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T hom as C.

G r e e n in g
O rg an izad o r . .

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EXISIENfilAI-HHMANISIA
Tradução de
E d u a r d o d e A l m e id a

ZAHAR ED IT O R E S
RIO DE JANEIRO
flfítulo original:

Existential Humanistic Psychology

Traduzido da primeira edição, publicada em 1973 por Brooks/Cole


Publishing Company, de Belmont, Califórnia, Estados Unidos da
América.

ÍNDICE
Copyright © 1971 by Wadsworth "Publishing Co., Inc.

Prefácio 9
Introdução 13

capa de Psicologia Existencial e Humanista: Respostas a Desafios Contem­


porâneos
E r i co Charlotte Bühler 29
Teoria Humanista: A Terceira Revolução em Psicologia
Floyd W . Matson 67
O Eu: Processo ou Ilusão?
James F. T. Bugental 83
Grupos de Encontro, da Perspectiva do Humanismo Existencial
Thomas C. Greening 105
O Futuro da Perspectiva Existencial-Humanista em Educ«ç2o ..
W illis W. Harman 147 /
Humanismo e Psicologia Existencial
'William J. Ríchardson, S. J. 167
Humanismo Existencial: Reflexos na Literatura
Henrt Peyre ,185 .
Humanismo Existencial e Direito
Christopher T>. Stone 205
O Homem Auto-Realizador na Sociedade Contemporânea: Modos
Filosóficos Clássicos num Modelo Psicológico Corrente
Raghavan N. lyer 237
1975
Pós-Escrito 259

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por


ZAHAR EDITORES
Caixa Postal 207, ZC-00, Rio
que se reservam a propriedade desta versão

Impresso no Brasil
A Abe Maslow
Prefácio

■.A . s tendências existencial e humanista estão fírmandò-se


cada vez mais como importantes acontecimentos no cenário da
Psicologia contemporânea. A nossa imagem do homem e os
nossos métodos de abordagem dos problemas e desafios huma­
nos estão passando por radical e fértil renovação. Este livro
ilustra essas tendências com capítulos sobre a terapia individual,
grupos de encontro, literatura, educação e direito. Outros capí­
tulos fornecem uma panorâmica histórica dessas tendências e
algumas de suas fontes filosóficas, assim como uma perspectiva
sobre a auto-realização e as vidas individuais, vistas em seu curso
total.
Embora vários dos autores sejam psicólogos, este livro não
foi especialmente preparado para psicólogos e estudantes de Psi­
cologia. . A maioria dos capítulos ^foi originalmente apresentada
como conferências para um público heterogêneo na Universidade
da Califórnia em Los Angeles e destina-se a quaisquer leitores
que se interessem pelos problemas da Psicologia atual. A fina­
lidade geral foi tornar a leitura compreensível a não-psicólogos,
embora as idéias apresentadas, em alguns lugares, possam ser
particularmente estimulantes para leitores com formação psico­
lógica avançada.
O humanismo existencial é uma vasta orientação em desen­
volvimento que se apóia numa ampla gama de contribuidores
e se reveste de importância para muitos empreendimentos huma­
nos. 0 presente livro ilustra esse ponto. Por exemplo, consi­
dere-se a justaposição de um capítulo sobre a .literatura existen­
cialista francesa ( Peyre) e de um sobre a responsabilidade huma­
nista do Direito americano (Stone). Algumas das inter-relações
entre os capítulos serão evidentes; outras vezes, os leitores des­
cobrirão ligações.implícitas no que foi escrito, mas ainda:não
formalmente enunciado pelos autotcs».;____
10 P r e f á c io P r e f á c io 11

A Psicologia Existencial-Humanista interessa-se pela natu­ Por tudo o que realizo como psicólogo, estou imensamente
reza do homem —- especialmente pelo seu potencial positivo — grato, em múltiplos aspectos, aos meus sócios da Psycbological
e de que modo essa natureza é criada e revelada no ser exis­ Services Associates : Alvin Lasko, Gerard Haigh, William Zie-
tencial. Os psicólogos expressam amiúde esse interesse mediante lonka e Harris Monosoff. Durante os 12 anos em que exerci
a prática da terapia individual ou a promoção de métodos de a prática clínica, mantive discussões intelectuais e alimentei ami­
grupo que facilitem o crescimento in d iv id u a lM a s a terapia e zades na PSA, eles proporcionaram-me grande parte da com­
os métodos de grupo são, cada vez mais, parte integrante do preensão que hoje tenho da Psicologia da Terceira Força. James
todo cultural, influenciando-o e sendo por ele influenciado. Bugental também foi sócio da PSA até data recente e destaco-o
Assim, o humanismo existencial, em toda a sua diversidade, em meu especial apreço, que ampliarei na introdução ao capítulo
converte-se em empreendimento comum, enriquecido e promo­ de sua autoria.
vido por numerosos contribuintes. Este livro apresenta algu­ Estou grato às seguintes pessoas por seus valiosos comen­
mas facetas básicas desse empreendimento e reúne-as na espe­ tários durante a revisão do manuscrito: James Fadiman, da Uni­
rança de que elas se elucidem mutuamente. versidade Stanford; Eleanor Criswell, do Colégio Estadual de
Desejo agradecer a Charlotte Bühler o conceito original da Sonoma; e John Mitchell, da Universidade de Alberta. Tam­
série de conferências, que foi a principal fonte destes ensaios, bém desejo agradecer aos meus datilógrafos, Terry Maglic e
assim como as suas importantes contribuições para a Psicologia Phyllis Wittenberg, por sua persistente ordenação da um caos
Existencial e Humanista — contribuições que servem como ali­ de fitas gravadas e páginas corrigidas.
cerces sobre os quais um livro como este pode ser construído.
Recordo com grande prazer a tarde de domingo em que Char­ Thomas C. Greening
lotte Bühler e eu nos reunimos para planejar a série de confe­
rências. Trocamos sugestões sobre os conferencistas e os temas
que melhor poderiam constituir um programa rico e variado e
que fizesse jus às muitas fontes e expressões do humanismo
existencial. Foi para mim uma espécie de maravilhosa excursão
intelectual, à medida que a Dr.a. Bühler recapitulava seus vastos
conhecimentos sobre muitas pessoas e livros que, em sua opi­
nião, consubstanciam uma Psicologia vital em franca expansão.
Espero que ela veja este volume como possuidor de alguma da
látitude e profundidade que lhe augurou durante a nossa con­
versa desse dia.
Também estou agradecido ao pessoal do departamento de
Artes, Humanidades e Ciências Sociais da U .C .L .A . Outros-
sim, Robert Haas e Lois Smith, como Diretor e Subdiretora do
Departamento, tiveram um papel decisivo para tornar possível
o programa original. De um modo todo especial, endereço meus
calorosos agradecimentos a Edwin Monsson, representante da
UCLA nos programas de extensão universitária, com quem tra­
balhei intimamente. Ele demonstrou, por certo, que é possível
preservar uma orientação humanista apesar de assoberbado por
responsabilidades administrativas, .
Introdução

E s t e livro baseia-se, em grande parte, numa série de confe­

rências apresentadas no outono de 1969 dentro dos programas


de extensão universitária da Universidade da Califórnia, Los
Angeles. O título da série foi Existential and Humanistic Psy­
chology: Trends and Impact, e atuei como moderador. Um livro
está longe de ser um encontro face a face, mas eu gostaria
de saudar o leitor com as mesmas esperanças com que dei as
boas-vindas ao público na sessão inaugural do ciclo de confe­
rências. Imagino que os leitores deste livro serão razoavelmente
semelhantes aos do público de Los Angeles, com toda a sua varie­
dade de antecedentes, educação, idade, ocupação e atitudes em
relação ao existencialismo, humanismo e Psicologia em geral.
Havia estudantes, homens de negócios, professores de Psicologia,
mestres-escolas, engenheiros, donas-de-casa, hippies, diretores de
cinema e um ocasional cachorro, que simplesmente entrava por
ver a porta aberta. Nenhuma série de conferências ou livro,
mesmo abrangendo um tema tão amplo, pode alimentar a espe­
rança de fornecer algo a todos e a cada um, e tentar fazê-lo
seria fragmentário e difuso. Mas fui encorajado pela reação
desse heterogêneo público a acreditar que este livro atrairá um
grupo igualmente diverso de leitores. Alguns dos artigos são
de natureza teórica e erudita; outros são clínicos, coloquiais ou
concretamente ilustrados por exemplos da vida cotidiana.
__ IpO livro não pretende ser um levantamento sistemático do
vasto campo da Psicologia Existencial e Humanista contempo­
rânea. Pelo contrário, é a coletânea de depoimentos individuais
por autores que encaram a Psicologia Existencial e Humanista
do‘ ponto de vista especializado de suas respectivas obras e
idéiasTj Em que medida, por exemplo, um advogado, um psicó­
logo, um físico e um crítico literário estão falando do mesmo ele-
„ fante, quando descrevem o que cada um deles entende por essa
14 I ntrodução I ntrodução 15

corpulenta e estranha criatura? E em que medida temas comuns Com algum apoio de meu pai engenheiro e a tranqüilidade de
se fazem presentes através de suas descrições dos impactos da um bom teste psicológico de interesses vocacionais, aventurei-me
Psicologia Existencial e Humanista sobre suas distintas expe­ a concluir o curso de Literatura Inglesa. Chaucer e Milton subs­
riências profissionais? Cada leitor poderá decidir por si mesmo, tituíram as engrenagens e alavancas, mas ainda me pareciam
depois de explorar o que há de diverso e de comum nos ensaios distanciados da vida em meu redor. Que cursos são ensinados
aqui reunidos. sobre a vida? Psicologia . . . talvez fosse a resposta! Avancei
Neste capítulo introdutório, apresentarei alguns dos concei­ penosamente através da Psicologia Introdutória, instigado pela
tos básicos que vão ser desenvolvidos, farei uma breve pano­ promessa de que os cursos subseqüentes compensariam o tédio
râmica da Psicologia Existencial e Humanista, e oferecerei, a inicial. Depois, matriculei-me em Teorias Contemporâneas de
título de exposição prévia, um resumo de cada seleção, com o Psicologia, ávido por aprender como os grandes pensadores con-
intuito de guiar o leitor e de tentá-lo a prosseguir na leitura ceptualizam a natureza humana. Resultou que o objeto de nosso
até ao fim do livro. Antes de cada capítulo, farei a apresentação estudo tinha pêlo branco, quatro patas e dois olhinhos redondos,
do respectivo autor, referindo-me, em alguns casos, a associa­ que observavam com curiosidade os labirintos onde tinham de
ções pessoais que servem de base à minha apreciação do homem correr e as alavancas que lhes cumpria acionar. Em outros cur­
e suas idéias. sos, aprendi sobre o homem neurótico e psicótico, o homem-
Primeiro, tomarei a liberdade de apresentar-me e de usar -soldado sob tensão de combate e o homem aborígine engenhoso.
tal abordagem como um meio de ilustrar alguns dos aspectos Eu queria algo mais e algo diferente, mas tinha dificuldade em
mais gerais dos recentes desenvolvimentos ocorridos na área da saber onde procurá-lo, dentro da área psicológica.
Psicologia. Numa era anterior, uma pessoa como eu não teria, A literatura moderna parecia povoada de gente que era
provavelmente, contato algum com a Psicologia acadêmica ou mais real, gente que enfrentava o desafio de criar relações e
clínica. Minha família, infância e formação cultural enfatizaram significado contra a maré do nada na “idade do desespero”.
o domínio das forças naturais e econômicas através das virtudes Felizmente, tive uma oportunidade de travar conhecimento com
comuns de trabalho árduo, conformismo social e ciência aplicada o existencialismo num curso de Literatura Francesa, lecionado
que eram comuns ao imigrante americano. Henry Ford e Tho- por Henri Peyre, o autor do Capítulo 8. Também tentei escre­
mas Edison tinham feito o que se supunha que todos os homens
ver obra de ficção, em busca de realização e comunhão criadora
deviam fazer. Heróis populares, como Washington, Franklin e
através da interpretação em moldes fictícios e da repartição de
Jefferson, tinham de ser imitados em sua eficácia prática; eu
experiências vividas. Os outros estudantes escritores refletiam
visualizava-os mais como generais, inventores e administradores
a mesma intensidade de preocupação em torno da condição hu­
de plantações ou fazendas do que como pensadores. William
mana que me seduzia. Entretanto, os meus escritos não tardaram
James era para mim um ilustre desconhecido. Ingressei na uni­
em atingir um teto intransponível.
versidade para ser engenheiro mecânico e ganhei, orgulhosa­
mente, uma nota dez em desenho de máquinas. Com habilidade, Depois da universidade, fui para Viena, li obras sobre
era possível descrever e criar o mundo por meio de linhas pre­ Psicanálise e vivi no velho bairro onde Freud residira, na espe­
cisas, traçadas a tinta, que desenhavam aqueles objetos em que rança de infusões osmóticas de sabedoria. Um domínio inade­
a civilização se baseava. quado do alemão, o estado decadente da Psicologia vienense no
Quase escapei à influência insidiosa das artes liberais, mas pós-guerra e a minha atração pelos esquis limitaram essa busca
fui solicitado a matricular-me num’ curso de 'Literatura de Lín­ intelectual. Ouvi Sartre falar durante uma manifestação de 1.°
gua Inglesa para estudantes de Engenharia. O professor parecia de Maio e voltei para casa, abrindo caminho na multidão e per­
alimentar sentimentos intensos a respeito dos livros e de seus guntando a mim mesmo se o comunismo iria fazer que a Psico­
personagens. Poderiam homens já crescidos avaliar as pessoas logia parecesse um passatempo extravagante para estetas do
e como elas viviam suas vidas estudando semelhantes temas? século XIX.
I ntrodução 17
16 I ntrodução

pacientes e colegas e vislumbro em todas as nossas existências


De regresso aos Estados Unidos, matriculei-me num pro­ novas dimensões que não eram elucidadas pelas teorias reducio-
grama de pós-graduação em Psicologia e ponderei as minhas nistas e mecanomórficas.1 Hoje, quando um paciente inicia a
opções: obter uma especialização através do curso montado sobre sua sessão como na transcrição abaixo, sinto-me mais equipado
os conceitos básicos da disciplina ou realizar o treinamento bá­ para ir ao seu encontro:
sico no Exército. Um professor sugeriu que eu talvez apren­
Aqui estou de novo. Sinto-me como se presume que tenho
desse mais sobre as pessoas se me decidisse pela segunda opção. de atuar. Chego aqui e tenho pela frente a tarefa de olhar para
Contudo, preferi arrastar-me pela Estatística, em vez da lama, as partes irreaüzadás da minha vida que evitei encarar durante
fiz rodar no computador o meu quinbão de dados de pesquisa toda a semana. Acho que deveria falar sobre alguma “terrível
e saí disso tudo com um diploma do que passava por ser um angústia”, mas só sinto a angústia geral de ser o que sou.
Psicólogo Clínico. Se os alvores da Psicologia Existencial e
É encorajador vermos que estão sendo dadas respostas a
Humanista já despontavam no horizonte (o livro 'Existence, de
essa angústia, mesmo num mundo dilacerado pela guerra, polui­
Rollo May, foi publicado em 1958, o ano em que recebi o meu
ção, pobreza e alienação. A Psicologia orientada para a pessoa
doutorado), eu ignorava-o por completo. Dediquei-me à prá­
está interatuando com a sociedade de novas e múltiplas maneiras,
tica clínica com uma orientação psicanalítica e cultivei esse espi­
algumas das quais serão estudadas nos capítulos que se seguem.
nhoso jardim com as ferramentas semi-utilizáveis que tinha her­
Os grupos de encontro e os centros de crescimento estão fazendo
dado, As minhas outras saídas consistiram em alguns escritos,
das tendências existenciais e humanistas um acontecimento expe-
ensino em algum curso ocasional de Psicologia e Literatura Con­
riencial, aqui-e-agora, na vida das pessoas. Cari Rogers e Abra-
temporânea, e um pouco de treino de sensibilidade.
ham Maslow, que serviram como presidentes da Associação Psi­
Apercebi-me gradualmente de que a terapia individual e as cológica Americana, são nomes familiares para muitos não-psicó-
abordagens de grupo estavam sendo conceptualizadas por alguns
logos. Uma revolução está começando na área da educação; pro­
terapeutas em termos do encontro Eu-Tu de Buber e de que as
gramas que incluem a aprendizagem autodirigida e efetiva atin­
introvisões obtidas através da literatura estavam a tornar-se cen­
girão finalmente milhares de estudantes muito longe do cená­
trais para uma nova Psicologia. Em 1962, essas e outras ten­ rio de Summerhill.,2 A busca de novos valores e novos cami­
dências resultaram na fundação da Associação de Psicologia H u­ nhos de ser humano em organizações complexas tornou-se preo­
manista, com um de meus sócios, James Bugental, como seu cupação explícita de homens de negócios, cientistas e autoridades
primeiro presidente. A história do desenvolvimento dessa Psico­
governamentais. Assim, os executivos recorrem aos psicólogos
logia é contada de várias maneiras neste livro.
humanistas (Maslow, 1965), os cientistas reservam tempo para
É hoje um alívio ler sobre tanta coisa que estava a acon­ explorar suas relações recíprocas (Davis, 1967) e até o Depar-
tecer fora da minha estreita experiência pessoal e da bitolada
Psicologia acadêmica daqueles anos, tendências que finalmente
se impuseram como a Terceira Força, ou Psicologia Existencial 1 Os críticos da teoria psicanalítica e da teoria da aprendizagem
e Humanista. Estou grato pelo enriquecimento e vitalidade que afirmam que a concepção do homem apresentada por essas teorias reduz
esse novo pensamento trouxe à minha experiência cotidiana a sua natureza a componentes supersimplificados que violam a sua tota­
lidade e unicidade orgânicas. ■ Do mesmo modo, os modelos mecânico ou
como psicoterapeuta. A minha profissão já não parece análoga hidráulico do homem enfatizam a canalização e bloqueio da energia, e
à de um cirurgião de campanha numa guerra absurda. Ajudar negligenciam a sua busca de significado e de afinidades.
indivíduos sempre foi para mim uma tarefa significativa e indi­ 2 Summerhill é a escola inglesa que foi pioneira em muitos dos
métodos hoje empregados em escolas americanas^ dotadas de espírito ino­
vidualista, mas envolve o risco concomitante de nos fazer sentir vador. Os alunos tomam parte ativa no planejamento de suas próprias
separados e fúteis a respeito do resto do mundo. Ajudar as experiências de aprendizagem, emocional e intelectual, num contexto de
pessoas dentro do quadro da vida existencial e humanisticamente interação de grupos de pares e professores pessoalmente envolvidos. Ver
observada acarretou um sentimento mais intenso de propósito A. S. Neill, Summerhill: A Radical Approacb to Child Rearing. Nova
York: Hart, 1964.
e participação. Agora, aprecio mais o convívio com os meus
?
18 I ntrodução I ntrodução 19

tamento de Estado norte-americano tem utilizado o treino de Como a Psicologia Humanista procura lidar com a totalidade
de cada pessoa no processo de vir-a-ser, espero que este curso
sensibilidade como parte do seu desenvolvimento organizacional acarrete o vosso envolvimento como pessoas reais. E como a
(Marro w, 1966). Psicologia Existencial tenta colocar o homem em confronto com a
real condição humana neste planeta, espero que este curso VOS' ajude
Para os que ainda não ouviram falar nem leram coisa algu­ a fazer frente às vossas próprias vidas cotidianas, numa acepção
ma sobre existencialismo, um filme baseado em O Estrangeiro, existencial.
de Camus, poderá ser visto no cinema do seu bairro. Se o Apresentar-vos-ei algumas interrogações para que sobre elas
despertar de Meursault para um mundo existencial, num cárcere meditem durante o curso. Se tiverem essas questões em mente
durante as conferências e leituras, talvez vos ajudem a ver mais
do Norte de África, ainda parecer demasiado remoto, tivemos a claramente em que consiste a Psicologia Existencial e Huma­
guerra do Vietnã, os choques com a polícia e os tumultos nos nista.
guetos, e a crise ecológica, para fornecer traduções atualizadas O que significa ser plenamente humano?
dos taciturnos romancistas franceses e túrgidos filósofos ale­ Qual é a visão emergente do homem sobre o homem e o
mães. O absurdo, a contingência e a responsabilidade ansiosa universo?
do homem pela criação do homem impregnaram a consciência Onde deveremos buscar significado e propósito?
pública e, por conseguinte, levaram ao crescente interesse por Que sentimento decorre do fato de estar vivo agora?
novas teorias e novos métodos psicológicos. Como deveremos nos tratar uns aos outros? .

Um exemplo da tentativa de satisfazer esse interesse foi A importância pessoal e a alta qualidade dos ensaios escritos
a série de conferências da UCLA, a qual teve por finalidade ava­ em decorrência das tarefas atribuídas a cada estudante foram
liar as tendências e os impactos recentes da Psicologia Existen­ impressionantes. Houve, é claro, a usual e brilhante reapresen-
cial e Humanista. Embora grato pela oportunidade que me foi tação das conferências em novas formas, com o que o autor se
dada de atuar como moderador nessa série, confesso que, no mantinha prudentemente desligado e se limitava a emprestar seu
começo, estava cético sobre se a apresentação dessa Psicologia cérebro para um exercício intelectual. Não obstante, muitos dos
através de conferências e livros teria qualquer efeito discernível ensaios revelaram que os estudantes tinham ressoado em nível
sobre a vida das pessoas que acorreram. Em meu trabalho como experiencial muito mais intensamente do que eu acreditava ser
psicoterapeuta, vejo muitos pacientes que assistiram a conferên­ possível ocorrer numa série de conferências. Tinham encon­
cias e leram livros de Psicologia sem que essas atividades tenham trado, com freqüência, novas maneiras de ver e de sentir em
qualquer impacto em suas vidas. Um conferencista na tribuna sua existência e atividade cotidianas; e, depois, tinham-se empe­
ou as palavras de "um livro farão mais do que encher a cabeça nhado em novas espécies de ação criadora e expressiva.
das pessoas com um novo jargão e novas intelectualizações que
lhes servem para fazer o jogo em vez de ajudarem ao seu cres­ O ensaio de um estudante incluiu um convite de casamento,
cimento? como apêndice à descrição do modo como a aquisição de novos
valores e introvisões, através do curso, o habilitara a expandir-se
Como cerca de 70 pessoas no público estavam freqüentando mais autenticamente e a converter uma amizade em matrimônio.
a série completa para obter créditos, decidi explorar essa questão Uma mulher descreveu como conseguira, finalqnente, completar
por meio de tarefas para as provas escritas do primeiro semestre sua prolongada luta para enfrentar a futilidade de seu casamento
e do final do ano letivo. A tarefa consistia, de cada vez, em e gerar suficiente fé em si mesma e no mundo para construir uma
escrever sobre a conferência e o material de leitura, tal como vida própria. Uma enfermeira apercebeu-se de que estava estag­
era concretamente ilustrado e vivido na situação da vida corrente nada em suas relações rotineiras com os doentes e procurou ser
do próprio estudante. Os meus comentários introdutórios, na destacada para um serviço especial que lhe proporcionava opor­
primeira sessão, também foram orientados no sentido de con­ tunidades de mais profunda entrega humariâ. O filho de um
vidar ao envolvimento pessoal e são igualmente adequados como famoso psicólogo tradicionalista falou sobre como aprofundara
introdução para os leitores deste livro: o seu compromisso com a educação humanista e sua crescente
20 I ntrodução I ntrodução 21
capacidade para definir uma identidade própria, distinta da de mente confundidas ou os termos são usados indistintamente.
seu pai. Contudo, existem certos aspectos em que o pensamento exis­
O nosso propósito não é relatar aqui depoimentos, mas ilus­ tencial e o humanista são contraditórios e potencialmente incom­
trar p impacto pessoal de conferências que pretendiam mais re­ patíveis. Um dos mais simples e mais diretos enunciados dessa
tratar tendências ideológicas do que promover mudanças nos questão encontra-se em Existentialism > de Sartre, um opúsculo
estudantes. As pessoas, ao que parece, reagem intensamente a que representa a primeira tradução em língua inglesa (1947)
teorias psicológicas que sublinhem a responsabilidade existencial da Filosofia de Sartre. O título francês, UExisíentialisme est
do homem em défrontar-se consigo mesmo como a criatura cuja un humanisme, enuncia a posição de Sartre: o existencialismo
natureza corisistè em criar a sua própria natureza e que postulem é um humanismo ou, pelo menos, uma forma de humanismo.
possuir o homem um impulso para a individuação 3 ou auto-rea- Tanto o existencialismo como o humanismo enfocam o homem
lização do pleno potencial de sua natureza. A interação de teoria como a fonte e o centro de valores, e rejeitam os sistemas mate­
e fenômenos é aqui evidente; aprendemos da Física moderna rialistas, naturalistas e deístas. Deus, Freud e Marx não podem
que o observador, pelo seu ato de observação, afeta os eventos formar-nos. O homem faz-se a si mesmo. Sartre, entretanto,
que estuda “objetivamente”. Na Psicologia, o processo é não aceita o humanismo estreito ou mais antigo que faz do
ainda mais desconcertante, visto que, segundo parece, até a mera homem, simplesmente, o valor último das preocupações huma­
expressão de uma teoria afeta as pessoas a cujo respeito essa nas. “O existencialista jamais considerará o homem como um
teoria foi formulada. Como Raghavan Iyer sublinha no Capítulo fim porque ele está sempre em formação” (pág. 59). Vê o
9, o aspecto assustador de algumas teorias psicológicas desuma- homem em contínuo crescimento desde o ponto em que está, no
nizantes não é o fato de serem verdadeiras, mas de que possam sentido de uma projeção de si mesmo que é mais do que a sua
vir a ser verdadeiras. A nossa esperança é que, se as teorias existência presente. Refere-se a esse .crescimento do homem
apresentadas neste livro tendem a tornar-se verdadeiras, contri­ como um “estado constante de süperação de si mesmo”. É essa
buirão para o gênero de crescimento pessoal evidenciado nos busca de metas transcendentes e a sua intersubjetividade com
ensaios que li de estudantes que os apresentaram como próva de outros homens que impedem o homem de acabar fechado em
final de ano. si mesmo. Sartre emprega a expressão “humanismo existencial”
Tendo resumido alguns dos acontecimentos que me orien­ para descrever essa teoria do homem e acredita ser a única teo­
taram para o pensamento existencial e humanista, e tendo des­ ria que confere ao homem dignidade e não o reduz a um objeto.
crito alguns impactos suscitados nos estudantes pelâ série de con­ A esse respeito, o existencialismo parece quase idêntico à
ferências de que o presente livro é um frutô*, explicarei agora. Psicologia Humanista contemporânea, porquanto em ambos os
a origem e o significado do termo “humanismo existencial”, tal casos se sublinha o potencial do homem para realizar-se em
como é aqui utilizado. Escolhi essa expressão para significar a níveis de ser e de relacionar-se para além do seu estado atual.
combinação produtiva do pensamento existencial e humanista
que está vitalizando um ramo da Psicologia contemporânea. A Existem várias diferenças, porém, quanto ao grau de oti­
Psicologia Existencial e a Psicologia Humanista são freqiiente- mismo e de fé alimentado pelos psicólogos humanistas e existen­
ciais. Algumas das diferenças são reais e outras imaginadas,
baseadas em erros de interpretação. O existencialismo é amiúde
3 Individuação (ou auto-realização) é o termo usado, pelos psicó­ considerado uma doutrina sombria de desespero e angústia. O
logos humanistas, como Maslow, para descrever a tendência básica dos Dicionário de Webster (1959), por exemplo, define existen­
indivíduos à persistirem no desenvolvimento e manifestação de suas poten­
cialidades latentes. Em vez de procurar o equilíbrio homeostático e a
cialismo como “um culto literário-filosófico do niilismo e do
redução de tensões, o homem é considerado uma criatura que busca inces­ pessimismo. . . ” Isso é uma definição falsa e depreciativa, mas
sante e criativamente'níveis superiores de ser-em-si, de ser no mundo há certas razões pelas quais o existencialismo é encarado, por
material, de ser com as pessoas que lhe são afins e com a raça humana vezes, dessa maneira. Embora os existencialistas afirmem não
em geral.
sustentar uma concepção permanente da natureza ou condição
22 Introdução I ntrodução 23

do homem, parecem insistir amiúde no absurdo, contingência, cialismo deposita fé total no homem como o criador do seu pró­
ansiedade e desespero que o assediamT/ [Talvez essa ênfase seja prio destino e assinala, assim, o caminho para a única esperança
compreensível quando recordamos que grande parte do desen­ não baseada em ilusões:
volvimento e popularidade do existencialismo surgiu da II Guer­ Assim respondemos, creio eu, a um certo número de censuras
ra Mundial; com efeito, a brutalidade dos soldados alemães tal­ referentes ao existencialismo. Vedes bem que ele não pode ser
vez tenha feito mais para promover o existencialismo do que considerado como uma filosofia do quietismo, visto que define o
homem pela ação; nem como uma descrição pessimista do homem:
os ensinamentos de filósofos alemães como HeideggerJ Os inte­ não há doutrina mais otimista, uma vez que o destino do homem
lectuais franceses, como Sartre e Camus, tiveram ae realizar está nas suas mãos; nem como uma tentativa para desencorajar o
algumas opções difíceis para criar uma significação, encontrar homem de agir, visto que lhe diz não haver esperança senão na
um sentido, no meio da irremediável derrota e ocupação por sua ação, e que a única coisa que permite ao homem viver é o
ato. Por conseguinte, neste plano, preocupamo-nos com uma moral
anti-humanos disfarçados de homens. Uma Filosofia concebida, de ação e de compromisso (pág. 42).
literalmente, a curta distância dos gritos das vítimas de torturas
não podia expressar, de modo algum, uma fácil crença no poten­ Responsabilidade, envolvimento e ação, somados à crença
cial humano. Não obstante, surgiu, de fato, uma fé severamente em que o homem é capaz de escolha e crescimento: estes prin­
testada e madura.
cípios ligam o existencialismo ao humanismo moderno. Ambas
Outra causa do caráter lúgubre por vezes atribuído ao exis­ as orientações valorizam também o eu-em-processo intimamente
tencialismo é a sua declaração de que somente o homem é res­ experimentado e distinto do eu em encontro ou ação. Contudo,
ponsável pelo homem, “ . . . o primeiro esforço do existencia­ os psicólogos humanistas sustentam uma concepção da essência
lismo é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e dcLhomem ou, pelo menos, de seu potencial, que vai muito além
de lhe atribuir total responsabilidade da sua existência. E, quan­ da existência do homem de uma forma que o existencialista rigo­
do dizemos que o homem é responsável por si próprio, não que­ roso não poderia aceitar. Os psicólogos humanistas enfatizam
remos dizer que o homem é responsável pela sua restrita indivi­ que o homem é não só responsável pela sua individuação, mas
dualidade, mas que é responsável por todos os homens”. (Sar­ também tem um impulso positivo e a necessidade de fazê-lo. Em
tre, 1947, pág. 20.) Isto é uma doutrina austera e exigente, vez de ser uma criatura orientada para a segurança que busca a
com uma tônica distinta da de alguns proponentes da Psicologia homeostase, a menos que instigada por severas admoestações
Humanista que preferem celebrar a capacidade do homem para existencialistas, tem uma tendência básica para realizar o seu
a alegria e viagens de expansão da consciência. De fato, é extra­
potencial máximo, mesmo quando contrariado por problemas
ordinário que exista tanto otimismo no existencialismo, pois este
internos e oposição externa.
requer que comecemos por enfrentar os duros fatos da nossa
existência aqui-e-agora, como homens “jogados” num planeta sem O humanismo existencial, como orientação psicológica, com­
outro apoio além das nossas próprias e falíveis capacidades. bina aspectos do existencialismo e do humanismo de um modo
Como disse Sartre, estamos “condenados, momento a momento, que reconhece a contribuição de ambas as abordagens, ao mesmo
a inventar o homem” (pág. 28). Também aqui a escolha da tempo que procura evitar algumas de suas limitações. Assim, é
palavra “condenados” parece destacar o fardo e o pessimismo mais afirmativo que boa parte do existencialismo, mas também
da situação do homem, em contraste com a perspectiva huma­ mais cognoscitivo, da fmitude e contingência que acompanham a
nista mais afirmativa de que o homem possui um impulso para auto-realização do homém do que o humanismo centrado no
a auto-realizaçao que o liberta para inventar o homem, em vez otimismo e no crescimento. O humanismo existencial inclui o
de condená-lo. Entretanto, o homem certamente atua, grande reconhecimento do caos, absurdo, contingência, desespero e de­
parte do tempo, como se estivesse condenado e tentasse evadir- samparo do ser humano num mundo em que só ele é responsável
-sè, em vez de ser livre e tentar realizar-se. Sartre responde a pelo seu devir, como quer o existencialismo. Também inclui o
essa acusação de derrotismo afirmando que somente o existen- postuladp humanista de que o homem dispõe de um gigantescp
24 I ntrodução I ntrodução 25

potencial para transformar-se e de um irreprimível impulso para A maioria das conferências foi extensamente reelaborada
experimentar sua plena realização, ao testar os limites desse po­ pelos respectivos autores, em alguns casos, para incluir idéias
tencial contra os obstáculos inerentes na existência. estimuladas pelos períodos de debate. Talvez, nesse sentido, os
membros da assistência possam ser creditados por ter contri­
Quando fala do potencial do homem e de seu impulso para
buído para um fecundo diálogo. Alguns deles sentiram-se frus­
a auto-realização, o psicólogo humanista não se opõe, necessaria­
trados pelo fato de não terem sido incluídos mais encontros como
mente, ao existencialista nem afirma que o homem possui uma parte do programa. Espero que eles encontrem neste livro algu­
essência básica que precede a suá existência. -A essência funda­ mas provas de que a comunicação não foi tão unidirecional
mental do homem ainda está para ser criada a partir de suas quanto eles temiam.
opções existenciais em devir. As tendências para a individuação
devem competir com muitas outras tendências â medida que o O livro avança de capítulos conceptuais gerais para os capí­
tulos sobre pontos de vista existencial-humanísticos relacionados
homem progride para realizar a sua própria natureza. É conce­
com a Educação, a Literatura e o Direito, passando por dois que
bível que o homem possa desenvolver-se de tal modo que perca
tratam de progressos específicos no trabalho com indivíduos e
o seu impulso para a individuação e diminua o seu potencial. grupos; e fecha com um capítulo que focaliza o homem auto-
Atualmente, porém, os psicólogos humanistas parecem estar cer­ -realizador.
tos ao afirmar a realidade da individuação e os psicólogos exis­
tenciais parecem estar igualmente certos ao advertirem que mui­ No Capítulo 1, Charlotte Bühler começa por examinar as
tas escolhas difíceis è saltos arriscados terão de ser feitos antes razões do corrente interesse vital pela Psicologia Existencial-
-Humanista. Recapitula os antecedentes europeus dessas abor­
que se possa dizer que essência ou natureza o homem criará para
dagens, descreve a sua adaptação à cena americana contempo­
si mesmo, a partir de sua existência.
rânea e apresenta casos ilustrativos das tendências humanas bási­
Este livro apresenta o humanismo existencial como tendo cas que a autora considera em ação nas vidas humanas, obser­
sido desenvolvido por vários contribuidores. Seria demasiado vadas em seu curso total.
simples dizer que os autores são todos humanistas existenciais:
Floyd Matson continua a panorâmica geral da Psicologia da
o campo é novo e confuso demais para suportar essa premissa
Terceira Força no Capítulo 2, dedicando particular atenção à
e cada um tem sua identidade própria. Mas, à sua maneira, cada
teoria humanista. Deplora o fato de grande parte da Psicologia
autor oferece idéias que se conjugam, gradualmente, na nova
estudar o comportamento mecanicista e irracional. A Psicologia
Psicologia do humanismo existencial.
Humanista preocupa-se em estudar o processo de ser humano e,
Algumas palavras sobre as alterações efetuadas ao transfor­ ainda mais exclusivamente, dedica-se ao estudo do devir huma­
mar as conferências em capítulos de um livro. O formato foi no. Matson cita a afirmação de Tillich de que devemos encon­
ligeiramente reorganizado para fornecer, creio eu, um fluxo mais trar-nos e envolver-nos com o “outro” a fim de compreendê-lo.
claro de idéias. Originalmente, Charlotte Bühler proferiu duas
Rejeita a ciência da observação desinteressada e da modelação
conferências; uma delas consistiu numa panorâmica geral e a
manipulatíva do comportamento, e propõe que a Psicologia Hu­
outra focalizou a abordagem biográfica da pessoa. Essas seções
manista pode converter-se em poderosa força para a liberdade
foram escritas de novo e combinadas num só capítulo, com uma
psicológica.
transição que faz da segunda parte uma decorrência natural da
primeira. A conferência de Cari Rogers sobre “O Grupo de Com o Cápítulo 3, passamos ao nível humano concreto da
Encontro: Mudança Individual e Organizacional” ( “The En- prática clínica e sentamo-nos com James Bugental quando ele
counter Group: Individual and Organizational Change” ) foi tem um novo paciente à sua frente. The Search for Authenticity
entregue para publicação em outra parte, pelo que tomei a mim a .(1965), do Dr. Bugental, foi uma completa e penetrante explo­
incumbência de escrever um capítulo muito diferente sobre gru­ ração da abordagem existencial-analítica em psicoterapia. No
pos de encontro. capítulo a que nos referimos agora, o Dr. Bugental amplia essa
26 I ntrodução I n t r o d u ç Ão 27

abordagem e fornece uma vívida ilustração do humanismo exis­ nismo existencial; também é uma fonte primária de muito do
tencial num encontro de duas pessoas. que há de novb em Psicologia, tal como é vigorosamente vivido
A minha contribuição pessoal, o Capítulo 4, examina o por personagens verossímeis. A vida imita a arte ou, talvez mais
atualmente popular movimento dos grupos de encontro do ponto exatamente, a arte adianta-se à vida . . . e à Psicologia. Disse
de vista existencial e humanista, e argumenta que, longe de ser Camus: “Se você quer ser filósofo, escreva romances” . De fato,
uma passageira moda, os grupos de encontro constituem, em diz Peyre, quem quiser entender o humanismo existencial deve
sua melhor expressão, um profundo tentame filosófico. Analiso ler romances.
algumas das críticas aos grupos de encontro e adoto a posição A lei é algo com que temos grande contato nestes contur­
de que muitos percalços podem ser evitados se os facilitadores bados tempos atuais. Muitas pessoas que teriam habitualmente
e participantes explorarem mais abertamente seus pressupostos escasso contato com a polícia, os tribunais e a lei em dias mais
sobre a natureza do homem e seus estilos de interação com as calmos, estão hoje experimentando seus primeiros envolvimentos
qualidades existenciais dos grupos. com essas forças. O Capítulo 8, de Christopher Stone, apresen­
Willis Harman está muito empenhado na criação de estra­ ta-nos o Direito como poucos dentre nós o conhecem — uma
tégias educacionais orientadas para o futuro. O Capítulo 5 con­ força complexa e potencialmente humanizante em nossa socie­
tém seus pontos de vista sobre os problemas enfrentados pela dade, atuando através de uma espécie de diálogo para colocar-
educação que promanam da necessidade de mudanças básicas em -nos diante de opções existenciais devidamente elucidadas. O
nossas premissas culturais. A sua análise das decisões existenciais próprio Direito também realiza tais opções ao preencher suas
com que o homem depara, como zelador da sua espécie e do funções como uma das principais vias através da qual o homem
planeta em que habita, lembra a observação de Pogo: “Estamos faz a sua própria natureza. Os juizes e outros agentes da lei
diante de oportunidades intransponíveis”. Harman invoca a assumem riscos existenciais em suas opções para apoiar, permitir,
Filosofia perene de Huxley e sugere que a verdadeira educação restringir ou punir as ações individuais. As opções derivam de
se converta em “A Busca do Centro Divino” . suas concepções sobre a natureza atual e o potencial futuro do
No Capítulo 6, William Richardson assume a provocante homem. O fator de contingência é elevado; eles podem julgar
tarefa de apresentar a teoria existencial, com particular refe­ erroneamente a natureza do homem, seu potencial e as conse­
rência a Heidegger, de um modo que elucida recentes interesses qüências de suas sentenças. Stone ilustra esses pontos com casos
em nossa cultura esquizóide. A qualidade mais notável do e ajuda-nos a ver como o humanismo existencial pode resultar
homem não é, simplesmente, a sua capacidade de raciocínio, dos conflitos e decisões na arena judicial.
como a metafísica vem proclamando desde Aristóteles, mas a Raghavan Iyer, no Capítulo 9, conclui o livro com uma
sua franca disposição para Ser. Nesse sentido, sublinha Richard- análise do homem auto-realizador, desde o ponto de vista filo­
son, Heidegger leva-nos além do humanismo convencional que sófico. Sublinha que um quadro psicológico estritamente contem­
se concentra na humanidade, mas não compreende adequada­ porâneo não é suficiente para compreendermos todas as ramifi­
mente as relações fundamentais da humanidade com o Ser. So­ cações da auto-realização. Os autores clássicos, ocidentais e orien­
mente o homem pode dizer “é”, e somente ele pode determinar tais, forneceram uma valiosa base conceptual sobre os modos
a sua própria existência, descobrindo, criando e comunicando como as ^pessoas crescem. O Professor Iyer deixa-nos com o
quem é. A vontade de habilitar outros a realizarem sua liber­ provocante lembrete de que mal estamos começando a entender
dade e lograrem sua ligação com o Ser é, assim, um compo­ a auto-realização e de que precisamos de toda a ajuda possível
nente básico do amor. tanto do passado clássico como do presente em que vivemos.
As relações especiais de interdependência entre o huma­
nismo existencial e a literatura são desenvolvidas por Henri
Peyre no Capítulo 7. A obra de ficção de Sartre e Camus, por
çxemplo, é muitç mais que um reflçxo do impacto do hum£-
28 In tr o d u ç ã o

Referências

B ugental, J. F. T. The Search for Authenticity. Nova York: Holt, Ri­


nehart & Winston, 1965.
D a v is ,S. “An Organic Problem-solving Method of Organizational Chan­
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sonnel, novembro-dezembro de 1966, 43. 1
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nois: Irwin, 1965.
M ay, R., A n g e l , E., e E l l e n b e r g e r , H . F. (orgs.), Existence. Nova
York: Basic Books, 1958.
U m dos prazeres e privilégios, para mim, de ser psicólogo
Sartre, J. P. Existentialism. Nova York: Philosophical Library, 1947.
em Los Angeles é a oportunidade que me foi propiciada de conhe­
W ebster’s N ew W orld Dictionary. of the American Language. Nova York:
World Publishing Co., 1959. cer a Dr.a Charlotte Bühler. Quando cheguei pela primeira vez
a esta cidade, há 12 anos, ela e seu marido, Karl Bühler, eram
nomes meus conhecidos pela reputação de que gozavam como
psicólogos criativos, autores de importantes contribuições na
área da Psicologia desde a I Guerra Mundial. Em anos recen­
tes, a Dr.a Bühler continuou sua surpreendente produtividade,
inspirando-me e a muitos outros com seu envolvimento pessoal
na cena local e seu envolvimento erudito na comunidade psico­
lógica internacional..
Tendo obtido o seu diploma de Doutor em Filosofia na
Universidade de Munique, Charlotte Bühler tornou-se, de 1928
a 1938, Professora Agregada de Psicologia da Universidade de
Viena e, depois, diretora das Clínicas de Orientação Infantil em
Viena, Londres e Oslo.
Após sua imigração permanente nos Estados Unidos, em
1940, a Dr.a Bühler foi Professora de Psicologia no St. Cathe-
rine College, Minnesota, e Chefe dos Serviços de Psicologia Clí­
nica do Hospital Geral de Minneapolis. De 1945 e 1953 chefiou
os serviços de Psicologia Clínica do Hospital Geral do Condado
de Los Angeles e exerceu o cargo de Professor-Assístente de Clí­
nica Psiquiátrica na Escola de Medicina da Universidade do Sul
da Califórnia. Atualmente, mantém sua clínica particular em
Beverly Hills.
A Dr.a Bühler faz parte da Junta de Diretores da Associação
de Psicologia Humanista, da qual foi presidente do biênio de
1966-67.
30 Charlotte Büh ler

Seus livros foram traduzidos em 12 idiomas e publicou


numerosos artigos e ensaios nos campos da Psicologia do Desen­
volvimento, Psicologia da Vida Humana, Teoria da Personalidade
e Psicologia Clínica. Dois de seus livros mais recentes são espe­
cialmente importantes para o humanismo existencial: Values in
Psychotherapy e The Course of Human Life : A Study of Goals Psicologia Existencial e Humanista:
in the Humanistie Perspective, organizados em colaboração com Respostas a Desafios Contemporâneos
Fred Massarik.
Muito antes do termo tornar-se popular, a Dr.a Bühler
Charlotte Bühler
já era uma psicóloga humanista. Por exemplo, foi pioneira no
uso de material biográfico e autobiográfico nos estudos psicoló­
gicos da pessoa como um todo. No presente capítulo, ela apoia­
sse em sua vasta formação cultural européia e americana para
descrever a sua perspectiva sobre a Psicologia Existencial e Hu­ .A . pós um longo período de orientação predominantemente
manista e a importância de que se reveste para as pessoas que materialista, o pensamento existencial e humanista está tornan­
a Dr.a Bühler tem visto em psicoterapia. do-se hoje cada vez mais importante. Esse movimento encontra
a sua expressão mais vigorosa e, gosto de pensar, sua liderança
As idéias apresentadas neste capítulo foram ampliadas no
e fundamento na moderna Psicologia, a caçula entre as nossas
livro de Charlotte Bühler e Melanie Allen, Introâuction to Hu-
ciências. Este livro sobre psicologia Existencial e Humanista
manistic Psychology (Belmont, Calif.: Brooks/Cole, 1972).
foi planejado a fim de levar ao leitor uma noção palpável —
e um conhecimento — dessas novas tendências ideológicas e
de seu impacto em nossas próprias vidas. Os autores analisam
essas tendências em muitos domínios da atividade humana: as
ciências e as artes, a condução prática dos assuntos humanos
nas esferas social, legal, educacional e administrativa; e, final­
mente, nas áreas desnutridas de nossas necessidades metafísicas,
em nosso pensamento sobre o universo e o possível papel que
desempenhamos no universo.
Eu disse tendências “ideológicas”, o que pode levantar a
suspeita de que se trata de um livro de Filosofia. Ainda que a
nossa intenção seja discutir Psicologia e não Filosofia, não se
pode negar que, subjacentes em toda a nossa pesquisa sobre o
homem, estão certas direções que a nossa mente assume ao sele­
cionar e interpretar os dados que tentamos reunir. Por muito
fatuais e objetivos que sejamos, a enorme complexidade de todos
os fatos força-nos a vê-los em certos quadros de referência e a
organizá-los de acordo com crertas categorias. Esse processo
faz-nos necessariamente seletivos, o que nos leva a enfatizar um
agrupamento de dados em vezr de outro.
Tentarei demonstrar mais adiante até que ponto isso é ver­
dade, quanto comparar sucintamente a interpretação freudiana
32 Charlotte Buhler
R espostas a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 33
/
dos processos de motivação com a humanista, as quais se baseiam
encorajou a ascendência do humanismo sobre a devoção ou a
ambas em provas fatuais e, no entanto, interpretam os dados de
ortodoxia, a moral e a religião.
maneiras diferentes.
Um tipo de paganismo resultou, pois, dessa adulação das
Embora não se negue que uma orientação filosófica está antigas culturas, culminando em nova soltura do comportamento
implícita em nossa busca de conhecimento — como acontece moral, como Bertrand Russell assinalou. As vidas de alguns
enjt qualquer época — este livro, por conseguinte, não se esten­ Papas demonstram pitorescamente o clima moral predominante.
derá sobre o existencialismo e humanismo como filosofias, mas Por outro lado, o pensamento independente não impediu alguns
como eles se fazem presentes na Psicologia ^hodierna. / - humanistas de tentarem uma reconciliação com a Igreja, especial­
A principal finalidade deste capítulo é familiarizar os leito­ mente quando a morte se avizinhava. Tampouco evitou o que
res com o significado da Psicologia Existencial e Humanista e Bertrand Russell chamaria “mergulhos” em toda espécie de
explicar a razão pela qual esses desenvolvimentos parecem res­ “absurdos arcaicos”, como os experimentos astrológicos.
ponder a uma grande necessidade do nosso tempo. Esse propó­ De que modo, exatamente, o movimento humanista do Re­
sito requer um breve resumo das raízes históricas desses dois nascimento se relaciona com o que hoje consideramos o pensa­
movimentos interligados, seguido pela descrição e exemplifica­ mento de orientação humanista nas Ciências Sociais? Creio que
ção de cada um deles em nossos estudos e vidas atuais. a resposta se apresenta do modo mais nítido nas obras de Erasmo
de Roterdã, o mais notável dos primeiros humanistas. Homem
muito religioso, Erasmo também acreditava na liberdade essen­
Antecedentes cial do homem e no poder criador do indivíduo. Assim, diferia
de Martínho Lutero, o qual afirmou que o homem era incapaz
de deixar de pecar, exceto pela graça de Deus. Em Do Livre
Essa nova tendência ideológica da Psicologia moderna e suas Arbítrio , de Erasmo, o grande livro desse período, encontramos
aplicações tem uma longa e ilustre história. E, embora não nos a mesma luta pelo estabelecimento e definição da liberdade inte­
proponhamos aqui a tarefa de descrever os complexos e interes­ rior que os psicólogos de hoje, especialmente nós, os psicote-
santes pormenores dessa história, acho que será útil para a com­ rapeutas, também procuramos representar. Essa liberdade inte­
preensão dos conceitos de existencialismo e humanismo conhe­ rior, que os intelectuais de antanho tentaram descobrir mediante
cer alguns fatos sobre as suas origens e uso através do tem po.1 a leitura de velhos alfarrábios, é uma liberdade que tentamos ago­
Na história antiga, o termo humanismo designava um movi­ ra esclarecer experiencialmente, não através de estudos.
mento real, cujo apogeu ocorreria durante o Renascimento qua­ Paul Oskar Kristeller (1955), um dos mais bem informa­
trocentista na Itália, o qual enfatizava o estudo dos clássicos dos autores sobre esse período, afirma que a orientação para os
gregos e romanos. O movimento foi considerado de “liberdade valores a que hoje se chama “humanistas” foi apenas acidental
no movimento humanista original, que destacava os estudos clás­
de pensamento”, porquanto representava uma ruptura com o sis­
sicos. Entretanto, pergunto a mim própria se essa ênfase sobre
te m a escolástico medieval de pensamento, desenvolvido pelos
os estudos clássicos não seria, simplesmente, a expressão parti­
filósofos da Igreja,
cular da nova e mais fundamental determinação de conquistar
Embora não acarretasse grandes realizações filosóficas, esta­ a liberdade intelectual e de sentir-se livre como ser humano. Pe-
va aberta a porta para o pensamento crítico independente. Por trarca, freqüentemente chamado o “pai do humanismo”, já exal­
exemplo, Nicolau V (1447-1455), o primeiro Papa humanista, tara a “dignidade do homem” . Esses valores de dignidade indi­
vidual, liberdade interior e criatividade existiram, por certo, como
precursores do movimento humanista atual.
1 Manifesto a minha gratidão a Melanie Allen por sua assistência O desenvolvimento do existencialismo tem origens muito
nas pesquisas realizadas para efeitos deste estudo.
mais recentes que o humanismo. O filósofo dinamarquês Kier-
34 C harlotte Büh ler R e spo sta s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 35

kegaard, cujos principais escritos vieram a lume na década de Além disso, destaca a escolha como o principal aspecto da
1840, é geralmente considerado o seu originador. Contudo, vida humana, mas insiste em afirmar que a situação trágica do
Kaufman, em seu livro Existentialism frotn Dostoevsky to Sartre homem não exclui a integridade da escolha, em oposição à depen­
(1956), considera as Memórias do Subterrâneo, de Dostoievsky, dência da utilidade social. De um modo que lembra Shakes-
a melhor abertura para o existencialismo que se escreveu até peare, Sartre diz: “Há situações èm que, seja qual for a escolha
hoje, que façamos, não podemos escapar à culpa.” Os psiçoterapeutas
Uma das características do existencialismo é que cada um contemporâneos reconhecem cada vez mais a freqüência com
dos seus representantes tem seu próprio ponto de vista, e esses que seus pacientes se debatem com a culpa existencial e não
diversos pontos de vista não se concatenam, realmente, numa simplesmente neurótica.
só escola de pensamento, Tudo o que os autores do existencia­ Camus, em seu livro O Estrangeiro (1954), acrescentou a
lismo — um termo criado por Sartre — têm em comum é a esse quadro pessimista a comovente descrição do isolamento de
especulação filosófica em torno da existência humana, em sua um indivíduo. Romances como esse previram o que atualmente
maior parte marcada por uma tendência trágica e carente de encontramos em nóssa vasta experiência com pessoas alienadas.
esperança. A essência é que o homem reflete sua própria expe­ Meursault, o passivo protagonista de O Estrangeiro, passou a
riência, que é tudo o que ele pode ter da realidade. simbolizar a alienação do homem do século XX em relação a
O mundo, diz Kierkegaard, não tem papel algum em ajudar si mesmo e aos outros.
o homem a estabelecer a sua “condição humana”. Essa condi­ Em resumo, nesta breve panorâmica vimos os existencia­
ção é uma imprescindibiíidade que requer escolha e decisão. A listas preocupados com a nossa condição humana como tal, con-
ética não é questão de ver, mas de tomar uma decisão. Sinto cebendo-a, predominantemente, em termos trágicos ou absurdos.
medo, diz ele, no aturdimento da minha liberdade; e a minha Vemos Sartre tentar a reconciliação de si mesmo com o nosso
escolha é feita com temor e tremor. destino humano ou, melhor dito, fazer-lhe frente com coragem
Parece-me que essa ênfase sobre a ética e a 'escolha é o que e integridade.
leva Heidegger a repudiar Kierkegaard como autor meramente Autores americanos recentes mostram-se perturbados diante
religioso, Heidegger foi fortemente influenciado por Nietzsche da preocupação dos pensadores existenciais com o temor, a angús­
e Jaspers, e os três são considerados os fundadores da Filosofia tia, o desespero e a “náusea” (por exemplo, ver Rollo May,
Existencial, por eles concebida como uma interpretação do Ser. 1961). Consideram essa postura mais européia do que ameri­
Destacam as limitações da ciência como um modo de conheci­ cana. Maslow observou que os pacientes americanos podem
mento. Heidegger interessava-se pela “ontologia fundamental” sofrer tão profundamente e estar tão angustiados por suas vidas
— isto é, o estudo do nosso Ser enquanto Ser — e esperava insípidas e vazias quanto os pacientes europeus, mas que a ênfase
penetrar na essência do Ser-mesmo. Tentou analisar a existên­ sobre a resignação, a aceitação — até mesmo a “coragem de
cia do homem, o fato de nos encontrarmos “lançados” na exis­ ser”, de Paul Tillich, ou a aceitação de responsabilidade e a
tência. E perguntou: “Por que é que existe o Ser e não o busca de significado no sofrimento, de Viktor Frankl —■ parece
nada, o não-Ser?” mais européia que americana.
Sartre, de certo modo o arauto do existencialismo, reapro- No passado, os americanos alimentaram sempre considerá­
xima-nos de Kierkegaard ao retornar à condiçãó humana e ao vel dose de otimismo a respeito da vida e quiseram sempre
absurdo e trágico fato de que devemos tomar compromissos e sentir que podem superar quaisquer dificuldades. Além disso,
decisões sem um conhecimento adequado de suas conseqüências provaram, em certos aspectos, ser capazes de realizar o que mui­
para nós próprios e os outros. Diferindo dos outros pensadores tas vezes parecia quase impossível. Sua perspectiva mais oti-
anteriormente citados, Sartre considera que seus escritos são Psi­ ymista sobre a natureza humana coloca-os mais perto dos huma­
cologia. Examina o desespero, a decisão, o temor e a auto-suges- nistas que dos existencialistas. Aí está uma das mais signifi­
tão enquanto baseados na experiência. cativas diferenças anteriores entre as duas escolas. Homens
R espo sta s a D e s a f io s Co n t e m p o r â n e o s 37
36 C h arlotte Bü h l e r

por essas novas Filosofias se desenvolvesse, pura e simplesmente,


como Erasmo acreditavam no “livre arbítrio” como poder cria­
porque as pessoas estão hoje mais ávidas do que em épocas
dor; ele considerou a capacidade de escolha o maior privilégio e
pretéritas por encontrar um caminho para sua melhor individua­
potencial da criatura humana. Por outro lado, homens como
ção, maiór autocompreensão, vidas mais plenamente realizadas
Kierkegaard e Sartre, sentem temor e vêem o absurdo que existe
e crenças mais cientificamente fundamentadas. Acredito, pelo
em sermos forçados a fazer escolhas, quando realmente não pos­
contrário, que uma grande parte do interesse decorre do predo­
suímos conhecimento algum da realidade de nossa existência,
mínio, sobretudo na juventude de hoje, de mais ansiedade e até
É também nesse ponto, evidentemente, que os psicotera- mais desespero do que era perceptível em gerações anteriores,
peutas modernos criam algumas das experiências mais cruciais
Ainda recordo as minhas primeiras visitas aos Estados Uni­
com seus pacientes. Os terapeutas perguntam-se: Poderemos
dos, e como me foi dito por colegas americanos, quando analisei
ajudar pessoas neuróticas a desenvolver a capacidade de experi­
e discuti diários de adolescentes como reveladores de sofrimen­
mentarem uma liberdade íntima de escolha e a experimentarem
tos adolescentes, que esse tipo de introversão era europeu. Os
essa capacidade como concretização de potencialidades, em vez
jovens americanos (tal como me foram descritos, por exemplo,
de uma responsabilidade assustadora, assumida com temor e
pela Dr.a Leta Hollingworth, especialista em adolescência) são
tremor em face de conseqüências desconhecidas?
extrovertidos e felizes, E foi com assombro que eu, vivendo
Outra ilustração da perspectiva otimista americana sobre então como estudante numa Casa Internacional, ouvi os esfu-
a existência humana, em comparação com a dos escritores euro­ siantes relatos de universitários que tinham estado nesta ou
peus, encontra-se no comentário de Allport sobre as obras de naquela festa e as achavam todas maravilhosas. Nós, em Viena,
Maslow. Este enfatiza a capacidade da pessoa sadia para sèntir tínhamos freqüentemente achado que tais festas eram demasiado
a escolha, a responsabilidade e o futuro como aspectos positivos superficiais e vazias para satisfazer as nossas necessidades inte­
de sua vida. Maslow, diz Allport (1961), vê o existencialismo riores de comunicação e compreensão, Agora, tantos anos depois,
como aprofundamento dos conceitos que definem a condição estou ouvindo nos Estados Unidos queixas semelhantes por parte
humana. Ao fazê-lo, o existencialismo “prepara ao caminho (pela da juventude.
primeira vez) para uma psicologia da humanidade” . “Na casa onde vivo há festas e reuniões freqüentes”, diz
Este ponto é verdadeiro, E, como gosto de acrescentar, há Betty, “e encontro-me com toda essa gente, a coisa é divertida,
nos americanos a tendência para confiar mais num propósito sim; mas desejaria encontrar alguém que me entendesse e me
construtivo no universo do que os existencialistas franceses ajudasse em minha solidão.”
expressaram. Colin "Wilson (1967) enunciou alguns argumen­ Isso significa um novo estado de espírito, comparado com
tos importantes a respeito de nossas necessidades metafísicas. o tempo em que “diversão” era tudo o que as pessoas busca­
Referiu-se ao fato do nosso sentimento de propósito ou intenção vam. Existe agora uma introversão anteriormente desconhecida,
só poder existir se aceitarmos primeiro o pressuposto de que uma expressão de infelicidade, desespero e absurdo, Como expli­
“existe um padrão de valores externo à consciência humana, tal car essa reviravolta? Um certo numero de' fatos levou a esse
como se reflete no cotidiano”. Pessoalmente, penso que se desenvolvimento. A'eclosão da II Guerra Mundial destruiu as
pode explorar ainda mais os argumentos em favor de um propó­ esperanças ingênuas dos que esperavam que a I Guerra Mundial
sito construtivo no universo, recorrendo inclusive a considera­ acabasse de uma vez para sempre com as guerras. Evadindo-se
ções perfeitamente científicas que envolvem a Física moderna. do manicômio que era a sociedade hitlerista, psicólogos como
Karen Horney e Erich Fromm chegaram aos Estados Unidos
Crise e Resposta dizendo: “Como poderemos confiar na sociedade?” Contraímos
sérias dúvidas sobre o progresso moral da espécie humana,- temor
da bomba atôpica e medo da autodestruição da humanidade,
Embora possam existir bases para todo esse otimismo,
ainda não acredito que o atual interesse generalizado e intenso descrita de forma tão realista por Neyil Shute em On the fieacb
38 Charlotte Büh ler R espo sta s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 39

(1957). Depois vieram a Coréia e o Vietnã, mais guerra e velha, que toleram ou até defendem tais padrões. Sentindo-se
mais juventude sacrificada. A seguir, negros enfurecidos come­ impotente em sua oposição e alienada daqueles que pertencem à
çaram, finalmente, a levantar a cabeça e surgiram na América sociedade estabelecida e institucionalizada, essa facção do grupo
flagrantes tensões e disputas raciais. Revelações chocantes foram rebelde prefere afastar-se e segregar-se, amiúde em colônias semi-
feitas sobre a grande proporção de pobreza nessa sociedade primitivas próprias. O movimento hippie da década de 1960
afluente. Todos esses acontecimentos fizeram a juventude duvi­ atraiu os jovens que rejeitavam os sistemas educacionais vigentes,
dar dos valores e da moralidade tradicionais e ver apenas hipo­ que lhes pareciam irrelevantes, assim como uma sociedade mate­
crisia no que a geração mais velha proclamava como valores. rialista que consideravam dominada pelo complexo militar-indus-
Além disso, surgiram dúvidas religiosas, em conseqüência das trial. Preferiam uma vida mais simples, sustentada por ocupa­
descobertas científicas, dúvidas sobre os dogmas e pregações da ções como o artesanato e o cultivo da terra, ou viajavam para
Igreja, somadas à perturbadora interrogação: “Existe um desíg­ lugares distantes com a vaga esperança de encontrar sua plena
nio no Universo?” A isto responderam alguns escritores: “Não realização na sabedoria do Oriente ou nas grutas de Salonica.
existe. Deus está morto.” Também buscaram cada vez mais, é claro, obter satisfação atra­
Os sentimentos dos jovens e também as interrogações de vés das drogas, que eles acreditavam ampliar sua percepção além
adultos mais profundos em suas meditações foram sacudidos e das fronteiras da consciência e fazê-los sentir mais vivos. Con­
expressos em termos tais como: Qual é o significado de tudo? tudo, esse grupo de jovens alienados sofria as conseqüências da
Quem somos nós, quem sou eu? Qual o modo certo de viver? indecisão de rumos, da confusão ideológica.
Muito além da adolescência, essas interrogações incomodavam as Embora a facção precedente seja mais ou menos confusa
pessoas, provocavam confusão e despertavam-nas para idéias e em suas perspectivas e algo passiva em sua atitude perante a
pensamentos completamente novos. Reagiram de múltiplas ma­ sociedade, outra facção da juventude rebelde é agressiva e luta
neiras a esses problemas e essas interrogações. Essas reações por reformas. Esse grupo possui idéias e convicções mais ou
parecem conglomerar-se em muitos grupos diferentes, entre os menos definidas, as quais podem ser políticas na acepção mais
quais encontraremos diversos graus de afinidade com o movi­ específica da palavra ou girar em torno da liberdade e dos direi­
mento humanista. tos humanos, num sentido mais genérico. E, nesta última ver­
Em ppmeiro lugar, há aqueles em quem as tradições e são, aproximam-se mais, ainda que através de programas irrea­
valores estao enraizados profundamente demais para admitirem listas, da Filosofia Humariista do que qualquer dos outros gru­
revisões. Essas pessoas e grupos conservadores aderem às suas pos previamente mencionados.
convicções e aos seus modos estabelecidos e herdados de pensar
Numa duvidosa relação com o pensamento humanista, acho,
e viver. Apóiam as opiniões conservadoras na política, educa­
pessoalmente, outro grupo de contestadores cujos participantes
ção, religião e vida corrente. É em confronto com esses grupos
não são apenas jovens, mas pessoas de todos os grupos etários,
e pessoas que grande parte dos jovens sente o chamado “conflito
incluindo profissionais liberais. Esse grupo de protesto proclama
de gerações” —• o generation gap. Algumas dessas pessoas
a libertação da escravidão dos tabus tradicionais, sob o estan­
fecham-se rigidamente a qualquer conscientização dós proble­
darte da criatividade e da autenticidade de sentimentos. Alguns
mas que surgiram, esperando que, de um modo ou de outro,
membros podem explorar a liberdade sexual, novas abordagens
os velhos rumos provem ser duradouros. da intimidade físick e sensações corporais, fruição sensual e auto-
Existem, depois, os grupos rebeldes. Encontramos aqui -expressão física. Alguns também se entregam a experimentos
numerosas facções diferentes. Uma facção consiste naqueles cuja no uso de drogas, pois acreditam que estas aumentám a consciên­
rebelião é predominantemente negativa, na medida em que igno­ cia e sensibilidade perceptuais e intensificam a sensação de estar
ram que novos valores querem abraçar, em vez dos antigos. vivo. O filme Bob & Carol & Ted & Alice apresentou uma de­
Rejeitam simplesmente a sociedade tal como é, condenando a núncia bem-humorada, mas algo profunda, dos modos como esse
hipocrisia e os preconceitos do Establishment e da geração mais grupo explora, por vezes, de maneira canhestra e superficial,
40 Charlotte Büh ler R espo stas a D e s a f io s Co ntem po râneo s 41

a sua pseudoliberdade. Alice’s Restaurant é outro filme que Atualmente, quando toda sorte de revoltas se manifesta
revela as confusas bem-aventuranças dos novos padrões de vida. em campo aberto e influi na sociedade através dos ativistas, é
Entre algumas atraentes cenas de vida comunitária e liberdade, quase impossível conseguir-se uma visão objetiva e global. Psi­
ocorrem erupções trágicas, como a morte pelas drogas, a promis­ cólogos de muitos tipos diferentes estão procurando meios de
cuidade adolescente e a alienação no seio de festividades. expressar o seu crescente sentimento de co-responsabilidade pelo
bem-estar das comunidades. Alguns procuram ajudar com ser­
Uma vigorosa expressão dos aspectos deprimentes desse viços gratuitos para as classes econômica e racialmente desprivi-
movimento é apresentada no musical Hair que, apesar de sua legiadas, por exemplo, através de clínicas gratuitas. Um dos
interessante e excitante música, oferece-nos uma história triste. movimentos educacionais de maior êxito, o Head Start , está sob
Por exemplo, numa cena, no meio -de uma compacta multidão liderança psicológica.
que proclama o amor como seu credo, vemos Jeanie, a moça grá­ Os psicólogos, não obstante, encontram-se intensamente
vida que necessita de ternura e carinhos mais do que qualquer divididos no que se refere à avaliação e manipulação das várias
outra pessoa, andar à toa como uma alma perdida, sem que expressões de rebeldia. S. I. Hayakawa, um dos patrocinadores
alguém lhe preste atenção. Noutro ponto, ouvimos a multidão da fundação da Associação de Psicologia Humanista, dominou
exortar Sheila, a estrela, que realmente ama Berger, a não se com firmeza a rebelião de 1968 no Colégio Estadual de São
prender a ele, mas deixar que qualquer um a ame. Francisco da Califórnia. Em contrapartida, Sidney Jourard, tam­
Vários especialistas psicológicos adotaram diferentes pon­ bém co-fundador da APH, expressou a sua aprovação do uso
tos de vista a respeito dessas tendências rebeldes. Por exemplo, de drogas psicodélicas pelos jovens. Considerou “o uso de drogas
Bruno Bettelheim (1969) atribui a culpa aos pais americanos, psicodélicas uma forma de protesto contra a rigidez do status
que não souberam dar à juventude de hoje o equipamento emo­ quo . . . uma declaração de que os padrões de vida ( tal como
cional necessário para se engajarem em movimentos de pro­ são definidos pelas leis, os costumes e os líderes institucionais)
testo racional e construtivo. Contudo, esse ponto de vista parece obstruem o crescimento, frustram a experiência e engendram o
ser uma simplificação quando se considera a crise cultural que o tédio, a ira ou desesperança” (Jourard, 1968).
impregnou toda a civilização ocidental. A minha opinião pessoal é que o uso de drogas constitui
Acredito que o que está acontecendo hoje promana de uma uma forma de protesto e de busca infeliz, estéril e perigosa para
crise iniciada na Europa antes da I Guerra Mundial, quando os a saúde, tendo muito pouco a ver com a Psicologia Existencial
jovens europeus, como os “Wandervögel” e “ Pfadfinders” ale­ ou Humanista. Esta opinião é compartilhada por, entre outros,
mães, combateram a hipocrisia da geração mais velha, os pra- Stanley Krippner, um dos estudiosos mais bem informados sobre
zeres frívolos do que nos Estados Unidos se chamou “the Gay drogas e as teorias de percepção ampliada (1968) e Floyd Mat-
Nineties” . Esses jovens criticavam o militarismo jactancioso do son, um dos colaboradores deste volume.
Kaiser e escreviam poemas e diários repletos de “tédio” ( W elt­ Um ponto de vista mais profundo é adotado por Rollo May
schmerz)I e anseios de um mundo melhor. Movimentos seme­ no seu livro Love and W ill (1968) [publicado no Brasil com
lhantes surgiram na Rússia e outros países. Entre o s . muitos o título de Eros e Repressão]. Considera “uma grosseira e des­
escritores para quem os jovens rebeldes se voltavam nesses tem­ trutiva simplificação supor que os problemas psicológicos surgem
pos estavam Karl Marx e Hermann Hesse. Hoje, muitos anos todos desligados”, mas acredita que eles expressam “algo de
depois, assistimos à continuação dessa inquieta busca e contes­ importante que está acontecendo em níveis inconscientes e inar-
tação, quando tantos jovens se entregam às idéias de Herbert ticulados, e que se esforça portganhar expressão”. May refere-se
Marcuse e à redescoberta de Hesse. Na primeira metade deste ao nosso, mundo como um “mundo esquizóide” onde tem lugar
século, a juventude rebelde não estava organizada nem era sufi­ tal despersonalização que incapacita as pessoas para o amor ver­
cientemente numerosa para influir no curso da história. Cresce­ dadeiro e as habilita, por outro lado, a presenciar um homicídio
ram e adaptaram-se à sociedade em que viviam, até à hitlerista, sem pestanejar, a manter a calma em todas as situações, a pra­
ou a sua rebelião manteve-se latente................... ticar o sexo sem sentimento e a colocar excessiva ênfase na habi-
42 Charlotte Büh ler R espo sta s a D e s a f io s Contem po râneo s 43

Iidade para produzir um orgasmo. As pessoas que crescem e se [Estou indo para Berkeley/para encontrar alguns amigos/algo em que acre­
ditar/por algum tempo, pelo menos/Para fazer o que me der na veneta/
movimentam nesse despersonalizado mundo moderno buscam Vestir-me da maneira que quiser/sentir-me parte da Revolução/(quer haja
desesperadamente uma identidade pessoal e algo em que acre­ uma ou não)/tantas coisas em que acreditar/tantos caminhos por onde
ditar. Mas não é simples para os seguidores dessas novas liber­ enveredar/Ah — mas estou dilacerada nas costuras/e o mesmo acontece
dades serem felizes, realizados, e muitos deles sentem-se irreme­ com esta cena/Despedaçada em estilhaços/de triunfante “faz-de-conta”/A s­
sim se abandona uma cena/troca-se por outra/em outro país ou outra cída-
diavelmente perdidos. de/M as sempre vera a dar na mesma coisa antiga/o Sistema está podre
G poema que se segue, de autoria de uma jovem estudante, — mas eu também/E, finalmente — no fim de tudo/Acaba-se por ver/Que
expressa alguns desses sentimentos: os sistemas não estão onde a gente está/E você diz — O. K. — ou oh,
não — merda/E a coisa toda que se dane/E vamos estender-nos na praia
— /M as se a gente se preocupa/e isso acontece porque ainda aqui esta­
I ’m going to Berkeley mos /Então rimo-nos era frouxos sem sentido/Acendemos fogueiras sem
to find some friends fósforos/Cobrimos o corpo de cínzas/E fazemos uma viagem — para lá
something to believe in — e de volta aqui — a parte nenhuma/E nunca se enfrenta o escân­
for a while at least again dalo/de nada haver que possamos controlar/porque tudo — movendo-se
To do my own thing à velocidade da luz/é tão gigantesco — tão distante/E não se pode voltar
dress the way I want para casa/E não se pode realmente ficar aqui/E algures no nosso íntimo
feel a part of the Revolution — acreditamos realmente/que deve existir um sentido — algures.]
( whether there is one or not)
so many things to believe in
so many ways to turn Considero que os jovens que discutem estas questões com
Ah — but I am apart at the seams os adultos constituem um terceiro e construtivo grupo. Em
and so is this scene contraste com os grupos rigidamente conservadores e os grupos
Split into splinters
of triumphant “make-believe’’
rebeldes que passam aos atos, esses jovens construtivos vêem
So you leave one scene a necessidade de aperfeiçoamentos em nossa existência pessoal
exchange it for another e social, e tentam-formular novas soluções com a ajuda de pes­
in another country or another city soas mais velhas em quem confiam. Querem ajuda para encon­
But it always comes down to the same old thing
the System is rotten — but so am I
trar valores e crenças mais profundos e mais válidos; querem
And finally — at the end of it all assistência para libertar sua criatividade e expressar suas melho­
You come round to see res potencialidades; são os veículos da Psicologia Humanista
That systems arenft where it's at para o seu futuro.
And you say — O . K . — or — oh no — shit
And fuck the whole thing O difícil problema enfrentado pelos adultos que poderiam
and go lie on the beach — desejar servir de líderes, guias ou modelos é que eles não.podem
But if you care at all afirmar coisa alguma aos jovens com segurança e certeza do que
and you do because you're still here
Then you laugh in meaningless patches
dizem. Não só os pais, mas toda pessoa, todo. ser pensante,
Light fires without matches devem reavaliar agora os seus conceitos de existência como
cover your body with ashes humanos e sua orientação ao dirigirem-se a si mesmos e a outros
and take 'a trip — to there — and back to here — nowhere que buscam a sua ajuda e conselho. E a essência do problema
. And you never face the scandal
that there’s nothing you can handle
central de nosso tempo e cultura resume-se nesta interrogação:
because everything — moving at the speed of light Quem pode explicar o quê a quem?
is so huge — so far away
And you can't go home again Novas Abordagens da Psicologia Humanista
and you cant't really stay here
And somewhere in you — you really believe
there must be a meaning — somewhere.
É neste ponto que a Psicologia Humanista oferece algu­
mas novas abordagens para esses problemas do nosso tempo, em
— M a rg a r e t L ev e r s particular as crises da juventude.
44 Ch arlotte Büh ler R espo st a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 45

A Busca de Valores. Em primeiro lugar, e da maior impor­ “solícito” e caracterizado pela troca de idéias e mútuas suges­
tância, a busca de valores é considerada, na Psicologia Huma­ tões, assim como a enfrentar diretamente questões de valores e
nista, uma necessidade inerente à pessoa humana, Essa busca metas pessoais. Tem uma relação de pessoa a pessoa com o seu
recebe suas diretrizes do eu cõmo sistema nuclear central, pre­ paciente, revelando-se, portanto, tal como é. Pesquisas recentes
sente desde o começo da vida do indivíduo. Nessa teoria, existe sobre os fatores associados ao êxito psicoterapêutico mostraram
uma diferença decisiva em relação à Psicanálise, na medida em a crucial importância da personalidade e sinceridade do terapeuta
que esta considerou a busca de valores ura objetivo secundário, como ser humano (Truax e Carkhuff, 1964).
uma meta perseguida sob a pressão da sociedade somente quando
os impulsos do indivíduo não puderam ser satisfeitos. Os psicó­ Um dos principais objetivos do terapeuta humanista é aju­
logos humanistas concorrem em postular a natureza primária dar o paciente a descobrir-se, descobrir o que quer da vida,
da busca de valores. Por outras palavras, partem do princípio descobrir os seus melhores potenciais. O terapeuta não lhe dirá
de que o eu mais recôndito, mais central, do indivíduo pode des­ o que fazer ou onde ir. O terapeuta acredita na liberdade de
cobrir que a busca de certos valores promove o desenvolvimento escolha do pacientei/uma vez liberto de suas fixações neuróticas;
de suas próprias potencialidades — isto é, a realização de suas e também acredita na existência de um potencial criador em cada
capacidades e necessidades mais profundas. Esses fatores dife­ ser humano. Em resposta a questões sobre os modos apropriados
rem em indivíduos distintos por causa das inclinações e recursos e satisfatórios de viver, ou uma interpretação do nosso papel
de cada um. Na. descoberta de suas potencialidades, um indiví­ no universo, os psicólogos atuais podem, por vezes, oferecer
duo poderá necessitar de- ajuda e é aí que o psicoterapeuta huma­ conjeturalmente suas interpretações pessoais, Têm, contudo, o
nista entra em cena. cuidado de enfatizar a natureza conjetural de suas idéias e não
esperam, em absoluto, que um paciente seja meramente um
A psicoterápia, como recurso moderno de crescimento pes­ seguidor. O terapeuta deve também pesar cuidadosamente o
soal, tem tido um tremendo progresso e expansão. Hoje em momento oportuno em que expressará suas opiniões a respeito
dia, os terapeutas e seus pacientes sabem que as pessoas neces­ da capacidade do paciente para avaliar o que quer e o que é.
sitam de assistência para se dirigirem no sentido de metas sadias
e apropriadas na vida. Assim, não estamos trabalhando apenas Enfoque sobre as Relações. O principal valor humanista
com a neurose, mas também, ainda mais, com o problema do geralmente reconhecido em nossos dias é a busca laboriosa de
significado e propósito adequados da vida. Necessitamos de uma melhores relações humanas. Para alguns, esse valor está combi­
nova imagem do homem. i nado com o pensamento metafísico modernizado sobre um pro­
“O que está certo?”, perguntou uma das minhas pacientes pósito esperançosamente construtivo no universo e o papel da
de 30 anos (chamemos-lhe Marie) do grupo de terapia a que existência humana nesse mesmo universo. Para outros, trata-se
ela pertencia, “Devemos querer todos ser pessoas casadas? Será mais da elaboração de uma reforma sociopolítica. Existem mui­
esse, forçosamente, o modo certo de viver?” tos jovens, assim como pessoas mais velhas, cuja reação à hipo­
É clarò, Marie sabe que tem uma fixação a respeito de sexo. crisia e à alienação constitui um desejo de ajudar os indivíduos
Mas, enquanto trabalhava em seu problema, ela também ques­ a alcançar melhor compreensão e sentimento mútuo de comu­
tionou a direção certa a tomar se uma pessoa quiser viver apro­ nidade. Este foi o tema comoventemente expresso pelo traba­
priadamente. O que é certo? Sabemos? lhador Yefrim Poduyev no romance de Alexander Soljenitzin,
Pavilhão de Cancerosos (1968). Poduyev, um homem simples,
O papel do psicoterapeuta é hoje completamente diferente
tinha trabalhado e amealhado arduamente a vida inteira. Jamais
do papel desempenhado outrora pelo psicanalista. O psicote­
estivera doente nem por um só día, mas vê-se agora confinado
rapeuta moderno não é uma autoridade indiscutível que se senta
num pavilhão para cancerosos, confuso sobre o significado da
numa torre de marfim. Não é uma figura sobranceira que con­
vida e tudo o mais. Poduyev também nunca lera um livro;
sidera os valores subprodutos neuróticos de superegos hipersocia-
depara, por acaso, com um pequeno volume em que havia um
lizados. Pelo contrário, está disposto a participar num encontro
artigo cujo título era a seguinte pergunta: “O que impele as
46 C h a r l o t te Bü h l è r R e spo st a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 47

pessoas a viver?” O que impele as pessoas a viver?, pergunta claro dos modos mais adequados de viver. Quais são, exata­
o pobre homem a si mesmo e aos outros pacientes do pavilhão. mente, as principais características do indivíduo sadio, apropria­
Uns dizem que as rações, outros o salário, ainda outros o seu do, os modos convincentes de viver da pessoa comum em sua
negócio. Essas eram as idéias que também ele tivera. Mas não. existência cotidiana, com seus dotes e deficiências, seus proble­
Poduyev leu o livro e Tolstói diz-lhe: “As pessoas vivem pelo mas e conflitos, objetivos e satisfações? Existirá algo a que
amor”. possamos chamar um todo apropriado do curso vital de uma
pessoa? Como poderemos determiná-lo? Em que espécie de
A Abordagem Biográfica. Infelizmente, só no final de sua modelo poderemos apreender esse tipo de biografia e descrevê-la
vida é que Poduyev fez essa interrogação vital: O que impele de modo a enxergar-se realmente o todo, a compreender sua
as pessoas a viver? A Psicologia Humanista, especialmente atra­ natureza, seus procedimentos, metas e significados?
vés do estudo de todo o curso da vida humana, procura ajudar
as pessoas a formularem e responderem a essa questão ao longo Existem, é claro, milhares de biografias, assim como histó­
de suas vidas, de modo que não deparem subitamente com ela ricos de casos em que vidas são descritas e interpretadas. Tam­
quando o tempo está prestes a esgotar-se. Como afirma o exis­ bém dispomos de numerosos modelos de acordo com os quais
tencialismo, a natureza do homem consiste em criar a sua pró­ os dados podem ser agrupados e classificados em categorias, de
pria natureza e a melhor forma de ver esse processo em ação modo a obter-se uma noção correta dos propósitos de uma
é através do estudo pormenorizado dos indivíduos ao realizarem pessoa.
escolhas existenciais concretas em vários pontos de suas exis­ O que queremos dizer com os propósitos de uma pessoa?
tências. Assim, a abordagem biográfica constitui um método Referimo-nos ao fato de que, para toda e qualquer pessoa, certas
fundamentalmente importante na Psicologia Humanista e Exis­ coisas parecem importar mais do que outras. E o que significa
tencial. importar? Significa haver certas coisas que a pessoa almeja mais
O que se entende por abordagem biográfica, è por que é do que outras; que, persistentemente ou de forma errática, a
significativa nesse contexto? Entendemos por abordagem bio­ pessoa comporta-se de um modo que mostra -'estar pretendendo
alguma coisa ou disposta a conseguir alguma coisa. As pessoas
gráfica o estudo psicológico de biografias. Essas histórias de
têm metas, a curto ou a longo prazo, racionais ou irracionais,
vidas podem ser encontradas na forma de biografias publicadas,
construtivas, fúteis ou até destrutivas. Na verdade, deparamos
autobiografias, diários ou memórias; ou podem basear-se em
com pessoas para quem nada parece importar. Parecem errar
entrevistas psicoterapêuticas ou de psicodiagnóstico. Também
na vida ao sabor do acaso, fazer agora isto, logo aquilo, sem
podem resultar de estudos de desenvolvimento em longitude, se
um rumo determinado. É possível que tais pessoas sintam estar
tais estudos forem preparados no sentido de uma recapitulação
prestes a soçobrar, sintam estar na iminência de naufragar, por­
geral da pessoa como um todo.
que reconhecem, em seu íntimo, que deveriam fazer algo com
Esse é o ponto que nos importa — a compreensão da pes­ um rumo certo, algo com uma meta definida. Deveriam —r
soa como um todo. Por quê? A principal razão psicológica é em que sentido? Quem lhes vai dizer qual o rumo certo ou a
que só se conhecermos mais sobre a pessoa como um todo é meta? O “dever” é o que algumas pessoas sentem em si mes­
que poderemos conhecer mais sobre o modo como os seres huma- mas, uma sensação de “desperdício” por não possuírem alguma
' nos vivem suas vidas. meta. Outras pessoas também sentem que costumavam ter uma
Isso é alguma novidade?, poderão perguntar. As Ciências meta e que isso foi um desperdício, porque era a meta “errada”.
Sociais não tentaram sempre isso, exatamente: estudar as vidas Errada — em que sentido? Reverteremos adiante a esta ques­
humanas — na História, Literatura, Sociologia, Antropologia, tão de “erro” .
Assistência Social e, especialmente, em Psicologia? Indaguemos primeiro, entretanto, como as coisas permane­
Sim, é claro que sim. Mas parece que, apesar de todos os cem coesas para aqueles que sabem o que estão fazendo e sabem
seus estudos, ainda não possuímos um quadro suficientemente o que querem. Como ê que tudo se apresenta coeso e o que
R e s po st a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 49
48 C h arlo tte Bü h l e r
julgam capaz de fornecer um quadro adequado do que é que
significa isso? Existirão metas totais e fundamentais? Serão preocupa, fundamentalmente, os seres humanos.
aplicáveis a todos ou apenas a alguns? E haverá uma fórmula Em minha opinião, a crítica científica mais convincente foi
que nos ajude a conceptualizar esse todo? a do neurofisiologista Kurt Goldstein (1939), o qual analisou
Freud forneceu um tipo de conceptualização para as vidas em detalhe o fato de só a pessoa doente estar procurando cons­
que observava em seu trabalho psiquiátrico. A sua teoria foi tantemente obter a descarga de tensão, ao passo que a pessoa
que todos os seres humanos querem, primordialmente, satisfazer sadia suporta de bom grado certas quantidades de tensão no
seus impulsos; e então, se forem contrariados nessa pretensão e interesse de outras metas completamente distintas. Goldstein
se forem capazes de resignar-se às frustrações, aceitarão as nega­ chamou a essas outras metas o interesse da pessoa em sua auto-
tivas da realidade e as exigências da sociedade, tal como lhes são -realizaçao ( self-actualization).
impostas por seus pais. E farão tudo isso porque, indiretamente, Esse conceito foi adotado por Maslow (1954). Em estudos
lhes acarretará alguma satisfação. Se as pessoas os aceitarem e de pessoas sadias, ele demonstrou que o principal interesse des­
amarem por causa de seu conformismo, isso lhes devolverá, indi­ sas pessoas residia em tornarem-se criadoramente ativas no mun­
retamente, aquele prazer de amor que esses indivíduos almejam do e que a sua auto-realização criadora ( a que Maslow chamaria
obter em primeiro lugar. individuação) era a meta que mais lhes importava. No mesmo
Prazer e amor, é claro, significam muitas coisas em todos período, as décadas de 1940 e 1950, Karen Horney e Erich
esses casos, a começar pelo1prazer da amamentação e terminando, Fromm apresentavam argumentos psicológicos contra a teoria da
por exemplo, com o comprimento de obrigações para agradar e homeostase e consideravam o autodesenvolvimento a meta huma­
a satisfação por fazê-lo. na básica, uma ligeira variação do conceito de auto-realização.
Em meus próprios escritos, expressei a opinião de que a
Essa teoria psicanalítica original, depois de ter sido criti­
homeostase não é meta nenhuma, apenas uma confortável base
cada por muitos dos sucessores e discípulos de Freud, foi modi­
de funcionamento, e que a meta real da vida dos seres humanos
ficada e reformulada numa versão mais científica, a saber: Todo
é aquilo a que chamei realização, a qual eles esperam alcançar
esforço humano possui uma tendência básica — no sentido da
pelas várias coisas que realizam em si mesmos e no mundo exte­
recuperação do equilíbrio continuamente perdido no processo
rior. A partir de 1933, tentei demonstrar essa tendência para
de viver. Esta é a teoria da homeostase, hoje largamente aceita,
a realização por meio de biografias.
sendo homeostase a palavra grega que significa equilíbrio. O
pressuposto básico é que o indivíduo at|ia sempre para recuperar Algumas excelentes pesquisas sobre pessoas criativas (por
ou manter o seu equilíbrio interno, quer por meio da satisfação exemplo, Barron, 1963; Eiduson, 1962) mostraram, entremen­
de impulsos perseguida pelo que Freud chamou o id de uma tes, que essas pessoas não só não evitam as dificuldades, mas
pessoa, ou por meio da adaptação à realidade pelo que Freud também buscam problemas complexos que exijam esforço para
chamou o ego, ou por meio da aceitação das exigências e impo­ a sua solução. Por conseguinte, um certo montante de esforço
sições da sociedade através do que Freud chamou o superego , é interessante para elas. Essa tensão criadora difere da tensão
aliás, consciência. A principal ilação a aduzir disso é que um resultante da pura frustração, mas, de qualquer modo, não deixa
ser humano necessita de equilíbrio, mais do que de qualquer de ser também uma tensão.
outra coisa. E esse equilíbrio, ou homeostase, só é alcançado Também se descobriu (conforme sumariado numa investi­
depois de ter ocorrido uma descarga de todas as tensões. Por­ gação de Eiduson, 1968 ) que muitas crianças pequenas perse­
tanto, a descarga de tensão é a meta final de todos os processos guem ativamente os estímulos e exploram seu ambiente com
e ações em que um indivíduo se empenha. A descarga de ten­ uma curiosidade que aumenta a tensão, indiferentes ao que pode­
são é considerada a meta principal pelos teóricos da homeostase, ria ser para elas uma posição mais confortável.
quer seja efetuada consciente ou inconscientemente. São as descobertas desse gênero que formam as convicções
Embora considerada ainda válida por muitos, essa teoria básicas dos psicólogos humanistas — notadamente, que a ten-
foi rejeitada por numerosos psicólogos e psiquiatras que não a
5ô C h a r l o t t e Bu h l e r R espo sta s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 51

dência básica de um ser humano é para a realização, obtida por tica para enfrentar a vida, ao passo que a necessidade de segu­
meio da auto-realização ou individuação ao fazer certas coisas. rança parece-me ser fruto natural da nossa existência humana
Discutiremos adiante esse “fazer”. Horney descreveu a auto- como tal. Faz parte de nossa condição humana não apenas sen­
-realizaçao como a revelação e concretização dos melhores poten­ tir, mas, de fato, vivemos toda a nossa vida em circunstâncias
ciais de uma pessoa; e acreditava, com otimismo, que esses inseguras. É verdade, sem dúvida, que a pessoa sadia não está
potenciais seriam os melhores não só para a própria pessoa, mas preocupada com o assunto. Com efeito, algumas pessoas sadias
também para o ambiente em que ela vive. percorrem a vida, muitas vezes, como se fossem imortais ou
Temos aqui um problema, é claro. Poderemos realmente estivessem imunizadas para qualquer desastre ou até doença.
supor que o que é melhor para a pessoa também é sempre o Não obstante, cada indivíduo tem uma necessidade básica de
melhor para o ambiente? E o que significa exatamente “o segurança, a qual me parece ter mais a ver com a sobrevivência
do que com o amor.
melhor”?
Vêm, depois, as outras perguntas: O que é que sabemos No caso de Joe, entretanto, deparamos com algo diferente
agora sobre a pessoa? O que podemos fazer com o que sabemos dessa necessidade existencial básica de segurança. Joe faz algo
agora? Não creio que possamos fazer o bastante com o que que ele mesmo não aprova. Conduz-se na defensiva, perdeu toda
sabemos agora. Um exemplo ilustrará esse ponto. a espontaneidade. Vigia constantemente as pessoas para ver se
estas o aprovam. Diz ignorar tudo a seu próprio respeito; não
Joe, um assistente social de 22 anos de idade, apresenta-se- possui valores próprios; limitou-se a adotar os valores de seus
-me para psicoterapia. Diz-me estar'sempre inseguro a respeito pais. Não tem rumo próprio e já não sabe exatamente em que
de si mesmo, que se vigia sempre a si mesmo e aos outros para acreditar.
apurar se as pessoas gostam dele ou não. Era incapaz de agir
espontaneamente, estava sempre em guarda. Se observarmos essa situação em termos de auto-realização,
podemos ver que esse homem não se realizava a si mesmo, de
Joe pensa que herdou esse traço de seus pais, que também forma alguma. Mas, para compreendermos o que ele está fazen­
estavam sempre preocupados com o que a gente pensava deles. do, cumpre-nos examinar Joe em maior detalhe.
Aceitava o que seus pais diziam e acreditava que eles estavam
Joe está obviamente fazendo o oposto da auto-realização.
sempre certos. Ao cercear a sua espontaneidade, a fim de perseguir valores em
Nos últimos meses, porém, tornou-se subitamente cônscio que não pode acreditar, ele vive de acordo com o que chama­
de seu próprio comportamento em comparação com o de alguns remos uma excessiva adaptação autolimitadora. Para preservar
amigos. E desagradou-lhe a sua falta de espontaneidade, não uma ordem interna, faz o que lhe parece certo, de acordo com
gostou dos valores em que acreditara até então. Sentia que o que aprendera. Mas, para sua consternação, já não achava
estava tudo errado; contudo, não sabia como mudá-lo ou como certo esse excessivo conformismo, que realizava mediante a re­
encontrar outros valores em que acreditar. pressão de seus próprios impulsos. Como se sabe, a Psiquiatria
Ora, esse caso é muito típico do nosso tempo. Se anali­ aprendeu esta última interpretação com a Psicanálise; e os con­
sarmos o que esse moço diz sobre as suas metas anteriores, vere­ ceitos, estudo e tratamento da repressão constituem uma das
mos que tudo o que ele queria antes era que as pessoas gostas­ mais duradouras contribuições dessa escola. Ao reprimir os seus
sem dele, não porque elas, como pessoas, fossem importantes próprios impulsos e sentimentos desde o começo da infância,
para ele, mas porque a sua aceitação fazia-o sentir-se mais seguro. Joe conformou-se com as exigências do seu ambiente; mas, ao
Alfred Adler enfatizou essa necessidade de segurança e fazê-lo, nunca foi ele mesmo.
apresentou a idéia dos complexos de inferioridade. Não creio Como se comporta, pois, uma pessoa que persegue real­
que as necessidades de segurança tenham de ser consideradas, mente com êxito a sua auto-realização? Dá, simplesmente, lar­
forçosamente, no contexto dos sentimentos de inferioridade. gas aos seus impulsos, obedecendo-lhes sem desfalecimento?
Acredito que estes constituem um sinal de incapacidade neuró­ Esse passo é o que algumas pessoas parecem recomendar atual­
52 Charlotte Bu h ler
R espo sta s a D e s a f io s Co ntem porâneos 53
mente. Vão para o extremo oposto da repressão e fazem o
que querem. Mas a auto-realizaçao consistirá em fazer tudo o O que eu mais desejaria para os meus filhos é que estudas­
sem e ver se assim poderão ser gente. Não uma coisa miiito ambi­
que uma pessoa gosta de fazer? ciosa, porque não tenho recursos para mandá-los à universidade.
Primeiro, temos a questão do que uma pessoa gosta de Mas espero que, pelo menos, terminem o secundário e tenham uma
profissão, para que possam arranjar bons empregos. E gostaria
fazer. Como todos sabem, através de seus desejos e divagações, que as minhas filhas fossem virgens e casassem de véu e grinalda.
há inumeráveis coisas diferentes que uma pessoa pode gostar Quero que sejam pessoas decentes, melhor do que eu. É preciso
de fazer, desde o desejo comparativamente inofensivo de comer viver sempre com esperança. Mas enquanto eu viver em Porto
e beber qualquer coisa que se queira até ao desejo de praticar Rico não sei como poderei ir para a frente.
o sexo sempre que e onde quer que isso apeteça, à satisfação
do desejo de exercer a violência ou o poder para obter certas No meio da maior pobreza, eis uma visualização de metas
gratificações proibidas ou inacessíveis. que suplantam a satisfação das necessidades físicas mais básicas.
As carências das pessoas, no tocante à satisfação de neces­ Embora a satisfação de necessidades psicofísicas seja, por
sidades, parecem ser extremamente diferentes em tipo e grau. certo, uma tendência básica, ela não acarreta, por si só, a expe­
Gostaria que houvesse algum estudo verdadeiramente esclare­ riência plenamente satisfatória da auto-realização. Pode apenas
cedor do modo como as pessoas que vivem suas vidas para lograr contribuir para ela, em medida individualmente variável.
satisfação própria descobrem o grau e tipo de desejos que tive­ A área que parece contribuir mais para a experiência de
ram de preencher para sentirem-se felizes. Uma coisa é certa: auto-realização é a da atividade criadora. Na maioria das bio­
os extremos de se fazer tudo o que se quer não parecem dar bons grafias de pessoas cujas vidas são descritas como admiráveis em
resultados. Tanto os Casanovas e Don Juans de outrora como algum sentido e, freqüentemente, como realizadas, existe sem­
os “casais trocados” do romance de John Updike não se saíram pre uma atividade criadora que representa o aspecto central des­
muito bem; e desconheço o que aconteceu, em termos de aná­ sa vida. Criatividade não significa apenas, necessariamente, a
lise mais profunda, aos membros da Liga pela Liberdade Sexual. produção engenhosa de algum grande artista, cientista ou líder
Por outro lado, mesmo em nossa sociedade afluente, há mundial. A criatividade também inclui — como os americanos,
milhões de pessoas para quem a satisfação de necessidades bási­ em particular, têm enfatizado — a condição imaginativa da vida
cas continua a ser um impulso que sobrepuja tudo o mais. cotidiana: a culinária inventiva de uma dona-de-casa, a terna
Michael Harrington, em The Qther America (1963), calculou compreensão com que os pais criam sua família, o desenvolvi­
que cerca de 50 milhões de pessoas nos Estados Unidos são mento bem planejado de um negócio, a eficiência comunicativa
de um vendedor, o trabalho manual de um artesão ou a nova
pobres. Os novos-pobres, como Harrington chama aos que fica­
e bela rosa criada por um jardineiro. Criatividade também pode
ram para trás quando o resto da sociedade americana marchava
significar a pintura de uma criança ou o poema de um adoles­
para a abundância, vivem sem aspirações, num sistema inaces­ cente.
sível à esperança. Essa outra América, diz ele, “não contém a
busca aventurosa de uma nova vida e uma nova terra. É povoa­ Esses talentos e atividades criadores, é claro, não impedem,
da de fracassos, de gente expulsa da terra e confundida pela necessariamente, que uma pessoa tenha uma vida infeliz ou pro­
metrópole, de velhos subitamente a braços com os tormentos da fundamente perturbada. Mas, entre todas as experiências que
solidão e da pobreza, e de minorias que esbarram contra a mura­ podem redundar em êxtase ou que levam ao que Maslow chamou
lha do preconceito” . “experiências culminantes”, a criatividade é a que vai mais longe
e se avizinha mais do êxtase de amor. Os exemplos de Maslow
Mas até na pobreza abjeta podemos descortinar o fato de
de pessoas auto-realizadoras referem-se todos a indivíduos muito
que as necessidades humanas vão além da mera sobrevivência
criativos.
material. No comovente estudo de Oscar Lewis sobre os portor-
riquenhos, La Viâa (1965), a permanentemente faminta Feli­ Na minha própria experiência de psicoterapeuta, verifiquei
cita, com seus cinco filhos, diz ao autor: que aquelas pessoas que se esforçavam por chegar a alguma espé-
cia de atividade criadora sentiam-se melhor a respeito de si me$-
54 Ch arlotte B üh ler R espo sta s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 55

mas e da vida, mesmo que alguns de seus problemas ou conflitos a encarregar-se de seus filhos e de sua casa, para que ela pudesse
continuassem por resolver. A razão consiste em que a atividade dedicar-se a outros interesses, o que ainda deixava por resolver
criadora é experimentada pela pessoa como uma auto-expressao a questão sobre o que poderia ser ganho com essa atividade —
em que os sentimentos se libertam de forma tal que o resul­ por exemplo, a obtenção de um diploma universitário e uma
tado é um produto, o qual significa algo de valioso tanto para carreira no ensino, enquanto outra pessoa lhe criava os filhos?
as outras pessoas como para ela mesma e contribui, portanto, Nesse ponto, o psicoterapeuta expressou também a sua opi­
para uma criatividade compartilhada em que as culturas huma­ nião a respeito da situação. Disse que, embora fosse lamen­
nas se baseiam. O que faz as pessoas sentirem que estão produ­ tável ter tido Zoe a espécie de pais que tivera, ela possuía agora
zindo algo de mérito ou valor é que elas se empenham esforça­ um marido que a amava e recebera aceitação sistemática e com­
damente nesse cometimento e que isso resulta de seu trabalho preensão afetuosa por parte do psicoterapeuta, o que demons­
mental e (ou) manual como algo útil ou belo, algo que possui trava obviamente o reconhecimento de seu valor aos olhos des­
um certo valor para a comunidade. sas pessoas.
Neste contexto, é interessante a história da mudança radi­ Zoe negou esses pontos positivos, depreciando constante­
cal de uma paciente que passou da completa preocupação com mente o modo de ser de seu marido e considerando axiomática
a infelicidade, autocomiseràção e rancor para um interesse cria­ a aceitação do psicoterapeuta, pois estava apenas desempenhando
tivo pela sua família. o seu papel. Também ignorou a importância de ter filhos que
Zoe, uma mulher de seus 33 anos, casada, com dois filhos pareciam dispostos a amar e a aceitar uma mãe que, no fim de
pequenos, recorreu à psicoterapia por cerca de um ano; veio abar­ contas, não era muito amorosa.
rotada de queixas sobre sua vida infeliz. Achava que seus pais O terapeuta acreditava ter chegado o momento de Zoe se
nunca a tinham amado nem se preocupado muito com ela, o aperceber da sua completa relutância em aceitar quaisquer condi­
que, provavelmente, era verdade em grande parte; que o homem ções de vida desagradáveis ou difíceis ou em mostrar gratidão
com quem casara, embora a amasse, era preguiçoso, ineficiente por qualquer coisa. Embora exigisse para si apenas boas coisas,
e ganhava um salário insuficiente; que ela tinha de ajudar fa­ ela dava realmente muito pouco e estava prestes a converter-se
zendo trabalho de secretária em regime de meio horário, além numa mulher tão áspera quanto a mãe.
de cuidar da casa e das crianças; que estava impossibilitada de
fazer qualquer das coisas que realmente lhe interessavam, por Essa reviravolta na atitude do terapeuta, assim como a
falta de tempo e de dinheiro. avaliação por ele apresentada, chocaram imensamente Zòe. Ela
chorou, encolerizou-se e saiu, após declarar que se sentia aban­
A paciente desabafou todos os seus ressentimentos e hosti­ donada e rejeitada.
lidades durante boa parte do ano, vacilando entre a completa
rejeição de tudo e todos em sua vida e a formulação de planos Zoe voltou na semana seguinte e parecia outra pessoa.
para mudar as coisas, de modo que sua mãe acabasse por amá- ) Disse ter-se apercebido de que não fizera outra coisa senão quei-
-la e seu marido se tornasse mais ambicioso e dinâmico. Após xar-se sobre o que lhe tinha acontecido e continuava a acon­
atingir uma espécie de exaustão e ao dar-se conta, finalmente, tecer, e que isso não era, realmente, uma forma de viver, sobre­
de que todos esses planos não funcionariam, por uma razão ou tudo porque, as circunstâncias dadas não iriam mudar. Assim,
outra, foi-lhe perguntado o que pensava, exatamente, da vida talvez fosse preferível tentar aceitá-las e ver o que ela própria
humana. Achava que sua vida, seu futuro, qualquer espécie de poderia fazer de sua vida. Queria pensar sobre o que poderia
satisfação e realização, continuavam a depender do fato de sua ser a sua vida.
mãe acabar por aceitá-la e amá-la, uma situação que ela parecia É claro, a vez seguinte Zoe apresentou-se novamente cons­
ter reconhecido como irrealizável? Dependiam esses fatores de ternada a respeito de alguma coisa que acontecera entre ela e
uma crescente ambição e agressividade por parte de seu marido, algumas de suas amigas, de cuja aceitação e compreensão tarri-
o que parecia improvável? Além disso? havia alguém disposto bém dependia muito, obviamente.
56 C h arlo tte Bu h l e r R es p o s t a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 57

Na vez seguinte, porém, as coisas tinham começado a desa­ expande o seu domínio vital de modo a incluir outros em sua
nuviar. Ao meditar sobre sua vida, Zoe chegara à conclusão de criação.
que queria que a vida fosse algo suscetível de ser conduzido Este ponto pode ser ilustrado pela biografia de um de meus
por ela, algo que ela pudesse formar. E disse: pacientes que, após um desenvolvimento inicial extremamente
infeliz, deprimido e conflitado, encontrou seu valor pessoal no
O meu casamento, os meus filhos, vi subitamente que ê como
barro. Ou o deixamos quieto onde está ou fazemos alguma coisa
trabalho criativo. Esse trabalho não resolveu todos os seus pro­
com ele. D e manhã, acordo, isto é para o meu filho e quero fazê- blemas e conflitos, mas, pelo menos, proporcionou-lhe a satis­
-lo. Isso é um dia de vida e posso exercer algum controle, fazer fação de fazer algo meritório e de sentir-se prestável ao fazê-lo.
alguma coisa com ele, em vez de acordar zangada e frustrada. Vejo
os meus filhos como meus, que posso magoar ou fazer algo de bom
Podemos chamar Ellery a esse homem. Está hoje com 51
por eles .. • dentro de cinco anos verei o que fiz pelos meus filhos. anos, sendo o fundador e proprietário de uma fábrica de tama­
Nada tenho feito por eles . . . como se nunca tivesse percebido isso. nho médio de artigos eletrônicos. Eis um resumo de seus ante­
Posso fazer alguma coisa com a minha vida. cedentes. Nasceu numa pequena cidade do Centro-Oeste. Sua
mãe tinha sido criada por uma ríspida madrasta. Aos 20 anos
Embora fazer e produzir algo possa ser satisfatório, não casara com um rapaz de 18, com quem saiu da cidade. Seu
quero dizer que toda a produção planejada no mundo seja com- pai, que era jovial e bonachão, ganhava a vida em transporte
provadamente valiosa. Todos sabemos quanta produção basica­ em caminhão. Ellery era filho único. Presenciando as brigas
mente inútil se processa diariamente no mundo inteiro, sem bene­ entre os pais, tentava amiúde meter-se entre eles e proteger a
fício algum para a humanidade ou até capaz de destruí-la. mãe, que era rígida e austera. Ela ressentia-se de Ellery, que lhe
Mas esse problema, embora seja uma importante questão causara grande sofrimento durante o parto. O pai, entediado
social para o desenvolvimento da humanidade, não cabe no pre­ com a seriedade da esposa e sua aversão pelo sexo, abandonou
sente contexto. Felizmente, registra-se uma preocupação cada a família quando o rapaz tinha cinco anos. A mãe ficou mer­
vez maior no sentido da coordenação de esforços individuais e gulhada em azedume e grande pobreza.
necessidades genuínas da sociedade, como na pesquisa ecológica. Na dinâmica emocional de Ellery, durante esses anos e os
O ponto que queremos sublinhar aqui é que o trabalho produ­ seguintes, podemos estabelecer estas tendências principais:
tivo pode fornecer uma experiência subjetiva de valor pessoal
1. Sentimentos conflitantes de medo, devoção, ressentimento e
a indivíduos, anteriormente retraídos, passivamente hostis, soli­ desejo de proteção em relação aos pais. Vagos sentimentos
tários ou deprimidos. Também pode ajudar as pessoas colhidas de culpa por alguma co-responsabilidade no sofrimento da mãe.
em toda espécie de conflitos por resolver, se elas forem capazes Não se sente chegado ao pai nem à mãe.
de desvencilhar-se o bastante para fazer algo com uma certa 2. Humilhação e sentimentos de inutilidade devidos à pobreza,
convicção em seu valor social, para escrever um poema, compor ao tratamento sofrível por parte de outras pessoas. Inca-
pacitação, isolamento devido a freqüentes doenças e constantes
uma canção, cozinhar uma refeição decente, limpar a casa para mudanças.
sua própria satisfação ou até, meramente, dar-se ao trabalho de 3. Atitude conformista, identificação com a austeridade materna,
cuidar de uma aparência física atraente. sentimentos^ esmagadores de obrigação em relação a ela e de
dívida, instilados pela mãe.
O desejo de pertencer de algum modo à família do homem
parece fortalecer a crença de uma pessoa no esforço constru­ Em sua adolescência, Ellery sentiu-se invadido de uma
tivo. Muitas pessoas, como Zoe, dão o seu primeiro passo bá­ profunda depressão, que não conseguiu rechaçar. Para isso
sico no caminho da auto-realização quando, livres de sua solidão concorreu, preponderantemente, um sentimento de inutilidade
e desespero, começam a fazer algo construtivo para expressar que nunca o abandonou, apesar de seus subseqüentes êxitos
seus sentimentos íntimos de um modo que pode ser comparti­ escolares; um sentimento de co-responsabilidade e culpa a res­
lhado com outras pessoas. Dou a essa tendência o nome de peito. da deserção do pai, experimentado por tantas crianças;
expansão criadora porque, nessa espécie de atividade, a pessoa mágoa por não ter pai; humilhação e pobreza; 0 confrangimento
58 Charlotte Büh ler R es p o s t a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 59

causado pelo fato da mãe repisar a todo instante quantas obri­ É claro, eu sabia que, quando fundasse a minha empresa,
gações ele lhe devia; incapacidade para compreender como seria completamente inadequado no trato com as pessoas; o que
me impeliu a seguir avante foi, sobretudo, a complexidade da ini­
integrar-se socialmente; fraca iniciação no relacionamento sexual. ciativa.
Ellery ingressou no curso de Engenharia com uma bolsa de
estudos; seu espírito brilhante tornou-se cada vez mais evidente à O interesse de Ellery pela complexidade como saída cria­
medida que avançava no colégio e depois na faculdade. Mas, por dora foi a base da sua decisão de iniciar um negócio por conta
volta dos 28 anos, depois de ter tido vários empregos, ocorreu própria.
uma reviravolta. Ellery apercebeu-se de que a Engenharia era ape­ Nos termos da minha teoria de fases, em minha psicologia
nas uma parte de seus interesses, que ganhar dinheiro, procurar da vida humana, Ellery vivera dos 12 aos 28 anos, aproximada­
segurança para sua mãe e ele próprio não lhe bastavam. Dinhei­ mente, com uma meta preliminar da vida, determinada pelos
ro e segurança não o ajudariam a sentir-se meritório. Sentiu motivos básicos de medo e obrigações, interesses especiais e a
serem necessárias coisas diferentes para fazê-lo acreditar em seus busca de segurança.
méritos. Primeiro, queria criar algo, produzir alguma coisa que Agora, com o início de uma autodeterminação definitiva,
expressasse melhor o seu eu. no sentido de uma meta vital muito mais abrangente e completa,
Ao mesmo tempo, tornou-se gradualmente cônscio de outro Ellery abria espaço para o desenvolvimento expansivo de sua
aspecto de sua vida onde sentia ser carente de realização plena. criatividade e, pela primeira vez, imaginou trabalhar numa comu­
Até esse momento, a vida de Ellery gravitara em torno do uso nidade de pessoas.
de habilitações que aprendera a fim de ganhar dinheiro e gran­ Enquanto batalhava para descobrir um meio de realizar a
jear segurança para si e sua mãe, cumprindo suas obrigações para sua nova meta, Ellery encontrou Larry, um dos dois amigos que
com ela. As outras pessoas não existiam como partes essenciais fizera na universidade. Larry revelou uma ambição semelhante
de sua vida e propósitos. de iniciar negócios por conta própria; por conseguinte, os dois
O momento decisivo, por volta dos 28 anos, relacionou-se homens abriram uma pequena oficina de eletrônica que, nos
com a emancipação parcial da estreiteza de seus rumos anterio­ 20 anos seguintes, se converteu numa firma relativamente gran­
res e o despertar para perspectivas. muito mais amplas. O que de. À parte a sua sociedade em questões de produção e desen­
ele sentia vagamente, segundo me descreveu anos depois, era a volvimento do negócio, os dois tinham pouco em comum, pois
vontade de um maior grau de liberdade pessoal do que a permi­ Larry queria, principalmente, enriquecer e tornar-se poderoso,
tida por um emprego assalariado. Começou a sentir que podia ao passo que Ellery, como vimos, alimentava intenções muito
ser criativo, que era ambicioso e que desejava envolver-se pessoal­ mais complexas.
mente com gente, de um modo mais direto. Em suas próprias Durante os primeiros dez anos de luta, Ellery sentia-se
palavras: tolhido porque ainda temia um fracasso na busca de segurança.
A complexidade fascina-me e intriga-me; assim, ocotreu-me
Havia ainda a contínua pressão da mãe; e não se atenuara a
a idéia de um negócio como uma complexa comunidade de inte­ sua incapacidade de relacionamento com pessoas, exceto na área
resses, envolvendo coisas, pessoas, um dos mais totais envolvimen­ dos negócios. Por outras palavras, ainda não criara a sua pró­
tos de coisas físicas e seres humanos, uma forma sumamente intri­ pria felicidade.
gante de processamento mecânico de produtos — coisas úteis e bené-
■ ficas que satisfaçam as necessidades das pessoas — e as relações Aos 35 anos, casou com a moça que era sua secretária.
com os outros que ajudam a produzir isso e a satisfazer as neces­ Phyllis era 10 anos mais jovem do que ele, razoavelmente atraen­
sidades das pessoas — enfim, a fascinante complexidade de aborda­
gem do problema da monotonia e do tédio, dos esforços repetitivos. te, ambiciosa e, provavelmente, foi ela quem tomou a inicia­
Posso lidar com tudo isso de um modo criativo — estou per­ tiva de seu relacionamento. Era de índole agradável, capaz de
feitamente cônscio de que posso. Tentei equilibrar o relaciona­ divertir-se e, segundo tudo levava a crer, seria capaz de levar
mento de tudo isso. alegria à vida de Ellery.
R espo sta s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 61
60 Charlotte Bü h ler
Pedi-lhe um exemplo e Ellery contou o seguinte:
Esse casamento não foi realmente um êxito. Phyllis era
um tanto superficial, carente de interesses e de tato social. Além Um dos nossos motoristas de caminhão é um tipo de soltei­
rona mexeriqueira. Apanha 25% dos fatos e fornece o resto, mas
disso, Ellery, nessa época, ainda era incapaz de desenvolver rela­ é um bom motorista, apesar de tudo. No começo da minha firma,
ções humanas mais profundas. Para nenhum dos dois, o casa­ eu tê-lo-ia posto no olho da rua. Hoje, deixo que todos compreen­
mento se baseara num verdadeiro amor. Phyllis tinha fortes dam o que fazemos, de modo que nada fique por dizer e ele não
tem como arranjar matéria para mexericos.
impulsos sexuais e recriminava Ellery pela sua falta de ardor.
Outro homem, o fiel de armazém, é extremamente eficiente
Nesse período, ele estava por demais reprimido para permitir-se quando discorre sobre assuntos funcionais, mas, no tocante às pes­
uma livre fruição do sexo. soas, exagera e deixa-se envolver emocionalmente. Falamos livre­
mente sobre isso numa das reuniões.
Ellery acha que, dos 28 aos 37 anos, ele e seu sócio tinham
conseguido desenvolver um negócio médio com razoável grau de Existe um plano de participação dos empregados nos lucros
segurança e êxito; mas estava completamente insatisfeito com e toda espécie de instalações e facilidades para eles. Contudo,
o seu progresso, como pessoa, e com a sua habilidade para lidar mais importantes são as relações humanas que esse homem criou
com a gente, fora e dentro da fábrica, daquele modo cooperativo em conjunto com um sistema de produção altamente compen­
que tanto almejava.
sador. Ellery resumiu a situação nestes termos: “Tenho sido
— Lido com as pessoas a distância — disse ele, quando muitas vezes grato à psicoterapia durante a minha vida; agra­
recorreu à psicoterapia, aos 37 anos de idade. deço a Deus por isso. O meu prazer costumava ser fruto de
Sentiu a necessidade de ajuda. Era incapaz de libertar-se coisas e abstrações; elas estão hoje muito abaixo, em comparação
das forças opressoras e depressivas que haviam dominado os com as pessoas.”
começos do seu desenvolvimento e o incapacitavam para viver Ellery instalou uma fábrica baseada em grupos de encon­
uma vida satisfatória e relacionar-se com as pessoas do modo tro — isto é, em grupos de relacionamento verdadeiramente
que almejava. humano. Ele próprio, entretanto, precisou de extensa e pro­
No decurso de sua terapia, Ellery pôde desenvolver rela­ funda psicoterapia para funcionar com as pessoas e realizar essas
ções humanas com os seus empregados, em paralelo com o seu coisas em atenção às pessoas.
próprio desenvolvimento como pessoa. O seu estabelecimento Durante o período de desenvolvimento de seu trabalho cria­
industrial e comercial consistia num “grupo consolidado” de dor, Ellery encontrara e estabelecera também uma profunda
150 empregados numa fábrica que se estendia por cerca de relação amorosa com uma divorciada com quem esperava casar.
11.000 metros quadrados e abrangia cinco edifícios, incluindo os Contudo, ele era ainda uma pessoa algo inibida no contexto
escritórios. Ao projetar e equipar os edifícios, a principal consi­ mais amplo das relações e reuniões puramente sociais; e ainda
deração de Ellery tinha sido pelas pessoas que iriam trabalhar não se deixava envolver em bastantes atividades puramente agra­
neles. Todo mundo era importante e participava nas reuniões dáveis, como esportes, excursões ou viagens. Estava fortemente
mensais de cada departamento. Qualquer empregado podia apre­ dominado por seu impulso criador para poder ampliar-se sufi­
sentar suas reclamações ou queixas a Ellery, mas aquele que as cientemente em outras direções de convívio humano. Sabia ser
fazia tinha também de apresentar sugestões para aperfeiçoa­ demasiado unilateral e sentia que isso estava errado. Entretanto,
mentos. ainda não estava apto a permitir-se o gozo de prázeres, mesmo
em termos de suficiente recreação e atividades frívolas. Plantar
Todos podiam falar nas reuniões. Diz Ellery: rosas em seu jardim era o mais longe que iria nessa direção.
A minha própria experiência como empregado contribuiu para Disse que ele sentia ser isso errado. Ora, o que queria ele
o modo como organizei as coisas . . . A terapia deu-me maior cer­
teza quanto ao valor das coisas que eu poderia incluir, como boas
dizer exatamente com isso? Nada tinha a ver, é claro, com faltas
e cordiais relações pessoais, sem cair na condescendência. Nessas morais, na acepção tradicional de moralidade. Isso é um novo
reuniões, relacionamo-nos çntrç nós como serçs hymanos,
62 Ch arlotte Büh ler R es p o s t a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 63

tipo de erro que muitas pessoas experimentam em si mesmas Embora pensasse sempre que não era sequer de inteligência média,
quando começam a conscientizar-se como pessoas. agora penso que a tenho e que posso obter um diploma universi­
tário. Não sou muito criativa nem dotada para as artes, mas tenho
Esse sentimento de “errado” promana do quadro de refe­ recursos bastantes para cuidar de minha casa e jardim. Sou uma
rência de um novo tipo de moralidade, a saber, o sentimento de pessoa amorável, sentimental, compassiva, e também honesta. Sou
apropriação decorrente de se ser uma pessoa total. agora eu mesma. Gosto de mim e da vida.
N o aspecto negativo: Ainda tenho uma tendência para ser
Apropriação aos olhos de quem, de acordo com o julga­ algo passiva. Pela primeira vez na vida comecei realmente a pen­
mento de quem? Por estranho que pareça, aos olhos e segundo sar: Quero pensar nas coisas a fundo. Beber também é uma coisa
o julgamento da própria pessoa. Essa apropriação é um novo negativa. Tenho sentimentos ambivalentes: não vale a pena arris­
car . . . não preciso que isso seja aceito . . . mas, por vezes, dá-me
conceito de Ser da pessoa, diferente dos antigos conceitos de que pensar.
“excelência” e de “ ajustamento” . A excelência que se relaciona Minhas metas futuras: o meu relacionamento com Jenny é
com ideais inalcançáveis, como as “estrelas inatingíveis ” de Man muito importante e espero ter um futuro. É excitante, pensar no
of La Mancha, sempre foi uma busca ameaçada pela hipocrisia, que poderá acontecer. Sinto-me nascer de novo.
de um lado, e o quixotismo, do outro. Não fomos feitos, preci­
Ora, o que acontece a essa pessoa na terapia? Primeiro,
samente, para sermos virtuosos nem santos, o que não significa
como ela própria disse, adquiriu uma liberdade interior de que
que não possamos ter ideais situados algures no horizonte dis­
necessitava desesperadamente. Também adquiriu o sentimento
tante.
de auto-estima que nunca possuíra antes. Juntou-se a isso a
Enquanto que a “excelência” sempre pareceu suspeita, o consciência de si mesma, a honestidade e a certeza de ser uma
“ajustamento” tornou-se igualmente inválido à luz das manca­ pessoa amorável e sentimental. Não era uma pessoa muito cria­
das da sociedade, desde o terrorismo — como o de Hitler — tiva, mas o bastante para sentir prazer ativo nos cuidados de
até outras injustiças raciais e sociais. O “ajustamento” é dese­ sua casa e jardim, assim como em seu trabalho como recepcio­
jável dentro do quadro de referência de certas condições e cir­ nista. Também adquiriu uma certa perspectiva quanto ao futuro
cunstâncias. Não é uma meta da vida humana. em que nunca pensara antes e sabia o que era importante
Mas a apropriação da existência como ser humano, como para ela.
pessoa total, que parece ser sentida por muitas pessoas em nossa Isso não fez dela uma pessoa perfeita. Ainda tinha suas
época, é algo que elas querem .realizar. Querem viver plena­ fraquezas e sentia ser demasiado tarde para abandonar seu
mente, querem ser totais e querem-no ser de um modo que expe­ padrão homossexual, que impedia de desenvolver a vida em sua
rimentem como “certo”. totalidade. Mas, pondo isso de parte, Arlene adquirira valiosas
E em que consiste o “certo” ? É o certo que o anterior­ características humanas que considero representativas da nova
mente citado Joe estava procurando, quando sentiu que não imagem do homem.
podia orientar sua vida apenas pelo que seus pais lhe diziam, No padrão que preenche essa imagem, é importante que as
mas tinha de encontrar-se a si mesmo como pessoa e descobrir tendências para a satisfação de necessidades, para a adaptação
algo em que acreditar. autolimitadora e a expansão criativa sejam todas integradas por
O sentimento de ser agora capaz de viver “certo” foi expe­ um eu mantenedor da ordem. Essa tendência para a manutenção
rimentado por Arlene, uma paciente minha de 31 anos, homos­ da ordem, que representa o eu nuclear, diz à pessoa se ela é
sexual e de tendências alcoólicas, quando concluiu a psicote- livre ou não, honesta ou não, e se, como pessoa, é coesa e bem
rapia após três anos de tratamento. Em sua última sessão de integrada. Também a informa quando está desorganizada ou
terapia de grupo, ela resumiu o que sentia a seu próprio res­ presa de conflitos íntimos.
peito: Ao observarmos as biografias de pessoas, descrevemo-las em
Sou muito mais independente, tenho a liberdade interior que função de quatro tendências básicas, dirigidas no sentido da plena
quero, grande auto-estima e estou cônscia de minha capacidade. realização da vida. As quatro tendências são: a satisfação de
64 C harlotte Büh ler R e spo st a s a D e s a f io s C o n t e m p o r â n e o s 65

necessidades, a adaptação autolimitadora, a expansão criadora e a G o l d s t e in , K. The Organism. Nova York: American Book Company,
manutenção da ordem interna. Segundo parece, as pessoas estão 1939.
plenamente satisfeitas consigo mesmas quando sentem que essas H a r r in g t o n , M. The Other America. Nova York: Macmillan, 1963.
tendências funcionam em perfeito equilíbrio e em integração, Jourard, S. M. The Transparent Self. Princeton, N . J.: Van Nostrand,
1964.
em vez de atuarem em conflito ou confusa desordem.
J o u r a r d , S. M. “Education for a N ew Society”, Forum, International
Nesse processo de ordenamento interno, levados em conta Center for Integrative Studies, 1968, 1, 4.
todos os fatores que o compõem, a pessoa sabe se vive a vida K a u f m a n , W . (org.), Existentialism from Dostoevsky to Sartre. Nova
para sua própria satisfação ou não. E, ao atingirem a velhice, York: Meridian, 1956.
muitas pessoas declaram amiúde se as suas vidas foram essencial­ K r i p p n e r , S., e M e a c h a m , W . “Consciousness and the Creative Pro­
cess”, G ifted Child Quarterly, 1968.
mente realizadas ou se foram um fracasso. Essas afirmações,
K r is t e l l e r , P. O. Renaissance Thought. Nova York: Harper Torch-
por vezes, não são completamente corroboradas pelos fatos, tal books, 1955.
como o clínico que as analisa os vê. A maioria das pessoas L e w is , O. La Vida. Nova York: Random House, 1965.
mostra-se ansiosa, quando o fim se avizinha, por sentir que não M a sl o w , A. H. Motivation and Personality. Nova York: Harper, 1954.
víveu inteiramente em vão e sem deixar no mundo algo de M a t s o n , F. W . The Broken Image. Nova York: Braziller, 1964.
valor, alguma recordação carinhosa de sua passagem pela Terra. M a y , R. Existential Psychology. Nova York: Random House. 1961.
Mas, dentro do nosso quadro de referência, o ponto que M a y ,- R. Love and Will. Nova York: Norton, 1969.
queremos salientar é que a maioria dos seres humanos, ao acer- S e v e r i n , F. Humanistic Viewpoints in Psychology. Nova York: McGraw-
car-se do final de suas vidas, sente a necessidade de avaliar sua -Hill, 1965.
existência total, em termos referentes a realização ou fracasso, S h u t e , N . On the Beach. Nova York: Signet Books, 1957.

de acordo com algumas metas que eles consideram significativas. S o l z h e n i t s y n , A. The Cancer Ward. Nova York: Dial Press, 1968.
S u t i c h , A. J., e V i c h , M. A. (orgs.), Readings in Humanistic Psycho­
logy. Nova York: Free Press, 1969.
T r u a x , C . B., e C a r k h u f f , R. R. “Significant Developments in Psycho­
Referências therapy Research”, em L. A b t e B. R ie ss (orgs.), Progress in Cli­
nical Psychology. Nova York: Grune & Stratton, 1964.
A ll po r t, G . “Comment on Earlier Chapters”, em R. M a y (org.), Exis­ W i l s o n , C. Introduction to the N ew Existentialism. Boston: Houghton
tential Psychology, 4.“ edição. ' Nova York: Random House, 1961. Mifflin, 1967.
B a r r o n , F. “The Needs for Order and Disorder as Motives in Creati­
vity”, em C. W. T a y l o r e F. B a r r o n (orgs.), Scientific Creativity:
Its Recognition and Development. Nova York: Wiley, 1963.
B e t t e l h e i m , B . Revista Time, setembro de 1969.
B u g e n t a l , J. F. T. The Search for Authenticity. Nova York: Holt, R i­
nehart & Winston, 1965.
B ü h l e r , C. Values in Psychotherapy. Nova York: Free Press of Glen­
coe, 1962.
B ü h l e r , C., e M a s s a r ik , F. (orgs.), The Course of Human Life. Nova
York: Springer, 1968.
C a m u s , A. The Stranger. Nova York: Vintage, 1954.
E i d u s o n , B . T . Scientists: Their Psychological World. Nova York: Ba­
sic Books, 1962.
E i d u s o n , B. T. “Infancy and Goal-setting Behavior", em C. B ü h l e r e
F. M a ssa r ik (orgs.), The Course of Human Life. Nova York:
Springer, 1968.
F r a n k l , V. Man’s Search for Meaning. Boston: Beacon Press, 1959.
2
o Dr. Floyd Matson foi presidente da Associação de Psico­
logia Humanista no biênio 1969-70 e parte deste capítulo baseia-
-se na conferência por ele proferida na convenção de Z969 da­
quela organização. Seus antecedentes incluem um período como
repórter e redator,de jornal, membro da U. S. Air Corps, ana­
lista de imprensa e propaganda a serviço das forças americanas
de ocupação no Japão e Administrador-Residente do Programa
Universitário no Extremo Oriente da Universidade da Califór­
nia. Recebeu seus graus de bacharel, mestre e doutor em Filo­
sofia n a ' Universidade da Califórnia, Berkeley, onde lecionou
por muitos anos no Departamento de Elocução. É atualmente
professor de Estudos Americanos na Universidade do Havaí.
Além de seu trabalho na Associação de Psicologia Huma­
nista, o Dr. Matson é consultor do Instituto Esalen, do Instituto
de Pesquisa Stanford, do Serviço de Testes Educacionais e da
Federação Nacional do Cego. Um de seus livros intitula-se:
Hope Deferred: Public Welfare and the Blind (Berkeley: Uni­
versity of California Press). Em 1955, recebeu o Woodrow
Wilson Award da Associação Americana de Ciências Políticas
por outro livro, Prejudice, War and the Constitution (Berkeley:
University of California Press). Um de seus livros mais conhe­
cidos ê The Broken Image, publicado em 1964 (Nova York:
Braziller). Organizou depois um volume intitulado Voices of
Crisis (Nova York: Odyssey) e, em colaboração com Ashley
Montagu, outro volume intitulado The Human Dialogue: Pers­
pectives on Communication (Nova York: Free Press). O seu
livro mais recente, Being, Becoming and Behavior (Nova York:
Braziller, 1967), é especialmente importante para o humanismo
existencial.
}

Teoria Humanista: A Terceira Revolução


em Psicologia

Floyd W. Matson

P or certo ocorrerá ao leitor atento, algures no decorrer deste


livro, que o tão freqüentemente usado termo “Psicologia Huma­
nista” lhe pareça ser aquilo a que os semânticos chamam uma
tautologia redundante. Afinal de contas, a Psicologia é a ciência
da mente, não é? E a mente não é a propriedade por excelência
dos seres humanos? E a Psicologia, portanto, não é toda ela
humanista?
As respostas a essas interrogações resumem-se a uma só
palavra: não. A Psicologia é o estudo de mais que a mente e
de menos que a mente. É-a ciência do comportamento, muito
do qual não implica a existência da mente: é “irracional” . Tam­
pouco o comportamento estudado pelos psicólogos é unicamente
o de seres humanos; boa parte dele, talvez a maior parte, é o
de animais. E quando o objeto de estudo é o comportamento
humano, recai, com freqüência, sobre o fisiológico, mais do que
sobre o psíquico. Não seria uma excessiva violação da verdade
observar que grande parte do que ocorre em Psicologia nada
tem de “psicológico” . E isso nos leva à razão que gerou a Ter­
ceira Revolução — o renascimento do humanismo em Psicologia.
A Psicologia Humanista tenta explicá-la não como é, mas
como devia ser. Procura levar a Psicologia de volta à sua
fonte, a psique, onde tudo começou e onde tudo, finalmente,
culmina. Mas há mais do que isso. A Psicologia Humanista
não é apenas o estudo do “ser humano” ; é um compromisso
com o devir humano.
Foi um filósofo humanista do nosso tem po,. Kurt Riezler
(1950), quem disse que a “ciênda começa com o respeito pelo
70 F lo yd W. M atso n A T e r c e ir a R e v o lu ç ã o em P s ic o lo g ia 71

seu objeto de estudo”. Lamentavelmente, isso não é verdadeiro Prothro, no conto de Natal de Dylan Thomas, que “dizia sem­
a respeito de todos os cientistas, quer nas ciências mais rígidas pre a coisa certa”, também as criaturas do romance de Skinner
da natureza como nas ciências mais flexíveis do homem e da estavam condicionadas para efetuar as escolhas certas automati­
mente. Em meu entender, é quase uma característica defini­ camente. Era a certeza instantânea, pelo preço de toda a voli­
dora da Psicologia Behaviorista que ela começa com o desrespeito ção; à semelhança dos cães de Pavlov, as pessoas de Skinner só
pelo objeto de estudo e, por conseguinte, leva diretamente ao tinham reações e respostas condicionadas ao estímulo da voz
que Norbert Wiener (1950), ele próprio um cientista inflexível, do seu dono.
chamou o “uso desumano de seres humanos”. De qualquer Reconheçamos que tal paraíso homeostático, como a socie­
modo, não conheço maior desrespeito pelo sujeito humano que dade sem classes e a cidade celestial, tem grande efeito sedutor
tratá-lo como objeto — a menos que seja para degradar ainda para muitos, especialmente numa época de angústia e de difi­
mais esse objeto, fragmentando-o em impulsos, traços, reflexos culdades. Seduz, sobretudo, as pessoas com baixa tolerância da
e outros dispositivos mecânicos. Mas esse é o procedimento do ambigüidade e alto apreço pela ordem. Creio ter sido Thomas
behaviorismo, se não de toda a Psicologia experimental; é um Huxley, o avô de Aldous, quem se confessou tão temeroso do
procedimento abertamente admitido, na verdade, triunfante­ acaso e da escolha, com todos os riscos que isso comporta, que
mente proclamado, ém nome da Ciência e Verdade, da Objeti­ se lhe fosse oferecido um mundo de absoluta segurança e cer­
vidade e Rigor, e de tudo o mais que é sacrossanto nessas áreas. teza, ao preço de abdicar de sua liberdade pessoal, fecharia ime­
E leva em linha reta da torre de marfim ao admirável mundo diatamente negócio. Ao invés de seu neto, cujo romance futu­
de Walden Two. rista defende justamente a tese oposta, o velho Huxley teria
Estou certo de que todos se lembram desse curioso romance certamente gostado da vida estagnada no Pântano Walden de
utópico, Walden Two, escrito há mais de 20 anos pelo eminente Skinner.
behaviorista de nossa geração, B. F. Skinner (1948). Seu livro Permitam-me recordar agora uma diferente disposição, tanto
apresentou um cenário tão desolado de engrenagem do compor­ existencial como humanista. Trata-se do homem do subterrâneo,
tamento e manipulação da mente, uma tamanha abdicação “con­ de Dostoievsky, esforçando-se por ser ouvido pelas Instituições
dicionada” de autonomia e liberdade por parte de seus dóceis acima de sua cabeça. Diz ele:
personagens, que muitos leitores supuseram erroneamente, nessa
No fim de contas, não insisto realmente em sofrer ou em
época, tratar-se de uma inteligente e engenhosa metáfora, uma prosperar. Insisto no meu capricho e isso está:iíie sendo garan­
profecia satírica da forma de pesadelo que as coisás adotariam tido, sempre que necessário. O sofrimento seria deslocado em
se a sociedade livre relaxasse alguma vez sua defesa vigilante vaudevilles, por exemplo; sei disso. No palácio de cristal é até
impensável; o sofrimento significa dúvida, significa negação e que
dos valores de liberdade e responsabilidade, sobretudo a liber­ vantagem haveria num palácio de cristal se pudesse existir alguma
dade e responsabilidade de escolha. Pois isso foi o que o roman­ dúvida a seu respeito?. . . Vocês acreditam num edifício de cris­
ce de Skinner abertamente desafiou e amesquinhou; a comuni­ tal que nunca pode ser destruído; isto é, um edifício onde nin<
guém poderia botar a língua de fora nem zombar de outro à socapa.
dade paradisíaca que o livro projeta é uma espécie de palácio de E talvez eu tenha medo desse edifício apenas porque é de cristal,
cristal (ou de útero com uma janela), dentro do qual a paz e nunca poderá ser destruído e ninguém é capaz de botar a língua
segurança perfeitas habitam para sempre — tranqüilidade sem de fora, mesmo às escondidas (Dostoievsky, 1945, pág. 152).
trauma, prazer sem dor, realização sem luta — e tudo isso ao
preço módico e trivial da liberdade de escolha, do direito —■ Ora, é inegável que existe aí um existencialismo que é um
por assim dizer — de cometer enganos. A chave do reino de humanismo, como diria Sartre.
Walden Two era o Condicionamento Operante: graças a essa f Em minha opinião, existiram três revoluções conceptuais
técnica mágica, aplicada a todos os residentes desde o nasci­ /distintas na Psicologia, no decurso do século atual. A primeira
mento, a “ síndrome de Hamlet” (a angústia de escolha) era ideias, a do Behaviorismo, eclodiu com a força de uma revelação
eficientemente eliminada. Tal como aquela maravilhosa Senhora /-•por volta de 1913 e abalou os alicerces da Psicologia acadêmica
72 F lo yd W . M a t so n A T e r c e ir a R e v o l u ç ã o e m P sic o lo g ia 73

por toda uma geração. O behaviorismo surgiu em reação à engatinhar e caminhar; fá-lo-ei trepar e usar as mãos para cons­
excessiva preocupação da Psicologia do século XIX com a cons­ truir casas de pedra ou madeira; farei dele um ladrão, um pisto­
ciência e com a introspecção como método de chegar aos dados leiro ou um toxicômano. A possibilidade de moldá-lo em qual­
da atividade mental consciente. Os behavioristas reagiram vio­ quer direção é quase infinita” (Watson, 1926, pág. 35).
lentamente. Jogaram fora não só a consciência, mas também Isso deve ser bastante para sugerir o caráter geral ( e a per­
todos os recursos da mente. Para eles, a mente era o fantasma sonalidade autoritária) da Psicologia Behaviorista — a primeira
na máquina e nenhum behaviorista acreditava em fantasmas. das três revoluções psicológicas que ocorreram em nosso século.
O fundador do movimento, John B. Watson, explicou-se desta A segunda revolução foi, é claro, a de Freud. Cumpre assi­
maneira numa proclamação que representou uma espécie de nalar que a Psicanálise e o Behaviorismo surgiram mais ou
Manifesto Behaviorista: “O behaviorista começa por varrer todas menos aó mesmo tempo, uma década a mais ou a menos, e que
as concepções medievais. Retira do seu vocabulário científico cada um desses movimentos eclodiu em reação contra a ênfase
todos os termos subjetivos, como sensação, percepção, imagem, sobre a consciência na Psicologia tradicional. À parte essas
desejo, intenção e até pensamento e emoção, tal como foram coincidências, entretanto, havia pouco em comum entre os dois
j subjetivamente definidos” (Watson, 1958, págs. 5-6).
movimentos e muita coisa que os colocava em pólos opostos.
O comportamento manifesto, aquele que podia ser visto e Enquanto o Behaviorismo dava todo o destaque ao ambiente
medido, era tudo o que contava. E tudo o que se precisava externo (aos estímulos recebidos de fora) como fator contro­
para explicá-lo era a simples e clássica fórmula de estímulo- lador do comportamento, a Psicanálise enfatizava o ambiente
-resposta, à qual se acrescentava agora um refinamento: o reflexo interno, ou os estímulos recebidos de dentro sob a forma de
condicionado. Foi esse conceito de condicionamento, recebido impulsos e instintos. Para Freud, o homem era sobretudo uma
dos laboratórios russos de Pavlov e Bechterev, que proporcionou criaturlTdélns tintos e, em particular, de dois instintos primários,
o verdadeiro impulso revolucionário ao movimento behaviorista o de vida e j j de morte._( de Eros e Tânatos). Esses dois. instin­
de Watson. Condicionamento era poder: era controle. Não se tos èstãvam em conflito, não só entre si, mas também com o
tratava meramente de Psicologia objetiva, apesar de todas as mundo, com a cultura. A sociedade baseava-se (disse Freud)
suas pretensões científicas; era uma Psicologia aplicada . . . e na renúncia dos instintos, através do mecanismo de repressão;
aquilo a que se aplicava ou, melhor, contra quem se aplicava mas os instintos não se rendiam sem luta. De fato, nunca se
era o homem. Disse Watson: “O interesse do behaviorista é renderam; não podiam ser vencidos, apenas temporariamente blo­
mais do que o interesse de um espectador; ele quer controlar as queados. A vida, portanto, era uma constante alternação entre
reações do homem, tal como os cientistas físicos querem contro­ frustração e agressao. Tanto para a pessoa individual como
lar e manipular outros fenômenos naturais” (Watson, 1958, para a cultura não existia solução permanente nem desfecho
pág. 11). Assim como o homem consistia, simplesmente, em feliz; apenas havia compromissos, expedientes, ajustamentos ope­
“uma máquina orgânica montada e pronta para funcionar”, tam­ racionais. Com efeito, o preço da civilização era a neurose em
bém o behaviorista não era um cientista puro, mas um mecâ­ massa — o resultado da necessária supressão dos instintos natu­
nico incapafc de resistir à tentação de mexer com a maquinaria. rais do homem. Mas, se isso parecia ruim, a alternativa ainda
Ao sublinhar que ciências tais como a Química e a Biologia era pior; sempre que as forças repressivas são por um momento
estavam adquirindo controle sobre seus objetos de estudo, relaxadas, declarou Freud, “vemos o homem como um animal
Watson perguntou: “Poderá a Psicologia obter alguma vez esse selvagem, a quem é estranho o pensamento de poupar os de sua
controle? Poderei fazer que alguém que não receia as serpen­ própria espécie” (Freud, 1930, pág. 86).
tes, fique com medo delas e como?” A.resposta era clara: E Talvez o . mais interessante, para não dizer o mais assus­
como! tador conceito proposto por Freud fosse o de Tânatos, o instinto
“Em resumo”, disse Watson, “o brado do behaviorista é: de morte ou de. agressão, que ele considerou um impulso inato
‘Dêem-me o bebê e o meu mundo para criá-lo e eu fá-lo-ei e irresistível para a autodestruição ou a destruição de outros.
74 F loyd W . M a t s o n A T e r c e ir a R e v o l u ç ã o e m P sic o lo g ia 75

Especialmente significativo nesse sombrio conceito da natureza lhe opõem, a Psicologia Humanista não constitui um corpo
agressiva do homem é o seu “retorno” em anos recentes, após único de teoria, mas uma coleção ou convergência de numerosas
um longo período de quase total eclipse. A corrente ressurreição diretrizes e escolas de pensamento. Se nada deve ao Behavio­
do lado sombrio de Freud, de suas meditações e devaneios pes­ rismo, deve muito à Psicanálise, embora menos, talvez, ao pró­
simistas dos últimos anos de vida, diz-nos menos sobre Freud prio Freud do que a considerável número de heréticos e desvia-
do que sobre as disposição de espírito predominante em nosso cionistas freudianos, a começar pelos seus próprios parceiros do
próprio tempo. Voltarei a falar disso um pouco mais adiante. Círculo de Viena e culminando nos chamados neofreudianos (na
O principal ponto que quero frisar imediatamente sobre o realidade, antifreudianos) da segunda geração.
movimento psicanalítico, em sua forma freudiana, é que ele Com efeito, apesar de muitas divergências entre eles, os que
apresenta uma imagem do homem como “vítima-espectador”, na se afastaram, um a um, do lado de Freud compartilhavam nume­
expressão de Gordon Allport, de forças cegas que operam nele rosos compromissos e conceitos comuns a todo o movimento
e através dele. Apesar de todas as suas diferenças com o Beha- psicanalítico dissidente. Adler, Jung, Rank, Stekel, Ferenczi —
viorismo, a teoria freudiana concorda com a imagem fundamental todos estes associados da primeira hora viram-se impossibilitados
do homem como máquina de estímuío-resposta, embora os estí­ de aceitar a teoria do determinismo instintivo de Freud (especi­
mulos que impõem sua voritade ao ser humano provenham de ficamente, a sua teoria da libido) e a sua tendência para atribuir
dentro e não de fora. O determinismo de Freud não era ambien­ a origem de toda a dificuldade e motivação no passado remoto.
tal, como o de Watson, mas psicogenético; não obstante, era um Esses desviacionistas começaram por atribuir igual ou maior
determinismo e deixava pouca margem para a espontaneidade, a ênfase ao presente (ao aqui-e-agora, à “presença” do paciente)
criatividade, a racionalidade ou a responsabilidade. A fé decla­ e também ao futuro (a atração da aspiração e do propósito, a
rada na razão consciente, subentendida na terapia freudiana meta ou- plano de vida do indivíduo). O que isso implicou foi
(mais do que na teoria freudiana), não o impediu de minimizar um maior e- mais confiante apoio na conscientização da pessoa
insistentemente o papel da razão como determinante real ou em análise ou terapia, distinguindo-a de seu inconsciente; um
potencial da personalidade e conduta, nem, por outro lado, de novo respeito pela sua força de vontade e poder da razão, pela
valorizar ao máximo o ímpeto de forças irracionais que se empe­ sua capacidade de escolha e compreensão.
nham em impor suas reivindicações tanto de “baixo” (o id) Em Adler, essa abordagem assumiu a forma de conversão
como de “cima” (o superego). No mapa topográfico da mente, virtual da sessão de terapia psicanalítica num diálogo ou con­
elaborado por Freud, o ego (ele mesmo só parcialmente cons­ versão em nível consciente (o que, é claro, enfureceu Freud,
ciente) jamais obtém autonomia plena, mas funciona como uma que pensou ter Adler atraiçoado o postulado básico da moti­
espécie de estado-tampão entre duas potências rivais, a do instin­ vação inconsciente). Em Jung, a nova abordagem tomou a
to e da cultura introjetada — da natureza animal e da criação forma de enfatização do que ele chamou o “fator prospectivo”,
social. o ímpeto deliberado em oposição ao ímpeto instintivo (e, èm
Fui.deliberadamente severo com Freud, nestes comentários, particular, do instinto erotico). Também assumiu a forma, -nos
a fim de enfatizar aqueles aspectos de sua teoria e terapia que, últimos anos de Jung, de crescente ênfase sobre a compreensão
em virtude de seu pessimismo e determinismo, suscitaram no do outro (quer o paciente neurótico, quer o indivíduo normal)
decorrer dos anos a resposta crítica e criativa a que (à falta de em sua identidade singular — uma espécie de compreensão intui­
melhor termo) poderemos chamar “Psicologia Humanista” . Ésta tiva a que deu o nome de consentimento ( einfühlen); Jung dis­
nova Psicologia, a terceira revolução, representa uma reação con­ tinguia o con-sentimento do conhecimento científico, o que o
tra o Behaviorismo e a Psicanálise ortodoxa; por esse motivo é levou, finalmente, a advogar o abandono total de compêndios
que a Psicologia Humanista foi denominada a “Terceira Força”. em qualquer atividade de assistência ou cura psicoterapêutica.
Mas talvez a primeira coisa a dizer a seu respeito é que, ao No caso de Otto Rank, outro dos hereges do círculo freu­
invés dos dois movimentos de pensamento que a precedem e se diano original, o desvio adotou a forma de ênfase na vontade
76 F lo y d W. M a tso n
A T e r c e ir a R e v o lu ç ã o em P s ic o lo g ia 77

existencial da pessoa: a sua capacidade de autodireção e auto­ origem à “Psicologia da Reunião, a qual encontra seu modelo
controle. no encontro terapêutico.) O significado do conceito geral de
Buber foi bem descrito por Will Herberg:
O denominador comum nessas várias linhas de teoria e tera­
pia foi, creio eu, o respeito pela pessoa — o reconhecimento O termo Eu-Tu assinala uma relação de pessoa a pessoa, de
sujeito a sujeito, uma relação de reciprocidade que envolve “reu­
do outro não como um caso, ou um objeto, ou um campo de nião” e “encontro”, ao passo que o termo Eu-Objeto assinala uma
forças, ou um feixe de instintos, mas como ela mesma. Em relação de pessoa a coisa, de sujeito a objeto, que envolve alguma
termos teóricos, isso significou respeito pelos poderes de criati­ forma de utilização, de dominação ou controle, mesmo que se trate
vidade e responsabilidade do ser humano; em termos terapêu­ apenas do chamado conhecimento "objetivo”. A relação Eu-Tu, que
Buber designa usualmente por “relação” par excellence, é aquela
ticos, significou respeito pelos seus valores, intenções e, sobre­ em que a pessoa só pode entrar com todo o seu ser, como pessoa
tudo, sua identidade peculiar. { genuína (Herberg, 1956, pág. 14).
' Esse reconhecimento do homem em pessoa, em contraste
com o homem em geral, vai ao âmago da diferença entre a Psico­ Segue-se que a relação terapêutica, em seu desenvolvimento
ideal, representa um autêntico encontro “à beira abrupta da
logia Humanista (em qualquer de suas formas ou escolas) e tais
Psicologias científicas como o Behaviorismo. Não só na Psica­ existência” entre dois seres humanos, um procurando ajuda e
o outro ajudando. Esse reconhecimento mútuo, que nunca é
nálise, mas também em outros campos, uma quantidade cres­
cente de estudantes está sendo levada à inquietante conclusão imediato, mas apenas uma possibilidade a ser realizada, abre
de que as características' definitivas de um ser humano não caminho através das defesas e posturas convencionais dos dois
parceiros, a fim de permitir que um deles, como pessoa, chegue
podem ser delineadas desde uma “distância psicológica” , por
até ao outro, como pessoa. O que se exige do médico em parti­
assim dizer, mas só têm possibilidade de ser focalizadas mediante
cular, diz Buber, é que “ele próprio saia de sua protegida supe­
a compreensão da perspectiva única do próprio indivíduo.
rioridade profissional e aceite a situação elementar entre um ser
/ Essa ênfase sobre a pessoa humana, sobre o indivíduo em humano solicitado e um que solicita” (Friedman, 1960, pág.
sua totalidade e unicidade, é uma característica central da “Psi­ 190).
cologia do Humanismo” .J Contudo, existe um importante coro­
Independentemente de seus usos por psicólogos e psicana­
lário, sem o qual a ênfase personalista seria inadequada e destor­
listas existenciais, como Ludwig Binswanger, Viktor Frankl e
cida. Esse corolário é o reconhecimento, para usarmos uma frase
Rollo May, o conceito imensamente fértil de “reunião” Eu-Tu,
de Rank, de que “o eu precisa do òutró”. Esse reconhecimento é
de Buber, encontra paralelos e reverberações na obra de outros
expresso de várias maneiras: para os neofreudianos, assinala a
filósofos existenciais, sobretudo aqueles que são comumente cita­
importância do relacionamento no crescimento da personalidade;
dos como existencialistas religiosos ou teólogos existenciais.
para os existencialistas, leva a enfatizar a importância dos temas Para Gabriel Mareei, que chegou independentemente à fórmula
de diálogo, encontro, reunião, intersubjetividade etc. Embora
Eu-e-Tu, o sentido de encontro genuíno é veiculado pelo termo
esse reconhecimento seja amplamente compartilhado por psico-
“intersubjetividade”, o qual subentende uma comunicação autên­
terapeutas humanistas, analistas, teóricos da personalidade, psicó­
tica na ordem de comunhão. Escreveu Mareei: “O fato é que
logos da percepção e outros, talvez o mais impressionante e siste­
podemos entender-nos a nós mesmos a partir do outro, ou de
mático desenvolvimento da idéia tenha sido proporcionado pelos
outros, e só partindo deles; . . . somente nessa perspectiva é
pensadores existencialistas, tanto na área da Psicologia como da que poderá ser concebido um legítimo amor do eu” (Mareei,
Filosofia. Existe uma semelhança flagrante na formulação desse 1960, pág. 9). Esse discernimento, muito semelhante ao con­
relacionamento eu-outro por vários existencialistas. A Filosofia ceito de Fromm de amor produtivo e auto-realização, implica
do Diálogo, de Martin Buber, gravitando em tomo da relação uma reciprocidade de conhecimento em que o que “Eu sou”,
Eu-Tu, „é provavelmente a mais influente e possivelmente a mais
assim como o que “Tu és”, só se tornam conhecidos através da
profunda (Buber, 1937). ( Entre outros efeitos; fecundos, deu
78 F lo yd W . M a t so n A T e r c e ir a R e v o l u ç ã o e m P sic o lo g ia 79

experiência mútua do que “nós somos”. Cada comunicante reco­ mais do que qualquer outro ser reconhecido como “pai espiri­
nhece o outro em si mesmo e reconhece-se a si mesmo no outro. tual” do movimento humanista èm Psicologia; Gordon Allport,
Na “teologia terapêutica” de Paul Tillich (1952), essa apre­ o grande teórico americano da personalidade e herdeiro do manto
ciação geral do papel esclarecedor do encontro é aplicada direta­ de William James; Rollo May, que introduziu a abordagem
mente à psicoterapia — encarada como a “comunidade de cura” . existencial na Psicologia americana e a desenvolveu em termos
Tillich, em comum com outros existencialistas, acredita que as de originalidade criadora; Cari Rogers, cujo mandato terapêutico
dificuldades pessoais representadas pela neurose promanam, fun­ de “respeito incondicional” pelo cliente se assemelha à filosofia
damentalmente, de falhas no relacionamento com outros, resul­ da preocupação fundamental de Tillich; Erich Fromm, o mais
tando em auto-alienação de qualquer contato genuíno com o influente dos neofreudianos, que há muito se trasladou da Psica­
mundo. Assim, o problema terapêutico central passa a ser o nálise para os domínios mais altos da Filosofia Social e da Crí­
de “aceitação”, mais precisamente, de sucessivas fases de aceita­ tica Cultural; Henry A. Murray, inspirado mestre e exemplar
ção que culminam na aceitação do eu e do mundo dos outros. de humanismo; Charlotte Bühler, que nos tornou a todos côns­
Nessa nova espécie de encontro terapêutico — e eis-nos cios da importância, para a compreensão psicológica, dos valores-
diante de outro princípio humanista — não existem “sócios -metas pessoais e do curso total de uma vida humana.
comanditários”. O terapeuta existencial (isto é, o- terapeuta Ao terminar, desejo sugerir algo do potencial ativista da
humanista) deixou de ser a tela branca ou o “catalisador silen­ Psicologia Humanista, citando 'alguns parágrafos da conferência
cioso” que era no tempo de Freud; pelo contrário, é um parti­ que proferi em 1969, como presidente recém-eleito da Associação
cipante ativo com a totalidade do seu ser. Participa não só de Psicologia Humanista, perante a sua assembléia anual (Mat-
para ajudar, mas, ainda mais basicamente, para conhecer e com­ son, 1969):
preender. Segundo Tillich, “é preciso participar num eu para
saber o que é isso. Pela participação, o eu muda” (Tillich, . . . Gostaria de propor uma linha de compromisso, e de pro­
testo, que poderíamos adotar perfeitamente como psicólogos huma­
1952, pág. 124). A inferência é que a espécie de conhecimento nistas. Essa linha consiste,,, como diria Jefferson, em jurar perma­
essencial à Psicologia e Psicoterapia não pode ser adquirido pela nente oposição a todas as formas de tirania sobre a mente do
observação indiferente, mas, outros sim, pela observação parti­ homem. Proponho que nos comprometamos a defender a liber­
cipante (para usarmos a expressão de Harry Stack Sullívan). dade psicológica; pois acredito que, muito possivelmente, a maior
ameaça que paira sobre a liberdade no mundo de hoje (e de ama­
Através do desprendimento ou indiferença, talvez seja possível nhã) é a ameaça à liberdade mental, que consiste, em última instân­
adquirir conhecimentos “úteis”; mas só através da participação cia, no poder de escolha.
é possível obter o conhecimento proveitoso. Essa liberdade é hoje ameaçada por todos os lados. É amea­
Em qualquer descrição adequada das fontes e forças que çada pelo que Herbert Marcuse chamou a “sociedade unidimen­
sional”, a qual procura reduzir as categorias de pensamento e dis­
alimentaram o movimento da Psicologia Humanista (o que este curso a uma espécie de endosso consensual das diretrizes impostas
breve esboço não pretende ser), muito mais precisaria ser dito por uma cultura agressiva e aquisitiva. É ameaçada pela tecno­
em reconhecimento das contribuições dadas por cada teórico e logia da sociedade de massa, cultura de massa e comunicação de
terapeuta. Felizmente, dispomos de um certo número de tra­ massa, a qual fabrica (com todo o respeito devido a Marshall
McLuhan) um mundo amorfo de prazeres plásticos, em que os
balhos abrangentes, entre eles, os livros de James Bugental, mansos conduzem interminavelmente os mansos para o mar da tran­
Challenges of Humanistic Psychology (1967), Anthony Sutich qüilidade.
e Miles Vich, Keadings in Humanistic Psychology (1969) e o A liberdade mental também é ameaçada pela revolução bioló­
meu próprio The Broken Image (1964), especialmente os Capí­ gica e seüs corolários psicológicos — não só pelo familiar ninho
tulos 6 e 7. Mas até o presente ensaio não poderá deixar de de cuco das lobotomias e tratamentos de choque, sobre o qual nin­
guém pode voar, mas pelos iminentes avanços da “cirurgia estética”
mencionar, pelo menos, alguns dos promotores e agitadores da e intervenções afins, os quais prometem tornar viável a reciclagem
terceira revolução, notadaménte, Abraham Maslow, que merece e reprogramação do mecanismo cerebral.
F loyd W . M a t so n A T e r c e ir a R e v o l u ç ã o e m P sico lo g ia $1

Talvez do modo mais crítico de todos, a nossa liberdade psi­ Referências


cológica é ameaçada pela falta de coragem e de fibra; pela nossa
incapacidade para viver de acordo com (e viver além de) o dogma A r d r e y , R. African Genesis. Nova York: Atheneum, 1961.
democrático, o qual assenta na fé na capacidade do ser humano A rdrey, R. The Territorial Imperative. Nova York: Atheneum, 1966.
comum para conduzir sua própria vida, abrir o seu próprio cami­
B u b e r , M. I and Thou. Nova York: Scribner, 1937.
nho, ser ele mesmo, conhecer-se e tornar-se mais ele mesmo. Essa
falta de coragem predomina no campo da educação; é uma espé­ B u g e n t a l , J. F. T. (org.), Challenges of Humanistic Psychology. Nova
cie de doença ocupacional do trabalho social, em que a pessoa York: McGraw-Hill, 1967.
assistida passa a ser um cliente que é tratado como paciente e diag­ D o st o ie v s k y , F. The Short Novels of Dostoievsky. Nova York: Dial
nosticado como incurável. E isso é uma característica generalizada Press, 1945.
na paisagem da Psicologia acadêmica e ciência do comportamento, Freud, S.
Civilization and Its Discontents. Londres: Hogarth, 1930.
em tantos aspectos deprimentes que seria necessário um livro (que
M. Martin Buber: The Life of Dialogue. Nova York: Har­
F r ie d m a n ,
já escrevi) para enumerá-los todos. per Torchbooks, I960.
Mas citarei apenas um dos aspectos em que essa falta de H erberg, W . The Writings of Martin Buber. Nova York: Meridian
coragem se manifesta no estudo do homem. A velha doutrina Books, 1956.
reacionária do Pecado Original, da depravação inata, está desfru­
L o r e n z , K. On Aggression. Nova York: Harcourt, Brace & World, 1966.
tando nos últimos tempos uma ressurreição muito popular e em
larga escala. Assume a forma da hipótese de agressão como dota­ M arcel, G. The Mystery of Being. Chicago: Gateway, 1960.
ção instintiva fixa do homem — como se fosse uma mancha gené­ M a t s o n , F. W. The Broken Image: Man, Science and Society. Nova
tica no sangue, uma sombria mácula na dupla hélice de cada um York: Braziller, 1964.
de nós. A alegada descoberta ou redescoberta desse instinto M a tso n , F. W. “Whatever Became of the Third Force?” Conferência
assassino está sendo \ saudada nos clubes do livro e em revistas proferida na Associação da Psicologia Humanista, Silver Spring, Ma­
populares como se fosse a bênção final, a boa nova derradeira no ryland, 29 de agosto de 1969* Reproduzida em AAH P N ewsletter,
caminho da redenção do homem. Como explicar a popularidade outubro de 1969, V I, N.° 1.
dessa tese sombriamente pessimista? Como explicar o status de
M orris, D . The Naked Ape. Nova York: McGraw-Hill, 1967,
best-seller conquistado por livros como On Agression (1966), de
Lorenz; The Territorial Jmperative (1966) e African Genesis R ie z l e r , K . Man — Mutable and Immutable. Chicago: Regnery, 1950.
(1961), de Ardrey; e The Naked A pe (1967), de Desmond Morris? S k i n n e r , B. F. Walden Two. Nova York: Macmillan, 1948.

Creio que a resposta é clara: uma falta de coragem em massa. S u t i c h , A. J., e V i c h , M. A. (orgs.), Readings in Humanistic Psychology.
Nada poderia ser melhor calculado para nos livrar do incomodo Nova York: Free Press, 1969.
anzol da responsabilidade pessoal, do autodomínio^ e da autode­ T il l ic h , P. The Courage To Be. N ew Haven: Yale University Press,
terminação, do que essa doutrina de nossas propensões inatas para 1952*
a agressividade. É por isso que guerreamos; é por tsso que odia­ W atso n , J. B.
The Ways of Behaviorism. Nova York: Harper, 1926.
mos; é por isso que não podemos amar-nos uns aos outros nem
W a t so n , J. B. Behaviorism. Chicago: University of Chicago Press, 1958.
a nós mesmos. As pessoas não prestam — e acabou-se.
W i e n e r , N . The Human Use of Human Beings. Boston: Houghton Mif­
Bem, não acredito que os psicólogos humanistas aceitem essa flin, 1950.
armadilha. Proponho, por conseguinte, que lancemos todo o peso
do nosso movimento, a totalidade da Terceira Força, contra essa e
todas as outras ameaças à liberdade mental e à autonomia da
pessoa. Tornemo-nos a consciência ativa da fraternidade psicoló­
gica, buscando, expondo e condenando toda e cada força desuma-
nizante, despersonalizante e desmoralizante que nos empurraria
cada vez .mais para o caminho do Admirável Mundo Novo e da
sociedade tecnocrática — esse laboratório dos sonhos do behavio-
rista e dos pesadelos do humanista.
Pois nesse caminho está não apenas o fim da liberdade psico­
lógica, mas também a morte da humanidade.

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