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a} Observaçõesgerais
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drl\lIlt\lica (pertencente ;\ Dramática). Neste gênero se
integrariam, como espécies, por exemplo, a tragédia, a narrativos ligeiros e dificilmente se encontrará uma peça.
comédia, a farsa, a tragicomédia, etc. em que não haja alguns momentos épicos e líricos.
Evidentemente, surgem dúvidas cüante de certos Nesta segunda acepção, os termos adquirem grande
amplitude, podendo ser aplicados mesmo a situações
-
poemas, tais como as bafadas muitas vezes dialogadas extraliterárias. Pode-se falar de uma noite lírica, de um
e de cunho narrativo; ou de certos contos inteiramente
banquete épico ou de um jogo de futebol dramático.
dialogados ou de determinadas obras dramáticas em Neste sentido amplo esses tennos da teoria literária
que um único personagem se manifesta at;ravés de um podem tomar-se nomes para possibilidades fundamentais
monólogo extenso. Tais exceções, contudo, apenas con- da existência humana; nomes que caracterizam atitudes
Firmamque todas as classificações são, em certa medida, marcantes em face do mundo e da vida. Há uma
artificiais. Não diminuem, porém, a necessidade de maneira dramática de ver o mundo, de concebê-Io como
estabelecê-Ias para organizar, em Jinhas gerais, a multi- dividido por antagonismos irreconciliáveis; há um modo
plicidade dos fenômenos literários e comparar obras épico de contemplá-Io serenamente na sua vastidão
dentro de um contexto de tradição e renovação. ~
imensa e múltipla; pode-se vivê-Io liricamente, integrado
difícil comparar Macbeth com um soneto de Petrarca no ritmo universal e na atmosfera impalpável das
ou um romance de Machado de Assis. E: mais razoável
estações.
comparar aquele drama com uma peça de Ibsen ou Visto que no gênero geralmente se revela pelo
Racine.
menos certa tendência e preponderância estilística es-
c) Significado
adjetivodosgêneros sencial (na Dramática pejo dramático, na ~pica pelo
épico e na Lírica pelo lírico), verifica-se que a classi-
A segunda acepção dos termos lírico, épico, dramá- ficação dos três gêneros implica um significado maior
do que geralmente se tende a admitir.
tico, de cunho adjetivo,refere-se a traçosestilí.sticosde
que uma obra pode ser imbuída em grau maior ou
menor, qualquer que seja o seu gênero (no sentido
substantivo). Assim, certas peças de Garcia Lorca, per-
tencentes, como peças, à Dramática, têm cunho acen-
tuadamente lírico (traço estilístico). Poderíamos falar,
no caso, de um drama (substantivo) lírico (adjetivo).
Um epigrama, embora pertença à Lírica, raramente é
"lírico" (traço estilístico), tendo geralmente certo cunho
"dramático" ou "épico" (traço estílístico). Há numerosas
narrativas, como tais classificadas na E:pica, que apre-
sentam forte caráter lírico (particulannente da fase
romântica) e outras de forte caráter dramático (por
exemplo as novelas de Kleist).
Costuma haver, sem dúvida, aproximação entre gê-
nero e traço estilístico: o drama tenderá, em geral, ao
dramático, o poema lírico ao lírico e a };;pica (epopéia,
novela, romance) ao épico. No fundo, porém, toda
obra literária de certo gênero conterá, além dos traços
estilísticos mais adequados ao gênero em questão, tam-
bém traços estilísticos mais típicos dos outros gêneros.
Não há poema lírico que não apresente ao menos traços
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2. OSG~NEROS~PICOE L(RICOE SEUSTRAÇOS
ESTILfSTICOSFUNDAMENTAiS
1) Observaçõesgerais
o gênero lírico foi mais acima definido como sendo Apavorado acordo, em trova. O luar
:s: como o espectro do meu sonho em mim
o mais subjetivo: no poema lírico uma voz central
E sem destino, e louco, sou o mar
exprime um estado de alma e o traduz por meio de Patético, sonâmbulo e sem fim.
orações. Trata-se essencialmente da expressão de emo-
ções e disposições psíquicas, muitas vezes também de (V1NICrusDE MORAIS,Livro de SOlleto.s)
concepções, reflexões e visões enquanto intensamente
vividas e experimentadas. A Lírica tende a ser a plas- A treva, o luar, o mar se fundem por inteiro com
mação imediata das vivências intensas de um Eu no o Eu lírico, não se constituem em um mundo à earte.
encontro com o mundo, sem que se interponham eventos não se emanciparam da consciência que se manifesta.
distendidos no tempo (como na 1tpica e na Dramática). O universo se torna expressão de um estado interior.
A manifestação verbal "imediata" de uma emoção ou À intensidade expressiva, à concentração e ao ~-'
de um sentimento é o ponto de partida da Lírica. Daí ter "imediato" do poema lírico, associa-se, como traço
segue, quase necessariamente, a relativa brevidade do estilístico importante, o uso do ritmo e da. musicalidade
poema líriço. A isso se liga, como traço estiHstico das palavras e dos versos. De tal modo se realça o valor
importante, a extrema intensidade expressiva que não da aura conotativa do verbo que este muitas vezes
poderia ser mantida através de uma organização literária chega a ter uma função mais sonora que lógico-denota-
muito ampla. tiva. A isso se liga a preponderância da voz do presente
Sendo apenas expressão de um estado emocional e que indica a ausência de distância, geralmente associada
não a narração de um acontecimento, o poema lírico ao pretérito. Este caráter do imediato, que se manifesta
puro não chega a configurar nitidamente o personagem na voz do presente, não é, porém, o de uma atualidade
central (o Eu lírico que se exprime), nem outros perso- que se processa e distende através do tempo (como 'na
nagens, embora naturalmente possam ser evocados ou Dramática) mas de um momento "eterno". liApavorado
recordados deuses ou seres humanos, de acordo com o acordo, em treva" - isso pode ser uma recordação de
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- - --
algoj mas este algo permanece, nlio é passado. O Eu que aoonteceram a outrem, falará com certa serenidade
n!lo diz "apavorado acordei"; Isso daria 1 recordação um e d_~~ç.TI''yer'objetivamente as circunstândas objetivas.
cunho narrativo: há certo tempo acordei e aconteceu-me A est6da ]õrãssfut. Era fã aconteceu -
a vozeaõ-
isto e aquIlo. Mas o "eu acordo" e o pavor associado
silo Itrrancados da sucessão temporal, permanecendo A f retéd~o :- e aconteceu a outre~: ~--P!.Qnomt!~~..:~re"-
- João; Maria) e em geral não eu. Isso cria certa
distdncla el,tre o narrador e o mundo narrado. Mesmo
margem c acima do fluir do tempo, como um Diomento
inóllteró,\'el,como presença IntemporaJ. "O elefanta é _ quando o narrador usa o pronome "eu" para nar:ar uma
li'" animal enorme" -
esta oração refere-se 1 espécie, estória que aparentemente aconteceu a ele mesmo, apre-
é um cllllliciado que não toma em conta os variações senta-se lá afastado dos eventos contados, mercê do
dos elefantes individuais, existentes, temporais. "O ele- pre~érlto. 'Isso lhe permite tomar uma atitude distan-
-
fante era enorme" esta oração individualiza o animal,
situando-o °no tempo e, por isso, também no espaço.
ciada e obJetiva, contrária à do poeta Ifrico.
A função mais comunicativa que expressiva da lin-
Trata-se de uma oração narrativa. guagem épica dá ao narrador maior fôlego para desen-
volver, oom calma e lucidez, um mundo mais amplo.
Arist§teles_ s~lIentQu este tr~Ç9 esti!lsUc«.>._ao _dizer:__~~IJ-
c} O ginero Ip,ico e stUs traços tsti'''sticos fundamentais tendo por épico um conteúdo de vast.gassu/}to." Disso'
decorrem. em geral, sintaxe e linguagem mais -lógicas,
atenuação do uso sonoro e dos recursos rltmicos.
O gênero épico é mais objetivo que o Ifrico. O g sobretudo fundamental na narração o desdobra.
mundo objetivo (naturalmente Imaginário), com suas mento em sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado).
paisagens, cidades e personagens (envolvidas em certas -O narrador, ademais, já conhece o futuro dos perso-
situações), emancipa-seem larga medida da subJetivi. nagens (pois toda a estória já decorreu) e tem por isso
dade do narrador. _ ~s!e_g!:raJmente não exprime_~_. um horl%ontemai! va.stoque estes; há,geralmente, dois
_ pr6prios estados de alma, mas naiTa os ae outros seres. horizontes: o dos personagens, menor, e 0°do narrador,
P:irticij)a;-cõntüdõ~-em -inaior ou'menãrgrau, -das seu! maior. Isso não ocorre no poema llrico em que existe
destinos e está sempre presente através do ato de narrar. sÓ o horizonte do Eu lírico que se exprime. Mesmo na
Mesmo quando os próprios personagens começam a dia. nanação em que o narrador conta uma estória aconte.
logar em voz direta é ainda o narrador que lhes dá a cida a ele mesmo, o eu que narra tem horizonte major
palavra, Ihes descreve as reaçlJes e indica <\uem fala, do que o eu narrado e ainda envolvido nos eventos,
através de observações como "disse João", 'exclamou visto já conhecer o desfecho do caso.
Maria quase aos gritos", etc. Do exposto também segue que o narrador, distan.
No poema ou canto Urlcos um ser humano solitário clado do mundo narrado, não finge estar fundido com
- -
ou um grupo parece exprimir-se. De modo algum é os personagens de que narra os destinos. Geralmente
necessário imaginar a presença de ouvintes ou lnterlo. finge apeDas que presenciou os acontecimentos ou que,
cutores a quem esse canto se dirige. Cantarolamos ou de qualquer modo, está perfeitamente a par deles. De
assobiamos assim melodias. O que é primordial é a um modo assaz misterioso parece conhecer até o Intimo
expressão monológlca, não a comunlcaçllo a outrem. Já dos personagens, todos os seus pensamentos e emoções.
no caso da narração é dlflcll Imaginar que o narrador como se fosse um pequeno deus onisciente. Mas não
não esteja narrando a est6r1a a alguém. O narrador, finge estar identificado ou fundido com eles. Sempre
muito mais que se exprimir a si mesmo (o que natural. conserVa certa distância face a eles. Nunca se trans-
mente não é excluldo) quer comunfc~r_~~ma coisa a forma neles, não se metamorfoseia. Ao narrar a estória
!,utro~'.1~!._e~!~.e!mel!.te, _estãos~~~.dc?!.,.e-~
tom_o_~!e deles imitará talvez, quando falam, as suas vozes e
~ llie__p~~ que Ih~ -~nt~ um caso. Como nao esboçará alguns dos seus gestos e expressões fislon~
exprime o próprio estado de-alma, Dias-narra est6rias ~
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micas. Mas permanecerá, ao mesmo tempo, o narrador
que apenasmostra ou ilustra como esses personagens
se comportaram, sem que passe a transformar-se neles.
Isso, aliás, seria difícil, pois não poderia transformar-se
sucessivamente em todos eles e ao mesmo tempo manter
a atitude distanciada do nalTador.
a) Observações gerais
NA LÍRICA,
pois, concebida como idealmentepura, não
há a oposição sujeito-objeto. O sujeito como que abarca
o mundo, a alma cantante ocupa, por assim dizer. todo
o campo. O mundo, surgindo como conteúdo desta
consciência lírica, é completamente subjetivado. Na
t:pica pura verifica-se a oposição sujeito-objeto. Ambos
não se confundem. Na Dramática, finalmente, desapa-
rece de novo a oposição sujeito-objeto. Mas agora a
situação é inversa à da Lírica. };: agora o mundo que
se apresenta como se estivesse autÔnomo. absoluto (não
relativizado a um sujeito). emancipado do narrador e
da interferência de qualquer sujeito, quer épico. quer
lírico. De certo modo é, portanto, o gênero oposto ao
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lirico. Neste último o sujeito é tudo, no dramático o interioridade dos personagens. De outro lado, o subje-
objeto é tudo, a ponto de desaparecer no teatro, por tivo se manifesta na sua passagem para a realidade .
compldo, qualquer mediador, mesmo o narrativo que, externa. Vemos, pois, na Dramática uma ação esten-
na ~pica, apresenta e conta o mundo acontecido. dendo-se diante de nós, com sua luta e seu desfecho
(como na J!;p1ca);mas ao mesmo tempo vemo-Ia defluir
b) A concepçãodeHegel atualmente de dentro da vontade particular, da morali-
dade ou amoralidade dos caracteres individuais, os
Até certo ponto, porém, poder-se-ia considerar a quais por isso se tomam centro conforme o princípio
Dramática também como o gênero que reúne a objeti- Hrico. Na Dramática, portanto, não ouvimos apenas a
vidade e distância da ~pica e a subjetividade e inten- narração sobre uma ação (como na ~pica), mas pre-
sidade da Lírica; pois a Dramática absorveu em certo senciamos a ação enquanto se vem originando atual-
sentido o subjetivo dentro do objetivo como a Lírica mente, como expressãoimediata de sujeitos (como na
absorveu o objetivo dentro do subjetivo. Tanto o nar- Lírica) (op. cit., págs. 935/36).
radar épico desapareceu, absorvido pelos personagens
com os quais passou a identificar-se completamente pela c) Divergência da concepção aqui exposta
metamorfose, comunicando-Ihes todavia a objetividade
épica, como também se fundiu o Eu lírico com os I
A concepção de Hegei, que apresenta a Dramática
personagens, comunicando-Ihes a sua intensidade e sub- como uma síntese dialética da tese épica e da antítese
jetividade. Assim, os personagens apresentam-se autÔ- lírica, resulta numa teoria de alto grau de convicção:
nomos, emancipados do narrador (que neles desapare- entretanto, a Dramática não pode ser explicada como
ceu), mas ao mesmo tempo dotados de todo o poder síntese da Lírica e ~pica. A ação apresentada por
da subjetividade lírica (que neles se mantém viva). personagens que atuam diante de nós é um fato total-
Esta é, aproximadamente, a concepção de Regel (1770- mente novo que não pode ser reduzido a outros gêneros.
-1831): o gênero dramático é aquele "que reúne em A história prova que um influxo forte de elementos
si a objetividade da epopéia com o princípio subjetivo Uricos e épicos tende a dissolver a estrutura da Dramá-
da Lírica", na medida em que representa como se fosse tica rigorosa. Ademais, o princípio de classificação aqui
real, em imediata atualidade, uma ação em si conclusa adotado diverge do hegeliano. Hegel, segundo sua con-
que, originando-se na intimidade do caráter atuante, se cepção dialética, parte da idéia de que a Dramática é
decide no mundo objetivo, através de colisões entre um gênero superior à Lirica e à ~pica, devendo por
indivíduos. O mundo objetivo é apresentado objetiva- isso contê-Ias, superando-as ao mesmo tempo. A classi-
mente (COlIJOna J1:pi<:a),mns mediado pela interiori- ficaç~o aqui exposta, todavia, não reconhece nenhuma
uauedos sujeitos (como na Lírica). Também histori- superioridade de um dos gêneros. Parte da relação do
camente o surgir do drama pressuporia, segundo Hegel, mundo imaginário para com o "autor", este tomado como
tanto a objetividade da ~pica como a subjetividade da sujeito fictício (não biográfico e real) de quem emana
Lírica, visto que a Dramática, "unindo ri ambas, não se o texto literário e que aqui foi designado como "Eu
satisfaz com nenhuma das esferas separadas" (G. W. F. lírico" e como "narradol'''. Na Lírica (de pureza ideal)
HECEL,Asthetik, organizada por Friedrich Bassenge, o mundo surge como conteúdo do Eu lírico; na J!;pica
Editora Aufbau, Berlim, 1955, com introdução de Georg ( de pureza ideal), o narrador já afastado do mundo
Lukács, págs. 1038/39). objetivo, ainda permanece presente, como mediador do
A Dramática, portanto, ligaria a J1:picae a Lírica mundo; na Dramática (de pureza ideal) não há mais
em uma nova totalidade que nos apresenta um desen- quem apresente os acontecimentos: estes se apresentam
volvimento objetivo e, ao mesmo tempo, a origem desse por si mesmos, como na realidade; fato esse que explica
uesenvolvimento, a partir da intimidade de indivíduos, a objetividade e, ao mesmo tempo, a extrema força e
de modo que vemos o ob;etivo (as ações) brotando da intensidade do gênero. A ação se apresenta como tal,
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não s~ndo Rpan'lItl'mente filtrada por nenhum mediador. vez. Quanto no passado, o drama puro não pode retor-
Isso St~1I1:.\lIífcstano texto pelo fato de somente os na1' a ele, a não ser através da evocação dialogada dos
próprios pC'rsonngensse apresentarem dialogando sem personagens; o flash back (recurso antigüíssimono gê-
jntl'l'ft'r~ncia do "autor". Este se manifesta apenas nas nero épico e muito típico do cinema que é uma arte nar-
. que, no 1 palco,
ruhriC'as . porsãosuaabsorvidas
" pelos atores
" e rativa ), que implica não s6 a evocação dialogada e sim
cen'á nos. OS ceni.U'1OS, vez, d esaparecem no o pleno retrocesso cênico ao passado, é impossível no
pi.1ko, tornando-se ambiente; e da mesma forma desa- avanço inintnrrupto da ação dramática, cujo tempo é
parecem os atores, metamorfoseados em personagens; linear e sucessivo como o tempo empírico da realidade;
nÜovemos os atores (quando representam .bem e quando qualquer interrupção ou retomo cênico a tempos pas-
não os focaJizamos especialmente), mas apenas os per- sados revelariam 1\ intervenção de um narrador mani.
sonagens, na plenitude da sua objetividade fictícia. pulando a estória.
A ação dramática ac.:onteceagora e não aconteceu
no passado, mesmo quando se trata de um drama
d) Traços estiUsticos fundamentais da obra dramática pura histórico. Lessing, na sua Dramaturgia de Hamburgo
(11.0 capítulo), diz com acerto que o dramaturgo não
é um historiador; ele não relata o que se acredita 'haver
O simples fato de que o "autor" (narrador ou Eu acontecido, "mas faz com que aconteça novamente pe.-
lírico) parece estar ausente da obra -
ou confundir-se rante os nossos olhos." Mesmo o "novamente" é demais.
com todos os personagens de modo a não distinguir-se Pois a ação dramática, na sua expressão mais pura, se
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como entidade específica dentro da obra implica uma apresenta sempre "pela primeira vez". .Não é a repre.
série de conseqüências que definem o gênero dramático sentação secundária de algo primário. Origina-se, cada
e os seus traços estilísticos em termos bastante aproxi- vez, em cada representação, "pela primeira vez"; não
mados das regras aristotélicas. Estando o "autor" ausen- acontece "novamente" o que já aconteceu, mas, o que
te, exige-se no drama o desenvolvimento autônomo dos acontece, acontece agora, tem a sua origem agora; a
acontecimentos, sem intervenção de qualquer mediador, ação é "original", cada réplica nasceagora, não é citação
já que o Uautor" confiou o desenrolar da ação a perso- ou variação de algo dito há muito tempo.
nagenscolocadosem determinada situação. O começo
da peça não pode ser arbitrário, como que recortado
de uma parte qualquer do tecido denso dos eventos e) A correspondência de Goethe e Schi/ler
universais, todos eles entrelaçados, mas é determinado
pelas exigências internas da ação apresentada. E !I.peça
termina quando esta ação nitidamente definida chega Muitos dos elementos abordados acima foram dis-'
ao fim. Concomitantemente impõe-se rigoroso encadea- eutidos com grande argúcia por Goethe e Schiller na
mento causal, cada cena sendo a causa da próxima e sua correspondência, em que tratam com freqüência do
esta sendo o efeito da anterior: o mecanismo dramático problema dos gêneros. Tendo superado a sua fase
move-se sozinho, sem a presença de um mediador que juvenil de pré-romantismo shakespeariano, voltam-se, na
o possa manter funcionando. Já na obra épica o narra- última década do século XVIII, para a anti&:1idade
dor, dono do assunto, tem o direito de intervir, expan- clássica e debatem a pureza dos seus trabalhos dramá-
dindo a naITatívuem espaçoe tempo,voltandoa épocas ticos em elaboração. O estudo aprofundado de Arist6.
anteriores ou antecipando-se aos acontecimentos, visto teles e da tragédia antiga suscita o problema de como
conhecer o futuro (dos eventos passados) e o fim da seria possível manter puros os gêneros épico e dramá.
estória. Bem ao contrário, no drama o futuro é desco. tico em face dos assuntos e problemas modernos.
nhecido; brota do evolver atual da ação que, em cada Nota-se, pois, uma perfeita intuição do fato de que
apresentação, se origina por assim dizer pela primeira os gêneros e, mais de perto, a pureza estilística com
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que se apresentam, devem ser relacionados com a lús-
tórii.l e as transform:lções d:lí decorrcntes. Ambos os f) As unidades
poetas ret'Ouhecem O fato de que - na expressãode
G. Lukács - "as formas dos gêneros não são arbitrárias. E claro que também o dramaturgo faz uma seleção
Emanam, ao contrário, em cada caso, da determinação
concreta do respectivo estado social e histórico. Seu
das cenas - mais rigorosa, aliás, que o autor épico,
sobretudo por necessidade de compressão. Regel diria
caráter e peculiaridade são deterp1inados pela maior ou que a Dramática reúne a concentração da Lírica com
menor capacidade de exprimir os traços essenciais de a maior extensão da Epica. Todavia, o que prevalece
dada fase histórica" (Introdução à Xst'hetik de HegeJ, na seleção dramática é a necessidade de criar um meca-
op. cit., pág. 21). Tálvez se diria melhor que o uso nismo que, uma vez posto em movimento, dispensa
específico dos gêneros - a sua mistura, os traços esti- qualquer interferência de um mediador, explicando...sea
lísticos com que se aprescntam (por cxemplo, o gênero partir de si mesmo. Qualquer episódio que não brotasse
dramático com forte cunho épico) - adapta-se em do evolver da ação revelaria a montagem exteriormente
grando medida à situação histórico-social e, concomi- superposta. A peça é, para Arist6teles, um organismo:
tantementc, à temática proposta pela respectiva época. todas as partes são determinadas pela idéia do todo,
Na sua discussão, Coethe e SchilIer verificam "que enquanto este ao mesmo tempo é constituído pela intera-
a autonomia das partes constitui caráter essencial do ção dinâmica das partes. Qualquer elemento dispensá-
poema épico", isto é, não se exige dele o encadeamento vel neste contexto. rigoroso é "anorgânico", nocivo, não
rigoroso do drama puro; o poema épico "descreve-nos motivado. Neste sistema fechado tudo motiva tudo, o
apenas a existência e o atuar tranqüilos das coisas todo as partes, as partes o todo. Só assim se ohtém n
segundo as suas naturezas, seu fim repousa desde logo verossimilhança, sem a qual não seria possível a des-
em cada ponto do seu movimento; por isso niio corremos carga das emoções pelas próprias emoções suscitadas
impacientes para um alvo, mas demoramo-nos com amor (catarse), último fim da tragédia.
a cada passo.. ." (Schiller).Tal observaçãosugereque Coro, prólogo e epílogo são, no contexto do drama,
a Épica, além de narrar ações (manifestando-sesobre como sistema fcchado, elementos épicos, por se mani-
elas, em vez de apresentá-Ias como o drama), se debruça festar, através deles, o autor, assumindo função lírico-
em ampla mediàa sobre situações e estados de coisas. -
-narrativa. Dispersão em espaço e tempo suspendendo
Contrariamente, no drama cada cena é apenas elo, tendo a rigorosa sucessão, continuidade, causalidade e unidade
seu valor funcional apenas no todo. - faz pressupor igualmente o narrador que monta as
cenas a serem apresentadas, como se ilustrasse um
evonto maior com cenas selecionadas. Um intervalo
Coethe, por sua vez, destaca que o poema épico temporal entre duas cenas ou o deslocamento espacial
"retrocede e avança", sendo épicos "todos os motivos entre uma cena e outra sugerem um mediador que
retardantes". O que sohretudo salienta é que o drama omite certo espaço de tempo como não relevante (como
exige um "avançar ininterrupto". E SchilIer: o drama- se dissesse: "agora fazemos um salto de três anos") ou
turgo "vive sob a categoria da causalidade" (cada cena que manipula os saltos espaciais ("agora vamos trans-
um elo no todo), o autor épico sob a da substancia- ferir-nosda sala do trihunaJpara o aposentodo conde").
lidade: cada momento tem seus direitos próprios. "A Mais ainda, revelam a intervenção do narrador cenas
ação dramática move-se diante de mim, mas sou eu que episódicas, na medida em (lue interrompem a unidade
me movimento em torno da ação épica que parece estar da ação e não se afiguramnecessáriasao evolvercausal
em repouso." A razão disso é evidente: naquela, tudo da fábula principal. As famosas três unidades de ação,
move-se em plena atualidade; nesta tudo já aconteceu, lugar e tempo, das quais sÓa primeira foi considerada
é o narrador (e com ele o ouvinte ou leitor) que S6 realmente importante por Aristóteles, parecem, pois, como
move escolhendo os momentos a serem narrados.
perfeitamente lógicas na estrutura da Dramática pura.
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Face a essasrazões, que decorrem da lógica interna do les - particularmente com relação ao público - mas
gênero, são assaz ineptos os argumentos geralmente com relação aos outros personagens prepondera o apelo,
aduzidos, sobretudo o de (1110é necessário aproximar o desejo de influir, convc'ncer, dissuadir. .
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desempenha o seu papel. Mas está mctamorfoseado em
personagem; quem está no palco é Hamlet, Fecha ou
Nora, não o sr, João da Silva ou a sra. Maria da Cunha,
Macbeth não se dirige ao p,úblico da Comédie Fran-
çaise, Nora não fala ao publico da Broadway. Eles
se dirigem aos seus interJocutores, a Lady Macbeth ou
a Helmer.
Esta breve caracterização do g'êncro e estilo dra-
máticos - que em seguida será enriquecida por dados
históricos - é naturalmente uma abstração; refere-se ri
um "tipo ideal" de drama, inexistente em qualquer rea-
lidade histórica, embora haja tipos de dramaturgia que
se aproximam desse rigor. Na medida em que as peças
se aproximarem desse tipo de Dramática pura, serão
chamadas de "rigorosas" ou puras, por vezes também
de "fechadas", por motivos que se evidenciarão. Na
medida em que se afastarem da Dramática pura, serão
chamadas de épicas ou lírico-épicas, por vezes também
de "abertas", por motivos que igualmente se evi,denciarão.