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RESENHA BIBLIOGRÁFICA *

Educação e Sociedade no Brasil / Luiz Antônio Cunha

A s Condições Sociais de “divórcio entre os trabalhadores manuais e inte­


Definição do Tema lectuais”. Para substituí-los, propunham a cria­
ção de uma escola única, para todas as criança
A consciência dos efeitos sociais da educa­ e jovens, sem distinções, dos 4 aos 14 anos.
ção esteve presente no pensamento dos inte­ Data dos anos 50 deste século o surgimento
lectuais brasileiros desde a constituição do Es­ de estudos sobre a articulação entre a educação
tado Nacional. Exemplos relevantes podem ser e a sociedade que lançavam mão dos conceitos
encontrados nas obras de José Bonifácio, Rui (senão dos métodos) das ciências sociais. Essa
Barbosa, Liberato Barroso, Leôncio de Carva­ tecnificação (seria inexato dizer cientificização)
lho, Nilo Peçanha e muitos outros. O conteúdo do pensamento sobre o tema deveu-se às lutas
comum desse pensamento mostra a educação, em torno da lei de diretrizes e bases da educa­
especialmente a escolar, como um meio privile­ ção, à institucionalização da ideologia do
giado de superação das carências do Brasil, defi­ nacional-desenvolvimentismo e ao desenvolvi­
nidas estas pela comparação de nosso país com mento das ciências sociais no Brasil, no âmbito
os “países civilizados”. A educação viria a pro­ universitário.
duzir no Brasil não só as condições da civiliza­ O anteprojeto de lei de diretrizes e bases
ção - que não estavam dadas - mas, também, (LDB) da educação nacional enviado pelo Mi­
poderia evitar que se produzissem aqui os efei­ nistro Clemente Mariani ao Presidente da Repú­
tos deletérios do progresso, particularmente os blica e por este ao Congresso Nacional, em
conflitos sociais que sacudiam a Europa, assu­ 1948, foi atacado por três grupos principais.
mindo, assim, dupla função social: corretiva e Primeiro, pelos defensores da política educacio­
preventiva. nal estado no vista, cujo centralismo e rigidez o
Um importante momento da consciência da anteprojeto dissolvia. Segundo, pela hierarquia
importância social da educação foi expresso no da Igreja Católica empenhada no Brasil, como
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de em outros países, em defender a “liberdade de
1932. Ao contrário daqueles que viam na edu­ ensino” como meio de ganhar ou, pelo menos,
cação o meio por excelência para superar a dis­ não perder influência no mundo de pós-guerra.
tância que separava o Brasil das “nações civili­ Terceiro, finalmente, pelos proprietários de
zadas”, os educadores liberais reunidos na Asso­ estabelecimentos particulares de ensino, amea­
ciação Brasileira de Educação, principalmente çados pelo dispositivo do anteprojeto de LDB
os que defendiam ideologias igualitaristas, pro­ que destinava os recursos governamentais exclu­
curavam denunciar o papel da escola na discri­ sivamente para a manutenção e a expansão da
minação social (denominada por eles segrega­ rede escolar pública. A aliança entre a Associa­
ção) e defendiam um papel equalizador para a ção de Educação Católica e os sindicatos de
escola. Mostravam a existência de dois sistemas estabelecimentos particulares de ensino forne­
escolares paralelos, que serviam para produzir o ceu o respaldo político para que Carlos Lacerda

(*) A s resenhas temáticas do BIB são feitas por encomenda e constituem, portanto, trabalhos
inéditos.
(**)Esta resenha foi desenvolvida no Centro João XXIII, com o parte de seu programa regular de
pesquisa social.
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apresentasse à Câmara dos Deputados, em deveriam scr “conquistadas” para o desenvolvi­
1958/59, um substitutivo ao anteprojeto de mento comandado pela burguesia industrial,
Mariani reunindo as reivindicações da aliança houvesse populistas radicais, como Álvaro Viei­
defensora da liberdade de ensino: o Estado fica­ ra Pinto, para quem o desenvolvimento seria o
ria obrigado a transferir recursos para as escolas “pensamento natural” das massas, as quais não
particulares e, apenas onde elas não existissem, erram nem se corrompem. Para Paiva (1980), a
instalaria suas escolas. O subsídio às escolas sociologia de Karl Mannheim foi a catalizadora
particulares era definido como condição neces­ das várias tendências que atuaram no ISEB, for­
sária para que os pais pudessem escolher o tipo necendo a perspectiva iluminista para os inte­
de educação que desejassem dar aos filhos - um lectuais que queriam se ver como “inteligência
direito inalienável da família - cabendo ao socialmente desvinculada”. Esta posição (ou
Estado dar-lhe condições de viabilidade. A pri­ melhor, ausência de posição) permitiria aos
meira reação coletiva ao substitutivo de Lacerda intelectuais interpretarem a sociedade segundo
foi o Manifesto dos Educadores, de 1959, que uma visão total, impossível para os que se colo­
reunia jovens professores, intelectuais e artistas cassem em pontos de vista determinados pelos
aos sobreviventes dos “pioneiros” de 1932 que, interesses específicos de grupos ou classes so­
“mais uma vez convocados” , saíam em defesa ciais. Essa visão propiciaria a síntese válida dos
da escola pública, leiga, orbigatória e gratuita. interesses da sociedade como um todo, impossí­
O movimento de defesa da escola pública vel para cada um dos diversos grupos e classes
contra a ofensiva privatista teve baluartes no sociais. Apesar das diferenças, havia nos cursos
âmbito do Estado e no da Sociedade Civil. No e nas publicações do ISEB uma base ideológica
Estado, o Instituto Nacional de Estudos Peda­ comum, o nacionalismo desenvolvimentista,
gógicos (dirigido pelo “pioneiro” Anísio Tei­ que identificava na situação de dependência
xeira) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educa­ diante dos países desenvolvidos um obstáculo
cionais, ambos do Ministério da Educação, ao desenvolvimento do Brasil, o qual seria do
difundiam por todo o país a plataforma desse interesse de toda a nação, isto é, dos setores
movimento através da Revista Brasileira de produtivos, abrangendo a burguesia industrial,
Estudos Pedagógicos e da revista Educação e as classes médias e o proletariado. Contra o
Ciências Sociais. No âmbito da Sociedade Civil, desenvolvimento se colocaria a antinação, isto
o movimento recebeu o apoio aberto e intenso é, o imperialismo e seus aliados internos, os se­
do jornal O Estado de São Paulo. A defesa da tores improdutivos, reunindo os latifundiários e
escola pública teve outra trincheira importante a burguesia mercantil. A eliminação do obstá­
na Universidade de São Paulo, cavada pelo “pio­ culo externo, bem como a construção de um
neiro” Fernando de Azevedo, ligado a Júlio de capitalismo avançado, pela industrialização,
Mesquita Filho, diretor-proprietário daquele seriam condições do desenvolvimento, integran­
jornal. As lutas em torno da LDB ganharam as do os interesses de toda a nação. Grande era a
ruas, com o apoio dos estudantes universitários importância atribuída à educação (em sentido
e de sindicatos operários à escola pública, e dos amplo) pelos teóricos do ISEB, como estratégia
círculos operários à liberdade de ensino. O pro­ política de esclarecer e convencer os grupos e
jeto, finalmente convertido em lei em dezembro classes sociais a aceitarem a direção do desen­
de 1961, resultou de uma composição das rei­ volvimento nacional por aqueles percebido.
vindicações das duas correntes, com dominância O ensino da sociclogia chegou ao aparelho
privatista. escolar, no Brasil, por uma via diferente da tri­
A ideologia do nacionalismo desenvolvi- lhada nos países hispano-americanos. Enquanto
mentista ganhou um espaço institucional, no que nesses a sociologia foi primeiramente ensi­
âmbito do Estado, com a criação, em 1955, do nada nas faculdades de direito, aqui ela debutou
Instituto Superior de Estudos Brasileiros — nos currículos escolares no ensino de 2.° grau e
ÍSEB, órgão do Ministério da Educação. O ISEB no ensino superior militar, como efeito dos
foi criado para ser um “centro permanente de ardores positivistas dos oficiais que derrubaram
altos estudos políticos e sociais de nível pós- a monarquia. Benjamin Constant (Ministro da
universitário”, onde se aplicariam as categorias Guerra e, depois, da Instrução Pública, Correios
e os dados das ciências sociais “à compreensão e Telégrafos) fez a sociologia integrar o currí­
crítica da realidade brasileira” , visando a elabo­ culo do Ginásio Nacional — novo nome do
ração de instrumentos teóricos que permitissem Colégio Pedro II - e da escola de formação dos
“o incentivo e a promoção do desenvolvimento oficiais do Exército, o que mereceu severas
nacional”. A heterogeneidade dos quadros do críticas do principal dirigente do Apostolado.
ISEB fez com que, ao lado de intelectuais elitis­ Segundo ele, o herético Constant, sob o pretex­
tas, como Hélio Jaguaribe, para quem as massas to de formar o “cidadão armado”, procurava
transformar os oficiais do Exército numa “nova O fato de que um educador tivesse se trans­
classe de pedantocratas” pretensos “diretores formado em sociólogo, ainda que diletante, e
da sociedade civil”. Ambos os currículos ajus­ gozasse de grande influência na estruturação da
tavam-se à hierarquia das ciências de Comte: do Universidade de São Paulo, fez com que os estu­
mundo natural ao social; das ciências físicas, da dos de sociologia desenvolvidos na FFCL des­
matemática e da biologia, à sociologia e à mo- sem destaque especial a temas educacionais. Os
ral. Mas, tão logo as correlações de força polí­ assistentes de Fernando de Azevedo dedicaram-
tica foram se transformando em detrimento da se, pelo menos no início de sua carreira acadê­
posição dos militares, a concepção positivista mica, ao estudo dos processos de socialização.
do ensino — em com ela, a sociologia — foi Não chegaram à educação enquanto diletantes,
retirada do currículo do Ginásio Nacional, logo como fez o mestre, mas como cientistas sociais.
rebatizado com o nome de seu primeiro patro­ Florestan Fernandes estudou a socialização dos
no, deixando de difundir o ensino daquela disci­ imaturos em sociedades tribais e na cidade de
plina por todo o país, devido ao efeito paradig­ São Paulo; Antônio Cândido estudou a estru­
mático conferido por sua posição privilegiada tura social da instituição escolar e o papel da
na formação de candidatos ao ensino superior. escola no processo de aculturação de imigrantes
Isso não impediu a persistência de um “positi­ em Santa Catarina. Florestan Fernandes levou
vismo difuso”, como disse Cruz Costa em sua mais longe as preocupações de Fernando de
Contribuição à história das idéias no Brasil (Rio Azevedo por sua ativa militância na Campanha
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967). que de Defesa da Escola Pública e pela orientação
veio a inspirar as reformas educacionais da de seus assistentes para o estudo de temas edu­
Primeira República. Em 1925, o Colégio Pedro cacionais, notadamente Luiz Pereira e Marialice
II voltou a ter uma cadeira de sociologia, ocupa­ Foracchi que, além de suas teses, organizaram
da por Delgado de Carvalho, sem, entretanto, uma coletânea (Educação e Sociedade - leitu­
maiores efeitos. ras de sociologia da educação, São Paulo, Nacio­
Curiosamente, foi pela via do ensino de nal, 1964) que tem servido a várias gerações de
pedagogia e pela mão (ou pela fala) dos edu­ estudantes de pedagogia e de ciências sociais.
cadores que a sociologia veio a ter status univer­ Nesta revisão bibliográfica, considerei ape­
sitário. nas os textos publicados e veiculados pelo cir­
Em 1928, Carneiro Leão, no Recife, e cuito comercial, deixando de fora teses e disser­
Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, rea­ tações (que não geraram livros ou artigos de
lizaram reformas educacionais que consistiram, revista), bem como relatórios de pesquisa. Coe­
entre outras coisas, na introdução do ensino de rente com o estudo do tema definido nas con­
sociologia nas escolas normais. Em 1931, Lou- dições apresentadas acima, foram incluídos
renço Filho, então diretor da Escola Normal da textos publicados desde os anos 50 que. foca­
Praça (Caetano de Campos), em São Paulo, lizam a sociedade brasileira nas últimas três
confiou a Fernando de Azevedo a cadeira de décadas.
sociologia dessa instituição. Em 1933, foi criada A abrangência e a variedade da bibliografia
a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, exigiu não só a adoção de critérios de seleção
tendo em Fernando de Azevedo um de seus como, também, sua organização em quatro
principais inspiradores. No ano seguinte, foi “linhas de estudo” principais: escola para o
criada a Universidade de São Paulo, Fernando desenvolvimento, educação para a democracia,
de Azevedo compondo a comissão que elaborou determinantes da demanda escolar e política
seu projeto. O Instituto de Educação foi pro­ educacional pós-68.
movido a Faculdade de Educação, integrando a
USP ao lado da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras. A sociologia era ensinada nas duas Escola para o Desenvolvimento
unidades, posteriormente fundidas, Fernando
de Azevedo vindo a ocupar uma das cátedras A consideração da educação escolar como
dessa disciplina. Em 1935, este educador-soció- um obstáculo ao desenvolvimento que devia
logo, diletante em ambos os campos, publicou não só ser removido como transformado em seu
seus Princípios de Sociologia - pequena intro­ impulsionador, foi um tema basicamente ise-
dução ao estudo de sociologia geral (São Paulo, biano, pautado pelo binômio transplantação-
Nacional) e, em 1940, uma Sociologia Educa­ sincronização, sob a inspiração de um funciona­
cional (idem). Em 1947, por iniciativa de Fer­ lismo eclético, no qual o pensamento de
nando de Azevedo, foi criada na FFCL da USP Mannheim ocupava posição de destaque.
um Departamento de Sociologia e Antropolo­ A importância de Alberto Guerreiro Ramos
gia. nessa temática é difícil de exagerar. Seguindo

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pela via aberta por Oliveira Vianna, Guerreiro tese que veio a ser aprofundada em seu livro de
Ramos, já antes da criação do ISEB, escrevia 1959.
sobre os problemas advindos para as instituições Embora Geraldo Bastos Silva (1957) tivesse
nacionais pela prática da cópia das soluções de sido publicado pelo ISEB, foi com Ernesto Luís
outros países. Em um artigo publicado em de Oliveira Junior (1959) que essa instituição
1953, escrito em colaboração com Evaldo da inaugurou a coleção Textos Brasileiros de Peda­
Silva Garcia e Geraldo Bastos Silva, o pensa­ gogia, de vida curta, reunindo a este Maria
mento de Guerreiro Ramos tomou forma no Thetis Nunes (1962),
campo educacional. Para explicar as altas taxas Para Oliveira Junior, o desafio que se apre­
de evasão existentes nas escolas de aprendiza­ sentava para o Brasil era o do desenvolvimento,
gem do Senai, os autores diziam terem sido o qual somente seria conseguido pelo aumento
essas escolas resultáUo do empenho do “círculo da “eficiência do trabalho nacional”. Para tan­
restrito dos líderes do pensamento pedagógico to, faltavam duas condições: o desabrochar de
do país e de alguns espíritos mais esclarecidos, uma experiência tecnológica e a disseminação,
os quais, por antecipação, percebem o papel por todas as camadas sociais, de uma “ideologia
que a esoola teria de desempenhar se o progres­ da técnica”. Para a realização dessas condições,
so industrial do país tivesse que ser acelerado”. impunha-se a reforma da escola, principalmente
O problema das altas taxas de evasão foi o ônus no grau médio e no grau superior. A direção da
que se teve pela antecipação, pois “as institui­ reforma pretendida era a descentralização do
ções transplantadas não reproduzem esponta­ ensino, propiciando a adaptação da escola “às
neamente no meio receptor os mesmos resul­ alterações da estrutura do trabalho nacional”.
tados que promovem no ambiente onde sur­ Maria Thetis Nunes (1962) mostrou que a
giram” . Impunha-se, assim, a sincronização dos realidade educacional tem consistido, no Brasil,
cursos de aprendizagem com os padrões de desde os tempos coloniais, numa permanente
desenvolvimento do país, para o que se divi­ desconexão, devido às reformas educacionais
savam dois caminhos: a superação do subdesen­ inspiradas em concepções alienígenas. No mo­
volvimento ou o rebaixamento do nível dos mento em que escrevia (1959), essa desconexão
cursos do Senai até encontrar o da clientela que teria atingido o auge devido ao descompasso
os procurava. entre o ensino secundário e a realidade nacio­
Essa concepção foi ampliada por Geraldo nal. Isso, porque de um lado estaria havendo
Bastos Silva (1957), já no contexto institucio­ aumento na população escolarizável e, de outro,
nal do ISEB. Dizia ele que não só os cursos de ênfase no ramo secundário do ensino médio.
aprendizagem, mas todo o sistema escolar era Mas, como estava, a escola secundária era uma
uma instituição transplantada, embora não escola de elite devido ao caráter clássico, li­
encontrasse aqui os pressupostos culturais ne­ vresco e ornamental do seu ensino. As massas
cessários, fazendo com que ele se antecipasse às estavam acorrendo para uma escola de elite
exigências do meio social, especialmente às exi­ onde as reprovações e a evasão impediam a
gências econômicas. Por essa razão, reformas ascensão social pretendida. A solução aventada
educativas foram sempre frustradas. Mas, Senai pela autora estava na ampliação do ensino
à parte, se a estrutura escolar tinha sido, no secundário público (gratuito) e na maior ênfase
passado, muito avançada em relação às condi­ aos ramos técnicos do ensino médio, de modo
ções objetivas, nos anos 50 já era anacrônica, que se desse ao jovem “o lastro cultural essen­
tendo se tornado um “ônus improdutivo ao de­ cial à especialização exigida pelo desenvol­
senvolvimento total”. Daí ser indispensável a vimento do país”.
reforma da estrutura e do funcionamento do Se a ênfase de Bastos Silva, Oliveira Junior e
ensino, de modo a sincronizá-Jo com as necessi­ Nunes recaía sobre a necessidade de ampliação
dades do desenvolvimento. O ponto mais im­ de certos segmentos do aparelho escolar de
portante dessa reforma consistiria na mudança modo a eliminar obstáculos ao desenvol­
dos padrões de expansão do ensino médio, onde vimento, Jayme Abreu (1968), em conferência
pronunciada em 1962, no mesmo contexto
o secundário estaria crescendo muito mais ideológico, chamou a atenção para o perigo
intensamente do.que os ramos técnicos (indus­ dessa ampliação gerar frustrações.
trial, comercial e agrícola). É justamente no Evocando Álvaro Vieira Pinto (Consciência
ensino técnico que deveria se concentrar o es­ e Realidade Nacional, MEC/ISEB, 1960), o
forço de expansão do ensino médio, pois é jus­ ideólogo máximo do ISEB, e os defensores da
tamente a í que existiria “maior margem de “teoria” do capital humano, como Theodore
coincidência entre o valor final e o valor instru­ Schultz, Jayme Abreu sai em busca de uma
mental do ponto de vista do desenvolvimento” , “dialética” que lhe permita articular os aspectos
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cultural e econômico da educação. Chega à con­ dade, o que raramente se tazia na época. Dizia
clusão de que alcançar objetivos culturais não é Moreira que as transformações passadas pelo
tarefa excludente ao propósito de aumentar a Brasil, desde o fim da II Guerra Mundial, fize­
capacidade produtiva. Assim, a educação seria ram com que as questões educacionais se con­
tão mais “autentica e funcional” quanto mais vertessem em questões políticas. A urbanização
fosse expressão da confluência e da harmonia gerando aumento da demanda de educação
indissociáveis entre os valores culturais e econô­ escolar, a busca de novos eleitores e de seu
micos que constituem seu conteúdo. Neste sen­ apoio, e, consequentemente, o crescimento da
tido, defende que o planejamento da educação rede escolar em virtude de barganhas políticas,
para o desenvolvimento deve levar em conta a formaram o pano de fundo para a discussão
realidade concreta do pais, para evitar a formu­ pública da LDB. Seu julgamento desse processo
lação de metas errôneas como as de “erradicar o era bastante otimista: “Não resta dúvida, por­
analfabetismo” ; estender a toda a população tanto, que o Brasil ainda instável de hoje, mas
infantil a escola primária de 6 anos; ampliar a em franco processo de desenvolvimento demo­
escolarização de graus médio e superior. Para crático, é um exemplo concreto da relação es­
que metas como essas tivessem sentido, seria treita entre democracia e educação” . Mas, o
necessário haver suportes e conexões orgânicas ponto alto dessa obra é o capítulo “Sociologia
com todo um programa de reformas básicas na Política da Lei de Diretrizes e Bases da Educa­
estrutura política, social e econômica. De outra ção Nacional” , originalmente artigo publicado
forma, haveria frustrações devido à incapaci­ na Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.°
dade do mercado de trabalho em absorver os 2, setembro de 1960. Neste capítulo, Moreira
novos contingentes de jovens educados e, des­ mostra a inevitabilidade da expansão da escola­
tes, em satisfazer a elevação dos padrões de rização fazer-se por meio da escola pública,
consumo induzida pela própria escola. apesar da resistência dos empresários do ensino.
Todos esses autores referiam-se de maneira Os antagonismos dos interesses em choque e a
aberta à luta que se travava, desde 1948, pela lei contradição das ideologias que os justificavam,
de diretrizes e bases da educação nacional, na estariam levando à colocação dos dilemas edu­
qual os isebianos defendiam o(s) projeto(s) da cacionais no Brasil na forma da falsa oposição
escola pública e gratuita. A concepção, cara aos entre a escola pública e a escola particular.
ideólogos do ISEB, de que o Estado, particular­ Numa surpreendente previsão, Moreira dizia
mente o poder executivo, estava ao lado do que a LDB seria “eclética, contraditória e pro­
povo na luta contra o latifúndio e o imperia­ visória” o que impediria até mesmo seu cumpri­
lismo, favorecia a defesa da escola pública con­ mento, o que, de fato, veio a acontecer.
tra os que pretendiam a vigência de irrestrita A decretação pelo Congresso Nacional da lei
liberdade de ensino. de diretrizes e bases da educação nacional, san­
A posição peculiar de João Roberto Morei­ cionada pelo Presidente Goulart (enfraquecido
ra, influenciado ao mesmo tempo pela ideologia pelo regime parlamentarista) ^em dezembro de
do desenvolvimento do ISEB e pelo funciona­ 1961, provocou grande frustração nos meios
lismo da Escola de Chicago, permitia-lhe encon­ que pasticipaíam da Campanha d«, Defesa da
trar explicações para a questão da LDB que Escola Pública, como o ISEB. A ênfase que se
escapavam a seus contemporâneos. O livro de dava à reforma da escola como meio de não só
Moreira (1960) foi escrito em 1959 quando o remover um obstáculo ao desenvolvimento mas,
autor dava um curso sobre “educação e socie­ também, acelerá-lo, cedeu lugar à consideração
dade no Brasil”, na Universidade de Chicago. de que a reforma educacional só poderia ser
Nessa tarefa, o autor teve a colaboração de feita apôs a transformação das estruturas so­
Robert J. Havighurst, parceiro de Aparecida ciais. Essa posição aparece no livro de Álvaro
Joly Gouveia em outras empreitadas. É curioso Vieira Pinto, A Questão da Universidade
que na versão norte-americana (Society and (1962), que acabou por colocar em dúvida - se
lülucation in Brazil, University o f Pittisburgh não por condenar - a luta pela autonomia uni­
h rss, 1965), Havighurst aparece como co- versitária. Para o autor, a cultura produzida pela
iiilor. Escrito para o leitor norte-americano, universidade brasileira é alienada por ter origem
lúlucaçffo e Desenvolvimento no Brasil faz um externa, impedindo “a formação da consciência
ml ejo dos padrões educacionais dos dois países, nacional autóctone e crítica das idéias metropo­
l.i/nulo a reconstrução da história brasileira litanas”. Quando sua origem é interna, pode
ilc.de os tempos coloniais, articulando a situa- também servir à classe dominante, impedindo a
ijio da escola cm cada momento com os pa- classe dominada de “construir um tesouro cul­
dn.r de dominação, os sistemas agrícolas, as tural autêntico, que exprime seus próprios
in .nimçoes sociais c outras dimensões da socie­ interesses de classe submissa e a auxilie a liber­
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tar-se das suas servidões”. Refletindo sobre a obstante, verifica a tendência para a constitui­
formação da consciência social do estudante, ção de um padrão organizatório democrático.
Vieira Pinto mostra que ela não nasce da ação Devido a essa peculiaridade, o Estado precisaria,
dos universitários de origem popular, pois estes no Brasil, estender os meios de educação polí­
“ são entregues à universidade, justamente para tica das massas, especialmente a escola primária.
se evadirem da classe proletária”. Essa consciên­ Revelando uma clara adesão às teses de Karl
cia nasce justamente no meio dos estudantes Mannheim, Fernandes defendia a reforma do
oriundos de classe média devido às suas caracte­ sistema educacional visando a preparação de
rísticas intelectuais e aos problemas econômicos “personalidades democráticas” através da for­
que atingem essa classe: na impossibilidade de mação nos jovens de uma consciência de “afilia­
conseguirem as “posições rendosas da classe ção nacional” e dos direitos e deveres do cida­
dominante”, os estudantes se identificam com a dão, de uma ética de responsabilidade, da capa­
classe trabalhadora cuja “ascensão” passam a cidade de julgamento autônomo de pessoas,
reivindicar. O professorado universitário, for­ valores e movimentos sociais. Na coletânea de
mado nos quadros políticos e intelectuais da artigos escritos em 1959/61 e publicada em
cátedra vitalícia, é visto como cúmplice do 1966, Educação e Sociedade, com um “caráter
poder e interessado na cultura alienada veicula­ nitidamente parassociológico”, destinados a
da pela universidade. Os conselhos de educação responder às exigências da luta pela LDB, Fer­
(do Estado e das universidades) são definidos, nandes avança na concepção da escola para a
também, como incapazes e/ou desinteressados democracia. Trata, então, da democratização do
na reforma do ensino: “ninguém tenha dúvida, ensino, ou seja, do “processo de atenuação ou
o destino, a forma futura da universidade brasi­ abolição das barreiras extra-educacionais que
leira está sendo decidida neste momento muito restringem o uso do direito à educação e o con­
mais num comício de camponeses no Nordeste vertem, aberta ou disfarçadamente em privilégio
do que nas salas de reuniões dos Conselhos de social”. Embora veja na democratização do
Educação”. Daí, o combate à autonomia uni­ ensino “a principal via de funcionamento nor­
versitária como uma plataforma antipovo, na mal e de dinamização da ordem democrática”,
medida em que beneficiaria justamente os ideó­ o Autor está mais preocupado com a incapaci­
logos da classe dominante. A luta deveria ser dade de adaptação do sistema escolar herdado
contra a autonomia da universidade, para colo­ do passado aristocrático às exigências do pre­
cá-la cada vez mais dependente do governo (o sente. Principalmente com a inculcação nos
federal, no caso), setor do Estado situado ao jovens, pela escola, de valores e atitudes que
lado do povo no combate ao imperialismo, ao estão em “franca contradição com as correntes
latifúndio e seus ideólogos. inovadoras da vida social, com o Brasil moder­
no”. A preocupação de Fernandes com essa
incapacidade de adaptação levou-o a incluir
Educação para a Democracia nessa coletânea um texto sobre a educação na
sociedade Tupinambá, de modo a propiciar ao
A valorização da escola como um instrumen­ leitor comparar a situação da sociedade brasi­
to efetivo na construção do regime democrático leira com uma “sociedade integrada", que teria
no Brasil não é um tema encontrado com fre­ conseguido mobilizar e aplicar, eficazmente, os
qüência na bibliografia. As referências mais recursos educacionais disponíveis para a solução
insistentes vamos encontrar na obra de Flores- de seus problemas.
tan Fernandes. Octávio Ianni, assistente de Florestan Fer­
Em meio à grave crise política que sacudia o nandes na Faculdade de Filosofia, Ciências e
país em 1954, dois meses antes do suicídio de Letras da Universidade de São Paulo, ativo mili­
Vargas diante de uma conspiração que desem­ tante na Campanha de Defesa da Escola Públi­
bocaria certamente em um golpe de Estado, ca, encontrou, em temas educacionais, material
Florestan Fernandes proferiu uma palestra no para um terço da coletânea Industrialização e
Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Desenvolvimento Social no Brasil (1963). Se­
Política - IBESP (o antecessor do ISEB), pro­ guindo a vertente funcio nalista daquele, Ianni
curando responder à pergunta: existe uma crise dizia que os problemas por que passava a socie­
da demo-cracia no Brasil? A resposta, expressa dade brasileira denunciavam e suscitavam, cada
em artigo inserido em sua coletânea Mudanças vez mais dramaticamente, a necessidade de um
Soviais no Brasil (1960), parte do pressuposto rápido e permanente reajuste das “esferas co­
de que a ordem legal (o Estado) não alcançou, nexas da realidade em formação”. O sistema de
ainda, na sociedade brasileira, uma etapa adian­ ensino constituía uma dessas esferas desajus­
tada de estruturação e maturação políticas; não tadas. O desajuste seria de três ordens. Primeiro,
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a persistência do latifúndio, fazendo com que se desde os anos 50, a “consciência intransitiva”,
levantassem barreiras à extensão do ensino a caracterizada pela aversão ao novo e pelo apego
todos e em condições iguais, uma necessidade às explicações mágicas, vinha automaticamente
dos processos de industrialização e urbanização. dando lugar à “consciência transitivo-ingênua”,
Segundo, os desequilíbrios advindos da impossi­ marcada pelo saudosismo, pelo emocionalismo
bilidade de incorporação dos jovens egressos da e pela tendência ao gregarismo, base da massifi­
escola ao sistema sócio-cultural, como estaria cação, Era preciso contrariar essa tendência,
acontecendo nas comunidades caboclas, onde a explorando a possibilidade de se construir uma
alfabetização estaria gerando emigração para as sociedade aberta, onde a democracia propiciasse
cidades. Terceiro, a dualidade da estrutura do novas mudanças, pelo diálogo, onde tivesse vi­
ensino, propiciando a manipulação ideológica gência a “consciência transitivo-crítica”, vol­
antidemocrática dos jovens nas escolas parti­ tada para a responsabilidade social e p olítica,.
culares, mormente no ensino secundário. Diante problematizadora, receptível ao novo. Para isso,
desse desajuste, Ianni examina a proposta do seria necessário um trabalho educativo dirigido
Manifesto dos Pioneiros, mostrando a atuali­ aos adultos, para o que se impunha a elaboração
dade de umas e rejeitando outras. Nessa recupe­ de uma nova pedagogia, balizada pela não dire-
ração da plataforma de 1932, a defesa da escola tividade, pelo diálogo, pela consciência crítica,
pública e gratuita, principalmente no grau mé­ isto é, “a apropriação crescente pelo homem de
dio, é apontada como a principal medida para o sua posição no contexto”. Essa nova educação
“dilema” da educação brasileira, eliminando sua viria criar um novo tipo de homem, dotado de
“demora” ou “atraso cultural”. Nota-se em “maior flexibilidade psicológica e mental, maior
Ianni, nessa obra, uma síntese entre a temática permeabilidade de consciência, que uma educa­
isebiana da escola para o desenvolvimento e a ção rotineira e acadêmica não pode oferecer”.
temática uspiana da escola para a democracia. A Esse novo homem seria capaz de rejeitar tanto
formação de uma personalidade democrática os traços autoritários próprios da sociedade
pela escola, é destacada como imperativo do arcaica, quanto as possibilidades de persistência
próprio capitalismo. Do ponto de vista do lati­ desses traços na sociedade moderna, propi­
fúndio, o urbanismo e o industrialismo que o ciada pela massificação e pela manipulação. A
capitalismo implicava, eram vistos como seu educação pelo diálogo seria, então, condição da
oposto. Ao constituir-se a estrutura societária construção de uma sociedade aberta, aquela
de classes, nos moldes das relações de domi- onde a democracia pudesse existir. A influência
nação-subordinação do tipo racional (Max da ideologia do naciónalismo-desenvolvimentis-
Weber), a escola era vista como tendo importan­ ta, sedimentada e veiculada pelo ISEB, sobre o
te papel: “A constituição de uma ordem eco- pensamento de Freire, foi estudada por Vanilda
nômico-social fundada na reprodução capita­ Paiva (1980). Esta autora levanta as fontes ins-
lista impõe a instauração de requisitos estrutu­ piradoras de Freire, tanto as próximas quanto
rais e funcionais que produzem, dentre outros as remotas, num inventário que destaca a in­
efeitos notáveis, a democratização que alcança a fluência da sociologia de Karl Mannheim e do
maioria da população. Uma ampla democrati­ existencialismo cristão de Gabriel Mareei e
zação do sistema social é uma condição impres­ Emmanuel Mounier. As ligações entre a peda­
cindível à plena formação do trabalhador livre gogia de Freire, o “populismo indutivista”, o
no sistema capitalista, pois este trabalhador radicalismo católico e a defesa da “democracia
somente é livre na medida em que dispõe dos burguesa” são analisadas por Paiva numa obra
atributos mínimos de uma personalidade real­ que constitui, como a do pedagogo pernambu­
mente democrática”. cano, um marco na sociologia da educação bra-
Essa desconfiança para com a escola foi sileira. A saída de Freire do Brasil, logo após o
compartilhada por Paulo Freire um dos mais golpe político-militar de 1964, propiciou mu­
importantes pensadores da educação desde o danças importantes em sua obra: ao mesmo
fim dos anos 50. Inspirado nas análises produ­ tempo em que ela se desliga de seu contexto
zidas pelo ISEB, Freire diagnosticava a reali­ nordestino e brasileiro, universalizando-se, tadi-
dade brasileira, em Educação com o Prática de caliza-se. A Pedagogia do Oprimido (1974)
Liberdade (1965), como vivendo uma “situação mantém-se basicamente voltada para adultos,
de trânsito” desde uma sociedade arcaica, fe­ marcada peio diálogo e pela não diretividade
chada, na qual vigia uma “consciência intransi­ (“ ninguém educa ninguém - ninguém educa a
tiva”, para uma sociedade moderna, caracte­ si mesmo - os homens se educam entre si, me-
rizada pelo urbanismo e o industrialismo, diatizados pelo mundo”). Mas, a justificativa do
potencialmente aberta. Acompanhando a trans­ método já não é a mesma, baseando-se, agora,
formação dos padrões econômicos no Brasil, na contradição opressores-oprimidos. A rejeição

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da violência cede lugar ao reconhecimento de concomitância da escolarização com o trabalho
sua inevitabilidade, na luta dos oprimidos pela produtivo das crianças é uma imposição tanto
libertação, devido à violência primeira dos das condições de vida quanto das representa­
opressores. As idéias liberais sobre a representa­ ções que as integram, coerentemente, num
ção política no Estado acima das classes são “modo de vida”. Analisando o teor das repre­
substituídas pela realidade da revolução e do sentações dos sujeitos da escolarização nas
papel desempenhado nela pelo partido revolu­ zonas agrícolas de três regiões do Estado de São
cionário, embora a concepção leninista receba, Paulo, Martins verificou que essa concomitância
sistemáticos ataques. Se a democracia só poderá não dependia das distinções fundamentais entre
existir depois da revolução, cumpre, desen­ proprietários e não proprietários, entre peque­
volvê-la desde já, por uma pedagogia revolucio­ nos e grandes proprietários, entre arrendatários
nária baseada no diálogo, na colaboração, na e assalariados. Mas, apesar dessa base comum,
“comunhão com o povo”. há diferenças nas atitudes para com a escolari­
zação. As populações envolvidas na economia
de excedentes (naquela onde o trabalho é fun­
Determinantes da Demanda Escolar damentalmente produtor de valores de uso e só
secundariamente de artigos que se tornam valo­
Alguns estudos têm sido feitos para desmon­ res de troca) encaram a escolarização como um
tar tanto a concepção ingênua a respeito de ritual referido à valorização do trabalho. A
uma demanda generalizada e indiferenciada por escola é freqüentada como “forma de tra­
educação escolar, em todas as camadas e classes balho”, como uma atividade que requer esfor­
sociais, quanto a concepção conservadora de ço. Isso faz com que as crianças sejam mantidas
uma rejeição da escola pelas “massas deseduca­ na escola por anos a fio, apesar das reprovações.
das”. Para as populações em que o sujeito da escola­
Numa pesquisa realizada na cidade de Reci­ rização está inserido direta e fundamentalmente
fe, em 1970/71, Silke Weber (1976) mostrou na economia de mercado, o trabalho infantil se
que três finalidades são atribuídas à ação educa­ integra no projeto deliberado e implícito da
tiva escolar pela população entrevistada (400 família de proceder à acumulação e libertar-se
pais e mães de crianças e jovens menores de 17 da venda de força de trabalho ao proprietário
anos, de diferentes níveis de renda). São elas: de terra, ou simplesmente de ampliar a acumu­
salvaguardar a estabilidade social, levar ao êxito lação. Nesta situação, embora a atividade esco­
material, propiciar a aprendizagem da vida so­ lar continue a ser socialmente valorizada en­
cial. Apesar dos aspectos comuns na represen­ quanto “trabalho pelo trabalho”, esse valor é
tação social da educação, a população de mais redefinido nos termos do espírito capitalista: o
baixa renda tende a defini-la como o conjunto trabalho contumaz como expressão da ética da
de conhecimentos obtidos na escola e a de ren­ acumulação de capital e como meio de mobili­
da mais alta, a considerá-la como uma ação que dade social. Em decorrência, a escola é admitida
se inicia no âmbito da família e continua na como “recurso para desvendar os segredos da
escola e se amplia pelos meios de comunicação linguagem urbana, isto é, do mundo das mer­
social, antes e durante a escolarização. Além cadorias e da propriedade privada”. Para o
disso, a população de menor nível de renda Autor, “a eficácia da escola em cada uma dessas
enfatiza a escola com o requisito do êxito mate­ situações (a da economia do excedente e a da
rial. Para a autora, “em um momento de sua economia de mercado) depende de fundamen­
experiência histórica os dominados tendem a se tos estruturais diversos, apesar da aparência de
identificar com os dominantes, exemplo disto não-diversidade, e não do teor do ensino nem
seria a referência às vantagens que a educação da eficiência do professor. Ela se relaciona, basi­
oferece, reforçando a própria reprodução da camente, com a possibilidade de surgimento de
sociedade de classe”. De um modo geral, os um projeto individual e familiar, mas de qual­
entrevistados consideraram que a escolaridade quer modó socialmente dado, de negação da
deveria ser obrigatória até, pelo menos, o 1.° existência rural” . Essa conclusão contradiz
ciclo do grau médio (até o fim do 1.° grau, na muito da literatura sobre educação na zona ru­
nomenclatura pós-1971), julgando o aumento ral que denuncia a escola primária como respon­
da escolaridade como uma das condições fun­ sável pelo êxodo rural. Como diz Martins, “a
damentais da melhoria da situação geral do escola só se propõe como veículo de negação do
país, isto é, da melhoria ou do desenvolvimento mundo rural onde e para quem ele já está
da situação de todos. negado”.
No meio rural, ao contrário do meio urbano, Celso Beisiegel (1964 e 1974) realizou inte­
como mostrou José de Souza Martins (1975), a ressante pesquisa que revelou a articulação
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entro os mecanismos político-partidários e a O estudo de Wríght Mills sobre a “nova
expansão da rede escolar no Estado de São classe média” , nos EUA, teve decisiva impor­
Paulo. A maioria dos ginásios criados desde a tância para toda uma linha de estudos socioló­
promulgação da Constituição estadual de 1947, gicos da educação no Brasil. Para Mills, as ten­
até 1962, resultou da iniciativa de deputados dências espontâneas do desenvolvimento capi­
empenhados em “realizações” que fossem ao talista naquele país determinaram o estreita­
encontro das aspirações das populações das mento das oportunidades de ascensão social
pequenas cidades do interior (mais raramente para os indivíduos das camadas médias segundo
da capital) situadas em suas respectivas áreas de o estilo clássico da economia atomizada (cha­
influência. Beisiegel descreve as contradições mada por ele de liberal). Mas, correlativamente,
entre esse mecanismo e a orientação do exe­ desenvolvia-se um processo de ampliação e dife­
cutivo, voltada para o atendimento eqüânime renciação da burocracia, gerando a figura do
das diversas regiões, a economia de recursos white collar, para quem a ascensão social tor­
m ateriais e hum anos, o aproveitamento nada possível ou, pelo menos, visualizada como
adequado de pessoal docente e administrativo tal, pela aquisição de graus escolares. Marialice
para o conjunto das escolas. A “interferência Foracchi (1965) reconheceu a existência, no
irracional” (ou melhor, dotada de outro tipo de Brasil, desse processo de deslocamento dos
racionalidade) implicava em aumento dos cus­ canais de ascensão social apontado por Mills
tos do ensino, não só pelo número de escolas para os EUA. Mas, para essa autora, a pretensão
como, também, pela pequena clientela de cada de ascensão social via obtenção de graus escola­
unidade. Além disso, regiões populosas e den­ res não resulta, necessariámente, em mobilidade
sas, mas de menor expressão política, acabavam vertical. O diploma conferido por um curso
por não dispor de tais benefícios, pelo menos superior é, cada vez mais, condição necessária
na mesma medida. Um dado muito importante mas não suficiente de mobilidade. Como diz
desse processo é que o “termo de troca” polí­ Foracchi, “a formação universitária representa
tica tião era qualquer escola de 1.° ciclo do grau menos uma oportunidade original de ascensão
médio, mas principalmente a do ramo secundá­ social do que um prêm io que sanciona e legaliza
rio, o ginásio. Isso porque o diploma do ginásio a conquista de novas posições. Assim sendo, o
tinha um valor maior do que os demais, defi­ destaque que a educação possui como fator de
nido pelo próprio mecanismo de promoção mobilidade é relativamente reduzido numa
escolar/ascensão social. Era o diploma do giná­ estrutura social cm processo de consolidação ou
sio que dava acesso irrestrito ao colégio e o dc transformação. Na ordem social competitiva,
diploma deste, por sua vez, ao ensino superior. os caminhos do êxito e da ascensão conduzem à
Assim, não só a demanda se orientou para este formação profissional de nível superior, mas
ramo do ensino médio, como, também, dele se não se identificam, necessariamente,, com ela. A
utilizou o Estado no seu atendimento, o que educação universitária apenas ratifica uma traje­
teve grandes repercussões sobre a própria natu­ tória social já realizada e para firmar-se como
reza desse grau de ensino. “A expansão das instrumento de realização pessoal c como re­
oportunidades de matrícula ( . . . ) teve o efeito curso de afirmação social não prescinde - pelo
de reforçar e generalizar, entre os educadores e contrário, exige - condições sócio-econômicas
mesmo nas populações urbanas, em geral, a estáveis e consolidadas”.
compreensão dos estudos secundários como Luiz Antônio Cunha (1973 e 1975b) com­
uma simples continuidade dos estudos iniciados binou as colocações de Mills-Foracchi com as de
na' escola primária. Quando a grande maioria Aparecida Joly Gouveia e Robert J. Havighurst
dos candidatos aos estudos de nível médio havia (1969) sobre o credencialismo para a qualifica­
forçado o ingresso naquele ‘ramo’ do ensino ção da chamada demanda social de ensino supe­
que se definia como seletivo, a anterior organi­ rior no período pós-64. Para Gouveia e Ha­
zação ‘dualista’ de formação intelectual, para vighurst, o requisito educacional para a ocupa­
uns, e profissional, para outros, dificilmente ção dc cargos não c 1'ixo, mas varia com a oferta
poderia ser preservada”. Assim é que a demanda e a procura: “quando há superoferta de pessoal
não incidia apenas sobre a expansão da escola para determinados tipos dc função, a descrição
secundária, mas, também, sobre o mecanismo dos requisitos para a função se altera dc modo a
de articulação das escolas profissionais de grau tornar inelegíveis os candidatos menos instruí­
dos, reduzindo-se, assim, o superavit”. O inver­
médio, de modo a facilitar a transferência dos so também ocorre, pois os empregadores ten­
estudantes destas para aquelas, e o ingresso dos dem a definir os requisitos educacionais cm fun­
portadores de diplomas do ensino técnico, 2.° ção do perfil dc escolarização da oferta de força
ciclo, nos cursos superiores. de trabalho. Para Cunha, o crescimento da dc-

15
manda de ensino superior no per/odo pós-64 “uma manifestação dc tutelagem política e me­
resultou do processo, que se desenvolvia desde ra panaceia”. Para seu projeto, o governo teria
antes, do deslocamento dos canais de ascensão utilizado educadores e cientistas competentes
social. Este processo determinou a elevação dos que realizaram o melhor diagnóstico da situação
requisitos educacionais das ocupações desem­ do ensino superior. O Autor não poupa elogios,
penhadas por pessoas de segundo grau dc esco­ também, a uma série de soluções para o pro­
laridade provocando, assim, o reforço da blema da universidade encaminhadas pelo grupo
demanda de ensino superior. A intensificação de trabalho, assim como à articulação entre os
deste processo resultou, também, (l)d a volta objetivos c os meios traçados para atingi-los.
de pessoas já empregadas às escolas superiores, Mas, além de insuficientes os pontos positivos,
ameaçadas pela competição dos contingentes Fernandes aponta a dissociação entre eles e as
recém-egressos do sistema educacional, dotados normas e princípios que presidiam as atividades
de escolaridade mais elevada; (2) da procura de do grupo de trabalho, fruto de um governo mili­
mulheres, jovens e não, por ensino superior, tar autoritário. Embora a proposta de extinção
efeito da redefinição do papel da mulher de da cátedra vitalícia fosse um avanço, a burocra-
classe média como trabalhadora na economia tização da carreira docente levaria a uma situa­
extradoméstica; (3) da definição da escola su­ ção ainda pior do que a existente até então.
perior como local privilegiado de convivência Para o Autor, “o propósito do governo (e, atra­
dos jovens de classe média. A conjugação desses vés dele, as elites conservadoras no poder)
fatores explicaria o grande crescimento da consiste em se antecipar às pressões radicais de
demanda por escolarização, particularmente em mudança educacional, que visam associar a ino­
grau superior, independentemente da demanda vação institucional à destruição da estrutura
técnica por força de trabalho qualificada nesse social existente e à criação de uma ordem social
nível. À medida que esse processo se desen­ democrática”. Assim, “atrás da idéia de ‘refor­
volve, o diploma passa a perder valor, em ter­ ma universitária’ o que se procurou foi instaurar
mos econômicos (salários) e simbólicos (prestí­ na universidade brasileira de nossos dias, o novo
gio), o que alimenta, por sua vez, a busca por privatismo que impera na sociedade”.
graus escolares mais elevados: do segundo grau Analisando o projeto de reforma do ensino
para a graduação em escola superior, e desta superior de 1968, Luiz Antônio Cunha (1975)
para a pó ^graduação. mostrou a consistência das medidas propostas,
levando todas elas a um objetivo comum: “a
minimização do custo da matrícula adicional”.
A Política Educacional Pós-68 Este seria um expediente encontrado pelo
grupo de trabalho para compatibilizar as de­
As múltiplas medidas de política educacio­ mandas das camadas médias de maiores oportu­
nal acionadas pelo Estado a partir de 1968, nidades de acesso à universidade, de intelectuais
reformando o aparelho escolar do país, foram exigindo a modernização da instituição, de um
tomadas como objeto por várias análises só lado; de outro, as necessidades ditadas pelo pró­
comparáveis, em volume, com as recebidas pelo prio modelo de desenvolvimento, de baixar ou,
ensino secundário no contexto das lutas pela lei pelo menos, não aumentar, os gastos governa­
de diretrizes e bases da educação nacional. A mentais com educação. Assim, a departamenta-
ênfase deslocou-se, então, do ensino médio para lização, a matrícula por disciplina/regime de
o superior, refletindo não só a crescente impor­ créditos, o regime de tempo integral, a divisão
tância política deste grau de ensino - que de­ do curso de graduação em dois ciclos (básico e
terminou a prioridade da sua reforma sobre os profissional), os cursos de curta duração, a uni­
demais graus — como, também, os interesses ficação dos vestibulares e outras, seriam medi­
corporativos dos analistas, em geral professores das tendentes a baixar o custo médio do estu­
universitários, para quem essas medidas tinham dante, permitindo a expansão das matrículas
efeito direto e imediato. sem comprometer a destinação preferencial do
Florestan Fernandes (1975), mais uma vez orçamento governamental. Mas, para Cunha, o
pioneiro, fez uma crítica da “reforma universi­ grupo de trabalho da reforma universitária per­
tária consentida”, imediatamente após a divul­ cebeu ;ser essa solução provisória: logo haveria
gação do relatório do Grupo de Trabalho da nova “saturação” da universidade, com o agra­
Reforma Universitária, mas só publicada, pela vante da existência de um contingente numero­
primeira vez, em 1970. De plataforma progres­ so de jovens diplomados sem “emprego compa­
sista de estudantes e professores, a reforma tível”. Estes “excedentes profissionais” foram
universitária transformou-se, para Fernandes, considerados mais perigosos para a estabilidade
numa “conspiração contra a universidade”, do regime do que os “excedentes estudantis”.
Como solução de longo prazo, o grupo de tra- grandes desigualdades sociais, Paiva diz que ele
fialho propôs conter a demanda dirigida para o “permitiu que se começasse a encontrar, pela
ensino superior. Para evitar o aumento das pres­ primeira vez na história brasileira, elementos
sões políticas, a profissionalização universal e provenientes do operariado e mesmo do campe­
compulsória do ensino de 2.° grau serviria para sinato nas escolas superiores”. Esse “proleta­
estimular um contingente significativo de jovens riado intelectual”, ao contrário do que aconte­
a procurarem emprego como técnicos, desis­ ceu na Rússia Czarista, não estaria engrossando
tindo dos exames vestibulares. Para Cunha, essa as fileiras da oposição ao regime. Ele surgiu nos
“política contenedora” foi inviabilizada pelas estados mais pobres, justamente naqueles onde
próprias medidas governamentais que facilita­ se criaram menos oportunidade de emprego no
ram o crescimento do setor privado no ensino setor privado, onde o clientelismo persistiu mais
superior e o disfarce do ensino propedêutico, fortemente e as universidades federais (com
no 2.° grau, pela profissionalização superficial, orçamentos comparáveis aos dos próprios gover­
uma e outra respondendo à forte demanda de nos estaduais) continham uma burocracia que
ensino superior pelas camadas médias, pressio­ pressionava pela sua multiplicação através da
nadas pelo deslocamento dos canais de ascen­ criação de cargos a serem preenchidos com seu
são, pela elevação dos requisitos educacionais e próprio produto. Como nos diz Paiva, essas
outros futores. Esse Autor (1975b) explica as universidades federais foram transformadas em
reformas do ensino superior e do ensino médio “fonte de poder cujo controle tem sido dispu­
como efeito da “recomposição dos mecanismos tado pelas forças políticas locais: em tais casos a
de discriminação social via educação”. A expan­ burocracia universitária tem se constituído e
são do ensino superior iniciada antes e intensi­ multiplicado atendendo aos interesses daquelas
ficada pela reforma universitária de 1968 não forças”. Esse mecanismo tem levantado barrei­
foi considerada por ele como democratizadora, ras à cooptação daquele “proletariado inte­
pois “a expansão tem sido feita principalmente lectual” pelo sistema, num aceno às possibi­
por meio de escolas privadas (pagas) de mais lidades de mudanças na posição dessa categoria
baixa qualidade, justamente as que matriculam, social.
em maior quantidade, os alunos de mais baixo No seu estudo sobre a política educacional
nível cultural, vale dizer, de mais baixo nível de do Estado no período pós-64, Bárbara Freitag
renda. É provável que o ‘valor’ do diploma, (1977) aborda a múltipla funcionalidade da
tanto em termos econômicos (servir de requi­ rede particular de ensino na conformação da
sito para acesso aos cargos mais remuneradores) dualidade do sistema educacional em nível
quanto simbólicos (servir para distinguir social­ superior, principalmente a questão da formação
mente seu possuidor), seja mais baixo nessas da força de trabalho. Para esta autora, as escolas
escolas do que nas outras que têm não só os e universidades oficiais de ensino superior pro­
melhores professores quanto os melhores alu­ duzem, grosso modo, recursos humanos para os
nos”. setores modernos da economia em expansão e a
Vanilda Paiva (1980) chama a atenção para rede privada continua suprindo os setores tradi­
a necessidade de se levar em consideração os cionais, mas de um modo tal que uma rede
aspectos ligados à diversidade regional do país existe em função da outra. Isto, porque foi a
na avaliação da expansão do ensino superior. A expansão da rede privada que permitiu à rede
racionalização das estruturas universitárias e a oficial dedicar-se a “uma minoria que é devida­
multiplicação de vagas não ocorreu apenas onde mente qualificada para assumir as tarefas da
a demanda tinha crescido em grande escala, pois economia excludente”. De um modo geral, o
a reforma passou a ser aplicada em todo o país, setor privado oferece às empresas e à burocracia
mesmo nos estados do Norte e do Nordeste. estatal um contingente de trabalhadores que,
Nestes, a demanda foi atendida preferencial­ por terem cursado escolas superiores, mesmo de
mente pelas universidades federais, dispensando baixa qualidade, podem vir a ser empregados
o crescimento do setor privado, pelo menos na mais rápida e facilmente. Os egressos das escolas
proporção ocorrida no Centro-Sul. Diz essa privadas constituem, assim, um lumpen-prole-
autora que nos estados onde houve uma expan­ tariado de bacharéis que desempenha as duas
são prévia da rede oficial de ensino médio e as funções do exército industrial de reserva: a de
universidades federais abriram cursos em cida­ ser reservatório de mão-de-obra e a de rebaixar o
des do interior, houve uma efetiva democrati-. nível salarial dos empregados. Freitag diz que
zação do acesso aos cursos superiores, sem uma no capitalismo clássico, o exército industrial
correlata deteriorização da qualidade do ensino de reserva podia ser composto de trabalhadores
nem hierarquização dos diplomas. Embora desqualificados. Mas, “nas condições atuais do
reconheça não ter esse fenômeno reduzido as capitalismo, mesmo o periférico, cujo núcleo

17
dinâmico é constituído por um setor monopo- 1970/71, entrevistando 25 mil profissionais de
lístico de relativa complexidade tecnológica, nível médio e superior, com o objetivo de deter­
impõe-se um exército de reserva de novo tipo, minar o comportamento da estrutura ocupacio-
constituído por trabalhadores qualificados ou nal, as condições gerais de emprego e os efeitos
semiqualificados. O ensino particular superior das inovações tecnológicas sobre a demanda de
contribui para a formação desse novo exército profissionais desse nível. Os resultados obtidos
de reserva”. mostraram, ao contrário das expectativas dos
elaboradores da política de profissionalização
universal e compulsória na escola de 2.° grau,
que a proporção de profissionais de nível médio
Outras Linhas de Estudo na indústria paulista era relativamente pequena,
da ordem de 5% da força de trabalho. Cláudio
Embora não tenham sido privilegiadas por Moura Castro e Alberto de Mello e Souza
esta resenha, outras linhas de estudo despontam (1974) realizaram importante pesquisa pro­
como promissoras para o conhecimento das curando verificar, entre outras coisas, em que
articulações entre educação e sociedade no medida a formação profissional obtida em cur­
Brasil. Ainda que brevemente, vou indicar cinco sos de aprendizagem do Senai ou em escolas
dessas linhas. técnicas e a formação acadêmica obtida em gi­
A articulação entre processos socializadores násios resultam em aumentos de salários e pro­
tem sido pouco estudada no Brasil, embora gresso na carreira de trabalhadores na indústria.
Marialice Foracchi (1965) tenha aberto uma tri­ Cláudio Salm (1980) analisou criticamente as
lha segura. Esta autora estudou a maneira como concepções da escola como supridora de força
a participação do jovem de classe média no tra­ de trabalho, em especial do “exército industrial
balho e na universidade o expõe a processos de de reserva”, mostrando como a empresa, parti­
ressocialização que concorrem para alterar os cularmente a industrial, prescinde da escola na
efeitos da socialização familiar, em especial o formação da força de trabalho que emprega.
projeto de carreira. Sérgio Miceli (1972) aborda A publicação dos resultados do Censo De­
a função da televisão como substituta da escola. mográfico de 1970 propiciou um grande debate
A organização das redes nacionais de televisão sobre a distribuição da renda no país. Os dados
teria vindo compensar a inexistência de um sis­ permitiram mostrar que a renda estava não só
tema unificado de ensino, de âmbito nacional, dividida de um modo bastante desigual, como a
no desempenho de importantes funções políti­ desigualdade era, em 1970, maior do que a veri­
cas e ideológicas, A falta de maiores estudos ficada em 1960. As condições conjunturais da
nessa linha, não nos permite conhecer como a escolarização foram evocadas para justificar esse
socialização escolar se articula com a família e a fato. Carlos Langoni (1973) procurou mostrar
televisão no âmbito das classes trabalhadoras que, ao lado de outros fatores, a expansão dife­
sobre o que, entretanto, muito se tem dito. renciada de mão-de-obra, devido à tecnologia
Os mecanismos discriminadores pelos quais altamente sofisticada, beneficiou desproporcio­
a escola opera foram estudados por Aparecida nalmente os profissionais de escolaridade mais
Gouveia (1967, 1968, 1969, 1978), Niuvenius elevada. A desconcentração da renda viria, ce-
Paoli (1980), Alberto de Mello e Souza (1979), teris paribus, com a elevação da oferta de esco­
Luiz Antônio Cunha (1973, 1975a e 1975b) e larização nos graus médio e superior. Vários
Dorith Schneider (1974). Em todos eles, a dis­ economistas elaboraram explicações alternativas
criminação escolar é apresentada como um re­ que foram sumariadas por Luiz Antônio Cunha
forço ou um amplificador dos mecanismos de (1975), para quem não existiu, de modo genera­
discriminação social vigentes fora da instituição. lizado, a suposta escassez relativa de profissio­
Apesar de ser uma linha de estudos que tem nais de alta escolarização, apontando, como
merecido bastante atenção, ainda desconhece­ demonstração do contrário, a política educacio­
mos muito a respeito do funcionamento dos nal contenedora nos graus médio e superior.
mecanismos que efetivamente operam nas esco­ Na trilha aberta pelos estudos pioneiros de
las de diversas regiões do país, tanto na zona Guy de Holanda, Waldomiro Bazzanella e Dante
urbana quanto da zona rural. Moreira Leite, têm surgido, recentemente, inte­
A influência da escolarização nas condições ressantes estudos do conteúdo de livros didáti­
de trabalho e remuneração tem sido pouco estu­ cos, buscando explicitar as mensagens ideoló­
dada, apesar da grande relevância do tema e do gicas por eles veiculadas. Gisálio Cerqueira
volume de proclamações a respeito, oficiais ou Filho e Gislene Neder (1978) analisaram o con­
não. José Pastore e outros (1973) realizaram teúdo de livros de “disciplinas sociais” de sete
ampla pesquisa na indústria paulista, em editoras, adotados em escolas oficiais do Rio de
18
Janeiro, da 5.a à 8.a séries do 1.° grau, mostran- natureza para com o trabalhador, etc. A conclu-
do a forte presença da ideologia do “brasileiro são a que chegou Nosella é a de que “o objetivo
cordial” e o esforço sistemático dos textos para real da ideologia subjacente aos textos de leitu-
dissimular a violência, até mesmo a inerente à ra é o de criar um mundo relativamente coe-
escravidão. Maria de Lourdes Nosella (1979) rente, justo e belo, no nível da imaginação, com
analisou 166 livros de Comunicação e Expres- a função de mascarar um mundo real, que,
são (Português), adotados nas quatro primeiras contraditório e injusto, é necessário para os
séries das escolas de 1.° grau do Estado do interesses da classe hegemônica”. Infelizmente
Espírito Santo. Focalizou 10 temas (a família, a ainda não podemos contar com estudos que
escola, a religião, a pátria, o ambiente, o tra- mostrem a presença dos estereótipos veiculados
balho, os ricos e os pobres, as virtudes, as pelos livros didáticos na consciência dos alunos,
“explicações científicas”, o índio), encontran- A propósito, Martins (1975) postulou a depen­
do, como característica comum a todos eles a dência da educação às condições sociais de exis-
celebração do relacionamento vertical entre tência dos alunos, podendo elas inviabilizar os
doador e receptor: dos pais para com os filhos, mais decididos e sistemáticos intuitos inculca­
do homem para com a mulher, de Deus para dores,
com os fiéis, da Pátria para com os cidadãos, da

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