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BELÉM- PA
MARÇO/2019
FACULDADE LATINO-AMERICANA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO MAESTRÍA ESTADO GOBIERNO Y POLÍTICAS PÚBLICAS - BELÉM
RELATÓRIO PARCIAL 2
BELÉM – PA
MARÇO/2019
Sumário
1. Introdução..............................................................................................................................4
2 O Estado brasileiro e sua relação com a violência..............................................................5
3 A (in) segurança pública no brasil........................................................................................8
4 A problemática da segurança no estado do Amapá...........................................................10
5 A problemática da segurança no estado do Ceará............................................................13
4 A problemática da segurança no estado de Rondônia......................................................18
5 Conclusão..............................................................................................................................20
6. Referências bibliográficas..................................................................................................22
1 Introdução
O presente estudo tem como objetivo principal fazer um relatório parcial da
in(segurança pública) nos Estados do Amapá, Ceará e Roraima, como atividade de
investigação da disciplina Estado e Desenvolvimento Capitalista no Brasil Contemporâneo
através das seguintes etapas:
No primeiro momento desenvolvemos uma metodologia de trabalho que possibilitou
obter maior integração e colaboração de seus membros a partir das competências e
experiências individuais de cada um, fazendo uso das ferramentas disponíveis na internet, tais
como o Whatsapp onde foi criado um grupo de discussão com os cinco integrantes da equipe;
depois a utilização do Skype para os encontros semanais (web reuniões) e o uso da
ferramenta Google Docs, um processador de texto disponibilizado pelo Google que permite
aos membros da equipe editar documentos online de forma colaborativa e em tempo real.
No segundo momento foram realizadas reuniões virtuais, que tiveram início no dia 04
de fevereiro de 2019. Nesta web reunião, após a apresentação inicial, a equipe, buscando o
melhor entendimento da tarefa proposta, fez uma rápida discussão sobre seu conteúdo e como
iria proceder para cumpri-la. Discutiu-se, também, os relatórios parciais individuais e as
dificuldades que cada um(a) tem enfrentado para atender as atividades propostas pelos
mestres e tutores.
Após consenso e relevância da temática no Brasil Contemporâneo, o grupo resolveu
abordar a questão da Segurança Pública que tanto tem impactado a vida de todos os
brasileiros e posto em cheque a capacidade do Estado para resolver esta questão de forma
eficiente. A violência e a segurança pública (ou seria melhor dizer, a insegurança pública?)
está na ordem do dia e o gestor público é testado todo instante a dar resposta a esta
problemática social.
2 O Estado brasileiro e sua relação com a violência
O Estado Brasileiro tal qual o conhecemos hoje foi uma construção longa e tardia, um
processo histórico singular que o diferencia da formação dos demais países que se
constituíram no chamado Novo Mundo ao longo do século XVIII e XIX, especialmente se
compararmos a América Portuguesa e Espanhola.
Essa singularidade manifesta-se na capacidade das elites portuguesas e brasileiras, no
processo de independência, para conseguirem manter a unidade física do vasto território da
colônia portuguesa ante a fragmentação do domínio espanhol, ter adotado a Monarquia como
forma de governo ao passo que seus vizinhos se tornaram Repúblicas. Antes, é importante
ressaltar que a construção do Estado brasileiro foi impactado por um fato inédito do ponto de
vista histórico, social e político que foi a transmigração da Família Real portuguesa para o
Brasil no ano de 1808, rompendo com o pacto colonial e elevando o status do Brasil de
colônia para o de Reino Unido a Portugal e Algarves. Toda estrutura necessária a formação de
um Estado nacional foi transplantado para a colônia portuguesa exceto um elemento
fundamental: o aparato militar, a força de segurança nacional que teve que, em sua maior
parte, ficar em Portugal para fazer a defesa do território.
Ainda sobre o processo de independência, Alencastro (1987, p. 68) analisa em “O
Fardo dos Bacharéis” que os interesses de Portugal e, de certo modo, da Europa, foram
decisivos para a aceitação da independência brasileira ao afirmar que:
“O fim do período colonial no Brasil aparece mais como decorrência de uma luta no
âmbito do poder metropolitano — conflito agudizado pela influência econômica e
política que a Inglaterra exerce então sobre Portugal — do que como resultado de
uma sublevação nacional e popular”.
Ou seja, a criação do estado brasileiro independente deu-se muito mais em função dos
interesses econômicos dos europeus, particularmente da Inglaterra.
As elites brasileiras que dominavam a estrutura agroexportadora da colônia e a
sociedade escravocrata e patriarcal não viam com bons olhos a chegada da família real, pois
temiam a perda não só do seu domínio político, mas também econômico e os privilégios a eles
inerente. Esses coronéis, como eram chamados os grandes proprietários de terras e chefes
políticos locais tinham suas próprias milícias, uma força particular de segurança formada por
jagunços, capangas, capatazes, ex-escravos responsáveis pela ordem local. Uma sociedade
profundamente apartada e desigual que vivia debaixo do chicote e das rédeas desses grandes
latifundiários, onde a violência era a tônica. Neste particular e diante da necessidade da Corte
recém-chegada em constituir uma Força de Segurança, uma aliança será estabelecida entre a
Coroa Portuguesa e os senhores rurais para que esta forneça os homens necessários para a
criação da Guarda Nacional.
Neste contexto, é natural que as questões sociais dos “brasileiros”, dos portugueses
sem posses, dos trabalhadores não-escravos não recebessem a devida atenção por parte da
Corte aqui estabelecida, seguindo sempre em segundo plano. O Resultado disso é o
sofrimento vivenciado pelos brasileiros até os dias atuais, refletindo diretamente nesse flagelo
vivido pela população brasileira que é a questão da criminalidade e da violência do país. Uma
questão que ocupa um lugar central no cotidiano não só das grandes cidades, das metrópoles,
das áreas urbanas, mas que também vem afetando as pequenas e médias cidades e também a
área rural, portanto, uma grande parcela da sociedade nacional.
As causas do aumento da violência no Brasil são complexas e envolvem questões
socioeconômicas, demográficas, culturais e políticas. O certo é que nascemos e nos
constituímos enquanto nação sob o signo da violência desde a invasão portuguesa de nossas
terras, do aprisionamento e escravização dos índios, impondo-lhes uma cultura e uma religião
estranhas, responsáveis pelo extermínio de milhões de indígenas. Em seguida, veio a
escravidão dos negros traficados da África que se naturalizou e se tornou tão corriqueira que
era inadmissível não ter escravos.
Carvalho (2008, p. 19-20) lembra que:
Na época da independência, numa população de cerca de 5 milhões, incluindo uns
800 mil índios, havia mais de 1 milhão de escravos. Embora concentrados nas áreas
de grande agricultura exportadora e de mineração, havia escravos em todas as
atividades, inclusive urbanas. Nas cidades eles exerciam várias tarefas dentro das
casas e na rua. Nas casas, as escravas faziam o serviço doméstico, amamentavam os
filhos das sinhás, satisfaziam a concupiscência dos senhores. Os filhos dos escravos
faziam pequenos trabalhos e serviam de montaria nos brinquedos dos sinhozinhos.
Na rua, trabalhavam para os senhores ou eram por eles alugados. Em muitos casos,
eram a única fonte de renda de viúvas. Trabalhavam de carregadores, vendedores,
artesãos, barbeiros, prostitutas.
Alguns eram alugados para mendigar. Toda pessoa com algum recurso possuía um
ou mais escravos. O Estado, os funcionários públicos, as ordens religiosas, os
padres, todos eram proprietários de escravos. Era tão grande a forma da escravidão
que os próprios libertos, uma vez livres, adquiriam escravos. A escravidão penetrava
em todas as classes, em todos os lugares, em todos os desvãos da sociedade: a
sociedade colonial era escravista de alto a baixo.
Tabela 1
1º 2º 3º 4º
1 Os governos Lula e Dilma, através de suas políticas públicas promoveram um duro combate à fome, com
resultados reconhecidos mundialmente com a saída oficial do Brasil do Mapa da Fome em 2014, segundo
relatório global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) divulgado naquele
ano.
Violência/Segura
nça (21%)
Há, ainda, que se registrar que os esforços governamentais em coibir a violência contra
seus cidadãos enfrenta um problema adicional no que diz respeito a gestão das ações e
políticas de segurança pública no Brasil. É que ela foi fortemente marcada pela ausência de
mecanismos institucionais de incentivo à cooperação e articulação sistêmica entre os órgãos
de segurança pública (Costa e Grossi, 2007 apud Durante e Júnior, 2010). O Brasil buscou
sanar este problema com a construção do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança
Pública e Justiça Criminal - SINESPJC a partir de 2004 e posteriormente com a promulgação
da Lei 12.681/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública,
Prisionais e sobre Drogas – SINESP, com o propósito de construir elementos estatísticos e
uma base de dados que venham a contribuir com o estudo para a compreensão da
problemática da violência que vem atormentando a sociedade brasileira.
Neste sentindo, como forma de contemplar um estudo reflexivo da problemática da “in
(segurança pública) e fazendo uma abordagem relevante, contextualizada das principais
contribuições e consequências para o desenvolvimento do Estado brasileiro, serão
investigados 02 (dois) Estados da Região Norte: Amapá e Rondônia e 01 (um) Estado da
Região Nordeste: Ceará, como será verificado adiante.
4 A problemática da Segurança Pública no Estado do Amapá
O Estado do Amapá localizado no extremo norte do país e tem como limites a Guiana
Francesa ao norte, o Oceano Atlântico ao leste, o Pará ao sul e oeste e o Suriname ao noroeste.
O Amapá é o terceiro estado na região Norte do Brasil com o maior índice de homicídios em
dez anos. É o que aponta o Atlas da Violência 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e assim como os demais estados da federação brasileira enfrenta
algumas problemáticas no que se refere a execução de políticas públicas.
Como bem destaca Santos (1993, p. 101):
Neste sentido, além das dificuldades de execução e desmonte outro aspecto que
merece ser observado, é que a formação do Estado brasileiro, com suas variáveis e projeções
repercutem de forma decisiva nas formas de execução e escolha de prioridades, pois o:
Apenas entre 2006 e 2016, 553 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência
intencional no Brasil. Entre 1980 e 2016, cerca de 910 mil pessoas foram mortas pelo uso de
armas de fogo no país. Uma verdadeira corrida armamentista que vinha acontecendo desde
meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, com a sanção do Estatuto do
Desarmamento. Em 2003, o índice de mortes por armas de fogo era de 71,1%, o mesmo
registrado em 2016. Este crescimento não se deu de maneira homogênea, mas de forma
diferençada entre as regiões: “nos últimos quatro anos, enquanto houve uma virtual
estabilidade nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, observa-se um crescimento nas demais
regiões e, de forma mais acentuada, na região Norte”, sendo que todos os Estados com
crescimento superior a 80% nas taxas de homicídios pertenciam ao Norte e ao Nordeste.
No Amapá a evolução das taxas de homicídios ficou entre as maiores por 100 mil
habitantes com 48,7%, entre o perfil das vítimas os homicídios respondem por 56,5% dos
óbitos de homens entre 15 a 19 anos no Brasil. Em 2016, 33.590 jovens foram assassinados –
aumento de 7,4% em relação a 2015 –, sendo 94,6% do sexo masculino, o Amapá obteve o
índice de (41,2%), seguidos por Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e
Roraima.
A juventude perdida é considerada um problema de primeira importância no caminho
do desenvolvimento social do país e que vem aumentando numa velocidade maior nos estados
do Norte. A desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no período analisado.
De todas as pessoas assassinadas no Brasil em 2016, 71,5% eram pretas ou pardas, a taxa de
homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (40,2 contra 16,0). A
pesquisa observa um aumento de 6,4% nos assassinatos de mulheres no Brasil entre 2006 e
2016. No último ano analisado, ocorreram 4.645 homicídios em que a vítima era do sexo
feminino.
A edição deste ano do Atlas da Violência também aborda os registros administrativos
de estupro no Brasil. Em 2016, as polícias brasileiras registraram 49.497 casos de estupro,
conforme informações do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número contrasta
com os 22.918 incidentes desse tipo reportados no Sistema Único de Saúde.
O Atlas da Violência colocou o Amapá na ponta entre os estados mais violentos do
país e do mundo. São pelo menos três indicadores preocupantes em relação aos homicídios,
latrocínios, mortes em decorrência de intervenção policial e lesões corporais. Segundo os
números, o Amapá é, proporcionalmente, o 6º estado mais violento do Brasil, e Macapá a 5ª
capital com maior incidência de mortes violentas. O Atlas considerou ainda um ranking
divulgado por uma organização internacional que colocou a capital como a 40ª cidade mais
violenta do mundo.
Os dados do Altas são fornecidos pelas secretarias estaduais e a publicação é
consolidada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, no Amapá, foram 445
pessoas vítimas de crimes violentos, representando uma taxa de 55,8 casos a cada 100 mil
habitantes, aumento de 52,9% em relação a 2014.
Sobre os indicadores, a Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública (Sejusp)
justificou que os crimes violentos são na maioria relacionados a atuação de organizações
criminosas fundadas no Sudeste do país, que expandiram atividades para o Norte,
principalmente o tráfico de drogas. "São dados que preocupam o Brasil. Os estados vivem
essa situação e os estados do Norte e Nordeste agora sofrem mais frequentemente com essa
onda das organizações criminosas que subiram para o Norte e Nordeste do país", explicou
Carlos Souza, titular da Sejusp.
O que pode ser feito um paralelo com o alto o índice de desemprego no Amapá, o
estado teve a maior taxa de desocupação em 2018 com 19,6% o que também pode ser um
fator para o aumento da violência, refletindo na criminalidade e foi, inclusive maior que a
média nacional, de 12,6% como apontou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (Pnad Contínua), que foi divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Como bem define Santos (1993, p. 103) “o Estado brasileiro é
ridiculamente pequeno e disforme, isto é, está onde não deveria, ao preço de não se
encontrar onde a responsabilidade social de um Estado moderno demandaria”.
Dito de outra maneira: significa que o problema do Estado brasileiro é menos de
eficiência (problema típico de gestão pública = fazer mais com menos) e mais de
eficácia (fazer a coisa certa) e efetividade (transformar a realidade, eliminando ou
mitigando os grandes e históricos problemas nacionais). Ou seja: grande parte dos
problemas do Estado brasileiro relaciona-se com a ausência ou a precariedade do
Planejamento Público (e não da Gestão pura e simples)! E isso implica a
necessidade de encarar o planejamento em uma abordagem mais ampla, como
processo tecnopolítico orientado para uma maior e melhor capacidade de governar.
(KLIASS e CARDOSO, 2016, p. 06)
5 A problemática da Segurança Pública no Estado do Ceará
No Estado do Ceará não é diferente, o medo toma conta das pessoas e a sensação geral
da população é de insegurança. Segundo informações dados da Secretaria de Segurança
Pública e Defesa Social do Estado do Ceará, somente nos últimos cinco anos o número de
homicídios foi de mais de 25 (vinte e cinco) mil pessoas.
Tabela 2
Tipologia ANO
Crimes Violentos Letais Intencionais – 4.408 4.475 4.044 3.457 5.171 4.234
CVLI = Homicídio Doloso, Latrocínio e
Lesão corporal seguida de morte2 (*)
Uma questão que merece destaque é perfil das vítimas da violência. Segundo as
estatísticas, a grande maioria das vítimas é formada por jovens da periferia, homens negros de
15 a 29 anos de idade, com baixa escolaridade e baixa renda (Sousa et. al., 2014 apud Ceará) 4.
2 Entende-se por CVLI a soma de crimes de Homicídio Doloso/Feminicídio, Lesão corporal seguida de morte e
Roubo seguido de morte (Latrocínio). A quantidade será definida pela soma de todos os homicídios classificados
como dolosos isto é, praticados voluntária ou intencionalmente, por qualquer instrumento ou meio, de todas as
lesões intencionais que resultaram em morte e de todos os latrocínios praticados. Outros crimes classificados
como homicídio doloso após o resultado do trabalho policial, bem como os que resultaram na ausência de dolo,
poderão ser retificados a posteriori na série. Para fins de maior transparência, os casos decorrentes de
intervenção policial também são apresentados na tabela. Fonte: https://www.sspds.ce.gov.br/wp-
content/uploads/sites/24/2018/12/01-CVLI-Estat%C3%ADsticas-Mensais.pdf (acesso em19/01/2019)
3 Os dados utilizados para a construção das estatísticas são oriundos da combinação de diferentes fontes. A
principal é o Sistema de Informações Policiais (SIP/SIP3W) que engloba os procedimentos usuais utilizados pela
Polícia Civil tais como: Boletim de Ocorrência, Termo Circunstanciado de Ocorrência e Inquérito Policial. Em
se tratando de CVLI, se faz necessária a utilização de fontes secundárias de dados como os relatórios diários
encaminhados pelo Comando de Policiamento do Interior (CPI), os relatórios diários encaminhados pela
Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (CIOPS) e os relatórios de exames cadavéricos da Perícia
Forense (PEFOCE). Cabe exclusivamente à a Assessoria de Análise Estatística e Criminal (AAESC) a
responsabilidade de reunir, sistematizar e divulgar as informações estatísticas referentes à criminalidade e
violência da SSPDS/CE. Fonte: http://sistemas.sspds.ce.gov.br/port
al/file_bd?sql=FILE_DOWNLOAD_FIELD_ARQUIVO_DOWNLOAD¶metros=4412&extFile=pdf
(acesso em 19/01/2019)
4 Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ceará Pacífico: O cenário da violência e da criminalidade no
Brasil e no Ceará. 2017 http://www.forumseguranca.org.br/wp-
Mostrando que a desigualdade social permanece como um dos principais fatores
influenciadores da criminalidade.
No Ceará, como na maioria dos estados brasileiros, a desigualdade social é muito
grande e os investimentos em políticas públicas não acompanham a demanda, que é cada vez
mais crescente. O tráfico de drogas domina as comunidades da capital cearense e das
principais cidades do interior do estado, principalmente as comunidades mais carentes, onde o
comando do crime organizado atua recrutando os jovens para engrossar suas fileiras. Esses
jovens, por sua vez, veem no crime uma opção de melhoria de vida.
A disputa por territórios para expandir os negócios do tráfico é permanente, moradores
das comunidades dominadas por facções criminosas chegam a ser expulsos de suas casas para
dar espaço aos soldados do crime. De acordo com a Defensoria Pública do Estado do Ceará,
nos últimos 12 meses, pelo menos 133 famílias passaram por essa situação 5. Entretanto, esse
número pode ser ainda maior, pois há pessoas que não denunciaram os casos aos órgãos
públicos com receio de sofrer represálias. Em tempos de capitalismo improdutivo, moradias
viraram “commodities” e nesse contexto, os pobres são simplesmente excluídos.
Os que resistem passam a viver como reféns do tráfico, há localidades que para entrar
precisa-se de autorização do comando do tráfico, chegando ao absurdo de até a polícia ter
dificuldades de penetrar nestes locais, numa verdadeira disputa de poder. Reforçando o que o
sociólogo Orson Camargo comenta em seu artigo “Violência no Brasil, um Outro olhar” Para
ele; “a violência se manifesta por meio do abuso da força, da tirania, da opressão. Ocorre do
constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer ou deixar de fazer um
ato qualquer”6. E é exatamente isso o que acontece atualmente no Estado.
Tal situação contribui para alimentar uma cultura onde a violência e a insegurança
afeta toda a população de uma forma desigual. Aqueles que podem pagar se protegem em seus
condomínios fechados, seus carros blindados, contratam empresas de segurança que alimenta
toda uma indústria que rende milhões. No entanto, a imensa maioria da população, os pobres
deserdados de toda sorte, são vítimas involuntárias, reféns, por um lado, de grupos, facções
content/uploads/2017/12/FBSP_Ceara_Pacifico_livro_2_2017
.pdf (acesso em 05/03/2019)
5 Fonte: Tribuna do Ceará. http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/pelo-menos-131-familias-
foram-
expulsas-de-casa-por-faccoes-nos-ultimos-12-meses-em-fortaleza/ (acesso em 05/03/2019)
6 Fonte: Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/violencia-no-brasil.htm (acesso em
05/03/2019)
criminosas e, por outro, do próprio aparato policial como demonstram as inúmeras notícias de
chacinas de jovens, negros e pobres.7
Todos os governos têm tentado, de alguma forma, buscar uma solução para este grave
problema. No caso do Estado do Ceará o governador Camilo Santana, para seu segundo
mandato à frente do Palácio Abolição, resolveu criar uma nova secretaria especialmente
voltada para a segurança prisional: a Secretaria de Administração Penitenciária para a qual
nomeou Luís Mauro Albuquerque, reconhecido como um policial “linha dura”. Imputa-se a
essa nomeação a onda de ataques a prédios públicos, concessionárias de serviços públicos, à
infraestrutura viária, de eletricidade e comunicação em várias cidades do Estado do Ceará
praticados pelo crime organizado.
Para fazer frente a esta situação de enfrentamento com essas organizações criminosas
e dar uma resposta à sociedade que exigia medidas enérgicas e eficazes, o Governo do Estado
recorre ao Ministério da Justiça solicitando o envio da Força Nacional de Segurança Pública8.
O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, autorizou o uso da Força
Nacional, por 30 dias, para atuar em onda de violência no Ceará. De acordo com a
portaria do ministro, a Força Nacional fará policiamento ostensivo, entre outras
ações de segurança, em apoio às forças policiais já em operação no estado.
(...)
Desde o início dos ataques, ônibus foram incendiados, tiros foram disparados contra
prédios e bancos, e artefatos caseiros incendiários foram arremessados contra
delegacias.
Uma bomba foi colocada na coluna de um viaduto na BR-020, em Caucaia.9
Diante desta situação o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Estado
do Ceará - CEDDHCE se manifestou com a seguinte nota no dia 09 de janeiro de 2019:
7 Cinco chacinas ocorreram no Ceará sob comando ou envolvimento de facções criminosas em 2018 -
https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2018/12/5-chacinas-ocorreram-no-ceara-sob-comando-ou-
envolvimento-de-faccoes-c.html (acesso em 20/01/2019); Sete chacinas no Ceará deixaram 48 mortos em 2018 -
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/ceara-tem-48-mortes-em-sete-chacinas-em-2018.ghtml (acesso em
20/01/2019).
8 A Força Nacional de Segurança Pública é um programa de cooperação do governo federal, criado para
executar atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, à segurança das pessoas e do
patrimônio, atuando também em situações de emergência e calamidades públicas. Trata-se de um corpo de
profissionais especializados, mobilizados e prontos a atuar em apoio e sob a coordenação de outros órgãos
subordinados aos governos estaduais e federal do Brasil. Seu trabalho consiste em apoiar operações de segurança
pública, que podem ser realizadas em qualquer ponto do país. Entretanto, a Força Nacional de Segurança Pública
só pode atuar em um determinado município do Brasil se for solicitada pelo governador do respectivo estado ou
do Distrito Federal, e se esse pedido for autorizado pelo ministro (MSP). Dessa forma, a Força Nacional poderá
apoiar a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros ou os órgãos oficiais de Perícia Forense. Também
mediante autorização do MSP, a Força Nacional de Segurança Pública poderá apoiar operações específicas de
outros órgãos federais – a exemplo da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal ou do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ou mesmo outros ministérios do governo federal. A
Diretoria da Força Nacional de Segurança Pública está subordinado à Secretaria Nacional de Segurança Pública
do Ministério da Justiça (Senasp/MSP). Fonte: http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/forca-
nacional (acesso em 06/03/2019)
9 Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/01/04/sergio-moro-autoriza-atuacao-da-forca-nacional-no-
ceara.ghtml (acesso em 06/03/2019)
O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do estado do Ceará (CEDDH
- CE), órgão colegiado estabelecido pela Lei Estadual n° 15.530, de 02 de maio de
2013, repudia os graves ataques cometidos a partir do dia 02 de janeiro de 2019
contra veículos de transporte público, prédios públicos e estabelecimentos
comerciais e as arbitrariedades e excessos no uso da força por parte de agentes
públicos neste contexto. Este Conselho exorta o Poder Público cearense a que se
comprometa com medidas pautadas na garantia e promoção de Direitos Humanos
capazes de efetivamente superar a continuada e grave crise na segurança pública e
no sistema penitenciário do Ceará.
Até o dia 8 de janeiro, a imprensa contabilizou 125 ataques em 36 municípios
cearenses, que têm atingido profundamente o cotidiano do povo cearense, sobretudo
das/os moradoras/es das periferias das cidades. O funcionamento do transporte
público, do comércio e de serviços públicos está prejudicado. Nesse contexto, este
Conselho também tem recebido notícias de arbitrariedades e de uso excessivo da
força cometidos por agentes de segurança pública, tais como invasão de domicílios,
violência em abordagens policiais, suspeita de flagrantes forjados e prisões
arbitrárias nas periferias das cidades cearenses.
Este ciclo de ataques é o acontecimento mais recente em uma longa crise no sistema
penitenciário, marcada pela superlotação, morosidade na tramitação dos processos, a
maior taxa de presos sem julgamento entre os estados brasileiros e ausência de
oportunidades de educação e trabalho. É também o episódio mais recente em uma
grave crise na segurança pública do Ceará, marcada pela vergonhosa posição de
Fortaleza como a 7ª cidade mais violenta do mundo e o Ceará como o Estado com o
maior índice de homicídios de adolescentes, um aumento de 73% no número de
assassinatos de mulheres somente entre 2016 e 2017 e um aumento de pelo menos
385% no número de mortes por intervenção policial desde 2013 no Ceará.
Nestes primeiros dias de 2019, este Conselho, assim como outros órgãos, conselhos
e organizações da sociedade civil, têm recebido notificações por parte de familiares
quanto à ausência de informações em relação à localização de presos e mesmo
quanto à adoção de procedimentos e práticas atentatórias a dignidade e a integridade
física e psicológica de homens e mulheres em diversas unidades prisionais do
Estado. Este Conselho também tem recebido notificações específicas sobre
ocorrências de castigos físicos e até a negação do direito de acesso à água potável
para mulheres presas no Estado. Neste momento de pânico e sofrimento da
população cearense, não se reduzirá a violência atentando contra dignidade de
familiares e internos.
O Conselho compreende também que o início da nova gestão do Governador Camilo
Santana e a criação de uma secretaria especializada de gestão penitenciária poderiam
representar uma oportunidade para a adoção de medidas com consequências
duradouras e que pudessem atacar os reais problemas da gestão prisional, com foco
em reduzir a violência dentro e fora das unidades. No entanto, há que se ponderar
sobre a forma de implementação das medidas desta nova gestão, a fim de que elas
não reproduzam práticas de violação de direitos humanos nas unidades prisionais do
Estado, tais como as relatadas no recente relatório do Mecanismo Nacional e do
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura sobre o sistema prisional do
estado do Rio Grande do Norte.
À vista do exposto e buscando aprimorar as políticas de promoção e defesa de
direitos humanos no Estado, o CEDDH informa que instará o Sistema de Justiça e
órgãos nacionais de defesa de direitos humanos, para que haja uma pactuação
interinstitucional com vistas a monitorar e acompanhar as medidas que têm sido
adotadas por órgãos estaduais e federais no âmbito da gestão penitenciária e da
segurança pública do Estado, incluindo os excessos e arbitrariedades no uso da força
por agentes públicos nas periferias das cidades cearenses, bem como para que haja
uma abertura cada vez maior desses órgãos à população cearense que vem sofrendo
os efeitos dessa operação e aos familiares de pessoas que estão custodiadas nas
unidades prisionais cearenses.
Por fim, o Conselho reitera sua disposição para colaborar nas ações que levem à
superação da crise na segurança pública e no sistema penitenciário do Ceará em seus
reais problemas, sem o império do medo e da violência, na observância da lei e no
pleno exercício das suas instituições garantidoras, ao tempo em que manifesta sua
profunda solidariedade com todas as vítimas dos ataques e dos atos de violência
institucional que tem acometido dezenas de municípios do Estado do Ceará.
Fortaleza, 09 de janeiro de 2019
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Estado do Ceará10
Foram mais de 60 (sessenta) dias de intensa mobilização das forças de segurança
federal e estadual (inclusive o estado da Bahia enviou 100 policiais militares) para coibir
ações que tinham o propósito de confrontar o poder estatal e “colocar em xeque” um de seus
principais fundamentos: o monopólio exclusivo da violência. No último dia 28 de fevereiro de
2019, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social, André Costa, concedeu coletiva à
imprensa para anunciar a saída da Força Nacional do Ceará considerando que a situação está
controlada.
Será preciso um pouco mais de tempo para uma análise mais apurada do ponto de
vista sociológico e dos direitos humanos para se avaliar quais os resultados efetivos para a
população cearense.
http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/pelo-menos-131-familias- foram-
expulsas-de-casa-por-facções-nos-últimos-12-meses-em-fortaleza/
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil, o longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2008.
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