo para a obtenção do
divórcio, bem como a impossibilidade de discussão de culpa em sua seara; tudo no
sentido de facilitar a dissolução do matrimônio, cujo único requerido passa ser o
cumprimento do lapso temporal.
Nessa esteira, a Lei n° 7.841, de 04 de janeiro de 1989, revogou o artigo 38
da Lei nº 6.515/1977, que restringia o pedido de divórcio a uma possibilidade por
pessoa, em clara violação da liberdade daqueles que apesar de não divorciados
casavam-se com outrem que já o era e por isso não poderiam posteriormente
dissolver o vínculo matrimonial.
Com a virada do século, o aumento no número de divórcios, da redução da
natalidade e também das núpcias, observa-se a vida familiar oriunda de
recombinações ou até mesmo de modalidades outras, a exemplo do casal com ou
sem prole, das uniões informais ou advindas de segunda/terceira núpcias (ou até
mais) através do casamento ou da coabitação com intuito de constituir uma nova
família (recompostas) num verdadeiro retrato genérico, como bem explica Anália
Torres, Rita Mendes e Tiago Lapa:
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do divórcio. Ao assim fazê-lo, o legislador retirou qualquer óbice temporal ao divórcio
que desde então se tornou um direito potestativo, não condicionado, daquele que
almeja romper o vínculo matrimonial.
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cuja solução consensual dos conflitos deverá ser priorizada em especial pelo
emprego de mecanismos como a mediação e a conciliação.
Ocorre que poderá o objeto cognitivo da ação de divórcio restringir-se tão
somente à dissolução do matrimônio sem a cumulação de outras questões no pedido
inicial. Assim, caso o autor ingresse unicamente com o pleito de divórcio sem requerer
eventual partilha de bens ou guarda, visitação e alimentos para a prole comum ou até
mesmo para si, não será necessária a designação de audiência de conciliação em
virtude do restrito objeto cognitivo pleiteado.
Nessa linha de raciocínio, considerando que a contestação não amplia os
limites objetivos da lide, deverá o juiz decidir somente acerca dos pedidos formulados
pelo autor mediante julgamento antecipado do mérito com a finalidade de conceder o
divórcio almejado por aquele. Cristiano Chaves (2012, p. 14), a respeito do assunto,
esclarece que:
27
O art. 1581 disciplinou expressamente a desnecessidade da prévia partilha
de bens como condição para a concessão do divórcio. Isso porque a visão
contemporânea do fenômeno familiar reconhece a importância das ações
relacionadas ao estado civil das pessoas, como direitos de personalidade, a
partir da proteção integral à dignidade da pessoa humana. Portanto, o estado
civil de cada pessoa deve refletir sua realidade afetiva, desprendendo-se
cada vez mais de formalidades e valores essencialmente patrimoniais. Estes,
por sua vez, não ficam desprotegidos ou desprezados, devendo ser tratados
em sede própria, por meio de ações autônomas. (STJ, Informativo Nº: 0518,
p. 6).
A novel figura passa ser voltada para o futuro. Passa a ter vez no Direito de
Família a figura da intervenção mínima do Estado, como deve ser. Vale
relembrar que, na ação de divórcio consensual direto, não há causa de pedir,
inexiste necessidade de os autores declinarem o fundamento do pedido,
cuidando-se de simples exercício de um direito potestativo. (STJ, Informativo
Nº: 0558, p. 7).
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louvável ponderar que a dissolução do vínculo conjugal trata-se de um direito
potestativo, sobre o qual não recai qualquer discussão, ou seja, por ser incontroverso,
resta à outra parte apenas aceitá-lo, sujeitando-se ao seu exercício.
Considerações Finais
Referências
______. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Publicada no DOU
em 11.01.2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 18 mai. 2016.
30
______. Código de Processo Civil (1973). Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Publicada no DOU em 17.01.1973. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm> Acesso em: 18 mai. 2016.
______, Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº: 0518. Disponível em: <
www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0518.rtf>. Acesso em 20.05.2016.
______, Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº: 0558. Disponível em: <
www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0558.rtf>. Acesso em 20.05.2016.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. rev.,
ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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FARIAS, Cristiano Chaves de. A nova ação de divórcio e a resolução parcial e
imediata de mérito: concessão imediata do divórcio e continuidade do procedimento
para os demais pedidos cumulados. In.: Revista Brasileira de Direito das Famílias e
Sucessões. Porto Alegre, v. 14, n. 27, p. 5-16, abr. 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Escritos de direito de famílias. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. São Paulo:
Saraiva, 2010.
TORRES, Anália; MENDES, Rita; LAPA, Tiago. Família e trabalho na Europa. In.:
ARAÚJO, Carla; PICANÇO, Felícia; SCALON, Celi. (Org.). Novas conciliações e
antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada. Bauru:
Edusc, 2007. p. 133 - 189.
32
HOSPITALIZAÇÃO E CÁRCERE
Introdução
33
espaço vital não é mais algo que dependa do seu processo de escolha. Seus hábitos
anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização”.
(ANGERAMI,1995).
Tais mudanças, junto ao modus operandi do ser, desperta emoções que não
fazem parte dos projetos existenciais da grande maioria das pessoas, funcionam
como algo aversivo, a que o indivíduo tenta a todo momento livrar-se.
Nos casos de doenças crônicas e degenerativas, o caráter é ainda mais
abusivo, dor, desalento, falta de perspectiva, interferências em planos futuros,
inseguranças, incertezas etc. montam o cenário do desequilíbrio humano.
A doença renal crônica figura neste interim, trazendo uma série de
modificações Bio, psíco, sócio, emocionais e que interferem de forma significativa na
qualidade de vida do indivíduo.
A aceitação da nova condição de vida, não se dá de forma tão simples, a
ligação a um tratamento que denota dependência, acarreta processos psíquicos
extremos, com alto poder de tensão e dificuldades de aceitação.
“Dependência com relação à máquina, aos profissionais de saúde, aos
familiares...decorrentes do tratamento”. (SANTOS, 2011).
Atualmente no Brasil e no mundo, a incidência da Doença Renal Crônica é
cada vez mais alarmante, o número de pessoas com diagnóstico da doença, é
enorme e beira o status de pandemia.
As dificuldades de adequação comportamental e emocional, surgem como
fatores de grande relevância junto à evolução da piora ou melhora da condição de
saúde-doença destas pessoas. Segundo Santos (2001), a doença renal crônica, não
importando a fase que se diagnostique, fase pré-dialítica, terapias de substituição –
hemodiálise, diálise peritoneal e transplante – acabam por desencadear uma série de
consequências que vão muito além da perda da função do rim. Ou seja, o psicólogo
se torna peça chave no acompanhamento devido as diversas mudanças. Sejam,
corporais, psíquicas e/ou sociais
A doença crônica em si, exige que o tratamento seja permanente e sob esta
perspectiva, acaba por gerar situações de grande alteração de cunho emocional ao
paciente, necessitando de grandes adaptações psíquicas para lidar com tal mazela.
Fatores complicadores de vida, tais como: Afastamento das atividades
laborativas, mudanças no estilo de vida, diminuição da energia física, mudança do
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cardápio alimentar, afastamento do convívio familiar, modificação de rotinas que lhes
são peculiares etc. dão a tônica desta realidade.
Cabe lembrar que o acometimento por uma doença com tais características,
incide em incapacidades frente à vida adulta, tais questões são relacionadas a
sentimentos de deterioração, incompetência, impotência, necessidade de ajuda e
aumento da necessidade de assistência.
Quando o indivíduo se encontra internado, tais dificuldades são ainda
maiores, tomam um caráter de exacerbação das características supracitadas e as
complicações emocionais decorrentes deste processo de cisão com a realidade, vem
à tona com toda força.
O Processo de Hospitalização
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Direito à saúde de qualidade, Direito humano básico de ir e vir, Direito de
escolha, Direito à vida etc. são questões que se encontram impregnadas neste
contexto, questões que teoricamente, deveriam ser dotadas de pleno respeito e
usualidade. Contudo, não é o que se percebe.
O vilipêndio dos direitos se faz manifesto neste ponto, promover saúde diante
de tal situação, apresenta complexidade tal, que vai além de qualquer boa formação
profissional existente, mesmo entre os profissionais mais renomados e com grande
potencial técnico e humano, se veem desestruturados diante deste famigerado
quadro.
O paciente, tem seus direitos constitucionais mais basais, ligados à uma
lógica perversa em que, ao mesmo tempo que busca promover o mínimo de cuidado
com sua saúde “mantendo-o vivo”, “aprisiona-o” em uma instituição, onde o mesmo
é “impedido de sair”, com limitações em seus direitos de escolha, com espaços que
limitam seu ir e vir, como se comparado a um animal enjaulado.
Como se não bastasse o aprisionamento à própria doença, à cronicidade da
mesma e todas as suas conotações de grande mal, com o qual, o mesmo terá que
conviver para o resto de sua vida, o sujeito se vê diante de um quadro, onde não pode
voltar sequer para sua casa, mesmo que essa casa fique a poucos metros do hospital.
O sistema de saúde em sua condição nefasta, responsabiliza o indivíduo caso
este opte pela saída do ambiente institucional sem que seu problema “seja resolvido”.
Uma outra opção, é encaminhá-lo para outra unidade, fora do estado, abandonando
toda sua construção histórica de sujeito, “em nome de uma saúde”, mas que saúde é
esta, que insere no indivíduo condições de insegurança, abandono, temor, tristeza
distanciamento etc.
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A psicanálise aponta os perigos do esmagamento da singularidade do sujeito,
decorrentes da “tendência totalitária à alienação” do discurso capitalista (PACHECO
FILHO, 2009).
É comum, ouvir discursos de pacientes extremamente tristes, verdadeiros
gritos de socorro, sem perspectivas de mudança, lamúrias, choros contidos e
manifestos, familiares perdidos, sem saber a quem recorrer, “é uma prisão sem tempo
para sair”, sem indultos, sem sistema semiaberto, onde a maior sentença pode ser a
própria morte.
Aqui usarei a expressão contexto social para designar o conjunto total de
fatores do ambiente humano que influem sobre o comportamento do paciente:
história, cultura, religião, economia, política, meios de comunicação...a interação
indivíduo contexto, é aspecto básico da vida em geral, tanto na saúde quanto na
doença. A todo instante, o contexto social reage sobre o paciente que reage sobre o
contexto social, num constante natural e inevitável. (RIECHELMANN, J. 2000).
É neste sentido, que busca-se compreender, o sofrimento humano diante
deste atual cenário da saúde no Brasil, mais propriamente no estado do Tocantins,
trazendo discussões importantes acerca da eficácia do tratamento e as alternativas
disponibilizadas pelo sistema de saúde frente às características humanas em
condição de adoecimento crônico. Bem como, da perda dos direitos essenciais.
Considerações Finais
Referências
LISBOA, Teresinha Covas – Breve história dos hospitais (Da antiguidade à idade
contemporânea) – Teresinha Covas Lisboa – Encarte especial da revista notícias
hospitalares, junho/julho, Pró Saúde, 2002.
TIMI, Jorge R. Ribas. Direitos do Paciente / Editora Revinter, Rio de Janeiro, 2005.
39
GUARDA COMPARTILHADA SOB A PERSPECTIVA DA PRESERVAÇÃO DO
MELHOR INTERESSE DO MENOR DIANTE DA LEI N° 13.058/2014
Introdução
40
Deste modo, a pesquisa acerca do tema é relevante, pois visa evidenciar o
valor, bem como a necessidade da concessão da guarda compartilhada, desde que
observados alguns requisitos não descritos em lei, mas que são imprescindíveis para
que esta modalidade de guarda seja satisfatória, como se verá adiante.
Outro fator relevante que impulsionou a pesquisa foi a construção de uma
análise crítica quanto à aplicabilidade da nova legislação enquanto uma imposição
legal, mesmo quando presente litígio entre os pais, bem como demonstrar a guarda
compartilhada sob a perspectiva da Lei nº 13.058/2014, destacando as vantagens e
desvantagens à luz do princípio do melhor interesse do menor.
Logo, tem-se como objetivo geral, expor a importância da guarda
compartilhada e analisar a sua efetividade enquanto uma imposição legal. Com
relação aos objetivos específicos busca-se evidenciar a importância da preservação
do melhor interesse do menor; caracterizar a guarda compartilhada; e apontar os
principais aspectos da Lei nº 13.058/2014.
Para a aferição deste artigo, utilizou-se o método Dedutivo, onde através de
legislações e pesquisas bibliográficas buscou-se alcançar conclusões gerais, tendo
em vista que o método em questão parte de premissas gerais para alçar casos
específicos.
Também como métodos de abordagens foram utilizadas análises
jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais de Justiça dos Estados,
que visam exemplificar a relação dos meios judiciais na garantia dos interesses do
menor.
Sendo assim, tratou-se da guarda compartilhada como objeto de pesquisa a
luz da Lei nº 13.058/2014, expondo-se as novidades e tratando de sua aplicabilidade.
Do Poder Familiar
41
âmbito familiar menos poderes e mais deveres, deixando de ser atribuição apenas do
pai, e passando a compreender também a figura materna.
Segundo Dias (2011, p. 425), o poder familiar não pode ser objeto de
renúncia, transferência ou alienação. E tem efetividade em todas as formas de
paternidade, seja legal, natural ou ainda sócio afetiva.
Logo, acerca do poder familiar cumpre ressaltar que é dever dos pais exercê-
lo, e ainda que assim não o façam não há decadência, somente perdendo-o nos casos
previstos em lei.
Observa-se que o poder familiar é abordado principalmente em três
legislações, quais sejam: Código Civil de 2002, Constituição Federal de 1988 e
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).
No tocante à Constituição Federal de 1988, tem-se que a titularidade dos pais,
quanto ao exercício do poder familiar, é do homem e a mulher quando aptos, em
igualdade de direitos e deveres, em conformidade com o artigo 226, § 5º (parágrafo
quinto).
Em respaldo ao texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/1990) preceitua também sobre a igualdade quanto à titularidade, devendo
o poder familiar ser exercido conforme a legislação civil. Assegura ainda o direito de
recorrer à autoridade judiciária competente, em caso de discordância entre os
genitores, para que a divergência seja de fato solucionada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 22, alude sobre
a responsabilidade dos pais, em relação aos deveres de sustento, guarda e educação
dos filhos enquanto menores.
Partindo-se para o que reza o Código Civil de 2002, este também versa sobre
o poder familiar, conferindo completa igualdade entre os pais, corroborando assim
com a Constituição Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei. 8.069/1990).
O Código Civil de 2002 traz em seu bojo uma série de esclarecimentos
específicos, tais como, o poder familiar em caso de morte de um dos pais, situação
na qual tal poder passa a ser exercido exclusivamente pelo genitor sobrevivente. No
que compete ao divórcio, separação judicial e união estável, o poder familiar continua
a ser exercido por ambos os genitores, pois não deve sofrer modificações relativas
aos direitos e deveres dos pais para com os filhos, salvo disposição em contrário.
42
Quanto aos filhos havidos fora do casamento, para que sejam submetidos ao
poder familiar, devem ser reconhecidos. Caso não haja o reconhecimento por parte
do pai, ficarão apenas sob o poder familiar da mãe. E não tendo esta capacidade de
exercê-lo, será designado tutor ao menor.
Para Gonçalves (2010, p. 396), o poder familiar consiste na atribuição dos
pais, de direitos e deveres concernentes aos filhos menores e seus bens.
A partir da análise do artigo 1.634 do Código Civil, consolidado no Capítulo
V, que trata do poder familiar, e mais especificamente na Seção II, que aborda o
exercício do poder familiar, é possível verificar através de uma noção preliminar os
deveres dos pais em relação aos filhos.
De acordo com a legislação, os pais tem o dever de dirigir aos filhos criação
e educação, tendo a prole em sua companhia e guarda, conceder ou negar
consentimento para casarem, nomear por meio de testamento ou documento
autêntico um tutor, se um dos pais não lhes sobreviver, ou o que sobreviver não puder
exercer o poder familiar.
É ainda um dever dos pais a representação dos filhos, até aos dezesseis
anos, nos atos da vida civil, bem como assisti-los, após esta idade, quando forem
partes, suprindo-lhes o consentimento, reclamar os filhos de quem os detenha
ilegalmente e exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição.
Deste modo, apontadas brevemente as características e peculiaridades
atinentes ao poder familiar, é pertinente aduzir sobre suas causas de suspensão,
destituição e extinção.
Da Guarda
44
O referido princípio é considerado como base para a definição da modalidade
de guarda adequada de acordo com o caso concreto, com o propósito de garantir ao
menor que os seus interesses e bem estar sejam priorizados.
É conhecido historicamente que o pátrio poder era conferido à figura do
homem, e que cabia à mulher somente os cuidados dos filhos, tendo em vista sua
afetividade e desenvoltura nas funções concernentes à maternidade. E quando da
separação do casal, em razão de tais atribuições, os filhos ficavam com a mãe.
No âmbito legislativo estes critérios foram modificados com o advento do
Código Civil de 1916, e segundo Dias (2013, p. 450), a guarda era convencionada a
partir do reconhecimento do cônjuge culpado pela separação. Ou seja, a lei trazia a
ideia de que o merecedor da guarda dos filhos seria aquele que não tinha dado causa
ao desquite, isto é, o cônjuge considerado inocente. E se os dois fossem culpados, a
mãe teria direito à guarda do filho.
Neste sentido, é claramente perceptível que neste momento histórico, os
interesses dos filhos eram esquecidos, buscando-se somente o conservadorismo em
relação ao casal.
A partir de então novas leis entraram em vigor, tal como a Constituição
Federal de 1988, que consagrou direitos iguais a homens e mulheres, o Código Civil
de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que passam a priorizar e
proteger os filhos, ao introduzir o princípio do melhor interesse.
O artigo 33, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aduz que
a guarda acarreta prestações de natureza educacional, moral e de assistência
material.
Para Dias (2013, p.451), guarda de filho implica no pensamento imediato de
separação dos genitores. Todavia, o fim de um relacionamento não pode afetar a vida
do menor, não devendo haver ruptura dos direitos parentais. Isto é, compete aos pais
a responsabilidade do exercício do poder familiar, bem como da guarda, durante o
casamento e também quando da dissolução deste.
Neste viés, mesmo que haja separação dos pais, em decorrência do princípio
do melhor interesse da criança, esta não pode ser prejudicada, pois a convivência
saudável com ambos os genitores é de extrema importância, não devendo a ruptura
familiar comprometer a relação parental, dado que os filhos são os mais vulneráveis
em uma situação de conflito.
45
Modalidades de Guarda no Código Civil
O Código Civil, em seu artigo 1.583, atenta para duas modalidades de guarda,
sendo estas, unilateral e compartilhada.
Para Monteiro e Silva (2012, p. 387), a guarda unilateral dá-se quando apenas
um dos pais exerce-a, encarregando-se de todas as decisões referente ao filho,
enquanto o outro apenas tem direito de visitas, supervisão e fiscalização.
A modalidade de guarda unilateral por muito tempo foi a mais usual, composta
pela figura do genitor guardião e do genitor não guardião, que consoante Dias (2013,
p.458) a este deve-se estabelecer o direito de visitas, visto que os interesses da
criança devem ser preservados, sendo a convivência familiar indispensável para o
seu desenvolvimento sadio.
Deve-se observar que a guarda unilateral já não é mais a ideal, pois a criança
passa a conviver efetivamente apenas com o genitor guardião, sendo que as figuras
materna e paterna são essenciais e complementares e que apenas visitas de um dos
pais não é suficiente para a precípua criação dos filhos.
A outra modalidade de guarda presente no nosso ordenamento jurídico é a
denominada guarda compartilhada, exercida conjuntamente por ambos os genitores.
Atualmente esta espécie de guarda tem ganhado cada vez mais espaço com
a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, que passa a trazer este instituto como
regra, em caso de dissolução conjugal.
Diante de tais modalidades expressas no Código Civil de 2002, e suas
peculiaridades, o princípio do melhor interesse da criança deve ser observado e
evidenciado, para garantir aos filhos um desenvolvimento pleno e saudável no seio
da convivência familiar.
46
do sistema normativo, no que lhe confere a tônica de lhe dá sentido
harmônico.
47
Nesta perspectiva, Strenger (2006, p. 62), aduz que o melhor interesse do
menor compreende parâmetros que garantam desenvolvimento moral, educacional e
uma vida saudável.
Versar sobre guarda de filhos quando da dissolução conjugal exige que os
pais priorizem os interesses do menor, assegurando-lhe um desenvolvimento pleno,
pois é neste momento em que este encontra-se mais fragilizado e necessitado de
atenção.
Destarte, o princípio do melhor interesse do menor deve sempre ser levado
em consideração diante de todas as situações em que o menor esteja envolvido, para
que a sua formação moral, psíquica e social não reste prejudicada, devendo nortear
o magistrado sobre o que é mais vantajoso.
Da Guarda Compartilhada
49
Entretanto, mister salientar que acertada é a deliberação de inaplicabilidade
da guarda compartilhada quando um dos genitores declarar que não deseja a guarda
do filho, pois assim haverá a preservação do menor.
É importante ressaltar que a imposição legal da guarda compartilhada não
fará com que os genitores mudem os seus hábitos, passem a se respeitar
mutuamente e fazer as concessões necessárias ao bom funcionamento desta
modalidade de guarda. O que pode ocorrer é o aumento do clima de animosidade
entre os genitores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a guarda compartilhada é
o ideal para garantir o melhor interesse do menor.
O entendimento da Corte é o mesmo trazido pela Lei nº 13.058/2014,
colocando a guarda compartilhada como regra, mesmo quando há ausência de
consenso entre os pais, considerando-a uma medida necessária para a implantação
desta modalidade de guarda, quebrando assim a monoparentalidade na criação dos
filhos.
Diante do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, tem-se, o Recurso
Especial 1428596/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 03
de junho de 2014:
50
6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física
conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1428596/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 03/06/2014, DJe 25/06/2014).
51
pode ser alterada a qualquer momento, através de uma nova ação, na qual será
requerida a revisão de guarda, sob o fundamento da Lei nº 13.058/2014.
Outra inovação da nova legislação está na possibilidade concernente aos
genitores, de supervisionar os interesses dos filhos, por intermédio de informações
e/ou prestações de contas.
É valido ressaltar que a legislação trouxe em seu rol regras que abrangem
estabelecimentos tanto públicos como privados, estabelecendo a obrigação de
prestação de informações referentes aos filhos a qualquer um dos genitores, sem
distinção, sob pena de incorrer em multa diária, podendo variar de R$ 200,00
(duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais).
Assim, a guarda compartilhada trazida pela Lei nº 13.058/2014 deve ser
entendida como a responsabilidade dos pais, que em razão da dissolução do
casamento, não vivem sob o mesmo teto, mas compartilham o exercício de direitos e
deveres em relação aos filhos em comum.
Considerações Finais
53
este utilizado na busca de uma vida plena e saudável daqueles que enfrentam a
separação dos pais.
Diante das duas modalidades de guarda do Código Civil, sendo estas,
unilateral e compartilhada, percebe-se que a guarda compartilhada melhor ampara os
interesses do menor, pois garante a presença constante dos genitores no seu dia-a-
dia. Porém, as particularidades de cada caso devem ser respeitadas, pois existem
realidades diversas.
A Lei nº 13.058/2014 configura uma importante evolução na atribuição e
divisão de responsabilidades e direitos entre os genitores para com o menor, porém,
ao ostentar caráter impositivo mesmo quando não haja consenso entre os pais, traz
embaraços quanto à sua aplicabilidade, pois para que o compartilhamento da guarda
tenha efetividade, exige-se uma comunicação boa, ativa e respeitosa entre os
genitores.
Não há dúvidas de que a guarda compartilhada é uma grande aliada na busca
do melhor interesse do menor, mostrando-se oportunamente como uma hipótese
onde o menor encontra referencias maternas e paternas, devendo assim ser
incentivada, e não imposta.
Observa-se que diante dos posicionamentos jurisprudenciais apontados no
texto, o julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é mais adequado pois
melhor atende os interesses do menor diante de uma situação conflituosa entre os
genitores, além de evidenciar que a aplicabilidade da Lei nº 13.058/2014 deve
observar tanto princípios constitucionais como o referido princípio do melhor interesse
do menor.
Apesar dos avanços da sociedade brasileira, é indispensável uma mudança
cultural, para chegar ao entendimento do quão importante é a presença de ambos os
pais para o desenvolvimento sadio de uma criança, devendo deixar de lado quaisquer
diferenças provenientes da ruptura conjugal, mantendo uma relação amigável ou ao
menos de respeito, a fim de garantir uma boa convivência e dar efetividade ao instituto
processual, denominado guarda compartilhada.
Assim, pode-se impelir ao final uma reflexão, que na busca pela efetividade
da guarda compartilhada, sob a perspectiva da preservação do melhor interesse do
menor, a garantia de sua plenitude é um grande desafio, devendo ser assegurada
sempre que viável, respeitando o que é benéfico para o menor.
54
Referências
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil. Presidência da República. 95º da Independência e 25º da República.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 05
nov. 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais, 2011.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. ver., atual e ampl. São
Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013.
55
FARGETTI, João Roberto. Comentários sobre a guarda compartilhada e sua
regulamentação pela Lei nº 13.058/2014. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/36364/comentarios-sobre-a-guarda-compartilhada-e-sua-
regulamentacao-pela-lei-n-13-058-2014>. Acesso em 17 nov. 2015.
GONTIJO, Juliana. Família, guarda, poder familiar e bens dos filhos. Disponível em:
<http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/paginas/Material%20didatico/Familia%20-
%20guarda%20-%20poder%20familiar%20-%20bens%20dos%20filhos.pdf>.
Acesso em: 10 nov. 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. São
Paulo. Malheiros, 2004.
STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda dos filhos. 2ª ed. ver. E atual. São
Paulo. DPJ Editora, 2006.
56
57
SEGURADO ESPECIAL: UMA FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL
PREVIDENCIÁRIA
Daise Alves
Daniel Angulo Vilarinho
Introdução
58
Previdência Social Rural e sua Evolução
59
invalidez, por velhice e pensão por morte na importância de trinta por cento do salário
mínimo, além de direito a auxílio-funeral.
A Constituição de 1988 equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos aos
rurais, no artigo 7º, caput, sendo regulamentados os direitos três anos mais tarde pela
Lei 8.213 de 24.07.1991.
Importante observar que até a entrada em vigor da Lei 8.213 de 1991 não era
exigida contribuição do trabalhador rural para o custeio do Programa de Assistência
ao Trabalhador Rural- PRORURAL, mantido pelo Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural- FUNRURAL.
60
...apenas uma parte da luta contra os cinco gigantes do mal: contra a miséria
física, que o interessa diretamente; contra a doença, que é, muitas vezes,
causadora da miséria e que produz ainda muitos males; contra a ignorância,
que nenhuma democracia pode tolerar nos seus cidadãos; contra a
imundície, que decorre principalmente da distribuição irracional das
indústrias e da população; e contra a ociosidade, que destrói a riqueza e
corrompe os homens, estejam eles bem ou mal nutridos. Mostrando que a
seguridade, pode combinar-se com a liberdade, a iniciativa e a
responsabilidade do indivíduo pela sua própria vida.
61
A constituinte de 1988 garantiu, sendo considerado um avanço, que nenhum
benefício que substituir renda do trabalhar seja pago em valor inferior ao salário
mínimo. Corrigindo a distorção dos benefícios rurais de aposentadoria e pensão por
morte, afastando a injustiça até então existente.
Outro direito foi o de garantir a contribuição do produtor, parceiro, meeiro,
arrendatário rurais, garimpeiro, pescador artesanal e seus respectivos cônjuges,
sobre o resultado da produção no artigo 195, §8º e, por fim, a redução da idade para
o trabalhador campesino, artigo 201, §7º, inciso I, todos da CF.
A aplicação desses direitos pela constituinte veio amparar a população rural,
pois dos 42 milhões de contribuintes do Regime Geral de Previdência, 7,2 milhões
são segurados especiais e 28,9 milhões não são contribuintes, em que na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios- PNDA essas pessoas se autodeclaram não
contribuintes e inclui-se na estatística os 525.393 desprotegidos com rendimento
ignorado. Sendo 1,1 milhão de beneficiários e 27,8 milhões socialmente
desprotegidos ( destes 13,2 milhões contam com valor menor que 1 Salário Mínimo
e 14,1 milhões igual ou maior que 1 Salário Mínimo )1(Panorama da proteção social
da população ocupada (de 16 a 59 anos) – 2009,( inclusive da área rural da Região
Norte), Fonte: Micro dados PNAD 2009, Elaboração: SPS/MPS.
A pesquisa aponta o quanto o país tem que avançar para amparar e incluir
pelo sistema previdenciário os 27,8 milhões de brasileiros socialmente desprotegidos.
Verifica-se que, mesmo com as conquistas sociais dos trabalhadores do
campo, ainda há uma taxa de urbanização alta: nos anos 60, o Brasil ainda era um
país agrícola, com uma taxa de urbanização de apenas 44,7%; em 1980, 67,6% do
total da população já vivia em cidades; entre 1991 e 1996, houve um acréscimo de
12,1 milhões de habitantes urbanos, o que se reflete na elevada taxa de urbanização
(78,4%). (Contagem da População, 1996. Rio de Janeiro:IBGE, 1997.v.1:Resultados
relativos a Sexo da População e Situação da Unidade Domiciliar.p.23, tabela 6)
(http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresmini
mos/notasindicadores.shtm) acesso em 11.07.2014.)
62
Princípio da Igualdade
63
previdência em qualquer trabalho, na população de 15 anos ou mais de idade,
ocupada na semana de referência, por sexo, segundo as Unidades da
Federação - 2011-2012).
ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_
Domicilios_anual/2012/tabelas_pdf/sintese_ind_4_1_22.pdf) acesso em 11.07.2014
Segurado Especial
64
Os segurados são pessoas físicas, divididos em duas categorias: obrigatórios
e facultativos. Por esta classificação, os segurados obrigatórios são os que exercem
atividade remunerada: empregados, trabalhadores avulsos, empregados domésticos,
contribuintes individuais e segurados especiais. Os segurados facultativos, por
exclusão, se filiam ao sistema voluntariamente.
Os trabalhadores que exercem atividade rural foram enquadrados nas
seguintes categorias: empregado, contribuinte individual (safrista, volante, eventual,
temporário ou “boia-fria), trabalhador avulso (ensacadores de café e cacau) e
segurado especial, levando-se em conta a forma do exercício de atividade rural.
É considerado segurado especial o trabalhador rural, residente em imóvel
rural ou em um aglomerado urbano ou rural próximo a ele, e exerça atividade rural
individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual
de terceiros, a título de mútua colaboração, definido pelo artigo 11, inciso VII da Lei
8.213/91.
O segurado especial é uma espécie de trabalhador rural sendo produtor
proprietário ou não. A legislação ainda enquadra o pescador artesanal e índio como
equiparados a segurado especial.
O produtor rural, proprietário ou não, pode ser o usufrutuário, possuidor,
assentado, parceiro ou meeiro outorgado, comodatário ou arrendatário rurais, e deve
explorar a atividade agropecuária em área de terra de até 4 (quatro) módulos fiscais;
ou ser seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do
inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas
atividades o principal meio de vida.
O índio deve estar em vias de integração ou não integrado, para isso o seu
enquadramento como segurado especial independentemente do local onde resida ou
exerça suas atividades, devendo a FUNAI atestar o reconhecimento do exercício de
atividade rural em regime de economia familiar.
O Pescador artesanal ou assemelhado é aquele que, individualmente ou em
regime de economia familiar, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de
vida, desde que: a) não utilize embarcação; b) utilize embarcação de até seis
toneladas de arqueação bruta, ainda que com auxílio de parceiro; c) na condição
exclusiva de parceiro outorgado, utilize embarcação de até dez toneladas de
arqueação bruta.
65
É assemelhado a pescador artesanal aquele que, sem utilizar embarcação
pesqueira, exerce atividade de captura ou extração de elementos animais ou
vegetais, que tenham na água seu meio normal ou mais frequente de vida, na beira
do mar, no rio ou na lagoa. Exemplos: mariscador; caranguejeiro; eviscerador
(limpador de pescado); observador de cardumes; pescador de tartarugas; catador de
algas.
O garimpeiro foi considerado segurado especial no período de 25 de janeiro
de 1991 a 06 de janeiro de 1992 (Lei nº 8.213/91), passando a ser considerado
contribuinte individual a partir de 07 de janeiro de 1992 (Leis nº 8.398/92 e 9.876/99).
Considera-se garimpeiro aquele segurado que exerceu atividade de extração mineral,
em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos,
com ou sem auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma
não contínua.
A principal característica do segurado especial é o regime de economia
familiar, entendido como o labor rural que deve ser indispensável à subsistência do
trabalhador e sua família, em que a ajuda eventual de terceiros seja exercida
ocasionalmente, em condições de mútua colaboração, não existindo subordinação.
No entanto, a alteração no conceito deste segurado pela Lei 11.718 de
20.06.2008, permitiu que o grupo familiar possa utilizar empregados contratados por
prazo determinado ou trabalhador em épocas de safra, à razão de no máximo 120
pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo
equivalente em horas de trabalho, artigo 11, §7º da Lei 8.213/91.
As mudanças enfrentadas pela Lei 11.718/2008 expôs situações em que o
trabalhador não perde a condição de segurado especial como, por exemplo, outorgar,
por meio de parceria, meação ou comodato, de até 50% de imóvel rural cuja área
total não seja superior a 4 módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado
continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de
economia familiar; a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive
com hospedagem, por não mais de 120 dias ao ano; ser beneficiário de programa
assistencial oficial de governo; entre outros conforme expresso pelo artigo 11, §8º da
Lei 8.213/91.
A proteção previdenciária abrange o segurado especial e o seu núcleo familiar
composto pelo cônjuge, companheiro, companheira e filhos maiores de 16
(dezesseis) anos de idade ou a este equiparado. Neste caso, é indispensável a mútua
66
dependência entre os membros do grupo familiar, pois a renda proveniente de fontes
diversas do labor rural descaracteriza o regime de economia familiar.
Para o segurado especial a concessão de benefícios independe de carência,
nos termos do artigo 26 da Lei 8.213/91, ele deve comprovar atividade rural no
período correspondente à carência.
Porém, a contribuição do segurado especial é incidente sobre a produção
rural, ou seja, 2,3% incidente sobre o valor bruto da comercialização da produção
rural: sendo 2,0% para a Seguridade Social; 0,1% para financiamento do seguro de
acidente do trabalho; e 0,2% para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural).
A responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária do
segurado especial é de quem compra sua produção, podendo ser o adquirente, o
consumidor, o consignatário ou a cooperativa. No caso do segurado comercializar
sua produção no varejo, deve ele mesmo recolher a contribuição social.
A legislação previdenciária garante ao segurado especial benefícios no valor
de um salário mínimo, no entanto, poderá contribuir voluntariamente aplicando-se a
alíquota de 20% sobre o salário-de-contribuição (como segurado facultativo), para
fazer jus aos benefícios com valores superiores a um salário-mínimo.
Desta forma, a comprovação da atividade rural deve ser feita de acordo com
o rol apresentado no artigo 106 da Lei 8.213/91.
Para solicitar o benefício, a maioria dos trabalhadores rurais não possuem
uma vasta prova documental conforme exige o artigo; a eles resta a Declaração do
Sindicato homologada pelo INSS acompanhada de documentos, conforme exemplo
da relação do artigo 22 do Decreto 3.048/99, onde conste a profissão.
O INSS, para homologar a declaração do sindicato, exige a realização de uma
entrevista com o trabalhador, Instrução Normativa do INSS nº 45/2010.
A prova de atividade rural deve ser contemporânea aos fatos, mas pela
Súmula 14, do JEF não se exige que o início de prova material corresponda a todo
período equivalente à carência do benefício.
Pelas exigências documentais da lei, o STJ editou a Súmula 149 em que
expressa não ser permitida a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação
da atividade rural, na concessão do benefício.
67
Assim o trabalhador deve anexar ao pedido de benefício documentos idôneos
que evidenciem a condição de trabalhador rural, como certidão de casamento, de
nascimento de filhos, entre outros.
Ao segurado especial são garantidos os seguintes benefícios: auxílio-doença,
auxílio-reclusão, auxílio-acidente, salário-maternidade, aposentadoria por invalidez,
aposentadoria por idade, pensão por morte nos termos do artigo 39 da Lei 8.213/91.
No caso de aposentadoria por idade, a lei lhes condece o benefício de se
aposentar mais cedo que o trabalhador urbano, reduzindo-se em cinco anos a idade,
ou seja, 55 anos de idade para a mulher e 60 anos de idade para o homem. Porém,
se hover tempo híbrido, isto é, sempre que tiver que computar o tempo urbano com o
rural, a idade do requerente (para aposentadoria por idade) tem que ser 65 homem e
60 mulher, artigo 48, §3º da Lei 8.213/91.
Não é considerado segurado especial a pessoa do grupo familiar que possuir
outra fonte de renda, exceto os casos expressos em lei, por exemplo, se receber
benefício da previdência como dependente (pensão por morte, auxílio-acidente,
auxílio-reclusão cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada
da Previdência Social), entre outros casos citados no artigo 11, §9º da Lei 8.213/91.
isso ocorre por duas razões: pelo forte impacto social, conforme dados já
analisados e pela organização da categoria, que tem na manutenção da
Previdência Social como uma de suas prioridades. A Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) que reúne 3.630 sindicatos dos
trabalhadores rurais no Brasil tem participado ativamente em torno da
Previdência Rural. O 9º Congresso da entidade deliberou pela atuação em
torno da manutenção da contribuição sobre a produção comercializada, ou
seja, não vinculando-se o benefício à respectiva contribuição, de modo que
aqueles que não têm condições de contribuir ou tem pouca contribuição
continuem tendo acesso aos benefícios.
Considerações Finais
69
controvérsia pelos aplicadores da lei, pois a ele, a legislação não exige contribuição
social direta.
Pela forma peculiar de seu trabalho, garante-se a este trabalhador sua
introdução na previdência para que possa ser amparado pelos benefícios que lhe
garantam a dignidade nos momentos de necessidade.
Ao permitir a sua inclusão na estrutura previdenciária, tenta-se impedir que o
trabalhador do campo possa migrar para centros urbanos, que mesmo assim, ainda
mantém uma taxa alta de urbanização.
As garantias previstas no texto constitucional conferem ao segurado especial
a valoração de sua atividade e a preservação de uma vida digna.
Ressalte-se que este trabalhador, ao longo de sua vida laboral, muitas vezes
não teve salário e, ao receber o benefício da previdência social, passa a ter condições
que antes lhe eram inacessíveis, como exemplo saneamento básico, banheiro, fogão
a gás, televisão, e outras objetos ou serviços que lhe permitem envelhecer com
dignidade.
Assim, os direitos previdenciários são direitos básicos que tornam possível a
sobrevivência do homem do campo, devendo ter aplicação imediata quando da
ocorrência do fato gerador por sua natureza alimentar.
Anseia a sociedade por uma legislação digna para o trabalhador do campo,
mas ainda não se alcançou um parâmetro de mudança que mantenha uma melhor
proteção a este sofrido trabalhador brasileiro que a atual.
Mesmo com críticas a tais direitos, os privilégios concedidos a esta categoria
através da proteção legislativa de sua atividade é uma forma de inclusão social,
objetivo do sistema previdenciário brasileiro.
Referências
BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural: inclusão social. 2ª Ed. (ano
2008), 3ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011.
70
FARINELLI, Alexsandro Menezes. Aposentadoria rural, 2ª edição – Leme/SP:
Mundo Jurídico, 2013.
NICHOLSON, Brian. A previdência injusta: como o fim dos privilégios pode mudar o
Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2007.
71
CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DO ATENDIMENTO AOS
PACIENTES DE CÂNCER NUMA UNIDADE DE ONCOLOGIA EM ARAGUAINA
TOCANTINS
Joelma Moreira
Humberto Tenório Gomes
Introdução
73
Do Direito Fundamental a Saúde
São vários os fatores motivadores pelos quais se procura zelar pela saúde
pública, um dos principais é o de que a mesma é praticamente a única porta de
entrada para o tratamento, na grande maioria da população brasileira, pois mais de
70% da população precisa da intervenção do SUS para sua realização, onde 60%
dos casos de câncer são descobertos tardiamente.
Segundo explica Volpe (2006, p. 3), em sua cartilha “Faça valer os seus
diretos”, a legislação brasileira assegura aos portadores de neoplasia maligna
(câncer) e outras doenças graves, alguns direitos especiais; neste livro descreve em
uma linguagem simples ao doente e seus familiares onde buscar seus direitos.
A Constituição da República Brasileira de 1988 em seu artigo 1°destaca como
princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito a cidadania e a dignidade
da pessoa humana (BRASIL, 1988).
No artigo 6° do mesmo diploma, qualifica a saúde como parte dos Direitos
Sociais protegidos (BRASIL, 1988).
No mesmo sentido encontra-se o direito à saúde, direito primordial do
indivíduo resguardado no artigo 196 da Carta Magna:
74
Presidencial nº 7.508 (que regulamenta a Lei nº 8.080/1990) é que tratam
especificamente do Sistema Único de Saúde.
A Lei Orgânica da Saúde dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes a da outras providências. Assim traduz o Art. 2º da Lei nº
8.080/1990: “Art. 2° A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”(BRASIL,
1990).
O Pacto Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1998 “Protocolo de San
Salvador”, ratificado pelo Congresso Nacional brasileiro através do Decreto
Legislativo de nº 56, de 19 de abril de 1995, e promulgado pelo Decreto nº 3.321 de
30 de dezembro de 1999, vislumbra em seu artigo 10°o seguinte: “Toda pessoa tem
o direito a saúde, entendida como gozo do mais alto nível de bem- estar físico, mental
e social”.
Vislumbra-se com as legislações acima referidas o compromisso interno e
externo do Estado brasileiro com as questões aludidas.
Neoplasia Maligna
Radioterapia
76
As aplicações realizadas em cima dos tumores reduzem a sua dimensão, o
que resulta na diminuição da fadiga, do número de hemorragias, dores e outros
desconfortos pelos quais o paciente passa.
Segundo informações disponibilizadas pelo INCA (1993) a radioterapia é um
tratamento que se realiza por meio de radiações que tem como objetivo impedir a
proliferação das células. A quantidade de aplicações depende do tamanho,
localização do tumor e quadro geral do paciente.
Durante o tratamento é utilizado um aparelho destinado a realizar as
radiografias, denominado “simulador”, que auxilia o médico a demarcar a área a ser
tratada, e realiza uma espécie de “tatuagem de tinta vermelha” para identificar com
mais precisão e eficiência esta área. Essas aplicações assim identificadas atingem
exatamente a região afetada. Em alguns casos são confeccionados moldes de gesso
ou de plástico, para que o paciente mantenha-se posicionado de tal forma que não
permita que os raios atinjam outras regiões que não as identificadas.
É importante frisar que as radioterapias são realizadas por dois meios,
dependendo do tumor e sua região. O primeiro deles é denominado de Teleterapia
ou Radioterapia Externa e o segundo, denominado de Braquiterapia ou Radioterapia
de Contato.
A Braquiterapia é utilizada em tratamento de tumores de cabeça, pescoço,
mamas, útero, tireoides e próstata (INCA, 1993).
Todo o tratamento é feito em ambulatório especifico da UNACOM; no caso
do câncer ginecológico a paciente necessita de no mínimo três dias de internação.
Em cada tratamento faz-se necessário considerar o estado do paciente
descrito no prontuário médico, pois dependendo da situação se realiza primeiro a
Radioterapia Externa e só depois a Braquioterapia.
Quimioterapia
79
HOMEM Quant. MULHER Quant.
Próstata 390 Mama feminina 180
Traquéia, brônquio e pulmão 70 Colo do útero 180
Cólon e reto 60 Traquéia, brônquio e pulmão 40
Estômago 50 Colón e reto 50
Cavidade Oral 30 Estômago 30
Pele não melanoma 270 Pele não Melanoma 180
Todos os tipos de câncer 1300 1050
Total: 2350 casos novos de câncer no Estado do Tocantins
Quadro 1: Tipos de câncer mais comuns na população Tocantinense
Fonte: Elaborado pela própria autora
80
Figura 1: Imagem estacionamento do HRA
Fonte: Elaborada pela própria autora
81
radioterápicos, possuindo em separado17 (dezessete) leitos exclusivos para a
oncologia (TOCANTINS, 2013).
O Hospital Regional de Araguaína dispõe de um novo acelerador nuclear
adquirido em dezembro de 2014, mas, por entraves burocráticos que tem impede a
construção de um Bunker local apropriado à instalação, o mesmo encontra-se até o
momento desativado (TOCANTINS, 2013).
Além das dificuldades acima relatadas, o Ambulatório Oncológico ainda
enfrenta problemas em sua estrutura física condenada pela Defesa Civil e o Corpo de
Bombeiros. Em função disso para não interromper o atendimento foi necessária a
alocação de outros prédios (TOCANTINS, 2013).
Para resumir, nos últimos anos o HRA tem sofrido com a sobrecarga de
atendimento de pacientes de uma região de mais de 2.000 (dois milhões) de
habitantes, além dos estados vizinhos que também o utilizam (TOCANTINS, 2013).
A falta de investimentos por parte do poder público na estrutura da Unidade
Oncológica, situada à Rua 13 de maio n° 1490, por muito pouco não ocasionou seu
desabamento, fato este que transformou o atendimento dos pacientes com câncer
numa verdadeira “via cruzes” em função das mudanças e constantes improvisações
no atendimento (TOCANTINS, 2013).
Acelerador Linear
82
Figura 2: Acelerador Linear
Fonte: Elaborada pela própria autora
Bunker
83
de alta tecnologia e que possui produtos químicos específicos para a segurança e
proteção de pacientes e funcionários.
Casas de Apoio
Pró-Vida
84
preços populares consultas e exames a população. Declarada de utilidade pública,
atende tanto homens, mulheres e crianças em todas as especialidades.
A Pró-Vida surgiu a mais de 22 anos pela iniciativa de trabalhadores da área
da saúde e seu principal objetivo é o atendimento aos doentes de câncer. Vários
destes profissionais haviam perdido parentes nesta mesma situação e resolveram
criar uma instituição que pudesse proporcionara preços populares a oferta de
consultas e exames para todos os tipos de doenças e, de maneira especial ao
diagnóstico precoce do câncer.
As ações humanitárias permanentes aos pacientes diagnosticados com
câncer dentro da unidade proporcionam além de todo o tratamento gratuito em todos
os procedimentos uma eficácia e rapidez de fundamental importância já que o acesso
ao tratamento leva em média 15 dias após o diagnóstico, diferente daqueles que são
obrigados a esperar na rede pública entre consultas e exames relacionados ao
acesso ao tratamento em média 9 meses.
CasaTra Noi
A instituição nasceu do movimento Tra Noi que quer dizer “entre nós”, criado
na Itália em 1952 vindo para a cidade de Araguaína no ano de 2001, recebendo aqui
a denominação de Tra Noi Dom Carlos Sterpi com o objetivo de acolher doentes das
mais variadas doenças para tratamento, independente de seu credo religioso.
Atualmente hospeda mais de 60 pessoas entre acompanhantes e pacientes
para tratamento, provenientes de outros municípios e Estados e de maneira especial
os pacientes de câncer, oferecendo apoio como, por exemplo, assistência religiosa,
psicólogos, serviço social e cursos manuais que exercem uma função terapêutica
neste fragilizado período.
A casa oferece comodidade e segurança tanto aos pacientes, como para seus
acompanhantes. A mesma é mantida por doações, feiras, trabalho voluntário, e já
possui um trabalho regionalmente conhecido. Vale ressaltar que outras unidades
seguindo o mesmo modelo, estão em pleno funcionamento nas cidades de Goiânia-
GO e na cidade de Presidente Prudente, interior de São Paulo.
Considerações Finais
85
Procurou-se no desenvolvimento do trabalho identificar de que modo vem
sendo efetuado o atendimento por parte do Estado do Tocantins no que diz respeito
ao atendimento dos pacientes com Câncer e o cumprimento da Lei nº 12.732/2012.
Verificou-se que desde 2008 existe uma Lei de nº11.664/2008 que garante
as mulheres acima de 40 anosa realização do exame de mamografia na rede pública.
No entanto, essa “garantia” não se cumpre efetivamente, pois diuturnamente as
mulheres encontram dificuldades para realizar tais exames, o que impossibilita o início
do tratamento precoce e, consequentemente a demora torna mais difícil o processo
de cura.
Os problemas enfrentados pelo pacientes de câncer no Estado do Tocantins
são preocupantes. Questões complexas envolvem o sistema de saúde e no objeto do
estudo, especificamente o Hospital Regional de Araguaína representado por seu setor
de Oncologia.
Evidenciou-se durante a pesquisa que o governo do Estado do Tocantins não
tem proporcionado sequer uma estrutura física adequada conforme o Inquérito Civil
nº 43/2013 por parte da 5ª Promotoria de Justiça de Araguaína e não possui
condições de comportar o volume de atendimento
O estudo revelou a necessidade da adoção de medidas urgentes para
“minimizar o problema”, como a construção de novos hospitais equipados com
aparelhos de alta tecnologia e profissionais qualificados. No atual momento esta
situação parece de difícil solução.
Diante dos resultados do estudo, parece-nos que somente, por meio de ações
judiciais efetuadas pelo Ministério Público, a exemplo da Ação Civil Pública, com
pedido de tutela antecipada feita pela 5ª Promotoria de Justiça de Araguaína, na
defesa da saúde pública, do consumidor e da cidadania é que poderemos vislumbrar
“alguma luz no fim do túnel” desta trágica situação da saúde em nosso Estado numa
gritante violação a direitos previstos em nossa “constituição cidadã”, como o direito à
vida, à saúde e a dignidade da pessoa humana.
Referências
86
ANVISA. Portaria nº 741 de 19 de dezembro de 2005. Brasília, DF, 19 dez. 2005.
Disponível em:
<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/3092aa80474594909c3fdc3fbc4c6735/
PORTARIA+N%C2%BA+741-2005.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 25
nov.2015.
87
BRASIL. Lei nº 11.664, de 29 deabril de 2008.Dispõe sobre a efetivação de ações
de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento
dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde –
SUS. Brasília, DF, 29 abr. 2008. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11664.htm>. Acesso
em: 20 nov. 2015.
G1 TO. Após interdição de máquina, pacientes com câncer são levados para o MA.
G1, 19 ago. 2015. Disponível em: <
http://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2015/08/apos-interdicao-de-maquina-
pacientes-com-cancer-sao-levados-para-o-ma.html >. Acesso em: 10 nov. 2015.
88
<http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/agencianoticias/site/home/noticias/2013/
saude_conclui_encomenda_de_oitenta_aceleradores_lineares>. Acesso em: 20
nov. 2015.
VOLPE, Maria Cecília Mazzariol. Faça valer seus direitos. 2. ed. Campinas: Afag,
2006. Disponível em: <http://www.abrela.org.br/img/facavalerseusdireitos.pdf>.
Acesso em: 22 ago.2015.
89
REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É A MELHOR OPÇÃO?
Introdução
90
Esses dados mostram que a maioria das pessoas apoia a redução da
maioridade penal. Diante de tamanha violência parece essa ser a solução mais
adequada para o momento.
O mais recente avanço conquistado pelos favoráveis a redução da
maioridade penal, aconteceu com a aprovação da proposta de emenda à Constituição
(PEC) 171/1993, que agora segue para aprovação no Senado Federal.
Aprovada em 2º turno pela Câmara dos Deputados, no dia 19 de agosto, por
320 votos a favor, 152 contra e 1 abstenção a proposta de emenda à Constituição
(PEC) 171/1993 reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de homicídio
doloso, lesão corporal seguida de morte, e crimes hediondos. A proposta ainda prevê
que o cumprimento das penas se dará em ambiente separado dos menores de 16
anos e dos maiores de 18 anos.
A escolha do presente tema para o artigo consiste na importância de uma
discussão acerca do tema, para mostrar a realidade existente quando se fala em
crimes cometidos por adolescentes.
O objetivo desse trabalho é mostrar os argumentos favoráveis e contra a
redução da maioridade penal e através destes demonstrar que reduzir a maioridade
penal não é a melhor solução para os problemas do aumento da criminalidade.
Para que esse objetivo fosse alcançado, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e documental. E diante da falta de algumas referências bibliográficas
foram utilizadas fontes não científicas, como sites.
92
o modelo prisional vivido pelo Brasil, que mais parece escola do crime e
depósitos de seres humanos, a crise educacional só se agravaria.
Colocar esses jovens na cadeia junto com adultos seria como colocá-los em
uma escola do crime. É necessário combater as verdadeiras causas do aumento da
criminalidade no Brasil. Podemos citar a desigualdade social, o desemprego, a
miséria, a degradação familiar, o sistema de educação defasado que o país possui.
É preciso atacar as causas da violência e não seus efeitos. Cavagnini (2013, p. 96)
sabiamente diz que “se atacarem os efeitos, as causas persistirão e as consequências
crescerão em proporção geométrica”.
As causas da criminalidade juvenil não exime a responsabilidade da
população e do estado. Para o sociólogo José de Souza Martins “a mudança da lei
criará para muitos o conforto de um bode expiatório”. Seria a solução mais fácil para
atender aos anseios da sociedade que está indignada com tanta violência e a melhor
maneira de eximir os governantes de suas responsabilidades.
Não são os jovens responsáveis pelo aumento da criminalidade no país.
Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que o número de menores infratores
no Brasil são cerca de 70 mil, sendo que destes 21 mil estão internados, destes 8%
são meninas e 92% meninos. Esses 21 mil jovens representam 0,5% da população
juvenil no Brasil, é um dado inexpressivo diante de 21 milhões de adolescentes.
O rebaixamento da maioridade penal terá pouco impacto nos índices de
criminalidade, afinal a maioria dos crimes são cometidos por adultos, os jovens e
adolescentes são as maiores vítimas da violência.
Colocar esses jovens e adolescentes juntos com adultos é coloca-los em
contato com grupos criminosos mais velhos e experientes, diminuindo assim a chance
de ressocialização para esses jovens. Além de que essa redução só serviria para
aumentar a população carcerária do país e agravar a carência de vagas no sistema
penitenciário brasileiro, que é considerado um dos piores do mundo.
Conforme dados do Ministério da Justiça (2015), o Brasil já possui a quarta
maior população carcerária do mundo, cerca de 607.700 mil presos, com um déficit
de 231.062 mil vagas. Se fosse levado em consideração a PEC 171/1993 que foi
aprovada recentemente, que diz que os jovens maiores de 16 e menores de 18 anos
cumprirão sua pena em local separado dos maiores de 18 anos, a questão seria tem
o país condições de ofertar essas vagas para esses adolescentes, uma vez que
possui tamanho déficit de vagas no sistema prisional.
93
Justificar que os jovens são cada vez mais usados por adultos para a redução
da maioridade penal é tentar solucionar um problema da maneira errada. Nesse caso
pode-se dizer que reduzir a maioridade penal somente vai fazer com que reduza a
idade em que o jovem é aliciado para o crime, dessa forma cada vez mais cedo os
jovens serão usados por adultos para pratica de atos criminosos.
A solução nessa situação é uma punição mais severa para os adultos
corruptores de menores. Atualmente o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê
pena de apenas 1 a 4 anos de reclusão para quem incorre na pratica do crime de
corrupção de menor. Diminuir a maioridade penal seria mais uma forma de atacar as
consequências e não as suas causas.
Sempre que um crime grave perpetuado por um jovem gera repercussão na
mídia, a população fica revoltada, o tema redução da maioridade penal volta à tona.
Acontece que esses crimes violentos cometidos por jovens são exceções, toda a
repercussão que causa, faz parecer que esse tipo de crime faz parte do cotidiano.
O Ministério da Justiça (2015) nos traz dados relevantes sobre a participação
de adolescentes nos crimes cometidos no país. Conforme divulgado, os jovens entre
16 e 18 anos são responsáveis por 0,9% dos crimes no Brasil. O percentual é ainda
menor se considerados homicídios e tentativas de homicídio, apenas 0,5% são
cometidos por jovens.
Não se pode simplesmente colocar a culpa da criminalidade nesses jovens
que ainda sequer se desenvolveram, cada idade tem suas características. A
maioridade penal pode ser reduzida para 16 anos, mas a maioridade real só será
alcançada por volta dos 25 anos (MARTINS, 2015).
As crianças têm seu desenvolvimento moral moldado pela intervenção social,
elas agem de acordo com aquilo com que tem contato, sendo os pais e o Estado os
principais responsáveis por aquilo que as crianças serão. (MATOS, 2013) Sem
políticas públicas e uma base familiar estruturada a chance de essas crianças se
tornarem criminosos são maiores. (MATOS, 2013).
A questão é que não é somente um fator o responsável pelo aumento da
criminalidade entre os adolescentes. Conforme nos traz Cavagnini (2013, p.94):
94
salientando-se, principalmente, a carência de educação, que é vital na
formação de um povo.
95
registrado nas regiões Centro-oeste e Sul, com 75%, e o menor percentual foi
verificado na região Nordeste, 35% (CNJ, 2012).
Quanto a estrutura familiar, foi constatado pelo Conselho Nacional de Justiça
(2012) que 14% dos jovens infratores possuem pelo menos um filho e apenas 38%
deles foram criados pela mãe e o pai. Na maioria dos casos, 43% especificamente,
os adolescentes são criados apenas pela mãe (CNJ, 2012).
Em relação ao uso de entorpecentes, aproximadamente 75% dos
entrevistados faziam uso de drogas ilícitas. Sendo a maconha o entorpecente mais
consumido, seguida da cocaína e do crack (CNJ, 2012).
O perfil dos adolescentes delineado pela pesquisa revelou uma série de
questões que perpassam o problema do adolescente em conflito com a lei: famílias
desestruturadas, defasagem escolar e relação estreita com substâncias psicoativas.
E assim surgem os adolescentes infratores, os adolescentes marginalizados.
96
A pesquisa (CNJ, 2012) mostra que de 91% dos estabelecimentos
disponibilizam algum tipo de atendimento individual prestado aos jovens infratores por
profissionais especializados, mas a disponibilidade desses profissionais varia
consideravelmente de região pra região. Enquanto alguns estabelecimentos possuem
esses profissionais em quantidade suficiente para atender seus internos, outras
sofrem com a carência desses profissionais.
Os psicólogos e assistentes sociais são os profissionais mais comumente
disponíveis nesses estabelecimentos educacionais, representando 92% e 90%
respectivamente (CNJ, 2012). Porém, quanto aos advogados e médicos, estes estão
apenas em 32% e 34% das unidades, nessa ordem (CNJ, 2012). Vale destacar ainda
que, 32% dos estabelecimentos não dispõem de enfermarias e um total de 57% não
possuem gabinetes odontológicos (CNJ, 2012).
Outros problemas ainda são encontrados, 22% dos estabelecimentos não
possuem refeitório, os alimentos são consumidos em áreas não destinadas para esse
fim (CNJ, 2012). No aspecto educação, 49% das unidades não possuem bibliotecas,
69% não dispõem de salas com recurso áudios visuais e 42% não possuem sala de
informática (CNJ, 2012).
Mas os problemas não estão somente nas estruturas físicas, foi identificado
pela pesquisa graves situações de maus tratos e abusos. O Estatuto da Criança e do
Adolescente estabelece em seu artigo 5º que:
97
parte da Polícia Militar. Além disso, 19% declararam ter sofrido algum tipo de castigo
físico dentro das unidades (CNJ, 2012).
A pesquisa revela a necessidade de maiores investimentos nas estruturas
física dos estabelecimentos educacionais para que possam oferecer aos
adolescentes infratores melhores condições para o cumprimento das medidas
impostas. Precisa-se de investimentos em recursos humanos, profissionais
qualificados que saibam trabalhar com adolescentes. Além de investimento na
educação e saúde dentro das unidades.
Considerações Finais
Referências
BRAGA, Mariana. CNJ traça perfil dos adolescentes em conflito com a lei. CNJ, 10
abr. 2012. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/58526-cnj-traca-perfil-
dos-adolescentes-em-conflito-com-a-lei>. Acesso em: 02 nov. 2015.
99
CANCIAN, Natália. População carcerária cresce 7% ao ano e soma hoje 607 mil
pessoas. Folha de São Paulo, Brasília, 23 jun. 2015. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1646639-com-607-mil-presos-brasil-
tem-a-4-maior-populacao-carceraria-do-mundo.shtml>. Acesso em: 12 out. 2015.
OLIVEIRA, Juliana Nair de; FUNES, Gilmara Pesquero Fernandes Mohr. Histórico
da maioridade penal no Brasil. Disponível em:
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1745/1657.
Acesso em: 10 out. 2015.
PRAZERES, Leonardo. Veja cinco motivos a favor e cinco motivos contra a redução
da maioridade penal. UOL, Brasília, 31 mar. 2015. Disponível em
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/03/31/veja-cinco-motivos-a-
favor-e-cinco-contra-a-reducao-da-maioridade-penal.htm. Acesso em: 10 out. 2015.
SOUZA, César Alberto. Por que sou a favor da redução da maioridade penal.
Gazeta do Povo, 21 jun. 2015. Disponível em: <
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/por-que-sou-a-favor-da-reducao-
da-maioridade-penal-62ln5vg0tenyjv2w9it6cksyc>. Acesso em: 15 out. 2015.
100
O PAGAMENTO DE TRIBUTOS COMO UM DEVER FUNDAMENTAL NO BRASIL
Introdução
101
serão apresentadas como alicerces desse dever fundamental, e se encerrará
examinando a vinculação do pagamento de tributos com a viabilização dos direitos
fundamentais sociais.
Metodologicamente falando, pode-se afirmar que esta se trata de uma
pesquisa básica, que utiliza procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental
para refletir um pouco mais sobre a matéria, e assim, poder colaborar na sua
compreensão e consequentemente avanço. Do ponto de vista de seus objetivos se
classifica como exploratória pois visa proporcionar maior familiaridade da sociedade,
especialmente a acadêmica, com a percepção de pagamento de tributos como um
dever fundamental, o seu enfoque é eminentemente qualitativo, e por reconhecer que
tal assunto não pode ser trabalhado fora do contexto social e político do país, se fará
uso do método dialético.
Por fim, o trabalho é justificado por se entender, a partir do atual contexto da
relação jurídica tributária, que no Brasil, a legitimação social do tributo e a pacificação
da relação entre fisco e contribuinte são pressupostos necessários para que se
concretize o Estado Social Democrático de Direito que se apresenta na Carta Magna
do país.
102
Nesse sentido, Torres (1999, p.471), entende que o dever fundamental de
pagar tributos é “estabelecido na Constituição no espaço aberto pela reserva da
liberdade e pela declaração dos direitos fundamentais”.
Essa posição, que segundo Giannetti (2011), vem começando a ser assentida
pela mais atual doutrina, é a adotada neste trabalho, que passa a tratar de forma mais
detalhada do dever fundamental de pagar tributos. Para que seja possível uma
abordagem clara dessa temática, faz-se, primeiramente, uma breve explanação sobre
o tratamento que é dado aos deveres fundamentais de forma geral no Estado
Democrático de Direito.
104
do Estado Social e Democrático de Direito e com os direitos sociais que se consagram
nas Constituições modernas.
Assim, a composição entre os direitos e deveres fundamentais, de acordo
com Giannetti (2011), é justamente o que exige um regime democrático, onde os
deveres precisam ser vistos como forma de compreender os direitos, e não como
oposição a eles. Pois, como já dito, os deveres são essenciais para a eficácia dos
direitos.
Nesse sentido, Canotilho (2003, p.531), afirma que em um Estado
Democrático de Direito: “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos
deveres consignados na constituição”. Mendonça (2002) também asserta que os
deveres fundamentais são derivados da Constituição - estatuto básico do Estado. E
assevera não serem os mesmos deveres do homem como homem, mas do homem
perante o Estado. O autor ainda declara que, o exercício de um dever fundamental
não gera benefícios apenas a um titular de direito subjetivo correlativo, mas também
alcança uma dimensão geral de utilidade, beneficiando o conjunto dos cidadãos e a
sua representação jurídica, o Estado. O que, diante de todo o exposto, configura a
ideia central dos deveres fundamentais em um Estado Democrático de Direito.
106
O dever de pagar tributos surge com a própria noção moderna de cidadania
e é coextensivo à ideia de Estado de Direito. Tributo é dever fundamental
estabelecido na Constituição no espaço aberto pela reserva da liberdade e
pela declaração dos direitos fundamentais. Transcende o conceito de mera
obrigação prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional. O
dever de pagar tributos é correspectivo à liberdade e aos direitos
fundamentais: é por eles limitado e ao mesmo tempo lhes serve de garantia,
sendo por isso o preço da liberdade.
107
Como bem dispõe Buffon (2007), as espécies tributárias brasileiras: Impostos,
taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições
especiais, não são definidas com um rigor terminológico, sobretudo as contribuições
sociais, que se apresentam ora como condicionadas a uma contrapartida, seja do
Estado ou de uma entidade não estatal de fins de interesse público, ora como
independentes dessa atuação, caso das previstas no caput do artigo 149 da
Constituição Federal, apesar de haver destinação previamente estabelecida ao
produto de sua arrecadação.
Dessa forma, o autor defende que no Brasil ao falar de dever fundamental de
pagar tributos devem ser considerados apenas aqueles não vinculados ou
desprovidos de bilateralidade, justamente porque, em razão de não possuírem
correspondência a direito ou benefício específico, o produto de suas arrecadações
pode ser utilizado pelo Estado brasileiro para a realização de tarefas que visem a
concretização de direitos fundamentais, como políticas públicas.
Assim, não se deve considerar o pagamento de taxas, contribuições de
melhoria, contribuição de custeio do serviço de iluminação pública, contribuições em
prol de categorias profissionais e contribuições previdenciárias pagas pelo
empregado ou pelo servidor público, apesar do caráter solidário dessas últimas, como
um dever fundamental. Pois, estes tributos já têm estabelecido, ainda que de forma
genérica, destino para o produto de suas arrecadações, não podendo, portanto,
assumir o papel de suporte financeiro necessário à concretização de políticas públicas
que visem atender os diversos direitos fundamentais.
No entanto, é importante que se tenha claro que esse posicionamento não
desconsidera a importância do pagamento desses tributos e muito menos legitima a
sua sonegação. Mas, que quando se fala em dever fundamental de pagar tributos,
refere-se apenas aos impostos e as contribuições sociais que não possuem qualquer
correspondência a um benefício específico e direito ao contribuinte.
Por fim, encerra-se o tópico enfatizando a importância do dever fundamental
de pagar tributos no Estado Democrático de Direito, e esclarecendo que o mesmo
muda a forma como se deve analisar o fenômeno tributário.
Ou seja, o pagamento de tributos como dever fundamental não deve ser visto
como um fim, mas como um meio para atingir fins. Como já dito, os tributos não
podem ser vistos como um mero sacrifício do cidadão, pois indiscutivelmente são
108
contribuições legítima e necessária para que as tarefas do Estado sejam cumpridas,
dentre elas a de concretização dos direitos fundamentais
Tratada na maioria das vezes como, nas palavras de Buffon (2007, p.125):
“Direito a ter direitos numa sociedade”, no Estado Democrático de Direito, onde não
há espaço para cidadãos que reclamem para si o máximo de direitos sem que estejam
dispostos a cooperar para a efetivação deles, a Cidadania, conforme Paulsen (2014)
assume o papel de “uma vida de mão dupla”:
109
Quanto a isso dispõe Nabais (2005, p.59):
110
Dessa forma, é importante que se destaque, apesar de Torres (2011) dispor
que é irrelevante a sua positivação ou não nas Constituições, pois a solidariedade é
sobretudo uma obrigação moral, o fato de que as mencionadas previsões
constitucionais possuem força normativa, e portanto causam efeitos tanto nas
políticas públicas a serem implementadas como nas legislações que serão editadas.
Coerentemente a isso, os tributos vêm sendo apontados como instrumentos a serviço
da política social e econômica no Brasil.
Em razão disso, Buffon (2007), afirma que é inegável a relação entre o dever
de contribuir para a sustentação dos gastos públicos e o princípio da solidariedade no
Brasil, até mesmo porque a ideia de solidariedade está intimamente vinculada à ideia
de comunidade, e o cumprimento ou descumprimento desse dever beneficia ou
prejudica a todos. Desse modo, Nabais (2005), afirma que uma das facetas da
cidadania é a solidária, a qual pode ser explicada como: o esforço do Estado e dos
cidadãos na constante inclusão de todos os membros na comunidade.
Repetindo a ideia de que há uma vinculação dos direitos à realização dos
deveres, e acrescentando, haver de ambos com os ideais de solidariedade, Nabais
(2005), apresenta duas concepções atuais de solidariedade, uma denominada de
vertical, vinculada aos direitos, e a outra denominada de horizonal, relacionada aos
deveres.
Sobre a solidariedade vertical, o autor afirma que a ideia passa pela
realização dos direitos, especialmente daqueles denominados de sociais, como a
saúde, e dos de solidariedade, exemplo do meio ambiente equilibrado. Sendo que,
por ser do Estado o dever de garantir os direitos que assegurem um mínimo de
dignidade aos seus cidadãos, cabe a ele de uma forma mais incisiva, as tarefas que
tangem aos direitos sociais.
Já quanto à solidariedade horizontal, tem-se que o Estado é comprometido
com os deveres estabelecidos na Constituição e, que a sociedade civil precisa cumprir
com o dever de solidariedade perante outros indivíduos.
Mas o fato é que, em ambas as concepções, o pagamento de tributos se faz
presente, seja de forma direta ou indireta, dando forças ao entendimento de que o
liame da solidariedade embasa o dever fundamental de pagar tributos, e este é
instrumento necessário para a efetivação dos princípios e alcance dos objetivos do
Estado.
111
Nesse sentido, Buffon (2007), afirma que o dever de pagar tributos, alicerçado
na cidadania e na solidariedade, corresponde a uma decorrência inafastável de se
pertencer a uma sociedade. Pois, uma concepção acertada de cidadania passa pelo
reconhecimento de que o cidadão tem direitos, porém, em contrapartida deve cumprir
com seus deveres dentro da sociedade.
Quanto a essa relação entre direitos e deveres, Nabais (2004), conclui que,
integrante da esfera de cidadania da pessoa e pautado na solidariedade, o dever
fundamental de pagar tributos permite ou concede suporte mínimo necessário para a
realização de direitos fundamentais, tema que se aborda no tópico seguinte.
112
Confirmando essa indissociação dos Direitos Sociais com o Estado Social
Democrático de Direito, Silva (2011, p.286) dispõe:
113
dos direitos sociais, é que se percebe o pagamento de tributos como instrumento de
transformação social no país, e se compreende a concepção de pagamento de
tributos como dever fundamental. Pois, a maior fonte do governo é originada na
arrecadação de tributos, o que é justo. Afinal, como dispõe Toro (2005, p.30): “a
sociedade também é responsável pela construção do público, ou seja, daquilo que
convém a todos, para a dignidade de todos”.
Dessa forma, como traz Paulsen (2014), o pagamento de tributos não é
simples dever voltado à construção e manutenção do aparato estatal, é uma
verdadeira responsabilidade social. O seu descumprimento inclusive, configura-se
muito mais que desrespeito a exigência legal, revela-se quebra de vínculo de
responsabilidade com a sociedade.
Pois, não há dúvidas de que uma tributação adequada, se voltada para esse
fim, consiste num meio eficiente de criar condições para a concretização dos direitos
sociais (educação, transporte, saúde, moradia, etc), e que eles contribuem para a
redução das desigualdades sociais e erradicação da pobreza e marginalização, além
de com o aumento das possibilidades de se construir uma sociedade livre, justa e
solidária; ou seja são indispensáveis para o alcance dos objetivos da República
Federativa do Brasil.
É necessário que se reconheça que esse papel, no entanto, faz com que a
carga tributária do Estado brasileiro tenha um valor significativo, já que ele assume
um papel socialmente transformador, o que lhe exige a realização de muitas tarefas.
Porém, isso não autoriza um poder ilimitado ao fisco, ou a existência de
cargas tributárias exorbitantes. Tanto que, mesmo os doutrinadores que defendem a
concepção do pagamento de tributos como um dever fundamental utilizando como
argumento a dependência de recursos financeiros para a concretização dos direitos
sociais, criticam a alta carga tributária existente no Brasil:
Raquel Machado aduz que esse custo não pode ser alto a ponto de suprimir
a própria liberdade, premissa do Estado Fiscal. Para ela, mesmo o alto custo
dos direitos sociais não justifica o processo que vem ocorrendo nos últimos
tempos de grande amesquinhamento dos direitos do contribuinte, a pretexto
da necessidade de aumento de receita para realização dos direitos sociais.
(GIANNETTI, 2011, p. 185).
114
Ou seja, é necessário que se lute por uma carga tributária mais justa no país,
assim como contra o alto índice de corrupção que acaba por tornar impossível a
efetivação dos direitos sociais, mesmo diante de uma alta carga tributária.
Pois, é preciso que se tenha claro que, como dispõe Giannetti (2011), que o
pagamento de tributos não deixará de ser um legítimo dever fundamental e nem a
sonegação lícita em razão desses fatores.
O que deve ser feito, portanto, diante da má aplicação das receitas
decorrentes de tributos, ou da ausência de aplicação, é cobrar de forma séria o devido
cumprimento dos deveres e das tarefas de competência do Estado.
Inclusive, como defende Giannetti (2012), uma maior participação na
construção da política fiscal e no orçamento, assim como uma maior transparência e
controle nos gastos públicos são direitos do cidadão e representam a “outra face” do
dever fundamental de pagar tributos, apesar de se apresentarem de forma tão
escassa no Brasil.
Diante desse cenário, se revela evidente a necessidade de um
amadurecimento acerca da relação tributária no Brasil, tanto por parte do Estado, que
precisa cumprir no mundo dos fatos com os deveres que lhe cabe e estão ligados
direta ou indiretamente ao seu legítimo direito de cobrar tributos; quanto por parte dos
cidadãos que necessitam aceitar o dever fundamental de pagar tributos, além de
conhecer e cobrar os direitos que lhes são possibilitados através dele.
Considerações Finais
Referências
ARAÚJO, Joana Marta Onofre de. A Legitimação do Tributo como pressuposto para
a concretização do estado social. 139f (Dissertação de Mestrado em Direito
Constitucional). Fortaleza, UNIFOR, 2012.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
117
BUFFON, Marciano. A tributação como instrumento de densificação do princípio da
dignidade da pessoa humana. 371f. (Tese de Doutorado em Direito). São Leopoldo
UNISINOS, 2007.
NABAIS, José Casalta. Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal.
Vol.1. Coimbra: Almedina, 2005.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2011.
118
119
LIBERDADE PROVISÓRIA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS E A VISÃO DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Introdução
Os crimes previstos nos artigos 33, caput, e §1º, e 34 a 37 desta lei são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito
(BRASIL, 2006).
120
visto que ao permanecer preso cria-se um estereótipo de criminoso perante a
sociedade, podendo causar problemas morais e sociais.
Portanto, para proibir a liberdade provisória no crime de tráfico, deve-se levar
em conta o enquadramento do tipo penal e também o preenchimento de requisitos
(artigo 312 CPP), que façam com que o acusado não fique em liberdade, ou seja, os
requisitos da Prisão Preventiva.
Consoante a isso, questiona-se o porquê desse tratamento desigual entre o
crime de tráfico com os outros crimes. Essa proibição fere o Princípio da inocência
até então resguardado pela Constituição Federal? E nesse caso, quais os argumentos
do Supremo Tribunal Federal no que se refere a declaração de inconstitucionalidade
da vedação de Liberdade Provisória no delito de Tráfico de Drogas?
Para analisar o tema foi utilizado a metodologia de revisão bibliográfica
através do método qualitativo, na medida em que predominou o caráter exploratório
com a intenção de descrever e compreender as diretrizes com relação a liberdade
provisória nos crimes de tráfico de drogas, bem como melhor resolver a problemática
exposta.
Nesse contexto, o tipo de pesquisa prevalecente é a teórica, a partir da qual
analisou-se pontos relevantes, utilizando-se de embasamento teórico, a fim de
fortalecer a argumentação referente ao tema. Com relação ao método de abordagem,
aplicou-se a modalidade dedutiva, em que através das particularidades das
legislações específicas, jurisprudência e doutrina buscou-se demonstrar da melhor
maneira os posicionamentos e fundamentações teóricas acerca do assunto.
É necessário salientar que tratar de temas que abordam um direito tão
importante que é a liberdade, direito este consolidado pela Constituição Federal, é
tentar de forma humilde promover a justiça e o respeito ao ser humano, que mesmo
no papel de indiciado deve ter sua dignidade resguardada e seus direitos
assegurados.
Conceito
Classificação
122
menor potencial ofensivo (art. 69, parágrafo único da Lei nº 9.099/1995), desde que
o acusado se comprometa ao comparecimento espontâneo a sede do juizado; porte
de drogas para o consumo pessoal (art. 48, §2°, da Lei nº 11.343/2006); acidentes de
trânsito que resultem vítimas, havendo prestação de socorro (art. 301 da Lei nº
9.503/1997).
A liberdade provisória permitida para Capez (2015) é aquela que ocorre nas
hipóteses em que não couber prisão preventiva, ou seja, quando não estiverem
presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão, o juiz deverá conceder
a liberdade provisória, e caso seja necessário, impor as medidas cautelares previstas
no art. 319 do Código de Processo Penal, observados os critérios constantes do art.
282 do mesmo diplome legal.
A última espécie é a liberdade provisória vedada, nas palavras de Capez
(2015) este tipo não mais existe. É inconstitucional qualquer diploma legal que proíba
a concessão da liberdade provisória quando ausentes os motivos que autorizam a
prisão preventiva, sendo irrelevante a gravidade ou a natureza do crime imputado ao
agente.
Neste sentido, a Lei n° 11.464/2007 revogou a proibição de liberdade
provisória para os crimes hediondos, prevista no art. 2º, II da Lei n° 8.072/1990.
Apesar do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 proibir expressamente a liberdade provisória
para o tráfico de drogas e assemelhados, o Supremo Tribunal Federal declarou tal
dispositivo inconstitucional no julgamento do Habeas Corpus n°100872, tendo como
relator o Ministro Eros Grau, julgado pela Segunda Turma em 09 de março 2010, que
será estudado a fundo em momento oportuno.
125
Távora e Alencar (2011) exprimem de forma conclusiva que a liberdade
provisória é concedida pela autoridade policial nas infrações que sejam de sua alçada,
pela autoridade judicial, com ou sem fiança e ainda podendo acumular-se com outras
medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, bem como
entender que não se faz necessário impor qualquer condição para a concessão de
liberdade provisória.
126
HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O
TRÁFICO. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO. LEI 8.072/1990, ART. 2º,
II. DECRETO DE PRISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PRAZO DA
PRISÃO DEVIDAMENTE JUSTIFICADO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO
PROCESSO. A vedação à concessão do benefício da liberdade provisória
prevista no art. 2º, II, da Lei 8.072/1990 é fundamento suficiente para o
impedimento da concessão do benefício ao paciente. A demora na
tramitação do processo é justificada pela complexidade do feito, dada a
necessidade de expedição de precatórias para oitiva de testemunhas e a
presença de vários réus com procuradores distintos. Ordem denegada.
127
compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais
impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A
inconstitucionalidade do preceito legal é inquestionável. Ordem concedida a
fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
128
somente poderá ser privado desta garantia fundamental após o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória.
Resta claro, que esses julgamentos corroboram entre si no que se refere a
regra da liberdade, e o respeito aos direitos e garantias constitucionais. Não se pode
olvidar, que o Direito está em constante mutação, e esses julgados contribuem para
a forma assertiva de como os casos concretos devem ser tratados de forma que se
mantenham o devido processo legal, e o respeito à dignidade da pessoa humana.
129
O princípio da presunção da inocência também está na Carta Magna no Artigo
5°, inciso LVII que diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).
Para Paulo e Alexandrino (2012), este princípio se trata de uma garantia
processual penal, para garantir que o indivíduo seja considerado inocente até o
transito em julgado, e que seja mantida a sua liberdade, cabendo ao Estado provar
sua culpabilidade. Em decorrência deste princípio, existe o princípio do in dubio pro
réu, que se caracteriza pela interpretação das leis penais ou na capitulação do fato,
quando houver dúvida, na escolha daquela que mais for favorável ao réu.
Vale frisar, segundo Dantas (2015), que este princípio impede a prisão do réu
antes do transito em julgado da sentença penal condenatória. Há assim, a
possibilidade de prisão processual, caso o indiciado preencha os requisitos do artigo
312 do Código de Processo Penal.
No tocante a este princípio, sua violação está no fato de que o mesmo garante
a liberdade do indiciado, que não preenche os requisitos, e a negativa de liberdade
provisória fere o seio dessa garantia constitucional.
A garantia a dignidade da pessoa humana está fixada no artigo 1°, inciso III,
da Constituição Federal, esse direito constitui um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, e está implícito em outros dispositivos, como no que proíbe a
tortura ou a inviolabilidade de consciência ou de crença, ou seja, este é um princípio
basilar para todo o direito brasileiro (BRASIL, 1988).
Sarlet (2001, p. 60) bem define a dignidade da pessoa humana:
130
Assim, pode-se perceber que podem existir sim outros princípios violados
quando a liberdade é negada ao indiciado por crime de tráfico de drogas, pois a
liberdade envolve muitos direitos do cidadão e é a medida mais extrema a ser adotada
pelo julgador, mais estes princípios brevemente abordados são os que são violados
de forma brutal e gritante.
Considerações Finais
Diante do exposto, infere-se que não há melhor entendimento que aquele que
proporcione a liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas, ao indiciado que
não preenche os requisitos que autorizam a prisão provisória.
Este posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, vai de encontro
ao seio das garantias Constitucionais, que como bem destacadas no trabalho garante
o direito ao devido processo legal, resguarda o princípio da inocência e da dignidade
da pessoa humana.
Em linhas mais simples, é importante frisar que a regra no ordenamento
jurídico brasileiro é a liberdade, e as consequências do descumprimento deste
preceito basilar pode causar danos incalculáveis ao acusado e sua família, de
natureza social, emocional, empregatícia, como tantos outros.
O que se demonstra interessante, e que mesmo com a criação de uma
legislação que cerceasse esse Direito tenha sido sancionada, há ainda mecanismos
que permitem que esse direito volte a vigorar, que é o caso do novo entendimento do
Supremo Tribunal Federal, que é a corte Suprema e orienta as tomadas de decisões
de órgão julgadores hierarquicamente inferiores em grau de jurisdição.
Dessa forma, a interpretação que parece ser a mais correta é a de que há
possibilidade de se conceder a liberdade provisória, seja a delitos hediondos e os a
eles equiparados, como é o caso do trágico de drogas.
Este trabalho é de grande relevância ao Direito, pois demonstra as mutações
e possibilidades que existem nessa ciência, que vai mudando seus preceitos e sua
maneira de interpretar e julgar as pessoas e seus atos, para que acima de tudo o
respeito e a dignidade do ser humano sejam mantidos, e que as consequências do
cometimento de qualquer ato contrário a lei sejam na medida da culpabilidade do
agente.
131
Referências
AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 5. ed. São Paulo: Método, 2013.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 86814. São Paulo, relator
Ministro Joaquim Barbosa, publicado em 29 de Novembro de 2005. Disponível em:
<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9087145/habeas-corpus-hc-100872-mg>.
Acesso em: 16 nov. 2015.
132
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 99278. São Paulo, relator
Ministro Eros Grau, publicado em 04 de maio de 2009. Disponível em: <
http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4317232/medida-cautelar-no-habeas-
corpus-hc-99278>. Acesso em: 10 nov. 2015.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 104339. São Paulo, relator
Ministro Gilmar Mendes, publicado em 10 de maio de 2010. Disponível em:
<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869940/habeas-corpus-hc-104339-sp-
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______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 100742. Ponta Porã, relator
Ministro Celso de Mello, publicado em 03 de novembro de 2009. Disponível em:
<http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6181700/habeas-corpus-hc-30136-ms-
2009030136-3/inteiro-teor-12318516>. Acesso em: 18 nov. 2015.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria crítica e práxis. 5. ed. Niterói
(RJ): Impetus, 2008.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.
PANTANO, Luís Artur Ferreira. Lei dos crimes hediondos e liberdade provisória:
fundamentos constitucionais e entendimentos jurisprudenciais. São Paulo: Lemos e
Cruz, 2007.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001.
133
134
APORTES DA TEORIA LITERÁRIA PARA O DIREITO OU COMO SUPERAR O
ISOLAMENTO DISCIPLINAR
Introdução
1
Há autores, como Boaventura de Sousa Santos, que criticam a escolha do termo “pós-modernidade”,
por ser inadequada. Segundo o autor (2006, p. 26), a inadequação se dá porque define o novo
paradigma pela negativa, e também porque pressupõe uma sequência temporal, o que não ocorre. O
presente artigo não se prende a esta discussão, embora reconheça a crítica, bastante pertinente, do
professor português.
135
dos oligopólios. A “ciência econômica”, como as “ciências exatas”, deu um
lugar secundário e inconseqüente aos “efeitos colaterais” de seus
descobrimentos. Não só os declarou “efeitos não buscados”, mas também
ignorou e negou – elegantemente- que foram efeitos buscados. Até mesmo
durante a Segunda Guerra Mundial, para legitimar seu auto-engano,
esqueceu os vínculos de suas pesquisas com o complexo científico-militar-
empresarial organizado para ganhar a guerra, dominar o mundo e
incrementar a acumulação de capitais.
136
efetivos para a preparação e realização de ações complexas organizadas”(2006, p.
51).
O pensamento complexo, segundo Morin, é um desafio e uma motivação para
o pensamento, e não uma receita para fabricar teorias; ele não busca a completude,
pois aceita e se propõe a lidar com a incompletude do conhecimento. Em linhas
gerais, o pensamento complexo busca a superação do pensamento mutilante.
O desafio da complexidade não pára por aí. Impõe-se, também, a
consideração do mundo em que se vive, e isto talvez seja o mais importante do que
diz respeito ao pensamento complexo, sobretudo no âmbito do Direito. Diz Gonzalez
(2006, p. 52):
137
entre a prática profissional e a pesquisa acadêmica. Acrescenta, ainda, o fato de o
Direito ter se identificado com o exercício do poder político no Brasil, historicamente.
138
prática profissional e da pesquisa, bem como das diversas vertentes de cada uma
delas.
Ele propõe um entendimento científico do direito a partir de outras
perspectivas, como da sociologia, da história e da filosofia, a fim de enriquecer a
perspectiva disciplinar, ampliando o conceito da dogmática jurídica, “de modo que os
pontos de vista da sociologia, da história, da antropologia, da filosofia ou da ciência
política não sejam exteriores, tampouco ‘auxiliares’, mas se incorporem à
investigação dogmática como momentos constitutivos” (2009, p. 19).
2
Diversas fontes manifestaram-se sobre as decisões:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1766869-justica-determina-bloqueio-do-whatsapp-
em-todo-o-brasil-por-72-horas.shtml>;
<http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160503_whatsapp_fim_bloqueio_fs_rm>; entre
outros
139
Nobre (2009): os estudantes formados em instituições com ensino de qualidade saem
prontos para exercer a técnica jurídica, mas sem preparo – e até mesmo sem
conhecimento teórico suficiente – para a pesquisa. Isto talvez se deva, grande parte,
à falta de contato com outras áreas do conhecimento, que podem ser úteis e
enriquecedoras.
É cediço que os fenômenos culturais não se restringem a uma determinada
área. Por exemplo, o que se convencionou chamar “modernismo” resvalou nas artes,
na literatura, na pintura – e, porque não? – no Direito. A mudança paradigmática para
o pós-modernismo, igualmente. Parece, entretanto, que o conhecimento acerca de
quais desses panos de fundo estão por detrás de certa teoria jurídica não chegam à
consciência do estudante de Direito, talvez apenas tardiamente o façam, e muitas
vezes nunca.
Exemplifica-se. Ao fazer parte de uma disciplina como aluna especial no
Mestrado em Letras, da Universidade Federal do Tocantins, nominada “Teoria da
Literatura Contemporânea”, ministrada pela Professora Doutora Valéria da Silva
Medeiros, na aula do dia 4 de maio de 2016, foi feita a seguinte provocação: “quando
se pensa no Renascimento, o que vem à cabeça?”. Imediatamente, pensou-se na
imagem do quadro “O nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli. Em seguida, a
mesma provocação foi feita com relação ao Iluminismo, e foram invocados os teóricos
deste movimento.
As ligações entre a arte, e a literatura da época, bem como o caminho até a
literatura contemporânea, marcada, assim como todos os campos do conhecimento,
pela incerteza, e a existência de verdades plurais e efêmeras, foi traçado. Mas este
não foi o ensinamento mais importante: foi bastante relevante o modo como se
ensinou, já que, muitas vezes, a conexão com outras áreas é importante para
compreender a própria área que determinada se propôs a pesquisar. Com certeza, a
imagem de Vênus é mais caricaturesca que qualquer texto do Direito, em relação ao
período do Renascimento, assim como, ao se pensar na modernidade, é possível
pensar em estradas de ferro, chaminés faiscantes, para em seguida relembrar o que
tudo isto significa em termos de dogmática jurídica.
Também é sobremodo importante dizer como, ao estudar a Literatura
contemporânea – ou, se preferir o leitor, pós-moderna- é possível visualizar
claramente a mudança de paradigma, caracterizada pelas narrativas com diversos
enredos, sem necessários começos-meios-e-fins deste modo colocados. No romance
140
policial, que é o mais estudado na disciplina, observa-se como o investigador
moderno – ao estilo Sherlock Holmes ou mesmo Dupont – transmudam-se no
Lonnrot, de Jorge Luís Borges, ou no Guilherme de Baskerville, de Umberto Eco, a
retratarem o pós-moderno.
O personagem de Borges, em “A morte e a bússola”, o detetive Lonnrot, é
chamado a desvendar uma série de assassinatos, organizados logicamente; no
entanto, quando está prestes a prender o responsável pelos assassinatos, acaba por
descobrir que a trama o atraiu para uma armadilha.
A armadilha engendrada para atraí-lo “nasceu” do acaso, o que, para o herói
modernista, significa a quebra de um paradigma, pois o dualismo “certo-ou-errado”
mostrou-se insuficiente para a solução de um problema.
Semelhantemente, Guilherme de Baskerville, em “O nome da Rosa”, propõe-
se a desvendar um mistério que, ao final, não guardava relação com todos os
elementos da investigação que ele havia colhido: em grande parte, influiu o acaso.
Já no conto “A carta roubada”, de Poe, não há qualquer influência do acaso:
Dupin encontra uma carta roubada, procurada há meses a fio pela Polícia, valendo-
se da metodologia da observação, cumprindo o papel do herói moderno.
Diferentemente de Lonnrot, o detetive de Poe acredita no poder da ciência, e não é
frustrado em suas expectativas. Tampouco o é o detetive Sherlock Holmes, que com
sua perspicácia baseada em método científico, consegue desvendar todo e qualquer
mistério que chegue às suas mãos.
Observa-se como, assim no Direito, assim na Teoria Literária, a pós-
modernidade é retratada como o lugar e o tempo da incerteza, sendo refletida em um
e na outra sem qualquer obrigação de encontrar respostas. Deveras, outras
correspondências, consensos ou dissensos, podem ser formulados a partir da análise
de diversos campos do conhecimento, enriquecendo o trabalho teórico e o campo do
conhecimento do pesquisador. Ler é necessário, e não apenas leitura técnica, pura
dogmática ou interpretação de artigos de lei: urge entender o pano de fundo que
sustentam certas visões e informações no mundo de hoje.
A discussão do moderno e do pós-moderno poderia, ainda, ser pensada a
partir de uma visita ao recém-lançado Museu do Amanhã, na cidade do Rio de
Janeiro- RJ, onde a exposição principal trata sobre aspectos do Cosmos, da Terra,
do Antropoceno, dos Amanhãs e do Nós (homens), a partir de saberes e histórias. No
local, mostra-se bem presente a discussão entre o passado recente das grandes
141
descobertas científicas da modernidade, o presente, e o amanhã, ou seja, o que
desejamos para o futuro.
Estas inter-relações estão em conformidade com um paradigma de
“supercomplexidade” (SANTOS, et. Al, 2013), tratando sobre os desafios da formação
docente e da universidade. Neste contexto, a nova educação deve facilitar a reflexão,
em vez de se colocar como um treinamento de pessoas em determinada área. Para
isto, sugerem as autoras que a Universidade do presente século deve assumir a
responsabilidade pela formação de docentes reflexivos e engajados na troca de
experiências entre a Universidade e a comunidade, ressaltando a urgência de um
ensino de qualidade e consciente de seu papel social. Embora com outro enfoque, a
conclusão das autoras é a mesma a que se chega no presente artigo: é necessário
reformular o ensino e a aprendizagem, no atual contexto de supercomplexidade.
Com efeito, os exemplos colocados acima são apenas alguns dos vários que
podem ser pensados, demonstrativos de como a comunicação entre as áreas do
conhecimento pode ser rica e efetiva, podendo refletir nos trabalhos científicos em
Direito de modo a ensejar um salto qualitativo à semelhança dos demais campos da
ciência, bem como contribuir efetivamente para a superação de um pensamento
compartimentado, focado apenas em si mesmo e em seu campo teórico, rumo a uma
pesquisa capaz de se conduzir considerando a complexidade do mundo
contemporâneo.
Certamente, tais experiências contribuem para uma reflexão no âmbito do
Direito, pois a pesquisa jurídica deve servir aos homens, aos ideais de justiça, ao
mundo prático, deixando o castelo onde está erigido como uma ciência pura e “não
contaminada” para um campo aberto a contribuições de outros saberes.
Referências
BORGES, Jorge Luis. Tradução de José Colaço Barreiros. Ficciones. Editorial
Teorema: 2000.
142
CRAIDE, Sabrina. Bloqueio de Whatsapp viola Marco Civil da Internet, diz
especialista. EBC Brasil. Disponível no sítio eletrônico <
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-05/bloqueio-de-whatsapp-viola-
marco-civil-da-internet-diz-especialista>, última consulta no dia 9 de maio de 2016,
às 00:15 horas.
143
144
CRIAÇÃO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL – A ZONA
FRANCA DE MANAUS
Juliana de Sá A. C. Guedes
Mario Quintas Neto
Priscila Francisco da Silva
Introdução
145
vez que ela ajuda a justificar os investimentos e a criação da própria Zona Franca de
Manaus.
Primeiramente, coube um breve apanhado histórico das tentativas de
colonização e exploração comercial econômica da região, sejam pelos europeus,
sejam pelos brasileiros.
A despeito da existência de povos originários na região, esta sempre esteve
no desejo e imaginário europeu a conquista das Índias e do Novo Mundo. Registros
historiográficos dão conta que antes mesmo de Pedro Álvares Cabral “descobrir” o
Brasil em 1500, outros navegadores europeus já haviam encontrado, via litoral norte
da América Latina, caminho para o grande rio Amazonas.
Há relatos de que Diogo Cão, Alonso Ojeda e Vicente Pinzón haviam por aqui
navegado, imaginando tratar-se o Amazonas o próprio Ganges. Como nos expõe
Freitas de Rezende (2006), a exploração da região se dará através dos Andes
peruanos somente 50 anos após a chegada dos europeus ao novo continente. A
motivação para a exploração do Rio Amazonas e da região foi mais em razão da
fantasiosa jornada rumo ao El Dorado do que, de fato, pela necessidade de ocupar e
explorar a área.
Tais expedições, de cunho exploratório, comprovariam a possibilidade de
acesso às minas de prata do Alto Peru através do sistema fluvial do Amazonas. Essa
possibilidade de acesso trouxe grande preocupação a Coroa Espanhola, à época
unida a Portugal, no período conhecido como União Ibérica. Tal preocupação
aumentava diante da realidade da ocupação do litoral norte latino americano por
franceses e holandeses que permaneciam em forte comércio de pau Brasil com os
indígenas daquela região. A existência de São Luís, um povoado francês, punha em
risco processo de ocupação portuguesa no Norte e Nordeste do Brasil. Portanto, era
vital assegurar a tomada e o controle tanto da região do Maranhão quanto do Grão
Pará, a fim de colonizar, povoar e, mais importante, bloquear o acesso de
estrangeiros ao vale do Amazonas e ao sistema fluvial, porta direta para as minas de
prata.
Conforme o andar da carruagem histórica mundial e a consequente
transformação dos meios econômicos e produção, surge a figura do Marquês de
Pombal que, reconhecendo a importância do Grão Pará e do Maranhão para o império
Português, toma uma série de medidas com intuito de melhorar a relação e proteger
importantes territórios ultramarinos. Novamente determina programas de ocupação e
146
desenvolvimento da região, expulsão dos jesuítas, liberdade para os indígenas da
região e aporte de escravos africanos naquela área. Deste período, data a liberação
da navegação do Rio Madeira, denominada de moção norte, ligava o Mato Grosso ao
Belém do Pará, importante elemento para manutenção e desenvolvimento da
possessão lusitana na região.
Os cronistas da época dão conta das dificuldades encontradas para a efetiva
ocupação pelos europeus, seja pela presença de povos originários hostis às
tentativas de colonização, pelo enfrentamento de doenças e moléstias tropicais ou
devido ao isolamento geográfico, é certo que esses fatores sempre estiveram contra
o desejo lusitano de uma presença maciça da região.
Ao retratarmos Manaus, verificamos sua história muito próxima daquelas
outras cidades contemporâneas a si, constituída inicialmente para ser um fortim,
servindo de resguardo a um ponto estratégico, no caso, a barra de encontro entre o
Rio Negro e o Rio Solimões. Devido à grande presença de indígenas de diversas
etnias, entre elas os manaós, do qual derivou o nome Manaus, houve também a
presença de catequizadores de diversas ordens religiosas, todas com o “nobre” e
“único” propósito de salvaguardar a alma dos povos originários. Essa confluência de
pessoas deu origem ao povoado, elevado em vila e, posteriormente, em cidade.
Com a segunda revolução industrial, o alto valor internacional da borracha
produzida em abundância em Manaus proporcionou uma alavancada da economia
regional, conhecida como o Ciclo da Borracha. Outro fenômeno decorrido da
produção da borracha, aliada à Grande Seca do final da década de 1870, foi um
grande fluxo migratório da região nordeste em direção aos seringais.
No final do Império, com a elevação da província a condição de Estado,
membro do pacto federativo, Manaus tornou-se a capital desta unidade federativa a
qual, dada a importância da borracha no mercado internacional, garantiu a riqueza e
opulência notável relacionada ao período. Este crescimento econômico permaneceria
até meados da década de 1910 quando, diante da forte concorrência da borracha
produzida na Ásia, veria o declínio de sua economia até a quase total estagnação.
Este primeiro apanhado, embora extremamente superficial, dá conta de
apresentar um breve panorama das tentativas de colonização e exploração europeu-
brasileira da região amazônica. Movido, primeiramente, por um desejo de garantia de
posse do território, até a descoberta de um produto que possuía valor mercadológico
similar ao café diante do Mercado Internacional, e, posteriormente, tal qual o café, a
147
crise advinda de uma rejeição do produto brasileiro frente a este mesmo mercado
externo tão almejado.
Como podemos observar, o extrativismo, o anseio exploratório, característico
do modelo colonizador lusitano, determinou a forma de ocupação e exploração da
região amazônica até o período conhecido como República Velha. Não houve até
aquele momento nenhuma preocupação em determinar quem eram os povos
originários da Amazônia, quais impactos a presença dos europeus trouxeram para a
região e qual sua importância, não apenas para aqueles povos, mas para um
ecossistema inteiro. Mesmo as fronteiras brasileiras ao norte, noroeste ainda eram
muito promíscuas e incertas.
Não houve um grande despertar de interesse ou de consciência acerca da
importância ambiental, da biodiversidade ou da cultura dos povos originários da
Amazônia. No Brasil do Estado Novo houve a campanha da Marcha para o Oeste,
com expedições famosas como a Roncador-Xingú, resguardadas as devidas
proporções, um novo movimento de estradas e bandeiras em pleno século XX, na
tentativa de adentrar ainda mais ao Oeste e garantir a posse da fronteira.
“Heróis” como os irmãos Villas-Boas, Cândido Rondon e outros, fizeram as
vezes de homens como Borba Gato e Raposo Tavares. Contudo, desta vez, agiam
com a justificativa positivista de seu lado, tais quais aqueles homens e suas missões
civilizatórias. Denominado como Movimento da Grande Marcha para o Oeste,
adentramos um novo período de ocupação das fronteiras sertanejas do Brasil rumo a
Amazônia, ora mediada pelo enfrentamento com os povos originários, ora através da
interação amistosa, sob os auspícios positivistas e antropológicos de uma ciência
europeia.
Manaus novamente ganha destaque econômico uma vez que seu principal
produto, a borracha, é elemento fundamental para a indústria norte-americana. Com
o desenrolar da segunda grande guerra, o acesso ao mercado asiático fica bastante
comprometido, tornando o produto brasileiro mais uma vez bastante desejado no
exterior.
Sobre a importância da borracha durante o conflito mundial, coloca Salazar
(2006) em sua obra Amazônia Globalização e Sustentabilidade que:
148
guerra dos aliados. Através desses acordos, Vargas trocava a borracha da
Amazônia pela tecnologia do aço. Com uma só tacada criava o Banco de
Crédito da Borracha, em parceria com os americanos, estabelecendo o
monopólio da compra do produto e sua entrega para os Estados Unidos
através da Rubber Development Corporation e obtinha compromissos e
empréstimos; retornava assim o processo de ocupação econômica da
Amazônia por meio de um projeto de recuperação dos seringais nativos [...]
149
O plano de desenvolvimento para a Amazônia mudou. Já não era mais em
função de pressões e interesses políticos regionais, mas do projeto de integração
nacional das Forças Armadas. O Estado, por meio da SUDAM, atuava de outro modo,
montava a infraestrutura indispensável para a ocorrência do desenvolvimento por
intermédio da iniciativa privada, nacional, ou mesmo estrangeira, com o estímulo dos
incentivos fiscais. (Bercovici, 2003)
Desta forma, caminhou-se para a consolidação de um modelo de ocupação
econômica subsidiado pelos incentivos fiscais, justificados pela necessidade de
manutenção da soberania nacional brasileira, independente da existência de povos
ou culturas locais, ou mesmo da existência de outros marcos delineatórios naturais
ou culturais por exemplo.
150
segurança para manutenção da integridade das fronteiras. Um ano depois, em novo
Decreto-Lei nº 356/68, o Governo estendeu os benefícios da ZFM para toda a
Amazônia Ocidental.
Em 1989, com a nova constituinte, sete novas áreas de fronteira também
passam a receber os incentivos de ZFM, na intenção de integrar estas regiões com o
restante do país. A primeira a ser criada foi a de Tabatinga, no Amazonas, por meio
da Lei nº 7.965/89. Nos anos seguintes, foram criadas as de Macapá-Santana (Lei nº
8.387/91, artigo II), no Amapá; Guajará-Mirim (Lei nº8.210/91), em Rondônia;
Cruzeiro do Sul e Brasiléia-Epitaciolândia (Lei nº 8.857/94), no Acre; e Bonfim e Boa
Vista (Medida Provisória 418/08), em Roraima.
A Zona Franca de Manaus possui cinco modelos ou fases distintas, as quais
observaremos a seguir:
1ª Fase (1967 – 1975) – Transformação da indústria de importação de bens
de consumo e formação de mercado interno.
2ª Fase (1975 – 1990) – Incentivo à indústria nacional de insumos.
3ª Fase (1991 – 1996) – Nova política Industrial e de Comércio exterior –
abertura da economia brasileira para o Mercado Externo.
4ª Fase (1996 – 2002) – adaptação da economia brasileira ao cenário
econômico globalizado – adequações ao plano Real e o movimento de
privatizações.
Atual – entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)
prevendo maior eficiência produtiva e capacidade de inovação das
empresas e expansão das exportações.
3
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teleologia dos incentivos fiscais e a criação da Zona Franca de
Manaus, 2012. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI162725,21048-
Teleologia+dos+incentivos+fiscais+aprovados+pela+Suframa. Acesso em 05.04.2015.
151
anos4, ou seja, até o ano de 2013, conforme disposto no artigo 40 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, in verbis:
4
A EC 42/03 prorrogou por mais 10 anos os incentivos. Em 2014, a EC 83 acrescentou 50 anos a
vigência dos benefícios que se enceraria em 2023.
152
Em consonância com este dispositivo, o art. 175, §7º assim dispõe:
O entendimento apresentado por Martins harmoniza com o art. 43, § 2º, III 5
da CF que enumera os incentivos fiscais como um dos instrumentos do Estado para
promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais.
Apesar do texto constitucional vedar a distinção entre os Estados ao instituir
tributos, o art. 151, I, in fine6, admite a concessão de incentivos destinados a promover
o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país.
Assim, do art. 40 do ADTC, resulta que nenhuma mudança negativa nos
incentivos poderão ser realizadas no período de vigência, hoje até o ano de 2073.
Sabiamente o constituinte achou por bem garantir que o legislador ordinário
não suprimiria os incentivos necessários para assegurar o desenvolvimento daquela
região.
5
“Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo
geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. (...)
§ 2º Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: (...) III. isenções,
reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas”.
6
“Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou
que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em
detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o
equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; (...)” Grifo
nosso
153
A ZFM e os impactos ambientais
154
(PIM). Segundo o autor: “A cidade cresceu, singrou a floresta, as personagens e
atores sociais mudaram. A organização do trabalho e a estrutura da sociabilidade são
outras. O legado social deixado nos anos do apogeu da borracha e do período
chamado de estagnação soma-se com as novas desigualdades socialmente
produzidas na atualidade.” (Scherer, 2009).
Assim, em termos sociais, a grande transformação observada foi o
crescimento populacional. As ocupações irregulares ocasionam não apenas
problemas ambientais, mas também de saúde (por se tratar de um espaço com altos
índices de malária), falta de saneamento básico, energia elétrica, escolas, transporte
etc. O processo de ocupação para construção de moradias tem como principal
característica a retirada das árvores e a “limpeza” do terreno. A intensificação desse
processo acarreta sérios problemas de alagamento, desabamento, vulnerabilidade a
ventos fortes etc.
Em atenção aos estudos de Carvalho, estes ressaltam que a Zona Franca
concentrou a economia do estado em Manaus, onde se arrecada cerca de 98% dos
impostos estaduais, além de concentrar mais de 50% da população do Amazonas.
As atividades do setor primário sofreram forte diminuição durante as décadas de
1970, 1980 e 1990. O Amazonas tornou-se grande importador de alimentos. Perto de
94% daquilo que se consome vem de outros estados da federação, encarecendo
sobremaneira os produtos de origem agropecuária em função do frete. Importa-se
leite, frango, farinha, feijão, arroz e principalmente hortigranjeiros. O êxodo rural
acelerou-se, a capital inchou, pulou de 300 mil (em 1970) para aproximadamente 2
milhões de habitantes nos primeiros anos do século XXI. Cresceram a população e
os problemas da capital. (Carvalho, 2010).
As pressões ambientais decorrentes desse crescimento da população foram
significativas. O intenso processo de ocupação ocasionou perdas de cobertura
vegetal, assoreamento e poluição dos igarapés, estes, presença marcante na capital
amazonense e responsáveis por parte da manutenção da biodiversidade amazônica.
Outra consequência ambiental gravíssima e decorrência direta desse projeto
implementado pela ditadura militar foi a integração regional através de rodovias. Ao
contrário da ZFM, que foi recepcionada pela Constituição Federal, garantindo,
inclusive, a realização dos direitos fundamentais, em especial o direito fundamental
ao trabalho; a Rodovia Transamazônica – BR230, que compunha o Programa de
155
Integração Nacional (PIN) na região Amazônica, feriu vários dos direitos fundamentais
do homem.
Amparado pelo Decreto-lei 1.106 de 16 de junho de 1970 e prometendo
construir 15 mil quilômetros de rodovias na região amazônica, dos quais 3.300 km
pertenceriam a BR-230, a construção da estrada causou danos ambientais e
socioculturais, gerando prejuízo permanente aos povos indígenas que habitam
aquela região. Tais fatos são objetos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério
Público Federal contra a União e a FUNAI.
Na execução não houve preocupação quanto à sustentabilidade e aos
impactos que a obra poderia ocasionar, gerando prejuízos ambientais incalculáveis,
dentre outros, empobrecimento do solo, poluição atmosférica, redução da fauna,
alteração dos cursos dos rios e desmatamento, ferindo o princípio constitucional do
direito ao meio ambiente protegido.
Os prejuízos aos povos indígenas foram ainda maiores, no âmbito
sociocultural, houve desrespeito ao princípio da organização social, costumes e
tradições do povo, além dos princípios da dignidade da pessoa humana. O contato
interétnico, levou doenças antes inexistentes naquela localidade, ocasionando a
morte de muitos indígenas. Além disso, o recrutamento forçado para o trabalho na
construção da rodovia causou forte desestruturação nas aldeias, os índios, acuados
por conta das atividades de tratores, aviões e explosões por dinamite no local,
deixaram de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios
sagrados. Os locais desmatados para a construção da estrada correspondem aos
locais sagrados e de rituais, como cemitérios e casas das aldeias dos povos tenharim
e jiahui.
Os danos ambientais e grande parte dos danos socioculturais ocasionados
possuem efeitos permanentes e prejudicam cotidianamente a reprodução da cultura
e do modo de vida, segundo seus usos, costumes e tradições. Houve, portanto,
violação aos direitos fundamentais desses povos, tornando permanente a limitação
do usufruto constitucional a eles garantido, pois impede o livre acesso dos indígenas
aos recursos naturais de que dispõem, bem como obstaculiza a preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e a sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231 da Constituição Federal).
Considerações Finais
156
Fica evidenciado que existe uma grande lacuna entre o discurso oficial e os
elementos que validam a existência de um Polo Industrial e uma Zona Franca em
Manaus.
Se por um lado observa-se claramente um desenvolvimento econômico
artificialmente incentivado, ou melhor dizendo, artificialmente criado, de outro
observa-se que este mesmo crescimento é pontual, existente em apenas uma única
ilha dentro de um grande sistema ecológico que é a Amazônia.
A existência de uma Zona Franca de Manaus, seus incentivos e seu discurso,
oficializado via judicial serviu muito bem para atender uma demanda histórica de
preencher um “vazio” geográfico. Mas que vazio é esse?
Em nenhum momento os governantes, sejam eles portugueses, espanhóis ou
brasileiros preocuparam-se com a existência, sobrevivência e manutenção das
comunidades locais e tradicionais. A região amazônica sempre foi e por muitos anos
ainda será considerada um vazio demográfico, um vazio econômico, um vazio de
propósitos que deverá, a todo custo, ser desbravada e conquistada.
Observa-se o Brasil justificar o pré-sal como a fronteira final de exploração e
avanço territorial, em águas ultramarinas, mas por outro lado percebe-se a Amazônia
como um local ainda intocado, esperando um melhor momento para sua devida
exploração.
A existência de políticas desenvolvimentistas sequer dá conta das dimensões
sociais envolvidas, ou pelo menos, daquelas que não configuram um valioso recurso
econômico. Para o desenvolvimento econômico da região, não há o que opor a
conservação e preservação de um igarapé ou mesmo projeção de ocupação do
espaço urbano quando tantas peças, tantos produtos devem ser produzidos e
vendidos, sejam para o mercado interno, seja para o mercado global.
Assim, frente a dicotomia entre o discurso e resultados oficiais apresentados
por uma autarquia e os estudos acadêmicos acerca dos impactos no meio ambiente,
permanece um constrangedor e incomodo silêncio, tônica de um discurso anacrônico
do século XIX e XX, onde ainda bandeirantes são necessários para explorar o país
e utilizar suas riquezas.
Referências
157
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo:
Max Limonad, 2003.
PRADO JÚNIOR, Caio, 1907 – 1990. História Econômica do Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 2006.
SCHERER, Elenise Faria (org.). Questão Social na Amazônia. Manaus: Edua, 2009.
158
SCHWAB, Mariana de Castro. Nacionalismo, políticas sociais e Marcha para o
Oeste nos artigos de Paulo de Figueiredo durante o Estado Novo (1937-1945)-
ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009.
159
A REALIDADE NA APLICAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NA
COMARCA DE PALMAS/TO
1. INTRODUÇÃO
160
E por fim, demonstram-se casos atuais e os efeitos da aplicação da
“audiência de custódia” na Capital do Estado do Tocantins, tendo em vista que esta
já está implantada há poucos meses no Estado.
Art. 7. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções
judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta
em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode
ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
161
No Brasil, o Projeto de Lei n° 554/11, que trata sobre a aderência da audiência
de custódia foi apresentado em 2011, de iniciativa do Excelentíssimo Senador Antônio
Carlos Valadares, do PDB-SE, que, em 2013 já foi aprovado pela Comissão de
Direitos Humanos do Senado Federal. Atualmente o Projeto encontra-se pronto para
deliberação do Plenário, desde o dia 16 de Março de 2016.
O Projeto objetiva a alteração do art. 306 do Código de Processo Penal,
fundamentando-se legalmente que os Tratados Internacionais já citados não estavam
sendo cumpridos pelo país. Destaca-se a ementa do Projeto em questão:
162
Sua execução tornou-se possível no Tocantins através da Resolução n°17 do
Pleno Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, iniciando-se sua vigência na
comarca de Palmas, veja-se na íntegra:
163
podendo, quando comprovada uma das hipóteses do art. 318 do mesmo
diploma legal, substituir a prisão preventiva pela domiciliar. § 5º A audiência
será gravada em mídia adequada, lavrando-se termo sucinto com o inteiro
teor da decisão proferida pelo juiz. § 6º A gravação original será depositada
no juízo competente e uma cópia instruirá o auto de prisão em flagrante. § 7º
Após a realização da audiência de custódia, os autos serão encaminhados
ao juízo competente.
Art. 8º Esta Resolução entra em vigor 20 (vinte) dias após a sua publicação.
Conceito e Finalidades
164
Registra-se aqui que, o Código Eleitoral Brasileiro prevê uma espécie de
audiência de custódia desde 1965 para aqueles que forem presos entre cinco dias
antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição, vejamos:
Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz
que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade
do coator” (art. 236, § 2º).
Vislumbra-se no presente artigo a semelhança com o projeto da audiência de
custódia.
Há outra hipótese semelhante à audiência de custódia prevista no artigo 175
do Estatuto da Criança e do Adolescente: Em caso de não liberação, a autoridade
policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério
Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.
Portanto, visualiza-se que a preocupação quanto ao tema permeia o cenário
brasileiro há décadas.
Pelo exposto, conclui-se que uma das principais finalidades de sua
implementação no Brasil é “ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos” (PAIVA, 2015, p. 34 ), conforme defende o
doutrinador Paiva, haja vista que a previsão internacional não estava sendo aplicada
devidamente.
Essa finalidade também foi ressaltada pelo ministro Lewandowski, presidente
do Conselho Nacional de Justiça, após a assinatura do termo de compromisso no
Tribunal de Justiça do Maranhão, afirmando que “A audiência de custódia é uma
obrigação legal imposta pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, mas que não vinha
sendo cumprida desde 1992”.
Ademais, a audiência de custódia mostra-se como um mecanismo processual
capaz de conferir maior eficácia ao princípio da presunção de inocência ou da não-
culpabilidade, previsto no artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal.
O não cumprimento ou o cumprimento precário do princípio em questão gera
como principal consequência à superlotação das prisões no Brasil veja:
165
Sendo o principal foco da realização do projeto a superlotação do sistema carcerário
brasileiro, a audiência de custódia foi especialmente designada com o objetivo de
diminuir o problema em âmbito nacional.
[...] no caso dos réus que cumpriam prisão provisória, 62,8% foram
condenados a penas privativas de liberdade, enquanto 17,3% foram
absolvidos. Um número considerável de presos provisórios foi condenado a
penas alternativas (9,4%) ou tiveram que cumprir medidas alternativas
(3,0%). Somando-se ainda os casos de arquivamento (3,6%), prescrição
(3,6%) e medida de segurança (0,2%), constata-se que 37% dos réus que
responderam ao processo presos sequer foram condenados a pena privativa
de liberdade. (sic)
167
Após o lançamento do projeto Audiência de Custódia em Fevereiro de 2015
pelo Conselho Nacional de Justiça, em Abril do mesmo ano editou-se o Termo de
Cooperação Técnica n° 7/2015 juntamente com o Ministério da Justiça em conjunto
com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, in verbis:
168
A proposta realizada pelo Grupo de Trabalho foi submetida ao Pleno do
Tribunal de Justiça e aprovada no dia 02 de Julho de 2015, por unanimidade, de
votos. A aprovação resultou na Resolução n° 17 do TJTO, publicada no diário de
justiça n° 3610.
No dia 10 de Agosto de 2015 o presidente do Supremo Tribunal Federal e do
Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, lançou em Palmas o
projeto “Audiência de Custódia”.
O ministro ressaltou em seu discurso que a medida faz parte de uma política
que enfrentará a cultura do encarceramento no país.
No mesmo dia foi realizada a primeira audiência de custódia na comarca de
Palmas.
Ressalta-se que o Estado do Tocantins foi pioneiro na Federação ao possuir
100% dos processos digitalizados através do sistema e-proc, o que demonstra a
facilidade no acesso ao processo, extremamente importante diante a agilidade que
se impõe no procedimento da audiência de custódia.
169
Portanto, as audiências veem sendo realizadas diariamente em sala
específica no Fórum de Palmas por juiz plantonista designado.
Primeiramente, os presos em flagrante estão sendo encaminhados à
presença do juiz no prazo de 24 horas, através do auxílio da Secretaria de Segurança
Pública.
Ocorre que, apesar do artigo 2° da Resolução estabelecer o período das 14
às 18 horas para a realização das audiências, em diversas situações os magistrados,
que possuem discricionariedade parcial na fixação do horário, optaram em realizar o
feito no período da manhã, estabelecendo-a muitas vezes no horário das 9 ou 10
horas, ajustado previamente com o Promotor e Defensor constituídos.
Ressalta-se que o descumprimento do horário estabelecido na Resolução nº
17 do TJ/TO não causa prejuízo ao conduzido, na medida em que o prazo de 24 horas
vem sendo cumprido rotineiramente.
O que se pode perceber principalmente é a subjetividade alargada dos juízes
durante a audiência para decidirem discricionariamente sobre a liberdade do preso.
Ou seja, nota-se que o juiz possui uma grande margem de escolha ao definir quanto
à soltura ou a manutenção da prisão, haja vista que poderá conceder liberdade
provisória, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares ou mantê-lo
encarcerado.
Sobre a discricionariedade concedida aos magistrados, demonstra-se através
da tabela como veem sendo decidido numericamente o futuro dos presos em flagrante
nas audiências de custódia no Tocantins.
170
2%
Concessão de liberdade provisória com
medidas cautelares
1%
Fiança
80
Internação provisória do acusado
171
Pelo exposto, percebe-se que as decisões majoritárias permeiam-se na
fiscalização do preso através do monitoramento eletrônico, do comparecimento em
juízo e da proibição de ausentar-se da Comarca.
O Monitoramento Eletrônico
Considerações Finais
174
As vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil são
inúmeras, sendo principalmente ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos, além de buscar reduzir o encarceramento em
massa no país, através do encontro do preso com o juiz, superando a tese da
“fronteira do papel”, presente no artigo 306, §1°, do CPP, onde o mero envio do auto
de prisão em flagrante para o magistrado fazia-se suficiente.
No Estado do Tocantins visualiza-se que a execução está sucedida quanto
sua finalidade de diminuir a utilização da prisão, que é ultima ratio, possibilitando o
contato prévio do juiz com o conduzido no prazo de até 24 horas.
Diante disto, percebe-se que os direitos fundamentais do preso veem sendo
resguardados com mais precisão e eficiência por parte do Poder Público.
Referências
AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 6. ed. São Paulo: Método, 2014.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,2014.
175
OLIVEIRA, Eduardo Alvares de. Audiência de Custódia, desafios e possibilidades,
21 ago. 2014. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2014-ago-21/aury-lopes-jr-
caio-paiva-evolucao-processo-penal>. Acesso em: 22/03/2016.
176
FALÊNCIA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Introdução
177
Sistema Prisional Brasileiro
178
Assim, os presídios acabam sendo depósitos humanos onde, muitas vezes,
devido à desorganização e a morosidade dos processos judiciários, detentos
permanecem encarcerados por tempo maior que suas penas; e assim, devido à
vulnerabilidade do sistema de segurança pública existem condenado os quais não se
sabe nem sequer onde estão detidos. Segundo ainda Benevides (2012, p. 124), deste
modo percebe-se que por descaso de um sistema falho, não existe possibilidade de
recuperação desses seres para o convívio social. (DROPA, 2004)
Rebeliões
179
Sobre esse aspecto, fica evidente que o Regime Disciplinar Diferenciado
pretende trazer soluções paliativas para os problemas da massa carcerária; no
entanto, o mesmo traz algumas sanções que contradizem a essência do Direito Penal,
ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual ficou proibido pela
Constituição Federal que, traduz que, teoricamente, as penas devem ser efetivas para
reeducação do preso, e não para seu prejudicar sua saúde física e mental,
entendendo ser este Regime inconstitucional na visão humanitária.
Preso X Trabalho
180
O princípio da dignidade da pessoa humana surge da necessidade de poupar
os seres humanos de diversas violações que ocorreram durante a história. Entende-
se que o infrator, independentemente do delito cometido, ainda possui o atributo
essencial do ser humano – a dignidade - atributo esse que constitui o valor supremo
do Direito; dessa forma, o apenado, embora encarcerado, não deixa ser cidadão,
devendo ser assim respeitado. (BITENCOURT, 2011, p.210)
Dessa forma, Stefam e Gonçalvez (2012, p.110) ressaltam a atenção
necessária ao princípio da dignidade da pessoa humana, por ser um princípio
constitucional indispensável:
Por outro lado, especificamente no que tange ao Direito Penal, a Lei maior
estabelece regras fundamentais, entre os direitos e garantias individuais, de
que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante” (art. 5º, III) e de que “não haverá penas: a) de morte, salvo em
caso de guerra declarada; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados;
d) de banimento; e) cruéis.” Trata-se, pois, de destacadas limitações ao
exercício do direito de punir do Estado, ligadas diretamente ao respeito à
dignidade humana.
Ressocializar X Reincidir
182
comunidade, auxiliando para a redução da violência e da reincidência dos mesmos,
dando a estes oportunidades de emprego, benefícios e resgatando a cidadania dos
sentenciados.
Pinheiro, 2011 ressalta:
Considerações Finais
183
direcionada também para a resolução de graves problemas sociais enfrentados pelo
país
Diante dos fatos, mesmo não tendo soluções para todos os problemas, não
se pode deixar de questionar, debater e assim tentar promover ao menos a melhoria
da situação. Mesmo diante de situações frustrantes, entende-se que não se pode
perder as esperanças de inserir no país penitenciárias que ofereçam um ambiente
disciplinar adequado que ofereça, dentre outras coisas, o resgate da cidadania
perdida e possibilidade de construção da identidade desse marginal.
Dessa forma, em hipótese formulada diante da problemática proposta fica
comprovada sim, a deficiência do sistema penitenciário brasileiro, e que tal
deficiência é consequência das péssimas condições em que os detentos se
encontram; péssima alimentação, falta de estrutura, rebeliões, ociosidade, falta de
perspectiva; acredita-se que tais fatos sejam atribuídos ao descaso do Estado em
proporcionar um local para reeducá-los, uma vez que esquece-se que possuem
direitos, apesar de estarem em cárcere pelos delitos cometidos.
Assim, fica claro que é fundamental a necessidade da garantia da dignidade,
direito fundamental que é assegurado à todas as pessoas em qualquer situação de
sua existência.
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral. 16. ed.
SãoPaulo: Saraiva, 2011.
BRASIL.LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.
DROPA, Romualdo Flávio. Direitos humanos no Brasil: a exclusão dos detentos. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 333, 5jun. 2004 . Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/5228>. Acesso em: 29 out.
2012.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
184
MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Manual de
direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
185
RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ROMPIMENTO DE NOIVADO
Introdução
187
Breve Histórico Sobre o Noivado
7
Disponível em: <http://www.epochtimes.com.br>. Acesso em: 15 jan. 2016.
188
Nas palavras Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008, p. 104),
o noivado, “é o ato pelo qual as partes interessadas prometem, recíproca e livremente,
casar e, para tanto, assumem obrigações recíprocas, como o pagamento das
despesas com a habilitação para o casamento, o enxoval (…)”.
Diniz (2012, p.213) esclarece que: “o matrimônio, em regra, é precedido de
noivado, esponsais ou promessa recíproca que fazem um homem e uma mulher de
futuramente se casarem”.
Sintetizando o exposto, podemos conceituar o noivado como acordo prévio
e verbal que duas pessoas assumem reciprocamente com a finalidade precípua de
se casarem futuramente.
Ademais, com relação a natureza jurídica do noivado, uma parcela doutrinária
considera-o como um verdadeiro contrato preliminar, visto que antecede um outro
contrato que é o casamento, este dotado de direitos e obrigações recíprocas,
solenidades e efeitos jurídicos, e além disso os autores sustentam que o noivado
preenche todos os elementos fundamentais do negócio jurídico, que são agentes
capazes, manifestação de vontade, objeto e forma prescrita e não defesa em lei,
conforme inteligência do artigo 104 do Código Civil. Todavia discordamos deste
entendimento, posto que diante de um inadimplemento, não se poderia exigir a
execução coercitiva do objeto contratual, por uma razão bastante óbvia: ninguém será
condenado a se casar sem sua livre e espontânea vontade, visto que do contrário se
estaria viciando a manifestação de vontade dos noivos e invalidando o negócio
jurídico principal que é o casamento.
No tocante a regulamentação, o instituto em comento é previsto por inúmeras
legislações internacionais, sendo que algumas o consideram como verdadeiro
contrato, dessa forma no caso de inadimplência, aquele que desistiu terá o dever de
reparar (Códigos Civis alemão e suíço, leis escandinavas e direito anglo americano),
diferentemente dos Códigos Civis austríaco, espanhol, italiano, grego, holandês,
peruano, português e venezuelano, que não reconhecem o noivado como contrato,
contudo designam ao nubente abandonado(a) uma indenização. Vale notar que
algumas leis foram totalmente silentes a respeito do assunto (Código Civil brasileiro,
romeno e francês), sendo que a legislação argentina, colombiana, uruguaia e chilena
explicitamente não atribuiu nenhum efeito ao instituto. (ESPÍNOLA apud CHAVES,
1974).
189
O citado instituto no Brasil foi disciplinado primeiramente pelas Ordenações
do Reino, no período de pré- codificação e posteriormente foi regulamentado pela lei
portuguesa de 6 de outubro de 1784, que versava sobre os esponsais e seus efeitos
jurídicos, já que se fosse rompida a promessa esponsalícia, ensejaria o pagamento
de uma multa a título de reparação de danos, e por fim foi regulado pelos artigos 76
a 94 da Consolidação das Leis Civis de 1858.
Não obstante ter sido previsto pelas mencionadas leis, os esponsais ou
noivado não se encontra mais disposto na legislação pátria atual, visto que não foi
inserido no Código Civil de 1916, tampouco no Códex de 2002. Vale dizer, o noivado
não foi disciplinado de forma específica em nenhuma lei brasileira, nem a
responsabilidade que poderá advir do seu desfazimento, portanto se restar
configurada, tal responsabilidade deverá se basear na regra geral do ato ilícito.
190
atitudes ofensivas não tem o condão de compelir o promitente arrependido a ressarcir
o dano, através de indenização, já que neste caso, em tese, inexiste dano.
Como se observa, não é o rompimento em si que enseja a obrigação de
indenizar, e sim a maneira com a qual se desfaz tal promessa, o que deve ser
analisado é o comportamento daquele que quebra o acordo, haja vista que se tiver
agido de maneira ilícita, terá que responder pelos danos que efetivamente causou.
Aprofundaremos mais neste assunto, no tópico seguinte que versará sobre a
responsabilidade no caso de danos morais causados pelo noivo.
No que tange a responsabilidade civil decorrente do rompimento de noivado,
vale notar que esta é extracontratual ou aquiliana , já que não provém propriamente
de um contrato, e não se pode obrigar o noivo a cumprir a prestação de se casar,
assim por não existir um liame jurídico entre a vítima e o agente causador do dano é
que se trata de responsabilidade extracontratual.
Mister lembrar que nesse período que antecede o matrimônio, os noivos
realizam inúmeras despesas referentes á cerimônia, muitas vezes até desistem de
trabalhar e estudar, somente para se dedicarem exclusivamente aos preparativos do
casamento, efetuando gastos com convites, móveis e imóveis, vestidos para o
casamento, viagens, decoração, fotógrafos, buffets, dentre outros. Imagine-se que
depois de pagas as citadas despesas, o(a) noivo injustificadamente não queira mais
construir um vínculo conjugal com o(a) outro(a) parceiro(a), neste caso hipotético
existiria um dano material a ser reparado? A resposta parece óbvia, já que se houve
efetivos gastos com a cerimônia que não se realizou por conta da desistência do(a)
nubente, e se aqueles podem ser provados, resta configurado um dano material, que
deverá ser ressarcido.
Gonçalves (2015, p.72) coaduna com esse posicionamento, afirmando que:
191
ao patrimônio da vítima, ao induzi-la a custear parcial ou totalmente as despesas
atinentes ao matrimônio.
Entretanto, existem aqueles que discordam do citado ponto de vista,
defendendo que não se pode aceitar pretensões indenizatórias desta natureza, já que
se deferida a indenização estaria forçando o noivo desistente a se retratar como
maneira de se livrar de tal prestação.
Essa compreensão não deve prosperar, porque conforme já discutido a
indenização não tem o fim de constranger o noivo a cumprir a promessa esponsalícia,
visto que de fato as relações amorosas são permeadas de suscetibilidades e
incertezas e por isso mesmo a qualquer momento podem ser desfeitas, o que se
considera é apenas o estrago produzido pela quebra do acordo no momento em que
já haviam sido realizados gastos com a celebração, que somente não ocorreu pela
desistência voluntária, imotivada e definitiva do(a) nubente.
No tocante ao posicionamento da jurisprudência, apesar de algumas
divergências, o entendimento predominante é no sentido de condenar aquele que
desfez o noivado, ressarcindo os custos relacionados à futura união, já que os
tribunais não admitem o enriquecimento sem causa.
193
também o dano moral causado à vítima, visto que neste caso aumenta-se o grau de
exposição daquela.
A proximidade do enlace matrimonial também deve ser considerada, visto
que quanto mais próximo este rompimento estiver da cerimônia, maior será a dor,
vexame e humilhação experimentados pela noiva abandonada. Ou seja, apesar de
deter autonomia de vontade e liberdade suficiente para escolher entre casar ou não,
o parceiro que decidir romper o compromisso de noivado, deverá fazê-lo com uma
boa dose de cautela, tendo em vista que existem entendimentos doutrinários
assegurando que arrepender-se ás vésperas do matrimônio, quando já tiver sido
distribuído os convites e realizados gastos, como por exemplo decoração, buffet,
vestidos para a cerimônia, dentre outros, acarretará a obrigação de reparar para
aquele que desistiu.
Nestes termos, o princípio fundamental e alicerce de toda a Constituição
Federal, que é a dignidade da pessoa humana deve estar presente em todas as
relações privadas e públicas, e prevalece sobre a autonomia da vontade e liberdade
de contratar, sendo que qualquer ato que atente contra esse fundamento
constitucional, deverá ser reprimido.
Rui Stoco (2007, p.899) explica que:
194
os excessos e violações de maneira livre e motivada, e assim decidir se deve ou não
ser deferida uma justa indenização.
195
a)que a promessa de casamento tenha sido feita, livremente, pelos noivos e
não por seus pais. [...] b)que tenha havido recusa de cumprir a promessa
esponsalícia por parte do noivo arrependido e não de seus genitores, desde
que esta tenha chegado ao conhecimento da outra parte.[...] c)que haja
ausência de motivo justo, dando ensejo á indenização do dano, uma vez que
neste caso não há responsabilidade alguma se não houver culpa grave (erro
essencial, sevícia, injúria grave, infidelidade); leve (prodigalidade,
condenação por crime desonroso [...];levíssima (mudança de religião, grave
enfermidade, constatação de impedimentos ignorados pelos noivos etc.).
d)que exista dano [...].
196
emprego ou abandono de estudos, enfim quaisquer prejuízos decorrentes da quebra
do noivado. No tocante ao dano moral, a questão é ainda mais controvertida, isso
porque alguns defendem que não seria possível existir dano já que a ruptura dos
esponsais constituem fatos comuns da vida e que não tem relevância jurídica em si;
outros obtemperam afirmando que é possível a configuração daquele desde que a
atitude do(a) noivo(a) seja malvada, injustificada ou arbitrariamente contrária ao
direito e aos bons costumes, logo provada a lesão sofrida a indenização seria devida.
Neste sentido, Gonçalves (2015, p.73-74) preconiza que:
Concordamos com esse ponto de vista, posto que a noiva que é abandonada
no altar além da dor e humilhação pública, sofre o estigma de que “foi enganada ou
enrolada”, ou que “ficou pra titia”, logo a ruptura injustificada e ofensiva pode trazer
danos psicológicos quase irreparáveis para a noiva. Saliente-se que a fundamentação
legal da pretensão indenizatória está baseada na dignidade humana e nos princípios
constitucionais que resguardam a honra, a imagem, a intimidade e a personalidade
individual.
No que tange a jurisprudência, esta não é uníssona com relação a
responsabilidade civil, existindo julgados que tendem a defender com veemência tal
responsabilidade, entendendo pela configuração de obrigação de reparar o dano
sofrido pelo noivo abandonado, e outros afastando qualquer espécie de
responsabilidade civil quanto a ruptura do noivado, alegando tratarem-se de fatos
cotidianos da vida que não têm nenhuma relevância para o mundo jurídico. Neste
sentido, os julgados do Tribunal de Justiça do Paraná entendem que:
197
que rompe injustificadamente o noivado, poucos dias antes da data marcada
para o enlace e após serem realizados todos os preparativos para o evento,
provoca dor, tristeza e sofrimento para a noiva, acarretando a perda de sua
auto-estima e, principalmente, fazendo-a passar por constrangimentos e
humilhações perante seus convidados, amigos e familiares, além do trauma
emocional em virtude da ruptura da convivência, motivo pelo qual subsiste o
dever de indenizar.5. Na fixação do dano moral, deve o magistrado levar em
conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade, atendidas as condições
do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, não podendo constituir
fonte de enriquecimento ilícito e tampouco representar valor ínfimo que não
sirva como forma de desestímulo ao agente.(TJ-PR – AC 3309815 PR
0330981-5, Relator: Macedo Pacheco, Data de Julgamento: 06/07/2006, 8º
Câmara Cível).
Considerações Finais
198
o comportamento deste ultrapassar os limites da razoabilidade, boa fé e os padrões
de ética que devem pairar sobre toda e qualquer relação.
Verifica-se que uma significativa parcela doutrinária entende que quando o
rompimento for realizado de maneira injustificada, injuriosa, difamante, caluniosa e
atentar contra os direitos e garantias considerados invioláveis pela Magna Carta, a
obrigação de reparação se faz imperiosa. Neste diapasão, não somente o rompimento
de noivado, mas há que se enfatizar que qualquer ação ou omissão voluntária que
cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral ou que transgrida os direitos
fundamentais, são consideradas ato ilícito e portanto passíveis de indenização,
conforme preconiza o artigo 5º,X da Constituição Federal e os artigos 186 e 927 do
Código Civil.
Com efeito, no que tange a possibilidade de reparação por dano moral, a
questão é deveras controvertida, visto que não existem condutas taxativamente
qualificadas e definidas como geradoras de danos morais, por esta razão cabe ao
intérprete analisar casuisticamente e minuciosamente cada situação e definir se
houve ou não o cometimento de ato ilícito e consequente obrigação de indenizar. Por
fim, vale lembrar que a promessa de casamento imprime muitas vezes a realização
de um sonho e existe um depósito mútuo de confiança e respeito sacramentado pela
boa fé que deve estar presente em todas as relações afetivas, portanto o(a) noivo(a)
que pretende desfazer o compromisso, deve se munir de cautela e razoabilidade em
seu comportamento, para não exceder aos parâmetros comportamentais de ética e
dignidade, e não expor o(a) nubente a um desgaste excessivo de sua imagem e
honra.
Referências
BRASIL. Código Civil Brasileiro: lei nº 10.406, de janeiro de 2002. 21. ed. São
Paulo: Rideel, 2015.
BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil. 5. ed. São Paulo:
Saraiva.
199
CHAVES, Antônio. Lições de Direito Civil: direito de família. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1974.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 7. Responsabilidade Civil. 26.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVELD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil. Trad. Ary dos Santos. 3.ed. São
Paulo: Saraiva, 2014.
200
ALIENAÇÃO PARENTAL NO ÂMBITO JURÍDICO
Introdução
Deve ser objetivo da família possibilitar uma vivência positiva e uma condição
de vida onde as expectativas possam ser concretizadas desde as primeiras fases da
vida.
O divórcio e a separação dos pais, pode ser conforme as circunstâncias de
como ocorre, um momento traumático, especialmente aos filhos, que vêem nos
genitores os protetores, o âmbito familiar de sua garantia de segurança, afeto e
acolhimento.
O art. 70 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) da lei 8069/90,
dispõe que: "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente".
Os arts. 1.634 do Código Civil e 229 da Constituição Federal/88. dispõe que
os pais têm a função de dirigir e orientar a criação e a educação dos filhos, sendo
necessário contribuir não só com o auxílio material, mas ainda com o moral, o
intelectual e o afetivo, mesmo que os mesmos não vivam juntos (CARDIN, 2012).
O divórcio em nada alteram os direitos e deveres dos pais em relação aos
filhos, conforme CC. Art. 1.579. Esses deveres são impostos a ambos, na proporção
de seus recursos e de suas possibilidades (art. 1.703) (GONÇALVES, 2012).
Quando os pais se separam, é quase inevitável que hajam conflitos e
que surjam problemas e preocupações com as primeiras visitas ao outro genitor, pois
fantasias, medos e angústias de retaliação ocupam o imaginário dos pais e dos
próprios filhos, ainda não acostumados com as diferenças impostas pela nova
organização da família (DUARTE, 2009).
Como consequência dessa ruptura, Monteiro (2014) destacou que pode
ocorrer um fenômeno chamado alienação parental, onde existe uma incorporação
negativa de fatos e opiniões de forma voluntária por um dos cônjuges (guardião)
contra o outro cônjuge no sentido de afastá-lo do filho. Sendo a síndrome da alienação
201
parental já o processo patológico respeitante as consequências emocionais geradas
no comportamento do menor, vítima deste alijamento8.
Para os filhos o rompimento dos laços de afetividade com um dos genitores,
estabelece uma relação singular com um e afastando-se do outro. Construindo dentro
de si oposições de sentimentos e a destruição da afetividade entre ambos, além de
deixar sequelas emocionais que poderão comprometer o desenvolvimento saudável
dos mesmos (GONÇALVES, 2012).
Com o tempo a criança passa a rejeitar um genitor e expressa sentimentos
de desamor para este não desejando ter contato e aproximação, não tem a noção de
que pode ocorrer do outro ser capaz de lhe dar amor e poder cuidar, ao outro expressa
sentimentos de amor positivos, geralmente o que mantém a guarda, de forma que a
dependência do alienador torna-se plena, a ponto de qualquer ameaça a este vinculo
afetivo que seja entendida como um ataque a sobrevivência do menor traga prejuízos
e doenças emocionais para o mesmo (MATIAS e LUSTOSA, 2010).
A alienação parental é um tema bem tratado nas doutrinas de jurisprudência,
tem como dispositivo legal especifico que visa trazer aos operadores do direito no
instante quando forem atuar no ramo do direito da família, tal dispositivo é a lei 12.318,
de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre alienação parental e altera o artigo 236
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).Trazendo um amparo legal e
esclarecendo o real significado dessa pratica que é bastante discutida e mostra de
forma clara e objetiva que é reprovável e que deve ser preservado a afetividade entre
ambos genitores preservando o respeito mutuo entre ambos (SILVA, 2012).
O tema abordado neste artigo, é intitulado “Alienação Parental no Âmbito
Jurídico” e justifica-se por ser relevante no contexto social e com repercussões na
mídia, além dos aspectos psicológicos inerentes ao alienado e que necessitam da
intervenção jurídica para mediar ou punir o alienador frente a esta problemática.
A metodologia de estudo será através de pesquisa bibliográfica, no propósito
de obter conhecimento e fundamentação ao discorrer sobre um assunto tão peculiar
em no direito civil e direito de família.
A pesquisa será bibliográfica, realizar-se-á a partir de trabalhos científicos,
doutrinas, jurisprudências e revistas virtuais. Primeiro realizando leituras, para que
202
partindo disto possa ser absorvido todo conhecimento necessário para interpretar e
discorrer sobre o assunto.
Gil (2008), diz que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em
material já elaborado construído principalmente de livros e artigos científicos e o
estudo de caso, visa proporcionar certa vivência da realidade, tendo por base a
discussão, a análise e a busca de solução de um determinado problema extraído da
vida real.
Alienação Parental
203
Este pátrio poder não se extingue, portanto com a separação, ambos os pais
permanecem com os mesmos direitos e deveres para com os filhos perante a
legislação, à qual os mesmos devem antes de tudo buscar preservar os filhos diante
desta situação, não usando-os como instrumento de vingança.
Gonçalves (2012) frisou que existindo a obrigação de ambos os genitores de
prover o sustento dos filhos, embora estejam separados, deve ser assegurado o
convívio, por meio da regulamentação das visitas, não cabendo se falar em
desatendimento dos interesses do filho o impedimento dos pais concretizarem o
desejo de se separarem. Não havendo mais o afeto entre cônjuges, o legislador não
pode impedir uma possível separação.
Não há dúvidas de que quando ocorre uma separação conjugal existe uma
quebra da normalidade. Tal fato vem a modificar e muito o estado quo ante na vida
de todos os membros da mesma, vez que são criadas duas famílias distintas: a do
pai e da mãe. Em grande parte dos casos se inicia o problema de atribuição da
guarda, ou seja, quem será o principal cuidador da criança (MONTEIRO, 2014).
Conforme Dias, (2013) o Estado é legítimo para adentrar o recesso familiar,
com a perspectiva de defender os menores que o habitam. Assim, fiscaliza o
adimplemento de tal encargo, podendo suspender ou até excluir o poder familiar.
É evidente que o homem não deve ser tratado como um meio para que o
Estado atinja seus interesses, mas sim como uma finalidade do Estado. Dessa forma,
o Estado este deve garantir ao indivíduo todas as condições necessárias para que
este possa viver com as condições necessárias para sua existência.
Sendo responsabilidade solidária da família, da sociedade e do Estado prover
o essencial para que o menor leve uma vida digna, não há o que se falar em limites
quando, por exemplo, a família falha na sua função.
Ultimamente, a sociedade brasileira passa por diversas mudanças, com
relação a finalidade e função da família. Quando da perda dessa função, compete ao
Estado chamar para si a responsabilidade sobre o poder familiar com a finalidade de
proteger o menor de quaisquer formas de negligência, abandono ou alienação
parental.
A promoção dos direitos intrínsecos às criança e adolescentes tipificados pela
CF/88 bem como pelo ECA os quais asseguram ser o papel da família, da sociedade
e do estado fundamentais para o desenvolvimento físico, social e moral dessa
população, inclusive quando estes já não vivem no meio seio familiar.
204
O artigo 227 da CF/88 dispõe que:
Sempre que ocorrer algum fato incompatível ao exercício do poder por seus
titulares existe a possibilidade de suspensão ou de sua destituição. Tanto a
suspensão como a destituição são formas de o Estado proteger a criança ou o
adolescente daqueles pais que estão faltando com seus deveres em relação a seus
filhos, sempre em prol do interesse do menor. Todavia, a principal diferença entre os
institutos de suspensão ou de perda desse poder é a gravidade das faltas cometidas
pelos pais (COMEL, 2003).
Como pondera Zambelli (2010, p. 52):
Observa-se que o artigo 201 do ECA c/c com o artigo 148 do mesmo Estatuto
prevêem a responsabilidade do Poder Público perante esses indivíduos.
Esse dever conferido aos Promotores de Justiça da Infância e Juventude,
responsáveis pela defesa dessas crianças e adolescentes, é elementar e
indisponível. Eles não detêm a alternativa de agir ou não, quando existe a
ameaça ou a violação ao direito, porém têm a discricionariedade de escolher.
205
Assim, compete ao Estado vigiar, reparar e suprir quando necessário a atuação
dos pais no efetivo cumprimento dos direitos fundamentais do menor. Ao Estado cabe
intervir quando os pais abusem de seus direitos e não cumpram com seus deveres,
possibilitando a concretização do princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, que enfrenta com a separação dos pais o que a doutrina jurídica
conceitua como Alienação Parental e Síndrome de Alienação Parental.
No dia 26 de novembro de 2014, foi aprovada pelo Senado Federal a nova lei
da guarda compartilhada, Lei nº 117/13, que se torne regra, e não mais exceção a
ser buscada na Justiça, possuindo inumeráveis vantagens, principalmente no que se
refere ao desenvolvimento psicológico do filho. Nela não existe a exclusividade em
seu exercício. O genitor e a genitora detém a aguarda e são corresponsáveis pela
condução da vida dos filhos.
Alienação Parental
206
Os autores acima, fundamentam a importância de um maior aprofundamento
científico para que a lei seja aplicada, buscando-se uma maior compreensão, já que
é um fenômeno natural e social que muitas vezes ocorre sem o juízo consciente do
próprio alienador da atitude inadequada contra o ex-cônjuge, utilizando-se o filho
como instrumento desta ação, sem medir o prejuízo emocional que pode acarretar ao
filho alienado.
Como bem enfatizaram Barbosa e Juras (2010, p.322):
207
É preciso portanto compreender a dinâmica psicossocial deste processo,
estabelecer os vínculos, traçar a amplitude dos fatores que levaram ao genitor traçar
este caminho que insere nos filhos, os seus próprios anseios, suas íntimas reflexões
e conceitos em relação ao cônjuge, onde os filhos são usados como instrumentos
para atingir aquele que é visto como o culpado dos distúrbios ocasionados na família.
Dias (2013) destacou que alienação parental ocorre quando na ruptura da vida
conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da
separação, ficando o sentimento de rejeição, ou raiva pela traição, surgindo então
um desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de
desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. O genitor que detém a guarda, faz com
que o filho tenha uma imagem negativa do ex-parceiro, persuadindo o filho a acreditar
em suas crenças e opiniões. Ao conseguir impressioná-los, leva-os a se sentirem
amedrontados na presença do não guardião. Por outro lado, ao não verem mais o
outro genitor, sem compreenderem a razão do seu afastamento, os filhos sentem-se
traídos e rejeitados, não querendo mais vê-los. Como conseqüências sentem-se
também desamparados.
Para Dias (2013) pessoas submetidas ao SAP mostram-se propensas a
atitudes antissociais, violentas ou criminosas, depressão, suicídio e na, maturidade
quando atingida, revela-se o remorso de ter alienado e desprezado um genitor ou
parente, assim padecendo de forma crônica de desvio comportamental ou moléstia
mental, por ambivalência10 de afetos.
Alienação parental é definida pela Lei 12.318 de 2010, como sendo:
208
Segundo Monteiro (2008) todos os conflitos, brigas, disputas, ofensas, inveja,
ciúme, intriga, calúnia, infelizmente, penetra nas relações de muitos casais separados
e no meio de todas essas confusões, emoções, os filhos, inseguros, dependentes e
indefesos que, na maioria das vezes, gostariam de ver os pais juntos, justamente
porque há um medo enorme de abandono, até porque sofrem, sentindo-se,
absurdamente, como sendo os causadores da separação.
Conforme relatou Dias (2013) havendo indícios da SAP, a lei prevê a
instauração de procedimentos autônomo ou incidental, com tramitação prioritária,
adotando-se o juiz as medidas necessárias à preservação da integridade psicológica
do filho. Não só o pai ou parente que se sinta vítima da alienação parental pode
intentar a ação. O Ministério Público dispõe de legitimidade para a demanda.
Madaleno (2013) relatou que o progenitor que estabelece um caminho de
obstrução de contato de seu filho com o outro genitor, aproveita-se de um sentimento
de impunidade e procede com uma espécie de lavagem cerebral dos filhos, os quais,
com suas mentes em estado de desenvolvimento possuem uma alta capacidade de
absorção. Esses pais contam a favor de sua nocividade, com um tempo por demais
longo e sem nenhum controle para depositar as sementes do ódio e rancor,
emergentes de seus próprios problemas muito mal resolvidos e de sua incapacidade
de aceitar os filhos como sendo de geração comum.
Os filhos como o próprio autor destacou acima, são movidos pelas concepções
daquele que parece ser o mais frágil da relação, estes genitores, tentam demonstrar
todo o mal ocasionado pelo cônjuge para que o fim do casamento se consumasse,
conduzindo o filho que ainda está em formação psicológica, a direcionar seus
conceitos, ao que parece mais óbvio, diante da situação, sem maturidade suficiente
para medir as reais condições que levaram ao fato da separação.
210
suas magoas e raivas originadas dos contratempos relacionados com o ex-
companheiro e na composição da separação com seus filhos, favorecendo a exclusão
emocional e até fisica do progenitor não guardião( progenitor alienado), da vida dos
filhos em comum (MATIAS e LUSTOSA, 2010).
Gardner (1985) assegura que o progenitor alienador realiza uma lavagem
cerebral, manobrando no sentido de detestarem o progenitor alienado, sem
subsistência de causas reais. Além disso o alienador busca diversos meios para
esquivar o acesso aos filhos pelo outro progenitor, buscando também a justiça ou a
outros recursos da rede social, através do registro de ocorrências em delegacias e
denunciassem organizações sociais apropriadas ( exemplo : Conselho Tutelar )
Segundo Gardner (1999) apud (Matias e Lustosa, 2010), a Síndrome da
Alienação Parental é qualificada por um conjunto de oito sintomas que surgem na
criança:
1) Campanha de descrédito e aversão contra o pai-alvo;
2) Racionalizações fracas, contraditórias ou fútil para fundamentar o desamor
e a repulsa ;
3) Falta da Simultaneidade de dois sentimentos opostos usual sobre o pai-
alvo;
4) Afirmativa fortes de que a deliberação de repudiar o pai é só dela (fenômeno
"pensador independente");
5) Amparo ao pai beneficiado no conflito;
5) Ausência de culpa quanto ao trato oferecido ao genitor alienado;
6) Praticar comportamentos e frases emprestadas do pai alienante; e
7) Desonra não somente do pai, mas conduzida também para à família e aos
amigos do mesmo.
A quantidade e a rispidez dos oito sintomas acresce segundo o nível de
gravidade da doença, e o controle da síndrome varia de conformidade com ela. Posto
que o diagnóstico de SAP seja realizado com base na sintomatologia das crianças,
Gardner (1999) apud (Matias e Lustosa, 2010), confirma que qualquer alteração na
custódia deve se basear primordialmente no nível dos sintomas do pai alienante.
Como segue:
Em casos leves, subsiste alguma orientação parental contra o progenitor-alvo,
mas pouca ou nenhuma desordem nas visitas, não aconselha-lhe a visitação judicial.
Em casos moderados, há mais programa parental e uma maior relutância às visitas
211
com o progenitor-alvo. Aconselha-se que a guarda primária fique com o pai alienante,
caso haja probabilidade deparalisação da lavagem cerebral. Caso contrário, a
custódia deve ser transladada para o pai alienado. Além disso, foi aconselhado
terapia com a criança, com o propósito de parar a alienação e consertar o
relacionamento deteriorado com o pai-alvo. Em casos graves, as crianças expõem a
maioria ou todos os 8 sintomas, e rejeitam convictamente a visitar o pai-alvo, até
ameaça fugir outirar sua própria vida caso a visitação sejaobrigada . Aconselha-se
que a criança seja retirada da casa do pai alienante e fique em uma casa depassagem
antes de se mudar para a casa do pai alienado. Além disso,aconselha -se terapia
(GARDNER; 1999 apud MATIAS e LUSTOSA, 2010).
A interferência para os casos moderados e severos, que insere transição de
custódia, multas e prisão domiciliaria para o pai alienante, tem sido repreendida por
sua natureza que tem por fim punir e para o risco de agravo de poder e transgressão
dos seus direitos civis do pai alienante (GARDNER; 1999 apud MATIAS e LUSTOSA,
2010).
212
interdisciplinaridade, consentindo a análise sobre os indivíduos e as famílias, que
antes eram percebidos isoladamente ‘’especializados ‘’ neles (FONSECA, 2006).
Barbosa e Juras (2010) destacaram que é necessário levar em conta que
apesar dos julgamentos salientados sobre a síndrome, existe algumas perspectivas
positivas que desenvolveram no contexto poder judiciário desde os estudos da
Síndrome de Alienação Parental. Uma das contribuições relevantes que é ressaltada
nos debates sobre esta concepção reporta-se a busca da legitima de pais e mães em
compartilharem da vida dos filhos, mesmo após separação ou divorcio. Certifica-se
que novos padrões familiares estão aparecendo com o sucessivo número de divórcios
(IBGE, 2008) e quais as famílias binoculares e recomposta estão sendo reconhecidas.
Essa diligência é honrosa, uma vez que tende a inferir o bem estar das crianças e
adolescentes que têm direito a conservar o contato a ambos os pais, após separação
ou divorcio , caso não haja alguma circunstância que ameace o amparo destes.
213
progenitor alienador. Esta mensuração precisa ser auxiliada de um tratamento
psicológico de obscuridade correspondente ao nível da falta de ajuda do filho.
Se a transferência direta dos filhos para o progenitor alienado se propaga
improvável, pode-se escolher pela passagem por um lugar de substituição . O
programa de transição precisa ser auxiliado por um terapeuta escolhido pela justiça,
o qual deve ter passagem direta à uma ajuda judicial, e para a transmissão de
mandados imprescindíveis para o desfecho do plano (BARBOSA e JURAS, 2010).
214
O jurista enfatiza a importância da mudança de conduta dos genitores,
destacando-se que espera os pais possam preparar o filho para que ele não fique
abalado em razão da separação dos seus genitores, de forma em que o laço familiar
entre eles não fique prejudicado. Enfatizando que pais são grandiosas figuras na vida
dos filhos, e o que se espera deles é a proteção e que os mesmos devem prezar pelo
ajuste físico e psicológico dos filhos, não aceitando as razões do apelante.
Os magistrados têm trabalhado com afinco em relação ao combate da Alienação
Parental, inclusive tentando de forma pacifica e consensual dirimir os problemas
existentes entre os ex-cônjuges, afim de trazer tranquilidade e paz aos filhos menores,
que estão sob a guarda de qualquer um deles.
Nos litígios em que estejam envolvidos interesses relativos a crianças,
notadamente naqueles que envolvam regulamentação do direito de visita, o julgador
deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse do menor. - ausente prova
nos autos de conduta grave da mãe a ocasionar peremptória repugnância da filha,
até porque a genitora nunca desistira de prestar assistência à infante, insistindo em
acordos com o pai da menor e mesmo com a adoção de medidas judiciais, o que
corrobora a tese de alienação parental praticada pelo pai, impõe-se autorizar as
visitas da mãe à menor, o que preserva o seu melhor desenvolvimento e interesse. -
revela-se prudente, por outro lado, que as visitas sejam supervisionadas por
profissional forense, diante do que resultou dos estudos psicossociais. agravo de
instrumento - guarda - direito de visitas - acordo homologado em juízo - resistência
da adolescente - revisão dos termos da visitação - possibilidade - melhor interesse do
menor. - em se tratando de interesse de crianças e adolescentes, o magistrado não
deve se ater ao formalismo processual e determinar o simples cumprimento do acordo
homologado em tempo pretérito em juízo, inclusive com imposição de astreintes,
desconsiderando a instabilidade emocional e o desejo da menina, que apresenta
notória resistência às visitas da mãe. - estudo social que concluiu que "existem
dificuldades sérias e ainda obscuras que inviabilizam, no atual estágio de sofrimento
da adolescente, o retorno à visitação a sua genitora". Visando a estreitar os laços
materno-filiais, porém, atenta à angústia da adolescente, recomendável, por ora, a
visitação supervisionada em sábados alternados, na cidade em que reside a menor.
Recurso parcialmente provido (PENNA, 2013).
O recurso neste caso foi parcialmente provido, pois o juiz entendeu que a menor
sofria pressões e instabilidade emocional por parte do pai, onde a menor tinha como
215
um comportamento de repúdio a mãe, configurando-se assim a alienação parental, o
pai ao manipular os sentimentos da filha, implementou fatos para colocar a filha contra
a mãe, causando distúrbios emocionais e repúdio a mesma, o jurista considerou
importante e necessário a reaproximação dos laços afetivos da filha, mas de uma
forma gradual, que não forçasse esse vínculo de forma agressiva, possibilitando
assim, que mãe e filha, pudessem encontrar novamente os enlaces familiares, tão
desgastados pela alienação parental.
Considerações Finais
216
forma adequada evitando influenciar de forma negativa sobre os filhos, afim de trazer
a paz e harmonia familiar.
A Lei sobre Alienação Parental é importante porque a mesma vem coibir
desavenças entre casais separados, que por esse motivo influenciam de forma
negativa na educação dos filhos.
A Alienação Parental tem sido um grande problema entre pais e filhos
causando grandes conflitos para os mesmos, deixando-os em dificuldades,
especialmente contra aquele que não é o guardião.
Os pais em desarmonia procuram fazer reciprocamente comentários desleais,
colocando os seus filhos uns contra o outro, de forma desequilibrada, causando
intemperanças na família, desconstituindo a afetividade familiar.
Com o advento da Lei nº 12.318/10 de alienação parental e da PLC nº 117/13
nova lei de guarda compartilhada, pode-se observar que muito tem se mudado, com
uma evolução doutrinária e na dinâmica e decisões dos juristas e que o pensamento
dos pais separados também irá ter que mudar, trazendo melhorias significativas em
seus comportamentos, proporcionando um melhor relacionamento entre os mesmos
e os filhos.
Referências
BRASIL - Lei nº 117/13. Nova Lei da Guarda Compartilhada. Disponível em: <
aelucidarsbt.blogspot.com/2014_11_28_archive.html>; Acesso em: 03 Nov. 2014.
217
BRASIL. IBGE - Estatísticas do Registro Civil, 1999-2008. Disponível em: <
teen.ibge.gov.br/mao-na-roda/casamentos>. Acesso em: 01 Nov. 2014.
CARDIN, Valéria Silva Galdino. Dano moral no direito de família. São Paulo: Saraiva,
2012, 312p.
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
175p.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 24ª ed.rev.e
atual. de acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2009.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. Editora: Revista dos Tribunais.
9ª ed. 2013, 720p.
GARDNER R.A. Recent trends in divorci and custody ligition. Academy From, v.29,
n.249, p.3-7, 1985.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2008.
GONÇAVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro VI: direito de família. São Paulo:
Saraiva, 2012, 728p.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5ª ed. São Paulo: Forense, 1304p.
218
MONTEIRO, Lauro. Observatório da Infância. Pais Separados, Guarda
Compartilhada. Publicado em 11 de julho de 2008. Disponível em:
<http://www.observatoriodainfancia.com.br/article.php3?id_article=440> Acesso em:
03 de Nov. de 2014.
SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre guarda compartilhada, 3 ed. Leme J.H. Misuno,
2012, 280p.
219
A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO LEGISLATIVO N. 273 DE 2014,
QUE SUSTOU A RESOLUÇÃO – RDC N. 52, DE 6 DE OUTUBRO DE 2011, DA
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA, QUE DISPUNHA
SOBRE A PROIBIÇÃO DO USO DAS SUBSTÂNCIAS ANFEPRAMONA,
FEMPROPOREX E MAZINDOL, ENTRE OUTRAS IMPOSIÇÕES
Introdução
11
BRASIL. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado sobre o Projeto
de Decreto Legislativo nº 52, de 2014. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=150870>. Acesso em: 5 set. 2015.
220
Segundo, foi apontado que a população mais carente seria a mais afetada
pela obesidade por não terem acesso a academias desportivas ou a tratamento
nutricional mais eficiente.
Terceiro, o tratamento medicamentoso se restringiu ao uso da substância
orlistate (Xenical), que atua diretamente no intestino, reduzindo a absorção de
gordura em até 30%, e ao de sibutramina. Aquele com elevado valor no mercado,
impossibilitando sua aquisição pela parcela pobre da sociedade. E, quanto à
sibutramina, a Anvisa estava a exigir do médico o preenchimento de um “termo de
responsabilidade” no ato de prescrição.
Destacou-se, ainda, o aumento da obesidade no país após a edição da
resolução da Anvisa, constatado por meio da pesquisa VIGITEL (Vigilância de Fatores
de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), realizada pelo
Ministério da Saúde. Nessa pesquisa, identificou-se que, em 2011, 48% da população
estava com excesso de peso12, e esse percentual aumentou para 51% dos brasileiros
no ano seguinte13.
Já quanto aos efeitos colaterais dos medicamentos dos que a Anvisa impediu
a comercialização, essa argumentação foi afastada sob a alegação de qualquer
medicamento pode gerar reações indesejadas 14, e que caberia ao médico a
prescrição de forma ética e responsável. Isso significa indicar os medicamentos
segundo as características de cada paciente, de forma que os benefícios clínicos
superem os riscos de efeitos adversos. Por isso, não cabe a uma autarquia definir o
conteúdo de uma prescrição médica15.
De outro lado, os estudos sobre o tema no Brasil, por meio da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, agência reguladora vinculada ao Ministério da
Saúde, foram intensificados após o ano de 2010, quando a União Europeia retirou a
12
Informação estatística constante da p. 48 da pesquisa VIGITEL BRASIL 2011 - Saúde Suplementar
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Ministério
da Saúde, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/uploads
/downloads/75/553a276c33350.pdf>. Acesso em: 5 set. 2015.
13
Informação estatística constante da p. 47 da pesquisa VIGITEL BRASIL 2012 - Saúde Suplementar
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Ministério
da Saúde, Brasília, 2013 . Disponível em: http://www.abeso.org.br/
uploads/downloads/74/553a2473e1673.pdf>. Acesso em: 5 set. 2015.
14
Termo utilizado no parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de
Decreto Legislativo n. 52, de 2014, p. 4.
15
Idem.
221
sibutramina do mercado16, sendo nisto seguida pelos Estados Unidos, Canadá e
Austrália17.
Em relação à comercialização das anfetaminas, como são classificadas a
anfepramona, o femproporex e o mazindol, tem-se que há vários anos já não vem
sendo efetuada nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, não possuem
registro e, por conseguinte, é vedada sua fabricação ou alienação. A Europa, de seu
turno, impediu a venda ainda no ano de 1999, por meio do seu Comitê de
Medicamentos. Referida rejeição foi impulsionada no final da década de 60 após uma
epidemia de hipertensão arterial pulmonar primária – happ ligada à utilização desse
tipo de medicação.
Em 2011, a Anvisa editou a Nota Técnica Sobre Eficácia e Segurança dos
Medicamentos Inibidores de Apetite18, baseada em estudos científicos e no parecer
da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme) 19 do ano anterior.
Os estudos consolidados por meio da Nota Técnica anteriormente referida
concluíram que a sibutramina apresenta nível pequeno de efetividade quanto à
redução de peso, atrelado a pouca manutenção dos índices de peso reduzido em um
maior prazo. Além disso, indicaram possível aumento de risco cardiovascular entre
os usuários em razão do aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, bem
16
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) suspendeu em 2010 a venda da sibutramina após a
publicação do estudo Scout (Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial) no New England Journal of
Medicine. A pesquisa, realizada em 16 países, durante seis anos, com 10.744 pessoas com sobrepeso
ou obesidade, relacionou o uso do medicamento ao aumento do risco de evento cardiovascular (infarto
do miocárdio não fatal e AVC não fatal) entre pessoas propensas (aqueles com doenças preexistentes
cardiovasculares). O estudo mostrou, ainda, que apenas 30,4% dos pacientes fizeram uso da
sibutramina eliminaram menos de 5% do seu peso corporal em três meses; ao mesmo tempo em que
foi verificado um aumento de 16% do risco cardiovascular, como infarto agudo do miocárdio e acidente
vascular cerebral. Disponível em: <http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/ NEJMoa1003114#t=article>.
Acesso em: 5 set. 2015.
17
Em 1997, o FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora da dispensação de
medicamento americana, liberou a comercialização da medicação contendo sibutramina. Em 2010, o
Laboratório Abbot, fabricante do Meridia (sigla de marca registrada), sibutramina, concordou com a
retirada voluntária do mercado da medicação em questão anuindo com a posição do FDA em virtude
dos ensaios clínicos que evidenciaram o aumento do risco cardiovascular em razão de sua utilização,
constatado por meio do estudo SCOUT. O laboratório também decidiu suspender a comercialização
da medicação para a Austrália e Canadá.
18
A íntegra da Nota Técnica Sobre Eficácia e Segurança dos Medicamentos Inibidores de Apetite.
Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/anorexigenos/pdf/Nota_Tecnica_Anorexigenos.pdf>.
Acesso em: 5 set. 2015.
19
A Câmara Técnica de Medicamentos (CATEME) é um órgão colegiado consultivo vinculado à
Gerência-Geral de Medicamentos (GGMED) / Gerência de Medicamentos Novos, Pesquisa e Ensaios
Clínicos (GEPEC) e apoiada pela Assessoria de Relações Institucionais (ASREL) da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA), que tem por finalidade assessorar a GGMED/GEPEC nos
procedimentos relativos ao registro de medicamentos, especialmente quanto a sua eficácia e
segurança.
222
como pelo maior estímulo provocado sobre o sistema nervoso simpático, o que pode
elevar o consumo de oxigênio do coração, majorando os riscos de arritmias cardíacas.
Já os medicamentos anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol, por sua
vez, apresentam graves riscos cardiopulmonares e ao sistema nervoso central.
Assim, ancorada em seus estudos, a Anvisa justificou a edição Resolução n.
52/2011 ao argumento de que os benefícios não superam os riscos da medicação
aos sistemas nervoso, respiratório e circulatório. Para a Agência, os riscos
inviabilizam a permanência desses produtos no mercado na medida em que não há
indícios suficientes de que os benefícios proporcionados pela perda de peso
suplantam os possíveis malefícios à saúde, ainda que se leve em consideração os
avanços implementados no processo de controle da venda desses medicamentos no
Brasil20.
Quanto à alegação de aumento de peso da população no período em que a
restrição à comercialização dos medicamentos pela Anvisa vigorou, delegando à
indisponibilidade dos medicamentos responsabilidade pelo aumento, impossível não
pontuar que, analisadas as pesquisas realizadas pela VIGITEL de 2006 a 2014,
corretamente expressadas no gráfico a seguir 21, tem-se que o ganho de peso da
população brasileira elevou consideravelmente, mesmo no quinquênio que antecedeu
o ano de 2011, quando foi editada a Resolução n. 52 pela Anvisa. Ou seja, não há
relação estatística direta entre aumento de peso da população e a retirada das
anfetaminas do mercado e o maior controle sobre a dispensação e prescrição da
sibutramina.
20
Como exemplo das melhorias adotadas, pode-se citar o Sistema Nacional para Gerenciamento de Produtos
Controlados, – SNGPC, desenvolvido e implementado após a edição da RDC n. 27/2007, por meio do qual é
possível o controle da movimentação do fornecimento (entradas e saídas) dos medicamentos sujeitos ao controle
especial, viabilizando a adoção de políticas intervencionistas quanto ao consumo excessivo de medicamentos
controlados e entorpecentes, prevenindo dependência física e psíquica, além de subsidiar as ações fiscalizatória e
o controle desenvolvidos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária – SNVS.
21
Fonte do Gráfico: <http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/04/excesso-de-peso-atinge-525-dos-brasileiros-
segundo-pesquisa-vigitel.html>. Acesso em: 5 set. 2015.
223
Diante da possibilidade de risco à saúde pública, a Anvisa adotou o princípio
da precaução22 ao impedir, quanto aos anorexígenos, a sua “fabricação, importação,
exportação, distribuição, manipulação, prescrição, dispensação, aviamento, comércio
e uso de medicamentos ou fórmulas medicamentos”, nos termos do art. 1º da RDC n.
52/2011, após a análise do risco/benefício. Assim como quanto à sibutramina, ao
diminuir a dose máxima recomenda ao consumo diário, ao prever a necessidade do
cumprimento de uma série de medidas que visavam ao maior controle do uso feito
pela população e, especialmente, ao determinar que as empresas detentoras do
registro do medicamento apresentassem “à área de farmacovigilância da ANVISA um
Plano de Minimização de Risco relacionado ao uso desses medicamentos, prevendo
as condições para o monitoramento efetivo da segurança do produto por um período
de 12 (doze) meses”, nos termos do §1.º do art. 6º da referida resolução, bem como
procedessem à entrega de relatórios dos resultados de desenvolvimento do plano,
sendo esta condição para manutenção do desempenho da sua atividade produtiva.
Tudo isso intentando um reexame periódico da situação, diante dos novos dados
científicos a serem colhidos.
22
Cristine Noiville em seu artigo “ Ciência, decisão, ação : três observações em torno do princípio da
precaução”, publicado na Rede Latino - Americana - Europeia sobre Governo de Riscos, Brasília –
2005, Cap. 3, p. 33 – 44, sobre o princípio da precaução assevera na p. 33 que: “esse princípio afirma
que a ausência de certeza científica quanto aos riscos de um produto ou de uma atividade não constitui
motivo para retardar a adoção de medidas que possam permitir a prevenção de eventual prejuízo”.
Nesta linha, a atuação da agência reguladora sob análise preencheu os requisitos necessários à
adoção do princípio nos moldes destacados pela autora ao discorrer sobre a posição dos tribunais
sobre a matéria, consoante se depreende do enxerto extraído da p.36: “uma medida de precaução
somente pode ser adotada sob uma condição: que o risco seja “suficientemente documentado",
levando-se em consideração “indicações científicas aparentemente confiáveis e sólidas” em face das
análises científicas disponíveis realizadas segundo o princípio da excelência, da independência e da
transparência”.
224
Por outro lado, o Congresso Nacional, há exatamente um mês da data da
eleição para presidente, governadores e deputados daquele ano, ignorando tudo o
que se espera da sociedade moderna quanto ao aproveitamento do conhecimento
científico e das experiências dos demais países como forma de prevenção e
desenvolvimento, sob a pressão exercida pela indústria farmacêutica e pela
comunidade médica, que utilizaram como estandartes na defesa de seus interesses
os princípios constitucionais da livre iniciativa econômica e da liberdade do exercício
profissional, respectivamente, entendeu que os riscos eram aceitáveis e transferiu
para o particular e para o seu médico o ônus quanto à escolha em fazer uso ou não
da medicação.
Esses riscos, conforme levantado pela Anvisa, extrapolam a barreira do
razoável, sendo impossível de se precisar as consequências advindas da liberação
da medicação, seja ao indivíduo que fizer o seu uso, seja à sociedade. Uma epidemia
de hipertensão arterial pulmonar, um desenfreado número de acidentes vasculares
cerebrais e síndromes coronarianas agudas são exemplos das consequências já
visualizadas em outras partes do mundo que podem, entre outras ainda não
imagináveis, vir a comprometer todo o sistema de saúde brasileiro. Mas a este
incumbirá, apesar dos seus já insuficientes recursos, fazer frente ao tratamento dos
vitimados, deslocando aporte financeiro de outras áreas socialmente também
relevantes. Esse tratamento terá por vezes um custo muito maior à sociedade do que
a realização de investimento na pesquisa científica pela produção de medicamentos
que combatam ou auxiliem no tratamento da obesidade de maneira realmente eficaz.
Mas essa possibilidade foi desconsiderada pelo legislador.
Diante desse panorama, este trabalho se dedica, por meio de pesquisa
bibliográfica da legislação e publicações doutrinárias que abordam o tema, a realizar
uma análise crítica à fundamentação jurídico-constitucional utilizada para justificar a
edição do Decreto Legislativo n. 273 de 2014 pelo Congresso Nacional,
demonstrando que sua promulgação constitui ofensa à Constituição Federal.
Repise-se que o Congresso fundamentou a promulgação do decreto
legislativo que sustou a Resolução n. 52/2011 da Anvisa no art. 49, inc. V e XI da
Constituição Federal. Ou seja, no suposto abuso do poder regulamentar por parte do
Poder Executivo, que teria extrapolado os limites da reserva legal, atingindo função
tipicamente legislativa.
225
Inicialmente se mostra conveniente analisar o meio empregado pelo
Legislativo para fazer o controle de ato da Administração Pública, qual seja: o decreto
legislativo. Trata-se de uma das modalidades de processo legislativo elencadas do
art. 59 da Constituição, mas cujas normas materiais de elaboração e edição estão
disciplinadas no Regimento Interno do Congresso Nacional.
A função do Decreto Legislativo é eminentemente tratar de matérias de
competência exclusiva do Congresso Nacional23. Essa definição se extrai claramente
do glossário legislativo disponível do site do Senado Federal24, assim como resta
evidenciada do disposto no art. 213, inc. II do Regimento Interno daquela Casa,
inserido no Título VIII25, que trata das proposições, enquanto espécie de projeto,
prevendo também a sua utilização como instrumento formal para atender ao disposto
no art. § 1º do art. 223 da Constituição Federal 26.
As competências do Congresso Nacional estão dispostas nos artigos 48 a 50
do texto constitucional, e suas competências exclusivas estão previstas no art. 49.
O constituinte originário, ao elencar as competências exclusivas do
Congresso, intentou salvaguardar sua liberdade e autonomia, afastando a
necessidade de sanção, bem como a possibilidade de veto presidencial, propiciando-
lhe uma forma de exercer o seu poder-dever de fiscalização dos atos do Poder
Executivo (FILHO, 2007).
23
Nesse sentido, destaca-se o posicionamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra
Comentários à Constituição Brasileira. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 85.
24
“Decreto Legislativo - Regula matérias de competência exclusiva do Congresso, tais como: ratificar
atos internacionais, sustar atos normativos do presidente da República, julgar anualmente as contas
prestadas pelo chefe do governo, autorizar o presidente da República e o vice-presidente a se
ausentarem do país por mais de 15 dias, apreciar a concessão de emissoras de rádio e televisão,
autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e
lavra de recursos minerais”. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-
legislativo/decreto-legislativo>. Acesso em: 2 ago. 2015.
25
“Art. 213. Os projetos compreendem: I - projeto de lei, referente a matéria da competência do
Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (Const., art. 48); II - projeto de decreto
legislativo, referente à matéria da competência exclusiva do Congresso Nacional (Const., art. 49); III -
projeto de resolução sobre matéria da competência privativa do Senado (Const., art. 52).” *Grifo não
constante do texto original. Regimento Interno do Senado Federal. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/ RISF2015.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2015.
26
Constituição Federal de 1988: Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão,
permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o
princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. § 1º - O Congresso Nacional
apreciará o ato no prazo do art. 64, §§ 2º e 4º, a contar do recebimento da mensagem. § 2º - A não-
renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do
Congresso Nacional, em votação nominal. § 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá
efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
226
Especialmente quanto às disposições constantes dos incisos V e XI do art.
49, é possível extrair que o decreto legislativo que neles se funda terá como objeto
os atos normativos abusivos do Poder Executivo realizados no exercício do poder
regulamentar e os decorrentes da ultrapassagem dos limites da delegação legislativa,
invadindo a esfera de competências típicas do Legislativo27. Trata-se, pois,
evidentemente, de um controle político de constitucionalidade concentrada 28, pois
exercido pelo Congresso, titular do poder político por excelência, necessariamente
por meio de suas duas Casas, quanto à ofensa direita ou indireta ao texto
constitucional, definindo quais fronteiras foram ultrapassadas pelo ato normativo do
Poder Executivo, decorrente da adoção pelo nosso sistema político administrativo do
mecanismo de freios e contrapesos.
No exercício do poder regulamentar, o Executivo poderá escolher os meios
para garantir a execução da norma, na busca da concretização dos seus efeitos.
Porém, nesse exercício, há de observar seus limites de atuação: de um lado, não
poderá modificar ou ab-rogar a lei, em respeito à divisão funcional e o âmbito de
atuação dos Poderes e, por conseguinte, à separação dos poderes; já de outro ângulo
tão pouco poderá, em respeito ao conteúdo material da norma, estender o que nela
está preconizado, ou instituir normas fora do que dispõe. No primeiro caso, se está a
falar de vício de constitucionalidade e, no segundo, de vício à legalidade por
desrespeito aos limites do poder regulamentar 29.
Contudo, a ausência de parâmetros no texto constitucional para que se possa
aferir como, quando e em que medida os atos regulamentares emanados do Poder
Executivo, quanto ao exercício de funções que lhe são típicas, especializadas e
privativas, estariam exorbitando os limites de exercício do poder regulamentar, abre
27
As medidas provisórias não são passíveis de controle por meio de decreto legislativo por não
decorrerem do exercício do poder regulamentar, tão pouco se equipararem à delegação legislativa,
nos termos do art. 68 da Constituição Federal.
28
Anna Cândida da Cunha Ferraz, na sua obra Conflito entre Poderes: o poder congressual de sustar
atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 210: “Diversamente
do controle político, construí- do sob a inspiração francesa, o controle de que trata o preceito do artigo
49, inciso V, configura controle político de constitucionalidade interórgãos. É criticável no tocante ao
poder regulamentar, em razão da ofensa que faz à separação de poderes, uma vez que permite a
superposição do Legislativo ao Executivo. É também criticável, relativamente à lei delegada,
principalmente em face aos princípios da supremacia constitucional e defesa da Constituição e da
segurança e certeza das relações jurídicas”.
29
Nesse sentido, Anna Cândida da Cunha Ferraz, na sua obra Conflito entre Poderes: o poder
congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
68-76.
227
margem à possibilidade de abuso pelo Congresso na utilização dessa modalidade de
controle, atentando contra a separação dos poderes (FERRAZ, 1994) 30.
Importante se ter em mente de que, quando se está a tratar de abuso de
poder, afere-se uma conduta ilegal do administrador público, dissociável em duas
vertentes. Uma, quando o agente público, a autoridade administrativa, edita o ato sem
competência legislativa para tanto ou, ao fazê-lo, ultrapassa os limites da
competência que lhe foram fixadas em lei, indo além do que lhe era permitido fazer.
É o caso, pois, de vício do ato administrativo por excesso de poder. E, duas, quando
o agente público é competente para a edição do ato, sua edição encontra-se dentro
dos limites estritos da norma, mas atenta contra o interesse público porque há um
vício subjetivo, ideológico, um mau uso do poder pelo administrador para atender a
seus interesses, um desvio na vontade do legislador. Trata-se esta hipótese também
de abuso de poder, mas na sua espécie desvio de poder, também chamada de
desvio de finalidade.
O abuso de poder a que se refere o art. 45, incs. V e XI da Constituição há de
ser entendido como da espécie excesso de poder, tendo, portanto, como parâmetro
a lei.
A lei, aqui entendida em seu sentido amplo, compreende todos os diplomas
normativos inseridos no sistema jurídico nacional, constituindo o padrão comparativo
de que se valerá o congressista para realizar, por meio de decreto legislativo, o
30
A autora Anna Cândida da Cunha Ferraz (ob. cit. p. 213 a 215) faz severas críticas ao inciso V, art.
49 da Constituição Federal, propondo a sua exclusão do texto constitucional, donde se traem os
enxertos: “Frente à separação dos poderes, inscrita como princípio fundamental e intocável e
concretizada no sistema presidencialista de governo na Constituição de 1988, a sustação congressual
de atos normativos regulamentares constitui figura aberrante, que não se ajusta aos lindes do controle
político para o qual o Poder Legislativo é naturalmente vocacionado. (...) Diante tudo quanto foi
exposto, ficaria inconcluso este trabalho se não se sugerisse a supressão do inciso V, do artigo 49, da
Constituição Brasileira em vigor”. Posição em que é seguida por Dirceu Torrecillas Ramos, no seu
artigo “Controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo”, publicado na Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro, 1995, em que sustenta que: “1. Historicamente, examinando o
pensamento de John Locke, Montesquieu e Karl Loewenstein, em sua nova tripartição, não
encontramos uma justificativa para apoiar um dispositivo constitucional que permita ao poder legislativo
sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar. 2. A função
regulamentar é própria do Poder Executivo e só este poderá sustar seu ato. Resta ao Poder Legislativo
combater o regulamento e a lei delegada, se entender exorbitantes, através de legislação, revogando-
os, ou recorrendo à ação de inconstitucionalidade, junto ao Supremo Tribunal Federal. 3. A atuação
do Congresso, sustando ato do Executivo, significa que indevidamente estará julgando (porque ele
julga que está exorbitando e susta) e regulamentando (porque justificará ou dará as diretrizes para a
regulamentação). Verifica-se que atua em funções que não são suas, provocando um conflito com o
poder executivo e com o poder judiciário”. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/46529/46571>. Acesso em: 29 ago. 2015.
228
controle dos atos administrativos vinculados praticados pelo Executivo em caso de
descumprimento da norma e, consequentemente, da Constituição. 31
Registre-se aqui que há aqueles para quem o controle via decreto legislativo
deve se restringir ao disposto no texto constitucional 32. Nessa linha, defendem que
não estariam sujeitos a esse controle os atos normativos editados pelos órgãos da
Administração, vez que restrito aos atos editados pelo Presidente da República 33.
Por outro lado, admitir o controle pelo Congresso, por via de decreto
legislativo, de atos administrativos discricionários, calcados na conveniência e
oportunidade, é fragilizar essa forma de controle ao ponto de possibilitar o abuso de
poder inverso. Ou seja, ao pretexto de fiscalizar a legalidade, estará o Congresso a
31
Aqui convém ressaltar a valorosa análise feita por Gilmar Ferreira Mendes, em seu artigo “O Poder
Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade”, cujo enxerto é a seguir encartado:
“Kelsen já havia assinalado que qualquer ofensa contra o direito ordinário configuraria uma ofensa
indireta contra a própria Constituição, desde que esta contivesse o princípio da legalidade da
Administração9. Não obstante, enquanto a inconstitucionalidade direta poderia ser aferida pela via
abstrata, a inconstitucionalidade indireta somente poderia ser examinada dentro de um sistema de
controle da legalidade. Com a diferenciação entre a inconstitucionalidade direta e indireta, esforçava-
se Kelsen para superar as dificuldades práticas decorrentes da ampliação desse conceito de
inconstitucionalidade10. Reconhecia-se, porém, a dificuldade de se traçar uma linha precisa entre a
inconstitucionalidade direta e indireta 11 .
Sem fazer qualquer distinção entre inconstitucionalidade direta e indireta, a doutrina brasileira enfatiza
que qualquer regulamento que deixe de observar os limites estabelecidos em lei é inconstitucional”.
Referido artigo foi publicado na Revista de Informação Legislativa, v. 34, n. 134, p. 11-39, abr./jun.
1997. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/220/r134-
02.PDF?sequence=4>. Acesso em: 2 ago. 2015.
Nesse mesmo sentido se posiciona Marcos Aurélio Pereira Valadão, em seu artigo “Sustação de atos
do Poder Executivo pelo Congresso Nacional com base no artigo 49, inciso V, da Constituição de
1988”, ao exemplificar: “Se um decreto presidencial vai além do que está previsto na lei, ou seja,
exorbita do poder regulamentar, trata-se de inconstitucionalidade do decreto pela via indireta. Também,
se a uma lei delegada editada pelo Poder Executivo extrapolar os limites da competência legislativa
delegada pelo Congresso Nacional, configura-se inconstitucionalidade da mesma lei. Assim,
promovendo a sustação desses atos, o Congresso Nacional promove o controle de constitucionalidade
dos mesmos”. Referido artigo foi publicado Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301,
jan./mar. 2002. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/ item/id/7 65>. Acesso em: 2 ago.
2015.
32
Conforme Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, obra atualizada por Eurico de
Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emanuel Burle Filho, 17. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1992, p. 598: “Esse controle deve limitar-se ao que prevê a Constituição Federal, para evitar
a interferência interconstituicional de um Poder sobre o outro”.
33
Nesse sentido: Anna Cândida da Cunha Ferraz (1994, p. 95): “Exatamente porque adstrito aos
expressos termos da Constituição, o poder congressual alcança, tão somente, os atos executivos
enquanto expressão do poder regulamentar do Chefe do Executivo. Sendo o poder regulamentar
inerente ao Presidente da República, como se viu, não cabe a sustação, pelo Congresso Nacional, de
atos executivos secundários, tais como portaria e instruções, mesmo que, por via reflexa, estes se
revistam de caráter abusivo à lei. Somente o regulamento aprovado por Decreto Presidencial pode ser
objeto dessa excepcional competência. Para os demais atos abusivos permanece o controle
jurisdicional”.
229
invadir a esfera de competências do Executivo quanto ao exercício do poder
regulamentar necessário ao fiel desempenho das funções que lhe são típicas 34.
Vale ressaltar que a sustação realizada pelo Congresso não goza da
prerrogativa da definitividade na medida em que, por se tratar de ato jurídico, tendo
força de lei, está passível do controle constitucional exercido pelo Poder Judiciário,
na perfeita aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição apregoado no art.
5, inc. XXXV da Constituição35.
O direito à jurisdição corresponde a uma garantia fundamental elevada ao
status cláusula pétrea36 e, por conseguinte, não pode ser excepcionado ou restrito
além dos limites trazidos pelo próprio texto constitucional, tão pouco alterado pela
vontade do legislador. 37
Assim, em outras palavras, os legitimados 38 podem buscar a tutela
jurisdicional do Estado por meio de ação direta de inconstitucionalidade interposta
junto ao Supremo Tribunal Federal para afastar as inconstitucionalidades que
permearem a atuação do parlamento na promulgação do decreto legislativo.
Esclareça-se, ainda, que no exercício do controle político pelo Congresso,
verificada a ilegalidade do ato administrativo regulamentador e editado o decreto
legislativo para combatê-lo, este, por sua vez, não tem o condão de promover sua
34
Nesse mesmo sentido se posiciona Marcos Aurélio Pereira Valadão, em seu artigo “Sustação de
atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional com base no artigo 49, inciso V, da Constituição de
1988: “Aqui os problemas parecem ser maiores, visto que nem ao Poder Judiciário é admitido o
controle da discricionariedade administrativa (em relação aos seus aspectos de oportunidade e
conveniência). A sustação de atos do Poder Executivo com base em aspectos dessa natureza refugiria
completamente ao sistema de pesos e contrapesos entre os três Poderes, podendo derivar para uma
confusão de competências. Assim, deve ser afastada essa possibilidade, pelo menos no plano teórico”.
Referido artigo foi publicado Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002.
Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/765>. Acesso em: 2 ago. 2015.
35
Constituição Federal: “Art. 5º (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”.
36
Constituição Federal: “Art. 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não
será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:(...) IV - os direitos e garantias
individuais”.
37
Neste sentido vale aqui o ensinamento de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Matins na sua obra
Comentários à Constituição Do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989,
v. 2, p. 171: “lei alguma poderá autoexcluir-se da apreciação do Poder Judiciário quanto à sua
constitucionalidade, nem poderá dizer que ele seja ininvocável pelos interessados perante o Poder
Judiciário para resolução das controvérsias que surjam da sua aplicação”.
38 Lei 9868-99 – Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: “Art. 2º Podem propor a
ação direta de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III
- a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou a Mesa da Câmara
Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; VI - o
Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII -
partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional”.
230
anulação ou revogação, mas sim de promover a suspensão de sua vigência dali em
diante, atingindo os seus efeitos no plano da eficácia. Assim, dessa sustação
decorrem, na sequência, duas possibilidades práticas: o Poder Executivo reformulará
o ato ou o Congresso providenciará a edição de lei destinada a tratar da matéria
controvertida. Trata-se, pois, de uma forma de controle ímpar, da qual não dispõem
os outros Poderes, já que uma vez sustado o regulamento, a normatização do que
dele consta só será possível por meio da edição de uma lei, o que fortalece o poder
do legislador. E mais ainda, em se tratando de norma negativa, obstaculizadora de
conduta, sua sustação terá conotação positiva, liberando a prática da conduta
anteriormente vedada.
Com efeito, definindo-se que o parâmetro de controle pelo Congresso para
identificar a exorbitância do poder regulamentar por parte do Executivo é a lei no seu
sentido amplo, inclusive porque esse poder só pode ser exercido para garantir a fiel
execução da lei, nos termos do inc. VI, art. 84 da Constituição39, ao confronto da RDC
n. 52 da Anvisa com o texto constitucional e a legislação infraconstitucional, não resta
demonstrada a alegada abusividade ou exorbitância, o que macula a legitimidade do
Decreto Legislativo n. 273/2014.
Ocorre que, não obstante o princípio da reserva legal, preceituado no inciso II,
do art. 5.º da Carta Magna40, esta também possibilitou a limitação da liberdade de
iniciativa econômica por meio da atuação interventiva do Estado no domínio
econômico, enquanto no exercício, conforme disposto em seu art. 174, caput41, da
função de agente normativo e regulador da atividade econômica.
39
Constituição Federal: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV -
sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução”.
40
Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
41
Constituição Federal: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
231
19642), dispondo, nos termos da lei, quanto a sua regulamentação, formas de
controle e de fiscalização (CF art. 19743).
Essas ações e serviços integram uma rede regionalizada, disposta de forma
hierárquica, que constituem o sistema único de saúde – SUS.
O art. 200 da Constituição Federal estabelece a competência do SUS para
realizar a vigilância sanitária, em que se inclui o controle sanitário dos
medicamentos44.
Nessa linha, cabe destacar que a Lei 9.782/1999 definiu o Sistema Nacional
de Vigilância e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Dela
convém realçar o disposto nos artigos a seguir transcritos:
42
Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. * Grifo
não constante do original.
43
Constituição Federal: “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo
ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de
direito privado.” * Grifo não constante do original.
44 Constituição Federal: “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições,
nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e
outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde
do trabalhador”.
232
Diante da análise dos dispositivos normativos anteriormente referidos, não
resta dúvida de que o poder de regulamentar, já conferido ao Executivo pelo texto
constitucional no seu art. 84, inc. IV, será exercido quanto ao comércio de
medicamentos por meio da ANVISA.
A agência reguladora exerce o controle sanitário de produtos nacionais ou
importados submetidos à vigilância sanitária, entre os quais se destaca o de produção
e comercialização de medicamentos. Esse controle comercial de medicamentos é
disciplinado pelas Leis Federais n. 5.991/1973 e 6.360/1976, que são
regulamentadas, respectivamente, pelos Decretos n. 74.170/1974 e Decreto n.
8.077/2013, este último publicado em substituição aos Decretos n. 79.094/1977 e
3961/2001.
Depreende-se do disposto do art. 12 caput e §1º da Lei n. 6.360/1976 que a
referida produção e comercialização de medicamentos está condicionada a prévio
registro sanitário realizado pela Anvisa. Esse registro tem por fim avaliar a eficácia e
a segurança dos medicamentos para a população, primando pela garantia do direito
social à saúde (arts. 6º45 e 196 da Constituição Federal). Nesse sentido, a fixação de
prazo de validade do registro leva em consideração a natureza do produto e os riscos
de sua utilização.46 Vale ressaltar que o condicionamento ao prévio registro encontra
perfeita consonância com o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição
Federal47.
Quanto à garantia constitucional à liberdade do exercício profissional,
defendida pelos médicos que se opunham à RDC n. 52, há de ser consignado que,
apesar dessa liberdade e da valorização do trabalho humano serem os baluartes da
45
Constituição Federal: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
46
Lei n. 6.360/76: “Art. 1º - Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os
medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei n. 5.991, de 17 de
dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos, perfumes, saneantes
domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros adiante definidos.
Art. 12 – “Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser
industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde:
§ 1o A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA - definirá por ato próprio o prazo para
renovação do registro dos produtos de que trata esta Lei, não superior a 10 (dez) anos, considerando
a natureza do produto e o risco sanitário envolvido na sua utilização”.
47
Constituição Federal: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei”.
233
ordem econômica, referidos princípios são indissociáveis e condicionados à
observação do primado da defesa do consumidor e da função social da propriedade.
Isso porque a Constituição afastou o liberalismo econômico absoluto, nos termos dos
arts. 170 e parágrafo 4º do art. 173 a bem do interesse social. Nesse sentido, elevado
significado assumem as atividades de vigilância sanitária, que têm como fim precípuo
prevenir, eliminar e, na pior das hipóteses, minimizar os riscos à saúde, intervindo na
produção e comercialização de medicamentos por meio da sua avaliação, com
rigorosos processos clínicos de aferição de sua eficácia e segurança antes que sejam
disponibilizados para utilização pela sociedade.
Ao que se vê, portanto, foi estribada em fundamento legal e dentro da sua
esfera de competências que a Anvisa editou a RDC n. 52, vedando o uso de
anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais e isômeros e intermediários,
negando-lhes registro, bem como estabeleceu medidas de controle para quando da
prescrição e dispensação de medicamentos que contenham a substância
sibutramina, seus sais e isômeros. Não havendo, pois, como se falar em exorbitância
do poder regulamentar, vez que editada dentro dos estritos limites da sua esfera de
competências administrativas, como expressão do poder de polícia da
Administração48 em execução das normas de vigilância sanitária, ao limitar o exercício
de direitos em favor do interesse geral, na busca da proteção da saúde e, por
consequência, do interesse público.
A RDC n. 52 está em perfeita consonância com as atribuições inerentes ao
Ministério da Saúde por meio da Anvisa, tendo sido editada na busca da proteção e
como forma de zelo pela saúde pública com a ponderação entre os benefícios e os
riscos envolvidos no uso da medicação. As regras restritivas de comercialização se
inserem no poder de regulamentação e de polícia da Administração no âmbito da
política sanitária (Lei 9.782/1999), não sendo ofensivas aos princípios da legalidade,
tão pouco ao da liberdade do exercício profissional.
Verificada, portanto, a obediência ao princípio da reserva legal, resta latente
que a atuação do Congresso ao promulgar o Decreto Legislativo configurou ataque
48
Nesse ponto, convém relacionar o conceito de poder de polícia extraído do Código Tributário
Nacional em seu art.78: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,
em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina
da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos
individuais ou coletivos”.
234
ao princípio da separação dos poderes na medida em que a atuação Legislativa
preponderou sobre as atribuições constitucionais típicas do Poder Executivo. O ato
ora vergastado desnaturou a estrutura político-administrativa, paralisando e
desmoralizando a atuação executiva regulatória.
O decreto legislativo, enquanto instrumento constitucional de controle, tem
em si a natureza intrínseca de derrogar a separação dos poderes. Mas sua conduta
se mostrou atentatória a esse princípio quando evidenciada a utilização abusiva
desse instrumento de controle constitucional diante da inexistência de excesso
perpetrado pelo Executivo ao regulamentar. Inexiste, como demonstrado
anteriormente, correlação entre as atribuições do Legislativo e a norma que sustou,
esta de viés originário eminentemente técnico, elaborada com base em pesquisas
científicas e ensaios clínicos, uma vez que editada à luz das competências
constitucionalmente delineadas ao Poder Executivo.
Mas, de outro aspecto, é impossível não destacar que, evitando um conflito
entre os Poderes, com a perpetuação da controvérsia, o Executivo permaneceu
inerte, não se socorrendo do controle jurisdicional de constitucionalidade do Decreto
Legislativo. Corroborou, assim, com os riscos a que passou a estar sujeito o sistema
estatal como um todo e, em especial, os seus integrantes.
Deste modo, que pese a indubitável competência constitucional do
Congresso Nacional em fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive
aqueles editados pelas Agências Reguladoras, que integram a Administração
Indireta49, a sua atuação por ocasião da promulgação do Decreto n. 273/2014 se
mostrou inconstitucional e ilegal. A Casa de Leis abusou do controle constitucional
que lhe é permitido pela via do Decreto Legislativo, atentando contra o princípio
constitucional da separação e harmonia entre os poderes, invadindo a esfera
tipicamente administrativa do Poder Executivo, em evidente afronta ao disposto no
art. 2.º e 200 da Constituição Federal, além de fazer de letra morta as disposições
constantes nas Leis Federais n. 5.991/1973 e n. 6.360/1976.
49
Constituição Federal: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) X - fiscalizar
e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da
administração indireta”.
235
Referências
BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.
236
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994.
SITE GLOBO. Programa Bem Estar. Excesso de peso atinge 52,5% dos brasileiros,
segundo pesquisa Vigitel. 2015. Disponivel em:
<http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/04/excesso-de-peso-atinge-525-dos-
brasileiros-segundo-pesquisa-vigitel.html>. Acesso em: 5 set. 2015.
237
Brasília, 2009. Disponível em:
<http://.abeso.org.br/uploads/downloads/79/553a25251b447.pdf>. Acesso em: 5 set.
2015.
238
PRINCÍPIOS BÁSICOS DE LINGUÍSTICA TEXTUAL: ALGUNS APONTAMENTOS
SOBRE A ESCRITA A PARTIR DO USO DOS OPERADORES
ARGUMENTATIVOS
Introdução
239
O uso não consciente dos conectivos da Língua Portuguesa acarreta em uma
produção confusa, ambígua e incoerente no momento do manejo linguístico, visto que
as relações de sentido promovidas em casos de usos equivocados desses elementos
não são condizentes ao contexto elaborado. Logo, a perspectiva semântica do texto
se torna comprometida em todos os seus níveis organizacionais (cf. KOCH &
FÁVERO, 2008).
A maneira mecanizada com que a escola concebe a escrita e o uso dos
conectivos acarreta em um aumento problemático dessa modalidade, posto que os
alunos mostram-se cada vez mais distantes de uma concepção consciente da língua.
50
Sayeg-Sirqueira (1996) define organização macrotextual do texto como conjunto formado por saber
partilhado, informação nova, justificativa e conclusão.
51
Não nos interesse aqui fazer uma abordagem exaustiva a respeito da concepção de letramento.
Para obter mais informações a respeito, consultar Soares, 2005 e Kleiman, 2007; Kleiman, 2008.
240
uma abordagem feita através do que chamamos de envolvimento do aluno
com o texto que produz, dado que esse envolvimento, da maneira como
entendemos, é determinado, principalmente, pela situação de comunicação
em que o texto foi produzido (BASTOS, 2001, p.81)
52
Adotamos aqui a noção de multiculturalismo em Knechtel, 2003.
241
Entender o texto enquanto manifestação cultural e ideológica é crucial para
um estudo do ensino da língua materna nas escolas, uma vez que propõe uma visão
mais reflexiva acerca do uso linguístico. Nesse sentido, entende-se que:
242
Mesmo com tamanha importância no ato da produção textual, ainda existem
muitos indícios de dificuldade nos trabalhos escolares onde os alunos parecem
alheios ao uso dos operadores argumentativos mesmo em sua forma mais simples.
As produções textuais são de difícil entendimento, pois ainda há uma barreira para o
desempenho desse processo.
Mais uma vez, parece ser interessante discutirmos a respeito desses
conectivos da língua em sua dimensão discursiva, tendo em vista seu papel
importante nas produções textuais. É necessário um estudo sistematizado acerca
dessa evasão, pois equívocos devido ao uso impróprio e inadequado dos conectivos
da língua estão se tornando cada vez mais perceptíveis, o que caracteriza uma
intensificação considerável dessa problemática.
Considerações Finais
243
Referências
FÁVERO, L. L. Coesão e Coerências Textuais . 11ª ed. São Paulo: Ática, 2009.
FÁVERO, L. L.; KOCH, I. G. V. Linguística Textual: Uma Introdução. 9ª Ed. São Paulo:
Cortez, 2008.
GERALDI, J. W. et al. O texto na sala de aula. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2006.
HANKS, W. F. Língua como Prática Social: das relações entre língua, cultura e
sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2008.
244
SOARES, M. Letramento: Um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte/MG:
Autêntica, 2005.
245
A INFLUÊNCIA DA MÍDIA SOBRE AS DECISÕES TOMADAS NO TRIBUNAL DO
JÚRI
Introdução
248
O parágrafo primeiro aduz que não poderá haver lei que possua dispositivo
que venha a criar embaraços à liberdade de informação jornalística em qualquer que
seja o veículo de comunicação social, devendo-se observar os dispostos nos incisos
IV, V, X, XIII e XIV do artigo 5º da Constituição Federal que assegura alguns direitos
à liberdade de manifestação de pensamento.
Nestes, contém algumas restrições quanto à censura de natureza política,
artística e ideológica, conforme se verifica no artigo 220 da Constituição Federal. Os
referidos meios de difusão deverão seguir o princípio do respeito aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família, como aduz o artigo 221 em seu inciso IV da Carta
Magna de 1988.
Ao final do século XIX, o professor da Faculdade de Direito de Recife, Braz
Florentino Henriques de Souza, defendia a ideia de censura judicial, indagando se o
juiz poderia ordenar sobre a vida das pessoas, pois nesta época a pena de morte era
permitida, mandar prendê-los por longos anos.
Este tipo de censura é denominado de censura judicial, ou também chamada
de “censura posterior”, com o objetivo de impedir, via poder judiciário, a publicação
de informações que ameaçam os direitos e garantias individuais assegurados na
nossa Constituição de 1988, como a honra e a imagem. (JABUR,2000).
Também é importante destacar que os fatos que geram repercussão na
esfera penal vem sendo objeto da mídia sensacionalista, por meio do qual estes
transmitem a notícia de modo exagerado e com encenações emotivas, apelos e
expressões que transmitem sua própria opinião sobre o caso que muitas vezes não
condiz com a veracidade dos fatos.
Segundo afirma Marília Denardin Budó (2013, p.8)
249
constrangedora para o réu, violando seus direitos fundamentais garantidos pela
Constituição Federal de 1988.
Arbex (2001) discute algumas possibilidades para se tentar solucionar esse
conflito, como o regime de exclusão. Em que neste, a liberdade de imprensa termina
onde começa o direito à honra, que contempla a reputação e a dignidade. Neste
entendimento, o direito à honra reduz a liberdade de manifestação, uma vez que
idealiza a superioridade dos direitos da personalidade.
Em síntese, a divergência entre a honra que é um direito constitucionalmente
protegido e a liberdade de manifestação pode ser solucionado com base no princípio
da ponderação dos bens, diante de definição valorativa dos interesses em suma, a
partir do próprio complexo de valores da Constituição Federal de 1988.
Isso quer dizer que o juiz necessita ter a serenidade e a cautela de apenas
coibir a divulgação de casos ofensivos a direitos alheios que não tem importância
para a sociedade, pois, se a publicação reproduzir verdadeiros fatos de utilidade
pública e que não atentem contra a segurança pública, não deve-se renunciar o direito
à informação, pois, em tese, não há conflito de interesses.
250
Pedro Marcelo Pasche de Campos retrata sobre a importância do sigilo na
fase do processo inquisitorial:
Presunção de Inocência
251
garantia constitucional primordial é a presunção de inocência. Desta forma, Tolentino
(2002, p.24) nos mostra o seu entendimento:
(...) Por meio dela, o indiciado não é mais um mero objeto processual, Ele
passa a ser sujeito de direitos dentro da relação processual.” Refere-se a um
privilégio conferido constitucionalmente ao agente De não ser considerado
culpado até que a sentença condenatória Transite em julgado,
resguardando-se possíveis consequências que A lei considera como
penalidade antes da decisão final.
252
antecipado dos denunciados sem prévia decisão judicial, em que a verdade seria
irrefutável, utilizando-se de meios de persuasão como a psicologia para manipular a
interpretação dos telespectadores, levando-os a formação de uma opinião subjetiva
e elitista.
253
Em comunicado anunciado no programa Fantástico em 25 de maio de 2014,
os apresentadores do programa afirmaram que a Emissora rede globo estava proibida
pela justiça de apresentar matéria sobre o abrandamento da pena de Suzane, devido
o processo correr em segredo de justiça. Conforme uma liminar alegada pela defesa
da acusada, foi pedido também a proibição da veiculação da imagem da jovem sem
autorização. (RODRIGUES, 2014).
Neste caso, percebe-se que a mídia teve uma índole apelativa, evidenciando
que a acusada matou seus próprios pais. O sensacionalismo causado pela mídia feito
para chamar a atenção da sociedade, especialmente para ganhar mais audiência,
fazendo até mesmo o papel de polícia, tentando investigar sempre novos fatos para
serem publicados pesou no processo de Suzane.
A censura prévia é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, conforme
elencado no artigo 1º da Lei nº 5.250/67, a lei de imprensa. Quando é veiculado este
tipo de transgressão à imagem, relatando fatos que maculem os direitos fundamentais
do ser humano, é cabível para tal a responsabilização, ou seja, veda-se a censura
prévia, e é garantido por via judicial o direito ao ressarcimento de ordem patrimonial
pela lesão sofrida.
Mesmo após 14 anos do ocorrido, a imprensa ainda relembra o caso de
Suzana investigando sua vida e sua situação perante a justiça, agindo com poder de
polícia. A agente tem o direito de arrependimento, de poder reconstruir sua vida e sua
imagem social, mas infelizmente com a interferência da mídia, faz com que a
sociedade não mais a aceite e esta venha a ter dificuldades para se ressocializar,
tornando assim com que seja vista como uma má pessoa perante os seus
relacionamentos sociais.
254
Este ato permite-nos inferir a falta de segurança pública, ocasionada até
mesmo pela revolta dos próprios policiais, que ao invés de protegerem a sociedade,
como as pessoas carentes e desamparadas pelo poder do estado, os servidores do
próprio poder público se voltam contra estes. (AZEVEDO,2015).
Canario (2013), relata que quando iniciou-se as investigações, um dos
sobreviventes do atentado, Wagner dos Santos, foi considerado a principal
testemunha do ocorrido. Em seu depoimento, ele descreve os autores dos disparos
através de retrato falado, sendo a partir disto, indiciadas setes pessoas, na qual à
época dos fatos, foram condenadas a mais de 200 anos de prisão, mais com a
sentença reformada, estes tiveram suas penas diminuídas, ficando apenas um pouco
de tempo presos, e rapidamente voltaram a sociedade. (R7,2015).
A simples condição de ser injustamente indiciado e acusado por um mero
retrato falado, onde possa existir mais pessoas com as mesmas características
fisionômicas, gera sofrimento e grande transtorno psíquico. J.G.F foi indiciado como
se tivesse sido um dos autores da tragédia, o Juiz responsável pelo caso decretou a
sua prisão preventiva, pois sentiu-se pressionado pela mídia e ao apelo popular que
pedia a condenação deste acusado. (CANÁRIO, 2013).
A instrução processual é estendida, e enquanto isso, o indiciado é
enclausurado injustamente. Ao verificar o conjunto probatório dos autos, o juiz decide
pronuncia-lo ao Tribunal do Júri, onde este terá o seu destino nas mãos de sete
jurados. No plenário, o Promotor de Justiça verifica a ausência de autoria e
materialidade delitiva, requisitos indispensáveis para condenação do réu
preceituados no código de processo penal, e pede a impronúncia do injustiçado, e os
jurados acabam o absolvendo por unanimidade (negativa de autoria).
(WEICHERT,2009).
Treze anos após o julgamento, tendo o injustiçado já superado o tamanho
constrangimento e perturbação de ter sido preso por um tempo sem ter cometido
crime, em junho de 2006 ele recebe uma ligação do programa Linha Direta da
Emissora Rede Globo, pedindo para entrevistá-lo para que comente um pouco sobre
a Chacina da Candelária, este, recusa o convite, dando por enterrada e esquecida a
história. Dias depois, o programa vai ao ar, e mesmo com a recusa de dar uma
entrevista sobre o caso, o nome de J.G.F e sua imagem foram ao ar sem que este
sequer soubesse. (CANÁRIO,2013)
255
Haja vista que fora transgredido o direito à honra e a imagem garantidos pela
nossa Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XXVIII, e no código civil de 2002
nos seus artigos 11 e seguintes.
Com a matéria sendo veiculada no Programa Linha Direta, esta gerou uma
grande repercussão na vida do então inocentado J.G.F, fazendo com que a
comunidade que este habitava passasse o tratar de forma diferente, como se ele
tivesse sido condenado. Com tamanho constrangimento, era inevitável que este ainda
conseguisse habitar no local em que residia, deixando o seu lar e se desfazendo dos
seus bens (RODRIGUES JUNIOR, 2013).
Com tal prejuízo moral sofrido, a vítima pleiteou ação de indenização por
danos morais, No valor de 300 salários mínimos devido ao transtorno pela divulgação
da sua imagem. Na primeira instancia o pedido foi julgado improcedente, sendo a
sentença reformada e no segundo grau de recorribilidade, o valor da indenização de
R$ 50.000,00. O processo chegou até o Superior Tribunal de Justiça, na esfera do
referido RESP interposto pela emissora rede globo de televisão (RODRIGUES
JUNIOR, 2013).
Na análise do caso, o ministro relator Luís Felipe Salomão entendeu que
devido à grande repercussão do caso, e o interesse da coletividade em reportagens
e matérias criminais, e sob a influência da mídia, concluiu pelo reconhecimento ao
direito ao esquecimento, mantendo o acórdão e o mesmo valor da indenização
pleiteado. O Ministro Luís Felipe Salomão (2013, p. 48) relatou no seu voto:
256
suspeitas sobre sua índole. Esta matéria exibida não fortaleceu sua reputação como
inocentado no tribunal do Júri. O telespectador antes de ver um inocente acusado
injustamente, enxerga um culpado absolvido por acaso.
Considerações Finais
257
As sentenças proferidas pelo tribunal do júri devem ser conclusivas em
relação às provas da defesa e da acusação, onde estes sim devem convencer os
jurados sobre suas alegações.
Referências
ARBEX JUNIOR, José. Shownarlismo: a notícia como espetáculo. São Paulo – SP:
Casa Amarela, 2001.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal. São Paulo: Método, 2005.
CAMPOS, Pedro Marcelo Pasche de. A violência oculta: uma análise da importância
do segredo no processo inquisitorial. Discursos sediciosos Rio de Janeiro, Revan.
258
Ano 2, n 3. p. 167 a 172, 1º semana, 1997. Disponível em:
http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/381/339
CANÁRIO, Pedro. STJ aplica 'direito ao esquecimento' pela primeira vez. Consultor
Jurídico, São Paulo, 25 abr. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-
jun-05/stj-aplica-direito-esquecimento-primeira-vez-condena-imprensa>. Acesso em:
13 abril de 2016.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
259
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Não há tendências na proteção do direito ao
esquecimento. Consultor Jurídico, São Paulo, 25 dez. 2013. Disponível em:<
http://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-protecao-
direito-esquecimento>. Acesso em: 04 maio 2016.
SOUZA, José Nogueira. Lições de Direito Criminal. 2. ed. Recife: Econômica, 1872,
p. 169.
260