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ATREAN 

CAÇADOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C. Jos Bravo 
 
Atrean - o caçador 
 
 
  O  arco  já  estava  retesado  ao  máximo. A mão que puxava a corda tremia com o esforço. 
Mas  o  caçador  não  podia  soltar  sua  flecha  ainda…  tinha  que  esperar  o  momento  certo, 
esperar  o  cervo  sair  detrás  das  árvores  para  ter  um melhor ângulo de disparo. Se atirasse 
muito  cedo,  havia  muitas  chances  de  fracasso.  Afinal,  a  fama  de  sua magnífica pontaria 
não podia ser manchada por um erro medíocre daqueles.  
  Vinte  metros  dali  o  cervo  pastava  tranquilamente,  alheio  ao  perigo  iminente.  Era  um 
animal  jovem,  ainda  nem  tinha  chegado  à  fase  adulta.  Seus  pequenos  chifres,  que 
tocavam  levemente as folhas das árvores próximas, mostravam a falta de maturidade. De 
repente,  algo  no  ar  chamou  sua atenção. O faro aguçado revelou um aroma diferente da 
vegetação  ao  redor.  Quase  ao  mesmo  tempo,  suas  orelhas  captaram  um  som  estranho, 
talvez  um  galho  quebrando,  ou talvez… o animal olhou na direção do som, e seus medos 
se  tornaram  realidade.  Ali,  camuflado  entre  as  folhas  e  arbustos,  praticamente  invisível 
aos  seus  olhos,  havia  um  caçador. Sem pensar duas vezes, o cervo saltou de onde estava e 
correu  à  toda  velocidade  para  o  mais  distante  possível  dali,  e,  um  instante  depois,  ele  já 
estava bem longe. 
  Olhou para trás e não viu sinal do homem. Feliz por ter escapado, o cervo diminuiu sua 
velocidade.  Mas  havia  algo  errado.  Suas  pernas  começaram  a  fraquejar,  sem  motivo 
aparente.  A respiração tornou-se difícil, ao mesmo tempo em que seu coração batia mais 
e  mais rapidamente. A visão foi ficando turva, escura, e os sons da floresta pareciam ecos 
distantes.  Até  que,  finalmente,  o  cervo  caiu  no chão, sem vida, sem sequer perceber que 
fora atingido no coração por mais uma flecha certeira de Atrean, o caçador.  
 

 
 
  Numa  terra  muito  distante  e  esquecida  por  todos,  fica  a  aldeia  de  Munt  Casprio. 
Cercada  por  cordilheiras  de montanhas numa formação quase semicircular, essa aldeia é 
de  difícil  acesso  até  mesmo  para  viajantes  e  desbravadores  que  desejam  fazer  comércio 
ou apreciar suas maravilhas e desvendar seus mistérios.  
  O  povo  de  Munt  Casprio  era  feliz,  vivendo  do  que  a  terra  e  a  natureza  lhes  dava.  E 
todos  respeitavam  seu  governante,  o  Barão  Oberon  de  Munt  Casprio  -  um  homem 
bondoso e bem quisto entre os súditos, cujo nome batizou todo o lugar.  
  Atrean  era  o  melhor  caçador  da  aldeia.  Sua  altura  não  impressionava,  tampouco  sua 
força  física.  Mas  era  ágil  como  um  gato,  e  sua  pontaria  raramente  falhava.  Esses 
atributos,  somados  ao  fato  dele  preferir  a  companhia  dos  sons  da  floresta  do  que  a 
barulheira  e  falatório  das  pessoas,  levaram-no  a  ser  considerado  pelos  outros  como  um 
caçador  solitário.  Mas,  naquele  momento,  Atrean  teria  que  abandonar  sua  estimada 
solidão e enfrentar os “desagradáveis” costumes sociais da civilização. 
  O  homem,  cujo  rosto  indicava  uns  trinta  anos,  vinha  andando  pela  rua  principal  da 
aldeia  com  o  cervo  nos  ombros.  Não  era  um  animal  muito  grande,  nem  pesado,  mas  a 
caminhada  até  ali  já  tinha  sido longa e exigiu muito das energias do caçador. A rua larga 
de  terra  batida,  cercada  por  casas  de  um  e  dois  andares,  já  estava  abarrotada  de pessoas, 
mesmo nas primeiras horas da manhã.  
  Por  onde  Atrean  passava,  as  crianças  o  seguiam  -  talvez  curiosas  com  a  quase 
mitológica  figura,  talvez  querendo  ver  alguma  demonstração  de  suas  famosas 
habilidades.  As  pessoas  também  olhavam  em  sua  direção,  imaginando  que  negócios 
estranhos  o  misterioso  homem  viera  tratar.  Isso  aborrecia  Atrean.  Ele  gostava  de  ficar 
oculto,  escondido,  longe  do  olhar  de  todos.  E,  toda  vez  que  tinha  que  ir  até  a  vila, 
acontecia justamente o contrário: ele se tornava o centro das atenções.  
  -  Quem  é?  -  disse  a  voz  do  outro  lado  da  porta,  depois  do  caçador  dar  duas  batidas 
fortes. 
  -  Atrean  -  disse  ele,  numa  voz  rouca  e  contida.  Fazia  algum  tempo  desde  a  última  vez 
que  ouvira  a  própria  voz,  já  que  não  tinha  necessidade  de  falar  com  as  plantas  ou 
animais que viviam próximos de sua casa.  
  Ele  ouviu  barulho  de  passos  e,  logo  em  seguida,  a  porta se abriu, revelando um senhor 
quase  idoso,  carrancudo,  cujos  cabelos  brancos  mesclavam-se a tufos grisalhos na lateral 
da cabeça.  
- Ah, é você, rapaz! O que trouxe para mim? 
  -  Senhor  Cadmo…  Dessa  vez  é  um  cervo.  É  bem  pequeno,  mas  acho  que  servirá  para 
algo útil.  
O caçador foi tirando o animal das costas, mas o senhor o repreendeu. 
  -  Aqui não, rapaz. Vai sujar todo o chão da loja - disse o velho, apontando com o dedão 
para trás de si. 
  Atrean  deu  uma  olhadela  por  cima  do  ombro  do  senhor  Cadmo,  e  viu  o  interior  da 
pequena loja de botas, cintos, bolsas e produtos de couro no geral, completamente vazia, 
exceto  por  um  rapaz  -  talvez  ajudante  do  velho  -  que  se  encarregava  de  polir  um  par de 
botas em cima do balcão. 
  - Leve lá atrás, dentro do barracão - continuou o senhor Cadmo. - Pode deixar em cima 
de qualquer lugar.  
  E  assim  fez  Atrean.  Deu  a  volta  na  pequena  loja,  foi  até  o  barracão  e  deixou  o  cervo 
numa  mesa.  Quando  retornou  à  loja  de  couro,  o  velho  Cadmo  não  estava  mais  lá.  Em 
vez disso, o jovem ajudante o recebeu. 
- Eh… olá, Atrean… senhor Atrean. Me chamo Evan! 
  O  caçador  olhou  para  o  garoto,  que  não  tinha  nem  um  rastro  de  barba  sequer,  e 
observou  em  volta,  com  uma  sobrancelha  erguida.  Vendo  aquilo,  Evan  -  o  ajudante  - 
continuou. 
  -  O  senhor  Cadmo  teve  que  sair.  Ele  me  pediu  para  agradecer  a  você  pelo  cervo,  e 
também  pediu  para  entregar  isso  -  o  garoto  abaixou-se  e  pegou  um  par  de  botas  que 
estava atrás da porta. 
  Atrean  analisou  aquilo.  Era  realmente  um  calçado  novo,  com  sola  grossa  e totalmente 
reforçado  em  couro  duro.  As  fivelas  estavam polidas, assim como as partes lisas da bota. 
O caçador olhou sério para Evan. 
  -  Com  esse  brilho  todo  vai  ser  difícil  me  camuflar,  você  não  acha?  -  O  garoto  engoliu 
em  seco.  Abriu  a  boca  para  responder,  mas  tinha  certeza  de  que  nenhum  som  sairia, 
então  preferiu  se  calar.  Sua  mão  tremeu  levemente.  Mas  o  caçador  sorriu.  -  São  muito 
bonitas. Fez um ótimo trabalho, obrigado.  
  Evan,  depois  de  alguns  instantes,  respirou  aliviado.  Acenou com a cabeça e devolveu o 
sorriso.  Muitas  lendas  cercavam  Atrean,  e  nem  todas  elas  eram  otimistas.  Algumas,  na 
verdade,  eram  bem  macabras.  Então,  ele  não  sabia  como  reagir  se  caso  desagradasse  o 
homem. “Ainda bem que deu tudo certo”, pensou. 
  O caçador acenou para o garoto e deu meia volta. Olhou para a rua, onde vários olhares 
curiosos,  alegres,  nervosos,  caíam  sobre  ele.  Suspirou  ao  pensar  em  ter  que  passar 
novamente  por  todo  aquele  longo  caminho.  Então,  olhou  para  o  lado  e  decidiu  dar  a 
volta  na  aldeia,  através  da  floresta  escura  que  a  cercava.  Seria  um  caminho  bem  mais 
longo,  mas,  ao  menos,  não  teria  que  prestar  satisfações  a  toda  aquela  “gente 
intrometida”. 
  

 
 
  Durante  a madrugada, um barulho diferente dos grilos e dos sapos coachando acordou 
o  caçador.  Ele  calçou  suas  botas, que estavam debaixo da cama, e se embrenhou na mata 
silenciosamente,  confiando  sua  visão  a  apenas  a  luz  da  lua  cheia, tomando o cuidado de 
não  pisar  nas  folhas  e  galhos  secos  para  não  denunciar  sua  posição.  Quando  chegou  a 
uma  distância  segura,  viu  que  os  barulhos  vinham  de  uma  carruagem,  antecedida  e 
seguida  por  uma  comitiva  de  vários  homens  a  pé  e  a  cavalo.  Eles  vinham  do  caminho 
que  atravessava  o  bosque  depois  da  aldeia  e  seguia  pelo  descampado  até  o  castelo  de 
Munt  Casprio.  A  carruagem  era,  com  certeza,  da  nobreza,  dado  seu  refinado  nível  de 
detalhamento e beleza, que transformavam o transporte numa verdadeira obra de arte. 
- ​Visita para o Barão - ​pensou Atrean​. - Mas por que tão tarde da noite​? 
  Não  gostava  de  se  meter  nos  assuntos  dos  nobres,  mas  ficou  intrigado  com  aquela 
estranha  visita  durante  a  madrugada.  Se  aproximou  mais  para  ter  melhor  visão,  mas 
parou  abruptamente  ao  ver  que  a  porta  da  carruagem  se  abriu.  De  dentro,  pelo  que 
conseguiu distinguir na fraca luz das tochas dos homens que acompanhavam a comitiva, 
saiu  uma  moça,  uma  bela  moça.  Seu  longo  vestido  vermelho  escarlate  esculpia  as linhas 
formosas  do  corpo.  Os  cabelos  caíam  em  cachos  grandes  até  passar  da  altura  dos 
ombros.  Atrean  teve  até  mesmo  a  impressão  de  sentir  o  doce  perfume  de  rosas 
vermelhas que, se não fosse parte de sua imaginação, vinha da misteriosa moça.  
  Ela  desceu  os  degraus  da  carruagem,  acudida  por  um  dos  homens  da  comitiva,  e  se 
esticou  toda,  movimentando  os  músculos  depois  de  tanto  tempo  confinada  num 
pequeno  espaço  durante  a  longa  viagem.  O  caçador  sabia  que  qualquer  lugar  era  longe 
de  Munt  Casprio,  então  deduziu  que  a  viagem  tinha  sido  realmente  difícil.  A  moça 
olhou  para  a  lua  cheia  e  fez  uma  estranha  reverência,  sendo  imitada  por  todos  aqueles 
que  a  acompanhavam.  Depois  de  um  tempo,  ela  endireitou-se  e  entrou  novamente  na 
carruagem.  Mas  antes  de  desaparecer  completamente  lá  dentro,  ela  virou-se  para  a 
direção  onde  Atrean  estava  escondido  e lançou-lhe um enigmático olhar. Depois, sorriu 
e fechou a porta.  
  O  caçador  se  espantou  com  aquilo  e  quase  caiu  para  trás.  Ele  tinha  certeza de que não 
tinha  feito  nenhum  barulho,  nem  mesmo  sua  respiração.  Estava  bem  escondido  e 
camuflado  entre  as  árvores,  e,  mesmo  assim,  aquela  moça  que,  supunha  ele,  não  tinha 
um  olhar  treinado  como  o  seu,  havia  descoberto  seu  esconderijo.  Aquilo  lhe  causou 
confusão e um arrepio percorria-lhe a espinha toda vez que pensava naquele olhar.  
  Um  instante  depois,  a  carruagem  voltou  a  andar.  Atrean  esperou a comitiva percorrer 
todo  o  caminho  até  entrar  no  castelo  e  os  guardas  fecharem  os  portões.  Passado  algum 
tempo,  ao  perceber  que  nada  mais  aconteceria,  ele  voltou para sua cabana e adormeceu. 
Mas seus sonhos foram estranhos e perturbadores. 
  No  dia  seguinte  seus  pensamentos  não  pousavam sobre qualquer outra coisa, senão na 
mulher  da  noite  anterior.  “​Será  que  ela  tinha  mesmo  percebido  minha  presença  ali  no 
meio  das  árvores?  Ou  será  que  tinha  sido  uma  coincidência  ela  olhar  naquela  direção? 
Talvez,  quem  sabe,  poderia  ter  sido  apenas  a  imaginação  tentando  pregar  alguma 
peça…  não,  definitivamente  não  foi  imaginação!​”  Esses  pensamentos  atrapalharam  sua 
concentração  enquanto  tentava  capturar  um  coelho  selvagem  que  estava  próximo,  e, 
também  depois,  quando  tentou  caçar  pássaros  selvagens  para  o  jantar.  Enfim,  após 
várias  tentativas  frustradas,  ele  desistiu  da  caça,  pegou  sua  vara  e  foi  pescar.  Ao  menos 
não precisaria manter toda a atenção na tarefa.  
  Já sentado na margem do rio, com a linha de pesca na água, pegou num sono tranquilo, 
dessa  vez  sem  preocupações  nem  pensamentos  estranhos.  E  assim,  calmas,  as  horas  se 
passaram, e a visita na madrugada parecia uma lembrança distante na memória. 
  Mas  os  seus  piores  temores  não  viriam  em  sonhos, como na noite anterior. Eles viriam 
na  realidade!  Naquela  noite  houve  uma  tempestade,  uma  tormenta  de  proporções 
jamais  vistas  na  aldeia  de  Munt  Casprio.  O  vendaval  derrubou  a  cabana  do  caçador  de 
uma  vez  só,  destruindo-a  com  uma  força  terrível  e  arremessando  as  tábuas  de  madeira 
que compunham as paredes em todas as direções.  
  Atrean  teve  que  correr  dali  para  se  proteger.  A  água  da  chuva,  impulsionada  pelo 
vento,  também  vinha  de  todas  as  direções:  de  cima, dos lados e até mesmo de baixo. Em 
um  piscar  de  olhos  o  homem  estava  encharcado  até  as  roupas  de  baixo.  Os  trovões 
ensurdecedores  clareavam  o  céu  como  se  fosse  dia,  ininterruptos,  e  o  som  era  tão  alto 
que fendia os troncos ocos de bambu.  
  O  caçador,  que  estava  escondido  atrás  de  uma  pedra  no  meio  do  bosque,  com  as  duas 
mãos  tapando  as  orelhas,  pensou:  “pobre  dos  animais  que  têm  o  ouvido  mais  aguçado 
do que o meu!”. Ele próprio já sentia que seus ouvidos iriam explodir.  
  Os relâmpagos que riscavam o céu atingiam as árvores, derrubando-as imediatamente e 
iniciando  um  foco  de  incêndio.  Mas  a  chuva  era  tão  poderosa  que  o  fogo  não  tinha 
tempo  de  se  alastrar.  A  água  apagava  as  chamas  antes  de  elas  avançarem  para  outras 
árvores.  Mas  isso  não  diminuiu  a  destruição  da  floresta.  Pelo  contrário,  a  força  da 
tempestade  era  tamanha,  que  o  vento  derrubou  muitas  e  muitas  árvores  enormes, cujas 
profundas raízes não conseguiram se segurar no solo encharcado pela chuva torrencial.  
  Sem  a  proteção  de  sua  cabana,  Atrean  foi  procurar  abrigo  numa  gruta  que  conhecia 
além  do  bosque, quase chegando na floresta do vale sob o castelo de Munt Casprio. Não 
era  uma  caverna  muito  profunda,  apenas  o  suficiente  para  proteger  o  homem da maior 
parte dos pingos fervorosos da chuva.  
  O  caçador,  temendo  por  toda  a  vida  nas  redondezas,  tanto  dos  animais  quanto  das 
plantas,  e,  inclusive,  do  seu  povo  na  aldeia,  rezou  para  todos  os deuses da natureza para 
que  fizessem  a  tempestade  passar.  Rezou  à  deusa  da  floresta,  à  deusa  da  noite,  da  lua  e 
das estrelas, ao deus sol, que tornava dia as terras por onde andavam os seres vivos, rezou 
ao  deus  da  luz  e  até  mesmo  ao  deus  da  escuridão.  Mas  a  chuva  não  passava.  E  mesmo 
depois  de  ter  rezado  durante  toda  a  noite,  a  chuva  não  tinha  sequer  diminuído  de 
intensidade.  
  Nem  no  primeiro  dia,  nem  no  segundo,  apenas  no  começo  do  terceiro  dia  a tormenta 
se  transformou  numa  fina  garoa.  Atrean,  que  não  tinha  conseguido  sair  de  sua  gruta 
durante  todo  aquele  tempo,  pode  finalmente  ter  um  vislumbre  do ambiente do lado de 
fora.  E  aquela  visão  lhe  causou medo. Muitas árvores enormes, centenárias, haviam sido 
arrancadas  do  solo  pelos  ventos  e  pela  chuva.  Muitas  outras  jaziam  no chão, queimadas 
pelos  impiedosos  raios  e  trovões.  As  suas  folhas  foram  levadas  com  a  tempestade, 
deixando  no  lugar  apenas  um  emaranhado  de  galhos  retorcidos.  O  chão  era  uma 
mistura de lama e restos de plantas mortas.  
  Além  dessa  desolação,  não  havia  sinal  de  vida.  Nada  de  pequenos  roedores,  nem  de 
pássaros. Nem mesmo os insetos, outrora tão indesejados, apareciam por ali.   
  Tudo  era  caos.  Ele  ficou  extremamente  impressionado,  em  estado  catatônico,  por  um 
tempo.  Era  absolutamente  a  pior  desgraça que já acontecera naquela região. Parecia que 
a natureza estava furiosa, e descontou toda sua raiva na forma de tormenta.  
  A  primeira  coisa  que o caçador fez foi correr até a aldeia para tentar ajudar aqueles que 
necessitavam,  pois,  apesar  de  estar há dias sem comer, exausto e com medo do que ainda 
podia  acontecer,  sua  natureza era bondosa, e, sabendo que a vila poderia estar em ruínas 
assim  como  a  floresta,  ele  não  podia  deixar  desamparadas  as  pessoas  que  precisavam  de 
ajuda. E assim foi.  
  Se  a  floresta  estava,  em  grande  parte,  destruída,  a  aldeia  estava  ainda  pior.  Casas  e 
construções  tinham  ido  ao  chão,  desabado;  plantações  arrasadas;  vidas  acabadas…  eles 
realmente  precisavam  de  seu  apoio.  E  Atrean  ajudou  como  pôde.  Primeiro  socorreu  os 
feridos,  depois  ajudou  os  criadores  de  animais  a  recuperarem  vacas, cabras e porcos que 
se  perderam  na  floresta  durante  os  dias  de  tempestade.  Ajudou  a  encontrar  comida: 
pássaros,  pequenos  animais,  frutas  selvagens,  qualquer  coisa,  já  que  uma  praga  havia  se 
abatido  sobre  a  lavoura,  matando  quase  todas  as plantas que serviriam de alimento para 
os próximos meses. E assim a vida, aos poucos, começou a andar novamente. 
  O  caçador  conseguiu,  também,  depois  de muito esforço, reconstruir sua cabana, onde, 
no  fim  daqueles  exaustivos  dias,  ele  dormia  profundamente.  Mas,  algumas  vezes,  seus 
sonhos  eram  perturbados  por  um  estranho  e  misterioso  olhar…  e  quando  ele  acordava 
assustado  no  meio  da  madrugada,  tinha  a  impressão  de  que,  por  um  instante,  a  dona 
daquele  olhar  estava  ali,  no  canto  escuro,  espreitando  seu  sono.  Nessas  noites  Atrean 
não conseguia mais dormir.  
 

 
 
  
 
  Esses  eram  os dizeres escritos no cartaz pregado pelo guarda do castelo no pátio central 
da  aldeia.  Dias  antes,  um  cartaz  parecido  solicitava  jovens  para  trabalharem  dentro  dos 
portões  do  castelo,  como  cozinheiras,  arrumadeiras,  etc.  O  povo,  momentaneamente 
extasiado  com  a  possibilidade  de  ter  suas  filhas,  irmãs,  sobrinhas  realizando  tarefas 
diretamente  para  o  castelo  e  para  a  nobreza,  tornando-se  assim  pessoas  “mais 
importantes”  -  segundo  a  concepção  daquela  sociedade,  se  esqueceu  dos  impostos  altos 
cobrados  pelo  Barão  que,  mesmo  depois  da  catástrofe  da  tempestade  que  acontecera 
algumas  semanas  antes,  não  se  compadeceu  da  desgraça  das  pessoas  e  aumentou  os 
tributos.  Mas,  dias  depois,  para  o  terror  dos  familiares,  as  garotas  que  foram 
selecionadas  para  esses  trabalhos no castelo não voltaram para casa. Mesmo assim, outro 
aviso  foi  pregado  na  praça  central,  solicitando  mais  moças.  A  população  começou  a  se 
agitar,  exigindo  saber  notícias  sobre  as  garotas  que  não  tinham  voltado.  E,  como 
resposta  à  esse  desafio  do  povo,  o  Barão  de  Munt  Casprio,  um  homem  já  muito 
diferente do amigável Barão de outrora, decretou esse último aviso.  
  Quando  solicitado  pelo  povo  para  investigar  esses  acontecimentos, o caçador se negou 
a  ajudar.  Mas  várias  pessoas  vieram  atrás  dele,  atrás  de  seu  zelo,  acreditando  nas  lendas 
quase  divinas  que  o  cercavam.  Mesmo  assim,  Atrean  dizia  sempre  que  preferia  não  se 
envolver.  E,  mesmo  que  quisesse,  o  que  faria? Invadiria o castelo para salvar quase vinte 
moças desaparecidas? Como conseguiria sair com elas de lá? E se fosse pego? Seria preso? 
Não,  não  seria.  Se  os  boatos  sobre  a  mudança  total  de  personalidade  e  caráter  do Barão 
Oberon  de  Munt  Casprio  fossem  verdadeiros,  alguém  que  invadisse  o  castelo  teria  um 
destino  pior  do  que  as  masmorras:  seria  executado.  Então,  por  que  correr  o  risco de ser 
executado  somente  para  ajudar  as  pessoas  a  resolverem  os  próprios  erros?  Não  valia  a 
pena. 
  E,  quando  uma  verdadeira  multidão enraivecida, cega por ira e medo, veio exigir que o 
caçador  usasse  suas  exímias  habilidades  para  fazer  alguma  coisa,  resgatar  as  meninas  ou 
algo parecido, ele se enfureceu! 
  -  Eu  os  ajudei  a  se  reerguerem,  não  deixei  que  passassem  fome,  não  deixei  que 
passassem  frio.  Mas,  uma  coisa  é  reconstruir  a  aldeia  destruída  pela tempestade, e outra 
coisa  é  contrariar  as  ordens  do  Barão.  Eu  não  me  intrometo  nesses  assuntos.  Quem 
mandou  as  garotas  para  dentro  dos  muros  do  castelo  foram  vocês!  Então  tratem  de 
resolver sozinhos os seus problemas! 
  Muitas  pessoas viraram a cara para o caçador daquele momento em diante. Ele, por sua 
vez,  não  se  importava  nem  um  pouco  com  isso.  Na  verdade,  preferia  que  não  fosse 
percebido  por  ninguém.  Atrean  ficou  a  uma  certa  distância  e  observou,  de  longe, 
quando  essa  multidão  de  pessoas  furiosas  com  o  barão  rumou  para  frente  dos  portões 
do  castelo,  no  topo  do  Munt  Casprio.  Eles,  com  machados,  tochas,  pás  e  forcados  nas 
mãos,  estavam  exigindo  redução  dos  impostos,  ajuda  na  colheita  e  reconstrução  da 
aldeia,  e,  principalmente,  exigindo  que  ele  libertasse  as  garotas  -  até  então  - 
desaparecidas.  O  caçador  sabia  que  não  viria  coisa  boa  dali,  então  embrenhou-se  na 
mata e recolheu-se para sua nova cabana reconstruída.  
  Mas,  algum  tempo  depois,  ele  ouviu  gritos  horríveis  ao  longe, desesperados, vindos de 
todo  lugar.  Saltou  da  cama,  pegou  seu  arco  e  algumas  flechas  e,  do  jeito  que  estava, 
correu  para  a  mata  em  direção  à  maior  concentração  dos  gritos. Certamente vinham da 
direção  próxima  ao  castelo.  Porém,  antes  mesmo  de  chegar  lá,  encontrou vários aldeões 
correndo,  desnorteados.  Em  seus  rostos  havia  o  horror  estampado,  e,  mesmo  depois  de 
Atrean  tentar  chamá-los,  ninguém  parou.  Ninguém  sequer  parecia  ter  ouvido-o.  Ele, 
então,  decidiu  correr  na  direção  contrária  àquelas  pessoas,  para  descobrir  o  que  tinha 
causado  todo  aquele  alvoroço.  Mas  não  precisou  dar mais do que cinquenta passos para 
descobrir.  Uma  fina  névoa  surgiu  do  meio  das  árvores,  dificultando  muito  a  visão.  Os 
gritos  de  horror  das  pessoas  já  estavam  distantes,  levados  pelo  vento.  Só  o  que  se  ouvia 
agora  era  o  leve  sopro  do  vento  e  sussurros  ininteligíveis,  vindos  de  dentro  das brumas. 
O  caçador  parou  imediatamente.  Seus  sentidos  o  alertaram  de  que  algo  estava  se 
aproximando.  Ele  teve  um  pressentimento  muito  estranho  que  o  fez, 
involuntariamente, sacar duas flechas e preparar o arco.  
  Surgindo  de  dentro  da  névoa,  sombras  medonhas  começaram  a  se  aproximar.  A  visão 
turva  não  lhe  permitia  distinguir  o  que  eram  aquelas  coisas…  ele  só  sabia  que  eram 
muitas…  muitas  mesmo.  Estava  sendo cercado. Mesmo assim, julgando estar totalmente 
invisível,  dado  o  altíssimo  nível  de  camuflagem,  Atrean  não  retrocedeu.  Continuou 
estático,  apenas  aguardando  com  uma  flecha  apontada.  A  névoa  se  adensou,  e  se 
espalhou  para  todos  os  lados,  inclusive  por  onde  o  caçador  estava  escondido.  E quando 
aquela  neblina  entrou  em  suas  narinas,  ele  imediatamente  se  engasgou  e  começou  a 
tossir.  Seus  pulmões  começaram  a  arder,  assim  como  seus  olhos,  garganta e nariz, como 
se ele estivesse respirando fogo.  
  Seu  esconderijo  tinha  sido  revelado,  ele  não  podia ficar mais ali. As sombras nebulosas 
se  aproximavam  cada  vez  mais. Mas, quando finalmente estavam perto o suficiente para 
que  Atrean  pudesse  observar  de  perto,  o  que  ele  viu  o  deixou  momentaneamente 
paralisado.  Sua  expressão,  assim  como  as  dos  aldeões  que  fugiram dali momentos antes, 
foi  do  espanto  ao  puro  horror.  Sua  mente  simplesmente  não  podia conceber o que seus 
olhos estavam vendo, ele não conseguia sequer acreditar naquilo.  
  O  homem,  já  quase  convulsionando  de  tanto  tossir,  com  os  pulmões  infestados  pela 
névoa  venenosa,  foi  dominado  pelo  medo  e  correu  dali  o  mais  rápido  que  pôde, 
largando  o  arco,  as  flechas,  e  o  que  mais  estivesse  carregando.  Seus  instintos  lhe  diziam 
para  não  olhar  para  trás,  e  o  pânico  impulsionava  suas  pernas  a  correrem  cada  vez mais 
rápido pela floresta para o único local que considerava seguro: sua cabana.  
  Ao  chegar  no  abrigo,  ele  entrou  e  passou  a  tranca  de  madeira  atrás  da  porta.  Correu 
para  trancar  também  a  única  janela,  que  já  era  reforçada  para  prevenir  a  entrada  de 
animais. Pelas frestas dessa janela, o caçador ficou observando o movimento na floresta.  
  Tudo  parecia  estranhamente  calmo  e  silencioso.  Nem  mesmo  o  vento  uivava  mais, 
tampouco  as  folhas  das altas árvores farfalhavam. Lá fora estava quieto demais. Até que, 
repentinamente,  as  criaturas  começaram  a  surgir  dentre  as  árvores.  O  caçador começou 
a  suar.  Ele  não  sabia  porque  aquilo  estava  acontecendo.  Nem  mesmo  o  mais  feroz  dos 
ursos  provocava-lhe  tanto  medo  assim.  Mas  aquilo  não  era  um  urso…  “...o  que  são 
aquelas  coisas  lá  fora?”  Pensou.  “Seriam  espíritos  malignos  buscando  vingança?  Seriam 
crias  do  deus  da  escuridão?”.  Ele  já  não  conseguia  mais  raciocinar  direito.  Sua  casa  foi 
cercada,  rodeada  pelas  coisas  mais  abomináveis  que  o  caçador  havia  visto  ou  ouvido 
falar.  E  elas  começaram  a  bater  nas  paredes,  na  porta  e  na  janela,  tentando  forçar  sua 
entrada.  Atrean  acendeu  uma  vela,  sentou-se  com  as  pernas  cruzadas  e  começou a rezar 
para pedir proteção aos seus deuses selvagens.  
  O  barulho  das  coisas  lá  fora  estava  aumentando  cada  vez  mais,  a  medida  que  mais  e 
mais  criaturas  se  juntavam  ali.  Os  grunhidos  e  murmúrios  que  elas  faziam  era  de 
arrepiar  até  a  alma.  Atrean  começou  a  rezar  mais  alto,  para  tentar  fazer  sua  voz  se 
sobrepor  ao  enorme  ruído  lá  fora.  As  paredes  tremiam  com  os  golpes.  O  teto  de  palha 
soltava  pequenos  fiapos  a  cada  impacto.  O  lugar,  sabia  Atrean,  não  iria  aguentar  por 
muito mais tempo.  
  Os  sons  daquelas  coisas  não  paravam  de  aumentar,  atormentando-o  profundamente. 
Ele  não  conseguia  mais  ouvir  a  própria  voz  enquanto  rezava.  Coberto  por  aflição,  o 
caçador  tapou  os  ouvidos  com  as  mãos,  na  esperança  de  fazer  aquele  terrível  barulho 
sumir, nem que fosse por apenas alguns instantes. Mas de nada adiantou. 
- O QUE QUEREM? - gritou ele, desesperado.  
  Mas  nenhuma  resposta  veio.  Ao  invés  disso,  as  batidas  aumentaram  de  intensidade, 
como  se  um  exército  enfurecido  estivesse  tentando  derrubar a pequena cabana. A porta 
começou  a  rachar,  apesar  de  a  tranca  grossa  e  resistente  ainda  estar  intacta.  As  paredes 
tremiam  tanto  que  pareciam  que  a  qualquer  momento  poderiam  desabar.  Atrean 
pensou  em  como  a  ironia  da  vida  havia  colocado-o  naquela  situação,  como  um  animal 
entocado, prestes a ser apanhado. O caçador virou caça.  
  Ele  refletiu  sobre  todos  os  estranhos  acontecimentos  das  últimas  semanas,  a  tormenta 
maldita,  a  praga  nas  plantações,  o  estranho  modo  como  o  Barão  Oberon  de  Munt 
Casprio  passou  a  agir,  o  sumiço  das  garotas…  tudo  aquilo  estava  ligado  à uma coisa… e, 
como  que  respondendo  aos  seus  pensamentos,  a  janela,  cujas  trancas  não  podiam  mais 
conter  a  força  das  criaturas  do  lado  de  fora,  se  abriu  de  uma  vez,  revelando,  ao  longe  e 
por  cima  das  copas  das  árvores,  o  majestoso  castelo  de  Munt  Casprio,  encobrindo  com 
sua  silhueta  a  enorme  lua  cheia.  Olhando  para  aquele  castelo,  Atrean,  em meio aos seus 
devaneios  de  pesadelos  gerados  pelo  pavor  das  criaturas  ao  seu  redor,  só  conseguiu 
pensar em uma coisa: naquele estranho e misterioso olhar… 
 
 

 
 
 
 
 
  Se  você  gostou  de  ​Atrean  -  o  caçador​,  e  quer  saber  mais  sobre  essa  história  e  sobre 
todos os mistérios que rondam o castelo de Munt Casprio, leia: 
 

O Barão de Munt Casprio 


 

 
O Barão de Munt Casprio convida-lhe a entrar em seu castelo 

​Na pacata e isolada aldeia de Munt Casprio, coisas estranhas começam a acontecer após uma
terrível tempestade. O Barão, antes um homem bondoso e prestativo, agora esconde um segredo
sinistro em seu castelo tenebroso. A fome assola os moradores... Criaturas vindas das
profundezas do abismo espreitam nas sombras... O caos reina!
Uma jovem guerreira aprendiz da Ordem da Luz, Adana​, ​desobedecendo seus superiores,
resolve investigar esses estranhos acontecimentos. Com a ajuda de Oman, seu fiel amigo, e
Evan, um corajoso camponês, tentará desvendar os mistérios e enfrentar os perigos que rondam o
Castelo de Munt Casprio. Mas será que eles conseguirão sobreviver à essa grande e sombria
ameaça? 

 
 
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ds=o+bar%C3%A3o+de+mun
 
 

 
https://www.perensinproducoes.com/produto/o-barao-de-munt-casprio/  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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