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ATREAN
O
CAÇADOR
C. Jos Bravo
Atrean - o caçador
O arco já estava retesado ao máximo. A mão que puxava a corda tremia com o esforço.
Mas o caçador não podia soltar sua flecha ainda… tinha que esperar o momento certo,
esperar o cervo sair detrás das árvores para ter um melhor ângulo de disparo. Se atirasse
muito cedo, havia muitas chances de fracasso. Afinal, a fama de sua magnífica pontaria
não podia ser manchada por um erro medíocre daqueles.
Vinte metros dali o cervo pastava tranquilamente, alheio ao perigo iminente. Era um
animal jovem, ainda nem tinha chegado à fase adulta. Seus pequenos chifres, que
tocavam levemente as folhas das árvores próximas, mostravam a falta de maturidade. De
repente, algo no ar chamou sua atenção. O faro aguçado revelou um aroma diferente da
vegetação ao redor. Quase ao mesmo tempo, suas orelhas captaram um som estranho,
talvez um galho quebrando, ou talvez… o animal olhou na direção do som, e seus medos
se tornaram realidade. Ali, camuflado entre as folhas e arbustos, praticamente invisível
aos seus olhos, havia um caçador. Sem pensar duas vezes, o cervo saltou de onde estava e
correu à toda velocidade para o mais distante possível dali, e, um instante depois, ele já
estava bem longe.
Olhou para trás e não viu sinal do homem. Feliz por ter escapado, o cervo diminuiu sua
velocidade. Mas havia algo errado. Suas pernas começaram a fraquejar, sem motivo
aparente. A respiração tornou-se difícil, ao mesmo tempo em que seu coração batia mais
e mais rapidamente. A visão foi ficando turva, escura, e os sons da floresta pareciam ecos
distantes. Até que, finalmente, o cervo caiu no chão, sem vida, sem sequer perceber que
fora atingido no coração por mais uma flecha certeira de Atrean, o caçador.
Numa terra muito distante e esquecida por todos, fica a aldeia de Munt Casprio.
Cercada por cordilheiras de montanhas numa formação quase semicircular, essa aldeia é
de difícil acesso até mesmo para viajantes e desbravadores que desejam fazer comércio
ou apreciar suas maravilhas e desvendar seus mistérios.
O povo de Munt Casprio era feliz, vivendo do que a terra e a natureza lhes dava. E
todos respeitavam seu governante, o Barão Oberon de Munt Casprio - um homem
bondoso e bem quisto entre os súditos, cujo nome batizou todo o lugar.
Atrean era o melhor caçador da aldeia. Sua altura não impressionava, tampouco sua
força física. Mas era ágil como um gato, e sua pontaria raramente falhava. Esses
atributos, somados ao fato dele preferir a companhia dos sons da floresta do que a
barulheira e falatório das pessoas, levaram-no a ser considerado pelos outros como um
caçador solitário. Mas, naquele momento, Atrean teria que abandonar sua estimada
solidão e enfrentar os “desagradáveis” costumes sociais da civilização.
O homem, cujo rosto indicava uns trinta anos, vinha andando pela rua principal da
aldeia com o cervo nos ombros. Não era um animal muito grande, nem pesado, mas a
caminhada até ali já tinha sido longa e exigiu muito das energias do caçador. A rua larga
de terra batida, cercada por casas de um e dois andares, já estava abarrotada de pessoas,
mesmo nas primeiras horas da manhã.
Por onde Atrean passava, as crianças o seguiam - talvez curiosas com a quase
mitológica figura, talvez querendo ver alguma demonstração de suas famosas
habilidades. As pessoas também olhavam em sua direção, imaginando que negócios
estranhos o misterioso homem viera tratar. Isso aborrecia Atrean. Ele gostava de ficar
oculto, escondido, longe do olhar de todos. E, toda vez que tinha que ir até a vila,
acontecia justamente o contrário: ele se tornava o centro das atenções.
- Quem é? - disse a voz do outro lado da porta, depois do caçador dar duas batidas
fortes.
- Atrean - disse ele, numa voz rouca e contida. Fazia algum tempo desde a última vez
que ouvira a própria voz, já que não tinha necessidade de falar com as plantas ou
animais que viviam próximos de sua casa.
Ele ouviu barulho de passos e, logo em seguida, a porta se abriu, revelando um senhor
quase idoso, carrancudo, cujos cabelos brancos mesclavam-se a tufos grisalhos na lateral
da cabeça.
- Ah, é você, rapaz! O que trouxe para mim?
- Senhor Cadmo… Dessa vez é um cervo. É bem pequeno, mas acho que servirá para
algo útil.
O caçador foi tirando o animal das costas, mas o senhor o repreendeu.
- Aqui não, rapaz. Vai sujar todo o chão da loja - disse o velho, apontando com o dedão
para trás de si.
Atrean deu uma olhadela por cima do ombro do senhor Cadmo, e viu o interior da
pequena loja de botas, cintos, bolsas e produtos de couro no geral, completamente vazia,
exceto por um rapaz - talvez ajudante do velho - que se encarregava de polir um par de
botas em cima do balcão.
- Leve lá atrás, dentro do barracão - continuou o senhor Cadmo. - Pode deixar em cima
de qualquer lugar.
E assim fez Atrean. Deu a volta na pequena loja, foi até o barracão e deixou o cervo
numa mesa. Quando retornou à loja de couro, o velho Cadmo não estava mais lá. Em
vez disso, o jovem ajudante o recebeu.
- Eh… olá, Atrean… senhor Atrean. Me chamo Evan!
O caçador olhou para o garoto, que não tinha nem um rastro de barba sequer, e
observou em volta, com uma sobrancelha erguida. Vendo aquilo, Evan - o ajudante -
continuou.
- O senhor Cadmo teve que sair. Ele me pediu para agradecer a você pelo cervo, e
também pediu para entregar isso - o garoto abaixou-se e pegou um par de botas que
estava atrás da porta.
Atrean analisou aquilo. Era realmente um calçado novo, com sola grossa e totalmente
reforçado em couro duro. As fivelas estavam polidas, assim como as partes lisas da bota.
O caçador olhou sério para Evan.
- Com esse brilho todo vai ser difícil me camuflar, você não acha? - O garoto engoliu
em seco. Abriu a boca para responder, mas tinha certeza de que nenhum som sairia,
então preferiu se calar. Sua mão tremeu levemente. Mas o caçador sorriu. - São muito
bonitas. Fez um ótimo trabalho, obrigado.
Evan, depois de alguns instantes, respirou aliviado. Acenou com a cabeça e devolveu o
sorriso. Muitas lendas cercavam Atrean, e nem todas elas eram otimistas. Algumas, na
verdade, eram bem macabras. Então, ele não sabia como reagir se caso desagradasse o
homem. “Ainda bem que deu tudo certo”, pensou.
O caçador acenou para o garoto e deu meia volta. Olhou para a rua, onde vários olhares
curiosos, alegres, nervosos, caíam sobre ele. Suspirou ao pensar em ter que passar
novamente por todo aquele longo caminho. Então, olhou para o lado e decidiu dar a
volta na aldeia, através da floresta escura que a cercava. Seria um caminho bem mais
longo, mas, ao menos, não teria que prestar satisfações a toda aquela “gente
intrometida”.
Durante a madrugada, um barulho diferente dos grilos e dos sapos coachando acordou
o caçador. Ele calçou suas botas, que estavam debaixo da cama, e se embrenhou na mata
silenciosamente, confiando sua visão a apenas a luz da lua cheia, tomando o cuidado de
não pisar nas folhas e galhos secos para não denunciar sua posição. Quando chegou a
uma distância segura, viu que os barulhos vinham de uma carruagem, antecedida e
seguida por uma comitiva de vários homens a pé e a cavalo. Eles vinham do caminho
que atravessava o bosque depois da aldeia e seguia pelo descampado até o castelo de
Munt Casprio. A carruagem era, com certeza, da nobreza, dado seu refinado nível de
detalhamento e beleza, que transformavam o transporte numa verdadeira obra de arte.
- Visita para o Barão - pensou Atrean. - Mas por que tão tarde da noite?
Não gostava de se meter nos assuntos dos nobres, mas ficou intrigado com aquela
estranha visita durante a madrugada. Se aproximou mais para ter melhor visão, mas
parou abruptamente ao ver que a porta da carruagem se abriu. De dentro, pelo que
conseguiu distinguir na fraca luz das tochas dos homens que acompanhavam a comitiva,
saiu uma moça, uma bela moça. Seu longo vestido vermelho escarlate esculpia as linhas
formosas do corpo. Os cabelos caíam em cachos grandes até passar da altura dos
ombros. Atrean teve até mesmo a impressão de sentir o doce perfume de rosas
vermelhas que, se não fosse parte de sua imaginação, vinha da misteriosa moça.
Ela desceu os degraus da carruagem, acudida por um dos homens da comitiva, e se
esticou toda, movimentando os músculos depois de tanto tempo confinada num
pequeno espaço durante a longa viagem. O caçador sabia que qualquer lugar era longe
de Munt Casprio, então deduziu que a viagem tinha sido realmente difícil. A moça
olhou para a lua cheia e fez uma estranha reverência, sendo imitada por todos aqueles
que a acompanhavam. Depois de um tempo, ela endireitou-se e entrou novamente na
carruagem. Mas antes de desaparecer completamente lá dentro, ela virou-se para a
direção onde Atrean estava escondido e lançou-lhe um enigmático olhar. Depois, sorriu
e fechou a porta.
O caçador se espantou com aquilo e quase caiu para trás. Ele tinha certeza de que não
tinha feito nenhum barulho, nem mesmo sua respiração. Estava bem escondido e
camuflado entre as árvores, e, mesmo assim, aquela moça que, supunha ele, não tinha
um olhar treinado como o seu, havia descoberto seu esconderijo. Aquilo lhe causou
confusão e um arrepio percorria-lhe a espinha toda vez que pensava naquele olhar.
Um instante depois, a carruagem voltou a andar. Atrean esperou a comitiva percorrer
todo o caminho até entrar no castelo e os guardas fecharem os portões. Passado algum
tempo, ao perceber que nada mais aconteceria, ele voltou para sua cabana e adormeceu.
Mas seus sonhos foram estranhos e perturbadores.
No dia seguinte seus pensamentos não pousavam sobre qualquer outra coisa, senão na
mulher da noite anterior. “Será que ela tinha mesmo percebido minha presença ali no
meio das árvores? Ou será que tinha sido uma coincidência ela olhar naquela direção?
Talvez, quem sabe, poderia ter sido apenas a imaginação tentando pregar alguma
peça… não, definitivamente não foi imaginação!” Esses pensamentos atrapalharam sua
concentração enquanto tentava capturar um coelho selvagem que estava próximo, e,
também depois, quando tentou caçar pássaros selvagens para o jantar. Enfim, após
várias tentativas frustradas, ele desistiu da caça, pegou sua vara e foi pescar. Ao menos
não precisaria manter toda a atenção na tarefa.
Já sentado na margem do rio, com a linha de pesca na água, pegou num sono tranquilo,
dessa vez sem preocupações nem pensamentos estranhos. E assim, calmas, as horas se
passaram, e a visita na madrugada parecia uma lembrança distante na memória.
Mas os seus piores temores não viriam em sonhos, como na noite anterior. Eles viriam
na realidade! Naquela noite houve uma tempestade, uma tormenta de proporções
jamais vistas na aldeia de Munt Casprio. O vendaval derrubou a cabana do caçador de
uma vez só, destruindo-a com uma força terrível e arremessando as tábuas de madeira
que compunham as paredes em todas as direções.
Atrean teve que correr dali para se proteger. A água da chuva, impulsionada pelo
vento, também vinha de todas as direções: de cima, dos lados e até mesmo de baixo. Em
um piscar de olhos o homem estava encharcado até as roupas de baixo. Os trovões
ensurdecedores clareavam o céu como se fosse dia, ininterruptos, e o som era tão alto
que fendia os troncos ocos de bambu.
O caçador, que estava escondido atrás de uma pedra no meio do bosque, com as duas
mãos tapando as orelhas, pensou: “pobre dos animais que têm o ouvido mais aguçado
do que o meu!”. Ele próprio já sentia que seus ouvidos iriam explodir.
Os relâmpagos que riscavam o céu atingiam as árvores, derrubando-as imediatamente e
iniciando um foco de incêndio. Mas a chuva era tão poderosa que o fogo não tinha
tempo de se alastrar. A água apagava as chamas antes de elas avançarem para outras
árvores. Mas isso não diminuiu a destruição da floresta. Pelo contrário, a força da
tempestade era tamanha, que o vento derrubou muitas e muitas árvores enormes, cujas
profundas raízes não conseguiram se segurar no solo encharcado pela chuva torrencial.
Sem a proteção de sua cabana, Atrean foi procurar abrigo numa gruta que conhecia
além do bosque, quase chegando na floresta do vale sob o castelo de Munt Casprio. Não
era uma caverna muito profunda, apenas o suficiente para proteger o homem da maior
parte dos pingos fervorosos da chuva.
O caçador, temendo por toda a vida nas redondezas, tanto dos animais quanto das
plantas, e, inclusive, do seu povo na aldeia, rezou para todos os deuses da natureza para
que fizessem a tempestade passar. Rezou à deusa da floresta, à deusa da noite, da lua e
das estrelas, ao deus sol, que tornava dia as terras por onde andavam os seres vivos, rezou
ao deus da luz e até mesmo ao deus da escuridão. Mas a chuva não passava. E mesmo
depois de ter rezado durante toda a noite, a chuva não tinha sequer diminuído de
intensidade.
Nem no primeiro dia, nem no segundo, apenas no começo do terceiro dia a tormenta
se transformou numa fina garoa. Atrean, que não tinha conseguido sair de sua gruta
durante todo aquele tempo, pode finalmente ter um vislumbre do ambiente do lado de
fora. E aquela visão lhe causou medo. Muitas árvores enormes, centenárias, haviam sido
arrancadas do solo pelos ventos e pela chuva. Muitas outras jaziam no chão, queimadas
pelos impiedosos raios e trovões. As suas folhas foram levadas com a tempestade,
deixando no lugar apenas um emaranhado de galhos retorcidos. O chão era uma
mistura de lama e restos de plantas mortas.
Além dessa desolação, não havia sinal de vida. Nada de pequenos roedores, nem de
pássaros. Nem mesmo os insetos, outrora tão indesejados, apareciam por ali.
Tudo era caos. Ele ficou extremamente impressionado, em estado catatônico, por um
tempo. Era absolutamente a pior desgraça que já acontecera naquela região. Parecia que
a natureza estava furiosa, e descontou toda sua raiva na forma de tormenta.
A primeira coisa que o caçador fez foi correr até a aldeia para tentar ajudar aqueles que
necessitavam, pois, apesar de estar há dias sem comer, exausto e com medo do que ainda
podia acontecer, sua natureza era bondosa, e, sabendo que a vila poderia estar em ruínas
assim como a floresta, ele não podia deixar desamparadas as pessoas que precisavam de
ajuda. E assim foi.
Se a floresta estava, em grande parte, destruída, a aldeia estava ainda pior. Casas e
construções tinham ido ao chão, desabado; plantações arrasadas; vidas acabadas… eles
realmente precisavam de seu apoio. E Atrean ajudou como pôde. Primeiro socorreu os
feridos, depois ajudou os criadores de animais a recuperarem vacas, cabras e porcos que
se perderam na floresta durante os dias de tempestade. Ajudou a encontrar comida:
pássaros, pequenos animais, frutas selvagens, qualquer coisa, já que uma praga havia se
abatido sobre a lavoura, matando quase todas as plantas que serviriam de alimento para
os próximos meses. E assim a vida, aos poucos, começou a andar novamente.
O caçador conseguiu, também, depois de muito esforço, reconstruir sua cabana, onde,
no fim daqueles exaustivos dias, ele dormia profundamente. Mas, algumas vezes, seus
sonhos eram perturbados por um estranho e misterioso olhar… e quando ele acordava
assustado no meio da madrugada, tinha a impressão de que, por um instante, a dona
daquele olhar estava ali, no canto escuro, espreitando seu sono. Nessas noites Atrean
não conseguia mais dormir.
Esses eram os dizeres escritos no cartaz pregado pelo guarda do castelo no pátio central
da aldeia. Dias antes, um cartaz parecido solicitava jovens para trabalharem dentro dos
portões do castelo, como cozinheiras, arrumadeiras, etc. O povo, momentaneamente
extasiado com a possibilidade de ter suas filhas, irmãs, sobrinhas realizando tarefas
diretamente para o castelo e para a nobreza, tornando-se assim pessoas “mais
importantes” - segundo a concepção daquela sociedade, se esqueceu dos impostos altos
cobrados pelo Barão que, mesmo depois da catástrofe da tempestade que acontecera
algumas semanas antes, não se compadeceu da desgraça das pessoas e aumentou os
tributos. Mas, dias depois, para o terror dos familiares, as garotas que foram
selecionadas para esses trabalhos no castelo não voltaram para casa. Mesmo assim, outro
aviso foi pregado na praça central, solicitando mais moças. A população começou a se
agitar, exigindo saber notícias sobre as garotas que não tinham voltado. E, como
resposta à esse desafio do povo, o Barão de Munt Casprio, um homem já muito
diferente do amigável Barão de outrora, decretou esse último aviso.
Quando solicitado pelo povo para investigar esses acontecimentos, o caçador se negou
a ajudar. Mas várias pessoas vieram atrás dele, atrás de seu zelo, acreditando nas lendas
quase divinas que o cercavam. Mesmo assim, Atrean dizia sempre que preferia não se
envolver. E, mesmo que quisesse, o que faria? Invadiria o castelo para salvar quase vinte
moças desaparecidas? Como conseguiria sair com elas de lá? E se fosse pego? Seria preso?
Não, não seria. Se os boatos sobre a mudança total de personalidade e caráter do Barão
Oberon de Munt Casprio fossem verdadeiros, alguém que invadisse o castelo teria um
destino pior do que as masmorras: seria executado. Então, por que correr o risco de ser
executado somente para ajudar as pessoas a resolverem os próprios erros? Não valia a
pena.
E, quando uma verdadeira multidão enraivecida, cega por ira e medo, veio exigir que o
caçador usasse suas exímias habilidades para fazer alguma coisa, resgatar as meninas ou
algo parecido, ele se enfureceu!
- Eu os ajudei a se reerguerem, não deixei que passassem fome, não deixei que
passassem frio. Mas, uma coisa é reconstruir a aldeia destruída pela tempestade, e outra
coisa é contrariar as ordens do Barão. Eu não me intrometo nesses assuntos. Quem
mandou as garotas para dentro dos muros do castelo foram vocês! Então tratem de
resolver sozinhos os seus problemas!
Muitas pessoas viraram a cara para o caçador daquele momento em diante. Ele, por sua
vez, não se importava nem um pouco com isso. Na verdade, preferia que não fosse
percebido por ninguém. Atrean ficou a uma certa distância e observou, de longe,
quando essa multidão de pessoas furiosas com o barão rumou para frente dos portões
do castelo, no topo do Munt Casprio. Eles, com machados, tochas, pás e forcados nas
mãos, estavam exigindo redução dos impostos, ajuda na colheita e reconstrução da
aldeia, e, principalmente, exigindo que ele libertasse as garotas - até então -
desaparecidas. O caçador sabia que não viria coisa boa dali, então embrenhou-se na
mata e recolheu-se para sua nova cabana reconstruída.
Mas, algum tempo depois, ele ouviu gritos horríveis ao longe, desesperados, vindos de
todo lugar. Saltou da cama, pegou seu arco e algumas flechas e, do jeito que estava,
correu para a mata em direção à maior concentração dos gritos. Certamente vinham da
direção próxima ao castelo. Porém, antes mesmo de chegar lá, encontrou vários aldeões
correndo, desnorteados. Em seus rostos havia o horror estampado, e, mesmo depois de
Atrean tentar chamá-los, ninguém parou. Ninguém sequer parecia ter ouvido-o. Ele,
então, decidiu correr na direção contrária àquelas pessoas, para descobrir o que tinha
causado todo aquele alvoroço. Mas não precisou dar mais do que cinquenta passos para
descobrir. Uma fina névoa surgiu do meio das árvores, dificultando muito a visão. Os
gritos de horror das pessoas já estavam distantes, levados pelo vento. Só o que se ouvia
agora era o leve sopro do vento e sussurros ininteligíveis, vindos de dentro das brumas.
O caçador parou imediatamente. Seus sentidos o alertaram de que algo estava se
aproximando. Ele teve um pressentimento muito estranho que o fez,
involuntariamente, sacar duas flechas e preparar o arco.
Surgindo de dentro da névoa, sombras medonhas começaram a se aproximar. A visão
turva não lhe permitia distinguir o que eram aquelas coisas… ele só sabia que eram
muitas… muitas mesmo. Estava sendo cercado. Mesmo assim, julgando estar totalmente
invisível, dado o altíssimo nível de camuflagem, Atrean não retrocedeu. Continuou
estático, apenas aguardando com uma flecha apontada. A névoa se adensou, e se
espalhou para todos os lados, inclusive por onde o caçador estava escondido. E quando
aquela neblina entrou em suas narinas, ele imediatamente se engasgou e começou a
tossir. Seus pulmões começaram a arder, assim como seus olhos, garganta e nariz, como
se ele estivesse respirando fogo.
Seu esconderijo tinha sido revelado, ele não podia ficar mais ali. As sombras nebulosas
se aproximavam cada vez mais. Mas, quando finalmente estavam perto o suficiente para
que Atrean pudesse observar de perto, o que ele viu o deixou momentaneamente
paralisado. Sua expressão, assim como as dos aldeões que fugiram dali momentos antes,
foi do espanto ao puro horror. Sua mente simplesmente não podia conceber o que seus
olhos estavam vendo, ele não conseguia sequer acreditar naquilo.
O homem, já quase convulsionando de tanto tossir, com os pulmões infestados pela
névoa venenosa, foi dominado pelo medo e correu dali o mais rápido que pôde,
largando o arco, as flechas, e o que mais estivesse carregando. Seus instintos lhe diziam
para não olhar para trás, e o pânico impulsionava suas pernas a correrem cada vez mais
rápido pela floresta para o único local que considerava seguro: sua cabana.
Ao chegar no abrigo, ele entrou e passou a tranca de madeira atrás da porta. Correu
para trancar também a única janela, que já era reforçada para prevenir a entrada de
animais. Pelas frestas dessa janela, o caçador ficou observando o movimento na floresta.
Tudo parecia estranhamente calmo e silencioso. Nem mesmo o vento uivava mais,
tampouco as folhas das altas árvores farfalhavam. Lá fora estava quieto demais. Até que,
repentinamente, as criaturas começaram a surgir dentre as árvores. O caçador começou
a suar. Ele não sabia porque aquilo estava acontecendo. Nem mesmo o mais feroz dos
ursos provocava-lhe tanto medo assim. Mas aquilo não era um urso… “...o que são
aquelas coisas lá fora?” Pensou. “Seriam espíritos malignos buscando vingança? Seriam
crias do deus da escuridão?”. Ele já não conseguia mais raciocinar direito. Sua casa foi
cercada, rodeada pelas coisas mais abomináveis que o caçador havia visto ou ouvido
falar. E elas começaram a bater nas paredes, na porta e na janela, tentando forçar sua
entrada. Atrean acendeu uma vela, sentou-se com as pernas cruzadas e começou a rezar
para pedir proteção aos seus deuses selvagens.
O barulho das coisas lá fora estava aumentando cada vez mais, a medida que mais e
mais criaturas se juntavam ali. Os grunhidos e murmúrios que elas faziam era de
arrepiar até a alma. Atrean começou a rezar mais alto, para tentar fazer sua voz se
sobrepor ao enorme ruído lá fora. As paredes tremiam com os golpes. O teto de palha
soltava pequenos fiapos a cada impacto. O lugar, sabia Atrean, não iria aguentar por
muito mais tempo.
Os sons daquelas coisas não paravam de aumentar, atormentando-o profundamente.
Ele não conseguia mais ouvir a própria voz enquanto rezava. Coberto por aflição, o
caçador tapou os ouvidos com as mãos, na esperança de fazer aquele terrível barulho
sumir, nem que fosse por apenas alguns instantes. Mas de nada adiantou.
- O QUE QUEREM? - gritou ele, desesperado.
Mas nenhuma resposta veio. Ao invés disso, as batidas aumentaram de intensidade,
como se um exército enfurecido estivesse tentando derrubar a pequena cabana. A porta
começou a rachar, apesar de a tranca grossa e resistente ainda estar intacta. As paredes
tremiam tanto que pareciam que a qualquer momento poderiam desabar. Atrean
pensou em como a ironia da vida havia colocado-o naquela situação, como um animal
entocado, prestes a ser apanhado. O caçador virou caça.
Ele refletiu sobre todos os estranhos acontecimentos das últimas semanas, a tormenta
maldita, a praga nas plantações, o estranho modo como o Barão Oberon de Munt
Casprio passou a agir, o sumiço das garotas… tudo aquilo estava ligado à uma coisa… e,
como que respondendo aos seus pensamentos, a janela, cujas trancas não podiam mais
conter a força das criaturas do lado de fora, se abriu de uma vez, revelando, ao longe e
por cima das copas das árvores, o majestoso castelo de Munt Casprio, encobrindo com
sua silhueta a enorme lua cheia. Olhando para aquele castelo, Atrean, em meio aos seus
devaneios de pesadelos gerados pelo pavor das criaturas ao seu redor, só conseguiu
pensar em uma coisa: naquele estranho e misterioso olhar…
Se você gostou de Atrean - o caçador, e quer saber mais sobre essa história e sobre
todos os mistérios que rondam o castelo de Munt Casprio, leia:
O Barão de Munt Casprio convida-lhe a entrar em seu castelo
Na pacata e isolada aldeia de Munt Casprio, coisas estranhas começam a acontecer após uma
terrível tempestade. O Barão, antes um homem bondoso e prestativo, agora esconde um segredo
sinistro em seu castelo tenebroso. A fome assola os moradores... Criaturas vindas das
profundezas do abismo espreitam nas sombras... O caos reina!
Uma jovem guerreira aprendiz da Ordem da Luz, Adana, desobedecendo seus superiores,
resolve investigar esses estranhos acontecimentos. Com a ajuda de Oman, seu fiel amigo, e
Evan, um corajoso camponês, tentará desvendar os mistérios e enfrentar os perigos que rondam o
Castelo de Munt Casprio. Mas será que eles conseguirão sobreviver à essa grande e sombria
ameaça?
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