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Ricoeur
Resumo
Este artigo pretende tratar da problemática do Poder em Paul Ricoeur, expondo sua
concepção de uma relativa autonomia desta em relação às contingências econômicas de uma
sociedade. A persistência do Mal Político independentemente das revoluções econômicas é o
ponto de partida de Ricoeur para investigar o papel da filosofia política no mundo
contemporâneo.
1. INTRODUÇÃO
Num importante artigo de 1957, intitulado O Paradoxo Político, Paul Ricoeur analisa
os acontecimentos da Hungria e faz uma série de considerações sobre o problema do Poder,
salientando sua estabilidade ao longo das revoluções econômico-sociais, e respondendo
negativamente às questões apontadas acima.
2. A ORIGINALIDADE DO POLÍTICO
1 RICOEUR, Paul. O Paradoxo Político. In: Revista de Pensamento e Acção - O Tempo e o Modo, nº 1,
Janeiro, Antologia, 2ª Edição,1963, p 36
não é feito entre contratantes que desistem de sua liberdade em favor de um Estado, não é
uma troca da liberdade pela segurança, mas uma passagem, consentida por todos, à lei civil.
É precisamente por causa da idealidade desse ato que a esfera da política está sujeita
ao Mal: se este pacto não se deu, não há como retonar até ele, não há como resgatá-lo. A
unidade da comunidade orientada pelo Estado não pode ser recuperada por um ato, pois ele
não aconteceu, mas apenas pela reflexão, pela tomada de consciência política e pela
retrospecção. E tal só é possível através de uma crítica válida ao poder.
3. O MAL POLÍTICO
“Há uma alienação política específica”, diz Ricoeur, “porque o político é autonomo”.
A política refere-se a toda atividade que tenha por fim conquistar ou repartir o poder. Por sua
referência ao poder é que a política apresenta um mal específico. É isto o que se depreende,
segundo Ricoeur, tanto nos profetas judeus quanto nos diálogos platônicos ou em Maquiavel e
Marx; trata-se da violência política e da astúcia, que, ainda que mantenham-se dentro da
legalidade instaurada, ficam marcadas pela violência que as originou. Esta é a esfera
eminentemente sujeita ao mal na política, não redutível ao mal econômico-social, e portanto
um mal específico.
“(...) o essencial da crítica de Marx é que o Estado não é o que pretende ser e não o
pode ser. Que pretende ser? Se Hegel tem razão, o Estado é a conciliação,
conciliação, numa esfera superior, dos interesses e dos indivíduos, irreconciliáveis
ao nível do que Hegel chama a sociedade civil, e que nós chamamos o plano
econômico-social. O mundo incoerente das relações privadas é arbitrado e
racionalizado pela instância superior do Estado. O Estado é o mediadore, poranto, a
razão. E cada um de nós atinge a sua liberdade, como um direito, através da
instância do Estado. É politicamente que sou livre. É nesse sentido que diz que o
Estado é representativo: existe na representação e o homem representa-se nele. O
essencial na crítica de Marx é a denúncia duma ilusão nessa pretensão; o Estado não
é o verdadeiro mundo do homem, mas um outro mundo e um mundo irreal; não
resolve as contradições reais, senão num direito fictício, que, por seu lado, está em
contradição com as relações reais entre os homens.” 2
É nesta discordância entre o ser verdadeiro e a pretensão que Marx situa o problema
da violência. A soberania, não sendo o povo em sua concretude, mas um mundo ideal,
sonhado, passa a ser a justificação de um soberano real, concreto. E o ideal da conciliação
numa esfera mais elevada dos indivíduos e interesses irreconciliáveis na esfera civil, em
outras palavras, o idealismo do direito, só se mantém na história pelo arbítrio do soberano real,
empírico. Assim, a esfera da soberania divide-se entre o ideal da soberania e a realidade do
soberano. Ricoeur anota que o soberano tende a defraudar a soberania, e neste ponto avança
um pouco mais na sua tese de que a alienação política não é redutível a nenhuma outra: pois
nenhum Estado existe sem uma administração, uma polícia, em outras palavras,
para que um Estado exista é necessária a realidade de um governo e não apenas o ideal
contido numa constituição. Assim, essa alienação atravessa todos os regimes, porque resolver
outra classe de contradições não implica em resolver a contradição radical que existe entre a
particularidade (e a arbitrariedade) que afeta ao Estado e a universalidade visada por ele..
“Penso que é necessário sustentar contra Marx e Lenin que a alienação política não é
redutível a nenhuma outra, mas constitutiva da existência humana, e, nesse sentido,
que o modo de existência política implica a cisão da vida abstracta do cidadão e da
vida concreta da família e do trabalho. Penso também que se salva com assim o
melhor da crítica marxista, que se junta à crítica maquiaveliana, platônica e bíblica
do poder.” 3
A crítica de Ricoeur a Marx e Lenin, é a de que eles não viram o caráter autônomo
dessa contradição. Retomando um fato ainda recente quando da redação do artigo, o processo
de desestalinização da União Soviética e o relatório Kruschev, Ricoeur aponta que sem
reconhecer essa autonomia do problema político sequer seria possível criticar Stálin e
continuar a aprovar a economia socialista e o regime soviético.
Para Ricoeur, essa redução do político ao econômico, o ponto fraco do marxismo,
REFERÊNCIAS