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Os problemas da ética
O Autor inicia o texto afirmando que existe uma noção comum do que se é ética, mas
que não é tão comum assim de ser explicada. Tradicionalmente, a ética é entendida como
uma reflexão, podendo ser científica, filosófica ou até teológica, sobre os costumes ou
ações do homem. É importante destacar que a ética também pode ser vista como uma
postura, a realização de um tipo de comportamento.
Tais problemas aparecem dia a dia, estão embutidos em nossa vivência, na busca por
lucro do sistema, nos conflitos interiores (como o sentimento de culpa por exemplo), na
arte, na literatura... a tudo faz-se necessária uma reflexão ética.
Quanto aos costumes, eles mudam conforme mudam as convenções sociais, o que
outrora era errado, hoje pode ser aceito. Seria a ética então, uma lista do que se pode ou
não fazer em determinada época?
Mesmo conhecendo as normas éticas dos últimos milênios, pode-se pensar que talvez
exista um princípio ético supremo, como o incesto, por exemplo. Valls aponta que na
Idade Média, até o sétimo grau de parentesco uma relação era considerada incestuosa,
entretanto, a maioria da população era analfabeta e não tinha como conhecer bem a árvore
genealógica. O costume, então, era os nobres se casarem sem verificar a genealogia e só
se preocuparem o incesto para uma eventual anulação do casamento, permitindo que ele
se casasse várias vezes, até conseguir um filho homem, revelando o interesse econômico
e político por trás do costume.
O autor enuncia que uma boa teoria ética deve atender a pretensão de universalidade,
levando em conta as variações dos costumes, valores, comportamentos, etc. Aponta
também dois pensadores que serão muito importantes nesse campo, Sócrates e Kant.
Sócrates foi condenado a beber veneno, sob as acusações de seduzir a juventude, não
honrar os deuses e desprezar as leis da polis. Séculos depois, Sócrates foi chamado de
“fundador da moral” (o autor afirma que a palavra moral é sinônimo de ética), pois sua
ética não se baseava simplesmente nos costumes do povo e leis exteriores, mas sim na
convicção pessoal, adquirida através da consulta ao “seu demônio interior”, para verificar
a justiça das leis.
Sócrates trás para a reflexão ética a subjetividade e faz uso da ironia, destacando que
há diferença entre o que se diz e o que se quer dizer, e que só é resolvida por via da
interpretação.
Kant buscava uma ética de validade universal, que se apoiasse na igualdade dos
homens, visando encontrar no homem possibilidade de conhecimento verdadeiro e agir
livre, sendo assim, transcendental.
Para ele, o dever se configura como o centro das questões éticas, pois é uma
obrigação moral e antinatural. O dever obriga moralmente a consciência moral livre e a
vontade deve agir sempre conforme o dever.
É considerada uma ética revolucionária para uma época denominada por um período
antigo, que é baseado em superstições e costumes irracionais.
Para kant os conteúdos éticos nunca são dados no exterior e cada um de nós possui
uma forma do dever que se expressa no chamado Imperativo Categórico, “age de tal
maneira que possas ao mesmo tempo querer que a máxima da tua vontade se torne lei
universal”.
Quanto as críticas a Kant, é apontado que é impossível agir refletindo a cada vez e
aplicando no concreto o imperativo categórico e também que corre-se o risco de cair em
uma ética totalmente abstrata.
A reflexão grega no campo da ética surgiu como pesquisa sobre a natureza do bem
moral, na busca de um princípio absoluto da conduta, precedida de um contexto religioso.
Aristóteles, por sua vez, tinha uma postura mais empírica que Platão. Para ele, para
cada ser deve haver um bem, segundo a natureza ou a essência desse ser. Cada substância
tem o seu ser e busca o seu bem, e quanto mais complexo for o ser, assim também será o
seu respectivo bem.
Para Aristóteles o homem tem seu ser no viver, no sentir e na razão, sendo necessário
viver racionalmente, onde a razão, precisa de virtudes para não se desordenar. O bem
próprio do homem é a vida dedicada ao estudo e a contemplação, a vida da inteligência.
Vale lembrar que o contexto da época era uma sociedade de classe, escravocrata, no
qual os filósofos faziam parte da aristocracia, eram livres e podiam dedicar tempo aos
pensamentos e contemplação.
O culto ao divino é considerado o fim mais nobre e a norma mais segura de conduta.
O prazer não é de todo mal, mas também não é um bem absoluto, pois ele acompanha
tanto as atividades intelectuais quanto as espirituais. Entretanto, segundo Aristóteles os
verdadeiros prazeres dos homens são as ações conforme as virtudes, onde a própria
felicidade é conquistada pela virtude.
O ser do homem é composto por um corpo material e uma alma espiritual, o corpo
está sujeito a paixões, logo, a alma deve desenvolver bons hábitos, exigindo um esforço
voluntário e deliberação, mas que possibilitará o desenvolvimento das virtudes.
Ética e religião
A religião grega era bastante naturalista, já na religião hebraica Deus se torna maior
que natureza e isso tem consequências éticas profundas, pois agora, ao agir, o homem não
o faz mais segundo a natureza, mas segundo a vontade de Deus. Assim, torna-se
necessário conhecer a vontade deste Deus pessoal, os homens passam a procurar a
revelação e Deus e o aperfeiçoamento por meio das escrituras, da busca pela santidade
(como o Deus santo que está no céu) e do amor.
Na Idade Moderna, viu-se duas tendências: por um lado a busca por uma ética laica,
racional, baseada na lei natural ou na subjetividade humana, por outro lado, novas formas
de síntese entre o pensamento ético-filosófico e a doutrina religiosa, especialmente a
cristã. Ao lado dessa tendência de unir a ética religiosa às reflexões filosóficas
desenvolvem-se teorias que ignoram a religião, como o determinismo, racionalismo,
utilitarismo, pragmatismo, entre outras.
Os ideais éticos
Já para Hegel, o ideal ético era uma vida livre dentro de um estado livre e de direito,
onde os direitos dos homens fossem assegurados, os deveres cobrados e as leis não
estivesse separadas ou em contradição.
O pensamento social e dialético, buscou como ideal ético a noção de uma vida social
mais justa, superando as injustiças mais gritantes.
Valls inicia esse capítulo considerando que falar de ética significa falar de liberdade.
A princípio a ética nos remete as normas e responsabilidades, mas não há sentido em falar
disso se não partir da suposição de que o homem é livre, ou pode sê-lo.
Se é afirmado que o determinismo é total, então não há mais ética, pois esta se baseia
em ações humanas, mas se elas forem totalmente determinadas de fora para dentro, não
existirá espaço para a liberdade, e consequentemente, para a ética.
Os filósofos estóicos pensavam que o sábio era aquele que era livre mesmo que
aprisionado, resumindo a liberdade à condição de se pensar o que quisesse. Mas a
liberdade para pensar, sem poder agir livremente segundo os pensamentos, não é humana,
limitando a liberdade a algo interior.
Hegel vai expor uma história filosófica da liberdade, explicando que em um Estado
em que apenas um homem é livre, ninguém é livre, nem mesmo o tirano. Ele mostra que
a liberdade não pode ser apenas exterior ou interior, mas que se constitui na consciência
e nas estruturas, uma vez que, a liberdade aumenta com a consciência que se tem dela,
mesmo que não seja efetiva. Hegel procurou formular uma síntese da política grega e
moral cristã que estruturasse um Estado de Direito, onde as leis e organizações sociais
garantissem liberdades individuais e o bem comum. Não basta se sentir livre, é preciso
saber ser livre em um estado que garanta a liberdade de cada um.
Marx, criticando Hegel, dirá que o estado não é uma instância universal e preocupada
com o bem comum, mas é um instrumento de poder para uma das classes em conflito na
sociedade burguesa. Os autores existencialistas criticaram Hegel por colocar tudo em um
processo, menosprezando a singularidade de instância individual.
Segundo Kierkegaard, uma pessoa ética é aquela que age sempre optando pelo bem
ou pelo mal, e quem assim não vive, não vive eticamente. Para ele, a especulação idealista
distraía o sujeito, e no século XX esse perigo se manifesta através das teorias que insistem
na análise formal do discurso, esquecendo que a ética é uma ciência prática, que trata de
questões práticas da ação e não apenas do discurso.
Valls aponta que a impressão que se tem dos homens do século XX é que estes estão
mais conscientes que são atores e não espectadores de sua existência. Entretanto, é preciso
saber se mesmo tendo noção disso, os homens conseguem agir individualmente, devido
a massificação, indústria cultural e meios de comunicação, e se ainda conseguem escolher
entre o bem e mal.
A Ética Hoje
Adorno considera que a ética hoje foi reduzida a algo de privado e Marx observava o
mesmo sobre a religião. Em uma formulação de grande filosofia, poder-se-ia dizer que o
lema da ética é o bem comum, e se hoje ela ficou reduzida ao privado, é um mau sinal.
Em relação a família, hoje em dia, são levantadas questões éticas sobre o amor e sua
a liberdade, relacionada a fidelidade, matrimonio, formas de relacionamento, etc.
Também questiona-se sobre a relação dos pais com os filhos, feminismo, mas que até
então não encontraram formulações adequadas, justas e fortes. A libertação da mulher, e
de os outros grupos oprimidos, corresponde a uma exigência ética muito atual. Segundo
Paulo Freire, a libertação não se dá pela simples troca de papeis, portanto a libertação da
mulher implica na igual libertação do homem.
Por fim, em relação ao Estado, os problemas éticos são mais complexos, sendo alguns
deles as leis, a Constituição, as declarações de direitos, a definição dos poderes, a divisão
destes poderes para evitar abusos e a própria prática das eleições periódicas.
Valls destaca que para o homem atual ser livre, ele precisa de seu espaço interior, de
sua casa, salão, praça, de sua terra.
Para concluir o autor aponta o iluminismo como o colaborador para o mal-estar que
se vive hoje, mas que ainda sim é importante buscar estudar no iluminismo formas de
levar uma vida de maneira mais ética, livre e humana.
Referência