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DOSSIÊ POLÍTICA INTERNACIONAL: TEMAS

REVISTA DE SOCIOLOGIA EMERGENTES


E POLÍTICA Nº 27: 15-32 NOV. 2006

PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO


TERRITORIAL SOBERANO1

Paulo Esteves

RESUMO

Com base no método genealógico, conforme proposto por Michel Foucault, o artigo analisa as condições
de existência do Estado territorial moderno. Trata-se de uma forma política que emergiu na Idade Clássica
(séculos XVII e XVIII) e prosperou por meio da articulação de um regime de poder próprio: a soberania.
Nesse sentido, o artigo argumenta que a soberania, na Idade Clássica, foi capaz de articular poder e saber
em um mesmo quadro, produzindo um conjunto de dispositivos, estratégias e tecnologias de poder que
terminaram por estabelecer modos de conhecer e de agir no mundo que tinham como referência ubíqua o
estado territorial soberano.
PALAVRAS-CHAVE: Relações Internacionais; Política Internacional; Estado territorial soberano;
genealogia; Idade Clássica.

I. INTRODUÇÃO Em seu nascedouro, o conceito de soberania


foi integrado à teoria política por meio de um duplo
O conceito de soberania é hoje objeto de per-
movimento: em um primeiro momento, como ins-
manente escrutínio acadêmico e de debates polí-
trumento de provisão da ordem, da paz e da segu-
ticos. Tal fato aponta a centralidade do conceito
rança (Hobbes). Em um segundo momento, como
para a disciplina de Relações Internacionais, bem
realização da eqüidade e da justiça (Rousseau). Esta
como para as práticas sociais que conformam a
sucessão de sentidos atribuídos ao conceito não
política mundial. Quando de sua emergência, e
nos permite supor a existência de um processo
este é afinal o objeto de que trata esse artigo, o
contínuo e linear no qual à sucessão semântica
conceito de soberania desenvolveu-se como ins-
corresponda, de forma transparente, um processo
trumento de afirmação da autoridade real sobre as
evolutivo das práticas políticas. Ao contrário, o arco
múltiplas fontes de autoridade da ordem feudal.
semântico e, por que não, polifônico, evocado pelo
Sua origem encontra-se referida à construção do
conceito, recorda-nos afinal dos investimentos po-
estado territorial e, portanto, não pode e não deve
líticos que sobre ele recaem e que o mantém em
ser entendida sem que se considerem seus qua-
permanente tensão. Não por acaso, a integração do
dros históricos. Nesse sentido, a soberania nas-
conceito à disciplina de Relações Internacionais (RI)
ceu sob o signo da construção de mecanismos de
deu azo a proposições como anarquia, segurança
controle sobre indivíduos, grupos sociais e terri-
coletiva e, contemporaneamente, intervenção hu-
tórios em um ambiente de profunda instabilidade
manitária2. Os diversos investimentos políticos a
e desordem.
que o conceito se encontra submetido dão conta,
portanto, não apenas de sua centralidade política,
mas, sobretudo, para os efeitos da nossa necessi-
1 Este é um trabalho em progresso que resulta de pesquisa dade de compreendê-lo.
financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Cabe destacar, ainda, meu O objetivo do artigo é, assim, realizar uma
agradecimento aos estudantes da graduação em Relações genealogia do estado territorial soberano e, em
Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Mi-
nas Gerais que, no primeiro semestre de 2006, aceitaram o
desafio de tratar, rigorosa e sistematicamente, as aborda-
gens pós-estruturalistas no campo das Relações Internaci- 2 Há certamente um enorme volume de obras que tratam
onais. A eles, dedico este artigo. Desnecessário assinalar, dos temas aqui evocados. Contudo, vale a referência a dois
contudo, minha inteira responsabilidade pelos argumentos títulos de particular interesse acerca do tema: Lyons e
aqui apresentados. Mastanduno (1995a) e Falk, Ruiz e Walker (2002).

Recebido em 3 de maio de 2006


Aprovado em 4 de julho de 2006
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 27, p. 15-32, nov. 2006
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PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

especial, do regime de poder soberano nascente sobretudo, por permitir-lhe tratar as práticas
na Idade Clássica. Nesse sentido, cabe lembrar discursivas e não discursivas como objetos de
que a emergência do estado territorial soberano é investigação.
em geral atribuída aos tratados de Vestfália de
Este artigo pretende, assim, recuperar as pro-
1648, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos.
posições que informam a genealogia foucaultiana
Assinalaram estes, em primeiro lugar, a progres-
para, em seguida, interpretar genealogicamente a
siva tentativa de imposição de limites à interferên-
emergência do estado territorial soberano. Com
cia da igreja sobre os nascentes governos secula-
Foucault, o artigo assume três hipóteses de traba-
res europeus; em segundo lugar, a autonomia em
lho: “(i) a verdade deve ser compreendida como
face dos demais Estados, tomados como juridi-
um sistema ordenado de procedimentos para a
camente iguais e, finalmente, em terceiro lugar, a
produção, regulação, distribuição, circulação e
prerrogativa de manutenção da ordem no interior
operação de enunciados; (ii) a verdade mantém
de suas fronteiras, bem como o controle sobre os
com sistemas de poder uma relação de mútuo re-
recursos materiais e humanos necessários ao exer-
forço [...] e (iii) os regimes de poder/saber não
cício do poder soberano (LYONS &
são meras formações ideológicas ou
MASTANDUNO, 1995b, p. 74ss.). A tarefa im-
superestruturais; são a condição para a formação
posta é, nesse sentido, buscar compreender as
e desenvolvimento do capitalismo”4 (FOUCAULT
condições de existência dessa forma político-ju-
& GORDON, 1980, p. 133).
rídica particular e a emergência e disseminação
do regime de poder soberano pelo continente eu- Nesse caso, a tarefa que se impõe é a da iden-
ropeu. tificação e interpretação analítica do regime de
poder que constitui o estado territorial soberano.
Para tanto, o artigo constrói seu problema de
Para tanto, o artigo encontra-se organizado em
pesquisa a partir de abordagens pós-estruturalis-
três seções, além desta introdução. Na primeira
tas, que têm ganhado relevância no interior do
seção, pretende-se sumariamente apresentar os
campo de estudos das Relações Internacionais.
pressupostos do método genealógico que infor-
De fato, o interesse acerca das relações entre po-
ma a análise. A segunda trata da emergência de
der e saber, tanto no que se refere às práticas po-
um espaço lógico que irá constituir-se em condi-
líticas, quanto no que concerne à atividade acadê-
ção de existência do estado territorial soberano.
mica tem, apenas recentemente, despertado inte-
Na terceira e última seção propõe-se a interpreta-
resse. O relacionamento entre linguagem e mun-
ção dos dispositivos, estratégias e tecnologias,
do dos objetos raramente foi tematizado no cam-
implicados na emergência da forma político-jurí-
po das RI; nesse caso, supunha-se que a lingua-
dica conhecida como Estado territorial.
gem constituía-se em um meio transparente de
acesso aos fenômenos sociais, e sustentava-se que II. SOBRE A GENEALOGIA
todo o conhecimento válido “consistia em uma
Sumariamente, a tarefa do genealogista é a de
relação entre coisas e sujeitos cognoscentes”
isolar e registrar os pontos de emergência de sis-
(SHAPIRO, 1987, p. 365). Com isso, o próprio
temas interpretativos que “não conformam confi-
sujeito do conhecimento deixava de ser objeto de
gurações sucessivas de idêntico sentido; ao con-
escrutínio e crítica. As transformações que tive-
trário, resultam de substituições, deslocamentos,
ram lugar no interior das Ciências Sociais e Hu-
conquistas ocultas e reversões sistemáticas”
manas na última década – em especial, a assim
(FOUCAULT, 1984, p. 86). Tais sistemas
chamada virada lingüística – permitiram, contu-
interpretativos emergem no interior de campos de
do, a problematização dos processos de investi-
força em que interpretações ou perspectivas con-
gação nas Ciências Sociais e, particularmente nas
correntes encontram-se permanentemente em
Relações Internacionais3. Nesse contexto, a obra
luta5. Uma vez que há, aqui, a rejeição de toda
de Michel Foucault teve impacto relevante não
apenas por situar o acadêmico de Relações Inter-
nacionais em complexas redes de poder, mas, 4 As citações cujos originais são em língua estrangeira
foram traduzidas pelo autor.
5 Na perspectiva do genealogista, o espaço histórico é um
3 Sobre a virada lingüística nas Ciências Sociais e Huma-
campo eivado de interpretações concorrentes; ao contrário
nas, veja-se: Nelson, Megill e McCloskey (1987). do historiador tradicional que recorre à narrativa de proces-

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metafísica e de toda teleologia, a sucessão de sis- cia daquilo que, por princípio, no presente, pare-
temas interpretativos cuja emergência deve ser ceria não problemático como resultado de uma
capturada pelo genealogista constitui-se em uma sucessão de eventos arbitrários que conformam a
tarefa sem fim: “a humanidade não progride de ancestralidade de determinada interpretação e re-
um combate a outro até que alcance a reciproci- velam, por fim, os contornos do próprio campo
dade universal, em que o governo da lei finalmen- de forças responsável por sua sagração. “A emer-
te possa superar a guerra; a humanidade assenta gência é sempre produzida por meio de uma con-
cada um de seus atos violentos em um sistema de figuração de forças particular. A análise da
regras e assim prossegue: de dominação em do- ancestralidade (Entstehun) deve delinear essa
minação” (idem, p. 85). Nesse sentido, a genealogia interação, a batalha que essas forças mantêm umas
apresenta-se como história efetiva, uma vez que contra as outras, ou contra circunstâncias adver-
propõe identificar as descontinuidades e cisões que sas, tentando impedir sua degeneração e, ao mes-
têm lugar no interior das narrativas históricas con- mo tempo, recuperar sua potência por meio da
vencionais. Tal processo de identificação permite divisão das forças que compõem o campo contra
ao genealogista destituir de estabilidade a suces- elas próprias. É nesse sentido que a emergência
são de eventos encadeados por interpretações que, de uma espécie (animal ou humana) e sua conso-
em determinados períodos, lograram objetividade lidação estão seguras ‘em uma batalha intensa e
e resiliência. duradoura contra condições que são essencial e
constantemente desfavoráveis’” (FOUCAULT,
Tomada como história efetiva, a genealogia é
1984, p. 84).
episódica e exemplar. De fato, sua operação dá-se
por meio do registro de um evento, “aspecto, tra- Nesse sentido, a emergência de uma espécie,
ço ou conceito únicos dentre uma miríade de even- vale dizer, um modo de existência histórico-soci-
tos graças aos quais – ou contra os quais – eles al, e sua sobrevivência como tal atribui forma a
foram formados” (idem, p. 81). Assim, o traba- um determinado campo de forças até então infor-
lho do genealogista busca recuperar a me. Mais que isso, a consolidação e sobrevivên-
ancestralidade daqueles eventos que se impuse- cia de determinada espécie permite a emergência
ram sobre os demais, registrando, a um só tem- de indivíduos como manifestações particulares
po, a dispersão do campo de forças donde emer- dessa espécie. “De fato ‘a espécie deve ganhar
giram e a arbitrariedade com que se elevaram. Seu existência como uma espécie, como algo – ca-
caráter episódico deixa entrever que a história efe- racterizado pela durabilidade, uniformidade e sim-
tiva praticada pelo genealogista é, ela própria, um plicidade de sua forma – que pode resistir na luta
reordenamento de eventos que sublinha os aspec- perpétua com forças externas ou com relação à
tos considerados problemáticos no presente forças emergentes até então subjugadas. De ou-
(RABINOW & DREYFUS, 1982, p. 104ss.; tro lado, as diferenças individuais emergem em
BARTELSON, 1995, p. 72-73). O recurso à no- um outro estágio da relação de forças, quando a
ção de “ancestralidade” permite tratar a emergên- espécie se torna vitoriosa e quando não é mais
ameaçada por forças externas” (ibidem)
A emergência de uma determinada espécie é
um instrumento-efeito de regimes de poder que
sos cuja finalidade já está inscrita e desdobra-se ao longo de
se afirmam e superpõem no interior de espaços
toda a sua narrativa, o genealogista isola descontinuidades,
episódios e eventos, como se verá a seguir, com vistas à lógicos e seus interstícios. A dificuldade imposta
recuperação do jogo de forças que lhe é revelado na super- pela permanente recusa de Foucault em recorrer
fície dos acontecimentos. No interior do espaço histórico, ao vocabulário corrente das Ciências Sociais im-
o genealogista deve ser capaz de identificar e redescrever põe a tarefa de elucidação dos conceitos a que
um conjunto heterogêneo e contraditório de interpretações, recorre para a construção de sua proposta
algumas delas apresentadas sob o véu da objetividade cien-
genealógica (DREYFUS & RABINOW, 1982). A
tífica, outras tantas sob a arbitrariedade do relato subjeti-
vo; tomadas como práticas sociais, tais interpretações cons- Figura 1 tenta condensar o espectro conceitual
tituem a matéria da genealogia. A esse respeito, ver Rabinow implicado na tarefa do genealogista e esclarecer
e Dreyfus (1982). seus vínculos:

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PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

FIGURA 1 – GENEALOGIA

FONTE: o autor.

Como se pode perceber, o tecido histórico, tiplo e inerte sobre o qual o poder opera [...]. De
lócus em que as formas de existência (espécies) fato, um dos efeitos primários do poder reside na
emergem, é conceituado como um espaço lógico. identificação de certos corpos, certos gestos, cer-
Foucault substitui a noção de contextos pela de tos discursos e certos desejos com indivíduos. O
espaços lógicos. Tais espaços permitem a articu- indivíduo não está ao lado do poder; ele é um de
lação e transformação discursiva por meio da cor- seus efeitos primários” (FOUCAULT &
relação e disseminação de enunciados que dispõem GORDON, 1980, p. 98).
sujeitos, objetos e conceitos como condições de
Os espaços lógicos são, assim, grandes qua-
verdade, de cognição e, logo, de existência. Como
dros de articulação entre poder e conhecimento
percebeu Bartelson, “enunciados implicam e en-
em que se constituem, em regimes particulares
contram-se relacionados a sujeitos, objetos e con-
de poder, modos de subjetivação/sujeição que ter-
ceitos, mas não mantêm nenhuma relação causal
minam por produzir sujeitos qua objetos. Os regi-
ou lógica necessária entre si. Nesse sentido, como
mes de poder realizam-se por meio de mecanis-
enunciados são constitutivos de sujeitos, objetos
mos microfísicos e de dispositivos que articulam
e conceitos, são as relações de coexistência e cor-
poder e conhecimento por meio de práticas
relação entre eles que tornam certos objetos pos-
discursivas e não discursivas. Como observou o
síveis como objetos de conhecimento, e certas
autor, “o estudo da microfísica supõe que o po-
proposições possíveis para a afirmação ou nega-
der nela exercido não seja concebido como uma
ção por um sujeito cognoscente, enquanto outros
propriedade, mas como uma estratégia, que seus
objetos e outras proposições são excluídas do
efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma
domínio daquilo que pode ser conhecido. Assim,
‘apropriação’, mas as disposições, a manobras, a
o que existe é uma função daquilo que pode ser
táticas, a técnicas, a funcionamentos [...]. Temos
conhecido, e não o contrário (BARTELSON, 1995,
de admitir que o poder produz saber (e não sim-
p. 71).
plesmente favorecendo-o porque o serve ou apli-
Os espaços lógicos configuram-se, portanto, cando-o porque é útil); que poder e saber estão
em campos de força que oferecem condições de diretamente implicados; que não há relação de
existência a determinadas espécies. Tais condi- poder sem construção correlata de um campo de
ções emergem no interior dos espaços lógicos nos saber, nem saber que não suponha e não consti-
quais se afirmam regimes de poder específicos tua ao mesmo tempo relações de poder”
que normalizam as relações sociais por meio de (FOUCAULT, 1999b, p. 26-27).
estratégias, tecnologias e práticas responsáveis pela
Ao registrar os processos nos quais regimes
produção de espécies e indivíduos como sujeitos
de poder reproduzem espécies e indivíduos no
e objetos: “o indivíduo não deve ser concebido
tempo, o genealogista é capaz de traçar os linea-
como um núcleo ou um átomo; um material múl-
mentos tanto dos espaços lógicos que lhes ofere-

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cem condições de existência, quanto dos trução de um dispositivo, a representação capaz


interstícios6 que as ameaçam por meio da possi- de produzir ordem e normalizar as relações soci-
bilidade sempiterna de emergência de novas for- ais no interior dos estados territoriais soberanos
ças e novas espécies. Essa passagem permite a nascentes.
Foucault conceber a genealogia como uma tarefa
Por meio da imagem de cascatas de
de redescrição do espaço lógico que oferece con-
modernidade, Hans Ulrich Gumbrecht rompe com
dições de existência a determinadas espécies e in-
uma perspectiva homogênea e unívoca acerca da
divíduos. Nesse sentido, tomado em toda sua
emergência desta época histórica, propondo
radicalidade, o movimento foucaultiano apresen-
abordá-la como uma sobreposição “desordenada”
ta-nos uma existência que tem lugar no tempo e é
entre uma série de conceitos diferentes de
investida por regimes de poder que se dissemi-
modernidade e modernização (GUMBRECHT,
nam como microfísica e são decifrados como dis-
1998, p. 9). Tal sobreposição não se constituiria
positivos. De uma perspectiva analítica, a identi-
em sucessão, senão em simultaneidade e cruza-
ficação de dispositivos permite isolar os proces-
mentos de conceitos e formações discursivas,
sos de imbricação de poder e conhecimento em
estruturados e acordes com o cronótopo tempo
um mesmo quadro de referência (RABINOW &
histórico, responsável pelo próprio efeito da
DREYFUS, 1982, p. 121). A próxima seção bus-
temporalização característico da modernidade. É
ca redescrever o espaço lógico que permite a
nesse sentido que o autor distingue, com Foucault,
emergência do regime de poder da soberania e
a constituição de duas variantes da subjetividade
sua forma político-jurídica: o Estado territorial
moderna que, embora tenham como pano de fun-
soberano.
do a perspectiva da finitude, lhe oferecem res-
III. A CIVITAS TERRENA postas diversas. Trata-se de duas perspectivas
estruturantes da subjetividade nos períodos clás-
Esse passo trata da emergência, na passagem
sico e moderno. A Idade Clássica teria proporcio-
do Renascimento para a Idade Clássica, de um
nado uma formação subjetiva que instituiria a ci-
espaço lógico capaz de articular um conjunto de
são corpo e alma e, com ela, um sistema estável
práticas discursivas e não discursivas que se cons-
de representações passível de interpretação por
tituiu como um quadro sincrônico que oferece
essa subjetividade cognoscente, como se verá a
inteligibilidade a toda uma época histórica, uma
seguir.
vez que permite a interpretação das condições de
existência do estado territorial soberano, objeto A emergência desta subjetividade moderna –
da análise interpretativa proposta na próxima se- ou do tipo ocidental de subjetividade (idem) – tem
ção. A progressiva dissolução da Respublica lugar com a ruptura da grande cadeia do ser, na
Christiana como centro semântico capaz de or- Idade Clássica, e a conseqüente expulsão do indi-
denar as relações sociais e políticas permitiu (i) víduo da ordem das coisas. A percepção de uma
grande impulso para diversas formas de auto- existência out of joint (“fora do conjunto”) é as-
asserção (self-fashioning); (ii) uma nova ênfase sim a condição que demarca a subjetividade mo-
na vida ativa e a abertura da Civitas Terrena como derna7. De fato, a falência da escatologia cristã
espaço lógico donde emergiram experimentos em sua capacidade de provisão de sentido e orga-
político-jurídicos que articulavam poder e saber nização do mundo resulta na construção de um
de diversas formas; (iii) a abertura de um campo espaço mundano – a Civitas Terrena – em um
de forças e de interstícios para a emergência de processo de auto-asserção do indivíduo e de in-
novos regimes de poder; e, finalmente, (iv) a cons-

7 Em As palavras e as coisas, Foucault isola e descreve as


6 No interior dos espaços lógicos, vale dizer, campos de três epistemes que informaram o pensamento moderno em
força onde têm lugar a articulação e a transformação três épocas distintas: Renascimento, Idade Clássica e, fi-
discursiva, emergem regimes de poder e abrem-se interstícios nalmente, Modernidade (FOUCAULT, 1995). Por
nos quais manobras e batalhas, resultantes de espaços so- “episteme”, o autor entende “o conjunto das relações que
ciais são capazes de criar “clareiras” que desafiam e resis- podem unir, em uma dada época, as práticas discursivas
tem aos processos de normalização impostos pelos regi- que dão lugar a figuras epistemológicas, a ciências e, even-
mes de poder. A esse respeito, veja-se Dreyfus e Rabinow tualmente, a sistemas formalizados [...]” (FOUCAULT,
(1982). 1997, p. 217).

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PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

tensa experimentação político-jurídica. De fato, trução da persona singular: toda busca de si, toda
ao longo dos séculos XVI e XVII, assiste-se ao descoberta do eu, repousa no fato de que como
progressivo desmantelamento de uma concepção criatura o eu é posterior ao seu ser próprio (idem,
que organiza o mundo a partir de uma relação ver- p. 63). A ruptura dessa estrutura vertical de senti-
tical e direta entre o crente e deus (POCOCK, do projeta sobre a comunidade de homens e mu-
1975, p. 37). lheres a responsabilidade de organizar seu próprio
mundo em um contexto em que não há consenso
Tal modelo tinha como conseqüência a estabi-
em torno de uma única matriz política e social.
lidade de um conjunto de relações sociais e políti-
Como situação histórica, a Idade Clássica cria,
cas que encontra em uma instância extramundana
portanto, condições para a auto-asserção indivi-
seu centro semântico, produzindo a um só tempo
dual; nos termos de Blumenberg, isso significa
a valorização da vida contemplativa e, paralela-
“um programa existencial, de acordo com o qual
mente, a atrofia das possibilidades de existência
o homem coloca sua existência em uma situação
no interior da Civitas Terrena. Uma vez que o cen-
histórica e indica para si como vai tratar a realida-
tro semântico encontrava-se alhures, cerzindo as
de que o circunda e qual é o uso que fará das
relações sociais, a verdadeira sociedade tinha como
possibilidades que se lhe oferecem”
único fundamento a fé dos crentes que dela eram
(BLUMENBERG, 1983, p. 138)8.
partícipes (ARENDT, 1996, p. 104). Dessa orga-
nização vertical da dinâmica social restam duas A ênfase na mundanidade e na ação no tempo
conseqüências: a primeira delas diz respeito à per- dá destaque a perspectivas particulares incomen-
cepção de que esta sociedade funda-se em uma suráveis: “julgamentos são possíveis e mesmo
instância que não se encontra no mundo, fazendo necessários, mas a certeza absoluta, a certeza que
com que a fides communis se revelasse uma co-
munidade com um ente que se encontrava fora
do mundo – os homens encontram-se isolados e 8 É importante mencionar aqui o debate que Hans
simultaneamente dependentes uns dos outros, cada Blumenberg estabelece com a obra de Karl Lowith acerca
um dos quais, sozinho diante de deus. A segunda do conceito de secularização e suas implicações no que
conseqüência refere-se ao fato de que esta orga- respeita ao problema da legitimação na modernidade. O
alvo de Blumenberg é a tese segundo a qual a era moderna é
nização pressupunha que a própria dinâmica co- meramente uma versão secular das visões de mundo judai-
munitária orientava de acordo com um vetor que co-cristãs – perspectiva que relativiza a autoproclamada
tem origem na criação e fim na eternidade. A Fa- ruptura da modernidade com o passado. À secularização,
brica Dei, que criara o mundo e o homem, é ante- Blumenberg opõe a noção de reocupação. A modernidade,
rior e posterior ao mundo dos homens, outorgan- segundo o autor, herdou da Idade Média um conjunto de
do sentido à sua experiência. Como percebeu questões que diziam respeito aos fundamentos últimos do
conhecimento e da ação humana no mundo. Naquele con-
Hannah Arendt, “a morte redentora de Cristo não texto, o pensamento teológico seria responsável por pa-
alcançou um homem em particular, mas o mundo drões teóricos e práticos capazes de prover respostas à
inteiro, o mundus constituído pelos homens. Se, questão da fundamentação. A modernidade, segundo
portanto, a fé isola profundamente cada ser parti- Blumenberg, herda da Idade Média este conjunto de ques-
cular, o objeto da fé, a saber, a redenção de Cris- tões e lhe oferece novo tratamento – reoccupation. Na for-
to, advém a um mundo previamente dado e, por mulação do autor, “o que ocorre no assim chamado proces-
so de secularização – pelo menos até aqui – [...] deveria ser
fim, em uma comunidade formada. A fé retira o descrito não como a transposição de conteúdos autentica-
homem do mundo, de uma comunidade humana, mente teológicos em alienação secular de suas origens, se-
de uma cidade terrestre (Civitas Terrena); uma não como a reocupação de posições provedoras de respos-
cidade que vive todos os dias em um mesmo tem- tas que ficaram vagas ainda que as questões que lhes deram
po, uma comunidade (societas) determinada por origem não pudessem ser eliminadas” (BLUMENBERG,
um estar-com e por um estar pelo outro e não por 1983, p. 65). Nesse sentido, embora a reocupação das po-
sições medievais por argumentos modernos não nos per-
uma simples coexistência. Tal comunidade não se mita falar de uma originalidade absoluta da época moderna
formou arbitrariamente e, portanto, não está sus- em relação ao passado, interpretar a forma especificamente
cetível de ser totalmente suprimida (ARENDT, moderna de enfrentamento da questão da fundamentação
1996, p. 105). como um processo de secularização dos modelos judaico-
cristãos implicaria, segundo o autor, no desconhecimento
Neste universo não há espaço para a experiên- da especificidade, tanto do pensamento medieval, quanto
cia mundana particular e, tampouco, para a cons- do pensamento moderno.

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se possui em relação às doutrinas concernentes à mundo de objetos (que inclui o corpo do sujeito),
salvação, não o são.” (GREENBLATT, 1980, p. é a primeira precondição estrutural do início da
61). Este mundo eivado de incerteza – no qual o modernidade. Sua segunda precondição está na
sentido é produzido, no mais das vezes, por meio idéia de um movimento – vertical – mediante o
de arranjos precários, e a verdade é exilada do qual o sujeito lê ou interpreta o mundo dos obje-
mundo dos homens – transforma-se em cena para tos (GUMBRECHT, 1998, p. 12).
diversos experimentos de auto-asserção. Essa cena
Assim, no espaço aberto pela Civitas Terrena
que se oferece para o que Greemblatt nomeou self-
emerge a mathesis universalis, vale dizer, a “ciên-
fashioning: “assim, apartado da imitação de Cris-
cia universal da medida e da ordem” (FOUCAULT,
to – uma separação que pode produzir considerá-
1995, p. 71), como a episteme que articula as prá-
vel ansiedade – a autoprodução de si (self-
ticas discursivas da Idade Clássica. A mathesis
fashioning) adquire um novo significado. Ela des-
supõe que o mundo, ainda que destituído da ilu-
creve a prática de famílias e professores; está re-
minação proveniente da grande cadeia do ser, é
lacionada aos costumes, particularmente àqueles
ordenado; e sua ordem deve ser representada ar-
da elite; o que pode sugerir a representação da
tificialmente por uma linguagem artificial criada
natureza ou da intenção de alguém em palavras e
para representar as coisas que estão dispostas,
atos” (idem, p. 3). Desdobrada horizontalmente,
ordenadamente, a priori. O homem não cria o
na direção da construção de relacionamentos es-
mundo, apenas o representa por meio de signos.
táveis em seu interior, a Civitas Terrena revela-se
como um espaço lógico onde deverão emergir Na Civitas Terrena, a mathesis permite que as
regras básicas de relacionamento entre enuncia- relações entre os seres sejam pensadas sob a for-
dos com vistas à produção de sentido. ma da ordem e da medida; sejam submetidas à
análise e, finalmente, objeto do juízo. Para tanto,
Com efeito, a Civitas Terrena, nos termos tra-
estrutura-se em torno de um instrumento particu-
tados até aqui, é o espaço lógico que cria as con-
lar: o sistema de signos. Na Idade Clássica, o sis-
dições para a emergência da episteme clássica –
tema de signos tem pelo menos duas variáveis que
séculos XVI e XVII – que teria como fundamen-
são, nesse contexto, de particular interesse: (i) o
to a representação. Embora destacado da grande
signo guarda com a ordem das coisas uma rela-
cadeia do ser, a presença do indivíduo no tempo,
ção de sucessão; não há a palavra divina a ser
como Descartes nos fez compreender, é ainda
desvendada; ao contrário, há um mundo ordena-
marcada pelas coordenadas oferecidas por um
do por deus que se apresenta como possibilidade
deus veraz. Como percebeu Rabinow, “na Idade
cognitiva se, e somente se, houver uma relação
Clássica [...] havia um mundo criado por deus
certa ou provável entre o signo e aquilo que ele
que existia por si próprio, independente dos ho-
representa9 e (ii) a vacuidade entre o signo e aqui-
mens. A tarefa dos homens era, assim, esclarecer
lo que ele designa exige uma relação de sincronia
a ordem do mundo” (DREYFUS & RABINOW,
com a qual significante e significado possam ser
1982, p. 20). Portanto, embora na Idade Clássica
relacionados; em decorrência da exigência de si-
a finitude fosse tomada como limitação à ação e à
multaneidade entre aquilo que representa e o que
cognição, a presença de uma ordem exterior está-
é representado o signo, o conhecimento, a bem
vel que se oferecia à classificação, análise e, en-
da certeza, ou ao menos da probabilidade, deve
fim, à representação assegurava estabilidade à
produzir a dispersão do signo em elementos cada
subjetividade, entendida, então, em uma matriz
vez mais simples que deverão, em seguida, ser
cognoscente (FOUCAULT, 1995 p. 61ss.). Esse
relacionados na forma de um sistema.
movimento que tem lugar na Idade Clássica é des-
crito por Gumbrecht a partir de dois eixos com-
plementares: (i) em vez de ser uma parte do mun-
do, o sujeito vê a si mesmo como excêntrico a ele 9 Nesse sentido, o sistema de signos na Idade Clássica
e (ii) em vez de definir-se como uma unidade de abre-se para o conhecimento provável. Uma vez que o
espírito e corpo, o sujeito – ao menos o sujeito signo não é absoluto, abre-se um espaço entre aquilo que é
representado e o signo que o representa. Este espaço, cam-
como observador excêntrico e como produtor de
po da probabilidade, exige que o signo se articule em uma
saber – pretende ser puramente espiritual e do rede de significação para a produção de um conhecimento
gênero neutro. Esse eixo sujeito/objeto (horizon- que tanto poderá resultar em certeza quanto em probabili-
tal), o confronto entre o sujeito espiritual e um dade (FOUCAULT, 1995, p. 74ss.).

21
PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

Uma vez que a mathesis, enquanto episteme que ção trata da emergência, no interior do espaço ló-
permite a articulação dos enunciados, articula-se gico da Civitas Terrena, de um regime de poder
ela própria em torno de um sistema de signos arbi- que irá garantir estabilidade no interior da cadeia
trários, e que esses signos guardam, portanto, uma de representações produzida com a mathesis, es-
relação de vacuidade com os objetos representa- tabelecendo tanto os limites e condições para o
dos, pode-se concluir com Gumbrecht que a re- conhecimento quanto para a ação no mundo.
presentação, fundamento da mathesis, constitui a
IV. A GENEALOGIA DO ESTADO TERRITO-
um só tempo um campo hermenêutico que infor-
RIAL SOBERANO
ma a produção discursiva bem como seu intérpre-
te: o sujeito moderno qua hermeneuta. Cabe ao A ancestralidade do conceito de soberania, tal
sujeito moderno ordenar e classificar as coisas para como o conhecemos hoje, remonta ao final da Ida-
que estas possam ser conhecidas, afinal a existên- de Média e ao Renascimento. Desde o século XIV
cia dos objetos depende necessariamente do seu a presunção de um império universal capaz de pro-
lugar em um sistema de signos que, perfeitamente ver sentido à dinâmica social, particularmente ao
ordenado, ganha a forma da taxonomia exercício do poder político, foi, progressivamente,
(BARTELSON, 1995; FOUCAULT, 1995).Um perdendo sua capacidade de promover a ordem e a
mundo destituído da palavra divina impõe aos ho- paz (PHILPOTT, 2001, p. 75ss.). De fato, como
mens a tarefa de conhecê-lo a partir de suas pró- percebeu Koselleck, “no século XVI, a ordem tra-
prias categorias e de agir conforme seus recursos. dicional estava em plena decadência. Em conseqü-
A produção de um conhecimento certo e ordenado ência da perda de unidade da Igreja, a ordem social
convive, assim, com intensa atividade interpretativa como um todo saiu dos eixos. Antigos laços e ali-
e, mais que isso, como percebeu Foucault, com anças foram desfeitos. Alta traição e luta pelo bem
intensa atividade judicativa: “o signo no pensamen- comum tornaram-se conceitos intercambiáveis,
to clássico não apaga as distâncias e não abole o conforme as frentes de luta e os homens que nelas
tempo: ao contrário, permite desenrolá-los e se locomoviam. A anarquia generalizada levou a du-
percorrê-los passo a passo. Por ele as coisas tor- elos, violências e assassinatos, e a pluralização da
nam-se distintas, conservam-se em sua identidade, Ecclesia Santa foi um fermento para a depravação
desenlaçam-se e se ligam. A razão ocidental entra de tudo o que era antes coeso: famílias, estamentos,
na idade do juízo” (idem, p. 76). Resta, nesse caso, países e povos. Assim, a partir da segunda metade
a dúvida acerca da acuidade e da certeza do conhe- do século XVI, um problema que não podia ser
cimento que se tem do mundo; e uma vez que ape- resolvido pelos meios da ordem tradicional torna-
nas existe aquilo que é objeto de cognição... resta a va-se cada vez mais virulento: a época impunha a
dúvida sobre a própria existência do mundo. A rede necessidade de encontrar uma solução em meio a
de representações que se estabelece na Idade Clás- igrejas intolerantes, que travavam duros combates
sica por meio da mathesis e do sistema de signos e se perseguiam cruelmente, e em meio a frações
permanece eivada de incerteza e, do ponto de vista estamentais ligadas à religião. Uma solução que
político, de potencial dissenso. No interior da contornasse, apaziguasse ou abafasse a luta. Como
Civitas Terrena, emergiu assim uma episteme que era possível restabelecer a paz (KOSELLECK, 1999,
a um só tempo outorgava ao indivíduo a tarefa de p. 21)?
conhecer o mundo por meio de seus próprios arti-
Pari passu à corrosão da idéia de império uni-
fícios – a mathesis e seu sistema de signos – e, ao
versal, o estado territorial tornava-se uma alterna-
mesmo tempo, (re)conhecê-lo, uma vez que este
tiva à ordem política medieval por meio das práti-
só ganhava existência quando referido pelo siste-
cas dos príncipes renascentistas, para quem o
ma de signos. Contudo, tal episteme não lhe ofere-
poder deixava de se assentar sobre dimensões
cia mecanismos suficientes para a asseveração da
extramundanas ou em redes de relacionamento
certeza e da verdade.
pessoal, para buscar em comunidades políticas
Pelo exposto, duas ordens de questões emer- demarcadas territorialmente, sua fonte de legiti-
gem. A primeira delas diz respeito ao conhecimento midade. Sob a dissolução de laços de sociabilida-
do mundo. A segunda diz respeito a como agir no de ancestrais, que tem lugar durante o período a
mundo. Recolocando as célebres questões que Koselleck alude, não jaziam apenas os cismas
kantianas no interior da Idade Clássica: o que pos- da igreja no Ocidente, senão um conjunto de trans-
so conhecer? E o que devo fazer? A próxima se- formações que marcavam a ruptura de um mode-

22
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 27: 15-32 NOV. 2006

lo de organização vertical das relações sociais que, não se posicionavam como membros dessa co-
desde a Civitas Dei, era responsável pela partilha munidade universal, senão como representantes
de horizontes de expectativa comuns e pela con- de unidades políticas particulares (idem, p. 83).
seqüente provisão da paz. A valorização da vida Os tratados envolviam aspectos diversos relacio-
ativa, da experiência mundana, desde a virtù nados à distribuição territorial, secularização de
maquiaveliana, é índice de um processo em que cidades, compensações, e assim por diante. A des-
se impõe, aos homens e mulheres, a pergunta for- peito do termo soberania não ser mencionado como
mulada por Koselleck: como é possível restabele- um conceito genérico (HOLSTI, 2004, p. 122),
cer a paz? os presentes à conferência tinham suas credenci-
ais referidas não apenas a vínculos dinásticos, mas
No interior deste processo, em que a articula-
também ao controle sobre determinados territóri-
ção entre indivíduo e ordem social torna-se pro-
os e súditos. Conforme a observação de Holsti,
blemática, dando azo a um sem-número de alter-
alguns princípios estabelecidos nos tratados de
nativas éticas e políticas, emergem como questão
Vestfália são dignos de nota: (i) a rejeição do direi-
os modos de produção da ordem política. É nesse
to da igreja em interferir em matéria secular e civil
contexto que o termo soberania passa a compor o
dos vários príncipes; (ii) a proibição das tentati-
repertório retórico dos homens de Estado, até que
vas levadas a efeito pelos príncipes de converter
nos séculos XVI e, em especial no XVII, trans-
um ou outro à condição de súdito; (iii) a autorida-
forma-se no princípio organizador da vida políti-
de exclusiva dos príncipes para a celebração de
ca e social. Nesse sentido, conforme percebe
tratados e proibição de tal direito a entidades não
Bartelson, é possível isolar um episódio, dir-se-ia,
soberanas e (iv) estabelecimento do princípio de
uma pré-história teológica que a articula com o
que os direitos e deveres determinados nos trata-
conhecimento renascentista (BARTELSON, 1995,
dos devessem ser aplicados igualmente para qual-
p. 88). Não é possível, contudo, nesse momento,
quer estado soberano (idem, p. 123).
identificar uma formação discursiva articulada em
torno do problema da soberania, senão alguns Trata-se, portanto de um processo de emer-
antecedentes conceituais, encontrados, por exem- gência e afirmação de um novo regime de poder,
plo, nas obras de Thomas Morus ou Maquiavel. A a soberania, que nesse momento se refere à uma
constituição dos estados soberanos na Idade Clás- instância comunitária que lhe garante sentido.
sica encontra-se relacionada diretamente ao pro- Emerge, então, a definição clássica de soberania
blema da construção da ordem em sociedades atra- que, embora se encontre ainda vinculada ao
vessadas por conflitos religiosos e dinásticos governante e referida à uma comunidade univer-
(KANTOROWICZ, 1957; KOSELLECK, 1988). sal, é definida como a essência do poder político.
O debate que se segue e ocupa o século diz res-
A partir do século XVII, observa-se na Euro-
peito aos limites e condições para o exercício do
pa o início do processo de difusão de estados
poder soberano, uma vez que a referência a deus,
territoriais investidos de poder soberano no que
à cristandade ou à lei natural, vão progressiva-
concerne a seus respectivos territórios e consti-
mente deixando de conferir sentido e legitimidade
tuintes. Certamente, a Paz de Vestfália assinala
à soberania. O governante soberano terá apenas a
importante inflexão nesse processo de constitui-
limitação de sua autoridade imposta pelas frontei-
ção dos estados territoriais. O processo de nego-
ras territoriais nas quais impõe seu domínio
ciação dos acordos que encerraram os conflitos
(MURPHY, 1996; PHILLPOTT, 1997; LEHTI,
da Guerra dos Trinta Anos reuniu os principais
1999). Convém perceber com Bartelson, contu-
governantes e plenipotenciários europeus da épo-
do, que a identificação de Vestfália com o ponto
ca. Como observa Philpott, o ponto de destaque
de inflexão no qual emerge o sistema internacio-
acerca do processo de negociação residia na pró-
nal não é mais que uma “apreensão presentista,
pria forma com que os delegados se apresenta-
dos termos ‘sistema’ e ‘internacional’”
vam. É digno de nota que esses delegados referi-
(BARTELSON, 1995, p. 137)10. Nesse sentido,
am-se a si mesmos como o “Senado do mundo
cristão” (PHILPOTT, 2001, p. 82), em clara re-
ferência à presunção de uma “respublica 10 Esse é com certeza um ponto polêmico. Acerca de
christiana”, ou cristandade, capaz de reuni-los, posições divergentes sobre a emergência do sistema inter-
todos em uma única comunidade. Contudo, ao nacional, veja-se Bartelson (1995), Philpott (2001) e Holsti
longo do processo de negociação os contendores (2004).

23
PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

como percebeu o autor, na Idade Clássica não é Commonwealth, cindirá a pessoa do soberano e a
possível encontrar um discurso autônomo sobre soberania como atributo do Estado. Essa é, afi-
a soberania, senão um conjunto de enunciados que nal, a condição para a emergência de uma ciência
a articulam com o problema da ordem, ou na for- dos Estados soberanos que se sustente sobre re-
mulação de Hobbes: “Autorictas, non veritas, facit gras claras e distintas e que seja capaz de, a partir
legem”. da análise de seus interesses, oferecer respostas a
seus problemas. Tal ciência emerge como um
Na Idade Clássica, como a citação de Hobbes
campo de conhecimento autônomo que irá infor-
permite entrever, o conceito de soberania entra
mar a condução dos negócios do Estado
em circulação no interior do discurso jurídico-
(BARTELSON, 1995, p. 154).
político como gládio brandido com vistas à cons-
tituição e justificação da administração monárquica O discurso jurídico-político da época é mobi-
(FOUCAULT, 2003, p. 34). Nesse ponto, é con- lizado para a construção da soberania, compreen-
veniente assinalar a progressiva autonomia que o dida a partir de suas prerrogativas e limites. Mais
discurso jurídico-político acerca da soberania irá que isso, a soberania é o princípio organizador da
lograr. Se em Vestfália a referência à cristandade vida política no interior dos Estados territoriais e
permite a construção de um solo comum no qual o veículo de relacionamento entre eles, uma vez
a representação das nascentes soberanias que cria as condições para a invenção da política
territoriais pode apresentar seus interesses parti- externa. A Figura 2 sumariza o processo de emer-
culares, em um contexto de indiferenciação entre gência do Estado territorial soberano e da própria
governante e soberano, a emergência da sobera- soberania como regime de poder na Idade Clássi-
nia enquanto dispositivo que provê ordem à ca.

FIGURA 2 – O ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

FONTE: o autor.

Nesse caso, a soberania é, a um só tempo, e o transforma em objeto de conhecimento. Es-


princípio de certeza epistêmica e princípio da or- sas três dimensões podem ser tratadas em dois
dem. Como princípio da ordem, a soberania arti- passos distintos: em primeiro lugar, como a sobe-
cula a própria dinâmica social em três dimensões rania é o regime de poder que na Idade Clássica
complementares (idem, p.152-154): (i) em um assegura estabilidade epistêmica; em segundo lu-
ambiente eivado pela polissemia, a soberania as- gar, como a soberania dá azo a práticas de sujei-
segura a estabilidade das representações facultan- ção e práticas territoriais que terminam por afir-
do a certeza epistêmica que por sua vez reforça mar as fronteiras do Estado territorial soberano.
sua centralidade; (ii) a estabilidade das represen-
IV.1. Estabilidade epistêmica
tações confere legitimidade à soberania e (iii) a
soberania como propriedade do governante e do Como se viu na seção anterior, a ruptura entre
Estado, que entre si estabelecem uma relação o Renascimento e a Idade Clássica pusera por terra
metafórica, confere existência objetiva ao Estado a certeza quanto ao conhecimento do mundo. Nos

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 27: 15-32 NOV. 2006

interstícios da Civitas Terrena emergiam uma quais todas as minhas antigas opiniões estavam
pluralidade de modos de conhecer que se apoiadas” (ibidem).
digladiavam. A emergência da mathesis universalis
A dúvida hiperbólica projeta, assim, uma con-
como episteme moderna, apontava, assim, para a
dição de precariedade sobre a experiência na
vitória de uma ciência da ordem ancorada em um
Civitas Terrena. Na “Primeira meditação”, Des-
sistema de signos capaz de identificar analitica-
cartes coloca em movimento o experimento da
mente unidades mais simples, classificá-las e
dúvida, dirigindo-o inicialmente contra os senti-
relacioná-las na forma que um quadro taxonômico.
dos e, em seguida, contra todo conhecimento sen-
Tal vitória marcava, por outro lado, a derrota não
sível. Dessa forma, tudo que não pode ser reduzi-
apenas dos modos de conhecer fundados na idéia
do a naturezas simples, vale dizer, a representa-
de um signo absoluto (Agostinho), característico
ções, deve ser descartado como falso ou virtual-
da Idade Média, ou do conhecimento que tinha
mente falso, o que, a julgar pelo caráter sistemáti-
como referência a autoridade da tradição como
co e generalizado da dúvida, produz as mesmas
no humanismo cívico, ou da conversão secular
implicações (idem, p. 19). A universalização é
característica do ceticismo montaigneano. Nem
motivada, portanto, pela decalagem, demonstra-
o fundamento da Grande Cadeia do Ser nem a
da por dedução lógica, entre os enunciados e as
tradição e tampouco o mundo sensível assegura-
coisas a que se encontram referidos. “[...] de to-
vam certeza e atribuíam o status de verdade a um
das as opiniões que recebi outrora em minha crença
conjunto de representações que se caracterizava
como verdadeiras, não há nenhuma da qual não
pela arbitrariedade. Descartes é exemplar dessa
possa duvidar atualmente, não por alguma
ruptura e dos problemas que daí decorrem. Des-
inconsideração ou leviandade, mas por razões
cartes opera uma ruptura radical em relação à tra-
muito fortes e maduramente consideradas: de sorte
dição. Para ele, a certeza é ao mesmo tempo pos-
que é necessário que interrompa e suspenda
sível e desejável em face de um mundo que a pró-
doravante meu juízo sobre tais pensamentos, e
pria condição humana transformara em espaço
que não mais lhes dê crédito, como faria com as
multifário e fraturado, dado que destituído de sen-
coisas que me parecem evidentemente falsas, se
tido e atravessado por perspectivas incomensurá-
desejo encontrar algo de constante e seguro nas
veis. Neste ambiente, o homem toma falsas opini-
ciências” (idem, p. 20).
ões como verdadeiras, estabelecendo princípios
tão mal assegurados que terminam por projetar Com Descartes, a dúvida é instrumento a ser-
dúvida e incerteza sobre sua capacidade para a viço da ciência, dir-se-ia, da mathesis; trata-se de
ação e cognição (DESCARTES, 1988b, p. 17). O produto do método, de instrumento que, de um
problema de Descartes é, então, como estabele- lado, atribui valor apenas ao que é indubitável
cer certeza e fixidez – fundamentais à ação e (GADAMER, 1998, p. 363) e idêntico a si; por
cognição – em meio à mudança randômica pro- outro lado, encontra na certeza, supostamente
duzida pela percepção, por desejos e sentidos. A garantida por um sistema de signos – e não na
dúvida metódica, que transforma a própria expe- experiência – sua contraparte. Sumariamente, aqui,
riência mundana em experimento científico, com a certeza distingue-se da experiência porquanto
vistas à sua superação enquanto tal, constitui-se busque na objetividade da representação das coi-
em princípio abstrato que governa a própria exis- sas – possibilitada pela unicidade e estabilidade do
tência. A dúvida cartesiana não tem origem na ego, como se verá a seguir – o mecanismo de
experiência, senão na decisão de não dar crédito subtração do sujeito de uma situação na qual a
às coisas que não são inteiramente certas e equivalência entre os pareceres que se oferecem
indubitáveis (ibidem). Seu caráter hiperbólico – à vida ordinária é fonte de angústia e incerteza. A
isto é, sistemático e generalizado – advém de sua certeza cartesiana, enfim, não procede da dúvida
transformação em princípio que desvaloriza tanto e de sua superação, mas já se subtrai de antemão
a mundanidade quanto a tradição: “E, para isso, à possibilidade de sucumbir à dúvida (ibidem).
não é necessário que examine cada uma em parti-
Este mecanismo de subtração é encontrado por
cular (das coisas que não são inteiramente certas
Descartes na autoconsciência, instância que se
e indubitáveis), o que seria um trabalho infinito;
transforma em fundamento incondicionado da ati-
mas visto que a ruína dos alicerces carrega ne-
vidade cognitiva e prática. O self adquire, assim,
cessariamente consigo todo o resto do edifício,
centralidade na obra: “[...] tomei um dia a resolu-
dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os

25
PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

ção de estudar também a mim próprio e de em- é exemplar do modo de vida na Civitas Terrena.
pregar todas as forças de meu espírito na escolha Perdido entre um deus veraz e um gênio maligno,
dos caminhos que deveria seguir” (DESCARTES, o destino do homem é a errância. De fato, como
1988a, p. 33). Tanto no Discurso do Método, se viu na abordagem foulcaultiana, o sujeito
quanto nas Meditações, Descartes desqualifica a cartesiano já não pertence à ordem das similitudes,
tradição – seus preceptores e sua biblioteca – e a a um mundo ordenado ex ante e habitado por se-
experiência mundana como formas capazes de res afins; contudo, ele ainda não se constituiu em
proporcionar o conhecimento de si e do mundo. um agente incondicionado capaz de espontanea-
Com efeito, o conhecimento de si é em Descartes mente constituir o mundo objetivo em oposição a
exercício de elaboração, que supõe a ruptura com si. Ao contrário, o cogito é uma representação
tudo o que é externo à razão. Desprendido da tra- enredada em, e regulada por, uma rede de repre-
dição, da sanção cultural ou da autoridade políti- sentações que fornece, por meio de evidências
ca, o sistema de signos provido pela razão, trans- claras e distintas, a conexão entre a ordem das
forma-se em fundamento: “E, enfim, o nosso sé- palavras e das coisas. Como percebeu Zizek, “O
culo parecia-me tão florescente e tão fértil em bons sujeito assegura, primeiro, que o cogito é uma
espíritos como qualquer dos precedentes. O que representação que pertence a um ser inerentemente
me levava a tomar a liberdade de julgar por mim deficiente (a dúvida é, afinal, sinal de imperfei-
todos os outros e de pensar que não existia dou- ção). Como tal, o indivíduo constrói a representa-
trina no mundo que fosse tal como dantes me ção de um ser perfeito livre da incerteza. [...] A
haviam feito esperar. [...] Eis porque, tão logo a natureza veraz de deus, assegura, a seguir a cer-
idade me permitiu sair da sujeição de meus pre- teza e a confiança nas representações da realidade
ceptores, deixei inteiramente o estudo das letras. externa, e assim por diante. Em Descartes, o co-
E, resolvendo-me a não mais procurar outra ciên- gito é, portanto, apenas uma entre muitas repre-
cia, além daquela que se poderia achar em mim sentações em uma intrincada totalidade; é parte
próprio, ou então no grande livro do mundo, em- da realidade e não uma instância correlativa à rea-
preguei o resto de minha mocidade em viajar, em lidade como um todo (ZIZEK, 1993, p. 13).
ver cortes e exércitos, em freqüentar gente de di-
Ora, se a cadeia de representações depende de
versos humores e condições, em recolher diver-
um deus veraz como seu fiador e, na Civitas
sas experiências, em provar-me a mim mesmo
Terrena, a relação imediata com a Fabrica Dei
nos reencontros que a fortuna me propunha e,
encontra-se cindida, a dúvida hiperbólica acerca
por toda parte em fazer tal reflexão sobre as coi-
da experiência e da tradição lega um mundo de
sas que se me apresentavam, que eu pudesse tirar
incertezas permanente. Tais são as implicações de
delas algum proveito” (idem, p. 30-33).
uma existência out of join, tal como tratadas na
O problema de Descartes reside no fato de que seção anterior. Tais incertezas são, contudo, su-
a dúvida que lança contra a tradição e contra a peradas pela construção de um deus mortal, o
experiência dos sentidos pode, elevada ao paro- Leviatã hobbesiano, que não apenas será respon-
xismo, ser dirigida ao sistema de signos que sus- sável pelo estabelecimento do certo e do errado,
tenta seu conhecimento do mundo e de si, e até como, sobretudo, irá prover estabilidade e status
mesmo contra o self, tomado como fonte de to- de verdade à rede de representações produzidas
das as representações. “Serei de tal modo depen- com a mathesis. Como percebeu Bartelson, “as-
dente do corpo e dos sentidos que não possa existir sim como deve haver uma instância última que
sem eles?” (DESCARTES, 1988b), indaga o au- proclame a distinção entre o certo e o errado com
tor. Se os sentidos corpóreos são fontes de enga- vistas à promoção da ordem no interior da socie-
no e colocam em movimento a dúvida hiperbólica dade, a alguém deve ser atribuída a prerrogativa
que aflige a alma desperta, o caminho da ilumina- de decidir sobre as representações e a verdade”
ção deve ser encontrado no labor de uma razão (BARTELSON, 1995 p. 150). À soberania, en-
que busca um fundamento: “cumpre então con- quanto regime de poder e saber, cabe produzir a
cluir e ter por constante que essa proposição, eu ordem entre os homens, e entre o mundo e as
sou, eu existo, é necessariamente verdadeira to- representações que dele se faz. A determinação do
das as vezes que a enuncio ou que a concebo em que pode ser conhecido é, afinal, prerrogativa da
meu espírito” (idem, p. 24). O sujeito cartesiano soberania.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 27: 15-32 NOV. 2006

IV.2. Práticas de sujeição e práticas territoriais corpos dos indivíduos com os signos do domínio
soberano.
A oposição entre virtù e fortuna, marco
fundante dos termos políticos da modernidade, O nível político-jurídico trata do poder do
projeta esta existência out of joint no domínio da governante em dois sentidos complementares. Em
política, transformando-a em uma arena fratura- primeiro lugar, na construção de um quadro jurí-
da que coloca aos indivíduos a tarefa de consti- dico que atribua ao governante o direito e as prer-
tuir uma comunidade de pares, apenas com seus rogativas do exercício do poder. Em segundo lu-
próprios recursos, sem qualquer matriz original, gar, nos debates acerca dos possíveis limites que
fosse ela social ou teológica (ANKERSMIT, 1996). deveriam ser impostos ao exercício do poder so-
Na Civitas Terrena, o self emerge, destacado da berano (FOUCAULT, 2003, p. 23ss.). Essas duas
ordem do cosmos, como um esteta; mais que isso, dimensões complementares permitem perceber
um esteta cujo único recurso é a ironia, uma vez que o regime de poder da soberania opera a inver-
que entre indivíduo e comunidade ergue-se a bar- são da célebre fórmula de Clausewitz segundo a
reira da imanência e de seu conseqüente qual “a guerra é a continuação da política por ou-
perspectivismo. O recurso à estética corresponde tros meios”. Nesse caso, a política é a continua-
ao estabelecimento do laço político pela via da re- ção da guerra por outros meios, uma vez que,
presentação: “Esse mundo cindido deve sua fra- supõem-se, em decorrência da construção do re-
tura às diferentes perspectivas com as quais os gime de poder da soberania e de seu dispositivo
atores operam; a perspectiva a partir da qual o de representação, as instituições políticas, em es-
príncipe age não pode ser reduzida àquela de um pecial o estado territorial, seriam capazes de nor-
súdito comum e, em conseqüência, príncipes e malizar as relações no interior da sociedade e en-
súditos vivem em mundos políticos distintos. [...] tre estados territoriais distintos. Contudo, assu-
As certezas dificilmente existem e outros usual- me-se que o quadro de luta entre antagonistas
mente enxergam o mundo melhor que nós. E, permanece presente tanto no interior do estado
sobretudo, nem o príncipe nem os súditos estão territorial quanto entre estados territoriais: “Em-
seguros de sua posição; existe sempre algo que bora seja correto que a política coloque um ponto
lhes é desconhecido e só pode ser propriamente final na guerra e estabeleça, ou pelo menos tente
reconhecido pelo outro. O povo compreende a estabelecer, o reino da paz no interior da socieda-
posição do príncipe melhor que ele próprio e vice- de civil, o poder político certamente não o faz
versa. [...] o príncipe é sempre uma representa- com vistas a suspender os efeitos do poder ou
ção mental do povo, enquanto que o povo pode neutralizar os desequilíbrios revelados na última
apenas apresentar-se ao príncipe enquanto repre- batalha da guerra. De acordo com esta hipótese,
sentação mental – e não há nenhum meio termo, o papel do poder político é, de forma permanente,
nenhum terreno comum onde essas duas repre- promover uma guerra silenciosa para reinscrever
sentações possam se encontrar e, eventualmente, as relações de força em instituições, desigualda-
fundir-se” (ANKERSMIT, 1996, p. 120). des econômicas, linguagem e mesmo nos corpos
dos indivíduos. [...] a política, em outras pala-
A articulação entre o príncipe e seus súditos
vras, sanciona e reproduz o desequilíbrio de for-
acontece no regime de poder soberano, por meio
ças manifesto na guerra” (idem, p. 15-16).
da construção de um dispositivo que é capaz de, a
um só tempo, articular poder e conhecimento, e O dispositivo da representação é mobilizado,
disseminá-lo tanto no nível político-jurídico quanto dessa forma, para a normalização do desequilíbrio
no nível das redes de relacionamento social. No de forças presente em uma dada situação históri-
nível jurídico-político, a representação opera como ca. Assim, por meio da articulação entre saber e
metáfora na qual o soberano (governante) repre- poder, a representação é capaz de criar institui-
senta a totalidade do corpo político, vale dizer, o ções que legalizem a ordem e a distribuição de
conjunto de seus súditos qualquer que seja seu forças efetivamente existentes no campo, e o faz
status. A separação entre os universos paralelos atribuindo direitos e obrigações, construindo ins-
do governante e de seus súditos, tal como tratada tituições e, no caso específico do estado territorial,
por Ankersmit, é, contudo, cerzida em um segun- estabelecendo fronteiras, bem como mecanismos
do nível, no qual o dispositivo da representação de inclusão e exclusão por meio da construção de
opera no interior das redes sociais investindo os seus súditos. Tomando-se em conta que a luta

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PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

permanece, pelo menos na Idade Clássica, à som- governar ganha a forma da razão de Estado. Tra-
bra da política, o dispositivo da representação de- ta-se da emergência de um conjunto autônomo de
verá engendrar estratégias e conhecimentos ca- saberes articulados à mathesis, que permite a aná-
pazes de conter a luta e manter a disposição do lise dos interesses do Estado e a formulação de
campo de forças. Na Idade Clássica, a principal máximas para a condução de seus negócios
estratégia para a conservação da disposição das (BARTELSON, 1995). Assim, esse novo e origi-
forças na Civitas Terrena será a própria guerra. nal discurso supunha que “o estado é governado
Com efeito, uma vez que o Estado territorial so- de acordo com princípios racionais que lhe são
berano adquire o monopólio sobre os meios de intrínsecos e que não devem ser deduzidos de leis
violência, sua tarefa deverá ser a de expulsar para divinas ou naturais e, tampouco dos princípios da
além das suas fronteiras as assim chamadas guer- sabedoria ou da prudência. O Estado tem, assim,
ras privadas, reforçando os mecanismos de in- sua própria natureza e racionalidade”
clusão e exclusão11. Mais que isso, estabelece-se (FOUCAULT, 1991).
um estado de guerra permanente, do qual a
A Figura 3 apresenta o processo de sujeição que
mobilização militar é apenas o aspecto mais sali-
surge sob o regime de poder da soberania. Sumari-
ente e a prerrogativa do governo dos súditos sua
ando o que até aqui foi exposto, de um ponto de
implicação mais profunda (idem, p. 45ss.).
vista político-jurídico, tal processo de sujeição acon-
Consoante a estratégia da guerra, que faz re- tece por meio da determinação de direitos e deve-
presentar os limites e as fronteiras de uma comu- res tanto do soberano quanto do resto da pirâmide
nidade político-jurídica normalizada, dá-se a ori- social. A guerra e a expulsão dos conflitos priva-
gem, ainda, do discurso sobre o governo, ou do dos, articuladas à razão do Estado, estabelecem os
bom governo do Estado. Trata-se, sumariamen- princípios que deverão orientar o governo do Esta-
te, de um discurso que tem como objeto a dispo- do territorial. A constituição de indivíduos em súdi-
sição das coisas – seja o território e suas riquezas tos dá-se, porém, por intermédio de tecnologias e
ou os súditos e seus impostos. Sob o estado técnicas que tem lugar em um nível microfísico,
territorial soberano, o discurso sobre a arte de como se verá a seguir.

FIGURA 3 – ESTADOS TERRITORIAIS SOBERANOS E PRODUÇÃO DOS SÚDITOS

FONTE: o autor.

11 Do ponto de vista das relações internacionais, a emer- processos de inclusão e exclusão, bem como a definição
gência do Estado nacional soberano assinalaria, assim, o daquilo que é da ordem doméstica e externa. Considera-se,
confinamento da política no interior de suas fronteiras assim, que o regime de poder da soberania, que engendra o
territoriais, como uma arte do Estado e da guerra no ambi- estado territorial ainda não será capaz de separar guerra e
ente entre os estados territoriais. Contudo, conforme a política como forma de pacificação das relações no interior
análise interpretativa aqui proposta, a contigüidade e a de uma dada comunidade política. A esse respeito, veja-se
continuidade entre guerra e política torna permanentes os Walker (1993).

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De fato, para além da dimensão político-jurí- identificação dos interesses de um estado territorial
dica articulada pelo regime de poder da soberania soberano, quais são os cursos de ação possíveis
por meio do dispositivo da representação, a cons- com vistas à sua expansão. Como percebeu
trução do Estado territorial mobiliza um conjunto Bartelson, a análise dos interesses é produzida a
complexo de tecnologias e técnicas disciplinares partir de quatro determinantes e objetivos: poder,
que transformam indivíduos em súditos. O tema riqueza, segurança e reputação (BARTELSON,
é extensamente tratado por Foucault em Vigiar e 1995, p. 162). Os dois primeiros determinantes
punir e em A verdade e as formas jurídicas são tomados como propriedades passíveis de
(FOUCAULT, 1999a; 1999b). Para os objetivos mensuração e retroalimentam-se: poder gera ri-
deste artigo, cabe perceber que o dispositivo da queza e riqueza gera poder. Poder e riqueza são
representação articulava poder e conhecimento em reificados. Assim como podem ser mensurados
rituais ou cerimônias nos quais a soberania se fa- podem ser conquistados, vendidos ou trocados.
zia representar por meio da tortura, do Poder e riqueza, nesse caso, dizem respeito ao
confinamento e da execução. As tecnologias e téc- território, suas riquezas naturais, o número de
nicas disciplinares faziam presente a instituição da súditos, seu contingente militar etc.
soberania por meio de inscrições nos corpos dos
Segurança e reputação, por seu turno, são
súditos que se tornavam objetos de manipulação
determinantes mais complexos, uma vez que alu-
do estado territorial. Nesse sentido, convém per-
dem à instituição da soberania em si e ao mesmo
ceber que, do ponto de vista da normalização das
tempo à pessoa do soberano. A reputação em es-
relações sociais, o Estado territorial servia como
pecial termina por confundir a instituição da so-
container que, ao tomar para si o monopólio do
berania e a pessoa do soberano. Quanto à segu-
uso da força, construía a guerra como a grande
rança, deve-se discernir quando esta refere-se à
estratégia que orientava sua doutrina: a razão de
pessoa do soberano e, portanto, diz respeito à
Estado. Com efeito, a razão de Estado, que final-
manutenção de sua vida e bem-estar e quando se
mente separara a figura do soberano do regime de
refere ao Estado territorial soberano e remete à
poder da soberania, prescrevia dois grandes con-
determinação de ameaças e, por fim, à identifica-
juntos de práticas ao Estado territorial soberano
ção de inimigos. Ao contrário da riqueza e do po-
que convergiam para um mesmo fim a expansão
der, reputação e segurança dizem respeito à iden-
sem fim dos recursos necessários à sua existên-
tidade do Estado, uma vez que “antes de serem
cia: poder, riqueza, prestígio e segurança
compreendidas como objetivos da política exter-
(BARTELSON, 1995). Do ponto de vista interno,
na, segurança e reputação constituem o Estado
por práticas de sujeição que incluíam o estabele-
como agente, uma vez que definem aquilo que lhe
cimento de direitos e obrigações, bem como
é externo” (idem, p. 165). A identificação do ou-
tecnologias e técnicas disciplinares, o Estado
tro, do estrangeiro e, portanto, da ameaça é, as-
territorial criava e demarcava o espaço de sujei-
sim, o atributo fundamental da soberania, a prer-
ção de seus súditos pelo teatro de atrocidades a
rogativa que constitui o próprio Estado soberano
que os submetia. As práticas de sujeição afirma-
(SCHMITT, 2005).
vam sua capacidade de controle e normalização
das relações sociais que aconteciam no interior de A análise dos interesses permite a elaboração
suas fronteiras; do ponto de vista externo por meio de máximas, que devem orientar o comportamento
das práticas territoriais, o Estado podia lograr sua externo do Estado territorial soberano. Cabe des-
expansão e reprodução. A nascente arte do gover- tacar que na Idade Clássica ainda não nos é pos-
no, que encontrava na razão de Estado sua pri- sível falar em internacional, sistema internacio-
meira manifestação e limite, tinha no território e nal, ou sociedade internacional. Observa-se um
em seus súditos seus principais objetos. conjunto de relações entre Estados soberanos que
possuem um caráter incidental e encontram-se
Do ponto de vista de suas relações externas, o
diretamente vinculadas e derivadas da análise de
Estado territorial soberano podia contar com uma
interesses de cada Estado nacional. Nesse senti-
tecnologia política própria: a análise de interesses.
do, o internacional ainda não emergiu como um
Trata-se de uma tecnologia que, derivada da ra-
campo de análise e de ação específico. Contudo,
zão de Estado e articulada pelo dispositivo da re-
pode-se, a partir da análise de interesses, orientar
presentação, é capaz de determinar, por meio da
a conduta externa dos Estados por meio de duas

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PARA UMA GENEALOGIA DO ESTADO TERRITORIAL SOBERANO

técnicas específicas: a diplomacia e as práticas política externa dos Estados territoriais sobera-
territoriais. A Figura 4 apresenta a estrutura da nos:

FIGURA 4 – POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS TERRITORIAIS SOBERANOS

FONTE: o autor.

Na Idade Clássica, a diplomacia é antes de mais utilizada pelo Estado territorial soberano para
nada instrumento e conseqüência prática da análi- sua afirmação em face dos demais. Holsti
se de interesses, uma vez que se constitui na prin- estima que entre os tratados de Vestfália e de
cipal fonte de informação para o Estado territorial Viena em 1815, 60% das guerras foram mo-
soberano (BARTELSON, 1995, p. 181ss.). Mais tivadas por reivindicações territoriais
que isso, e esse certamente é o aspecto mais rele- (HOLSTI, 1991, p. 305ss.);
vante, a diplomacia enquanto técnica de poder vin-
ii) partilha: em face da análise de interesses e
culada à análise de interesses e à razão de Estado,
das máximas que orientavam, então, a con-
supõe a construção de canais de comunicação e
duta dos Estados, a partilha de territórios e
intercâmbio que tem como condição prévia dois
súditos era uma técnica difundida entre as
elementos. O primeiro é a partilha de um vocabu-
grandes potências com vistas à manutenção
lário determinado ele próprio pela análise dos inte-
dos status quo;
resses; o segundo, que decorre do anterior, é o
mútuo reconhecimento dos Estados territoriais iii) compensação: como percebeu Holsti
soberanos como entes independentes, uma vez que (2004), a compensação constituía-se em re-
dotados de interesses particulares. curso diplomático suplementar à conquista.
Nesse sentido, ao lado da conquista de terri-
Ao lado da diplomacia, a política externa dos
tórios e populações e considerada a reputa-
Estados territoriais soberanos realiza-se por inter-
ção do soberano (Estado/governante) fosse
médio de práticas territoriais, assim identificadas
ele derrotado ou uma terceira parte, os esta-
por Holsti (2004):
dos vencedores recorriam à compensação
i) conquista: uma vez que a expansão territorial territorial como forma de restabelecimento
significava para a análise de interesses ex- de relações diplomáticas e
pansão de poder e riqueza – e uma vez que
iv) troca, venda e casamento: porções
território e população eram, em si, indicado-
territoriais e as populações residentes eram
res de poder, e o controle sobre súditos
também objeto de compra, venda e troca,
incidia diretamente sobre a riqueza do Esta-
em especial nas áreas coloniais nascentes.
do territorial pela coleta de impostos – a con-
Uma vez que o soberano-governante manti-
quista territorial foi uma técnica corrente

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nha uma relação metafórica com o estado- de agir no interior da Idade Clássica. Por essa ra-
soberano, territórios e populações eram zão, pode-se considerar, aqui, o Estado territorial
comumente utilizados como dotes por oca- soberano como o instrumento-efeito do dispositi-
sião de casamentos entre herdeiros. vo representacional construído na Idade Clássi-
ca. Como seu instrumento-efeito, o Estado
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
territorial soberano foi capaz de delimitar frontei-
Este artigo buscou realizar a genealogia de uma ras físicas e humanas. Tal delimitação foi possí-
forma político-jurídica particular, o Estado vel pela construção da guerra como estratégia pri-
territorial soberano. Essa forma política emergiu meira do Estado territorial soberano. Estratégia
na Idade Clássica (séculos XVII e XVIII) e pros- codificada em doutrina pela razão de Estado e
perou por meio da articulação de um regime de duplicada dentro e fora de suas fronteiras por prá-
poder próprio: a soberania. A soberania, na Idade ticas de sujeição e práticas territoriais, respectiva-
Clássica foi capaz de articular poder e saber ge- mente. O regime de poder da soberania, o dispo-
rando estabilidade epistêmica e social por meio de sitivo da representação e seu instrumento-efeito,
um dispositivo próprio: a representação. Como se o Estado territorial soberano, expandiram-se ao
viu, todo o edifício jurídico político que se ergue longo da Idade Clássica e encontraram seu ocaso
com a construção do Estado territorial soberano no início da era moderna, quando da emergência
encontra-se articulado pela representação. É esse de um novo regime de poder, o biopoder, que iria
dispositivo que autoriza os modos de conhecer e engendrar novas formas político-jurídicas e no-
vos dispositivos.

Paulo Esteves (pesteves@terra.com.br) é Professor e chefe do Departamento de Relações Internacio-


nais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

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