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Rio de Janeiro
2014
Marcelo Fernandes do Nascimento
Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 390:2
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Marcelo Fernandes do Nascimento
Banca Examinadora:
_______________________________
Profa Dra Denise Barata (Orientadora)
Faculdade de Educação – UERJ/FFP
_______________________________
Prof. Dr. Salomão Jovino da Silva
Centro Universitário Fundação Santo André
_______________________________
Profa Dra Azoilda Loretto da Trindade
Universidade Estácio de Sá
_______________________________
Irenilza Oliveira e Oliveira
Universidade do Estado da Bahia
Rio de Janeiro
2014
DEDICATÓRIA
INTRODUÇÃO................................................................................. 10
1 DE ONDE ESTAMOS FALANDO.................................................... 17
1.1 Os africanos chegam ao Brasil e com eles os ancestrais
divinizados..................................................................................... 19
1.2 As “Áfricas” no Brasil.................................................................... 27
1.3 As etnias Iorubás............................................................................ 33
1.3.1 A constituição da suposta supremacia Iorubá (nagô) no Brasil....... 35
1.4 Sincretismo ou interações, trocas, acrescentamentos e
possibilidades? ............................................................................. 45
1.4.1 Olhares – lugar de interpretações.................................................... 50
1.4.2 Um legado.................................................................................... 55
2 OS FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A INICIAÇÃO
SOCIORRITUALÍSTICA................................................................... 61
2.1 As linguagens na constituição das identidades ritualística...... 61
2.1.1 Oruko oriki – o nome que identifica o elégùn................................. 79
2.2 Memória – a mola mestra da iniciaçã........................................... 84
2.3 Identidades – elaborações e movências...................................... 94
3 ELÉGÙN – (RE)INVENÇÕES SOCIORRITUALÍSTICAS................ 105
3.1 O ancestral divinizado e o indivíduo – faces côncava e
convexa em um mesmo ser – o elégùn........................................ 105
3.1.1 Ancestre e descendente – atores sociorritulísticos que se
completam................................................................................ 110
3.2 Êpa hey, Oyá – o ancestral da transformação............................ 115
3.3 Axé – forças necessárias para o elégùn...................................... 121
3.4 Elégùn – devir ritual, social, cultural............................................ 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 131
REFERÊNCIAS................................................................................. 134
10
INTRODUÇÃO
“Você tem outras vivências que podem ser trazidas para o campo de
pesquisa.” Estas foram as palavras ouvidas por mim da minha orientadora,
professora Doutora Denise Barata, quando da minha aprovação, mas não seleção,
no ano de 2010, para cursar o mestrado nesta mesma instituição. Naquele
momento, eu propunha investigar a utilização ou não de materiais pedagógicos,
destinados às Unidades Escolares da 8 a Coordenadoria Regional de Educação
(CRE), que tratavam da história da África e dos afro-descendentes, conforme
orientação da Lei no 10.639/2003.
Ao procurar a professora, ela me disse a afirmativa acima. Confesso que
demorei a me situar em suas palavras. Havia um misto de decepção, comigo
mesmo, e um não entendimento do “aprovado/não selecionado”. O que valia de fato,
naquele instante, era que eu não cursaria o mestrado e, consequentemente, adiaria
a consolidação de uma realização muito importante na minha vida. Recordo que a
professora Denise me explicou que o fato de minha aprovação significava que eu
tinha condições de seguir no campo de pesquisa acadêmica. Suas explicações me
incentivaram a não desistir de meu desejo até então.
No processo seletivo seguinte, lá estava eu propondo pesquisar sobre
“minhas outras vivências”, conforme sugerido pela referida professora: o ritual de
iniciação das comunidades negras brasileiras 1 como um processo constitutivo de
identidades próprias. A concretude de tal projeto transportou-me ao ano de 1987
(ano de meu nascimento ritualístico) e a todos os que se seguiram até aquele
momento. Era como se eu estivesse fora de mim, assistindo como espectador a
todas as cenas que passaram diante dos meus olhos.
Debruçar-me sobre minhas vivências significava para mim, naquele instante,
minha atividade profissional – a educação – ou minha escolha religiosa/ritualística. A
primeira se encontrava (e ainda se encontra) em um campo intenso e disputado de
1
Escolho, neste estudo, a terminologia comunidades de cultos negros brasileiros (ou brasileiras), por
acreditar que esta é a que melhor se adequa ao objetivo proposto e que, ainda, encontra maior
sustentação no/do referencial teórico. Esclareço que essas comunidades também são
denominadas: candomblé, casas de santo, terreiro, casa de axé, terreiro de candomblé, dentre
outros. Em alguns trechos aparecerão essas terminologias por serem ressignificações negras no
Brasil de práticas que aqui chegaram e que aqui se constituíram com a diáspora africana e, ainda,
por terem sido citadas pelos iniciados que contribuíram para a efetivação deste estudo.
11
hipóteses, e a segunda era trazer para o meu lado acadêmico, ou melhor, para as
minhas identidades acadêmicas uma parte de minha vida que eu acreditava, até
então, que não necessitava de maiores aprofundamentos (e talvez não precisasse
mesmo). Tinha a ilusória percepção de que já estava pronta, estruturada.
Após a euforia da aprovação, delineei o que de fato eu queria abordar sobre
os iniciados nos cultos negros brasileiros. Quais perguntas fazer, o que ler, o que
não deixar de sinalizar; enfim, o que faria parte de minha pesquisa. Aí me deparei
com uma questão muito mais ampla: falar de iniciados seria falar de mim; pesquisar
a iniciação como locus de constituição de sujeitos, significava incluir-me nesse
processo. A angústia que se apresentava pautava-se no tênue limite do iniciado-
pesquisador-iniciado. Como separar os dois? (Se é que isso seria possível!) Não
queria trazer somente as minhas percepções, e deixo claro, aqui, que o “somente”
não significa que elas não sejam de uma importância ímpar, mas precisava assumir,
também, minhas identidades de pesquisador e precisaria, em alguns momentos,
ocupar exclusivamente esse lugar para poder perceber se minhas hipóteses faziam
sentido ou não.
Diante desse impasse, estava ali eu – iniciado e pesquisador – trilhando
minhas escolhas e revisitando minhas histórias enquanto iniciado há 27 anos: os
caminhos percorridos, as vivências e as experiências, os encontros e os
desencontros dos quais tenho feito parte, memórias de anos de rodas de conversa
com meus pares, de discussões e embates após rituais, conversas que vararam
madrugadas a fio após as rodas ritualísticas, leituras realizadas e, principalmente, as
transformações ocorridas em mim, após ter-me consagrado em elégùn2. Essas eram
algumas pistas que se apresentaram naquele momento para que eu desse início à
minha pesquisa. Esclareço que, em grande parte da pesquisa, situo-me no lugar do
pesquisador, no entanto há momentos que, seduzido pelo assunto, ocupo o lugar
posto em minha vida, ou seja, o de iniciado. Vale destacar, ainda, que, na própria
escrita existam ambos (elégùn e pesquisador), pois, na maior parte deste estudo, há
2
Verger (2002) cita que elégùn é aquele que pode ser “montado” (gùn) pelo ancestral
divinizado/orixá; possuído por ele. Para as comunidades de cultos negros brasileiros, elégùn é
aquele que é iniciado nos rituais, iniciado em orixá. Ele é o veículo que permite a volta, o retorno, a
vinda do ancestre à terra para ser ritualizado nos cultos negros. Vale esclarecer que, em muitas
comunidades de cultos, o elégùn também é conhecido pelo nome de iaô. O mais importante, para
este estudo, é o entendimento da relação constituída entre o indivíduo e o(s) seu(s) ancestral(is)
divinizado(s) como constante ritual e formação humana.
12
3
A partir de agora retomaremos os verbos e os pronomes na primeira pessoa do plural.
13
4
Este estudo pauta-se na concepção do orixá enquanto ancestral divinizado, conforme apresentado
por Santos (1986), Salami (1997) e Verger (2000). Desse modo, apregoamos a ideia de que eles
têm suas descendências nas terras por onde as etnias africanas fixaram-se a partir do século XVI.
Assim, a escolha de utilização será do conceito de ancestral divinizado desenvolvido pelos referidos
autores.
5
Aiê na língua iorubá significa o espaço visível, ou seja, a Terra. Orum significa o espaço invisível. De
acordo com Sodré, são planos distintos mas interpenetrados (SODRÉ, 2005, p. 91).
14
6
Esta é uma categoria apresentada e discutida por Gilroy (2001) e por Muniz Sodré (2005), um dos
principais referenciais teóricos do estudo que se apresenta. Esclarecemos que sua utilização
ocorrerá por toda a pesquisa.
7
Salientamos que o primeiro capítulo apresenta uma abordagem diferenciada dos capítulos que o
sucedem. Há nele uma preocupação em situar as culturas e as dinâmicas negras que migraram
para o Novo Mundo a partir do século XVI.
15
Sodré (2005) e Barata (2012), o que possibilita a interação com o objetivo central
apresentado.
Nesse contexto, o segundo capítulo – Os fundamentos que sustentam a
iniciação ritualística – apresenta os aportes utilizados nos rituais iniciáticos: as
linguagens (verbais e não verbais) com sua gama de possibilidades, as memórias e
as identidades. Por intermédio desses aportes, os diálogos que se desenvolvem, em
sua grande maioria, contam com as contribuições de Zumthor (1993, 1997), Hall
(1997), Ong (1998), Verger (2000, 2002), Foucault (1969, 1995), Hampate Bâ (1982,
2010), Sodré (2005), Gondar (2005), Barata (2012) e, ainda, com as contribuições
dos elégùn8 que participaram direta e indiretamente deste estudo.
É nesse capítulo que o desenvolvimento da pesquisa direciona-se para o seu
objeto central. A iniciação é abordada como um grande processo que abarca
individualidades, individuações e coletividades. Por intermédio dela comunicam-se
ancestral divinizado/orixá e seu descendente, que, a partir dos rituais, torna-se seu
elégùn. Nessa perspectiva, nossa dinâmica9 com os iniciados seguiu um roteiro de
perguntas no qual eles puderam colocar seus referenciais pessoais (enquanto
elégùn), impressões e visões sobre os rituais iniciáticos, ancestral divinizado e suas
atuações sociorritualísticas. Vale reforçar que, concomitantemente às entrevistas,
revisitamos conversas e debates que aconteceram em algumas das comunidades
de cultos dos Babalorixás e Ialorixás que compõem este estudo.
O terceiro capítulo, intitulado Elégùn – devir ritual, social, cultural, prossegue
com os diálogos com os referenciais teóricos e os elégùn, com o objetivo de ampliar
e, em alguns momentos, reforçar os fundamentos constitutivos das identidades que
se coadunam, ou seja, indivíduo, ancestral divinizado e comunidade de cultos.
8
Apresentamos, por ordem de iniciação nos cultos negros brasileiros, os elégùn que contribuíram
nesta pesquisa: Babalaô Ifafunké, Babalorixá Fernando d’Oxossi (in memorian), Ogã Claudio
d’Omulu, Ialorixá Nilza d’Ogum, Ialorixá Leila d’Oyá, Ialorixá Neusa d’Oyá, Ekedi Valníria d’Oyá,
Ialorixá Ana d’Oxum, Ialorixá Denise d’Oyá, Ialorixá Ana de Xangô, Ialorixá Daniele d’Oyá, Ekedi
Daniele d’Iemanjá, Ialorixá Claudia d’Obatalá, Ialorixá Amanda d’Oxum, Ekedi Deise d’Ossanhe,
Ekedi Carla de Xangô, Ogã Ulisses d’Omulu, Ialorixá Sandra d’Oyá (in memorian), Babalorixá
Claudio d’Iemanjá, Ialorixá Marcia d’Omulu, Ialorixá Iva d’Oxum, Babalorixá Ricardo d’Oxum, Ogã
Preto d’Omulu, Ekedi Luzia d’Ogum, Ialorixá Paula d’Oyá, Ekedi Juliana d’Oyá, Ogã Joelson de
Logun Edé, Ekedi Rita d’Oxum, Ialorixá Dolores d’Oyá, Ekedi Vitória de Oyá, Karen d’Oxum, Marcia
d’Oyá, Camila d’Oyá, Vera d’Oyá, Patrícia d’Oyá, Carmem d’Oyá e Pedro d’Oyá.
9
Esclarecemos que a dinâmica da pesquisa de campo se configurou por entrevistas, conversas,
discussões, debates, que transcorreram no período proposto pelo curso de mestrado, mas há,
ainda, as contribuições de anos de rodas conversas e investigações informais com os elégùn que
participaram deste estudo.
16
Falar da África que existe em mim não tem sido tarefa fácil. A cada dia que
passa ela parece aumentar, dilatar, ampliar... transformar-se. Nos meus primeiros
anos de escolaridade, ela era a África dos livros, dos mapas e do globo terrestre. A
abordagem dada pelos meus professores fazia com que ela se tornasse um lugar
comum ou fascinante. Tudo dependia, de fato, dos seus próprios conhecimentos
sobre esse continente tão plural. Das suas intervenções e intenções pedagógicas.
Infelizmente, em sua maioria, tais conhecimentos pautavam-se e intensificavam-se
na escravidão, como se esta fosse o pilar de sustentação da história africana; ou,
ainda, alicerçavam seus discursos em um folclore exacerbado e descontextualizado.
Enfim, inicialmente a África me foi apresentada de maneira equivocada. Esclareço
que não desconsidero que a escravidão sublinhou uma parte da história africana:
sangrou, feriu, sequestrou, dilacerou; mas, por ironia, também expandiu saberes
milenares e uma cultura que não tem espaço para o singular.
A África, que transversa esse estudo, foi reconstruída em solos brasileiros.
Reconstruída pelas mãos de cada ancestral que para cá migrou. Acredito que era
como se ela tivesse sido transplantada em suas memórias e corpos, e, a partir
deles, se fazia presente em cada canto exaltado; em cada comunidade de cultos;
em cada sabor; em cada ritual; em cada cheiro; em cada cor; em cada trançado de
cabelos; em cada movimento; enfim, em cada relacionamento tecido dia a dia por
eles.
Nesse sentido, penso que para abordar o tema central desse estudo seja
oportuno reportar-nos ao contexto histórico-cultural em que os cultos negros
praticados pelos africanos aportam nessas terras e no devir se reconstituem,
ressignificam-se, reelaboram-se e passam a ser, também, cultos negros brasileiros,
constituindo descendentes e expandindo-se pouco a pouco. É, na perspectiva de
negociações, de possibilidades e acordos culturais que a “grande diáspora negra” 10
para o Novo Mundo, incluindo o Brasil, será abordada. É no entendimento de que
essa migração forçada, que perdurou quase quatro séculos, disseminou uma
variedade de práticas culturais contidas nos milhões de corpos que transitaram pelo
Atlântico que focaremos o presente estudo. Todavia, é importante salientar que tais
práticas constituíram-se culturais por serem, indiscutivelmente, humanas. Logo, são
arraigadas de traços afetivos e repletas de sentimentos de pertença.
Acreditamos, assim, que os cultos à ancestralidade divinizada estão inseridos
nas ações socioculturais dos diferentes povos africanos que atuaram ativamente na
formação cultural brasileira. Mais que práticas ritualísticas, eles significavam práticas
sociais que possibilitavam o engendramento de seus fazeres, seu sentir e existir. É
na concepção de vínculo hereditário que o ancestral divinizado se insere na trama
ritualístico-social dos africanos (SANTOS, 1986) e, por conseguinte, de seus
descendentes em terras brasileiras. Desse modo, a ancestralidade propõe uma
identificação própria pautada na tradição, estabelecendo uma continuidade entre os
ancestrais divinizados e seus herdeiros; continuidade essa que que se manifesta
nos ritos que compõem os cultos negros, sempre reiterados, mas com lugar para
variações (como no eterno retorno tratado por Nietzsche). A ancestralidade assenta-
se na terra-mãe, ou seja, em solos africanos. No caso dos negros da diáspora, ela
encontrou terreno fértil nos espaços de cultos (como as irmandades, as
comunidades de terreiro, casas de candomblé, nas escolas de samba, nas folias de
reis etc.), que se tornaram depositários das memórias e das simbologias míticas.
Vale pontuar que a ancestralidade foi a possibilidade de pertença identitária
para os negros africanos após a desterritorialização forçosa. Ela foi fundamental
para que os descendentes da diáspora negra recriassem uma linhagem para a
transmissão de histórias míticas e, também, as vividas pelos que lhes antecederam.
É Bâ (2010, p. 211) quem nos diz que “assim, todo africano tem um pouco de
10
Cf. Gilroy, 2001 e Sodré, 2005.
19
11
Ancestral divinizada; deusa do rio Níger para os nagôs; na cultura ritualística banto é conhecida
como Matamba. Seus elementos de força vital são o ar e o fogo; senhora dos raios, tempestades e
ventanias; é responsável pelas transformações, segundo os Babalorixás e Ialorixás dos cultos
negros brasileiros. Segundo Verger (2002), é o único ancestral capaz de enfrentar os egúngún
(ancestrais não divinizados; antepassados não divinizados).
12
Denominação utilizada para representar aquele/a que passou pela iniciação ritualística; que
incorpora o ancestral divinizado; para os seguidores dos cultos negros “feito em orixá”.
20
o termo grego arkhé para caracterizar as culturas que, tais como as negras,
fundam-se na vivência e no reconhecimento da ancestralidade. Segundo esse
autor, as culturas de arkhé cultuam a origem, mas não com a preocupação
genealógica da história, e sim como o “eterno impulso inaugural da força de
continuidade do grupo. A arkhé está no passado e no futuro, é tanto origem como
destino” (SODRÉ, 2002, p. 153). Nessa perspectiva, os africanos escravizados
que embarcaram nos portos das nações africanas em uma migração forçosa para
o Novo Mundo trouxeram com eles o ir e vir de suas arkhés, de suas tradições.
Durante o período em que a escravidão vigorou, os negros provinham de
onde fosse mais fácil capturá-los e mais rentoso embarcá-los. O nefasto comércio
dependia, na África, das próprias condições locais das populações nativas,
regulado por suas guerras, rivalidades intertribais e domínios imperiais
(JOHNSON, 1921 apud PRANDI, 2000). De acordo com a historiografia, as
rivalidades tribais e étnicas existentes no continente africano propiciaram e
facilitaram a comercialização de africanos para o trabalho escravo nos países
europeus e em suas respectivas colônias. No entanto, cabe-nos esclarecer que,
somente tal ação não justificaria a quantidade de africanos que tiveram a
escravidão imposta por quase quatro séculos.
No Brasil, os africanos foram introduzidos nas diferentes capitanias e
províncias, em um fluxo que correspondeu, ponto por ponto, à própria história da
economia brasileira. A prosperidade da economia estava atrelada a uma intensa e
constante demanda de mão de obra escrava. Entretanto, quanto mais utilização
da força de trabalho dos homens, das mulheres e das crianças africanas, mais se
impregnava nos cantos desse país suas marcas e seus traços e,
consequentemente, as diferenças inatas desses milhões de seres humanos.
Nesse contexto, nota-se que o esforço negro africano sustentou as estruturas
propostas pelas políticas colonialistas. Contudo, concomitantemente às
imposições europeias, de igual modo, suas culturas também alicerçaram e
interferiram na constituição da população brasileira. Suas mãos, calejadas pela
labuta diária, construíram, mesmo tão distante de suas origens geográficas e
afetivas, a possibilidade de existência e permanência de suas vivências. Para
esses homens e mulheres, as vivências não se apartavam de seus ancestrais,
assim como não se desarticulavam de seus ensinamentos.
21
13
Cf. Soares, 2007, p. 121.
22
14
Disponível no site: http://www.mundoeducacao.com.br/historiadobrasil/os-diferentes-tipos-escravo-
no-brasil.htm
15
Disponível no site: http://www.brasilescola.com/historiab/formas-trabalho-escravo-no-brasil.htm
23
16
Os escravos encarregados de despejar os barris com dejetos, eram denominados de “tigres” pela
população, numa alusão à necessidade de se evitá-los, tal como as feras homônimas, quando
alguém os encontrava pelo caminho (cf. Soares, 2007, p. 136)
24
Na pintura Mercado na Rua do Valongo, o pintor francês Jean Baptiste Debret (1768-1848) dá a
sua versão de como era o local, no Rio de Janeiro, onde africanos recém- chegados de seu
continente eram colocados à venda como escravos17
17
Disponível no site: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/africanos-foram-escravizados-
brasil-646493.shtml
26
do outro, para melhor inspeção dos compradores; tudo o que vestiam era
um avental xadrez azul e branco amarrado na cintura; [...] O cheiro e o
calor da sala eram muito opressivos e repugnantes. Tendo meu
termômetro de bolso comigo, observei que atingia 33°C. Era então inverno
(junho); como eles passam a noite no verão, quando ficam fechados , não
sei, pois nessa sala vivem e dormem, no chão, como gado em todos os
aspectos (KARASCH, 2000, p. 76).
18
Sodré (2005, p. 92), esclarece que a formação social brasileira se deu alicerçada por duas ordens
culturais: a branca e a negra. Segundo o autor, houve um “jogar” com as ambiguidades por parte
dos negros africanos e seus descendentes que objetivava a permanência de suas práticas. É
importante frisar que, as mesmas sofreram constantes adaptações e reelaborações e, ainda, que
essa era uma das características marcantes desses povos, ou seja, o jogar entre as suas culturas
desde os solos africanos.
19
De acordo com Prandi (2000), a África Negra é dividida linguisticamente, de uma maneira geral,
entre bantos e sudaneses.
28
20
Atualmente, os povos de origem banto, são conhecidos no Brasil pelo termo genérico de angola,
sobretudo quando se trata da designação de religião afro-brasileira de origem banto ou de outra
modalidade cultural, como a capoeira (PRANDI, 2000).
21
Yeda Pessoa de Castro, Falares Africanos na Bahia: Um vocabulário Afro-Brasileiro. Rio de
Janeiro: ABL: Topbooks, 2001, p.25
29
Desse modo, podemos presumir que existiu uma identificação dos escravos
centro-africanos com a pluralidade existente nessas terras. A presença dos bantos
em nossa cultura é tão profunda que hoje nem é reconhecida de modo distinto,
pois é vista e sentida como parte constitutiva do que somos e do que é cada vez
mais a nossa língua. Hábitos como “cafuné”22, festejos que atravessam gerações,
como as congadas, e palavras como cachaça, samba e muitas outras mostram a
forte relação dos elementos culturais bantos incorporados pela cultura brasileira.
Castro (2001) alega que, de fato, há uma matriz africana banto na língua
portuguesa falada no Brasil e que essa matriz é uma das razões de nossa unidade
linguística. Em sua configuração, as línguas dos povos de origem banto “foram as
mais importantes (...) devido à antiguidade e superioridade numérica de seus
falantes e à grandeza da dimensão alcançada pela sua distribuição humana no
Brasil colonial”23. De acordo com Heywood (2010), pesquisas sobre a demografia
do comércio demonstraram que os centro-africanos, ou seja, os povos banto,
estavam em todas as regiões da América. A autora sinaliza, ainda, “que algumas
regiões tiveram maior peso do que outras em relação ao número de centro-
22
É um gesto de carinho; coçar carinhosamente a cabeça de uma pessoa ou de uma criança de colo
para acalmá-la ou fazer dormir.
23
Pessoa de Castro, op. cit., p. 74.
30
africanos que receberam” (HEYWOOD, 2010, p. 19). Ela destaca em seus estudos
que o Brasil foi o principal importador de escravizados africanos oriundos da África
Central (HEYWOOD, 2010, p. 19).
Logo após os povos bantos, chegaram os sudaneses que aqui ficaram
conhecidos genericamente como iorubás ou nagôs, mas que compreendem uma
variedade de povos. Destacamos, então, as etnias de oyó, ijexá, ketu, ijebu, egbá,
ifé, oxogbô, os fon-jejes (que agregam os fon-jejes-daomeanos e os mahi), os
haussás. Destacamos que, para muitos autores os termos “bantos” e “sudaneses”
são referências muito abrangentes, englobando cada uma dessas classificações
dezenas de diferentes etnias ou nações africanas. Durante todo o tráfico negreiro,
por interesse comercial, preservou-se alguma informação sobre a origem étnica
dos negros africanos. O escravo recebia, frequentemente, não a designação de
sua verdadeira etnia, mas a do porto de embarque. Por exemplo, chamava-se
indistintamente mina a todos aqueles que passavam pelo forte da Mina, fossem
achântis, jejes ou iorubás.
De acordo com Gomes (2005, p.35),
primeira metade do século XIX. Segundo o autor, desde o final dos seiscentos a
cidade começaria a se destacar como um dos principais portos de desembarque
de africanos. No entanto, após 1831, com o desenvolvimento do tráfico ilegal pelo
Atlântico, os desembarques foram deslocados para as áreas litorâneas do norte e
sul fluminense. De acordo com Silveira (2006, p. 68-69), tais áreas passaram a ser
palco de sucessivos desembarques ilegais. O autor nos diz que nesse período
houve uma entrada massiva de escravos provenientes da zona congo-angolana,
ou seja, Costa Centro-Ocidental, de origem banto, com 81% de todos os cativos
desembarcados no porto do Rio de Janeiro oriundos dessa região. Karasch (2000,
p. 50), em seus estudos, ratifica a abordagem do autor citando que “a primeira e
mais óbvia conclusão é que a maioria dos escravos do Rio era importada do
Centro-Oeste Africano”.
Diante do apresentado, verifica-se que os centro-africanos participaram, de
modo impactante, da constituição da cidade do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo
em que não houve quase nenhuma tribo, etnia ou nação africana que não tenha
fornecido seu contingente ao Novo Mundo e, por conseguinte, que também não
tenha introduzido de modo significativo suas marcas em sua formação cultural.
Ainda que de acordo com vários pesquisadores elas também tenham sofrido além
da escravidão a tentativa de apagamento 24 de suas origens e culturas por parte da
política vigente à época. Para esses pesquisadores, isto se comprova quando de
sua chegada a essas terras eram separados dos seus, evitando-se assim a
possibilidade de sublevação. Sodré (2005, p. 93) esclarece que, desde o início, os
senhores (proprietários) evitavam reunir grande número de escravos da mesma
etnia, estimulavam as rivalidades étnicas e desfavoreciam a constituição das
famílias. De acordo com o autor, “a brincadeira negra” era permitida (batuques,
folguedos, danças) não somente como válvulas de escape, mas, principalmente,
por ratificarem as diferenças e as diversidades entre as nações que conviviam em
um mesmo espaço. Bastide (1974, p. 12) nos fala da política do “dividir para
reinar”, que, segundo ele, mostrou-se muito útil para os governantes e os
senhores de engenho, pois os próprios escravos de etnias rivais, a princípio,
denunciavam as conspirações para seus donos.
24
Segundo Slenes (1992, p. 49), a ideia de “apagamento” das origens culturais dos africanos é
percebida, em parte, pelo fato de os escravos (principalmente os de cultura banto), para
defenderem-se dos seus senhores, terem sido mestres da dissimulação, o que não aponta para o
“apagamento” real de suas culturas, e sim estratégias de sobrevivência.
32
aos centro africanos não somente foram para todos os lugares nas
Américas, como levaram com eles para todos os lugares uma cultura
litorânea homogênea, que já existia na África com elementos emprestados
principalmente das práticas e pensamentos da Europa Mediterrânea.
28
Ancestral divinizado (orixá) que na natureza, é simbolizado pelos raios e trovões. Nos cultos
negros brasileiros é o orixá da justiça. Seu elemento de força vital é o fogo.
29
Ancestral divinizado (orixá) simbolizado pelos caçadores. Seu elemento de força vital é terra.
30
É importante frisar que, todos os africanos que cruzaram forçosamente o Atlântico, contribuíram
para a formação cultural brasileira.
31
Referem-se ao espaço de culto: barracão, casa de santo, ilê axé, roça, dentre outras designações.
36
32
Era a expressão utilizada pelos que participavam da minha comunidade de cultos.
33
Mudar às águas significa a troca de vínculo com a raiz da nação africana que sustenta o axé do
espaço de cultos. Os axés estão respaldados nas principais nações africanas que participaram da
colonização brasileira. Destacam-se: Angola, Congo, Ketu, Jeje, Ijexá e Efon. Dessa maneira, o
indivíduo trocava essas “nações”.
37
34
Denominação utilizada para representar a composição do espaço de culto e seus componentes
(iniciados e não iniciados); membros da comunidade de terreiro.
35
Rodrigues (1932) traçou amplo quadro da presença africana no Brasil ao discutir suas regiões de
procedência conforme a distribuição do tráfico de escravos, ao inventariar línguas e grupos étnicos
africanos existentes no Brasil e ao reconhecer a complexidade de suas manifestações artísticas e
religiosas. Cabe ressaltar, que a pesquisa se deu com africanos remanescentes na Bahia no fim do
século XIX, e que a mesma só foi publicada, postumamente, em 1932, intitulada Os Africanos no
Brasil.
36
As origens e argumentos de ideologia racista no Brasil são discutidos em detalhe por Lília
Schwartz; Scharcz, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial
no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Cf. também sua didática
apresentação da “questão racial no Brasil: Schwarcz, Lilia Moritz. Questão Racial no Brasil In:
Negras Imagens: ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil, eds. Lilia Moritz Schwarcz e Letícia
Vidor de Sousa Reis. São Paulo: EDUSP/Estação Ciência, 1996, 153-177.
38
Sul do país, era o nagô (iorubá) que prevalecia na Bahia37. A autora sublinha que
as contribuições linguísticas do iorubá, no entanto, nem sempre são claramente
identificáveis, e, segundo ela, o próprio Nina Rodrigues reconheceu que confiar
totalmente na memória dos descendentes de escravos podia, às vezes, induzir a
erros nos planos cultural e linguístico. Capone cita, ainda, que o médico também
abordou a presença de mulçumanos entre os escravos baianos e seu
engajamento na resistência à escravidão nas célebres revoltas que culminaram
em 1835 com o levante dos malês em Salvador. Rodrigues atribuía aos africanos
da Costa Ocidental – iorubás, jejes, tapas, haussás – superioridade cultural em
relação aos povos bantos, provenientes da África Centro Ocidental, que eram
maioria no centro-sul do Brasil. Em relação aos haussás, a “superioridade” era
destacada, pelo autor, pelo fato de serem letrados. Capone (2009, p. 16) afirma
que, no intuito de criticar a predominância linguística banto, Rodrigues baseou seu
método na observação de fatos religiosos, comparando-os com os dados de que
dispunham sobre os povos africanos. De acordo com a autora,
37
Cabe-nos pontuar que, o predomínio da língua nagô, na Bahia, exaltado pelo estudioso, era em
sua grande maioria nos espaços ritualísticos e nos momentos dos cultos religiosos, e não como
uma “língua pátria” falada cotidianamente por todos.
39
mundo ideal em que não existem conflitos e os valores africanos “originais” são
fielmente conservados. Para ele,
38
A autora cita Arthur Ramos, Édison Carneiro, Juana Elbein dos Santos, Pierre Verger, Raimundo
Nina Rodrigues, Roger Bastide e Vivaldo da Costa Lima (cf. Capone, 2009, p. 20).
40
Nina Rodrigues e Arthur Ramos, nos anos 1930, fizeram suas pesquisas
no Gantois; Édison Carneiro no Engenho Velho; Roger Bastide, Pierre
Verger, Vivaldo da Costa Silva e Juana E. dos Santos, entre outros, no Axé
Opô Afonjá. [...] Assim Nina Rodrigues e Ramos se tornaram ogãs do
Gantois. Damesma forma Édison Carneiro era ogã no Axé Opô Afonjá [...]
Roger Bastide e Pierre Verger, que havia recebido o títuli de Oju Oba [...] A
aliança entre cientistas e iniciados se tornou ainda mais efetiva quando, a
partir dos anos 1950, o vaivém para e da África, que nunca se interrompeu
completamente após a Abolição da Escravidão, ganhou novo impulso
graças às viagens de Pierre Verger entre o Brasil e o país iorubá (Nigéria e
Benin). O papel de mensageiro que desempenhou dos dois lados do
oceano, como ele mesmo definiu, e sobretudo o prestígio que decorria dos
títulos e marcas de reconhecimento outorgados pelos os iorubás aos
chefes de terreiros “tradicionais” representaram um importante elemento
na construção de um modelo de tradição, válido para os demais cultos. [...]
Foi Juana Santos, discípula de Bastide, quem encarnou, no fim dos anos
1970, o exemplo mais acabado da “aliança” entre antropólogos e membros
do culto. Essa antropóloga argentina, iniciada no terreiro de Axé Opô
Afonjá de Salvador e casada com Deoscóredes M. dos Santos, alto
designatário do culto nagô, foi a primeira a teorizar a necessidade
metodológica de analisar o candomblé “desde dentro”, isto é, como
participante ativo e iniciado, a fim de evitar qualquer deriva etnocêntrica [...]
(CAPONE, 2009, p. 179).
A autora deixa evidente que os cultos negros não eram um privilégio dos
baianos e que eles se expandiram pela costa brasileira por onde atuaram os
negros africanos e seus descendentes. No entanto, uma vasta produção
acadêmica insiste em legitimar a Bahia e, consequentemente, os traços culturais
iorubá como locus da tradição. Será que toda exaltação e visibilidade dada ao
culto iorubá, por esses estudiosos está atrelada às suas práticas ritualísticas
enquanto seguidores? E, mais ainda, como ocupantes de altos cargos nos
referidos terreiros? Será que toda a pesquisa acadêmica sobre esses terreiros, e
consequentemente sobre o culto nagô, incentivou a busca dessa “tradição” por
outros terreiros seguidores? É possível questionar se “o poder e a força”
vinculados à tradição africana iorubá por esses pesquisadores iniciados, desde o
século passado, contribuíram para a “formatação” de comportamentos ritualísticos
ditos “tradicionais” e tendenciaram a discriminação aos seguidores dos rituais
banto? As respostas para esses e muitos outros questionamentos ficarão também
no imaginário de todos nós, o que não quer dizer que elas não existam. A
produção acadêmica voltada para o culto iorubá referenciou uma ideia de tradição
e, em contrapartida, buscou sublinhar a ausência de tradição nos demais cultos,
os bantos em particular39.
No entanto, Reis (1989) revela a presença na cidade de Salvador, no início
do século XIX, de outros terreiros de diferentes tradições religiosas. Essa
afirmação se baseia na análise dos processos criminais relativos às perseguições
religiosas desse período. Em 1944, Luís Viana Filho (apud CAPONE, 2009, p. 17),
retrata a existência de vários candomblés bantos, cuja fundação era anterior às
pesquisas de Nina Rodrigues. Escreveu, ainda, que “era de admirar que tivessem
passado despercebidos a um estudioso da inteligência do ilustre mestre”.
Percebe-se, então, que a constituição da suposta supremacia iorubá/nagô,
nos cultos religiosos, dependeu do olhar dos intelectuais sobre os cultos,
39
Cabe ressaltar que, segundo Dantas (1998), a “hegemonia nagô” possui uma “pureza” nascida do
encontro do discurso de certos praticantes com o discurso dos pesquisadores, eles próprios
fortemente ligados a esse segmento religioso.
42
40
Cf. Bastide, 1974; Luz, 1995; Prandi, 1991; Santos 1976; e Verger 2002.
41
Cabe ressaltar que, a Bahia, principalmente a cidade de Salvador, é o locus das referências de
muitos autores que afirmam a supremacia religiosa iorubá, desconsiderando, na maioria das vezes,
às contribuições bantos, também nesse aspecto.
43
bem como o qualificativo obrigatório do que está ligado à reafirmação das raízes
africanas da identidade negra africana. A própria utilização dos termos iorubás nos
escritos e na oralidade nos cultos religiosos busca ressaltar essa “supremacia
construída”. Dessa maneira, a própria língua mãe torna-se “menor”, constituindo-
se como um empecilho para a “pureza tradicional” que deve legitimar os cultos
nagôs. Na busca de oficializar cada vez mais a ligação imaginária com a África,
vários iniciados e chefes de terreiros, também conhecidos como Babalorixás (os
homens) e Ialorixás (as mulheres) no culto nagô, recorreram a viagens a Nigéria e
Benin, acreditando que desse modo teriam um contato “mais puro com as
tradições”, retornariam às origens e voltariam a ser “nagôs”42. Ir à África significava
entrar em contato com as fontes do conhecimento religioso, denotava um ganho
de tradicionalidade. Segundo Capone (2009, p. 265),
42
As pessoas que recorreram (e ainda recorrem) às viagens à África, o fazem acreditando que
reafirmam sua fidelidade à tradição.
43
A figura mais emblemática desse movimento que buscou estabelecer vínculos entre Brasil e África
foi sem dúvida Pierre Verger. Ele procurou, pela comparação entre o país e o continente, fazer
sobressair a fidelidade dos negros baianos à África. Filho espiritual (Filho de Santo) da Ialorixá do
Axé Opô Afonjá, Senhora de Oxum, o pesquisador fez valer seu papel de “mensageiro” e poder,
assim, “contar a África” aos amigos baianos (VERGER, 2002).
44
44
O termo “seus” é utilizado, neste contexto, como pertencimento, participação e não como
propriedade.
45
A importância dessa aliança entre terreiros e pesquisadores pode ser bem percebida no meio dos
cultos negros brasileiros. Segundo Capone (2009, p. 289), durante um encontro das nações de
candomblé em 1981, um participante de um terreiro angola lançou um apelo aos pesquisadores
para que estudassem o ritual de sua nação, pois “não há livros sobre angola”. E tem mais terreiros
de angola na Bahia do que de Ketu, de jeje, de qualquer outra nação.
45
onde conviveram escravos oriundos das mais diversas nações africanas, nativos
e os imigrantes europeus.
46
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida – Por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A.
2005. 3. ed. p. 100.
51
Ainda hoje, em pleno século XXI, percebe-se uma interpretação distante, por
parte de alguns estudiosos, sobre o percurso feito pelos escravizados africanos
nos seus “acordos culturais”47 para a continuidade de seus fundamentos. Muitos
deles descontextualizam um processo sócio, histórico, político e cultural em que os
cativos estavam inseridos. Os acordos, as negociações, o “jogar”, que marcam as
vivências dos escravizados, estavam atrelados a uma teia de significados, ao
mesmo tempo em que representavam, aqui, confrontos vividos, imputados por
uma legitimação de poder. Reviver, em terras distantes das suas, as negociações
e as elaborações que já estavam habituados a realizar no dia a dia manteve, de
certa maneira, ativa suas culturas; e isso, para eles, foi maior que rótulos e
preconceitos enfrentados.
As marcas culturais herdadas por nós dos africanos que foram escravizados
em nosso país representam de certa maneira as trocas, encontros, desencontros,
disputas, tecidas na diversidade das suas estruturas culturais, na convivência (ou
não) nas lavouras, nas senzalas, nas cidades, nos festejos e celebrações. Tais
marcas fortaleceram a permanência de suas culturas como um “todo” de modo
abrangente. Cabe esclarecer que esse “todo” não é unificado de informações, mas
diversificado; e é aí que está o perfil dinâmico dessas práticas ou seja, na
perspectiva das trocas, dos acrescentamentos, dos preenchimentos, dos
movimentos e encontros étnicos que constituíram nossa história cultural. É na
pluralidade que estão nossas bases culturais – uma grande estrutura construída a
várias mãos –, que trocamos, negociamos, jogamos, acrescentamos informações
a todo momento. Não é isto ou aquilo, como buscado pelas interpretações
pautadas em um paradigma ocidental, mas é isto e aquilo, em uma perspectiva de
interação e intercruzamento de sentidos.
No Brasil, o legado cultural negro africano foi consubstanciado de modo
plural e mítico: cultos aos ancestrais, músicas, danças, culinária, vocabulários,
indumentárias etc, que foram incorporados nas práticas dessa terra por nós. Ao
terem sido incorporados, também sofreram, nas diferentes regiões,
acrescentamentos. Segundo Barata (2012, p. 24), “enquanto em Salvador a
47
Muitos pesquisadores exaltam a relação que foi estabelecida entre os santos católicos e os orixás,
como se apenas por esse viés houvesse ocorrido as negociações culturais.
52
“nossa”, tão familiar, que é difícil senti-las como se fossem de “outros”. Elas estão
em nós. Comunicam-se por intermédio de nossos corpos, de nossos gestos, de
nossos gostos, de nossas vozes e, principalmente, do que somos. Fazemos parte
de uma cultura que abarca a diversidade, que se constitui no dia a dia, no aqui e
agora. Bebemos na fonte da pluralidade cultural, mesmo que muitas vezes não
reconheçamos isso. É por essa razão que as negociações culturais vividas pelos
negros africanos e seus descendentes nos influenciam de modo tão natural. Elas
representam relações/elaborações constituídas por eles nas suas práticas
cotidianas.
Logo, rituais e manifestações das diferentes etnias africanas, muito
provavelmente, intercruzaram-se nos encontros propostos pela grande diáspora
negra e, mantiveram contatos nas irmandades, nas escolas de samba, nas folias,
nas congadas, nos cucumbis e nas comunidades de cultos constituídos nessas
terras. Dessa maneira, por analogias possíveis, traziam à realidade seus ritmos,
seus movimentos, suas práticas, enfim, suas memórias, colocando-as o mais
próximo possível de seus sentimentos e fazeres. Lutando cotidianamente contra a
tentativa de apagamento dos seus traços e atitudes.
Diante dessa perspectiva e embasados pela reflexão de Sodré (2005), sobre
as práticas negro-africanas de engendramento de axé desenvolvidas aqui, é que
São Jorge48 é o santo guerreiro da Capadócia reverenciado nas tradições
católicas, ao mesmo tempo em que pode ser Ogum, o orixá responsável pelas
lavouras, vinculado ao ferro, desbravador, nos cultos de matrizes africanas e,
ainda, ser o vencedor de demandas da umbanda. Do mesmo modo, Oyá é a
deusa do rio Níger, senhora dos ventos, das tempestades, das transformações e,
ainda, é saudada em uma abordagem da cultura branca, ou seja, vinculada a
santa Bárbara.
48
O destaque dado a São Jorge, nessa parte da pesquisa, justifica-se no fato de ser um dos santos
mais festejados no Rio de Janeiro pelas comunidades de cultos negros. Sua expressividade nos
mesmos perpassa pelas festividades/celebrações católicas.
54
Figura 4 – Babalorixá Ricardo de Oxum fazendo seus rituais em frente a Igreja de Santa Bárbara –
Rocha Miranda, Rio de Janeiro – em 04 de dezembro de 2013.
49
Cantiga dedicada à Oyá nos rituais de Umbanda.
50
O acarajé é a comida preferida de Oyá. É preparado com feijão fradinho descascado e pilado,
pimenta, cebola (que devem constituir uma massa homogênea) e frito no azeite de dênde.
51
Homens iniciados em orixá que tem as funções de sacrificar, cantar e tocar para os ancestrais
divinizados. Cada uma dessas funções recebe uma designação específica: axogun é o ogã que faz
os sacrifícios dos animais; alabê é o que canta e toca os atabaques e tem ainda o pedigã que
auxilia o zelador/a na administração da comunidade de culto; aquele que zela para que os rituais
transcorram tranquilamente.
55
Figura 5 - Babalorixá Ricardo de Oxum fazendo seus rituais em frente a Igreja de Santa Bárbara
– Rocha Miranda, Rio de Janeiro – em 04 de dezembro de 2013.
1.4.2 Um legado
O dia a dia dos escravizados era pautado sobre o poder de seus “donos”. A
imposição por parte dos senhores buscava a desestruturação sócio cultural dos
cativos, uma “tentativa de apagamento” de suas raízes. Um exemplo destas
imposições era o batismo católico aos escravos recém-chegados. Os senhores
acreditavam que, com essa atitude, eles incorporariam os traços cristãos,
tornando-se dóceis e subservientes, abandonando, assim, antigos costumes e
rituais que, na visão ocidental, eram demoníacos. Desde sua chegada a essas
56
Figura 6 - Fiéis na Igreja de Santa Bárbara no bairro de Rocha Miranda, Rio de Janeiro. Em 4 de
dezembro de 2013. Dia dedicado a Santa Bárbara
Figura 7 - Gruta dedicada à Oyá na loja O Mundo dos Orixás – Rocha Miranda, Rio de Janeiro
58
Outra forte presença das culturas cristãs nas comunidades de cultos negros
brasileiros é a missa do elégùn52. De acordo com zeladores, ela era obrigatória em
muitos candomblés, finalizando os rituais de iniciação. Após o dia da cerimônia de
apresentação do noviço à comunidade religiosa, este se dirigia à igreja para
assistir a missa e, em seguida, encaminhava-se à casa de zeladores da
redondeza para pedir bênçãos. A cerimônia católica fazia parte dos rituais
iniciáticos de tal modo que os noviços eram incorporados por seus ancestrais 53.
Durante os anos que venho pesquisando e dialogando com iniciados em
orixá, notei o quanto é importante para muitos deles a separação dos traços
judaico-cristãos de suas práticas negras. Em alguns casos não admitem sequer
rituais que aproximem ou se justifiquem entre ancestral divinizado e santo católico.
Falam com veemência que “santo não é orixá” e que prosseguir, na atualidade,
com essas práticas significa continuar aceitando as imposições das culturas
brancas54.
Contudo, independentemente de posicionamentos político-religiosos, é
imprescindível perceber que o negro africano procurou analogias entre as diversas
formas míticas (inkisse, orixá e vodun) e os santos católicos; não se tratou de
identificá-las nem de misturá-los, o que seria, de fato, um sincretismo, mas
encontrou, segundo a visão de mundo deles, equivalências mítico-religiosas.
Manter contato com os santos católicos era o contorno possível na realidade posta
em um período histórico e, principalmente, político. A lógica utilizada era pautada
em uma racionalidade própria (já faziam isso no continente africano) e,
consequentemente, diferente da visão ocidental.
Reiteramos que as reelaborações vividas e praticadas pelos escravos
possuíram várias analogias que se respaldavam nas suas mentalidades, nas suas
interconexões e, principalmente, nas condições sociais, culturais, políticas e
religiosas encontradas aqui. Não se pode desconsiderar que elas significaram a
possibilidade do “existir cultural” de vários povos. Mesmo sem exatidão, as
52
Essa prática perdurou até o final do século XX, de acordo com os participantes deste estudo.
53
Vale pontuar que, segundo algumas declarações, nem sempre a presença do iniciado era vista
positivamente por líderes e adeptos católicos.
54
No ano de 1983, líderes de cultos negros brasileiros, mais precisamente algumas Ialorixás do
candomblé baiano, assinaram um documento conhecido por “Manifesto Antissincretismo”, propondo
um rompimento entre a religião negro-brasileira e o catolicismo, bem como uma “reafricanização”
dos terreiros de matriz africana no Brasil.
59
55
O candomblé é dividido, geralmente, identificado pelas representações das nações africanas: nagô,
ketu, efon, ijexá, jeje, angola e congo. Há, ainda, os que se denominaram com terminologias daqui:
caboclo, xangô etc.
60
56
Para Capone (2009), o termo afrobrasileiro apresenta problemas epistemológicos, pois
encontramos, no conjunto do campo religioso afrobrasileiro, cultos como o kardecismo e a
umbanda “branca”, que não se reconhecem como cultos de origem africana, mas que estão
intimamente ligados às modalidades de culto (omolocô, candomblé, umbanda branca etc.) que
reivindicam uma herança africana. Segundo ela, com efeito, veremos que os médiuns circulam de
uma modalidade a outra, em um continuum religioso que vai do polo considerado menos africano
(kardecismo) àquele considerado mais africano (candomblé nagô).
61
57
Reforçamos que os ancestrais divinizados migraram para o Novo Mundo através das memórias de
milhares de homens e mulheres africanos. Seus cultos foram reelaborados, reestruturados,
recriados e, até mesmo, reinventados, por analogias possíveis.
62
encantadas, histórias saboreadas, histórias que exalam seus cheiros pelo ar,
histórias sagradas... histórias.
Nesse contexto, elencamos a palavra falada (oralidade) como um dos
caminhos de interação e identificação dos seguidores às suas práticas, às suas
casas de santo, às suas “nações”58, às suas comunidades de terreiro; às suas
comunidades de cultos negros, ao candomblé etc. É por intermédio das linguagens
oral e não oral que se inicia a relação com novos termos, novos nomes, novos
gestos, novas representações, novos contatos com os deuses e ancestrais, com
verdades antes desconhecidas ou desconsideradas, com os espaços e os
costumes59.
De acordo com Salami (1997, p. 44), nos cultos de origem africana, “a
linguagem oral alcança a dimensão de elemento vital, componente da
personalidade, da cultura e da história, constituindo-se em processo que se
desdobra de instâncias muito abstratas às práticas sociais”. Cabe esclarecer que a
oralidade, a palavra, a voz, os sons, a performance, os gestos, os cheiros,
representam uma parcela das linguagens que permeiam os ritos iniciáticos. Assim,
observamos que, segundo o pesquisador, a palavra oral ocupa um lugar de
destaque: o de “elemento vital”. O verbo60 participa ativamente mediante cânticos,
rezas, contação de histórias dos mais velhos, dos antepassados e da comunidade.
Logo, ela se constitui no iniciado; no seu ser, agir, produzir, pensar, falar, contar,
cantar, recontar, transmitir, e principalmente, realizar. Ela apresenta o mundo mítico
e sagrado ao iniciado; “esculpe a sua alma” (HAMPATE BÂ, 2010, p. 174).
58
No Brasil, os cultos negros brasileiros, em sua grande maioria, são vinculados às nações dos
africanos que disseminaram aqui os seus cultos e práticas rituais, quando vieram forçosamente para
o trabalho escravo. Desse modo, Ketu, Angola, Jeje, Efon, são algumas “nações” que se
presentificam nos espaços de cultos negros brasileiros.
59
Vale, mais uma vez ressaltar que, os africanos que para essas terras vieram entre os séculos XVI e
XIX, em sua grande maioria, utilizavam-se da palavra oral para se situar no Novo Mundo. Nessa
perspectiva, pautarmos a discussão sobre a constituição das identidades dos iniciados nos cultos
negros brasileiros, primeiro, na palavra oral, é fundamental, sendo ela a grande responsável pela
transmissão de conhecimentos milenares. Esclarecemos, ainda, que, o fato de priorizarmos a
palavra oral como fonte de conhecimento para atingirmos a finalidade proposta, não significa total
ausência de escrita nos referidos cultos e, muito menos, analfabetismo.
60
VERBO (de acordo com Michaelis) sm (lat verbu) 1 Palavra, expressão, elocução. 2 Gram A
palavra que exprime, por reflexões diversas, o modo de atividade ou estado que apresentam as
pessoas, animais ou coisas de que se fala. 3 Palavra que significa alguma ideia extraordinária e de
grande importância. 4 Tom de voz. 5 A parte principal de uma coisa.
64
Figura 8 - Ekedi Vitória d’Oyá – de 4 anos de idade e o mesmo tempo de iniciada – no Ilê Ase Orisa
Ogum Iemanjá a ti Oyá.
66
Figura 9 - Ekedi Vitória d’Oyá – de 4 anos de idade e o mesmo tempo de iniciada – no Ilê Ase Orisa
Ogum Iemanjá a ti Oyá.
[...] Não há dúvida de que existiu e existe ainda hoje no Brasil uma tradição
oral bastante viva, de origens francamente africanas e que constitui uma
verdadeira herança de conhecimentos de todas as ordens, transmitidos de
boca em boca através dos séculos, apesar de um contexto particularmente
hostil e de um desenraizamento brutal devido à escravidão. Essa herança
de conhecimento de todas as ordens é transmitida por inúmeras ‘palavras
organizadas’: fórmulas rituais; rezas; cantos; contos; provérbios; e
adivinhações, algumas em línguas africanas, outras, as mais numerosas,
em português. Por meio dessas ‘palavras’, uma ‘alma’ africana sobreviveu
e vive ainda no Brasil
Essa oralidade tão forte, tão alicerçada está presente e viva nos espaços de
cultos negros brasileiros. Ela permeia os rituais, seja na orientação de uma dança,
seja no ensinar o tempero da comida ou, simplesmente, nos diálogos entre os pares.
A linguagem oral, segundo Zumthor (1993, p. 18), não traz a obrigatoriedade de um
contato com a escrita, ou seja, ela pode ser “primária e imediata”. Nas comunidades
de cultos, a oralidade assume o lugar de trânsito por onde circulam as práticas, os
ritos, os costumes, por onde se celebra a vida. Ela é locus das aprendizagens da
nova vida. É também na oralidade, no verbo, que o elégùn se constitui, faz-se
homem, forma-se e se informa. Ela é ventre, colo, berço e escola (HAMPATE BÂ,
1979) por onde a formação humana do iniciado se dá. Na mesma forma, Barata
(2002), ao se referir a permanências e deslocamentos das matrizes africanas no
samba carioca, afirma:
Através das palavras da autora, é possível inferir que, assim como os saberes
dos sambistas cariocas circulam e se legitimam sem a menor necessidade do
registro escrito, pois são transmitidos na sua própria dinâmica, da mesma forma os
saberes dos adeptos dos cultos negros brasileiros se pautam. Tais saberes criam
sentido no encontro das práticas dos sujeitos com os seus sentidos. Barata (2012, p.
14) alega, ainda, que
61
Salami reporta-se a Olodumarê, sempre como Ser Supremo (chamando-nos a atenção com as
iniciais maiúsculas).
69
iniciação sem a representação do verbo e do gesto, sem a voz e sem a ginga dos
corpos, sem afetar os sentidos.
Dessa maneira, o ritmo dá vida às palavras; por intermédio dele elas criam
forma. Não basta proferi-las simplesmente, é preciso senti-las, vivê-las, incorporá-
las. Hampate Bâ (1979, p. 57) nos diz que “a fala deve reproduzir o vaivém que é a
essência do ritmo”. Ong (1998) apresenta os sons como suporte que embala as
palavras. Ambos os autores reconhecem a importância do som e do ritmo como
elementos que tornam vivas as palavras. A palavra falada/cantada é movimento.
Esse movimento se dá na comunicação, no contato, no diálogo. Ele é estruturado
em todo o processo ritualístico.
Desde o amanhecer até a chegada da madrugada o noviço é envolto pelos
ritmos das vozes de todos que participam da sua iniciação, pelos ritmos dos
movimentos de seus corpos, pelo ritmo de suas reverências nos rituais e no lidar da
rotina. O iniciado é “gerado” através dos movimentos dos ritmos: seja nas rezas, seja
nos cânticos, seja nas danças, seja no alimento sagrado, seja no conhecer e se
apropriar das “ciências” das ervas. Quanto mais movimento mais possibilidade de
aprendizado, maior manutenção de memória e de interação com o novo universo
mítico, mais o seu corpo falará e, consequentemente, estará como parte da
dinâmica do ritual. Entendemos que é na reprodução do que se ouve e do que se
observa que se exercita as novas palavras, os novos sons, os novos ritmos, as
novas entonações; que se apreende um vocabulário antes desconhecido, que se
apropria de histórias e verdades seculares, que o corpo se envolve e se embala nas
danças, nas rodas.
Zumthor (1993, p. 78) afirma que “nossos sentidos, na significação mais
corporal da palavra, a visão, a audição, não são somente as ferramentas de registro,
são órgãos de conhecimento”. Embasados pelo o autor, reafirmamos que, para o
elégùn manter-se como parte integrante e ativa dos/nos rituais, é necessário ter
seus sentidos interagindo a todo o momento com esses rituais. Repetir, reproduzir,
refazer, exercitar são algumas ações que estão na dinâmica dos rituais e que
buscam a melhor execução do proposto no momento por parte do adepto. A
repetição do “já-dito” pelo ouvinte\falante, segundo Ong (1998), busca garantir a
transmissão das culturas ritualísticas às futuras gerações. O autor continua,
70
afirmando que “o conhecimento tem que ser continuamente repetido para que as
novas gerações possam, ‘arduosamente’, aprender” (ONG, 1998).
Na rotina das comunidades de cultos, a repetição e o exercício do ouvir são
possibilidades para que o iniciado constitua o seu conhecimento. Os mais velhos no
culto repassam dia a dia os conhecimentos primordiais para que o iniciado se intere
e integre no contexto posto, além de objetivar que ele se aproxime do seu ancestre
divinizado. Aos poucos, os ebômis62 vão aumentando o repasse de informações.
Tais conhecimentos, em sua maioria, são repassados no devir, na prática, na
realização dos ritos. Em outros momentos, faz-se necessário uma ação quase que
didática. Alguns adeptos ficam com a responsabilidade de estruturar parte dos
conhecimentos/aprendizagens como em uma aula, havendo, até mesmo, a
necessidade de registros escritos em determinados momentos. No entanto,
ressaltamos que é na capacidade de memorização, aqui entendida como registrar
na mente, que os mais velhos fixam os conhecimentos nos adeptos. Além desses
momentos em que há quase uma aula formal, é também nos rituais que são
organizados no decorrer de todos os dias de reclusão e que acontecem ainda de
madrugada, antes do clarear do dia, que o iniciado tem seu aprendizado 63. É
possível conjecturar que, seja talvez, acreditando que a mente terá maior
predisposição para reter as informações repassadas nas histórias contadas e
cantadas, por estar mais descansada após o seu sono64. Ainda de acordo com Ong
(1998), as culturas orais não gastam energias com novas especulações: a mente é
utilizada predominantemente para conservar, para manter a proximidade com o
“mundo vital”.
Para os praticantes dos cultos, a cabeça é denominada “ori” e é assim que os
iniciados referem-se às suas cabeças: “meu ori”. A importância de ori está presente
nos cultos negros brasileiros, independentemente das “nações africanas” as quais
eles estejam interligados; seja nagô, jeje, efon, angola etc, o ori é o primeiro a ser
cultuado. Ele é considerado um orixá. É o primeiro a ser louvado nos cultos negros
62
Iniciados que possuem mais de sete anos de iniciação, com suas devidas obrigações/oferendas
rituais, em dia, ou seja, o indivíduo pode ter quinze anos de iniciado, mas se suas oferendas rituais
encontram-se atrasadas ele não é, ainda, um ebômi.
63
A utilização da madrugada para os rituais, na grande maioria das vezes, é para se evitar a quentura
do sol. Como a utilização da simbologia está arraigada nos referidos cultos, mesmo nos dias
nublados ou chuvosos, respeita-se os horários do sol.
64
Deixo claro que essa é uma percepção desse estudo.
71
devoto. De acordo com o itan, Ifá diz que “só ori é quem pode acompanhar seu
devoto em uma longa viagem pelos mares sem retornar [...] todas as coisas boas
que eu tenho na Terra são para ori que eu louvarei”. Entre os relatos apresentados e
a exposição desse itan, é possível perceber que, para os adeptos dos cultos negros
brasileiros, a cabeça é fundamental no ritual iniciático. Ela é a matriz de todo
processo. Sem a sua autorização, nenhuma oferenda e nenhum sacrifício é
realizado ou até mesmo aceito pelo ancestral. Ainda, segundo o Babalawo Ifafunké,
“nenhum Orixá abençoa o homem sem o consentimento de seu ori”.
Nas histórias contadas pelos participantes deste estudo é possível perceber
de modo muito claro o quanto o ori é quem determina os encaminhamentos das
oferendas que são destinadas aos ancestrais. O sim ou o não, o afirmativo ou
negativo dependem de seu consentimento, de sua aprovação. Na fala do Babalawo
sobre o “consentimento de ori” repousam muitas histórias reais vividas pelos
seguidores dos cultos negros brasileiros. Repousa, também, a minha história. Em
minhas oferendas65 de 14 anos de iniciação, dada no ano de 2010, quando eu já
estava com 23 anos de iniciado, senti na pele a negativa do meu ori. Como sempre
faço em minhas oferendas, todos os ancestrais de meu carrego 66 receberam
oferendas, no entanto, no dia planejado para as oferendas do ancestral Oxum,
alguns imprevistos aconteceram e um grande atraso ocorreu. O ritual não foi
realizado no momento previsto, mesmo com todas as comidas feitas e com todos os
materiais à disposição para a sua concretização, incluindo os animais para o
sacrifício. Meu Babalorixá iniciou as oferendas como de costume: com o ibá e o jogo
de obi67. Para a minha surpresa e de todos os presentes, meu ori não autorizou o
prosseguimento do ritual, ou seja, não alafiou68. Diante da recusa, o meu Babalorixá
iniciou o diálogo com meu ori para entender o porquê da negativa e, a partir das
respostas dadas no jogo do obi, iniciou as negociações/os acordos. Após horas
entre elaborações de perguntas e respostas negativas, meu ori determinou que as
65
Oferendas é expressão utilizada para representar o período de renovação de obrigações iniciáticas.
Algumas pessoas utilizam também o próprio termo “obrigação”.
66
Expressão utilizada para representar o conjunto dos ancestrais divinizados que estão assentados
para o elégùn. Alguns iniciados referem-se como carrego de santo.
67
Fruto africano utilizado para a comunicação com os ancestrais. É importantíssimo nos rituais de ori
e dos ancestrais; serve de alimento ao iniciado no momento de reclusão e, também é partilhado por
todos participantes das oferendas/rituais.
68
Aláfia expressão africana que significa: “tudo positivo”, “favorável”, “caminhos abertos”, “sim”.
75
oferendas acontecessem no raiar do dia seguinte. Cabe ressaltar que meu relato,
assim como os de outros elégùn, não se respalda na racionalidade científica, no
crivo das verdades universais, mas nos mistérios, nos segredos, nas seduções
culturais (SODRÉ, 2005). Origina-se em práticas milenares que cruzaram os
oceanos e aportaram nessas terras, abrigando-se em várias comunidades de
terreiro que, também, constituem esse Brasil.
O itan retratado anteriormente nos aponta para a importância de ori; a
importância de se cuidar de ori para os seguidores desses cultos. De acordo com o
itan, ori acompanha o homem de seu nascimento até a sua morte. Ele jamais os
abandona. Ele foi o primeiro a ser criado. Para Verger (2002, p. 208), “ori é, pois, um
princípio vital que institui a imortalidade do homem”. Ori/cabeça é a parte principal
do corpo humano nos cultos negros brasileiros. Nele/a encontram-se as funções
vitais. É encarregado, ainda, de sediar a percepção, através dos cinco sentidos,
além de ser a morada da razão e da emoção. Por seu grau de importância, nas
esculturas africanas, a cabeça é desproporcionalmente maior que o corpo.
Vale pontuar, novamente, que a visão apresentada não se sustenta nos
pilares das culturas ocidentais, em que um único tipo de razão é o caminho da
cientificidade, da verdade única, da centralização dos conhecimentos, das
inteligências intelectualizadas. No entanto, ori é o pilar das razões das várias nações
africanas, ele é quem comanda o corpo em uma intensa comunicação; é quem
imprime no corpo as possibilidades de aprendizagens; desperta as memórias para
os registros da vida; é quem permite a constituição de sujeitos ritualísticos. As
aprendizagens são registradas no ori. Logo, a iniciação é permitida por ori, assim
como é sustentada por ele. Nesse contexto, o falar um novo dialeto, o dançar novas
danças, os novos gestos, os novos sabores e apreender novos conhecimentos
passam pelo ori. As linguagens, desse modo, constituem-se em ação. Através de ori
elas são registradas por todo o corpo e nas memórias. No encontro de pares (de
iniciados) as linguagens se ampliam e identificam-se. Eu tenho as linguagens dos
meus “mais velhos” em mim, assim como os meus “mais novos” têm minhas
linguagens neles. No encontro elas se complementam e movimentam
conhecimentos de geração a geração. Nesse sentido, as linguagens têm a
perspectiva de socializar o ori no contexto cultural da comunidade de terreiro/cultos,
além de propiciar constantes aprendizagens.
76
cabelos, nas estampas coloridas, enfim, nas ações constituídas dia a dia por milhões
de homens nesse imenso Brasil. Como citado no capítulo anterior, as interferências
linguísticas dos povos africanos na formação do nosso povo em seu falar, contar,
cantar, brincar, rezar, são significativas (CASTRO, 2001, p. 74). No que tange às
práticas nos cultos negros brasileiros, a oralidade é um grande alimento que viabiliza
sua permanência ao longo de séculos até os dias atuais, sendo permeada por
acordos culturais, por reelaborações, por descontinuidades, por adaptações e por
jogos de poder (BARATA, 2012) que ratificam a sua característica de circulação
(ONG, 1998).
Destacamos ainda que é na roda das cerimônias das comunidades de cultos
negros que as linguagens tornam-se mais intensas e vivas. Ela é um agente
facilitador de aprendizagens para o noviço, pois, junto aos seus pares ele se utiliza
de todas as linguagens apreendidas por ele. A comunhão favorece o culto aos
ancestrais. O encontro das energias de todos que compõem a roda e a cerimônia,
torna-se um imã que atrai a presença dos ancestres divinizados em seus elégùn.
Cantar, dançar, reverenciar, aclamar, gesticular, dentre tantas outras ações,
constituem a atmosfera das linguagens ritualísticas no momento da roda. Ela é um
espaço vivo de aprendizagens constantes para os seus seguidores. É na roda que
os iniciados têm a oportunidade de expor suas aprendizagens. É na execução das
suas práticas ritualísticas no momento da roda – dançar, cantar, saudar, reverenciar
– que ele legitima os seus saberes e, consequentemente, busca ocupar o seu
espaço de poder. Relembramos que, segundo Foucault (1995), não há dicotomia
entre saber e poder. Ambos, de acordo com o autor, vivem em constante tensão.
Assim, a roda, além de ser um espaço em que os saberes ritualístico do elégùn são
expostos aos seus mais velhos, aos seus pares e a todos que assistem à cerimônia,
ela também é uma arena tensa nas disputas de poderes.
78
Figura 13 - Roda de Oxum no Ilê Ase Orisa Ogum Iemanjá a ti Oyá em maio de 2014
Figura 14 - Elégùn interagindo com a ancestral divinizada Oxum no seu Ipeté no Ilê Ase Orisa
Ogum Iemanjá a ti Oyá em maio de 2014.
69
Nos cultos negros, o nome iniciático, o oruko oriki, é um bem. Ele se presentifica nos rituais,
mesmo após a morte do elégùn, nas rezas e cânticos, os oruko oriki dos antepassados são
mencionados, ou seja, ficam na posteridade.
80
70
Rezas recitadas nas comunidades de cultos negros vinculadas à “nação de angola”.
71
De acordo com os Babalorixás e as Ialorixás que participaram deste estudo, o nome (oruko/djina) é
a representação do ancestre no iniciado. Ele deve ser sagrado para o adepto, pois, é o primeiro
sinal de que ele passou a ser um elégùn, sacralizando-o no espaço de culto e, também, fora dele. O
nome é “a presença do orixá” no iniciado.
81
Vale lembrar que o autor pauta sua referência bibliográfica para abordar a
questão do nome iniciático, nos estudos de Roger Bastide, renomado pesquisador,
mas que exaltou uma “supremacia baiana” no que se refere aos cultos negros
brasileiros, conforme citado no capítulo anterior. E pontuar, ainda, que a
“apresentação do nome” do ancestral divinizado (orixá) acontece na maioria das
comunidades de cultos negros brasileiros, e não somente nos “Candomblés da
Bahia”. A preocupação com o nome, com o seu significado, é constante nas
comunidades de cultos negros. Como sinalizado, ele será a principal identificação do
noviço, e, dessa maneira, precisa ser constituído de palavras que lhe tragam boas
energias e vibrações. Retornamos a importância de saber se utilizar as palavras, de
se saber contextualizá-las. O nome é um enunciado e, como tal, precisa
“acrescentar e/ou despertar” qualidades ao iniciado.
No decorrer deste estudo muitos Babalorixás e Ialorixás trouxeram suas
experiências e vivências em relação à cerimônia do nome e, ao mesmo tempo, na
sua relação com “o seu nome iniciático” ou “nome do seu orixá”. A grande maioria
demonstrou certa nostalgia ao tratar sobre essa parte da pesquisa. Isso se tornou
perceptível nas expressões: “no meu tempo”, “antigamente era assim”, “quando me
iniciei”, “no meu axé”, dentre tantas outras. Os que têm mais de 20 anos de iniciação
comungaram da ideia de um grande respeito ao “nome de orixá”73, a ideia do
“sagrado” e, de certa maneira, “divinizado”. Alegaram que só de ouvir o nome
72
Cabe esclarecer que, o termo “batiza” foi referido por alguns entrevistados. Acentuamos, nesse
sentido que, mesmo se tratando de cultos negros brasileiros percebemos a presença católica em
suas falas. Ressaltamos que tal presença não compromete as práticas ritualísticas.
73
Expressão utilizada pela grande maioria dos entrevistados que possuíam mais de 20 anos de
iniciado.
82
78
A expressão Casa de Santo era como nós, os iniciados, reportávamo-nos aos espaços religiosos
aos quais pertencíamos na década de 1980.
85
apresentaram, também, novos lugares, que me afetaram dia a dia na relação que foi
se constituindo aos poucos. E, nesse contexto, foram as memórias do vivido, do
praticado, do realizado por todos aqueles que já se encontravam na comunidade de
cultos anterior à minha chegada, que foram me orientando e fazendo com que eu
construísse as minhas próprias memórias. Foi no compartilhamento que eu vivi o
vaivém das memórias. Desse modo, foi na relação intensa e processual das
memórias (minhas e dos já iniciados que compunham aquele lugar) que os
significados se presentificaram.
Constatamos, que
80
Designação dada às pessoas que assistem às cerimônias abertas ao público, às festas
comemorativas, às rodas de candomblé.
81
Pela concepção da vida no/do santo; orixá.
87
em seus atos ritualísticos, são tecidas por suas mãos; como se, em um continuum, a
história do ancestre passasse a ser a história do iniciado. Os seus símbolos, signos,
suas representações os afetam, tocam-nos (GONDAR, 2005, p. 12), dando-lhes o
alicerce para uma (re)construção, “não do passado” (GONDAR, 2005, p. 18), mas do
presente através do momento real. A apropriação por parte do adepto dos feitos de
seu ancestre, suas predileções, suas interdições contribui para incorporar os novos
saberes e, nesse contexto, as memórias repassadas a ele (iniciados) são revestidas
pelo tempo vivido, por histórias sagradas (GONDAR, 2005, P. 18), no tempo
presente.
Admite-se hoje que a memória é uma construção. Ela não nos conduz a
reconstituir o passado, mas sim a reconstruí-lo com base nas questões
que nos fazemos, que fazemos a ele, questões que dizem mais de nós
mesmos, de nossa perspectiva presente, que do frescor dos
acontecimentos passados.
Logo, minhas memórias, como as histórias dos iniciados que compõem este
estudo, foram construídas no campo visível (humano) e invisível (ancestrais),
transitando entre os tempos (passado e presente). Os novos costumes e os hábitos
apresentados ao adepto objetivam a constituição de um novo ser; um ser renascido
(VERGER, 2002), além da tentativa de apagamento das lembranças da vida
profana, ou seja, da vida anterior e fora do espaço de culto. A partir daí, é como se a
memória do iniciado fosse tomada por outras memórias. Ao consagrar-se à vida
no/do santo, ao iniciar-se em orixá, o iniciado não é mais somente ele, passa a
trazer em si as histórias e as memórias do seu ancestre divinizado, as histórias e as
memórias do seu espaço de culto, além de partilhar suas histórias e memórias com
toda a comunidade ali existente. O coletivo, com suas representações, é o que
permite a existência do culto. Barata (2012, p. 100) nos auxilia a pensar sobre os
conhecimentos reelaborados nos cultos negros. Segundo a pesquisadora,
os conhecimentos negros são materializados durante rituais e festas
coletivas, quando os membros da comunidade se reúnem e relembram sua
história. Dessa forma, concretiza-se outro tipo de memória, que não se
ocupa dos eventos excepcionais, mas serve para manter a ordem
estabelecida, confirmando a tradição, mantendo a unidade e a expansão
da comunidade. De forma ritualizada, essas práticas referenciam e recriam
o sentido originário do grupo quando colocam em tempo real a tradição
que precisa ser atualizada para se manter. Para tanto, realizam analogias,
servindo-se de objetos (símbolos) que estão acessíveis e que respeitam os
“fundamentos” (BARATA, 2012, p. 100).
88
As “teias” são tecidas pelo homem no aqui e agora, no devir, nas suas
práticas e relações reais (SODRÉ, 2005). É no momento em que se realiza que a
iniciação nos cultos negros brasileiros apregoa uma nova vida: uma vida marcada
em rituais. Reforçamos que a vida, a partir da iniciação, é pautada na
ancestralidade, no respeito aos mais velhos, na preservação das histórias, no
contato com o mítico, na comunhão com as forças da natureza (mineral, animal e
vegetal). Uma vida que se constitui na tradição, que se faz existente no orun82 e no
aiê83 e, principalmente, na constante interação com o contexto do orixá: suas rezas,
histórias, feitos, cantigas, danças, sons, comidas, cores, paramentos, saudações;
com os seus símbolos. Nessa concepção, podemos dizer que uma vida atrelada a
tudo que permita a circulação de axé, de força ativa e constituinte de energia é
capaz de afetar o iniciado. Para o elégùn, manter-se em contato com as
representações do seu ancestral significa estar em contato com o sagrado. Desde o
amanhecer até o momento em que se deita para dormir, cada instante vivido é de
construção de conhecimentos, de práticas que o constituem na sua relação com o
real (SODRÉ, 2005). Não há elégùn sem práticas ritualísticas, sem reelaborações
culturais, sem ativação de memórias individuais e coletivas, sem o contato entre
orun e aiê.
Para Verger, a iniciação modifica o real do iniciado. Segundo ele,
82
Concepção espiritual do mundo, espaço onde estão os ancestrais (cf. Santos, 1986).
83
Concepção material do mundo, plano material (cf. Santos, 1986).
90
84
Expressão comum entre os iniciados; utilizada para a diferenciação do profano e do sagrado;
ainda, para marcar “a nova vida” pós-iniciação.
85
No Brasil, a expressão comum entre os iniciados para saber se a pessoa é iniciada é “feito no
santo”; significa que a pessoa passou pelos rituais iniciáticos nos cultos negros afro-
brasileiros/candomblé.
86
Filho do orixá; também conhecido no Brasil como filho de santo.
91
efervescência das memórias atua no ritual iniciático. Para Gondar (2005, p. 12), a
memória comporta uma característica polissêmica, ou seja, comporta diversas
significações que se abrem a uma variedade de sistemas e signos: simbólicos,
icônicos e indiciais. É essa polissemia encontrada em diferentes elementos e
práticas ritualísticas que aproxima o ancestre do seu iniciado nos cultos. Os textos
orais e escritos, as estatuetas esculpidas em madeiras e/ou osso (marfim), as
curas/beres87 são representações/suportes para a construção de uma memória
(GONDAR, 2005, p. 12) que cria forma nos rituais. Esses signos são reelaborados
no momento presente, ressignificam-se em cada rito, em cada ancestral, em cada
iniciado ao mesmo tempo em que intensificam a relação mítica e simbólica entre o
ancestre e o adepto.
Os artefatos necessários à presentificação do orixá em seu iniciado (ervas,
comidas, ferramentas, animais, roupas, fios de conta) tornam-se o imã que atrai a
energia vital para o seu ori e corpo, além das falas do Babalorixá ou da Ialorixá. Vale
pontuar que estes zelam para que todo o processo iniciático transcorra bem. Por
esse motivo, também são denominados Zeladores do Orixá e do elégùn (e ainda
conhecidos em muitos espaços de culto como Pai ou Mãe de Santo). As vozes dos
mais velhos assumem, também, grande importância no coro de rezas, cantigas,
orikis, orins, itans, ofós, aduras e de toda a liturgia que remeta aos feitos do
ancestral. A exaltação destes é fundamental para que a atmosfera esteja propícia à
sua chegada, além de ser por meio das exaltações que a força ativa dos seus
ancestres se conectam com o ancestre recém-iniciado. A feitura do orixá88 é
contextualizada no tempo e espaço presentes, no real (SODRÉ, 2005). A
constituição do orixá se dá no elégùn. É ritualizada no ori e no corpo dele, que se faz
de canal. Ele passa a ser o templo do ancestral divinizado/orixá. A partir da
consagração do orixá no corpo de seu iniciado é que as aprendizagens da nova vida
iniciam (VERGER, 2002).
Sodré (2005, p. 68) nos elucida sobre o corpo-território:
87
Cortes feitos à navalha em algumas partes do corpo do elégùn. Geralmente, eles são feitos nos
braços, no alto da cabeça, nos pés, na língua. É importante sinalizar que tais cortes (quantidade,
formato etc.) dependem da nação africana à qual a comunidade de cultos esteja vinculada.
88
Expressão utilizada para a cerimônia de iniciação do elégùn; também conhecida como yaô.
92
89
Ver Geertz, 1989; Hall, 1990; Sodré, 2005.
95
de saberes e poderes, sem reciprocidade, sem trocas, sem jogos de força e lutas
constantes (FOUCAULT, 1995), sem negociações e mobilidades culturais (BARATA,
2012), sem pertencimento (HALL,1997). Constituir-se é processo, investimento,
conhecimento, continuidade e rupturas, transformação constante, interação,
encontro, diálogo.
O autor prossegue afirmando que
90
Fala da Ialorixá Ana d’Oxum na entrevista ( pesquisa de campo).
91
Acreditamos que o conceito de disciplina, abordado por Foucault (1995), analogicamente, sustenta
a perspectiva abordada neste estudo, no sentido de formatação de comportamentos e de controle
dos iniciados nos cultos negros.
96
92
Forma como os mais velhos nos cultos negros brasileiros se referem ao noviço que apresenta bom
comportamento nos rituais, que não “envergonha” a sua comunidade de terreiro.
97
93
Nome dado ao assentamento do ancestral.
98
la94, meu Babalorixá finalizou dizendo que “servisse de lição” para todos os
presentes e orientou ainda que “contássemos aos ausentes”. Ao “acordar”, minha
irmã de santo estava toda marcada e dolorida, pois Oyá deixara as dores das
pancadas das colheres de pau em seu corpo. Ao se dirigir ao Babalorixá para tomar-
lhe a benção, foi aconselhada pelos mais velhos a “se comportar como uma iniciada”
e a “obedecer ao seu orixá”. Observamos, assim, a ideia de comportamento/conduta
e a obediência atrelada à disciplina.
Retomando a questão do processo iniciático, segundo Verger (2002), há um
estado de vacuidade e de disponibilidade que se instaura no elégùn, no processo
iniciático, possibilitando que o comportamento e a identidade do orixá possam
instalar-se livremente, sem obstáculos, e tornarem-se familiar ao iniciado. O
pesquisador defende a ideia de uma relação intrínseca entre o homem e o orixá que
se formata no elégùn, em seu corpo.
Vejamos esse itan retrato pelo referido autor em sua obra Lendas Africanas
dos Orixás (2001):
Um babalaô me contou
‘Antigamente, os orixás eram homens.
Homens que se tornaram orixás por causa de seus poderes.
Homens que se tornaram orixás por causa da sua sabedoria.
Eles eram respeitados por causa de sua força.
Eles eram venerados por causa de suas virtudes.
Nós adoramos sua memória e os altos feitos que realizaram.
Foi assim que esses homens tornaram-se orixás.
Os homens eram numerosos na Terra.
Antigamente, como hoje,
Muitos deles não eram valentes e nem sábios.
A memória desses não perpetuou.
Eles foram completamente esquecidos;
Não se tornaram orixás.
Em cada vila, um culto se estabeleceu
Sobre a lembrança de um ancestral de prestígio
E lendas foram transmitidas de geração em geração
Para render-lhes homenagem’.
É importante destacar que, desde as mais antigas sociedades africanas, a
memória se apoiava na transmissão contínua de histórias, contendo conhecimentos
e valores que preservaram, entre outros, a visão de mundo da época, suas crenças
e o repasse dos ensinamentos às gerações. Repassavam, ainda, o sentido
agregador da família e vinculação à terra (PADILHA, 2007, p. 58) e, ainda, ao seu
cultivo (BOSI, 1992, p. 47), reconhecendo que “a sociedade que lavrou a terra e
94
Ato de encaminhar o ancestral para o orun; acordar o elégún na linguagem dos cultos.
99
produziu seu alimento tem memória” (BOSI, 1992, p. 47). Portanto, o ato de lembrar
está na manutenção das tradições que sustentam a organização comunitária e as
formas de pensar e ser nessas sociedades. A tradição é fundamental para as
culturas negras como transmissão da matriz simbólica do grupo, da comunidade,
porém não se trata de uma tradição concebida de modo estático, e sim como um elo
de permanência dentro do movimento do tempo e dos lugares. Barata (2012, p. 72)
esclarece que
95
É claro que para se saber o ancestral divinizado de um indivíduo, é necessário recorrer ao oráculo
divinatório – jogo de búzios –, além de algumas vezes ser preciso recorrer a rituais específicos. No
entanto, essa “possível leitura interpretativa” do outro se dá pela correlação entre as características
humanas com as do ancestre divinizado.
96
Filho do ancestral divinizado, do orixá, filho de santo.
101
de iniciada. Para ela, falar de Oyá “é muito fácil”, pois convive com sua filha carnal,
Ialorixá Denise d’Oyá, iniciada há 25 anos. Continua dizendo que “conhece bem os
altos e baixos desse ancestral”.
97
Cf. Santos, 1986; Verger, 2002.
103
98
O mesmo que comida na linguagem dos cultos negros brasileiros.
104
Até aqui propusemos, mediante as histórias dos feitos dos cultos negros que
se reelaboraram no Brasil e as vivências dos iniciados que compõem esse estudo,
perceber as comunidades de cultos negros brasileiros como espaços intensos,
plurais, reais e, principalmente, constitutivos de identidades. Propusemos, ainda, o
entendimento de que esses espaços são repletos de movimentos próprios que
articulam os rituais e as simbologias que os reinventam em um devir mediante seus
cultos. Reafirmamos que tais cultos foram disseminados pelo vasto patrimônio negro
africano que para cá migrou no movimento da grande diáspora negra.
Segundo Sodré (2002), os cultos desenvolvidos nas comunidades de terreiro
representam uma associação litúrgica, sendo que foi por meio das organizações
pautadas nesses espaços que o patrimônio das culturas negro-africanas foi
reelaborado, possibilitando a prática dos seus rituais nesse lado do Atlântico. Esse
autor utiliza a palavra patrimônio no sentido de lugar próprio. Ele nos diz que
ancestres; são governadas por eles. Nas histórias contadas pelos “mais velhos” nas
comunidades de cultos são comuns os esclarecimentos de que “Olorun deu à
regência das energias da natureza aos ancestrais”. São vários os itans que
representam os ancestres como os responsáveis pelas energias emanadas da
natureza99.
Cabe ressaltar que muitos autores referem-se aos orixás como deuses, outros
os tratam como a personificação das forças da natureza; no entanto, amparados em
Santos (1986), Salami (1997) e Verger (2002, 2007, 2011), defendemos que os
mesmos são ancestrais divinizados. De qualquer forma, essa discussão é antiga nos
espaços de cultos e a relação que neles se estabelecem passa pelo crivo da fé, do
sentir as energias, do simbólico, das práticas ritualísticas e, principalmente, das
interpretações dos elégùn.
De acordo com as pesquisas feitas por Santos (1986), muitos autores
sustentam que os orixás são ancestrais divinizados que durante suas vidas foram
chefes de linhagens ou de clãs que, por seus feitos excepcionais, transcenderam os
limites de suas famílias ou de sua dinastia. Nesse contexto, eles passaram a ser
cultuados por seus descendentes que ampliaram tais cultos por outros clãs,
alcançando, assim, uma abrangência maior. A pesquisadora ressalta, no entanto,
que não é seu propósito discutir uma possível hipótese de uma longínqua gênese
humana dos orixás (SANTOS, 1986, p. 103). No entanto, ela faz questão de frisar
que os ancestres divinizados/orixás estão associados à origem da criação e sua
própria formação e seu axé foram emanações diretas de Olorun100. Seguindo a
mesma abordagem da antropóloga, Verger também lida com o orixá como conceito
99
Ver Salami (1997); Verger (2002, 2007, 2011).
100
Vale esclarecer que, nos cultos negros brasileiros, há também uma forte influência dos ancestres
que não são considerados divinizados. É o caso dos egúngún. De acordo com os Babalorixás e as
Ialorixás que participaram deste estudo, os egúngún foram ancestres ligados à rotina sociocultural
das comunidades de cultos e/ou vinculados às relações constituídas pelos iniciados (familiares,
amigos etc.). Eles ressaltam, ainda, que, apesar de não serem orixás, os egùn são fundamentais
para a dinâmica das comunidades, zelando e cuidando, inclusive, para o bem estar de todos que
compõem à comunidade. Assim, explicam que há rituais específicos para se louvar e cultuar os
egún, no entanto, não são todos os iniciados que podem participar desses rituais. Os zeladores
afirmam que os egún são energias muito “quiziladas”, ou seja, enfurecidas, coléricas etc.
Esclarecem, ainda, que em sua grande maioria, não há a participação de mulheres nesses cultos, a
não ser daquelas que possuem cargo elevado na comunidade ritualística. Segundo Santos (1986, p.
102), “os orixás estão especialmente associados à estrutura da natureza, do cosmo; os ancestrais,
à estrutura da sociedade”.
107
101
Muitos dos participantes desta pesquisa demonstraram perceber o orixá como força imaterial, ou
seja, axé emanado pelo criador (Olodumarê/Deus), não acreditando em uma existência
histórica/humana.
108
102
No que se concerne a essa estrutura tripartide dos processos iniciáticos, acreditamos que seja de
fundamental importância a consulta ao livro Os ritos de passagem, de Arnold Van Gennep (Editora
Vozes, 1997).
103
A quantidade de dias que serão utilizados no processo iniciático muda de comunidade para
comunidade, no entanto, em sua maioria, prevalece o quantitativo de 21 dias.
104
Termo que designa o sentido de comunidade de cultos; pessoas que constituem a comunidade de
cultos.
110
talvez seja o momento mais tenso de todo o processo iniciático. O oruko é a etapa
em que o ancestral divinizado identifica-se como único, através daquele elégùn em
que está encarnado no momento.
Após a grande cerimônia de apresentação vários rituais são realizados na
perspectiva de o noviço ser reintegrado ao contexto social ao qual ele sempre
esteve inserido. Ele precisa retomar suas atividades cotidianas: trabalhar, estudar
(se for o caso), voltar ao convívio de sua família, enfim, prosseguir... O grande
desafio estará em agregar o sagrado, que o vincula ao seu ancestral, as suas ações
sociais. Segundo os iniciados, uma vez elégùn sempre elégùn.
Logo, é a iniciação a grande responsável por encaixar as partes côncava e
convexa que participam do ritual iniciático, ou seja, ancestral divinizado e indivíduo.
De acordo com os iniciados, esse encaixe segue por toda a vida. Há uma
reformulação do eu a partir dele; há mudanças de comportamentos; há um
simbolismo que passa integrar às práticas cotidianas. O ancestre divinizado passa a
“viver” em suas ações.
Nessa perspectiva, a iniciação ultrapassa as fronteiras do ritual, do mítico, do
simbólico e passa a interferir no dia a dia do iniciado, saindo, assim, da
exclusividade da seara dos cultos e participando da realidade do indivíduo.
Embasados nos estudos de Sodré (2005) sobre cultura como relacionamento
intenso do indivíduo com o seu real e dos iniciados que contribuíram para esta
pesquisa, acreditamos que o elégùn é sócio-histórico-cultural, ao mesmo tempo em
que faz ritualístico nas relações que estabelece nessas esferas.
Figura 16 - Oyá da Ialorixá Denise participando e orientando nos/dos cultos ritualísticos. Junho de
2014.
113
105
Figura 17 - Oyá da Ialorixá Denise nas oferendas da Ekedi Carla de Xangô. Junho de 2014.
Figura 18 - Oyá da Ialorixá Denise cumprimentando a Ialorixá Nilza d’Ogum. Junho de 2014.
105
Ekedi é cargo sacerdotal destinado às mulheres que não incorporam os ancestrais. Nos cultos
negros brasileiros elas são conhecidas como “mães” dos elégùn.
114
Figura 19 - Oyá da Ialorixá Denise dançando na fogueira destinada a Xangô. Junho de 2014.
115
Figura 20- Oyá da Ialorixá Denise orientando e interagindo nas funções sociais da comunidade de
culto. Junho de 2014.
Não é o acaso que traz o ancestral divinizado Oyá para este estudo, mas uma
identificação e um amor muito grandes. Mais do que uma escolha para participar
desta pesquisa acadêmica, ela é uma escolha de vida. Como já citei, há 27 anos me
iniciei em orixá, tornei-me um elégùn. Oyá é meu ancestre divinizado. Sou seu
descendente. Comprovar minhas hipóteses por intermédio desse orixá é um imenso
desafio, ao mesmo tempo em que é uma grande responsabilidade, pois é mais uma
vez compromissar-me com a ancestralidade.
Êpa hey, Oyá! Essa é a saudação dedicada à Oyá. Ela é exaltada por seus
descendentes e por seus fiéis para aclamar o ancestral divinizado nos cultos e
rituais. Êpa hey, para o egbé, é a aclamação ao sagrado. Para seus iniciados são
palavras envoltas de axé, de força ativa e vibrante, de sentidos, de significados
próprios, de vida. Com esse chamamento o adepto busca o contato com o orixá. É
como se nós disséssemos: estou aqui! É como se chamássemos a atenção e a
proteção do ancestre.
116
Verger (2002) nos diz que destaca em sua obra este oriki por acreditar que
ele descreve bem o ancestral. Nesse contexto, é possível notar vários os títulos
dedicados a Oyá: “mulher corajosa, mulher de Xangô, vento da morte, ventania”
(VERGER, 2002, p. 169). Esses títulos também a acompanharam na migração e
reelaboração dos cultos negros no Novo Mundo. Entre títulos, orikis, itans e outras
formas de ritos, verbais ou não, Oyá chega a essas terras impregnada nas
memórias e nos corpos de seus descendentes africanos. Em cada ofó, em cada
gesto, em cada cantiga, em cada dança, no cheiro do dendê, no gosto de sua
iguaria predileta, nas cores que a identificam, enfim, nas suas representações e
identificações, o ancestral se instalou nas comunidades de cultos negros brasileiros.
Nesses espaços, Oyá também ficou conhecida como Iansã. Há um itan muito
contado e relembrado pelos adeptos dos cultos negros que esclarece o porquê
dessa denominação. Esse mesmo itan é retratado nas obras de Verger (2002, P.
169).
106
Níger em ioruba é conhecido como Odò Oya e, segundo Verger (2002, p. 168), é a principal
explicação do nome desse orixá.
117
Oyá lamentava-se de não ter filhos. Esta triste situação era consequência
da ignorância a respeito das suas proibições alimentares. Embora a carne
de cabra lhe fosse recomendada, ela comia carneiro. Oyá consultou um
babalaô, que lhe revelou o seu erro, aconselhando-a a fazer oferendas,
entre as quais deveria haver um tecido vermelho. Este pano, mais tarde,
haveria de servir para confeccionar as vestimentas dos Egúngún. Tendo
cumprido essa obrigação, Oyá tornou-se mãe de nove crianças, o que se
exprime em ioruba pela frase: “Iyá omo mésàn”, origem de seu nome Iansã
107
Na grande maioria das comunidades de cultos as interdições prevalecem até o iniciado conquistar
a maior idade ritualística, ou seja, tornar-se um ebômi (aquele que tem mais de sete anos de
iniciado com obrigações/oferendas pagas/dadas). No entanto, há adeptos que, mesmo após os sete
anos de iniciação, optam pela não ingestão dos alimentos que foram interdições para o seu
ancestral pelo conceito imputado à fertilidade como prosperidade. Vale ressaltar que os ritos nos
cultos são arraigados de simbologias e simbolismos.
118
Esse itan reafirma Oyá como uma mulher destemida, enfurecida (quando
contrariada e/ou desafiada) e leal. Deixar “seus chifres”, como representação de um
búfalo, com seus filhos para que, em caso de necessidade, eles pudessem clamar o
seu socorro é uma simbologia dessa lealdade e da paixão sentida por eles. “Seus
chifres” representam o elo entre o orixá e seus descendentes. Por essa razão a
ancestral é caracterizada em muitas comunidades de cultos como um búfalo e,
ainda, haver chifres desse animal colocados nos locais consagrados a Oyá. Para
nós, seus seguidores, eles simbolizam a proteção da ancestre. Nos rituais dedicados
a Oyá é comum ter um iniciado seu batendo chifres de búfalos. Segundo a Ialorixá
Leila d’Oyá, essa representação, geralmente, objetiva clamar a vinda do orixá para
receber suas honrarias e oferendas e, consequentemente, agraciar a todos com a
sua proteção.
119
Ainda pautados no referido itan, percebemos sua união com Ogum, orixá
vinculado à caça e ao ferro. No entanto, a historiografia voltada para os cultos
negros africanos e negros brasileiros chama a atenção pela paixão intensa da
ancestral por Xangô. Há relatos ainda de seu envolvimento amoroso com Oxóssi e
com Omulú (como citado no capítulo anterior).
108
Vale acentuar, aqui, que os iniciados que compartilham dessas ideias possuem mais de 25 anos
de iniciação nos cultos, o que contextualiza um comportamento social que não está apartado das
concepções culturais de uma determinado momento histórico.
120
reaprendizagem dessas atividades, ocorre uma rotina semanal que pretende manter
ativo o contato do noviço com seu orixá; “manter aceso o axé”. Cabe ressaltar que
as elaborações de condutas, as formulações dos movimentos ritualísticos e a
conexão com a ancestralidade são pilares que sustentam a relação que se
apresenta nessa fase. Ela nos explica que, ainda no período do quelê109, há uma
prática intensa de ritos por parte do iniciado. A Ialorixá expõe que no seu período de
quelê vivia mais em sua comunidade de cultos do que no convívio com os seus
familiares.
Dessa mesma maneira, a Ialorixá Daniele d’Oyá nos conta que viveu de
forma idêntica essa fase. Há uma concordância nas falas das duas Ialorixás quando
nos esclarecem como se processou esse período de suas vidas ritualísticas. De
acordo com ambas as iniciadas, essa fase é como se o elégùn fosse um bebezinho,
um recém-nascido que necessita estar em contato com o colo dos seus pais110,
adquirindo sua atenção, proteção e benção. Nesse contexto, elas dormiam nos seus
respectivos espaços de culto no dia da semana consagrado ao seu ancestre, a
quarta-feira111, no dia do ancestre de seus zeladores e no dia consagrado ao
ancestral Obatalá (também conhecido como Oxalá), a sexta-feira. Esses dias eram
constituídos de banhos de ervas, oferendas de comidas secas112, rezas, recitação
de orikis e ofós, além de, em alguns momentos, cantar e dançar para os ancestrais
divinizados.
Com essas celebrações semanais, segundo os ebômis, a circulação de axé é
constante na vida dos iniciados, impregnando, assim, o orixá em seu ori e corpo.
Logo, praticar e exercitar os ritos, ou seja, as danças, as cantigas, a confecção das
109
Quelê é um cordão feito de búzios e missangas da cor da preferência do orixá que fica “preso” ao
pescoço do iniciado por um determinado período. A Ialorixá explica que no tempo em que foi
iniciada, esse período era de três meses. Durante esses meses ela tinha dias e horários
determinados para estar no barracão. Esclarecemos, ainda, que nesse período o iniciado é tratado
como se fosse um recém nascido, recebendo vários cuidados ritualísticos.
110
Vale lembrar que nas comunidades de cultos negros brasileiros os ancestrais divinizados/orixás
são tratados por seus iniciados como “pai ou mãe”, e nesse contexto eles são tratados de “filhos”.
111
As comunidades de cultos negros brasileiros vinculam os dias da semana para se cultuar e louvar
os orixás. Cada ancestral divinizado que migrou nas memórias e nos ritos dos negros africanos para
essas terras tem um dia dedicado a seu culto. Assim, a quarta-feira é o dia dedicado a Oyá.
Destaca-se que, independentemente da nação à qual o espaço esteja ligado (Angola, Congo, Kêtu,
Jeje, Efon, Ijexá), este dia é comum a todos.
112
Termo utilizado para as oferendas que contêm cereais cozidos ou torrados, frutos sagrados (obi e
orobô), frutas frescas, dentre outros, mas não há sacrifícios de animais.
123
113
Expressão utilizada pelos adeptos dos cultos negros brasileiros para se preparar a massa do
acarajé que é composta de feijão fradinho descascado e moído, temperado com cebola e pimenta.
114
Eléques são fios de contas (missangas) maiores que os quelês. A diferença entre eles está na
utilização, pois o eléques podem ser retirados do pescoço a qualquer momento, enquanto os quelês
ficam no pescoço no período da iniciação e nas obrigações de renovação.
115
Jarro pequeno de barro ou louça que compõe o assentamento do orixá para se colocar água. No
caso de Oyá, geralmente são quartinhas de barro pelo seu vínculo a egun; a terra.
124
Quando me iniciei em orixá tudo era muito diferente, havia mais dedicação e
menos vaidades. O santo ensinava a gente a lidar com as adversidades da
vida. Por mais problemas que se enfrentasse, havia mais confiança, ao
mesmo tempo em que se tinha a certeza que tudo seria resolvido, que
nosso santo nos livraria daquela dificuldade. As provações serviam para
testar a nossa fé e dedicação ao santo e no nosso axé. Era preciso ser
paciente e humilde. Nossa atitude era sempre de respeito ao santo e aos
nossos mais velhos. Mantínhamos nossa cabeça baixa ao ouvir um
ensinamento de um iniciado mais antigo que nós na vida do santo. Aprendi
muito com os meus mais velhos, com meus tios e primos de santo, e a cada
ensinamento, lhes tomava benção (IALORIXÁ NILZA D’OGUM, 2013).
125
Nas palavras saudosas de Mãe Nilza (é como todos do seu egbé lhe tratam
carinhosamente), percebemos que a humildade era essencial para que as
aprendizagens acontecessem, para que o elégùn pudesse contar com a sabedoria e
apoio dos “mais velhos” na resolução dos problemas enfrentados. Logo, a “postura
de cabeça baixa” contextualizava as posições de cada um nas relações que se
propunham, segundo a Ialorixá. Assim como citado anteriormente pelas Ialorixás
que participaram desta pesquisa, Mãe Nilza alega que para se aprender é preciso
conviver no espaço de cultos; é preciso respeitar os mais velhos e também os mais
novos e, ainda, demonstrar sempre boa vontade na realização das tarefas ou do que
for solicitado.
Nesse prisma, observamos que o axé é praticado, exercitado, sentido,
dançado, gesticulado, saboreado, visualizado, preparado e, principalmente,
compartilhado e vivenciado. Ele pressupõe trocas de energias e emoções entre
todos os participantes (ancestral divinizado–elégún–egbé–animal–vegetal–mineral).
É como se o axé fosse o combustível necessário para que as engrenagens dos
cultos negros brasileiros se movimentassem. Ele é ativo, dinâmico, plural,
agregador... é sentidos.
Para todos nós, seguidores desses cultos, ter axé é fundamental, pois ele tem
relação com tudo o que é importante para o bom desempenho da vida em seus
aspectos espirituais e materiais, com positividade; com boa sorte, com prosperidade,
com concretude. No egbé, ter axé significa o bom equilíbrio entre essas duas
esferas: espiritual e material. Todo o encantamento proposto nos rituais sugere a
existência do axé tanto no espaço geográfico quanto na vida de seus iniciados e
participantes. Por isso, quando falamos a expressão “axé”, é o mesmo que dizer
“tudo dará certo” em ambos os planos (espiritual e material).
A expressão axé é comum entre adeptos dos cultos negros brasileiros. Ela é
abrangente. Está presente em vários contextos utilizados por nós. Seja para
sacralizar ritos, na finalização das falas de iniciados mais velhos nos cultos, para
saudar os ancestrais divinizados, no diálogo entre irmãos, enfim, ela alicerça
relações.
Vale salientar que o axé se insere no terreno das culturas negras. Ele é
arraigado de encantamento, de sedução, de fascinação, de envolvimento (SODRÉ,
2005, p. 120). Logo, a cultura ocidental, imersa na concepção de verdade única,
126
De acordo com Hall (1997), a cultura é uma produção, possuindo sua matéria
prima, seus recursos, enfim, seu “trabalho produtivo”. Ela permeia os tempos e
envolve os homens em suas tramas, acompanhando, assim, a(s) história(s) da
humanidade. Logo, a(s) cultura(s) é(são) processo(s) constante(s), repleto(s) de
continuidades, descontinuidades, rupturas, vazios, fendas que, a todo momento,
sofrem ações/intervenções do homem. Assim, sua característica processual (estar
em formação/em movimento) é acentuada no fazer do homem, enquanto agente
social, histórico e cultural. Desse modo, cultura(s) e homem estão em constante
(trans)formação, reinventando-se, cotidianamente, no devir da contemporaneidade.
Nessa perspectiva, não há rigidez nem características fixas, imutáveis ou estáticas,
mas movimentos, transitoriedade, fluidez e mutações.
Cabe pontuar que, no que se refere à reinvenção, nem sempre há a noção
desta ou até mesmo intencionalidade. Muitas vezes ela passa despercebida, pois se
dá de maneira natural e nos acontecimentos diários, ou seja, nos processos vividos.
No entanto, ela está presente nas ações humanas, agindo e interagindo nas
relações que se estabelecem. A reinvenção assume, assim, o papel das
possibilidades e das negociações travadas pelo homem em sua vida, em suas
histórias, em sua formação.
Diante desse contexto, pode-se dizer que o elégùn é a possibilidade de
reinvenção a partir do elo com a ancestralidade. Mediante ritual de iniciação, com o
seu renascimento simbólico, moldam-se, no contexto atual, ancestre e adepto. É
importante esclarecer que o destaque dado ao “contexto atual” deve-se ao fato do
ritual iniciático ser inserido nas culturas negras e, como tal, sofre (sofreu e sofrerá)
transformações e adaptações. Posto isso, enfatizamos que o elégùn se constitui
entre o ancestral divinizado e o indivíduo. Ele é o espaço preenchido pelas marcas
127
116
Reforçamos que há o ancestral divinizado feito (iniciado) no elégùn, assumindo, assim, certa
primazia. No entanto, conforme explicado no capítulo anterior, a ancestralidade divinizada é
composta por vários ancestres. Há comunidades de cultos que denominam como primeiro orixá,
segundo orixá, e assim por diante. Há outras que se referem como pai e mãe. O mais importante
aqui é entendermos que o elégùn vincula-se com mais de um ancestre divinizado.
128
suas cores, seus banhos de cheiro, suas falas, suas histórias, suas
experiências/vivências, de um modo ou de outro, agem nos movimentos da vida.
Com isso, evidencia-se, neste estudo, a perspectiva de que, cotidianamente,
o iniciado ritualiza-se entre o humano e o divinizado. Há no iniciado a porção do
homem (enquanto descendente) e, também, a porção do ancestral divinizado em um
mesmo corpo117. Nesse contexto, a visão nietzschiana também sustenta essa
abordagem quando afirma que “o corpo é apenas uma estrutura social de muitas
almas”. Logo, com esse entendimento, percebemos no elégùn as potências que
engendram suas estruturas sociais118.
Cabe salientar que a sua comunidade de cultos está no seu mundo, ou seja,
em suas estruturas sociais, assim como, da mesma forma, seu mundo está na
comunidade de cultos. Eles integram-se, completam-se, assemelham-se,
confrontam-se. Desse modo, é importante frisar que seus impulsos, sentimentos e
sentidos transitam por suas estruturas e, assim, pautam-se em suas pluralidades e,
até mesmo, em suas ambiguidades.
Durante os anos em que me dediquei (e ainda me dedico) a discutir com
outros iniciados as minhas inquietações acerca do ritual de iniciação
ritualística/religiosa nas comunidades de cultos negros brasileiras como um
processo no qual novas identidades afloram no indivíduo, não tinha a menor ideia de
que elas chegariam até aqui; de que sairiam das rodas de conversas que
finalizavam os momentos de rituais ou após das rodas de candomblé, encerrando a
madrugada. Muito menos de que se tornariam minhas hipóteses acadêmicas e,
dessa maneira, levariam-me a investigá-las de modo sistemático.
Confesso que, trazer o elégùn para essa arena, não foi tarefa fácil. Trazê-lo
significou trazer a mim e todos aqueles que me antecederam e, ainda, os que
continuarão a nos suceder pelos tempos. Propor a discussão sobre a constituição de
identidades que ele abarca, enquanto sujeito ritualístico, levou-me a investigar os
pilares que o sustentam e a vê-lo como o outro, mesmo sabendo que nesse “outro”
eu habito. Manter certa distância do que me é tão próximo, tão familiar, tão íntimo
para poder analisá-lo como objeto de meu estudo foi um exercício árduo, pois foi, ao
117
Vale relembrar, nesse sentido, o conceito de corpo-território discutido por Sodré (2005).
118
Sinalizamos que as estruturas do elégùn estão em constante movimento. Elas estão sempre em
formação; estão sempre por se formar. Não há, nele, a hipótese de um sujeito único, fixo, mas a
permanente transitoriedade do ser. Ele é devir porque está sempre se constituindo.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ancestre. Segundo os iniciados nos cultos negros, é por meio do contato constante e
efetivo com os rituais estabelecidos nas comunidades de cultos que a ancestralidade
reveste-se de significados e sentidos. É mediante essas relações/rituais que
(re)inventa-se, pelos tempos, o ancestral divinizado em seus descendentes,
(re)elaborando-se, assim, o elégùn.
Partindo do princípio da junção de ancestre e iniciado em um ser ritualístico,
pode-se inferir que não há a perspectiva de unidade de sentidos/significados, mas
sim uma multiplicidade que convive em alguns momentos harmonicamente e, em
outros, confrontando-se. Há a constante presença do indivíduo e do ancestral
divinizado no elégùn. Assim, impulsos, emoções, sensações, sentimentos, convivem
na esfera compartilhada pelo ritualístico e pelo social.
No devir de sua história o elégùn impregna em si as características e as
identificações de seu ancestre: temperamentos, predileções, paramentos, cores,
traços que aumentam o vínculo entre eles. Assim, mantém ativo o axé que
fundamenta a sua constituição enquanto sujeito sociorritualístico, além de sustentar
suas identidades. Reforçamos que esse processo não é inato ou natural. Ele se
constrói em uma árdua dinâmica que se alicerça nas comunidades de cultos a partir
dos rituais e avança na direção das ações do elégùn no tempo e na sociedade.
De certo, os rituais iniciáticos estimulam a constituição de identidades no
adepto que se respaldam e se justificam nas histórias e nas memórias dos
ancestrais divinizados e, ainda, nas histórias e nas memórias de todos os elégùn
que os antecederam na comunidade de cultos. Logo, as identidades integram-se nos
movimentos, nos ritmos, nos sabores, nas cores, nos sons, nas cantigas, nas
estruturas dos rituais. Elas (as identidades) presentificam o ancestre no adepto de
forma latente e, assim, dão a ele (o ancestral divinizado) o tom da
contemporaneidade.
Para Sodré (2005), a cultura se dá no devir humano, no relacionamento com
as suas realidades, nas suas expressões, nas suas produções, nos seus sentidos.
Assim, embasada por essa visão, esta investigação percorreu os caminhos dos
elégùn enquanto produtores ativos de histórias que se interpelam nos tempos e nas
sociedades. Seus rituais e performances estão nos seus cultos, mas não se
enclausuram neles. Eles se conectam com a sua formação.
133
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1993.
ENTREVISTADOR:ENTREVISTADO:
LOCAL DA ENTREVISTA:
DATA:
PERGUNTAS:
1- Quanto tempo o(a) senhor(a) tem de iniciado(a) nos cultos negros brasileiros?
2- Qual é o seu ancestral divinizado?
3- Como se deu a sua iniciação?
4- O que mudou no(a) senhor(a) após a sua iniciação?
5- Em que aspectos o(a) senhor(a) percebe o renascimento simbólico
apregoado nos rituais iniciáticos?
6- Como se deram as suas aprendizagens ritualizadas?
7- O(a) senhor(a) ocupa (possui) algum cargo em seu espaço de cultos?
8- Atualmente, como o(a) senhor(a) vê a iniciação?
9- Para o(a) senhor(a) ser elégùn é ...