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CAMPINAS,
2017
ELIANE FERNANDES AZZARI
CAMPINAS,
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 140687/2014-9
ORCID: http://orcid.org/http://orcid.org/ht
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
Rosineide de Melo
IEL/UNICAMP
2017
Chris Weir, Gapstow Bridge Fall, Central Park, New York, Oil on canvas.
Disponível em: http://chrisweirgallery.blogspot.com.br/2014/01/gapstow-bridge-
fall.html. Acesso em 14 de julho de 2016.
The present paper reports my doctoral research, which is placed within the study
domain of Applied Linguistics. Its main objective was to investigate emerging
implications; possibilities; depths and bridges identified throughout the processes in
which DTICs (Digital Technologies of Information and Communication) were taken as
part of the classroom routines of an English as a Foreign Language (EFL) in-service
volunteer teacher, whilst teaching 8º and 9º graders in a public elementary Brazilian
school, situated in the outskirts of Campinas, in the state of São Paulo. Adopting a
dialogic and participative perspective, my investigation had two main phases: the first
one was framed under a methodological procedure known as PAR - Participatory
Action Research. During this stage, I established dialogic interactions with the
volunteer teacher with whom I shared the steps of planning; acting; observing and
discussing overall lesson procedures. During the first phase, the interactions
established by the teacher and I generated utterances which were later the final
object of a dialogic analysis during the next phase. This analysis was then carried out
by the means of a theoretical-methodological instrument I devised based on the
notion(s) of discourse; discursive communication and discursive appropriation as
suggested by some of the studies offered by Bakhtin and his Circle. The concepts of
agency; discursive authorship; polyphony; heteroglossia and chronotope – derived
from the discussions proposed by Bakhtin and his Circle – were elected as analyzing
categories, meanwhile the notion of exotopy permeated the whole process.
Moreover, I also devote part of my theoretical discussion to the interface amongst
EFL education, society and technologies which is taken from a critic perspective
based on exercising distrusting on a systematic basis. The data discussion points at
probable horizons (at least for the context in which the research was performed),
where a Pedagogy of the Possible poses as possible bridges constructed as a
means to shorten the way through depths when one is aiming at an EFL education
focused on developing citizenship and building a fairer society.
Key-words: Digital technology, Dialogism, Elementary education, Bakhtin, English
language teaching and learning.
LISTA de ABREVIAÇÕES
2. P - Professor
1. INTRODUÇÃO
1.1. Caminhos da pesquisadora e da pesquisa.................................................13
1.2. Contexto e participantes de uma jornada dialógica....................................18
1.3. Objetivos e perguntas de investigação.......................................................21
1.4. Justificando a jornada.................................................................................22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................206
ANEXOS..................................................................................................................234
13
1. INTRODUÇÃO
1
Refrão de uma popular cantiga infantil (nursery rhyme), cuja primeira publicação data de 1852, mas
não é possível identificar a autoria naquele editor, já que faz parte de uma tradição oral. Minha
tradução (livre) para os versos é “Reme, reme, reme o barco, gentilmente, rio abaixo. Alegremente,
alegremente, alegremente, a vida não é mais que um sonho”. Fonte: STUDWELL, S. M. (1997). The
Americana Song Reader. New York: Haworth Press, p. 82.
14
2
Reitero aqui meus agradecimentos ao CNPq pela bolsa que me concedeu e financiou esta pesquisa.
16
por Bakhtin e seu Círculo [1929]2006; [1992] 2011), tais como o de comunicação
discursiva, heteroglossia, polifonia, apropriação discursiva, entre outros, dispostos à
guisa de categorias de análise.
Já adiantarei, no melhor estilo “spoiler” (quer dizer, que estraga o
suspense, contando parcialmente o que vai acontecer) que várias das expectativas,
que teimaram em ficar em minha bagagem, foram frustradas (evento pelo qual, hoje,
sou grata). Também posso deixar você que me lê entrever, no melhor estilo “teaser”
(ou seja, que provoca, incita), que descobri outras possibilidades: comecei a
aprender a enxergar entre algumas frestas; a rever parâmetros norteadores e a
redimensionar planejamentos, execuções e discussões, de modo a adotar uma
postura dialógica não somente diante da pesquisa, mas, também, na vida. Esse
processo, às vezes doloroso, foi fomentado por muitos diálogos: com os autores em
que aqui me apoiarei; com minha orientadora; os diligentes membros das bancas de
qualificação; meus alunos e minhas práticas didáticas na faculdade em que leciono e
com o professor que participou desta pesquisa, entre outros que eu talvez nem
consiga, por ora, enumerar. Dedicarei mais tempo e palavras a esse processo no
capítulo que encerra esta tese.
Engajar-me nesta jornada, como todo exercício exotópico, modificou quem
sou hoje e trouxe-me até outro tempo e espaço (o cronotopo a que se refere Bakhtin
e do qual falarei no próximo capítulo). Dessa forma, este é o relato de uma análise
de quem se propôs a imaginar a construção dialógica de pontes e(m) abismos (a
exemplo da imagem que trago junto a minha dedicatória, que materializa um olhar
dialógico para pontes e abismos, o que se torna possível ao se acatar
dialogicamente as diferentes perspectivas acerca de um mesmo tema). Esta jornada
me levou a (re)atar, (re)encontrar minha paixão primeira, agora em forma de amor
amadurecido, porque embateu com dissenso e encarou conflitos com um bom e
velho dialogar, remando (muita vezes nem um pouco “alegremente”) por águas
turbulentas desta vida de educador que, como diz a cantiga que abre este capítulo,
não é, senão, nada mais do que um sonho. Uma trajetória constituída por diálogos,
que visibilizam discursos e suas apropriações.
Vamos (re)viver essa jornada?
18
estendeu seu trabalho a suas turmas de 9º ano, sem a minha participação direta
nessas aulas.
Na ocasião em que me procurou, o professor trabalhava em uma escola
5
Integral , o que mudou no semestre imediatamente seguinte a nosso primeiro
encontro, quando o professor foi transferido (por questões de ordem político-
administrativas que não cabe aqui serem detalhadas) para outra escola, de
funcionamento em turnos regulares, localizada em uma cidade nas vizinhanças de
Campinas. Essa transferência ocorreu durante o período em que o professor e eu
negociávamos a viabilidade de nossa parceria, o que dependia da aprovação da
direção e da coordenação da escola para a qual fora transferido.
A mudança da escola de trabalho do professor foi um dos primeiros fatores
de conflito estabelecidos para o desenvolvimento da primeira fase deste estudo, que
envolvia o planejamento, a execução, a discussão e a (re)tomada de ação na
integração para a presença de tecnologias digitais (especialmente as síncronas) nas
rotinas e fazeres nas aulas de língua inglesa desse professor (essas fases serão
detalhadas no decorrer do terceiro capítulo, quando apresentarei as questões
metodológicas que aportam este estudo).
A nova escola em que foi alocado o professor, localizada na cidade de
Indaiatuba, na região de Campinas, também pertencia à rede Estadual de Educação
do Estado de São Paulo – ao menos até o final do ano de 2015, quando estive em
colaboração com o professor para fins desta pesquisa6.
Fui muito bem recepcionada pela coordenação e direção que, à época,
empregavam esforços no sentido de multiplicar ações formativas continuadas a seus
5
Segundo o site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, o chamado “ensino integral” é encontrado,
atualmente, em mais de 500 escolas desse estado, as ETI (Escolas de Tempo Integral). Nessas escolas, a jornada
escolar é de (até) nove e meia horas diárias e há o oferecimento de cursos de idiomas (extracurriculares) tais
quais o italiano e o japonês, a cargo de Centros de línguas nelas estabelecidos. Segundo informou o professor,
durante os diálogos desta pesquisa, os salários dos professores dessas escolas são superiores aos demais,
alocados em escolas estaduais que oferecem regime escolar em tempo parcial (somente manhã ou tarde).
Informações sobre as ETIs disponíveis em: http://www.educacao.sp.gov.br/ensino-integral. Acesso em 14 jul
2016.
6
Ao discutir os dados, no capítulo 4, retomarei essa questão posto que, ao final do semestre letivo, em 2015,
ocorreram diversas mudanças nessa escola que repercutiram para o andamento desta pesquisa. Essas
mudanças aconteceram concomitantes a um turbulento e controverso processo de reestruturação na
educação básica estadual, iniciado pelo Governo do Estado de São Paulo, nessa data, que culminou com a
notícia de fechamento e/ou transferência de diversas escolas para algumas prefeituras, gerando um
movimento de protesto contrário a essa ação, por parte de alunos e a ocupação discente de espaços escolares
por todo o estado. Leia mais sobre o assunto em: http://educacaointegral.org.br/noticias/em-sao-paulo-
ocupacoes-de-escolas-se-fortalecem-apoio-da-comunidade/. Acesso em 20 JUL 2016 e
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447426542_534410.html. Acesso em 20 de JUL de 2016.
20
7
Lançado em 2008, o programa Acessa Escola envolve especificamente o uso das salas de informática em
escolas do
estado de São Paulo, revelando parte da política publica instalada para o uso dos equipamentos e o acesso à
internet por
docentes e alunos desde então. Fonte: http://www.educacao.sp.gov.br/acessa-escola. Acesso em 16 de jul de
2016.
21
gerados pelo fato de que a inserção das TDICs, nos processos e procederes dos(as)
docentes dessa escola se configurava como um discurso de autoridade (BAKHTIN,
[1992]2011) – um dos aspectos centrais de minha discussão, que revisitarei e
expandirei nos capítulos dois e quatro, especialmente.
Também relevante para o entendimento do contexto desta pesquisa é
marcar que, para o professor, a alocação na nova escola significou grande ruptura –
profissional e financeira –, com uma considerável redução salarial e grande aumento
no percurso de deslocamento entre sua casa e o trabalho, uma vez que a escola se
localizava noutra cidade. Por conseguinte, restringiram-se ainda mais, então, os
recursos financeiros e o tempo para que o professor se dedicasse à família, à
profissão, à vida. Nessa escola, além de parte da carga total de aulas de inglês
oferecidas aos alunos do Fundamental II, o professor ainda contava com aulas de
português na composição de carga horária (ainda sim, bem inferiores ao número de
horas e ao valor da hora-aula que tinha quando trabalhava na Escola Integral). No
contraturno, o professor também lecionava em outra escola, na EJA (Educação de
Jovens e Adultos).
Acredito que a apreensão do quadro supradescrito seja de grande
importância para que se forme, desde já, o entendimento de algumas das condições
gerais e específicas que apresentam implicância nos fazeres desse professor e, por
conseguinte, para o desenvolvimento da pesquisa, conforme esclarecerei mais
adiante.
Como a realocação do professor aconteceu em meados do primeiro
semestre, com as aulas já em andamento, as turmas por ele assumidas já haviam
ficado por algum tempo sem aulas de inglês (por falta de professores, associada a
um período de pós-greve docente). Essa condição repercutiu, também, em algumas
das escolhas feitas nos planejamentos e ações em aula pelo professor (aqui,
participante), o que irei discutir na análise dos dados.
A seguir, esclareço pontualmente os objetivos desta jornada e as
perguntas que nortearam este estudo.
Objetivos específicos:
a) Registrar o diálogo estabelecido entre mim e o professor participante
durante a primeira etapa da pesquisa, em que TDICs estão presentes
em seus fazeres, no contexto escolhido, construindo, assim, o corpus
da pesquisa, materializado em enunciados;
8
Todas as traduções de textos originalmente escritos em língua inglesa, apresentadas no decorrer desta tese,
são de
minha inteira responsabilidade, exceto casos em que se apresente, nas referências, uma fonte em que o texto
fora antes
traduzido.
24
9
Os conceitos de discurso, língua(gem) e enunciado, entre outros, serão discutidos, sob a ótica bakhtiniana, no
próximo capítulo.
25
10
Disponível em http://curriculomais.educacao.sp.gov.br/. Acesso em 18 de setembro de 2014.
26
É possível imaginar que uma jornada satisfatória, do tipo que deixa caras
lembranças e experiências valiosas, tenha supostamente desfrutado de um bom
planejamento. No caso desta que ora descrevo, antes mesmo de planejar a
trajetória, precisei criar algumas bases a fim de que eu tivesse em que me apoiar
durante o meu percurso exploratório.
No entanto, sem perder de vista o lugar de onde eu falo, meu porto de
partida, e um dado senso de orientação (muito embora uma bússola possa indicar
direções, possibilidades, mas o rumo a seguir é sempre, em última instância, uma
escolha do navegante), estabeleci em meus planos o papel que ocupariam as
orientações teóricas em minha pesquisa. Esse papel, o das teorias, não é o de uma
determinante disposta a formular e moldar os fins, ou seja, não foram as bases
teóricas que determinaram a produção e a análise dos dados, mas vice-versa.
Dessa forma, procurei nas discussões teóricas instâncias que me ajudassem a
conceber e analisar o contexto e os dados –, e não o contrário.
Empresto de Rajagopalan ([2006], 2008, p. 163-164) a noção de que
teorias que são pensadas, concebidas “globalmente”, ou seja, a partir de
generalizações, não poderiam, simplesmente serem tomadas à maneira formulaica,
como parâmetros em que se possa (ou menos ainda, deva) encaixar realidades e
práticas locais. Nessa direção, encontro apoio também nas considerações em
relação aos conceitos de “prática” que faz Pennycook (2010, p. 08 a 13) – e que
retomarei logo a seguir –, bem como na posição que esse autor assume em relação
à interface teoria-prática, especialmente no que diz respeito a quebrar a visão
dicotômica e hierarquizada que algumas vertentes de pesquisa apresentam a esse
respeito. Desta maneira, acato um fazer científico em que teorias não estão
formuladas isoladamente a fim de serem “aplicadas” em certas práticas sociais, mas
percebo nas práticas sociais as construções do “fazer - pensando”, da “atividade da
língua(gem)” (PENNYCOOK, 2010, p. 08).
De acordo com Kramsch (2005), ao invés da clássica dicotomia que opõe
as noções de prática à de teoria, seria preciso abordar, nas investigações no âmbito
da Linguística Aplicada, uma “teoria da prática” que, para o pesquisador “explora
não as condições que tornam o mundo real possível, mas as condições que tornam
27
11
Vide, por exemplo, DERRIDA, J. Torres de Babel. Belo horizonte: Editora UFMG, 2006. Tradução de Junia
Barreto.
29
língua(gem) enquanto uma atividade social, regulada tanto por contextos sociais,
quanto por sistemas subjacentes” (PENNYCOOK, 2010, p. 09).
Essa visão vai de encontro à noção de língua(gem) unicamente como um
sistema/estrutura independente e abstrata, demovendo-a do papel de ferramenta.
Nessa direção, busco apoio em conceitos bakhtinianos e de seu Círculo para
desenvolver minha discussão.
Como aponta Paulo Bezerra (no pósfácio a sua tradução dos textos de
Bakhtin, 2016, p. 157)
as reflexões de Bakhtin, que afirma sempre ouvir vozes e vê a
língua estruturada sobre a bivocalidade “como fenômeno social
em formação histórica e socialmente estratificada”,
transbordam naquilo que certamente se constitui em sua
contribuição fundamental para a compreensão da língua como
sistema estratificado: a concepção dos gêneros,
vista específico (HOLQUIST, [1990], 2002). É através dessa relação que o sujeito
bakhtiniano se coloca em constante (re)criação, aprendizagem, construção, à
maneira dialógica, emergindo de / desenhando realidades sociais, historicamente
intrincadas em relações de poder, ideologicamente marcadas. Nas palavras de
Bakhtin “o falante é um homem essencialmente social, historicamente concreto e
definido e seu discurso é uma linguagem social (ainda que no embrião), uma
linguagem de grupo e não um “dialeto individual”” (2015, p. 124, ênfase adicionada).
No caminho para estabelecer um diálogo com as observações
bakhtinianas e um conceito de discurso, talvez seja também possível falar em
universo discursivo, pensado a guisa de uma extensão povoada por diversidade,
diferenças e multiplicidade de vozes sociais, muitas vezes em embate e/ou
contradições, o heterodiscurso a que se refere Bakhtin (Volochínov) em Teoria do
Romance ([1929-1930], 2014), que pode, ainda, ser objeto de análise enquanto
“discurso concreto”, (re) apresentado como sinônimo de enunciado (idem, p. 48).
De toda sorte, o enunciado de Bakhtin é fundamentado na noção do signo
ideológico; das palavras que não (se) encarceram (em) um “significado” em si, único
ou restrito, mas que “não são de ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas
podem abastecer qualquer falante e os juízos de valor mais diversos e
diametralmente opostos dos falantes” ([1979; 1992;2003] 2011, p. 289). Ou seja, o
signo em si, quando tomado isoladamente, é simultaneamente terra de todos e de
ninguém, conquanto signo ideológico, a palavra no enunciado (também referido pelo
Círculo como “discurso concreto”) é tomada por objeto social, que reflete e refrata
realidades sociais em um universo discursivo.
Nessa concepção de comunicação não há significados estáticos ou
acabados; é elaborada por / elaboradora de sentidos interconectados em cadeia
comunicativa, em que as respostas dadas/formuladas aos signos ideológicos se
constituem por outros signos cujos sentidos também são/estão externos a si. É
dessa concepção que advém a ideia bakhtiniana de comunicação discursiva na qual
“existem tipos bastante padronizados e muito difundidos de enunciações valorativas,
i.e., de gêneros valorativos de discurso” (BAKHTIN, [1979; 1992;2003] 2011, p. 290-
291), marcados pela entonação expressiva que os constituem
A fim de estabelecer-se comunicativamente, enunciadores (falantes ou
escritores) e/ou interlocutores lançam mão do signo (e, portanto, são orientados pela
ideologia), construindo sentido através de uma cadeia responsiva, já que “a
33
exemplo dessas autoras, penso que seja igualmente importante destacar que há
vasta gama de leituras possíveis em relação à constituição de sentidos para os
termos “enunciado”; “enunciado concreto” e “enunciação”, mesmo dentro do âmbito
do pensamento de Bakhtin e de seu Círculo, sendo necessário perceber que tais
sentidos para esses termos são constituídos “na articulação com outros termos,
outras categorias, outras noções, outros conceitos que, mais do que a constitutiva
proximidade, lhes conferem sentido específico, diferenciado de qualquer outra
perspectiva teórica” (BRAIT; MELO, 2005, p.62).
Como resolvi adotar simplesmente o termo “enunciado” ao longo deste
texto, considero relevante também apontar duas observações referentes a questões
de tradução, que vão orientar o conceito de enunciado que me direciona:
primeiramente, refiro-me à nota do tradutor Paulo Bezerra que, em 2011, esclareceu
que o termo “viskázivanie” (em russo) de que lançou mão Bakhtin ao formular sua
definição de enunciado seria ambivalente, remetendo não só ao substantivo
enunciado como, igualmente, ao verbo, “ao ato de enunciar, transmitir pensamentos,
sentimentos, etc. em palavras” (BAKHTIN, ([1979; 1992;2003] 2011, p. 261, nota do
tradutor). Já em outra tradução mais recente (2016), que traz releituras desse
mesmo tradutor de alguns textos publicados anteriormente por ele no volume
organizado como Estética da Criação Verbal e que agora foram acrescidos por mais
duas traduções inéditas de textos de Bakhtin no volume Os Gêneros do discurso,
Bezerra (posfácio a BAKHTIN, 2016, p. 153) esclarece que “(...) substituí o termo
“enunciação” por “enunciado”” (ênfase adicionada). Segundo o tradutor, sua
primeira leitura teria sido aparentemente influenciada por outras orientações teórico-
linguísticas, o que o teria induzido a cometer aquilo que hoje considera ter sido “uma
séria impropriedade”, como esclarece esse tradutor e estudioso dos textos de
Bakhtin e seu Círculo, dizendo que, após releituras cuidadosas, entende hoje que
para Bakhtin, “viskázivanie”, ou “enunciado” não equivale a
mero ato de produção de fala ou discurso; é muito mais que
isso. Enunciado é o elo (NB: o elo, não um elo,) essencial da
cadeia de comunicação e é dotado de uma tridimensionalidade
comunicativa e histórica e cultural que reúne passado (o
antecedente), presente (o continuum) e futuro (o consequente)
do processo de comunicação, como um fenômeno da cultura
perene em sua substancialidade e aberto como forma de
existência e comunicação entre os homens no devir histórico e
na unidade aberta de cultura e história (Paulo Bezerra, posfácio
a sua tradução em BAKHTIN, 2016, p. 153).
38
“assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à
palavra do locutor uma contrapalavra.” (BAKHTIN, 2016, p.137, itálico pelo autor).
Nessa direção, encaminhando a discussão sobre o diálogo para a
percepção da réplica ativa, Bakhtin afirma que “a compreensão é sempre prenhe de
resposta” (idem), indicando o trajeto para a visão dialógica do discurso.
Como aponta Sidorkin (1999), o olhar bakhtiniano informa que o
dialogismo é central à humanidade, pois
a existência humana, em si, depende do engajamento em
relações dialógicas. Um indivíduo pode existir enquanto
organismo, num sentido físico ou biológico. Mas nós somente
somos verdadeiramente humanos quando estamos numa
relação dialógica com o outro. (SIDORKIN, 1999, p. 11).
CRONOTOPO (tempo-espaço)
13
Medina (2006, p. 133) se refere “atos de fala” em sua discussão. No entanto, para manter minha coerência
discursiva neste texto, estou apropriando sua discussão dentro do olhar que me orienta de “comunicação
discursiva” como proposta por Bakhtin e já exaustivamente mencionada ao longo deste capítulo.
59
discurso com o discurso do outro, pode ser identificado pelo que Bakhtin define (em
“O discurso em Dostoiévski”) como discurso duplamente orientado, ou seja,
“aquele em que o autor inclui o discurso do outro em seu plano, em seu projeto
discursivo”, como esclarece Brait ([2009] 2013, p. 65).
Já o discurso que se torna internamente persuasivo abriu espaços para a
autoria (responsabilidade), marcando cronotopia real (não necessariamente na
praça pública bakhtiniana, no cronotopo biográfico), mas, de certa forma,
demanda/demandou agência (resposta à). Essa agência pode então ser do tipo que
se encontra dependente do acaso, dos acontecimentos que obrigam o sujeito a
reagir, responder; ou podem gerar espaços criativos, autorais – se vier repleta de
resposta a + resposta por, somando, por resultado: viver no cronotopo biográfico, da
exposição, do posicionamento, da mudança pela exotopia.
Acredito ser igualmente possível acrescentar ao campo da discussão
acerca dos processos de apropriação discursiva as considerações que faz Bakhtin
(2008; 2013) acerca do discurso polêmico, ao revisitar a questão da polêmica
aberta e da polêmica velada. Por se tratar de enunciado que questiona
abertamente o enunciado de outrem, a polêmica aberta parece-me ser de mais fácil
entendimento, levando-me a concentrar maior atenção na questão em torno da
polêmica velada.
Bakhtin informa que “as palavras do outro, introduzidas na nossa fala, são
revestidas inevitavelmente de algo novo, da nossa compreensão e da nossa avaliação,
isto é, tornam-se bivocais”, ao que completa mais adiante que “(...) o nosso discurso
da vida prática está cheio de palavras de outros” (2008, p. 219, ênfase adicionada).
O conceito de bivocalidade está, portanto, no cerne da apropriação
discursiva, pois, sendo bivocal, minhas palavras, ainda que apropriadas como palavras-
próprias, são fruto de um processo de monologização para dialogização, em que
passaram de palavras alheias a palavras-próprias-alheias e (eventualmente) palavras
próprias (quando há o apagamento da memória da voz do discurso apropriado). De
todo modo, são essas minhas palavras, de fato, lugar de embate em que há a fala do
outro, sua intencionalidade, seu contexto de produção, “revestidas” pelo “algo novo”,
que é minha própria voz, minha compreensão (à moda de réplica ativa, em meu
discurso interno). Esclarece Bakhtin que, em relação às palavras no discurso “da vida
prática”,
62
partida ou de chegada, o termo (e não a ideia que se desenvolve a partir dele!) não
me agrada, por me remeter a uma situação a priori, como se alunos/professores já
não fossem, não existissem, não atuassem, ou seja, não se constituíssem como
sujeitos antes de sua inserção em processos educativos formais (o que imagino não
tenha sido o propósito de Biesta inferir). De qualquer forma, justifico-me por
entender que “as palavras são de ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas
podem abastecer qualquer falante e os juízos de valor mais diversos e
diametralmente opostos do falante”(BAKHTIN, [1979;1992;2003] 2011, p. 290). De
tal forma, dou espaço ao terceiro eixo proposto por Biesta.
A construção identitária / o processo de “tornar-se” estaria, de acordo com
esse estudioso, na medida em que, diante dos processos de inserção nas esferas
(“ordens”) o educando16 dá indícios, certo teor, de independência/distanciamento,
entre si (sujeito/ator) e a esfera (ordem) em que a educação o quer inserir. A
questão que permanece é: será possível pensar que toda forma de educação formal
irá sempre (e em certa medida) contribuir para esse processo de subjetificação?
Por suposto, os dois primeiros eixos (ou dimensões) apontados por Biesta
(qualificação e socialização) são mais facilmente identificáveis em quaisquer
processos educativos, enquanto o mesmo não pode ser dito, no entanto, em relação
à subjetificação.
Para tanto, Biesta (2010, p. 21) propõe que se mude o foco da discussão
das questões acerca das reais funções da educação para “questões sobre os
objetivos, fins e propósitos da educação”. De acordo com o pesquisador, ao mudar o
foco, questionaremos que condições para a manifestação de subjetividade(s) advêm
de determinadas configurações educacionais. Ou seja, questionar se uma
determinada estrutura educacional em que se inserem professor/aluno permite-lhes
(e de que forma) a subjetificação (no sentido proposto por Biesta), que pressupõe a
independência, a manifestação – em maior/menor grau –, do sujeito inserido nas
esferas socializadas nos processos educativos.
Entendo que a noção a que Biesta nomeia por “subjetificação” (enquanto
dimensão constituinte dos processos de educação em ambiente escolar/formal)
encontre respaldo no que Bakhtin discorre acerca do papel do ser no ato do
16
Embora Biesta (2010) apresente sua argumentação em relação à educação – educandos, refiro-me aqui a
metáfora exotópico-dialógicamente orientada de educador/educando, pois, da maneira como entendo, o
processo educativo é dialógico e tanto afeta quanto é afetado por essa relação. Além disso, meu olhar neste
estudo está direcionado para/por o professor-educador (de língua estrangeira, inglês).
69
Cc Cc
ATO DE TORNAR-SE SUBJETIFICAÇÃO
(SER)
como discutirei na análise, parece que, infelizmente, ainda carrego esse ranço
comigo). Lembro-me, inclusive que, certa vez, há uns doze anos, eu travei mesmo
um embate discursivo com uma aluna que tinha o hábito de tomar notas fazendo
uma espécie de “tradução” (muito pessoal) para o português de tudo o que eu falava
em inglês em aula, o que, no meu entender de então, seria prejudicial ao
desenvolvimento de sua aprendizagem da língua alvo – exatamente como Hélot e
Laoire (2011) sugerem ainda ser o caso de muitos educadores.
Repensando essa questão a partir de novas perspectivas, nos dias atuais
concordo com Hélot e Laoire quando afirmam que
as profundas mudanças em nossas sociedades em relação à
mobilidade e migração, a novas formas de e ao acesso ao
conhecimento e às grandes desigualdades que afetam países
pobres e ricos demandam que as escolas repensem sua
abordagem de aprendizagem, ao invés de forçar os estudantes
a se adaptarem a um sistema educacional baseado em uma
visão de mundo do século XIX (HÉLOT; LAOIRE, 2011, s/p.,
itálico pelos autores).
17
Considero importante destacar que o conceito de “possível”, nesse contexto proposto por Helót e Laoire
(2011) em nada se aproxima de uma ideia iluminista de contentamento, de fazer aquilo que “se pode fazer;
que dá para fazer”. A ideia do possível, na orientação pedagógica proposta pelos autores e da qual esposo, tem
a ver com a desestruturação de políticas internas historicamente estabelecidas e que acatam fazeres
hierarquicamente impostos à maneira generalizantes, menosprezando as relações, necessidades, condições e
realidades locais – o que inclui pensar a educação linguística à maneira pluralista e dar espaço para o ato de
tornar-se (subjetificação), através da abertura à heteroglossia discursiva.
75
novos olhares para políticas escolares que resultem em práticas pedagógicas que
atendam a novas, e inesperadas, reconfigurações. De tal forma, uma Pedagogia do
Possível significaria adotar uma abordagem de educação linguística em que
as noções de ecologia e agência convidam os professores e
aprendizes a ver suas realidades sob uma nova perspectiva e
atuar nessa realidade: em outras palavras, responder a todas
as possibilidades e potencialidades em sala de aula,
construindo assim suas próprias políticas que sejam localmente
efetivas e empoderadoras (HÉLOT; LAOIRE, 2011, s/p.).
18
O termo usado pelo autor em seu texto escrito em inglês é “milieu” (que, aliás, vem entre aspas). Dentre os
sentidos possíveis para o termo em português encontra-se: cercanias; arredores; vizinhança; ambiente; meio e
esfera. Escolhi dentre esses o que percebi dar conta melhor neste contexto.
79
mediados por celulares e obtive uma resposta negativa. A justificativa para a não
utilização dessa tecnologia era exatamente a questão da acessibilidade aos
ambientes em rede (síncronos): segundo a coordenação, o acesso a dados via
internet na escola dependia da redistribuição da rede sem fio (já que muitos alunos,
mais carentes, não tinham planos telefônicos com acesso a dados móveis, por
exemplo), o que não poderia ser oferecido pela escola.
A proibição não decorria de fatores como questões disciplinares ou
possível desvio da atenção dos alunos, mas sim do fato de que o tráfego de dados
via internet da escola era propiciado e monitorado pela secretaria da educação do
estado, via regional. Segundo informou a coordenação, quando a escola tentou
liberar a rede sem fio para que os alunos pudessem realizar uma atividade mediada
por celulares, sugerida no caderno do aluno, fornecido pela própria secretaria de
estado, houve sobrecarga no tráfego de dados, causando “represálias” e prejuízos à
gestão escolar que não podia, por exemplo, realizar tarefas administrativas que
dependiam do sincronismo da internet.
Como esclarece Selwyn, assumir que cabe sempre, por função básica, às
tecnologias “tornar as coisas melhores” é, segundo esse pesquisador, “inferir que o
termo “tecnologia” se refere a mais que somente ferramentas materiais e artefatos
que são usados para fazer alguma coisa” (2011, p. 07). Essa relação pode,
inclusive, ter suas raízes na origem grega do termo “tecnologia”, que permite traduzir
seu radical “techne” por “habilidade, arte ou artefato”. Já seu sufixo “-logía”, que
pode assumir, entre outros, o sentido de “conhecimento”, sugere, como aponta
Selwyn (2011, p.07) que o termo “tecnologia” tenha desde sempre sido associado
“aos processos e práticas de fazer coisas, entender coisas e desenvolver
conhecimento”.
Para Verazto et al (2008), é importante manter-se em mente a interface
da história da tecnologia com os contextos sócio-culturais e o desenvolvimento da
sociedade humana. Apontam esses autores, a palavra grega techné “(...) consistia
muito mais em alterar o mundo de forma prática do que compreendê-lo” (2008, p.
61), daí a proximidade entre o conceito de tecnologia e a noção de técnica que,
segundo informam, advém do mesmo termo grego, sendo que às técnicas,
historicamente, era dedicada a tarefa central de encontrar meios de transformação,
modificações no/para o mundo, (n)a sociedade. Assim, registrar historicamente o
conceito de tecnologia é notar-lhe intimamente “registrada com a história das
80
colham seus dividendos” (SELWYN, 2014, p. 16). O que implica, segundo o autor,
orientar o olhar diante dessas tecnologias de modo a “tomá-las por aquilo que são,
enquanto se tenta imaginar as tecnologias digitais por aquilo que poderiam
ser/tornar-se” (idem, p. 17). Do que advém que é preciso cautela a fim de que não
se assuma uma postura de prontamente associar as tecnologias digitais a discursos
que promulgam seu papel em transformações educacionais em relação de causa e
consequência, imediatista e simplista.
Selwyn (2014, p.20-24) traça diferentes concepções para o construto
ideologia, resenhando o conceito a partir de diferentes visões. Em todas as vertentes
que menciona, porém, fica clara também a noção de conjunto de ideias
subjacentes/inerentes que perpassam e incorporam-se em todos os campos de ação
da vida humana.
Das ideologias predominantes na contemporaneidade, Selwyn (2014)
destaca o neoliberalismo que permeia a chamada “nova economia”. Nesse universo
discursivo, prevalecem as ideias de individualismo / individualização (geralmente
associadas às pedagogias recentes que propõem o protagonismo discente, a
inversão da sala de aula, etc.) e os valores e interesses promovedores da “nova
economia” (globalizada) e a orientação neoliberal. Dentre as proposições desta
última, está a ideia de que não se “descreve o mundo como o é, mas o mundo como
o deveria ser” (CLARKE, 2005, p. 58, apud SELWYN, 2014).
Giroux (2004, p. 494) informa que um dos principais fatores constitutivos
da noção hegemônica difundida pela ideologia neoliberalista é a orientação da visão
da educação para valores e identidades exclusivamente voltados a atender questões
de mercado, ou seja, essa é uma orientação que visa produzir e legitimar a
formação de estudantes que atendam necessidades mercadologicamente ditadas
por setores da sociedade tais quais o de prestação de serviços. Ainda segundo esse
autor, a ideologia neoliberalista desvia os princípios e objetivos da educação do
desenvolvimento de cidadão críticos e criativos ao adotar o fundamentalismo do
livre-mercado como força propulsora de questões político-econômicas, isentando
parcialmente o estado de seu papel em questões fundamentais como os
investimentos na educação pública e em questões de desenvolvimento social,
transferindo ao indivíduo a responsabilidade pelas transformações de que carece a
sociedade em que vive.
83
19
Fonte 1: http://noticias.terra.com.br/educacao/japao-pede-para-que-universidades-cancelem-cursos-de-
humanas,6ebd46a6261af0d724368316dde58525p9j1qquz.html. Acesso em 16 de set de 2015. Fonte 2:
http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/economia.html. Acesso em 16 de set de 2015.
84
Seguindo por essa direção, Selwyn (2014) alerta para o fato de que
apropriar-se do discurso que outorga às tecnologias educacionais certezas e
absolutismos no sentido de melhoramento dos processos educativos é assumir,
igual e concomitantemente, as ideias que as subjazem – suas ideologias –, que
denotam o que se entende como “aprendizagem ‘boa’ ou ‘desejável’” (2014, p. 33).
De tal forma, o exercício da desconfiança diante de tal apropriação permitiria, ao
educador, revisitar essas ideias, de modo a confrontá-las com seus (próprios)
objetivos e contextos educacionais, de modo a tornar esse(s) discurso(s) de
autoridade, discursos internamente persuasivos. Nesse sentido, seria possível
igualmente confrontar a ideia generalizante de que as tecnologias digitais seriam
pura e simplesmente “uma forma de correção pedagógica, ou seja, um meio para se
introduzir valores de aprendizagem e filosofias específicos em ambientes
educacionais formais” (SELWYN, 2014, p.33).
20
O site pode ser acessado no endereço https://pt.duolingo.com/ (último acesso em 21 out 2016).
85
equação o papel agente e autoral dos docentes, que poderiam, portanto, considerar
tais interesses de forma a dar-lhes repostas a (agência) e responder por eles
(autoria). Não obstante, esse é um processo que implicaria igualmente pesar a
relevância pedagógica desse ingresso, ou seja, de que maneira se articulam com as
demandas curriculares e materiais nos contextos locais específicos.
A partir do próximo capítulo, navegarei por questões de metodologia e
métodos que me auxiliaram a gerar e entender os dados para, então, retomá-los em
uma (re)leitura que se pretende dialógica, a fim de identificar os discursos
emergentes dos diálogos/ações que estabeleci com o participante, com vistas a
atender aos objetivos desta jornada-pesquisa.
91
21
Note que já descrevi este contexto com maior detalhamento no item 1.2, no primeiro capítulo, ao qual
sempre é possível retornar para maiores esclarecimentos, caso julgue necessário.
92
diálogo com o professor e, através das interações comunicativas orais e escritas que
desenvolvemos ele e eu, em conjunto e individualmente, construir os enunciados
que, em sua concretude, materializam os discursos que tenho por objeto.
Por conseguinte, de maneira objetiva, esta jornada-pesquisa se configura
metodologicamente por duas etapas distintas.
Como retomei no início deste capítulo, fui procurada pelo professor que,
ouvindo o relato de meus objetivos de pesquisa se ofereceu para dela participar. As
TDICs já estavam mais e mais presentes nas aulas desse docente que expressou
interesse em expandir essa interface através de um trabalho colaborativo,
contando com minha participação direta em seus fazeres (e não como uma
pesquisadora-observadora), nas aulas de inglês que ministrava na escola pública.
Foi a partir desse acontecimento que procurei uma abordagem que
oferecesse um quadro teórico-metodológico que, simultaneamente, olhasse para a
pesquisa à maneira dialógica (orientação que já me constituía) e pudesse integrar
um método de trabalho participativo. Dessa maneira, elegi a PAP (Pesquisa-ação
Participativa) para ancorar a primeira etapa da investigação, o que explicito a seguir.
22
Para um melhor esclarecimento e detalhamento, veja o quadro que coloquei no Anexo 1, que apresenta
algumas das escolas correntes dessa modalidade de pesquisa.
96
23
HUSTLER, D. Key concepts In: GOLDBART, J. ; HUSTLER, D. Ethnography. In: SOMEKH, B.; LEWIN, C. (orgs.)
Research methods in the social sciences. London: Sage, 2005, p. 16-23.
98
24
Novamente, indico a leitura do quadro que coloquei no Anexo 1.
99
PARTICIPANTES
DIRETOS NO TOTAL
MOMENTO da POSTAGENS
FERRAMENTA INTERAÇÃO FORMATO OBSERVAÇÃO
Gravações em
PROFESSOR e Interações orais: discussões de
áudio em 08 digital
EU planejamento e pós-aulas.
dispositivo
móvel
Quadro 2: Organização dos dados gerados na pesquisa e seus instrumentos de registro.
25
Veja em Anexos o TCLE (termo de consentimento livre e esclarecido) elaborado conforme instrução e
aprovação do Comitê de Ética na Pesquisa da Unicamp.
26
Segundo o próprio site informa “Padlet é um aplicativo gratuito para montar Painéis ou Murais com fontes
da Internet, ou arquivos que você tenha no computador”. A plataforma é simples e bem intuitiva e permite a
compilação de dados em formato de textos escritos diretamente no app e/ou anexados na forma de
documentos, planilhas, apresentações ou PDFs (entre outros). Também suporta hipertextos, vídeos, áudio e
fotos. Veja em https://pt-br.padlet.com. Acesso em 23 de out 2016.
102
esta pesquisa, mas também seu contexto, uma vez que, como informam Bakhtin /
Volochínov “o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso”, ao que
esclarecem, mais adiante, que “(...) a enunciação citada tratada apenas como um
tema do discurso, só pode ser caracterizada superficialmente.Para penetrar
completamente no seu conteúdo é indispensável integrá-lo na construção do
discurso” ou seja, é preciso situá-lo em seu universo discursivo e tomar por conta
suas condições de produção, das quais fazem parte as relações estabelecidas entre
os interlocutores” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, [1929] 2014], p.150).
Nessa direção, reitero que conto com apoio em Bakhtin (1981, p. 259)
quando afirma que
forma e conteúdo são unos no discurso, uma vez que se
compreende que o discurso verbal seja um fenômeno
social – social em todo o seu escopo e em todo e cada um de
seus fatores, da imagem sonora aos mais distantes alcances
dos sentidos abstratos (ênfase adicionada),
campo puramente linguístico de seu estudo” (Bakhtin, 2008, p. 208) ao que o autor
completa, entretanto, que as pesquisas metalinguísticas “não podem ignorar a
linguística e devem aplicar seus resultados” (BAKHTIN, 2013, p. 207).
Portanto, procurarei manter um olhar analítico metalinguisticamente
orientado, como sugere esse autor, uma vez que as relações dialógicas intra e entre
enunciados se encontram extralocalizadas às dimensões linguísticas, manifestando-
se em contextos sociais e históricos, e são relações ideologicamente orientadas e
compartilhadas. Como aponta Bakhtin “em cada enunciado – da réplica monovocal
do cotidiano às grandes e complexas obras de ciência ou de literatura –,
abrangemos, interpretamos, sentimos a intenção discursiva ou a vontade de produzir
sentido” (BAKHTIN, 2016, p. 37, ênfase do autor) o que, partindo do falante que
verbaliza suas intenções, acaba por definir o enunciado em seu todo. É essa
“intenção” do falante (locutor) que orienta a escolha do objeto (no campo de uma
determinada comunicação discursiva) e estabelece a relação desse enunciado com
enunciados outros, que o precederam, por exemplo.
Amparada em Sullivan (2012, p.08), entendo que seja de interesse da
análise realizada no âmbito da pesquisa qualitativa interpretar sistematicamente o
que as pessoas fazem e dizem. Na perspectiva dialogicamente orientada, essa
interpretação pressupõe acatar que nessas falas encontram-se refletidas e
refratadas diversas “relações de poder e a negociação local de identidade(s)” (idem),
objeto de estudo de diversas vertentes da análise de discurso.
Metodologias discursivas tendem a voltar seus interesses para os
universos (discursivos) (re)velados pelos dados, a partir de um viés critico. Mas a
questão da interpretação não é objetiva e nem tão pouco está enclausurada em
certezas absolutas. Ao contrário, como postula Sullivan (2012, p. 09), a interpretação
de dados a partir de uma análise discursiva apresenta um “dilema” que se posiciona
entre uma “hermenêutica da suspeita” e a “hermenêutica da confiança”.
Definindo hermenêutica por “um estilo de interpretação”, Sullivan distingui
“confiança ou empatia” de “suspeita”, apoiando-se em Ricoeur (1981)27 que se refere
a diferentes métodos que buscam abordar conteúdos de um texto a partir da adoção
de um dado distanciamento crítico (tais como vertentes da análise de discurso),
enquanto outros métodos propõem manter-se “abertos às verdades dos conteúdos
27
RICOEUR, P. Hermeneutics and the human sciences: essayson language, action and interpretation. Edit and
translated by J. B. Thompson. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
107
28
FAIRCLOUGH, N. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003.
108
como o discurso de outrem tem sido tratado sob uma pluralidade de nomes, dentre
eles o de discurso citado. Abordando as diretrizes bakhtinianas para o olhar
orientado para o método sociológico em ciências humanas, Santos e Almeida,
referindo-se ao discurso de outrem, sugerem que
no movimento de interação social, os sujeitos constituem os
seus discursos por meio das palavras alheias de outros sujeitos
(e não da língua, isto é, já ideologizadas), as quais ganham
significação no seu discurso interior e, ao mesmo tempo,
geram as réplicas ao dizer do outro, que por sua vez vão
mobilizar o discurso desse outro, e assim por diante (SANTOS;
ALMEIDA, 2012, p. 79).
Por conseguinte, adoto esta vertente como variante analítica para minhas
considerações no capítulo a seguir, tomando como categorias referenciais para a
análise o modelo de comunicação discursiva que (re)desenhei em minhas
discussões metateóricas ao longo do capítulo dois (Gráfico 1 : ato de tornar-se em
114
comunicação discursiva). Adoto esse modelo como base para um dispositivo teórico-
analítico por entender que a
noção de interação verbal via discurso é gerada pelo efeito de
sentidos originado pela sequência verbal, pela situação, pelo
contexto histórico social, pelas condições de produção e
também pelos papéis sociais desempenhados pelos
interlocutores (SANTOS; ALMEIDA, 2012, p.77).
29
SÁ-SILVA, J. R.; ALMEIDA, C. D. de; GUINDANI, J. F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. In:
Revista Brasileira de História e Ciências Sociais, ano I, n.1, julho de 2009.
116
está no enunciado, mas também está na palavra “desde que nela colidam duas
vozes”. Nessa direção, a “autoridade da voz autoral está propensa a ser mantida
onde ela pertença àqueles que se encontre em posição de poder na sociedade”
(BLACKLEDGE, [2012] 2014, p. 617), quer dizer, quando seja materialização da
projeção de discurso autoritário e/ou de autoridade.
De onde advém, por conseguinte, minha justificativa para dar início à
minha análise partindo de alguns enunciados que, a meu ver, materializam discursos
socialmente construídos nos dias atuais a fim de reforçar a interface tecnologias
(especialmente as digitais) e melhoramento na educação como uma relação
obrigatória, dada como certa e (por vezes, obvia) de causa e consequência. Relação
da qual implicam a aquisição, o “domínio” e a propagação de tecnologias que
parecem ser conceituadas à forma de técnicas e instrumentos (como discuti com
apoio em Verazto et al (2008) e Selwyn (2014), no decorrer do segundo capítulo).
Nessa direção, dou início à minha análise partindo da apreciação acerca
desses discursos para o que recorri brevemente à Pesquisa documental, como
esclareci no capítulo anterior, a fim de selecionar e elencar alguns exemplares de
enunciados circulados em práticas sociais dos dias atuais – ao encontro dos quais
cheguei por intermédio de diferentes plataformas que se apoiam nos recursos da
internet. Penso que esses enunciados possam ser tomados como exemplares do
que entendo como a manifestação de discursos socialmente compartilhados que
advogam em favor da interface TDICs – educação em direção a melhorias em
processos educativos, ressoando discursos de autoridade.
No entanto, cabe esclarecer que os recortes desses enunciados que
seguem não estão sendo tomados por mim como generalizações e, seguindo
minhas orientações teóricas, compõem sentidos a partir dos contextos em que são
produzidos, circulam e/ou são apropriados (incluindo sua caracterização como
discurso citado, aqui, na presente narrativa, em que os recontextualizo).
Dentre os enunciados recentemente circulados por órgãos
governamentais (quer sejam de ordem federal ou estadual), no âmbito educacional,
estão os que promulgam a presença das TDICs na esfera escolar através de
aparelhos e suportes (tais como tablets) e materiais didáticos (livros digitais e
plataformas educacionais situadas em espaços digitais que oferecem objetos
didáticos). Nesse contexto, tomo como exemplo o discurso enunciado pelo edital
119
30
Fonte: <http://tecnologiaseducacionais.mec.gov.br/>. Acesso abril 2014.
31
Disponível em <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13018&Itemid=949>. Acesso jun
2014.
32
Veja o texto completo em < http://tecnologiaseducacionais.mec.gov.br/>. Acesso em abril de 2014.
33
Disponível em <http://tecnologiaseducacionais.mec.gov.br/?pagina=areas>. Acesso em jun 2014.
120
34
Veja mais em: http://porvir.org/. Acesso em 10 de jan 2017.
35
Veja mais sobre essa organização em: http://en.unesco.org/. Acesso em 26 de out de 2016.
123
enunciador não deseja apagar por ser legitimadora, daí o discurso duplamente
orientado). Essa inclusão (“até a UNESCO”) está, portanto, contraposta à ideia de
exclusão que estabelece, assim, a polêmica velada. Exclusão subentendida que,
neste caso, talvez seja representada por certas vozes que, situadas em contextos
educacionais, não acatem ainda (em suas práticas) a ideia postulada na tese de que
há variadas “razões” para justificar a presença de tecnologia móvel em situações de
ensino-aprendizagem formal (como fora esse um tema indiscutível, óbvio e já aceito
como certo).
Do ponto de vista semântico, portanto, a ideia subjacente aqui parece ser
a de que se “também a UNESCO” se deu ao trabalho de listar “bons motivos” para
que essas tecnologias façam parte de fazeres docentes, por que ir de encontro a
essa ideia? (o que significaria contestar discurso de autoridade, ao invés de
torná-lo palavras-alheias-próprias).
Na contramão da legitimação discursiva, que apropria a palavra-alheia
sem o apagamento de sua voz autoral, seguiria o exercício da suspeita sistemática
(LUKE, 2004; SULLIVAN, 2012), um “desconfiar” das relações causa e efeito em
relação às tecnologias educacionais, como sugere Selwyn (2012; 2014).
Seguindo por esta direção, poder-se-ia então questionar que não fica
claro, mesmo lendo o artigo hipertextualizado na postagem, como: de que ponto de
vista esses “motivos” poderiam ser considerados “bons”? Bons por que e para
quem? Seria essa uma assertiva que poderia ser generalizada, dessa forma, para
todo e qualquer contexto de sala de aula brasileira? Todos e todas os /as estudantes
estariam “equipados”, a priori, então, com equipamentos celulares e acesso à
internet? Como apontei anteriormente, no contexto em que realizei esta pesquisa,
por exemplo, a tese defendida no enunciado (Figura 4) não poderia se aplicar, uma
vez que as materialidades tecnológicas daquele contexto escolar não atenderiam ao
requisito básico que, nesse caso, seria sustentar o uso da internet pelos discentes
em seus próprios dispositivos móveis (o qual, aliás, muitos alunos de lá não
possuíam, inclusive).
A ideologia neoliberal (remeto-me aqui à discussão estabelecida por
Giroux (2004) que trago no capítulo três) que permeia os enunciados supracitados
reforça também, a meu ver, o tecnicismo apontado por Charlot (2013) e toma tais
discursos a priori e como fundadores das relações educacionais nos dias de hoje, de
modo que configura um dos primeiros abismos que se destacou nesta jornada-
128
38
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Material de apoio ao currículo do estado de São
Paulo: Caderno do Aluno – Inglês, Ensino Fundamental- anos finais (nova edição). São Paulo: CGEB, 2014-2017.
130
39
Já mencionada por mim no capítulo 1, quando esclareço o contexto da pesquisa.
131
40
O formato das transcrições das gravações em áudio dos diálogos seguiu as orientações / formatos sugeridos
em:
137
um excerto. Mas antes de analisá-lo, creio que seja preciso situar alguns
acontecimentos.
Como informei há pouco, a proposta com a qual o professor já trabalhava
quando cheguei a seu contexto partia de um diagnóstico que o docente fez logo que
assumiu as aulas naquela escola. As turmas de 8º e 9º anos haviam ficado alguns
meses sem aulas de inglês, por conta de uma greve de professores e de um
remanejamento interno de pessoal, o que resultou em um dos diversos abismos
detectados pelo docente naquele contexto: problemas de ordem metalinguística –
um déficit no conhecimento sistêmico da língua inglesa esperado daqueles alunos.
Essa posição diante da construção do conhecimento na educação
linguística advém de uma visão sistematizada de um conjunto de saberes pautados,
vias de regra, pelo olhar estruturalista, que empresta predominância ao caráter
linguístico, da estrutura sistêmica subjacente à língua meta (aqui, o inglês) – em
oposição à orientação discursiva. De onde advém que o conhecimento do aluno é
organizado (e mensurado) tendo por base um quadro curricular – comumente
fundamentado nas sequências estabelecidas nos materiais didáticos adotados –,
que prevê conhecimentos de ordem estrutural, tais quais tempos verbais e/ou
conjuntos lexicais organizados por temas (daí a ideia de déficit).
Como o primeiro semestre letivo de 2015 já estava em andamento
quando o professor assumiu essas turmas, o docente buscou primeiramente
estabelecer o que julgava ser uma base mínima para a construção sistêmica e
lexical da língua inglesa, ação para a qual relatou não encontrar apoio no material
didático disponibilizado em versão impressa para aquelas turmas. De tal modo, o
professor recorreu às tecnologias digitais a guisa de pontes. Foi para essa primeira
tarefa que ele lançou mão da plataforma Duolinguo.
Passo ao excerto da interação oral de 19 de agosto de 2015:
Eu E que-que que série que eles tão? [Em que- quais os anos
escolares?
GARCEZ, P. M.; LODER, L. L. Reparo iniciado e levado a cabo pelo outro na conversa cotidiana em português do
Brasil. In: DELTA, vol.21, no.2. São Paulo: PUC-SP, jul/dez. 2005. Veja o quadro completo com os símbolos
utilizados em Anexo 4.
138
P [A-ahn::: é- eu tenho- eu
tô trabalhando com:: sexta- a antiga sétima série, oitavo [ano,
né?
Eu [e
eles não tinham muita base linguística [mesmo? Em termos de,
eu tô pensando, aqui, e-em:: estrutura linguística mesmo, né?
P Isso! (...)
(...)
P [eu se- sim. Óh. É-é Não. Mas é aquela coisa assim, né?
Quando cê propõe uma atividade- eu trabalhei assim coisa::,
é:: o Duolingo, né? É um curso, assim, bem tradicional, né?
Mas é:: o interessante, assim, que ele vai, ele tem um::- uma
construção par e passo, né? Ele vai vendo as deficiência, ele
vai suprindo as deficiências e vai, é::: construindo autonomia.
Aí o aluno
Eu [é
mesmo?
Eu [é
mesmo?
Eu [é
mesmo?
Em primeiro lugar, volto meu olhar para minhas falas nesse trecho acima,
que se resumem a “risos”; e às interjeições “ahan” e “uhum”, enunciando meu
discurso interior a guisa de expressar minha participação na interação oral. De fato,
o tom de minha fala nesse instante poderia ser definido como “trêmulo” (muito
embora não estou certa de que meu interlocutor, naquele instante, se perguntado a
esse respeito, teria essa mesma interpretação...). O fato, ao menos para mim, é que
esse foi um daqueles momentos em que tive que manter a atenção para permitir,
dentro do possível, o exercício da alteridade e, nesta análise, o da exotopia.
Nos últimos vinte e poucos anos, dos trinta e um que tenho de profissão,
apropriei-me do discurso comunicativista, que advoga a ideia de que trabalhar o
ensino-aprendizagem de língua estrangeira via tradução é ruim, não promove
fluência, etc. Como apontei no capítulo dois, a ideia do monologismo (apontado por
Hélot e Laoire (2011)), fundador das bases para pedagogias e currículos em aulas
de língua, permeou meu discurso. Esses discursos me constituíram de maneira
hegemônica por muito tempo e orientaram minha forma de trabalho enquanto
professora de inglês em diferentes contextos formais de ensino, fundamentando-me
em oposição a uma abordagem que valorizasse o papel da língua do aluno nos
processos de ensino e aprendizagem de línguas outras – uma visão pluri /
multilíngue a que se referem Hélot e Laoire (2011). De tal forma, minha interlocução,
enunciada nas interjeições acima transcritas, (re)vela esse embate de vozes que
149
para o português (o que foi feito através de sites que informam letras de música e/ou
com a ferramenta Google tradutor41). Além de apresentar a letra, os alunos deveriam
falar sobre seus autores e intérpretes; interpretar brevemente os conteúdos
semânticos dessas letras de música e explicitar a razão para sua escolha. Devido às
condições/limitações de uso da sala do Acessa, que dependia de agendamento e da
disponibilização, já que outros professores também a utilizavam, boa parte do
trabalho precisou ser feito como tarefa para casa. Lembrando que a sala contava
com 16 computadores operantes e com acesso à internet, e as turmas de 8º e 9º
anos tinham, em média, 30 alunos.
As apresentações aconteceram na sala-biblioteca que dispunha de
equipamento multimídia e lousa digital, permitindo a projeção dos videoclipes e das
apresentações preparadas pelos alunos em PowerPoint e/ou Word (a escolha por
essas plataformas partiu do professor e foi objeto de apreciação durante uma de
nossas interações, como discutirei adiante).
41
Disponível em: https://translate.google.com.br/?hl=pt-BR. Acesso em 15 de jan de 2017.
154
Eu [ajudou a organizar o
pensamento [sistemico?
Eu Entendi!
P Pra::: porque eu to programando pra eles apresentarem
isso daí- (...)
42
Para saber mais a respeito dessa tecnologia, recomendo a leitura do artigo publicado em
http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/google-docs-app.html. Acesso em 15 de jan de 2017.
156
Mas admito que, do lugar de onde falo aqui, nesta análise, parece-me
hoje que tal posição discursiva em relação ao objeto contemplado (i.e.; que
tecnologias x ou y o professor deveria adotar naquela proposta específica) partiu de
um olhar generalizante: as orientações teóricas que sustentam meu discurso e
fundamentam ideologicamente minha apreciação negativa pela escolha de
Powerpoint e Word não levam em conta caracteres específicos ao contexto e
práticas locais, como sugerem Canagarajah (2013) e Pennycook (2010), orientações
teóricas de que também assumo compartilhar...
O discurso acadêmico que sustenta minha agenda oculta surge como voz
de autoridade e tenta exercer poder de persuasão, retomando a questão das
tecnologias a serem eleitas para a tarefa proposta, a revelia do quadro local que já
me apresentou o professor, como revela o excerto a seguir:
43
Veja AZZARI, E. F.; CUSTÓDIO, M. A. Fanfics, Google Docs...a produção textual colaborativa. In: ROJO, R.
(org.), Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola, [2013] 2016, p. 73-92.
159
escola, com uma plataforma como o Google Docs, e o professor entende que boa
parte da tarefa que está propondo terá que ser feita fora do horário de aula,
contando com recursos de computador e acesso a internet de cada aluno (que os
tiverem), posto que o acesso a tais recursos na escola também é restrito.
Penso que seja oportuno apontar que o discurso da academia, como tem
sido referenciado em alguns dos excertos analisados, não pode também ser tomado
como um discurso uníssono, monovocal e monológico (o que, aliás, está longe de
ser...). A “academia” é percebida aqui por mim como voz de autoridade, mas não
tenho a menor intenção de silenciar seus heterodiscursos, polifonias e/ou
plurivocalidades. Como discurso autoritário, ao recorrer à legitimação pela posição
de poder hierarquiza saberes, o que não quer dizer que sejam todos compartilhados
por uma única perspectiva, por suposto.
A seguir, retomo mais um recorte dos dados, trazendo a continuação do
relato postado pelo professor no Padlet no dia 03 de setembro, a que ele intitulou
“Apresentação My favourite English music”. Nesse relato o professor conta sobre a
primeira aula em que parte de seus alunos apresentou a tarefa com sua música
favorita em língua inglesa. O relato aconteceu logo após a aula de 02 de setembro e
a tarefa precisou de mais dois dias de aula posto haver muitos grupos em cada
turma. Como a apresentação dependia da sala equipada com a lousa digital, carecia
também de agendamento e disponibilidade do espaço, o que dificultou a sequência
na atividade proposta pelo professor (um abismo – dificuldade enfrentado como
implicação de apropriar-se discursivamente da validade da presença de TDICs em
seus fazeres e contexto). Conta o professor que
é citada entre aspas, mantendo o discurso de autoridade com a memória de sua voz
autoral e caracterizando um discurso duplamente orientado. Por conseguinte, o
professor demonstra que suas escolhas, ao planejar suas aulas e propor tarefas,
estão sustentadas em bases teóricas que reforçam seu papel de especialista e
endossam suas ações pedagógicas – o que legitimaria as ações desse professor,
que se desprende do currículo oficial para instaurar sua proposta de trabalho, como
discutirei mais adiante (atitude que associarei a sua agência e autorias discursivas
em favor de uma Pedagogia do Possível).
O trato em relação à questão da subjetificação, como propõe Biesta
(2010) ou o ato de tornar-se, como sugere Bakhtin ([1979;1992;2003] 2011 p.395),
é enunciado pela ideia que o trabalho colaborativo, tal qual o professor o descreve,
mediado pelas TDICs, que contribuiu para que fossem manifestadas as “diferenças,
sem taxações e preconceitos”. Esse acontecimento teria sido propiciado a partir da
interação estabelecida entre os alunos que, advindos de diferentes lugares e olhares
socialmente compartilhados, o que o professor materializa por “uns são românticos,
outros críticos, outros ainda religiosos, alguns bem ecléticos”, marcou a
heteroglossia e a pluralidade de vozes que permeou essa sua aula. O professor
manifesta assim em seu discurso, mais uma vez, um olhar bivocal em relação às
TDICs que adotou até aquele momento: o de um instrumento para o trabalho
metalinguístico (com o Duolingo) e o de mediador para a (trans)localização dos
alunos para um diferente cronotopo – em que lhes é permitido a agência discursiva,
em um processo de subjetificação.
maneira como entendo, isso pode contribuir a guisa de exemplo de uma experiência
positiva que poderia vir a inspirar outros docentes em seus contextos específicos.
Se, por um lado o professor ressalta que, mesmo com a mediação das
tecnologias “padeci com meus 8º anos” (já que os problemas disciplinares e de
gerenciamento dessas turmas persistiram), o resultado de seu trabalho é apreciado
como “tremendamente recompensado” por seu 9º ano (note o uso do advérbio
enfatizando a expressão do enunciado).
Mas o que me chama a atenção é o fato de que, ao contrário do objetivo
proposto com o trabalho mediado pelo Duolínguo, neste caso a “recompensa” a que
se refere o professor não se trata do resultado de um tipo de ganho linguístico (o
que, de fato, não parece ter sido o objeto central dessa atividade proposta com a
música), mas o fato de que, por intermédio dessa tarefa,
alguns alunos que somente conversavam entre si , hoje
finalmente conseguiram dialogar com a turma, depois de muita
insistência aprenderam o que é ouvir e ser ouvido. Fechei o dia
com chave de ouro.
alunos), como criticada por Biesta (2010), e em favor de uma visão mais pluralista e
dialógica, em favor da cidadania, como advogada por Rocha (2010; 2015).
Guardadas as devidas proporções, vou arriscar traçar um paralelo entre o
que faz o professor, com sua proposta de trabalho, e o que Bakhtin (2008; 2013)
informa fazer Dostoiévski com seus personagens em seu romance polifônico –
embora seja um comparativo deveras arriscado, lanço-me à praça bakhtiniana...
Vejo um movimento dialógico na maneira como o professor desenhou seu
olhar para a aula. Essa simples proposta, da forma como foi feita, deu espaço à
polifonia: ao invés do professor trazer (como autor) uma canção (de sua própria
escolha) para trabalhar com os alunos, o professor abriu espaço para que o objeto
fosse apreciado por diferentes vozes, aquelas de seus alunos, que (assim como os
personagens de Dostoievski) também puderam vozear seus diferentes pontos de
vista sobre o mesmo objeto: a canção em língua inglesa. Ao completar a tarefa, os
alunos responderam à provocação discursiva escolhendo a música (agência) e
responderam por isso ao apresentar suas escolhas (autoria discursiva).
Já que cada canção escolhida pelos alunos tratou de um tema, posto que
foram diferentes canções, de diferentes ritmos, expressões de diferentes vozes
sociais, como informa o professor, o funk, o religioso, o popular, o rock, as
apresentações foram permeadas pela heteroglossia discursiva, em polifonia ( tomo
aqui polifonia no sentido em que não houve um intencional silenciamento ou a
sobreposição de vozes – muito embora haja sempre relações de poder em todas as
práticas, até mesmo as que se pretendem construções de conhecimento à maneira
mais horizontalizada). Busco apoio em Rocha (2010; 2015) que defende revelar-se
de extrema importância o papel da responsabilidade social nos fazeres de um
professor de inglês que busque uma postura cidadã e crítica na formação de seus
alunos, de maneira que a aula de inglês na escola pública possa se configurar como
um espaço outro em que se acate a pluralidade de vozes, culturas e línguas – a
diversidade dos estratos sociais de onde advêm essas pluralidades.
Por conseguinte, quer o discurso do professor ressoe sua formação
religiosa (de seminarista, como ele mesmo apontou) ou ecoe sua formação
acadêmica (que recorreu a Bakhtin e Morin no excerto de 03 de setembro), fato é
que sua preocupação para além da qualificação, com os fatores educacionais
pertinentes à socialização e à subjetificação (sua preocupação com o dialogo entre
alunos, a ética de relacionamentos e o exercício da alteridade), tornaram sua aula
165
sociedade pensado a partir da esfera educacional, como sugere Charlot (2013), por
exemplo.
Nessa mesma direção, ainda encontro apoio para analisar esse mesmo
enunciado nas discussões oferecidas por Biesta (2010) que afirma que, tirar o foco
da questão dos objetivos que de fato se busca atingir pela educação, em favor de
uma abordagem que discuta processos eficientes e eficazes, no sentido de atender
ao desempenho mensurado por testes padronizados, desloca o foco da questão do
que se entende por “boa educação”, de maneira que é
prejudicial para um controle democrático sobre a educação. (...)
o único caminho para recuperar bases é colocar a questão
acerca da boa educação de maneira aberta e normativa – uma
questão de objetivos, finalidades e valores –, e abordar essa
questão à maneira direta ao invés de fazê-lo de forma indireta
ou explícita (BIESTA, 2010, p.2).
locutor, de forma a antecipar o locus para sua fala de onde advém o discurso que
advoga, a exemplo do que propõe Biesta (2010), um olhar democrático e
democratizante para os objetivos e processos da educação. Esse discurso vem,
então, enunciado por “que dizê, lá no Rio Grande do Sul, é de ouvi a comunidade.
A escola é construída de dentro pra fora, [não de fora pra dentro, né?”.
Ou seja, naquele contexto citado o discurso de autoridade (representado
pelos órgãos estaduais responsáveis pelas políticas educacionais) cederia espaço
(de acordo com o que informa o professor) às vozes dos outros atores participantes
dos processos educativos (a “comunidade”) construindo uma escola “de “dentro pra
fora, [não de fora pra dentro, né?” , uma metáfora de forças centrípetas e
centrífugas, que contribui para a polêmica aberta que apresenta o discurso do
professor: “lá”, o lugar que o constitui identitariamente, em oposição ao “aqui” , que
parece ser sua praça pública bakhtiniana, sua arena de embates.
Para o contexto em foco, isso parece representar um embate de forças:
como o professor estava acostumado a práticas colaborativas em que o
heterodiscurso era constitutivo dos fazeres escolares, enfrenta um discurso
homoglóssico neste contexto em que se estabelece este estudo e, dessa forma,
precisa encontrar meios para construir pontes que viabilizem espaços para uma
prática localizada, que leve em questão seus alunos, seus contextos sociais,
culturais, linguagens, etc.. De tal forma, a proposta didático-pedagógica do professor
se apresenta como uma busca pela Pedagogia do Possível (HELÓT; LAOIRE,
2011), um fazer pluralizado, a partir do contexto local, que permita a manifestação
de vozes outras, de forma menos verticalizada, desestabilizando tradicionais
relações de poder internas e externas ao ambiente educacional, de modo a
reorganizá-las em favor de uma educação mais participativa e criticamente
orientada.
O próximo relato do professor, cujo excerto trago a seguir, foi postado no
Padlet em 16 de setembro, após a realização da avaliação bimestral. Nesse relato o
professor informa que
hoje fia [sic] as provas bimestrais, busquei regatar [sic]
algumas atividades que desenvolvi no mes [sic] de agosto, pois
o sistema de avaliação bimestral, quando se trata das aulas
LE, exige muito mais trabalho do porfessor [sic], o processo
deve ser praticamente instantãne [sic]. Enso/avalição [sic].
Trabalhei com a Biografia Gênro [sic] de texto, um pouco de
literatura e por fim música. Foi um trajeto interessante. Mas
174
educação privada. Por isso, quando o professor retoma o turno, sua fala enuncia e
anuncia:
P Eu- eu ainda- é que agora, assim, a gente vai pro
fechamento do bimestre, né?
Eu Ahan!
P E eu tenho que dar uma impulsão dentro du- du::: du
programa pra vê o que que a gente vai conseguir dentro do
currículo oficial
Eu Uh!
P o que que a gente vai trazê, porque até agora, assim... em
primeiro momento, foi um po- um po- um momento de
nivelamento, né?
Eu Uhum!
P de ajustamento, que eu trabalhei bastante com eles com (
), muitos gostaram, conseguiram alavancar, conseguiram tê u-
um:: domínio da língua. E agora, no segundo momento, pra
expansão de leitura e o multiletramento, né, que a gente tá
[trabalhando
E sou eu, novamente, quem recorro mais uma vez aos uhum e ahan...
Porque pareço finalmente entender que o professor não poderia se dar ao luxo de
retomar uma tarefa que, aliás, àquela altura do semestre, já deveria estar encerrada.
Não é uma questão de apropriação internamente persuasiva do lugar que ocupam
as tecnologias em suas práticas. É uma questão de discurso de autoridade: “dar
uma impulsão dentro du- du::: du programa pra vê o que que a gente vai conseguir
dentro do currículo oficial”.
De fato, quero (re)lembrar a você leitor(a) que quando dei início ao
trabalho participativo com o professor ele já havia iniciado um planejamento e, por
isso, nem todas as escolhas e ações foram conjuntas ou advindas de nosso diálogo.
Além disso, o professor tinha em mente um planejamento curricular (o “currículo
oficial”) de que ele buscou partir e desprender-se, em dado momento, em favor de
um olhar localizado em detrimento ao institucionalizado - ações favoráveis à
constituição de uma Pedagogia do Possível como proposta por Helót e Laoire
(2011).
Como explicitam esses autores, criar currículos internos, a partir do olhar
contextual e localizado, requer não somente a atuação agente (e autoral) desse
professor, mas também, dispor-se a embater as tensões estabelecidas entre as
182
forças políticas externas e internas a esse contexto, que sempre existiram porque,
por mais que deseje desenvolver um currículo localizado, o professor continuará, no
ambiente escolar, sujeito aos currículos e planejamentos institucionalizados que,
conquanto generalizantes, movem o sistema educacional por toda a parte (HELÓT;
LAOIRE, 2011).
Noto que o professor hesita “du- du::: du"... Prolonga o som da palavra
que antecipa a voz de autoridade que, à maneira autoritária, impondo o não -
apagamento de sua voz autoral avisa: o bimestre está sendo encerrado, chegarão
as reuniões de ATPC; as reuniões de fechamento com a coordenação e a direção. A
voz de autoridade e autoritária é retomada (e reaparece o “currículo oficial”): “o que
que a gente vai conseguir dentro do currículo oficial”. Seguida por um resumo
do que foi feito até o momento, apreciado pelo enunciador como sendo “bastante” :
P o que que a gente vai trazê, porque até agora, assim... em
primeiro momento, foi um po- um po- um momento de
nivelamento, né?
Note, caro(a) leitor(a) que, nesse instante, daquela interação, fiz o que
qualquer interlocutor minimamente preparado faria: evadi, mudei (experientemente)
o tópico da discussão. Lancei mão de uma exclamativa (“Bacana!”) muito
expressiva, (desde que se tenha mais de trinta e poucos anos e se conheça essa
gíria...) e retomei o turno, mudando o objeto do discurso: “Então, professor se (...)”.
Mais adiante, naquele encontro, planejamos que a próxima atividade com
os alunos a ser realizada no laboratório de informática envolveria a criação de um
Padlet por grupo, que funcionaria a guisa de um mural em que os alunos postariam
as suas atividades do semestre, à medida do possível, a iniciar pela apresentação
feita para a tarefa “My favourite music”. Como já sinalizado em interações
anteriormente analisadas, o professor já havia manifestado interesse em reapropriar
o Padlet em suas aulas.
Devo adiantar que, se fui afetada pelo exercício exotópico que
representou colocar-me em diálogo com esse professor nessa interação de 23 de
setembro, eu não fui a única, posto que seja esse o efeito do dialogismo: caminha-
se numa via de mão-dupla, em que há o ir, o vir e devir.
Os dois próximos excertos que analisarei, decorrentes de postagens do
professor no Padlet, não somente narram os encaminhamentos dados ao semestre,
como também apontam para os processos em que o diálogo, as relações afetadas
184
44
Como não tive acesso às reuniões de ATPC e nem às referências bibliográficas norteadoras daquele trabalho
na escola, não posso expandir aqui a questão desse ponto de vista. No entanto, posso informar que a
coordenadora me disse estar trabalhando com o livro “Multiletramentos da Escola”, organizado por Roxane
Rojo e Eduardo Moura (2012) e eu mesma lhe presenteei com uma cópia, para uso na escola, de um exemplar
do livro Escola Conectada, os Multiletramentos e as TICs (2013), também organizado por Rojo, em que tenho
dois textos publicados.
188
Marley (que o professor chamou de Dilan) revertendo (ou seria (re)velando) seu
próprio lamento: “não se preocupe, seja feliz”.
Conquanto quixotesca, permeada por dificuldades de diversas ordens, a
disposição desse professor em manter a relação tecnologias-educação em suas
aulas de inglês não esmoreceu. Não sei se consigo pensar nessa atitude como um
ato de resistência ou de resiliência. Talvez um pouco de ambos. Também eu sou
uma otimista, com tendências a Poliana. Para o contexto, percebo que a insistência
do professor possibilitou muito mais aspectos positivos do que o inverso,
arrebanhando espaços e oportunidades para além dos conteúdos com foco em um
sistema linguístico.
Mas no tocante às dificuldades financeiras e ao papel-professor, recorro a
Charlot (2013) que afirma que a chamada pedagogia nova, permeada pelo
neoliberalismo, colocada em oposição à tradicional, cria a ilusão que a organização
escolar prepararia o estudante “para lutar contra a injustiça social e para transformar
a sociedade” (2013, p.270). Tratando essa ideologia por “ilusão pedagógica”, Charlot
informa que
é somente se considerarmos a sociedade como uma reunião
de indivíduos, abstraindo as estruturas sociais e as lutas que
elas engendram, e se pensarmos que a sociedade vale o que
valem individualmente seus membros, que o grupo-classe pode
aparecer como uma prefiguração e uma preparação da
sociedade ideal (CHARLOT, 2013, 270-271).
com apoio nos recursos e meios digitais (mais uma instância do papel das
tecnologias, intrinsecamente ligada aos abismos registrados e às pontes construídas
nesse percurso).
O próximo relato que trago à luz de análise foi postado pelo professor em
03 de novembro no Padlet e diz respeito a uma aula dada em 28 de outubro, data
em que o estagiário do laboratório de informática não compareceu, o que levou o
professor a pedir que os alunos que tivessem dispositivos móveis fotografassem um
texto que ele havia selecionado para leitura e discussão em aula.
Nesse relato, referindo-se à continuidade do trabalho com a pirâmide
alimentar, o professor escreveu:
a tecnologia possibilita trabalhar com conteúdo mais
aprofundado (ênfase adicionada).
Reforçando essa mesma ideia, há também o próximo excerto, recorte de
uma interação oral entre o professor e mim, no dia 04 de novembro. Fala o
professor à maneira internamente persuasiva:
P Porque e- é aquela coisa assim, é: (...) Então::: a
tecnologia, ela é uma ferramenta, né, porque::: a todo
momento, você tem::: que tá trabalhando coisas muito
dinâmicas, né? E-e:: e, assim, como a gente já tem uma
trajetória, já tem um conhecimento, já tem uma formação, né?
A::: a tecnologia, ela abre caminhos, né? Então, você vê é:::
pelas produções textuais dos a- dos alunos aquele que:: faz
uma investigação mais aprofundada, [né?
Esse enunciado, mais uma vez, reforça a apropriação, à maneira
internamente persuasiva, de discursos que associam as tecnologias a
melhoramentos na educação. A marca expressiva, notada novamente na escolha do
advérbio (“mais”) para o adjetivo que dá o tom valorativo (“aprofundado”), materializa
esse discurso. O que não se esclarece, porém, é que sentidos esse professor
constrói para o adjetivo “aprofundado”, embora seja possível subentender-se que à
“tecnologia” é atribuído um valor a partir da comparação estabelecida com o material
didático impresso (que, neste contexto, não estava sempre disponível em
quantidade suficiente para atender a todos os alunos).
No entanto, assim como aponta Selwyn (2014) penso que seja importante
assumir uma posição de desconfiança em relação ao impacto que esses discursos
exercem sobre as tecnologias educacionais, a fim de evitar outorgar a essas
tecnologias um papel, lugar/espaço de maior dimensão do que talvez possam
194
ocupar nos processos educativos. Como aponta Selwyn (2014, p.25) a ideologia
libertária associada ao poder da tecnologia (e ao poder do indivíduo), que precedem
o advento das tecnologias digitais que já são orientadas pelo neoliberalismo, foram
bases da modernidade para que essas tecnologias sejam vistas como “a criação de
novas formas de ação e organização que não requerem a apropriação de espaços
ou estruturas tradicionais”. Uma pesquisa em uma enciclopédia impressa, nos anos
70 ou 80, poderia, também, ser aprofundada, conquanto contasse com outros
recursos tecnológicos e as limitações dos materiais impressos e lugares físicos ?
A noção de aprofundamento pode remeter, também, ao fato de que para
esse professor a internet tem sido posicionada em sua prática como um meio para
pesquisas, encontrar textos diversos acerca de um dado tema o que, para o
professor, pode estar associado a ir além de uma limitação dos materiais didáticos
impressos, que não permitem, por exemplo, a hipertextualidade.
Desse trecho, além da reafirmação de que “a tecnologia, ela é uma
ferramenta” ressalto a frase “a tecnologia, ela abre caminhos, né?(...) faz uma
investigação mais aprofundada” (ênfases adicionadas). A ideia de tecnologia
como instrumento remete-me aqui a uma visão iluminista, (ZATTI, 2007), de que
essa seja uma “ferramenta” que, a exemplo de um facão nas mãos de um
Bandeirante embrenhado pelas serras paulistas (metáfora ou símile que me assalta
visualmente), sirva para “abrir caminhos”, desvendar (neste caso), florestas de
conhecimentos.
Dessa ideia advém, também, então, o reforço mais uma vez à noção de
uma aprendizagem centrada no papel do aluno que, tomando a tecnologia por
instrumento, torna-se autônomo (materializado no discurso do professor por “faz
uma investigação mais aprofundada”). Retomo aqui a referência que já fiz
anteriormente ao olhar neoliberal que orienta este conceito de autonomia do aluno,
como apontado por Zatti (2007), em oposição a uma autonomia racional (como
propõe Biesta (2010) em consonância com um olhar para a educação crítica). A
tecnologia, vista como um signo ideologicamente orientado, como apontado por
Selwyn (2012; 2014), torna-se discurso fundador para a o professor que a toma
como conceito-chave para sua construção de pontes. Conquanto eu já tenha
apontado as possíveis positividades da interface estabelecida com as TDICs neste
contexto, penso que seja preciso manter o olhar da desconfiança diante de
discursos que se estabelecem como maximizadores / absolutos.
195
P [é:::
tem- tem- tem alguns alunos que, vamu dize assim, a
dificuldade de trabalhar com esse aluno, quando você precisa
de fazer aque- aquele atendim- aquele encaminhamen- aquele
atendimento individualizado, você começa a atividade, né? São
vinte e oito, vinte e cinco alunos por sa- você ta conseguindo
desenvolver com um aluno, de repente, o outro aluno tá na
frente do computador ocioso, (...)
(...) Então, assim, mas, eles, assim, amaram. É:: os
depoimento deles, assim.
45
É possível ler mais acerca dessa ação e dos protestos que gerou em todo o estado de São Paulo como reação
da sociedade em: http://educacaointegral.org.br/noticias/em-sao-paulo-ocupacoes-de-escolas-se-fortalecem-
apoio-da-comunidade/. Acesso em 20 JUL 2016 e
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447426542_534410.html. Acesso em 20 de JUL de 2016.
199
O próximo recorte dos dados que trago à luz desta análise é excerto da
última interação oral que estabelecemos o professor e eu, datada de 02 de
dezembro de 2015. Nessa interação, fazemos um balanço geral, discutindo nossas
idas e vindas durante as diferentes fases que caracterizaram a PAP, ao longo
daquele semestre letivo:
Eu Mas a- mas a- a- como o senhor tava falando, agora a
pouco, o senhor falou “Ah! Mas a coordenação me cobro se eu
tava seguindo o programa ou não.” Mas o senhor acho que
eles aceitaram o seu argumento, depois, no final? Entenderam
o programa que o senhor fez com Inglês e Português? Ou eles
ainda queriam que fosse algo mais tradicional, mais fechado?
P A expectativa do Estado foi assim, na última reunião que
eu- que eu coloquei, assim, acho que foi o nosso fechamento,
né? “Ah! Mas a professora XXX, ela trabalhou com jornal”, né?
Eu até dei uns ( ) dentro da linha. Eu disse, “olha, eu trabalhei
a pedagogia do possível. Eu trabalho com o ser humano.” E:::
eu- eu vo fala também o repertório. Quando eu trabalhei- eu
consigo produzi, né, pra minha prática pedagógica alunos que-
geralmente, assim, quando e- a escola trabalha muito no nível
da superficialidade, você vai produzi alunos medianos, né? (...)
Mas o- o Sistema, ele tem uma coisa assim, né? Você tem
que::: é::: tê uma sala de aula, que o aluno não tenha
indisciplina, tê uma sala de aula, é:::, acomodada, né? É:::
ajustada, né? E:: não consigo produzi a- aquele: aquele
profissional que faz a diferença, que é nossa base. A gente não
trabalha na- na- na quantidade. Mas trabalha na questão da
qualidade e isso, dentro do sistema é mal visto. (...)
Eu Ãh?
P Né? Eles ficaram, assim, naquela- aquela: aquela relação
de ciume, né? “Ah! Por que que vem, né? Por que que o
201
P Sim!
P Isso!
que haja aqui um bom exemplo das políticas abertas e também das implícitas, a que
se referem Hélot e Laoire (2011) e que norteiam os fazeres escolares.
Eu já havia tido um encontro com a coordenação no mês de novembro
em que ela pediu que eu relatasse o trabalho a partir de minha perspectiva, de
estrangeira, extraposta às configurações daquele contexto escolar. Durante essa
conversa, a coordenação manifestou ter gostado do trabalho que viu o professor
realizar com as apresentações que contaram com a mediação da lousa digital (aula
durante a qual a coordenação, inclusive, fotografou as atividades, para registro do
trabalho na escola).
No entanto, as vozes em diálogo, nessa minha interação com a
coordenação, eram muito diferentes das vozes em diálogo na interação dela com o
professor, posto que as relações sociais (e, portanto, de poder) entremeadas nesses
encontros eram divergentes. Ou seja, quando a coordenação falou comigo seu lugar
de fala era, de certa forma, diferente daquele que ocupou ao falar com o professor,
em reunião com a direção e/ou outros professores da escola. Na conversa comigo,
conquanto mantivesse sua posição de coordenadora (o papel que ocupa naquele
contexto), nossa interação, enquanto interlocutoras, não estava permeada pelas
relações de trabalho (verticalmente hierarquizadas) que constituíam sua relação com
o professor. Esse fato tem relevância para esta análise já que, conforme informa
Bakhtin a condição dialógico-discursiva em que os enunciados são construídos e
compartilhados está sempre ligada a uma dada situação e meio sociais e são esses
fatores que fundamentalmente “determinam completamente e, por assim dizer, a
partir de seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (2014, p. 117, itálico pelo
autor).
Por conseguinte, na interação oral que tive com o professor em 02 de
dezembro, em que nosso diálogo teve por objeto central do discurso nossa visão
acerca do trabalho realizado com a presença das tecnologias (aquelas já
mencionadas neste relato-análise) em suas aulas de inglês, especificamente,
entendi ser importante retomar como se estabeleceu, sob a perspectiva desse
professor, a relação da voz de autoridade (coordenação / direção) com seus/nossos
fazeres daquele semestre, ao que informa o professor:
P A expectativa do Estado foi assim, na última reunião que
eu- que eu coloquei, assim, acho que foi o nosso fechamento,
né? “Ah! Mas a professora XXX, ela trabalhou com jornal”, né?
Eu até dei uns ( ) dentro da linha. Eu disse, “olha, eu trabalhei
203
P Sim:!
Eu Porque eles também tão trabalhando com Inglês, tava
trabalhando com o Português. Eles tavam trabalhando com as
duas línguas em conjunto, como o senhor falo, né?
(...) Mas, talvez, não seja um ganho mensurável.
P Isso!
dessa voz, advinda desse lugar, racionalmente olha para a atividade com a música e
julga tratar-se de fazer “muito pouco”, porque enquanto tarefa proposta no âmbito de
uma educação cujos conteúdos, o aspecto da qualificação (Biesta, 2010) são o
objetivo principal; uma educação orientada para a mensuração (via avaliações
institucionais internas e externas ao ambiente escolar), uma tarefa voltada a
escolher, copiar, traduzir com um tradutor automático eletrônico e apresentar uma
canção parece, de fato, ser muito pouco...
A voz do professor vem prenha de palavras-próprias, apropriadas de
discursos que possibilitam ver na educação em língua estrangeira mais do que
somente a construção de conhecimentos de ordem linguístico-estruturais. Esse lugar
de que fala o professor permite-lhe pensar na sala de aula como um espaço para o
diálogo, o dialogismo (como proposto por Shields (2007)), a autonomia (ainda que
não aquela a que se refere Biesta (2010) ou Zatti (2007) orientada em direção à
criticidade), de modo que haja também, dentre os objetivos dessa educação, além
das questões pertinentes à qualificação, o trato das questões da socialização e da
subjetificação (BIESTA, 2010). Para esse professor, fez-se muito, “dentro do
possível”, já que
Esses alunos tiveram espaço para ouvir e ser ouvidos o que, para Bakhtin
([1979;1992;2003] 2011, p.394) é essencial para que aconteça o ato de tornar-se
(sujeito) em diálogo, na comunicação discursiva.
Finalmente, encerrando esse excerto da interação oral de 02 de
dezembro, eu digo ao professor que
Eu Ou seja, foi muito além de um ganho linguístico só, né?
P Sim:!
Esse educador que, pensando em uma formação que (de alguma forma)
se faça cidadã, à medida que se opõe a uma educação que se baseie na “aquela
coisa assim, é::: a lógica mercantilista na educação, não é?”.
Fica evidenciado, também, nesse sujeito-locutor um sentimento de
amargura, um desabafo/lamento evidenciado no adjetivo “execrado”, componente de
um educador que acredita que “fui execrado dentro duma escola como eu comecei a
questiona, não é” (note-se que aqui ele se refere a um acontecimento ocorrido no
passado, em outra escola em que trabalhou, mas que, evidentemente, deixou
marcas). Questionar, agir, ter autoria, desestabiliza sistemas, move cronotopos.
Um sujeito-educador que, mesmo sentindo-se vitimado por suas posturas
que, como ele mesmo informa, “vêm de u é uma perspectiva, assim, é::: de um:::
cunho político, assim, bem forte”, ainda sim, não parece querer abrir mão de sua
agência, ao afirmar que, “é um debate que eu:::... que eu, talvez, vou retoma no
futuro.”. Um educador que deseja evidenciar que “eles vai investi, práticamente, um
milhão de reais pra troca o piso, troca as portas, pinta as paredes e nem um centavo
em novas tecnologias. Nenhum ganho enorme pros aluno.” , mostrando que, para si,
um investimento em tecnologia traria melhorias outras nos processos educativos em
seu contexto – discurso de que se apropria com convicção exposta em suas
propostas de aula.
Assim, termino este capítulo com a voz desse professor, a ressoar vozes
outras em seu discurso, tais quais as dos demais professores e alunos que foram
profundamente afetados pelos acontecimentos que marcaram o final de 2015, nessa
escola (e que, infelizmente, como mostram os registros dos noticiários, também
aconteceu em outras). Como apontam Hélot e Laoire (2011) é preciso lembrar que a
escola é “um microcosmo” da sociedade, refletindo e reproduzindo (e, por que não,
instigando?) valores sociais:
(...)
Eu E vai sê uma das escolas que tá no remanejamento,
então, desse::
Eu Vão sê remanejados?
P Os alunos, é, do terceiro (3º) ano, lá, eles não, é:: é:, não
fizeram prova do SARESP. Eles só assinaram e não
completaram, né? Então, é: foi um ato de protesto dos alunos,
né?. (...)
214
local –, de fato pareceu contribuir não somente para atingir propósito de estudo
sistêmico (da língua inglesa) como também para despertar o interesse de seus
alunos na disciplina; sua maior participação nas atividades propostas e o trabalho
interativo com seus colegas a quem davam ou em quem buscavam apoio,
descentralizando, de alguma forma, o papel tradicional do professor, o que em si já
é, no mínimo, um ato de resistência ao modus operandi.
Quando amplio meu olhar, a exemplo de um zoom em uma câmera,
minha perspectiva em relação a essa experiência com essa tecnologia também se
expande: retomo a condição de um professor trabalhando em escola pública, com
menos computadores do que alunos; com limitadoras disputas internas por espaços
(físicos e metafóricos) de trabalho; com imposições curriculares e políticas
institucionalizadas (internas e externas), enfim, chego à conclusão que o trabalho
proposto foi realmente bastante.
Penso que a ação em favor da presença dessas tecnologias que fizeram
parte de seus fazeres em aula tenha sido um exercício de resistência desse
professor, do qual partilho com profundo interesse, manifestado ao propor um ensino
de língua plural, em que há uma agenda local que se esforça para se estabelecer,
mas nunca sem o embate e as tensões derivadas do enfrentamento diante da
agenda global.
Mas eu só consigo enxergar isso, hoje, porque pesquisei com o olhar
orientado pela exotopia, porque me embrenhei no dialogismo, porque me propus a
dialogar, acima de tudo, com minhas próprias (in)certezas diante de processos
educacionais e permitir-me questionar paradigmas que me orientavam. Porque,
assim como o fez o professor ao me acatar em seu contexto, eu também propus me
expor em praça pública, neste texto, nesta investigação, continuando o diálogo
estabelecido entre ele e mim.
A exotopia e o dialogismo auxiliaram-me a visibilizar nesta tese que, se
ainda há muito que fazer para e na escola pública, como muito se fala em sociedade
(normalmente de modo generalizado e generalizante), há também muito sendo feito,
ainda que, sem olhar por essas lentes, possa parecer, para alguns, que o que se faz
é pouco. No entanto, não penso que as ações e suas implicações, decorrentes de
apropriações discursivas, aqui descritas e analisadas, sejam elemento formulaico.
Não as apresento à maneira prescritiva. Mas creio firmemente que podem servir
como provocações.
222
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ANEXOS
Fonte: KINDON, S.; PAIN, R.; KESBY, M. Participatory Action Research Approaches
and Methods. Connecting people, participation and place. London/ New York: Routledge,
2007, p. 12.
235
Você está sendo convidada a participar como voluntária de um estudo. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos e deveres como
participante e é elaborado em duas vias: uma que deverá ficar com você e outra com a pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se
houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora.
Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir
participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá
nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
Justificativa e objetivos:
Conquanto iminente, a inserção das novas tecnologias no ensino/aprendizagem de línguas
na escola regular ainda pede estudo e pesquisa. Entende-se que seja de importância, para os estudos da
linguagem e seu papel na educação, problematizar os efeitos de sentido produzidos pelos discursos
que circulam em nossa sociedade, em especial, na esfera escolar, reafirmando a relevância do uso das
Tecnologias da Informação e Comunicação Digitais (TICDs) nas práticas didáticas. Dessa forma,
percebe-se que a investigação proposta neste projeto justifica-se por sua atualidade e relevância no
âmbito educacional, especialmente mediante os investimentos financeiros que têm sido feitos por
instâncias governamentais a fim de garantir a presença de tais tecnologias.
O objetivo geral do estudo é investigar em que medida a apropriação das tecnologias
digitais (tais como: telefonia móvel; aplicativos, sites e/ou gêneros digitais disponíveis na rede
mundial de computadores – a WEB; livro didático digital e outras afins) pode (ou não) contribuir para
as práticas de uma professora de inglês em serviço, que atua na Educação Básica pública e quais as
implicações de tal apropriação no fazer cotidiano e na formação dessa professora. Os objetivos
secundários são:
a) Identificar necessidades pertinentes ao contexto de ensino; planejar ações; observar
essas ações em prática e discutir com a participante o que caracteriza a apropriação das TICDs em suas
práticas pedagógicas e quais as implicações de tal processo em seus fazeres diários; b) analisar, a
partir dos discursos por participante e pesquisadora, em que medida essa apropriação tecnológica
contribui (ou não) para as práticas didáticas da docente em seu contexto e; c) refletir acerca das
implicações da apropriação tecnológica, apontando possíveis perspectivas para futuras ações de
formadores de professores pré e em serviço.
Procedimentos:
Participando do estudo você está sendo convidada a fazer parte, ao longo de um semestre
letivo - através de reuniões presenciais e/ou em ambiente virtual fechado e secreto, com duração de até
duas horas uma vez por semana ou quinzenalmente - de uma Pesquisação (aquela em que há
participação e colaboração ativas da pesquisadora). Durante o estudo serão realizadas discussões
presenciais registradas em áudio e/ou discussões à distância, registradas em um grupo fechado e
secreto na rede social Facebook. Essas discussões estabelecerão o diálogo e a troca de experiências
entre você e a pesquisadora, com vistas a: levantar necessidades específicas do seu contexto de
atuação profissional, diante dos objetivos propostos; planejar ações e discutir as ações implantadas.
Você é também convidada a autorizar a pesquisadora a realizar eventuais observações de suas aulas,
que serão gravadas em áudio e também durante as quais a pesquisadora fará registros escritos da
observação, para posterior discussão conjunta.
237
Desconfortos e riscos:
Há ciência de que não existe pesquisa sem riscos. No entanto, adotando postura de
respeito a você participante desta pesquisa, em sua dignidade e autonomia e em reconhecimento de sua
vulnerabilidade,
Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:______________
Página 01 de 02.
238
está assegurada a sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por meio
de manifestação expressa, livre e esclarecida de modo que, em conformidade com a eticidade da
pesquisa, eventuais riscos ou desconfortos para a sua saúde física e mental será evitados, garantindo a
integridade da sua pessoa enquanto ser humano – permanecendo assim, o sentido de destinação sócio-
humanitária desta pesquisa e sua relevância social.
Benefícios:
O estudo beneficia a sociedade da seguinte maneira: além de fomentar discussões acerca
da relação entre as TICDs e as práticas para o ensino de inglês na escola regular, este estudo poderá
propiciar oportunidades para construção de sentidos e conhecimentos à participante e ainda estimular
futuras propostas e ações em torno da formação de professores de inglês pré e em serviço.
Acompanhamento e assistência:
O acompanhamento e assistência ofertados a você, participante do estudo, acontecerão de
forma processual na medida em que as etapas da Pesquisação forem acontecendo, ao longo dos
semestres letivos (de Fevereiro a Dezembro de 2015). Qualquer dúvida e/ou sugestão poderá acontecer
nesses momentos e também através dos contatos fornecidos pela pesquisadora.
Sigilo e privacidade:
Você terá, ao assinar este termo, a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e
nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na
divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado bem como nenhuma de suas
informações que possam identificar-lhe.
Ressarcimento:
Não há previsão de ressarcimento ou ônus financeiro, pois o estudo desde a sua
concepção não gerará gastos aos participantes envolvidos.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com Eliane Fernandes
Azzari pelo endereço Rua Sérgio Buarque de Holanda, 571, cep 13083859, Campinas, estado de São
Paulo, Brasil, telefone: 019 99609 3466 ou através do e-mail: elianeazzari@gmail.com.
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação no estudo, você pode entrar
em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): Rua: Tessália Vieira de Camargo,
126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-7187; e-mail:
cep@fcm.unicamp.br
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter sido esclarecida sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos,
benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:
Nome da participante:
______________________________________________________________________
Autorizo a gravação em áudio: ( )Sim ( )Não
________________________________________________________ Data:
____/_____/_____.
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do responsável)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares
na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao participante. Informo que
o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado. Comprometo-me a utilizar o
material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste
documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.
______________________________________________________ Data:
____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
Página 02 de 02.
239
Fonte: GARCEZ, P. M.; LODER, L. L. Reparo iniciado e levado a cabo pelo outro na conversa
cotidiana em português do Brasil. In: DELTA, vol.21, no.2. São Paulo: PUC-SP, jul/dez. 2005.