Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Débora Fanton
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovação, com grau máximo, pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Drª. Clarice
Beatriz da Costa Söhngen, Profª. Drª. Lígia Mori Madeira e Prof. Dr. Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo,
em 25 de novembro de 2009.
2
a ela, tanto em termos teóricos, quanto em termos práticos. O Direito lida com o ser
humano e ocupa-se, predominantemente, em regular e resolver os conflitos
decorrentes das relações sociais. Já a Antropologia tem por objetivo buscar
compreender, através de instrumentos interpretativos, os homens e sua cultura.
Dessa forma, o pensamento antropológico assume importante papel para
proporcionar uma ampliação e uma melhor compreensão sobre o homem e, assim,
sobre o papel do Direito nas relações sociais.
2
SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 12; COLAÇO, Thais
Luzia. O despertar da antropologia jurídica. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elementos de
antropologia jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 29.
3
Cumpre referir que a ênfase de nossa reflexão neste trabalho se dará sobre as práticas tradicionais
indígenas.
3
Assim sendo, o presente trabalho tem como finalidade refletir, a partir do Projeto de
Lei n° 1.057/2007, sobre as aproximações que podem se estabelecer entre os
campos do direito e da antropologia. Ou seja, iremos discutir a aplicação dos direitos
humanos e fundamentais, questionando o caráter universalista e interventor do
Projeto de Lei. Por outro lado, expor-se-á a particularidade da significação dos
sistemas simbólicos indígenas, já que, a partir do ponto de vista antropológico, dever-
se-ia interpretar o artigo 1°, inciso III e o artigo 5° em conformidade com o artigo 231
da Constituição Federal.
Tendo em vista que muitas vezes as minorias étnicas são incompreendidas ou,
até mesmo, menosprezadas, interpretá-las significa despertar a importância de
enxergar o “outro” a partir de seu contexto social.
4
Para uma noção geral sobre os ramos da Antropologia, consultar: DAMATTA, Roberto. Relativizando:
uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 27-38; LAPLANTINE, François.
Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 16-20.
5
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 13.
6
Ibidem, p. 11.
5
7
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 11 e 21.
8
Ibidem, p. 4.
9
A opinião de Roque de Barros Laraia sobre o estudo da cultura é que: “provavelmente nunca
terminará, pois uma compreensão exata do próprio conceito de cultura significa a compreensão da
própria natureza humana, tema perene da incansável reflexão humana”. (LARAIA, Roque de
Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 63).
10
Ibidem, p. 10-11.
11
Para Edward Burnett Tylor (1832-1917), antropólogo inglês da corrente Evolucionista, “Cultura ou
Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui
conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem na condição de membro de sociedade”. (TYLOR, Edward Burnett. A ciência
da cultura. In: CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.
69. Sobre a crítica de Clifford Geertz em relação ao referido autor, consultar p. 3 da obra A
interpretação das culturas).
12
Neste trabalho não se pretende detalhar as diferentes contribuições das escolas antropológicas,
limitaremo-nos em apenas citar as mais conhecidas: Evolucionismo, Difusionismo, Funcionalismo,
Estruturalismo, Antropologia Interpretativa, Antropologia Pós-Moderna ou Crítica.
6
noção não perca seu conteúdo, torne-se mais esclarecedora e quiçá mais
poderosa.13 Por essas razões, Clifford Geertz expõe que:
Para Geertz, “um dos fatos mais significativos a nosso respeito pode ser,
finalmente, que todos nós começamos com o equipamento natural para viver milhares
de espécies de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espécie”. 19 Assim, todas
as pessoas são capazes de crescer em qualquer cultura, porém tendo crescido em
uma específica, a ela se adaptará, pois a convivência com os símbolos
correspondentes implica na sua absorção e, por conseguinte, no seu modo de vida.
Conforme Geertz:
É por intermédio dos padrões culturais, amontoados ordenados de símbolos
significativos, que o homem encontra sentido nos acontecimentos através dos
quais ele vive. O estudo da cultura, a totalidade acumulada de tais padrões,
é, portanto, o estudo da maquinaria que os indivíduos ou grupos
13
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 3 e 28-31.
14
Ibidem, p. 32-33.
15
Ibidem, p. 33.
16
Ibidem, p. 66 e 135.
17
Ibidem, p. 34.
18
Ibidem, p. 124.
19
Ibidem, p. 33.
7
A interação de um símbolo com outro, dos símbolos entre si, forma um conjunto
de sistemas de símbolos, os quais regulam e modelam as demais relações em que o
homem está inserido.24
24
CRAIK, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69.
25
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69.
26
Ibidem, p. 69.
27
Ibidem, p. 70.
28
Ibidem, p. 35.
9
A diferença entre fiéis e infiéis pode ter mesmo relação com os hormônios.
Cientistas suecos e americanos estudaram o comportamento sexual de ratos
que formavam pares e descobriram um gene presente no hormônio
vasopressina que, até então, acreditavam controlar apenas a pressão
sanguínea, mas que pode influenciar também nos relacionamentos. [...]
“No ano passado, um grupo de cientistas publicou o primeiro trabalho em uma
variação desse gene que é relevante para o comportamento dos homens. Os
homens que têm a versão curta do gene tendem a ser mais promíscuos e
mais infiéis, e homens que têm a versão longa do gene tendem a ser mais
monogâmicos e a ficar mais vinculados em casa e a cuidar mais dos filhos”,
explica o geneticista Renato Zamora Flores, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).30
29
Baseado em LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008, p. 17.
30
REPORTAGEM EXIBIDA no dia 31 de julho de 2009 na rede Globo, às 22h30min. Disponível em:
<http://g1.globo.com/globoreporter/0,,MUL1250884-16619,00-
ESTUDO+DOS+BRASILEIROS+CASADOS+TRAEM.html>. Acesso em: 09 ago. 2009.
31
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008, p. 19-20
10
E torna-se evidente, de forma ainda mais crucial, que a acumulação cultural não
só já estava encaminhada muito antes de cessar o desenvolvimento orgânico,
mas que tal acumulação certamente desempenhou um papel ativo moldando os
estágios finais desse desenvolvimento [...] a ferramenta de pedra ou o machado
rústico, em cujo rastro parece ter surgido não apenas uma estatura mais ereta,
uma dentição reduzida e uma mão com domínio do polegar, mas a própria
extensão do cérebro humano até seu tamanho atual.37
Observa o autor, ainda, que não é possível traçar uma linha delimitando o
homem “não-enculturado” do homem “enculturado”38, como se o próprio homem
tivesse subitamente se promovido de “coronel” a “general-de-brigada”39. A evolução
biológica deu-se de forma gradual juntamente com o acúmulo cultural, ambos
influenciando-se mutuamente.40 Dessa forma, a cultura foi ingrediente essencial para
32
Segundo Franz Boas: “As condições ambientais podem estimular as atividades culturais existentes,
mas elas não têm força criativa. O mais fértil solo não cria a agricultura; as águas navegáveis não
criam a navegação; um abundante suprimento de madeira não produz edificações de madeira. Mas
onde quer que exista agricultura, arte da navegação e arquitetura, todas essas atividades serão
estimuladas e parcialmente moldadas segundo as condições geográficas”. Logo adiante o autor
complementa: “Desse modo, é infrutífero tentar explicar a cultura em termos geográficos [...]
Entretanto, as relações espaciais dão apenas a oportunidade para o contato; os processos são
culturais e não podem ser reduzidos a termos geográficos”. (FRANZ, Boas. Antropologia cultural. 3.
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 61-62; BOAS apud LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um
conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 21-23).
33
Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p.
24.
34
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 34.
35
Ibidem, p. 35.
36
Ibidem, p. 45 e 60.
37
WASHBURN, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 49.
38
O significado que o autor imprime à palavra “enculturado” refere-se ao homem ser capaz de
produzir e acumular cultura.
39
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 47.
40
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 46-47. Nesse sentido,
observa Laplantine que o inato (biológico) e o adquirido (aspectos culturais) interagem
11
Um pássaro, após nascer, ensaia seus primeiros voos incertos, busca seu
alimento, acomoda fios, gravetos e barro para a construção de seu ninho e acasala-
se basicamente através de seus instintos – os comandos de seus genes – e pelos
estímulos externos, os quais ordenam suas ações para desempenhar tais atividades.
O homem, por sua vez, para escolher sua companheira ou seu círculo de amizades,
selecionar o alimento que lhe apetece e construir sua residência necessita muito mais
das chamadas “fontes extrínsecas de informação” do que de “fontes intrínsecas”. 45 As
fontes intrínsecas de informação são os nossos genes. Já, as fontes extrínsecas são
os fatores externos ao corpo do ser humano, os quais não possuem ligação direta com
os genes, ou seja, são os padrões culturais.46 O homem, ao contrário do pássaro e de
outros animais, se apóia muito mais em fontes não genéticas para se desenvolver.
Nesse sentido, Geertz aduz que:
Entre o que o nosso corpo nos diz e o que devemos saber a fim de funcionar,
há um vácuo que nós mesmos devemos preencher, e nós o preenchemos
com a informação (ou desinformação) fornecida pela nossa cultura. 47
Para tomar nossas decisões, precisamos saber como nos sentimos a respeito
das coisas; para saber como nos sentimos a respeito das coisas precisamos
de imagens públicas [...]53 Para obter a informação adicional necessária no
sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais
– o fundo acumulado de símbolos significantes.54 Tornar-se humano é tornar-
se individual, e nós nos tornarmos individuais sob a direção dos padrões
culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos
quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas. Os padrões
culturais não são gerais, mas específicos.55
48
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69.
49
Ibidem, p. 33, 36, 69, 124.
50
Ibidem, p. 48.
51
Ibidem, p. 58.
52
Ibidem, p. 150, 33, 36.
53
Ibidem, p. 59-60.
54
Ibidem, p. 35.
55
Ibidem, p. 37.
13
símbolos são diferentes e, assim, estranhos um ao outro.56 Nesse sentido, nas simples
palavras de Roque de Barros Laraia, percebe-se que “a cultura condiciona a visão de
mundo do homem”.57
56
Evidentemente existem muitos casais poligâmicos no Ocidente, como ocorre em algumas regiões
nos Estados Unidos. No entanto, de uma forma geral, a prática mais comum é de que as uniões
entre pessoas sejam monogâmicas. Destaca-se também que a religião exerce grande influência
nesse aspecto.
57
Para outros exemplos sobre como a cultura condiciona a visão de mundo do homem, consultar:
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008, p. 67-74.
58
RYLE, Gilbert, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p.
121, 150-151.
59
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 151.
60
Ibidem, p. 61.
61
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008, p. 82.
62
Ibidem, p. 94-101.
14
Diante do exposto, fica mais claro agora pensar que a diversidade cultural não
é produto dos fatores genéticos ou, então, da localização em que os grupos humanos
se desenvolveram. A diversidade cultural é resultado dos diferentes tipos de interação
do homem com o mundo. As relações específicas de um povo, tendo em vista sua
história, a maneira de como criaram seus símbolos, classificaram seus elementos e
organizaram suas experiências resultaram em conjuntos de sistemas de símbolos
significantes diferenciados.63 Nesse sentido, os homens foram ao mesmo tempo
produtos e produtores de sua cultura e, portanto, essa mútua interação, através do
processo de aprendizagem (por meio da linguagem), tornou viável a construção de
diferentes culturas, as quais projetaram diferentes sentidos à vida dos seres humanos.
Assim, o que distingue o homem dos animais é a cultura, pois somente ele tem
o poder de criar e assimilar os símbolos. Ademais, o que distingue os homens entre
si não é a sua composição genética ou a geografia, mas sim a diferença da mútua
interação entre os modelos “da” e “para” a realidade que cada povo percebeu e
elaborou de maneira singular. Tal processo possibilitou, portanto, construções
diversificadas de modelos simbólicos, refletindo nas diferentes visões de mundo que
cada cultura possui e orienta seus indivíduos.
1.2 ETNOCENTRISMO
Quando uma cultura se defronta com outra é natural que deste encontro
desperte um estranhamento. Isso porque, como já examinado, cada cultura imprime
e entende de maneira peculiar os significados dos seus símbolos, os quais nem
sempre coincidem com o conteúdo de outros universos simbólicos existentes. Não
obstante, é possível notar que muitas vezes atribuímos os nossos próprios
significados aos símbolos de outras culturas, ou seja, emitimos juízos valorativos a
partir de nossa visão de mundo e nossa experiência em relação à diferentes culturas
(o “outro”). Assim, tal estranhamento traduz nossa dificuldade em pensar o “outro” em
seus próprios valores. Esse fenômeno é explicado por Everardo Rocha do seguinte
modo:
63
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco,
1987, p. 24.
64
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 36.
15
Pode-se afirmar que a visão sobre o “outro” a partir das concepções do “eu”
esteve presente em toda a história da humanidade. Esse aspecto pode ser
principalmente verificado na época dos descobrimentos, isto é, quando o
desenvolvimento da navegação permitiu os primeiros contatos entre diferentes povos.
Talvez, esses foram os momentos marcantes para se começar a pensar sobre a
diferença. Referindo-se aos índios do Brasil, o escrivão Pero Vaz de Caminha
descreve ao Rei de Portugal: “Assim, quando o batel chegou à foz do rio estavam ali
dezoito ou vinte homens, pardos, todos nus, sem nenhuma roupa que lhes cobrisse
suas vergonhas”.66 Essa, dentre outras passagens, revela a perplexidade dos
portugueses com a imagem dos indígenas; em outras palavras: como eles não se
vestem como nós? Por que não cobrem suas “vergonhas”?67
65
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 7.
66
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei Dom Manuel. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998, p. 9.
67
Eduardo Bueno traz à tona mais registros sobre as impressões entre os indígenas brasileiros e os
navegantes lusos: BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998,
v. 1, p. 94-102.
68
CAMINHA, op. cit., p. 46.
69
Ibidem, p. 47.
70
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 9.
71
Ibidem, p. 8; LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989, p. 333.
16
72
SIMON, apud CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p.
242-243; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 9.
73
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 14; CUCHE,
Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 48 e 243.
74
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1989, p. 334.
75
Edward Burnett Tylor, James Frazer e Lewis Morgan foram os autores expoentes do Evolucionismo
Cultural.
76
Sobre a corrente evolucionista: DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma Introdução à Antropologia
Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 89-101; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é
etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 25-36.
17
Além disso, até pouco tempo o indígena não era considerado plenamente
capaz para exercer pessoalmente todos os atos da vida civil. O artigo 6° do Código
Civil de 1916 arrolava os indígenas como relativamente capazes, ao lado dos maiores
de 16 e menores de 21 anos e dos pródigos. A imagem do índio “não civilizado” como
um ser infantil, que necessita da tutela do Estado, pode ser notada no parágrafo único
do referido artigo.78
É de se ressaltar também que, ainda hoje, o índio é visto como um personagem
do folclore brasileiro que já deveria ter sumido da história do país.79 Essa posição
etnocêntrica em relação às comunidades indígenas pode ser visualizada através do
trecho do antropólogo Julio Cezar Melatti:
77
BECKHAUSEN, Marcelo. O reconhecimento constitucional da cultura indígena – os limites de uma
hermenêutica constitucional. 2001. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em:
<http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre-
direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009.
78
O artigo 6° do Código Civil de 1916 dispõe: São in capazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à
maneira de os exercer: I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a
156); II - os pródigos; III - os silvícolas. Parágrafo único: Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar,
estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à
civilização do País. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 14
set. 2009; BECKHAUSEN, Marcelo. O reconhecimento constitucional da cultura indígena – os limites de uma
hermenêutica constitucional. 2001. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em:
<http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre-
direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009.
79
Em relação à visão sobre os indígenas, destacamos o interessante trecho de Eduardo Viveiros de
Castro: “A impressão que tenho é que o ‘Brasil’ até bem pouco não queria saber de índio, e sempre
morreu de medo de ser associado, ‘lá fora’, a esse personagem, que deveria ter sumido do mapa há
muito tempo e virado uma pitoresca e inofensiva figura do folclore nacional. Mas os índios continuam
aí, e vão continuar. E, como vemos, eles começam devagarzinho a ser admitidos no Brasil oficial-
midiático, agora que foram legitimados na metrópole. A Amazônia precisou passar pela Europa para
se tornar visível do litoral do Brasil. Antes assim”. (SZTUTMAN, Renato. Encontros Eduardo Viveiros
de Castro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008, p. 85).
18
Embora existam essas três concepções sobre o relativismo cultural, para Denys
Cuche, apenas a última é válida. Isso, porque a primeira noção não pode ser
comprovada cientificamente, ou seja, não é razoável pensar que as diferentes culturas
não podem ser comparadas entre si; e a segunda – da neutralidade ética –, porque
serve, muitas vezes, como uma “máscara do desprezo”.84
confere seu caráter original singular; e que não se pode analisar um traço
cultural independentemente do sistema cultural ao qual ele pertence e que
lhe dá sentido. Isto quer dizer estudar todas as culturas, quaisquer que sejam
a priori, sem compará-las e ou “medi-las” prematuramente em relação a
outras culturas.85
Assim, o relativismo cultural não pode estar associado à trivial idéia de que
“tudo é variável” ou “tudo deve ser aceito”, mas a de que os fatores de uma cultura
necessitam ser primeiramente compreendidos em seus próprios termos, ou seja, a
partir da lógica do sistema simbólico dessa mesma cultura e, vale dizer, não a partir
da lógica do sistema do observador.86
85
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 241.
86
Sobre esse aspecto, Roque de Barros Laraia ressalta que cada cultura tem a sua lógica própria. A
transposição da lógica de um sistema cultural para outro caracteriza um ato etnocêntrico. Por essa
razão, um traço cultural deve ser observado em conformidade com a coerência de seu próprio
sistema cultural. (LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 87 e 91).
87
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 20.
88
Ibidem, p. 46.
89
Ibidem, p. 54, 73 e 93.
90
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco,
1987, p. 157.
91
Ibidem, p. 157-158.
92
Ibidem, p. 26-27, 158 e 162.
20
Clifford Geertz, diante desse polêmico tema, assume a posição Anti Anti-
Relativista.93 Esta expressão quer indicar que o autor não possui a pretensão de
defender o relativismo cultural, mas a de atacar o medo infundado que é mantido em
relação a ele. Assim, a dupla negativa [Anti Anti-] refere-se, estritamente, a sua
oposição ao pensamento anti-relativista.94 Tal pensamento, para Geertz, além de
atribuir conseqüências infundadas ao relativismo cultural, como, por exemplo, o
niilismo (“ou tudo ou nada”) e o subjetivismo (“tudo depende da maneira como você
vê as coisas”), dá uma solução errada a este problema antropológico, qual seja, a de
que precisamos encontrar um aspecto (imutável) do ser humano que esteja acima da
cultura, como a moral ou o conhecimento (a Razão), para, só assim, afastar os
supostos fantasmas da abordagem relativista.95 Todavia, mesmo que Geertz rejeite a
posição anti-relativista, ele não quer assumir uma posição relativista como uma teoria
antropológica. Nesse sentido, ele destaca que a inclinação relativista dos
antropológicos recebe impulsos não tanto das teorias construídas a partir dos dados
antropológicos (costumes, vestígios arqueológicos, crânios, léxicos, etc.), mas, sim, a
partir destes mesmos dados.96 Ou seja, o alerta dos relativistas sobre o perigo de
nossas concepções teóricas e atitudes práticas estarem demasiadamente arraigadas
em nossa cultura e, assim, impossibilitarem-nos de entrar em um diálogo autêntico
com outras culturas, não precisa ser erigido ao status de uma teoria, porque a questão
encontra-se em como viver com estes dados antropológicos, que colocam em
questão, constantemente, a cultura na qual advém o antropólogo.97
93
GEERTZ, Clifford. Anti Anti-Relativismo. In: . Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001, p. 47-67.
94
Ibidem, p. 47.
95
Ibidem, p. 61-63.
96
Ibidem, p. 49.
97
Ibidem, p. 49 e 65.
21
Definir o que seja a dignidade da pessoa humana não é uma tarefa fácil, tendo
em vista a complexidade desta idéia. Isto se deve ao fato de que a dignidade possui
um conceito extremamente impreciso, genérico, vago e ambíguo. 98 Contudo, há a
necessidade de conceituá-la, da maneira mais explícita possível, mesmo que em
linhas gerais.99
98
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 44.
99
Não nos ateremos em expor aqui a perspectiva histórica da construção da noção de dignidade da
pessoa humana, sendo que, para isso, pode ser consultada a obra de Ingo Wolfgang Sarlet: (Ibidem,
p. 31-44).
100
SACHS, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 45.
101
No contexto dos direitos humanos, Fábio Konder Comparato afirma que se trata de “algo que é
inerente à própria condição humana, sem ligação com particularidades determinadas de indivíduos
ou grupos”. (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 57).
102
DÜRIG; STERN, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,
p. 47.
103
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 47.
104
Ibidem, p. 77-78.
105
Ibidem, p. 78.
106
Sobre o status jurídico-normativo da dignidade da pessoa humana como norma (princípio e regra)
e valor fundamental, Ingo Sarlet remete o pensamento a Robert Alexy e, em virtude da complexidade
deste raciocínio, não o desenvolveremos aqui. Para isso, conferir: SARLET, Ingo Wolfgang.
Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.
7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 74-84.
22
107
PODLECH; SACHS, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.
52-53.
108
KANT, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 58.
109
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 125.
110
Ibidem, p. 67.
111
HÄBERLE, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 51.
112
De acordo com Sarlet, a dignidade é a qualidade intrínseca ao ser humano, que preexiste ao Direito,
mas que apesar disso “o grau de reconhecimento e proteção outorgado à dignidade da
pessoa por cada ordem jurídico-constitucional e pelo Direito Internacional, certamente irá depender
de sua efetiva realização e promoção” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009, p. 76).
Sobre este ponto convém lembrar a notável obra de Fábio Konder Comparato, que demonstra,
através de documentos normativos, a construção histórica dos direitos do homem (COMPARATO,
Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005).
23
conduta e escolher as circunstâncias em relação à sua vida. 113 Sobre este aspecto,
José Joaquim Gomes Canotilho refere-se à ideia de o indivíduo ser “conformador de
si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual”. 114 Oportuno frisar
que a dignidade da pessoa humana deve ser reconhecida a todo o ser humano,
mesmo que a pessoa não possa exercer sua liberdade de maneira autônoma, como
é o caso, por exemplo, dos absolutamente incapazes (portadores de sérias doenças
físicas e/ou mentais, nascituro). Por conseguinte, fala-se que a dignidade humana está
relacionada ao potencial de liberdade.115
Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser
humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem
asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e
a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais
não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço
para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá
não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.117
113
BLECKMANN, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 50.
114
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da constituição. 4. ed. Coimbra:
Almedina, 2000, p. 225.
115
DÜRIG, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 50-51.
116
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 51.
117
Ibidem, p. 65.
118
Ibidem, p. 66.
119
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 222-237.
24
127
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 105.
128
GEDDERT-STEINACHER, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 113.
129
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 82-83 e 89. Em relação a este
ponto, conferir: COELHO, Inocêncio Mártires. Princípio da dignidade da pessoa humana. In:
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires (Org.).
Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 172-177.
130
NIPPERDEY, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 88.
131
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 119.
26
Tais afirmações podem ser constatadas em face dos limites que o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana pode estabelecer em relação às restrições realizadas
aos direitos fundamentais.133 Ressalta-se também que o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana pode estabelecer limites aos próprios direitos fundamentais134 ou a
outras normas previstas no ordenamento jurídico, levando-se em consideração a
ocorrência de eventuais colisões.135
Portanto, verifica-se que pelo conteúdo e significado do Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana, o mesmo “atua simultaneamente como limite e limite dos
limites”.136
Com efeito, é de perguntar-se até que ponto a dignidade não está acima das
especificidades culturais, que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior
parte da humanidade são considerados atentatórios à dignidade da pessoa
humana, mas que, em certos quadrantes, são tidos por legítimos,
encontrando-se profundamente enraizados na prática social e jurídica de
determinadas comunidades.137
132
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 88.
133
Ibidem, p. 129.
134
Em relação à limitação à restrição dos direitos e à limitação dos próprios direitos, afirma Sarlet que
“o princípio da dignidade da pessoa humana serve como importante elemento de proteção aos
direitos contra medidas restritivas. [...] Todavia, cumpre relembrar que o princípio da dignidade da
pessoa humana também serve como justificativa para a imposição de restrições a direitos
fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes”. (Ibidem, p. 135).
135
O assunto sobre a colisão entre princípios e direitos e a forma pela qual o conflito é resolvido
(ponderação/proporcionalidade/proibição de retrocesso) no âmbito do ordenamento jurídico
brasileiro não serão desenvolvidos no presente trabalho, em virtude da complexidade da questão.
136
SARLET, op. cit., p. 135.
137
A respeito do reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana numa ambivalência
multicultural, o autor deixa o estudo em aberto. (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa
humana e Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 62).
27
138
Ressalta-se que o presente trabalho não possui o intuito de descrever, analisar ou especificar os
motivos das práticas, bem como a sua ocorrência, estatísticas, etc., pois, para isso, demandaria
uma pesquisa entre as comunidades indígenas. Além do que, esses dados não são facilmente
acessíveis em trabalhos ou sites do Governo. Por essa razão, nos ateremos em examinar o Projeto
de Lei n° 1.057 de 2007 e as suas propostas . Para alguns exemplos em relação a esses
acontecimentos nas comunidades indígenas, consultar: HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo.
Quem são os humanos dos direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f.
Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de
Brasília, Brasília, 2008, p. 16-68.
139
Henrique Afonso é componente do Partido Trabalhista do Acre. Sua área de atuação política pode
ser conferida no Portal: <http://henriqueafonso.com/index.php>. Acesso em: 04 set. 2009.
140
Para acompanhar a tramitação do Projeto de Lei n° 1.057 de 2007, consultar:
<http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=351362>. Acesso em: 02 set. 2009.
141
No Brasil, há principalmente duas organizações não-governamentais que atuam contra a prática,
como elas mesmas denominam, do “infanticídio” indígena: ATINI <http://www.atini.org/>,
<http://www.hakani.org/pt/default.asp> e JOCUM <http://www.jocum.org.br/>. Tais organizações
28
Do mesmo modo, como tais práticas não são vistas como criminosas, os
autores diretos não são criminalizados. Ressalta-se, nesse sentido, que, ao contrário
da posição de Rita Segato,144 o Projeto de Lei n° 1.057/2007 procura inibir tais
“práticas tradicionais nocivas”, uma vez que elas contrariam os direitos fundamentais,
previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e os direitos humanos, reconhecidos
internacionalmente.
exerceram grande influência no Projeto de Lei. O filme “Hakani” foi produzido por David L.
Cunningham, filho do fundador da organização JOCUM, e desde a sua veiculação tem recebido
inúmeras críticas. O filme também foi transmitido na Câmara dos Deputados em 27/11/2008.
<http://henriqueafonso.com/infanti.php>. Acesso em: 04 set. 2009.
142
BRASIL. Código Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 277.
143
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 565.
144
Em seu texto sobre o assunto, Rita Laura Segato diz o seguinte: “No me dedicaré aquí a hacer una
crítica del Proyecto de Ley en términos jurídicos. Baste decir que he repetidamente indicado que
esa ley ‘ultra-criminaliza’ el infanticidio indígena porque, por un lado, repite la sanción que
pesan sobre acciones ya debidamente encuadradas en la Constitución y el Código
Penal y, por el otro, incluye en la acusación no sólo a los autores directos del acto sino a
todos sus testigos reales o potenciales, es decir, toda la aldea en que el acto ocurre, y otros
testigos como, por ejemplo, el representante de la FUNAI, el antropólogo, o agentes de salud, entre
otros posibles visitantes.” [grifos nossos]. [Material por e-mail pessoal], p. 6.
29
nada fez ou faz para impedir o seu sacrifício”.145 Portanto, pode-se dizer que o Projeto
de Lei n° 1.057/2007 é, de certo modo, rela tivizador, pois compreende que tais
práticas são tradicionais (e não crimes), sendo elas analisadas de acordo com o artigo
231 da Constituição Federal. Além disso, propõe que todas as medidas previstas no
Projeto de Lei para o combate das práticas tradicionais nocivas serão realizadas
através “da educação e do diálogo”, consoante o artigo 7°.
145
Disponível em: <http://henriqueafonso.com/infanti.php>. Acesso em: 05 set. 2009.
146
Poder-se-ia talvez aqui realizar um paralelo com o artigo 58 da Lei n°6.001/1973 (Estatuto do Índio) , o
qual não prevê punição ao indígena que adquire bebidas alcoólicas, mas a quem vender a ele. O
referido artigo preceitua: “Art. 58. Constituem crimes contra os índios e a cultura indígena: [...] III –
propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos
tribais ou entre índios não integrados. Pena – detenção de seis meses a dois anos.” Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L6001.htm>. Acesso em: 01 nov. 2009.
Sobre a significação do uso de bebidas alcoólicas entre comunidades indígenas, conferir o trabalho
de: CAMPOS, Jankiel de. Envio do artigo “O uso abusivo de bebidas alcoólicas entre os Macuxi e
Wapishana de Roraima” (Jankiel de Campos) [Material por email pessoal]. Mensagem recebida por
jankiel@prrr.mpf.gov.br em 09 maio 2009.
147
Caberia, no entanto, perguntar aqui se o conceito de sociedades não-tradicionais englobaria as
sociedades não-indígenas, já que o Projeto de Lei n°1.057/2007 não o especifica.
30
Ocorre que alguns recém-nascidos não possuem condições desse “saber ser”,
pois estão impedidos, de alguma forma, de viver no grupo. Por essa razão, muitos
deles não são considerados seres, são considerados não-humanos.155 Em outras
palavras, os “entes”, nesses casos, não existem.156 Dentre as razões de as crianças
não serem consideradas humanas, apresentam-se alguns fatos, como por exemplo,
a criança não ter pai,157 o número ideal de filhos e o planejamento familiar,
148
Segundo Marianna Holanda, “uma criança que ‘nasce’ não é imediatamente feita humana e,
portanto, a procriação não é garantia de parentesco. Isso porque, para eles, a consubstancialidade
que nos faz consangüíneos e parentes não é fato, não é um dom, mas uma condição a ser
continuamente produzida pelas trocas e relações”. (HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo.
Quem são os humanos dos direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f.
Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de
Brasília, Brasília, 2008, p. 16).
149
Ibidem, p. 17.
150
Ibidem, p. 135.
151
SEEGER, Anthony; DAMATTA, Roberto; CASTRO, Eduardo Viveiros de. A construção da pessoa
nas sociedades indígenas brasileiras. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de Oliveira (Org.).
Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1987, p. 13.
152
Ibidem, p. 20-21.
153
HOLANDA, op. cit., p. 37-38.
154
Ibidem, p. 27.
155
Ibidem, p. 17.
156
Marianna Holanda destaca que alguns neonatos, por carecerem do “saber ser”, não são inseridos
nas relações sociais. Tal motivo justifica a sua denominação a eles como “entes”, ao invés de
“seres”. (Ibidem, p. 17).
157
IRELAND, apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos?
Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em
Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 25;
REVISTA TERRA apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos
32
Conforme salienta Marianna Holanda, “são as relações que vão dizer quem
está apto ou não a transformar-se, a humanizar-se ou a não fazer sentido
socialmente”.159 De acordo com José Otávio Catafesto de Souza, para os indígenas,
a questão maior é a do sofrimento. Para eles, uma vida sofrida é uma vida indigna,
razão pela qual a morte é vista como um mal menor. Assim também destaca Rita
Segato, com base em alguns estudos, que em determinadas circunstâncias avalia- se
se a vida do neonato vale a pena ser vivida ou não.160
direito, tais como: (a) a necessária superação do pensamento monista do Estado; (b) o
ideal universalista dos Direitos Humanos; (c) as práticas, as quais o Projeto de Lei n°
1.057/2007 denomina como “nocivas”, não possuem o mesmo significado para as
comunidades indígenas; (d) o Projeto de Lei “ultra-criminaliza” as práticas, pois legisla o
que já foi legislado; (e) o caráter intervencionista e colonizador do Projeto de Lei; (f) as
comunidades indígenas devem participar efetivamente na deliberação sobre uma lei, a
qual elas estão englobadas; (g) o papel do Estado e a necessidade de um projeto de
pluralismo jurídico no Brasil.
Pública sobre o Projeto de Lei n° 1.057/2007. Maria nna Holanda é antropóloga e foi orientada por
Rita Segato em sua dissertação de mestrado, trabalho já referido aqui. Por serem as pessoas
envolvidas neste assunto e que possuem material publicado a respeito, exporemos suas idéias e
críticas em relação ao referido projeto de lei.
165
HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia
Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. p. 143.
166
Ibidem, p. 10.
167
STAVENHAGEN, apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos
direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em
Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 10.
168
HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) –
Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 10-11.
169
Ibidem, p. 135.
170
SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo
Jurídico en diiálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena.
34
Isso faz das missões e da forma de atuação das missões um debate que deve
ser posto na cena política nacional. A violência com que muitas delas atuam
em aldeias indígenas no Brasil é encoberta por uma filantropia e protegida
por uma moralidade que não se sustenta mais [...] Mudar as culturas “em
seus aspectos sombrios e negativos” é o desejo trágico destas missões. [...]
Um humanismo que insiste no que, por séculos, os Povos Indígenas no Brasil
vêm demonstrando: que não se dobram à colonização persistente.174
ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de
globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008. p. 12.
[Material por e-mail pessoal].
171
Em relação às diretrizes de proteção à criança que já possuiriam previsão legal, se poderia
destacar: artigo 1°, inciso III (dignidade da pesso a humana); artigo 5°, caput (direito à vida); artigo
5°, inciso III (tratamento desumano ou degradante); artigo 227, caput (dever do Estado em assegurar
o direito à vida e à saúde às crianças) – todos da Constituição Federal; artigo 121 (homicídio); artigo
129 (lesão corporal); artigo 135 (omissão de socorro); artigo 136 (maus-tratos) – todos do Código
Penal; o artigo 7° (direito e prote ção à vida e à saúde); artigo 13 (maus-tratos); artigo 15 (dignidade
da pessoa humana); artigo 17 (integridade física, psíquica e moral), todos do Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n° 8.069 de 1990). (SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su
historia: El argumento del Pluralismo Jurídico en diiálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT,
Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y
diversidad en tiempos de globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología
Jurídica, 2008, [Material por e-mail pessoal], p. 6.
172
Ibidem, p. 14.
173
Ibidem, p. 5.
174
HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia
Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 145.
35
175
Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em:
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31> Acesso em: 25/06/2009. p. 4.
176
O antropólogo João Pacheco de Oliveira afirma que atualmente as práticas em questão são raras
entre as comunidades indígenas brasileiras e que não existem registros confiáveis e consistentes
sobre elas. Além disso, comenta que o filme “Hakani”, veiculado no Youtube, trata-se de uma
encenação produzida para obter fundos para as missões das instituições “pilantrópicas”.
Ressalta-se que o objetivo deste trabalho não é investigar os dados etnográficos e estatísticos da
questão, mas expor os debates teóricos em torno do tema.
Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA.
Infanticídio entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito?
Disponível em: <http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31>. Acesso em: 25 jun. 2009, p. 1 e 3.
177
Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em:
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31> Acesso em: 25 jun. 2009, p. 3.
178
Ibidem, p. 3.
179
Ibidem, p. 3.
36
De acordo com essa abordagem, Rita Segato alega que o Estado não possui
legitimidade, capacidade e responsabilidade para intervir nas comunidades indígenas
afetadas pelo Projeto de Lei n°1.057/200 7. Diante desse pensamento, ela relembra
as “cicatrizes” deixadas pelo impacto colonial sobre os povos indígenas, período
profundamente marcado pela exploração, violência e ganância.181
180
Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em:
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31>. Acesso em: 25 jun. 2009, p. 3.
181
Estes são alguns questionamentos colocados por Rita Segato: “¿Qué Estado es ese que hoy
pretende legislar sobre como los pueblos indígenas deben preservar sus niños? ¿Qué estado es
ese que hoy pretende enseñarles a cuidarlas? ¿Qué autoridad tiene ese Estado? ¿Qué legitimidad
y qué prerrogativas? ¿Qué credibilidad ese Estado tiene al intentar, mediante esta nueva ley,
criminalizar a los pueblos que aquí tejían los hilos de su historia cuando fueron interrumpidos por la
violencia y la codicia de los cristianos?”. (SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de
su historia: El argumento del Pluralismo Jurídico en diálogo didáctico con legisladores". In:
CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.).
Justicia y diversidad en tiempos de globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de
Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail pessoal], p. 17 e 20).
182
Ibidem, p. 21.
183
Ibidem, p. 17-18.
184
Em relação ao direito ao reconhecimento da diversidade cultural, há a discussão sobre a
legitimidade dos sujeitos coletivos de direito. Não abordaremos tal assunto aqui. Sobre isso,
consultar: SOUZA, Rosinaldo Silva de. Direitos Humanos através da história recente em uma
perspectiva antropológica. In: DE LIMA, Roberto Kant; NOVAES, Regina Reyes (Org.). Antropologia
e Direitos humanos. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001, p. 47-79.
185
SEGATO, op. cit, p. 15.
186
Ibidem, p. 18.
37
Por eso, esa ley es, antes que nada, anti-histórica, ya que una de las
preocupaciones centrales de nuestro tiempo es la de valorizar y preservar la
diferencia, la reproducción de un mundo en plural que, para existir, necesita del
desarrollo del derecho de sujetos colectivos. Cuidar de ellos es central inclusive
porque, a pesar de nuestras agresiones constantes en el curso de estos 500
años, esos pueblos no solamente sobrevivieron mediante sus propias estrategias
y lógicas internas, sino también porque es posible imaginar que nos superarán
en esa capacidad de sobrevivencia.189
187
SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo
Jurídico en diálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ,
Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de globalización.
México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail
pessoal], p. 22.
188
Ibidem, p. 18.
189
Ibidem, p. 18.
190
Nas palavras de Rita Segato: “Esos datos imponen nuevos interrogantes al respecto de las
motivaciones que los legisladores podrían entretener al insistir en una ley que criminaliza los pueblos
indígenas y vuelve más distante su acceso a un Derecho Propio y a una jurisdicción propia para la
solución de conflictos y disensos dentro de las comunidades, contraviniendo así el Convenio 169 de la
OIT, plenamente vigente en Brasil desde 2002.” (Ibidem, p. 19).
191
Sobre o assunto do pluralismo jurídico, conferir a obra: WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo
Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. São Paulo: Alfa-Omega, 1994.
192
SEGATO, op. cit, p. 20.
38
garantia de liberdade, a fim de que não sejam objetos de ações fundamentalistas por
outros setores da sociedade.193
193
SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo
Jurídico en diálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ,
Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de globalización.
México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail
pessoal], p. 20-21.
194
Ibidem, p. 23.
195
De acordo com a exposição de Boaventura de Souza Santos: “O conceito de direitos humanos
assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais,
designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a
natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante da realidade; o indivíduo possui
uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a
autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como
soma de indivíduos livres”. (PANIKKAR, apud SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção
39
multicultural de direitos humanos. Revista Lua Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de
Cultura Contemporânea, n. 39, p. 112, 1997).
Sobre este aspecto, conferir: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.
31-44.
196
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 107 e 112,
1997.
197
Ibidem, p. 107, 109-111.
198
Ibidem, p. 107, 109-111.
40
Assim, à medida que os direitos humanos operarem sob o aspecto universal, isto
é, atuarem como localismo globalizado, pretendendo atingir um âmbito global
(globalização de-cima-para-baixo/hegemônica), a sua abrangência e aplicação se dará
“à custa da sua legitimidade local”, ignorando, muitas vezes, as peculiaridades culturais
dos outros povos, a partir da imposição de valores ao restante do mundo.202
Por tal razão, de acordo com Boaventura de Souza Santos, os direitos humanos
devem assumir uma política progressista e emancipatória com âmbito global e
legitimidade local.203 O que isso significa? Significa dizer que os direitos humanos
necessitam operar como forma de cosmopolitismo, isto é, como globalização contra-
hegemônica, assumindo uma dimensão multicultural, ao invés de universal.
199
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 111, 1997.
200
Ibidem, p. 111-112.
201
Ibidem, p. 112.
202
Ibidem, p.111.
203
Ibidem, p. 105 e 107.
204
Ibidem, p. 112.
205
Ibidem, p. 115.
206
Ibidem, p. 114.
41
que “em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação
de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e que se constitui em redes de referenciais
normativas capacitantes”.207 Trata-se, portanto, de uma concepção de direitos
humanos com âmbito global e com legitimidade local.
Através dos topoi de cada cultura é possível propor uma produção e troca de
argumentos, isto é, estabelecer o diálogo intercultural.208 Isso significa que, por
exemplo, a partir das premissas de argumentação sobre dignidade humana de uma
cultura estabelece-se o diálogo com as premissas de argumentação sobre dignidade
humana de outra cultura, como em nosso caso, entre noções indígenas e não-
indígenas de dignidade humana. Pode-se dizer que ocorre um intercâmbio de
símbolos significantes, ocasião em que cada cultura vê-se a explicar e a justificar os
significados dos símbolos de seu sistema.
207
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 107, 109-115,
1997.
208
Ibidem, p. 115.
209
Ibidem, p. 116.
210
O autor fornece exemplos sobre os topoi dos direitos humanos na cultura ocidental, de dharma na
cultura hindu e de umma na cultura islâmica, demonstrando que todas essas noções possuem
incompletudes em si. Segundo Santos: “A hermenêutica diatópica mostra-nos que a fraqueza
fundamental da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o
indivíduo e a sociedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo possessivo, ao narcisismo,
à alienação e à anomia. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e islâmica deve-
se ao fato de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual
irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada numa sociedade
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é de se negar, que existam diferentes culturas em nosso país e que elas
possuem outros universos de significação. Com isso não se quer dizer que as mesmas
não estejam englobadas e protegidas pelo ordenamento jurídico nacional.
214
DARELLA, Maria Dorothea Post; MELLO, Flávia Cristina de. Laudos antropológicos e sua
contribuição ao Direito. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elementos de antropologia jurídica.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 161.
215
Ibidem, p. 183-184.
216
Ibidem, p. 163.
217
BRASIL. Parecer Técnico n°49/2009 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias)
do Ministério Público Federal da 4ª Região. Brasília, 2009.
218
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Disponível em:
<portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces092004direito.pdf>. Acesso em: 04 nov. 2009.
46
REFERÊNCIAS
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei Dom Manuel. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1998.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002.
47
DARELLA, Maria Dorothea Post; MELLO, Flávia Cristina de. Laudos antropológicos
e sua contribuição ao Direito. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elementos de
antropologia jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.
GEERTZ, Clifford. Anti anti-relativismo. In: . Nova luz sobre a antropologia. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LUZ, Lia. A internet transforma o seu cérebro. Veja, São Paulo, edição 2125, ano 42,
n. 32, p. 96-99, 12 ago. 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. ed. São Paulo: RT, 2007.
SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento
del Pluralismo Jurídico en diiálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT,
Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.).
(Org.). Justicia y diversidad en tiempos de globalización. México: CIESAS e Red
Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail pessoal].