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Um dia todos irão para algum lugar.

Mas... para onde?

A primeira pesquisa
de experiência
de quase morte
baseada em
testemunhos de
inúmeras pessoas.

Nas bancas
e livrarias!

Ou acesse www.escala.com.br
/escalaoficial

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editorial
Gláucia Viola, editora

Internação compulsória:
entre a ética e a emergência
O
combate à dependência química é uma constante em nosso planeta e sempre que acontecem ações pú-
blicas no Brasil que permeiam esse problema, reacende-se uma discussão antiga, que na verdade nunca
FOISILENCIADA/FATODOMOMENTOOCORREUNACONHECIDAh#RACOLÊNDIAv EM3ÎO0AULO MASREmETEUMA
SITUA¥ÎOPRESENTEEMTODOOPAÓS QUELEVANTAQUESTÜESASQUAISASOCIEDADECOBRARESPOSTASDElNITIVAS
O que deve ser feito com as inúmeras cracolândias espalhadas em todo território nacional? Como devem ser tra-
tados os dependentes químicos? A escolha governamental paulista incluiu,
entre outras medidas, o pedido de autorização judicial para a realização
das controversas internações compulsórias, que são formas legais para se
internar uma pessoa mesmo contra sua vontade ou sob os seus protestos.
A Justiça do Estado de São Paulo chegou a autorizar o pedido do governo
no dia 26 de maio último, revogando-o dois dias mais tarde. Em seguida, a
equipe da prefeitura anunciou que contrataria serviço de ambulâncias, que
lCARIARESPONSÉVELPELOTRANSPORTEDEDEPENDENTESQUÓMICOSPARAOSLOCAIS 
nos quais seriam examinados por uma equipe multidisciplinar. Esse gru-
po, então, avaliaria a necessidade ou não da internação compulsória. Os

TÂNIA RÊGO/ AGÊNCIA BRASIL


PORTA VOZESDOGOVERNOSEMPREPROCURARAMAlRMARQUETALPROCEDIMENTO
seria aplicado, apenas, nos casos excepcionais, ou seja, não seriam regra, e
para isso contariam com equipes multidisciplinares capazes de avaliar os
quadros clínicos, com médicos, assistentes sociais, advogados, psicólogos,
agentes de saúde e de segurança.
!CONTECEQUEASITUA¥ÎO DEFATO ÏPOLÐMICAEAOTRATARDESSATRISTEEDIFÓCILREALIDADEÏNECESSÉRIOEVITARQUESE
CAIAEMARMADILHASFÉCEISDERACIOCÓNIOSSIMPLISTAS ÌSVEZESATÏRASTEIROS EANÉLISESCARREGADASDEPAIXÎO QUE SEM
dúvida, prejudicam a avaliação mais efetiva. O quadro é complexo e se torna ainda mais complicado na medida em
QUESEOBSERVAOCLAMORPÞBLICOPORA¥ÜESRÉPIDASEDElNITIVAS ALIMENTADASPELAILUSÎODAERRADICA¥ÎODEUMDOS
piores malefícios da sociedade moderna.
A ética provoca uma imediata rejeição à adoção de categorias que falem em nome das pessoas. Dessa forma, se
NÎOlCAREMBEMCLARASASCONSEQUÐNCIASDOREDUCIONISMO CARREGADASDEVALORESSOCIAIS IDEOLØGICOSECULTURAIS 
CORRE SEORISCODEESCOLHERUMCAMINHOMARCADOPORUMAPERIGOSAAMBIVALÐNCIAAlRMAM SEE AOMESMOTEM-
po, negam-se a preocupação e o valor dos sujeitos. Na verdade, é fundamental que a sociedade discuta o tema. No
ENTANTO DEVE SETERSEMPREEMMENTEQUEASINTERNA¥ÜESPODEMSERNECESSÉRIASEJUSTIlCADAS SEINDIVIDUALMENTE
e profundamente analisadas. Pessoas que usam drogas cronicamente vivem em permanente estado de emergência,
que, em tese, autoriza, de certa forma, medidas também emergenciais. Nesse momento surge outra armadilha, que
ÏACOMBINA¥ÎODEEMERGÐNCIAS NASQUAISASA¥ÜESPARAALIVIARMAL ESTARESATRAPALHAMUMAREmEXÎOMAISAPURADA
e efetiva a respeito do problema. A seção Dossiê desse número da Psique Ciência&Vida apresenta um amplo ma-
terial a respeito do assunto com o objetivo de elucidar a questão pelo olhar da Psicologia Social.

"OALEITURAEBOAREmEXÎO

'LÉUCIA6IOLA Se a ética não governar a razão,


www.facebook.com/PortalEspacodoSaber a razão desprezará a ética...
José Saramago

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sumário

CAPA
Internação compulsória
e involuntária
35
Ações de combate à
dependência química reabrem
antigas discussões sobre como
UT TERSTOCK

tratar essa situação complexa


SH
IMAGEM DA CAPA:

18:44:23
28/08/2017

MATÉRIAS
Pequenos imperadores
domésticos 22
A falta de limites na educação das
CRIAN¥ASGERAMDIlCULDADEEMASSIMILAR
as regras sociais inerentes à convivência
08
Angústia na pós-modernidade
ENTREVISTA !SOCIEDADEMUDOUSEUPERlL
Tomás Bonomi e Bruno Espósito e a Psicanálise busca alternativas
falam da atuação em casos graves
que necessitam de uma elasticidade
28 para aliviar as dores e angústias
nesse novo cenário
das linhas teóricas
A óptica sobre o feminino
A articulação da problemática
das representações sociais
SEÇÕES acerca do que é ser mulher
06 EM CAMPO
58
16 IN FOCO
18 PSICOPOSITIVA
Discalculia e Acalculia
20 PSICOPEDAGOGIA
32 COACHING
70 Os discalcúlicos tem problemas
34 LIVROS com o conhecimento matemático.
50 CIBERPSICOLOGIA Já os acalcúlicos perdem
52 NEUROCIÊNCIA habilidades já consolidadas
54 RECURSOS HUMANOS
56 PERFIL Criação em conjunto
64 DIVÃ LITERÁRIO
66 CINEMA
O ser humano tem grande 76
habilidade cerebral para
80 EM CONTATO
criar sozinho e encontra ainda
82 PSIQUIATRIA FORENSE
mais para criar em parceria

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giro escala
NOVO INDIVÍDUO
REVISTA FILOSOFIA - EDIÇÃO 129

Em mais um importante artigo publi- rizadas pela linguagem. É por meio da


cado na edição 129 da revista &ILOSOlA, linguagem verbal que as pessoas trocam
os professores Marcelo Cesar Cavalcante, informações, compartilham crenças,
mestre em Letras Vernáculas, e Rita de opiniões, conhecimentos, constroem
Cássia Silva Soares, doutora em Lin- sua identidade e também (re)conhecem
guística, escrevem sobre os processos a identidade do outro. A linguagem é o
de argumentação e construção de cada primeiro elemento de mudança que deve
cidadão. Para os acadêmicos, neste ce- SECONlGURARÌNOVAREALIDADEEAONOVO
nário de total mudança e transformação PERlLDEUMSUJEITODEDIREITOSEDEVERES 
socioeconômica mundial, em que os teó- responsável e cidadão ético. Essa nova
ricos da sociedade denominam a Era da CONlGURA¥ÎO DA EDUCA¥ÎO EXIGE NÎO SØ
Insegurança e da Incerteza, os elementos a formação de conhecimento e infor-
para a formação de um novo indivíduo, mação, mas também é mister o desen-
por meio da educação, vão ao encontro volvimento de processos formativos que
do preceito fundamental da Declaração levem à mudança de comportamentos,
dos Direitos Humanos que é o respeito à atitudes, mentalidade e valores dos dife-
dignidade da pessoa humana. RENTESSUJEITOSINCLUÓDOSNOPROCESSOEDU
“As relações interpessoais são rea- cativo”, descrevem no artigo idealizado
lizadas por trocas simbólicas caracte- especialmente para a capa desta edição.

Em sala de aula: Discutir sobre uma escola sem partido pode?


DA ESPANHA PARA OS
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MOVIMENTOS SOCIAIS
REVISTA SOCIOLOGIA - EDIÇÃO 71

Convivendo com a Para a maioria dos brasileiros, o Esther rumou aos 19 anos para Madri.
Nova ordem

INCERTEZA NOME 'UADALAJARA REMETE Ì CIDADE .ACAPITAL INICIOUUMAASCENDENTETRAJE


urbana
A problemática
das migrações
na História
e na atualidade
COMO AS CIÊNCIAS
MEXICANA SEDEDECINCODOSSEISJOGOS tória acadêmica na Universidad Complu-
Tão irreal e
SOCIAIS LIDAM COM
verdadeiro
Os caminhos com A IMPERMANÊNCIA da épica campanha do tricampeonato tense, tornando-se graduada, mestra e
que a narrativa
DAS COISAS E SEUS
fantástica permeia
e constrói a
realidade
DESDOBRAMENTOS mundial, quando Pelé, Rivellino, Tostão, doutora em Ciências Sociais. A pesquisa-
EM NOSSO DIA A DIA
As mudanças
do PSB
Gerson, Jairzinho e outros craques bri- dora parecia ter o destino traçado: embar-
Da esquerda
democrática ao
centro pragmático lharam no gramado do estádio Jalisco. car rumo ao nosso país. Aqui ela faria a
Desenvolver
e planejar
a economia
Entretanto, na Espanha, localizado na sua história – e também a História, sendo
no Brasil
As tentativas
de Lula e
Dilma sob um
Província de Castilla-La Mancha, pesquisadora e participante ativa dos mo-
olhar teórico

O que é
EXISTE UM PEQUENO E ANTIGO MUNI vimentos que abalam o Brasil desde 2013.
propriamente
religioso?
Artigo debate cípio homônimo, fundado pelos árabes Lecionou na Universidade Federal de
necessidade de
novas definições
conceituais
ESTHER SOLANO FALA SOBRE A DINÂMICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
por volta dos Uberlândia (UFU) e atualmente é profes-
séculos VIII e IX. Provinciana e reli- sora de Relações Internacionais da Uni-
giosa, é terra natal de pintores, escritores versidade Federal de São Paulo (Unifesp).
E DA LÓDER SOCIALISTA 0URIlCACIØN #AUSA Coautora de um livro sobre o movimento
pié. É também nesse lugar que nasceu Black Bloc, Esther não foge à luta. Colo-
uma das principais intelectuais do mo- ca suas ideias sem rodeios ou teorizações
mento – a socióloga e professora Esther inócuas. “Temer no Planalto, Gilmar no
3OLANO 'ALLEGO $E ESTILO lRME NAS AR STF, Joesley em Nova York.
gumentações e gentil na fala, Esther é in- Rafael Braga na cadeia”, escreveu
mUENCIADORANOUNIVERSODACIBERPOLÓTICA certa vez no Facebook. Entrevista com-
e também dos movimentos sociais. pleta na edição 71 da revista 3OCIOLOGIA.
www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5

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em campo por Jussara Goyano

LINGUAGEM
E PERFORMANCE
LÍNGUA ESTRANGEIRA INFLUENCIA
TOMADA DE DECISÕES. MAS DE QUE FORMA?

Um estudo da Universidade de Chicago com a participação de cientistas de


DIFERENTESNACIONALIDADESFOIALÏMDASPESQUISASANTERIORESQUEVERIlCARAMCOMO
OUSODEUMASEGUNDALÓNGUAAFETAANOSSACOGNI¥ÎO1UEISSOINmUENCIAANOSSA
tomada de decisões eles já sabiam. A atenção dos pesquisadores voltou-se, então,
ao nosso desempenho emocional sob processamento do idioma estrangeiro em
um momento de escolha.
No experimento realizado, voluntários deveriam decidir se hipoteticamente ma-
tariam um indivíduo empurrando-o em frente de um trem para salvar outros cinco
sujeitos, enquanto se comunicavam em sua língua nativa ou em um segundo idioma
NOQUALFOSSEMmUENTES!QUELESQUESECOMUNICAVAMEMLÓNGUAESTRANGEIRASEMOS INTELIGÊNCIA MÚLTIPLA
TRARAMMUITOMAISDISPOSTOSASACRIlCARAPENASUMDOQUEAQUELESQUEUSARAMSEU As habilidades cognitivas são positiva-
idioma nativo. Mais importante: eles não hesitaram em decidir por aquela morte. mente relacionadas, o que permite aos
A conclusão inicial foi a de que, frente a dilemas cruciais como esse, o uso da pesquisadores resumir as habilidades
língua estrangeira favoreceria uma decisão mais utilitária. Como essa decisão se liga das pessoas em uma ampla gama de do-
ANOSSASEMO¥ÜESEACABABENElCIANDOUMMAIORNÞMERODEPESSOASEMPROLDA mínios como um fator, conhecido como
vida foi a grande questão a se investigar. “g” ou “inteligência geral”. Em um novo
Na visão dos pesquisadores, porém, o que parecia ser uma escolha centrada estudo, cientistas comparam diferen-
meramente na lógica do bem comum poderia também ser o uso da língua afetando tes explicações propostas para o fator
nossa capacidade de prever cenários de forma mais emocional, ou nossa deliberação “g” e, após testes com 785 adolescen-
baseada em tabus de nossa própria cultura, espécie de memória afetiva de certa for- tes, propõem que este ocorre de acordo
ma ligada a nossa língua nativa. com o desenvolvimento dos indivíduos,
Os cientistas testaram, então, outras hipóteses para saber se a decisão toma- em um processo chamado de mutualis-
da envolvia mesmo tal lógica ou outros pontos críticos. Voluntários bilíngues, mo, no qual as habilidades cognitivas se
escolhidos de maneira a criar a mesma combinação de idiomas frente às várias ajudam ao longo do amadurecimento.
situações apresentadas, continuavam sempre tomando a decisão mais utilitária. Melhores habilidades de raciocínio, por
Mas suas motivações não eram exatamente o bem geral, mostrando que uma exemplo, permitem que os indivíduos
maior propensão à quebra de tabus culturais (no caso, matar ou ferir alguém) era melhorem seu vocabulário com mais
o que estava em jogo. rapidez – e melhores vocabulários es-
Os voluntários eram favorecidos tão associados a uma melhoria na capa-
pelo uso de uma língua que os distan- cidade de raciocínio. O achado favore-
ciasse de suas raízes e dos valores cul- cerá novas pesquisas de novos metódos
turais ligados a esse tipo de situação, educacionais e a lida com diversos dis-
oferecendo o gatilho lógico e emocional túrbios que possam afetar a “inteligên-
que ocasionaria a decisão mais utilitária. cia geral”.
Resta saber, agora, se tal esquema pre-
valece também em cenários reais. PARA SABER MAIS
Rogier A. Kievit, Ulman Lindenberger,
PARA SABER MAIS Ian M. Goodyer, Peter B. Jones, Peter
Sayuri Hayakawa, David Tannen- Fonagy, Edward T. Bullmore, Raymond
baum, Albert Costa, Joanna D. Corey, J. Dolan. Mutualistic coupling between
Boaz Keysar. Thinking more or feeling vocabulary and reasoning supports cog-
less? Explaining the foreign-language nitive development during late adoles-
IMAGENS: 123RF

effect on moral judgment. Psychological cence and early adulthood. Psychological


Science, 2017. Science, 2017; 095679761771078.

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DIFERENÇAS
ENTRE GÊNEROS
MULHERES TÊM CÉREBROS MAIS
ATIVOS QUE OS DOS HOMENS
-AIS DE  MIL EXAMES DE INEUROIMAGENS lZERAM
parte de estudo publicado recentemente no Journal of
Alzheimer’s Disease, mostrando que os cérebros das mu-
LHERES SÎO SIGNIlCATIVAMENTE MAIS ATIVOS EM MUITAS
áreas do que os dos homens, especialmente no córtex
pré-frontal, envolvido com foco e controle de impulsos, DIETA CONTRA O
e na região límbica, ligada ao humor e à ansiedade. Os
centros visuais e de coordenação do cérebro, no entanto,
são mais ativos nos homens.
ENVELHECIMENTO
As imagens eram tanto de pacientes saudáveis como
INGERIR POUCAS CALORIAS
daqueles com trauma cerebral, distúrbios bipolares, do GARANTE A MANUTENÇÃO
humor, esquizofrenia / distúrbios psicóticos e transtorno DO RITMO CIRCADIANO E RETARDA
DEDÏlCITDEATEN¥ÎOEHIPERATIVIDADE4$!( 5MTOTAL
O ENVELHECIMENTO EM RATOS
de 128 regiões do cérebro foram analisadas sob a realiza-
ção de tarefas que exigiam concentração. Comer menos e mais adequadamente parece ser receita de
Compreender diferenças entre as atividades cerebrais longevidade e juventude segundo pesquisa realizada com ratos
de homens e mulheres lança luz a distúrbios que afetam e publicada recentemente na revista Cell. No estudo, conduzido
os homens e as mulhe- por pesquisadores do Centro de Epigenética e Metabolismo da
res de forma diferente. 5NIVERSIDADEDA#ALIFØRNIA OMECANISMOQUEINmUENCIAORITMO
As mulheres têm taxas circadiano – ou o relógio biológico do corpo – é esmiuçado. É
SIGNIlCATIVAMENTE MAIS afetado pelo metabolismo da energia dentro das células, que, por
altas de Alzheimer, de- sua vez, é afetado pelo o envelhecimento dos animais e pela dieta
pressão, e distúrbios de a que são submetidos.
ansiedade, enquanto A equipe envolvida testou um mesmo grupo de camundon-
os homens têm mais gos aos 6 meses e aos 18 meses, extraindo amostras de tecido
TDAH e problemas re- de seu fígado, órgão que atua como a interface entre nutrição e
lacionados a conduta e distribuição de energia no organismo. As células mais antigas
encarceramento. PROCESSAVAMAENERGIADEFORMAINElCIENTEEORITMOCIRCADIANO
Segundo cientistas, do indivíduo era alterado.
OSACHADOSEMRELA¥ÎOAOAUMENTODOmUXOSANGUÓNEO No entanto, em um segundo grupo de ratos idosos que re-
do córtex pré-frontal nas mulheres podem explicar por ceberam uma dieta com 30% menos calorias por seis meses, o
que as mulheres tendem a apresentar maior empatia, in- processamento de energia nas células não foi alterado. Segundo
TUI¥ÎO COLABORA¥ÎOEAUTOCONTROLE/AUMENTODOmUXO os cientistas envolvidos, a situação pode ser extrapolada para o
sanguíneo nas áreas límbicas do cérebro das mulheres organismo humano e deve guiar estudos adicionais envolvendo
explicaria, em parte, por que elas são mais vulneráveis pessoas para corroborar tais achados em nível celular.
à ansiedade, depressão, insônia e distúrbios alimentares.
PARA SABER MAIS
PARA SABER MAIS Guiomar Solanas et al. Aged stem cells reprogram their daily
Daniel G. Amen, Manuel Trujillo, David Keator, De- rhythmic functions to adapt to stress. Cell, v. 170, n. 4, p. 678, 2017.
rek V. Taylor, Kristen Willeumier, Somayeh Meysami,
Cyrus A. Raji. Gender-based cerebral perfusion differen- Jussara Goyano é jornalista e coach certificada
ARQUIVO PESSOAL

ces in 46,034 functional neuroimaging scans. Journal of pelo Instituto de Psicologia Positiva (IPPC).
IMAGENS: 123RF

Atua com foco em performance e bem-estar.


Alzheimer’s Disease, n. 1, 2017
Estudou Medicina Comportamental na Unifesp.
E-mail: atendimento@jussaragoyano.com

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TOMÁS BONOMI E BRUNO ESPÓSITO

UMA NOVA
PROPOSTA
Tomás Bonomi e Bruno Espósito fazem parte de uma
geração de psicanalistas da era pós-escolástica, ou seja,
se dedicam a uma leitura rigorosa de Freud e de outros
psicanalistas sem se prender a uma única linha teórica
Por Lucas Vasques

T
rajetórias semelhantes unem Tomás Bo- Bonomi é psicanalista, psicólogo formado na
nomi e Bruno Espósito. Ambos, ao lado PUC-SP e acompanhante terapêutico. Mestre em
do colega Bruno Mangolini, comandam Psicologia Clínica (PUC-SP), com capacitação em
o conexoesclinicas.com.br. Logo na apresen- Psicoterapia no Instituto de Psiquiatria do Hospital
TA¥ÎODOBLOG ÏPOSSÓVELOBSERVARADElNI¥ÎODOTRA das Clínicas. Atende crianças, adolescentes e adultos
balho por eles desenvolvido e um pouco da visão que em consultório particular e faz parte da equipe de
têm sobre o universo da psique humana. acompanhamento terapêutico do Instituto A Casa.
“A clínica é como a subjetividade, não pode ser Atuou por seis meses na Clínica Le Courtil, na Bélgi-
apreendida isoladamente, ambas existem a partir ca, junto a adolescentes com psicopatologias graves.
de suas ligações, seus elos, nexos e sentidos. Além Espósito também é psicólogo formado na PUC-SP
disso, são feitas através de uma inclinação a algo, e especialista em Saúde Mental pelo Departamento de
de um debruçar-se interessado. Suas condições de Medicina Preventiva e Social da Unicamp. Atuou no
apreensão ocorrem essencialmente nas intersec- campo da saúde mental pública e privada, tratando de
ções com o campo familiar, político, social, eco- pacientes com transtorno mental grave e seus familia-
nômico e institucional. É entre essas forças que a res, por meio de diferentes estratégias de atendimento
clínica e a subjetividade se fazem, conectando os (psicoterapia individual, grupos terapêuticos, terapia
ELEMENTOSDISPERSOSECONlGURANDOUMAZONACO de família etc.). Psicanalista, formado pelo Institu-
MUMv#OMESSAlLOSOlADEATUA¥ÎO ELESCRIARAM to Sedes Sapientiae, atualmente atua em consultório
o blog, no intuito de estabelecer conexões com as particular, em especial com crianças, adolescentes e
ARQUIVO PESSOAL DO ENTREVISTADO E 123RF

pessoas que lidam com as variadas formas da sub- adultos, e como psicólogo no Centro de Referência da
jetividade humana. Infância e da Adolescência (Cria-Unifesp).

Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação.

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E N T R E V I S T A

Bonomi e Espósito atuam


como psicanalistas não só
no setting do consultório,
mas também em casos
graves que necessitam de
uma elasticidade da técnica
ARQUIVO PESSOAL DO ENTREVISTADO E 123RF

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EM UM DE SEUS ARTIGOS, VOCÊ DIZ QUE NA barbárie – pré-civilizatória. A partir dessa de maioria das pessoas) teria conhecimen-
PSICOLOGIA E NA PSICANÁLISE EXISTEM MUI- ontogenia da espécie humana, a Psicaná- to das leis e optaria ou não por obedecê-
TOS ESTUDOS QUE RELACIONAM AS CATEGO- lise irá se debruçar de diversas maneiras -las, sabendo dos riscos que corre e, muitas
RIAS PSICOPATOLÓGICAS COM A LEI, COMO sobre as relações das leis com a subjetivi- vezes, acompanhados do sentimento de
POR EXEMPLO A RELAÇÃO DA PERVERSÃO dade. Jacques Lacan foi um dos psicana- culpa. Dentro dessa estrutura haveria uma
COM A TRANSGRESSÃO, OS ATOS TRANSGRES- listas que produziram os trabalhos mais INlNIDADEDEDINÊMICASDERELA¥ÎOCOMA
SIVOS NA ADOLESCÊNCIA E A IMPUTABILIDA- expressivos sobre essa temática. Uma das lei, desde aqueles que, para se organizar
DE DOS ESQUIZOFRÊNICOS DIANTE DA LEI. maiores contribuições de Lacan refere-se mentalmente, necessitam ter uma vida
PODE DETALHAR MAIS ESSA RELAÇÃO? à formulação de categorias psicopatológi- inteira baseada no seguimento de toda e
BONOMI: Um dos pontos estruturantes da cas a partir do referencial das estruturas qualquer lei, passando pelas pessoas que,
teoria psicanalítica refere-se à concep- psíquicas divididas em neurótica, perversa PARASEAlRMAR PRECISAMIRCONTRAASLEIS 
¥ÎODOSUJEITOCOMOUMSEREMCONmITO e psicótica. Para Lacan, uma das formas ou até mesmo os indivíduos que tentam
Aliás, essa concepção de Freud rompeu encontradas para diferenciar as estruturas MODIlCARASLEISAOSEUFAVOR0ARA,ACAN 
radicalmente com o pensamento hege- psíquicas reside na relação que os sujeitos na estrutura perversa, a relação dos sujei-
MÙNICO DA ÏPOCA lM DO SÏCULO 8)8 E têm com a lei. O sujeito neurótico (a gran- tos com a lei residiria em uma dinâmica
COME¥ODO88 QUECONCEBIAOINDIVÓDUO regida pela ótica do gozo. Tais indivíduos
como fruto da razão na esteira da tradi-
ção iluminista. Mas do que se trata esse
As leis foram condição viveriam sobre a égide das leis, mas, con-
trariamente aos neuróticos, teriam prazer
CONmITO 0ARA &REUD  O SER HUMANO TERIA
em sua essência o imperativo de satisfazer
necessária para a e não medo ou culpa ao transgredi-las.
Aqui temos que tomar cuidado para não
todas as suas necessidades mais primi- existência da raça cairmos em formas simplistas, como dizer
tivas, seria, grosso modo, um modelo de que na estrutura perversa os indivíduos se-
satisfação análogo ao dos animais. Para HUMANA/CONmITO riam sujeitos sem caráter, “monstros sem
conseguir viver em sociedade, o ser hu-
mano teve que se organizar de maneira a
residiria entre a coração”. Há uma grande complexidade
nessa temática, e o que gostaria de dizer é
encontrar alguma forma de artifício que necessidade que temos de que a forma como são vivenciados prazer
mediasse as relações. As leis foram, por- e dor nesses indivíduos ainda levanta mui-
tanto, condição necessária para a existên- realizar nossos desejos e tos enigmas para diversas áreas do conhe-
cia da raça humana enquanto civilização cimento. Uma referência interessante para
e, como lei fundamental, Freud nomeia a as leis que nos impedem OLEITORQUESEINTERESSAPELOTEMAÏOlL
INTERDI¥ÎOAOINCESTO/CONmITOINERENTEÌ
espécie humana residiria entre a necessi-
disso, mas que, sem elas, me Ninfomaníaca, de Lars Von Trier (2013).
Por último, queria falar um pouco sobre a
dade que temos de realizar nossos desejos viveríamos em uma estrutura psicótica. Aqui também residem
e as leis que nos impedem disso, mas que, grandes polêmicas no que concerne às
sem elas, viveríamos em uma situação de situação de barbárie relações com a lei, justamente pelo fato
de que nesses casos uma concepção de
lei mais ampla que estamos utilizando se
confunde e se entranha com as leis jurí-
dicas stricto sensu. Nessa estrutura psíqui-
ca, quando alguém se encontra em um
episódio psicótico, isto é, com vivências
delirantes e alucinatórias, tal sujeito não
compartilha da mesma realidade que to-
dos. Sendo assim, nesses casos a discussão
sobre a noção de responsabilidade perante
as leis torna-se muito difícil e complexa.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

A primeira realização do bebê é a DO PONTO DE VISTA DA PSICANÁLISE, VOCÊ


formação de uma unidade narcísica, ACREDITA NA CHAMADA CONSTITUIÇÃO SUB-
o que faz com que ele consiga uma JETIVA DO BEBÊ, NA QUAL O PAI É RESPONSÁ-
primeira distinção entre eu e o outro
VEL POR UMA RUPTURA NA RELAÇÃO DUAL

10 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br

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MÃE-BEBÊ, O QUE REPRESENTARIA A ORIGEM Para a Psicanálise, de fatores até a concretização de um qua-
DO PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DAS LEIS? dro de dependência. Digo moralista, pois,
BONOMI: Para a Psicanálise, ao nascermos ao nascermos não QUANDOAlRMAMOSQUEUMJOGOPOSSALEVAR
não chegamos ao mundo com uma uni- a um caminho sem volta, estamos dando
dade do eu já constituída. Este seria um chegamos ao mundo toda a potência a um objeto e excluindo a
processo complexo que passaria por algu-
mas etapas. Em poucas palavras, diria que
com uma unidade parte do indivíduo na questão. E não faltam
DISCURSOS E NARRATIVAS AlRMANDO QUE SE
inicialmente há o momento em que o bebê do eu já constituída. um adolescente joga muito um simulador
não se percebe como um indivíduo, sendo de guerras ele será levado a comprar uma
assim sua mãe e/ou cuidador principal é Este seria um processo arma e sair atirando nas pessoas. Simples-
vivenciado como sua extensão. A primeira MENTE NÎO HÉ NENHUMA PESQUISA CIENTÓl-
realização do bebê seria o estabelecimento complexo que passaria ca que comprove isso. Contudo, sabemos
de uma unidade narcísica delimitada por
seu corpo, assim conseguiria haver uma
por algumas etapas. que um jovem que realmente joga diversas
horas todos os dias, associado a quadros
primeira distinção entre eu e o outro. Mes- Inicialmente o bebê não depressivos, em que suas relações inter-
mo essa distinção tendo sido realizada, o pessoais são muito frágeis e/ou violentas,
bebê vivencia o mundo não mais como sua se percebe como um de modo que os jogos são sua única fonte
extensão, mas ainda como se fosse o centro de prazer e de contato afetivo, tal situação
de tudo. Para o bebê, sua mãe existiria ex- indivíduo, sendo assim poderá gerar uma confusão entre o real e
clusivamente para a função de satisfazer os
seus desejos, obedecendo à fórmula choro
sua mãe é vivenciada o virtual. São situações raras, mas existem.
No entanto, ressalto mais uma vez que não
igual a leite. Nesse sentido é que o pai seria como sua extensão foram os jogos, por si só, que causaram tal
o responsável pela ruptura da relação dual cenário. Um fenômeno mais comum diz
MÎE BEBÐ .A VERDADE  PRElRO PENSAR EM ilusão. Daí ser uma característica própria respeito aos jovens que se refugiam de situ-
uma função paterna, ou seja, qualquer que desse conceito uma confusão entre real e ações que lhes causam ansiedade e medo,
seja a pessoa que intercede nessa relação imaginário. De acordo com Baudrillard, um jogando videogame ou navegando na inter-
dual e imprima ao bebê uma primeira mar- dos teóricos mais importantes sobre essa te- net. Ao jogar, encontramos uma segurança
ca de interdição: sua mãe não existe só para mática, a hiper-realidade diria respeito a um que não temos na realidade. Não é raro en-
você. Esse momento seria fundamental no mundo cópia, um mundo do pragmatismo contrar adolescentes que preferem estar em
desenvolvimento do psiquismo, quando o das coisas, um mundo sem ilusões. CASAJOGANDODOQUEENFRENTAROSDESAlOS
bebê passa a vivenciar limites/leis que lhe que as relações sociais lhes impõem.
foram impostos de fora e passa a ter que OS JOGOS ELETRÔNICOS, EM SEU ATUAL NÍ-
lidar com o fato de que ele não é tudo para VEL DE DESENVOLVIMENTO, EXTRAEM CADA EM CONTRAPARTIDA, OS JOGOS PODEM FUN-
o outro. Nesse sentido, uma primeira de VEZ MAIS SEUS CENÁRIOS E SITUAÇÕES DA CIONAR COMO ESPAÇOS OPORTUNOS PARA O
muitas experiências de castração. NOSSA PRÓPRIA VIDA COTIDIANA. MAS DE JOVEM “ENSAIAR” OS DESAFIOS QUE ENFREN-
FORMA MAXIMIZADA, TENTANDO TORNAR TARÁ AO LONGO DA VIDA, ESTIMULAR SUA
OUTRO TEMA ABORDADO COM PROFUNDI- ESSAS SITUAÇÕES MAIS “APETITOSAS” DO CRIATIVIDADE E ATÉ DESENVOLVER SUA CA-
DADE POR VOCÊ DENTRO DA PSICANÁLISE É QUE A REALIDADE, PROVOCANDO UM EFEI- PACIDADE DE COOPERAÇÃO?
A QUESTÃO DOS JOGOS ELETRÔNICOS E SEUS TO DE SEDUÇÃO EM QUEM JOGA E ATÉ UM BONOMI: Sim! Nos jogos, experimentamos
EFEITOS, ESPECIALMENTE ENTRE OS JOVENS. AFASTAMENTO DA REALIDADE. OS JOGOS DE emoções que, normalmente, não conhe-
COMO RESUMIRIA O CONCEITO DE HIPER- HOJE PODEM LANÇAR OS JOGADORES EM UM cemos no dia a dia. Como nas brincadei-
-REALIDADE, NO QUAL SÃO CRIADAS CÓPIAS CAMINHO SEM VOLTA DO HIPER-REAL? ras de faz de conta, vivemos através de
PERFEITAS DE SITUAÇÕES E CONTEXTOS, QUE BONOMI: Não, os jogos por si só não têm personagens (avatares) situações fantás-
ACABAM SUBSTITUINDO A VIDA REAL? a potência de lançar os jogadores em um ticas que podem estimular a criativida-
BONOMI: O hiper-real diz respeito a uma caminho sem volta. Para mim, esse é um de. Algumas pesquisas feitas com jogos
realidade que seria mais do que o real. Ex- pensamento ingênuo ou um tanto moralis- digitais apontam para um considerável
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

plico-me: na hiper-realidade, com a ajuda TA3ERIAOMESMOQUEAlRMARQUEOÉLCOOL desenvolvimento do pensamento através


da tecnologia, os espaços e objetos são neu- e as drogas são causadores da dependência da solução de enigmas e a gestão de di-
rolinguisticamente programados de modo química e do alcoolismo, quando, na verda- versas tarefas ao mesmo tempo, além do
que você possa se sentir na vida tal como ela de, sabemos que tais fenômenos são bastan- estímulo do trabalho em grupo por meio
é, quando, na verdade, está imerso em uma te complexos e que envolvem ampla gama dos modos multiplayer.

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VOCÊ PODE CITAR EXEMPLOS CONCRETOS Para Lacan, na e originária no paciente. Digo única e ori-
DE SITUAÇÕES COTIDIANAS EM QUE A HIPER- ginária, pois, diante de uma falência subje-
-REALIDADE SE FAZ PRESENTE? estrutura perversa, a tiva, em que toda a economia libidinal do
ESPÓSITO: Exemplos de hiper-realidade sujeito está voltada ao virtual, o estabele-
não faltam no mundo contemporâneo: a relação dos sujeitos com a cimento de um contato afetivo “ao vivo”
comida industrializada é vendida como a
mais caseira do mundo, “igualzinha à da
lei residiria na dinâmica tem a potência de produzir novas abertu-
ras e possibilidades de existência, ou seja,
vovó”, mas nem sequer tem os ingredientes regida pela ótica do gozo. expandir o universo de ligações pulsionais,
originais; os reality shows que aparentam tornando esse psiquismo um pouco me-
mostrar cenas absolutamente cotidianas Tais indivíduos viveriam nos repetitivo e preso às velhas relações
de uma família ou um grupo, embora essas objetais. Nesse sentido, é fundamental a
pessoas sejam personagens milimetrica- sobre a égide das leis, presença de um terapeuta que acredite e
MENTEPRODUZIDOSEMAQUIADOSOSlLMES
DAINDÞSTRIAPORNOGRÉlCA QUEREPRODUZEM
mas, contrariamente reconheça que sim, há vida naquelas telas
e que o sujeito em questão se encontra em
e exaltam a atividade sexual a ponto de o aos neuróticos, teriam intenso sofrimento.
consumidor investir mais no simulacro do
QUENOSEXOEMSIEOSPERlSDE)NSTAGRAM prazer e não medo VOCÊ ACHA QUE A SUPEREXPOSIÇÃO DAS
das celebridades, mas também os das pes- CRIANÇAS, AINDA NA PRIMEIRA INFÂNCIA, A
soas comuns seriam, a meu ver, o exemplo ao transgredi-las TABLETS E COMPUTADORES PODE INFLUEN-
mais perfeito e atual do hiper-realismo. CIAR, DE FORMA SIGNIFICATIVA, EM UMA DE-
como ter que trabalhar, estudar, ter amigos PENDÊNCIA VIRTUAL FUTURA?
O QUE PODE SER FEITO PARA EVITAR QUE O e manter relações familiares. Já no meio BONOMI: ! PRINCÓPIO  NÎO POSSO AlRMAR
JOVEM SE APRISIONE NO HIPER-REAL E COMO virtual, podem desenvolver uma vida mais isso, pois precisaremos ainda esperar mais
PROCEDER CLINICAMENTE DEPOIS QUE ISSO excitante e criativa, além de conseguirem alguns anos, talvez décadas, para po-
ACONTECER? conquistar feitos que não conseguiriam der mensurar os efeitos da exposição das
BONOMI: Não há uma fórmula dada sobre por outros meios, como por exemplo um crianças, ainda na primeira infância, a ta-
como prevenir os jovens desse “aprisiona- relacionamento afetivo, ser reconhecido blets, celulares e computadores. De qual-
mento no hiper-real”. Contudo, normal- por um grupo de pessoas como um ótimo quer forma, é praticamente consenso entre
mente os jovens que manifestam esses jogador, ser um youtuber e até mesmo ter OS PROlSSIONAIS DA SAÞDE DE QUE HAVERIA
SINTOMAS APRESENTAM GRAVES DIlCULDADES sua vida curtida por diversas pessoas atra- malefícios – desenvolvimento de ansieda-
afetivas. No meio virtual encontram uma vés das redes sociais. Portanto, penso que de e irritabilidade – em uma exposição a
forma mais segura de viver, pois sentem- uma forma de prevenção seria a de estimu- esses aparelhos numa idade anterior aos
-se oprimidos pelo contato direto com lar e proporcionar situações e momentos dois anos. Inclusive, é essa a recomendação
outras pessoas e pelos imperativos sociais, em que as relações afetivas possam se de- da associação de pediatria, tanto dos EUA
senvolver. Enquanto pais, temos a grande QUANTO DO "RASIL 0OSSO AlRMAR QUE UMA
responsabilidade de não só estabelecer re- criança dessa idade perde muito ao trocar
O sujeito neurótico LA¥ÜESAFETIVASCOMNOSSOSlLHOS QUELHES momentos de relações afetivas reais por
assegurem um mínimo de segurança nar- momentos de lazer e distração diante da
(a grande maioria císica, como também demonstrar o quanto tela. No início da vida, as crianças apren-

das pessoas) teria podemos desfrutar de nossas próprias rela-


ções interpessoais. No que tange aos casos
dem, majoritariamente, através da imitação
de seus cuidadores. Esse contato e a troca
conhecimento das leis de jovens que já desenvolveram esse qua- real de experiências são fundamentais para
dro (lembrando aqui que estou falando de o desenvolvimento psíquico infantil. Logo,
e optaria ou não por casos graves, os quais não se apresentam somente com uma idade mais avançada a
com tamanha frequência), acredito que a criança tem capacidade de aprender algo
obedecê-las, sabendo dos direção de tratamento sempre passará pelo com os aparelhos. Parece-me plausível a
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

riscos que corre e, muitas desenvolvimento de uma relação transfe-


rencial com o terapeuta. Ao conseguirmos
HIPØTESEDEQUECRIAN¥ASQUElZERAMMUI
to uso da tela nos momentos de espera, va-
vezes, acompanhados constituir uma relação mínima de empatia zio e ócio – ocasiões às quais os pais nor-
ECONlAN¥A PENSOQUEESSAPROTO RELA¥ÎO malmente lançam mão dos gadgets – terão
do sentimento de culpa pode imprimir uma marca subjetiva única MAIS DIlCULDADES EM LIDAR COM SITUA¥ÜES

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de frustração, assim tornando-se pessoas ças citadas acima, que Baudrillard via entre por exemplo, aproximando quem está dis-
mais irritáveis e ansiosas. Agora, me pare- OS PAÓSES  A MEU VER  DIMINUÓRAM SIGNIl- tante, favorecendo articulações políticas e
CEPRECIPITADOAlRMARQUEESSASSITUA¥ÜES cativamente, muito porque as formas de comunitárias, permitindo expressões cria-
levarão a uma dependência virtual futura. aplicação da hiper-realidade parecem ter tivas e singulares das pessoas. Por outro
Temos que tomar cuidado ao julgar deter- se desenvolvido e se disseminado mundo lado, essa potência virtual pode ser usada
minados comportamentos: por exemplo, afora. Acho interessante a ideia da cultura – e frequentemente o é – como espaço de
a forma pela qual usamos o celular, hoje, brasileira como portadora de algo do pri- compensações sintomáticas e defensivas de
com certeza seria mal interpretada e quali- mitivo, que ainda não foi completamente quem navega. Na internet, temos um vasto
lCADADEZANOSATRÉS DOMESTICADO E MASSIlCADO PELO CAPITALIS- espaço de procrastinação, de escusas para
mo moderno, desde que esse primitivo não não encontrar alguém de carne e osso, de
O FILÓSOFO E SOCIÓLOGO FRANCÊS JEAN seja visto a partir da dicotomia civilização expressão da agressividade mais primitiva
BAUDRILLARD É CONSIDERADO O CRIADOR DO x barbárie. Porém, talvez por ter vivido mi- através da proteção do anonimato, ou mes-
CONCEITO DA HIPER-REALIDADE. ELE DISSE nha vida inteira em uma megalópole como mo de moldar o mundo à nossa maneira,
CERTA VEZ O SEGUINTE: “NÃO VEJO O BRASIL 3ÎO0AULO TENHODIlCULDADESEMENXERGAR EMTESEhDRIBLANDOvOCONmITOQUEÏVIVER
COMO UM PAÍS HIPER-REAL. TALVEZ PORQUE ESSA TAMANHA DIFEREN¥A PROPOSTA PELO l- em um mundo de diferenças, pois nas redes
O BRASIL NÃO POSSA PASSAR PELO PRINCÍPIO lósofo entre a cultura brasileira e a cultura VOCÐ PODE lLTRAR AQUILO QUE VÐ 1UANTO A
DE REALIDADE. PORTANTO, SE ELE AINDA dos centros urbanos do hemisfério Norte. isso, pelo menos por enquanto, não há solu-
NÃO PASSOU PELA REALIDADE, NÃO PODE SE ção possível dentro da própria internet, ou
TORNAR HIPER-REAL, PORQUE O HIPER-REAL DESDE A DÉCADA DE 1990, QUANDO A INTER- seja, a pessoa precisará de alguma forma
É MAIS QUE O REAL, UM TIPO DE CONFUSÃO NET ERA RESTRITA A UMA MINORIA, A DIVI- trabalhar suas questões e, por consequên-
ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO”. COMO VOCÊ SÃO DO MUNDO EM REAL E VIRTUAL JÁ ERA cia, repensar seu uso do mundo virtual.
OBSERVA E ANALISA ESSA AFIRMAÇÃO? TEMA DE TEXTOS DE BAUDRILLARD. ANTES
BONOMI: Ao fazer essa observação, MESMO DA POPULARIZAÇÃO DA REDE E DE QUAL A SUA VISÃO, COMO ESPECIALISTA, SO-
Baudrillard explica que antes de pensar o SUAS FERRAMENTAS MAIS INTERATIVAS, COMO BRE AS RELAÇÕES FORMADAS NA ATUALIDA-
Brasil como hiper-real: “O Brasil está mais AS REDES SOCIAIS, O AUTOR JÁ IMAGINAVA DE POR SITES E APPS? ESTAMOS MESMO EM
próximo do jogo da ilusão, da sedução des- AS CONSEQUÊNCIAS QUE ESSA MIGRAÇÃO UMA TRANSIÇÃO IMPORTANTE DE NOVA CUL-
sa relação dual, mas confusa... E que não PARA O ON-LINE ACARRETARIA NA VIDA DAS TURA DE COMPORTAMENTO?
há essa forma de abstração que é a hiper- PESSOAS. DE QUE FORMA VOCÊ COMPREEN- BONOMI: Penso que os sites de relaciona-
REALIDADE %NlM  ESSA FORMA DE TRANS- DE ESSA MIGRAÇÃO E QUAIS OS EFEITOS NO mento e os apps ajudam a propiciar no-
mutação no vazio, de perda de substância, COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO DAS PESSOAS? vos encontros. Temos desde a chance de
de referência, de perda de tudo isso”. Para ESPÓSITO: !INTERNETEMAISESPECIlCAMEN- conhecer pessoas do mundo inteiro, que
OlLØSOFO ACULTURAEOMODODEVIDADOS te as redes sociais podem potencializar e compartilham de nossos interesses, até
brasileiros estariam bastante calcados em acelerar diversas aptidões humanas, como, mesmo a possibilidade de encontrar com
elementos simbólicos, tais como a dança, o
jogo, os cultos, a música e na forma como
os brasileiros habitam seus corpos. A par-
TIR DESSES ELEMENTOS  "AUDRILLARD CLASSIlCA
o Brasil como o “império das ilusões”, no
SENTIDOAlRMATIVODOTERMO COMOSEAIN-
da houvesse um espaço subjetivo que não
estivesse inteiramente subjugado à ma-
terialidade das coisas. Característica esta
que seria encontrada com maior facilidade
nos países hiper-industrializados, como
OS %5! !CREDITO QUE TAL AlRMA¥ÎO FOI
feita no contexto da Eco-92 (Conferência
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente


e Desenvolvimento). De lá para cá, posso Uma criança perde muito ao trocar
momentos de relações afetivas reais
dizer que vivemos outra realidade no âm-
por momentos de lazer e distração
bito do desenvolvimento da internet e dos diante da tela de um tablet ou celular
aparelhos eletrônicos. Ou seja, as diferen-

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poucos cliques um parceiro(a) sexual a
poucos metros de casa. Contudo, não ne-
Nos jogos, SOB A ÓTICA DA PSICANÁLISE, COMO PODE
SER DEFINIDA A FELICIDADE? ELA É UMA OU
cessariamente são encontros com grande experimentamos emoções VÁRIAS, DEPENDENDO DE COMO AS PESSOAS A
profundidade afetiva. Existe, sim, a possibi- OLHAM E MANTÊM EXPECTATIVAS SOBRE ELA?
lidade de encontrarmos “o amor de nossas que, normalmente, ESPÓSITO: A felicidade é um estado, não é
vidas” ou grandes amigos via internet, mas algo perene. Ao longo de uma vida, você
essa não é a regra. Apesar de enxergar na não conhecemos no passa por momentos em que se sente feliz,
cultura atual de comportamento formas
mais fugazes de relação, encontros que se
dia a dia. Como nas mas são momentos de relance, passageiros,
pois nossa condição de ser desejante e de
encerram em si mesmo, não penso que as brincadeiras de faz de CONmITOIMEDIATAMENTEJÉNOSLAN¥AAUM
RELA¥ÜES HUMANAS SE MODIlCARAM DRASTI NOVODESAlOOUAUMANOVAFORMADEVER
camente com o advento dessas tecnolo- conta, vivemos através a situação. Em nossa cultura, existe uma
gias. Acho complicado concluir o que quer exigência de perseguição a uma suposta
que seja sobre esse assunto, pois as mudan-
de personagens felicidade, mas esta poderia ser representa-
ças são extremamente velozes; é prová-
vel que em pouco tempo toda e qualquer
(avatares) situações da como uma miragem: você a avista, mas
quando a alcança, não era nada daquilo
relação seja moldada e intermediada pela fantásticas que podem que vislumbrou. Por isso, nos remetemos
tecnologia. Contudo, o que ainda vejo no Ì PESQUISA DE (ARVARD SEU ÐXITO PROlS
CONSULTØRIOSÎOPESSOASQUETÐMDIlCULDA estimular a criatividade SIONAL E lNANCEIRO NÎO REPRESENTA NENHU
de em construir relações e sofrem pela falta ma garantia de felicidade, e nesse sentido
do “olho no olho”. cessivamente conturbados. Em suma, es- mais vale estar atento às formas de amar
tar ligado amorosamente a um parceiro, e se relacionar. Ao invés de vislumbrar a
SEU BLOG CITA UMA PESQUISA REALIZADA amigos próximos e/ou familiares tendem FELICIDADECOMOUMlM UMAMETAASERAL
PELA UNIVERSIDADE DE HARVARD, QUE AINmUENCIARNOSESTADOSDESATISFA¥ÎOEFE cançada, é fundamental atentar ao meio, ao
EXAMINA DO QUE DEPENDEM A SAÚDE E A licidade, bem como no enfrentamento de PROCESSO!DISPOSI¥ÎODEENCARARDESAlOS 
FELICIDADE. PODE DETALHAR OS RESULTA- adversidades ao longo da vida. É interes- de experimentar sensações novas, o humor
DOS DESSE ESTUDO? sante que, como essa pesquisa dá tempo ou mesmo a capacidade de enxergar a po-
ESPÓSITO: Os resultados da pesquisa apon- ao tempo, um fenômeno subjetivo como sitividade existente, mesmo em momentos

IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF


tam que a força e a qualidade dos relacio- o amor se destaca como fator decisivo na difíceis pelos quais passamos, são alguns
namentos interpessoais levam a uma vida qualidade de vida, frente a tantos outros dos indícios de que nossa energia psíquica
mais saudável e feliz. A solidão é nociva à índices que foram avaliados: condições fí- ESTÉmUINDO APTAACONEXÜESERECONEXÜES 
saúde mental e física dos seres humanos, sicas, carga genética, desempenho econô- CONlGURANDO UMA SITUA¥ÎO DE DISPOSI¥ÎO
assim como relacionamentos frios ou ex- mico e laboral. ao bem-estar ou à felicidade.

NAS BANCAS!
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das complicações do analisando, no que
DIZRESPEITOÌmUIDEZDESUALIBIDOEASEU
POSICIONAMENTODIANTEDOCONmITOnCON-
dição inerente ao ser social. A possibilida-
de de pensar junto esses bloqueios, o que
já é uma forma de ligação afetiva, pode
devolver parte da liberdade psíquica ne-
cessária para “estar mais inteiro” nas rela-
ções sociais, especialmente amorosas.

AS REDES SOCIAIS SÃO CONHECIDAS COMO


O TERRENO DA FELICIDADE. COMO VÊ ESSA
EXPOSIÇÃO E ATÉ QUE PONTO ESSA FANTASIA
CONTRIBUI PARA O EFEITO INVERSO?
ESPÓSITO: As redes sociais motivam uma
Na internet, há espaço de agressividade através da proteção do anonimato, ou mesmo de moldar o mundo exigência de “estar feliz o tempo inteiro”,
p
 HG
oIƒ \ 


hG que não condiz em absoluto com nos-
sa realidade cotidiana. A contrapartida
PARA SE CHEGAR PELO MENOS A UM CERTO portanto, necessariamente dependentes desse ideal que se persegue e nunca se al-
GRAU DE FELICIDADE , DIZEM ESPECIALIS- do outro para extrair qualquer tipo de pra- cança é justamente uma autocrítica feroz,
TAS, É NECESSÁRIO MANTER QUALIDADE zer, mesmo no contexto de algum projeto como se houvesse algo de muito errado
NAS RELAÇÕES AFETIVAS, OU SEJA, É FUN- profundamente pessoal. Ainda assim, o consigo próprio, que impedisse de al-
DAMENTAL MANTER RELACIONAMENTOS relacionar-se – em especial de maneira in- cançar essa tal felicidade. Além do sofri-
SÓLIDOS E CONSISTENTES. ENTRETANTO, TENSAnÏUMDOSMAIORESDESAlOSQUEEN- mento oriundo dessa tendência autoacu-
O SER HUMANO ESBARRA O TEMPO TODO frentamos ao longo da vida, muitas vezes satória, alimenta-se o sentimento de não
EM DIFICULDADES QUE EXIGEM SUSTENTAR motivando um sofrimento que pode levar pertencer a esse “grupo social das pessoas
ESSES RELACIONAMENTOS. COMO SUPERAR à ruptura e ao isolamento. A Psicanálise felizes”, que sequer existe a não ser como,
ESSAS DIFICULDADES? é uma das estratégias presentes em nos- VOCÐBEMDElNIU UMAFANTASIA#OMISSO 
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

ESPÓSITO: Esse é o ponto: nossa disposi- sa cultura para cuidar justamente disso, pode haver um recolhimento progressivo
ção ao bem-estar e à felicidade depende criando ou resgatando aquilo que Freud até um estado que, frequentemente, se no-
de uma situação muito elementar, que denominou como “a capacidade de amar meia como depressão. No limite, a rede
está na base da condição humana, que é a e trabalhar”. A relação transferencial com social acaba por desconectar o sujeito, o
consistência das relações afetivas. Somos, o analista permite que advenham muitas que é a antítese de sua proposta.

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in foco por Michele Müller

O conforto de ser
COMPREENDIDO
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

O RESPEITO OFERECE O SUPORTE SOCIAL NECESSÁRIO PARA


SERMOS LIVRES. MAS É A COMPREENSÃO QUE NOS RESGATA
DA SOLIDÃO E NUTRE O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO
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S
entir-se compreendido é di- social, seja real ou percebido subjeti- sinatura secreta da individualidade
ferente de se sentir respei- vamente, aumenta em 29% a chance do outro.” Talvez a mais vital forma
tado. Respeito está entre os de mortalidade precoce. A distorção de conexão, justamente por oferecer
deveres, entre o que deve da realidade provocada pelo isola- compreensão, a amizade pode não
ser aprendido, ensinado e exercitado mento nos leva a interpretar muitas ganhar o valor que merece em um
pela autoridade racional que contro- reações alheias como rejeição, o que mundo que, cada vez mais, cultua as
la as reações. A compreensão não se torna dif ícil a quebra desse ciclo. manifestações românticas do amor e
impõe: surge das estruturas geral- Mas se nos permitirmos correr amplia a def inição da palavra amigo
mente escondidas nas profundidades riscos é possível descobrir que, de para muito além das relações signif i-
do inconsciente; da disposição de se uma forma tão antagônica como cativas e engrandecedoras.
desprender dos conceitos e def ini- qualquer grande verdade, é justa- Para o escritor Andrew Sullivan,
ções que moldam o ego enquanto se mente nesses momentos de maior em Love Undetectable: Notes on
oferecem ao outro, de forma genero- vulnerabilidade que as mais valiosas Friendship, Sex and Survival, essa es-
sa, tempo e atenção. relações de amizade se constroem pécie de negligência da nossa cultu-
Identif icar aquele que compreen- ou fortalecem. ra com relação à amizade, a falha no
de é também uma capacidade que es- reconhecimento desse vínculo como
capa das análises do intelecto. Exige, instituição social crítica e como
da mesma forma, tempo, atenção e RESPEITO ESTÁ experiência moral enobrecedora,
entrega: só nos sentimos compreendi- ENTRE O QUE DEVE possivelmente se dá pelo fato de se
dos quando nos mostramos por intei- desenrolar, quase sempre, de forma
ro, sem o desgaste de sustentar o que
SER APRENDIDO, silenciosa e gradativa. Silêncio que
planejamos ser. Nos sentimos com- ENQUANTO A se quebra quando sofremos a perda
preendidos quando temos a coragem inesperada de um amigo. “Quando
COMPREENSÃO,
de revelar as fraquezas para descobrir somos forçados a pensar sobre aqui-
que, ref letidas no outro, elas parecem ENCONTRADA NOS lo o que realmente importa é que co-
menores e menos estranhas. ESPAÇOS ENTRE meçamos a considerar o que a ami-
O respeito oferece o suporte so- zade signif ica de verdade”, escreve.
cial necessário para sermos livres. NOSSO IDEAL E Assim como nas relações român-
Mas só a compreensão, encontrada NOSSAS FALHAS, ticas, esperar que um amigo com-
nesses espaços entre nosso ideal e preenda todos os lados da nossa in-
nossas falhas, nos resgata da solidão,
POSSIBILITA CONEXÕES dividualidade é sustentar a amizade
possibilitando conexões mais gratif i- GR ATIFICANTES sobre a delicada balança que traz a
cantes. E solidão não signif ica estar expectativa de um lado e a frustra-
sozinho – uma condição fundamental
NATUR AIS ção do outro – um equilíbrio que de-
para se chegar ao nível de introspec- pende mais do nosso próprio amadu-
ção necessário para o autoconheci- O escritor irlandês John O’Donohue, recimento que dos acontecimentos
mento e capacidade de sustentar rela- em seu livro The Book Of Love, lem- externos. A vantagem da amizade é
cionamentos saudáveis. Signif ica não bra que a amizade verdadeira é a “que que ela se distribui livre e levemente
se sentir compreendido, não perten- melhor ref lete a tua alma”, aquela entre cada pessoa que, em determi-
cer, estar desconectado de um mundo que traz o conforto da compreensão, nados momentos e situações da vida,
visto a partir de uma perspectiva em uma das formas que o amor assume. nos enxerga como realmente somos.
que ele se apresenta pouco acolhedor. “Quando você se sente compreendi- Quando damos a esse amor o valor
Essa solidão pode ser necessária do, você está em casa. A compreen- que ele merece, temos sempre um
em uma certa dose, para que nos f i- são nutre o sentimento de perten- amigo que nos revela, sem precisar
que evidente a necessidade de apri- cimento. (…). O amor é a única luz declarar, que explicações são desne-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

morarmos as relações. Mas pode ser que pode ler verdadeiramente a as- cessárias: ele compreende.
também a fonte dos estados depres-
sivos mais devastadores e de diversos Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências,
problemas de saúde. Segundo pesqui- Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica
estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos
sa recente publicada no Perspectives estão reunidos no site www.michelemuller.com.br
on Psychological Science, o isolamento

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psicopositiva por Lilian Graziano

A glamourização
da CHATICE
15%34)/.!$/2 #2°4)#/
%#/-6/#!"5,£2)/%,!"/2!$/
5-35*%)4/).4%,)'%.4%.§/
42!4! 3%!0%.!3$%5-
#(!4/-%3-/å

A
Psicologia é múltipla por natu- as características das ciências humanas. riavam da chamada inteligência linguís-
reza. Engana-se quem atribui 0OR EXEMPLO  POUCOS TEMAS FORAM MAIS tica à (pasmem!) naturalística, na qual
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

tal característica apenas em controvertidos na Psicologia do que o inteligente seria o indivíduo capaz de re-
FUN¥ÎO DE SUAS CENTENAS DE da inteligência. Por décadas considera- CONHECEREVALORIZARAmORAEAFAUNA*É
LINHAS TEØRICAS .OSSA CIÐNCIA TAMBÏM da como o exato sinônimo do raciocínio nos anos 90, com a teoria da inteligência
DISPÜEDEVÉRIASTEORIASSOBREMOTIVA¥ÎO  LØGICO MATEMÉTICO LEIA SE 1)  A INTE emocional (IE), a conciliação entre razão
liderança e até mesmo sobre personali- ligência passou a ser explicada, a partir e emoção passa a ser vista como uma va-
DADE  O QUE PODE SER DIFÓCIL DE COMPRE dos anos 80, por meio de capacidades liosa maneira de tornar o indivíduo um
ender para alguém não acostumado com distintas (inteligências múltiplas) que va- ser competente do ponto de vista social,

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SE VOCÊ DESEJA
/(!")4!4$/ em tempos de politicamente correto eles

03%5$/ ).4%,)'%.4% se multipliquem com espantosa rapidez.


!S CARACTERÓSTICAS ACIMA MENCIONA
SER FELIZ,
¡6!2)!$/%
/15%¡0)/2 
DASPODEMTORNARBASTANTEDESAlADORAA
TAREFA DE IDENTIlCARMOS UM PSEUDOINTE
ESTABELEÇA
LIGENTE 0ORÏM  HÉ DE SE CONSIDERAR QUE
0!2!$/8!,-%.4%  O MAIOR DESAlO DESSA TAREFA CONSISTE UM OBJETIVO
%,%3!"5.$!-!4¡ JUSTAMENTENOFATODEHAVERCERTASSEME
-%3-/./3-%)/3 lhanças entre tal espécime e as pessoas QUE GUIE SEUS
de inteligência genuína.
!#!$º-)#/3 /.$%
%342!.(!-%.4%
!LÏM DE UM DISCURSO ELABORADO  NA
medida em que muitas vezes a capaci-
PENSAMENTOS!
DADE DE FAZER PERGUNTAS DESCREVE ME
0/$%-3%4/2.!2
lhor a inteligência do que a prontidão
#/.4!')/3/3 para respondê-las, é compreensível que
algumas características humanas, como
sendo reconhecida como a “verdadeira e a capacidade crítica e o chamado espí-
mais importante” das inteligências, uma rito questionador, sejam vistas como si-
vez que, de acordo com as pesquisas de nônimos de inteligência, o que até certo
3ALOVEYE-AYER PAISDOCONCEITODE)%  PONTO FAZ TODO SENTIDO -AS APENAS ATÏ
tal inteligência seria capaz de sobrepujar CERTOPONTO!SUPERVALORIZA¥ÎODACRÓTI
ATÏMESMOOTRADICIONAL1)QUANDOOAS ca e do espírito questionador pode levar
SUNTOERAAPREVISÎODOSUCESSOPROlSSIO a nada mais do que a glamourização não
nal das pessoas. da inteligência, mas de algo bem menos
-AS SE  COMO VIMOS  ATÏ MESMO NO SOlSTICADOQUEISSOAMAISPROSAICADAS
MEIO CIENTÓlCO A INTELIGÐNCIA PODE SER CHATICES )SSO  AO LADO DO QUE JÉ DISCUTI
VISTA DE MANEIRAS DIFERENTES  PODE SE nesta coluna e a que chamo de glamou-
IMAGINARACONFUSÎOQUEOTEMADESPER rização da tristeza (que explico como
ta junto ao chamado senso comum. Em HERAN¥A BYRONIANA  ESTARIA POR REFOR¥AR
outras palavras, a “inteligência” das ruas o comportamento de hordas de sujeitos
talvez não seja tão “inteligente” quanto chatos e depressivos, exatamente aque-
SEPODERIASUPOR4ALVEZSEJAPORISSOQUE les a quem chamo de pseudointeligentes,
PROLIFERAMOSTIPOSQUECOSTUMOCHAMAR que continuarão a existir enquanto hou-
DE hPSEUDOINTELIGENTESv ! VARIEDADE DE VERPESSOASQUEACREDITAMQUEAFELICIDA
PSEUDOINTELIGENTESÏQUASEILIMITADA.ÎO de é uma bênção dos mansos, daqueles
HÉ COMO DISTINGUI LOS DOS VERDADEIRA que pensam menos, que criticam menos e
MENTEINTELIGENTESPORSUASCORES FORMAS que, portanto, teriam menos a contribuir
OU MESMO IDADES / HABITAT DO PSEU COMASOCIEDADE#OMOSEOMAUHUMOR
dointeligente também é variado. E o que FOSSEUMAVANTAGEMEVOLUTIVA COMOSEO
é pior, paradoxalmente, eles abundam até OTIMISMONÎOFOSSETAMBÏMRESULTADODE NAS BANCAS
mesmo nos meios acadêmicos (onde es-
tranhamente podem se tornar contagio-
UMA PROFUNDA ANÉLISE CRÓTICA ACERCA DAS
POSSIBILIDADESDEÐXITO#OMOSEOMUN
E LIVRARIAS!
SOS  .ÎO HÉ TAMBÏM DETERMINADA ÏPO DOFOSSEOUBRANCOOUPRETO ENÎOUMA
ca do ano em que os pseudointeligentes COLE¥ÎODEPOSSIBILIDADESQUASEINlNITAS
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK/ ACERVO PESSOAL

PROLIFERAM EMBORASEJACOMPROVADOQUE de cinzas... e de azuis, é claro!

Ou acesse
Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão
em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora www.escala.com.br
universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento,
onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área.
graziano@psicologiapositiva.com.br

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psicopedagogia por Maria Irene Maluf

Ferramentas da
EDUCAÇÃO
PESQUISAS RECONHECIDAS MOSTRAM QUE A CONSTRUÇÃO
DA INTELIGÊNCIA É INFLUENCIADA POR ASPECTOS
GENÉTICOS E AMBIENTAIS EM MEIO A UM COMPLEXO
DE TROCAS DE EXPERIÊNCIAS DE VÁRIAS ORDENS

A
inteligência é construída pela gramas com aconselhamentos sobre edu- to com as experiências vivenciadas no
riqueza de estímulos que a cação infantil, quase todos interessantes a meio ambiente, desenvolve cada criança
criança recebe no dia a dia, um tipo de público em particular: os pais. cognitiva, social, biológica e emocional-
pela afetividade, atenção, in- É grande o mérito desse trabalho, MENTE  CONSTRUINDO UMA CONlGURA¥ÎO
teração e envolvimento de seus pais, que ajuda muitas famílias, alertando-as COMPORTAMENTALQUEDIlCILMENTEPODE
assim como pelo seu tempo organizado e orientando-as quanto à forma como RÉSERMODIlCADAMAISTARDE
com atividades adequadas, qualitativa e CONDUZEMACRIA¥ÎODESEUSlLHOS SUB Como cada cultura e cada família
quantitativamente à idade, por normas sidiando nesse assunto tão importante têm uma forma diferente de vivenciar
de comportamento claramente estabele- quanto delicado. essas questões e um tipo distinto de am-
cidas, por rotinas e limites que desenvol- 1UANDOESCRITOSPORPROlSSIONAISSÏ bição educacional, o leque da diversida-
vem as noções de hierarquia e lhe dão rios, experientes, com anos de estudo e de, já imenso frente às questões biológi-
segurança e autoestima. prática na área, constituem material de cas e emocionais, se multiplica. Por essa
O cérebro humano tem inegável inegável utilidade e valor. São verdadeiras razão, os mais importantes aconselha-
superioridade no quesito de conceber e ferramentas, pois, em linguagem acessí- MENTOS PROlSSIONAIS  REGRAS E NORMAS 
utilizar ferramentas. Como inicialmente vel, traduzem e levam para a experiência que em tese foram pensados para favore-
não éramos providos de grande veloci- do dia a dia intrincadas teorias e resulta- cer a educação das crianças, não devem
dade para a caça, depois das ferramen- DOSDEPESQUISASCIENTÓlCASNASÉREASDA ser tomados como uma bula de remédio
tas, que nos permitiram extrair vegetais, educação, da Psicologia, entre outras. Por que cura qualquer doença, porque isso
construímos os primeiros instrumentos isso, podem e devem ser ouvidas, lidas e não funciona dessa forma.
PARASUPRIRESSADIlCULDADEEPODERMOS aproveitadas. Mas essas orientações feitas As peculiaridades do ser humano pas-
obter carne através da caça. Passamos de modo genérico jamais eliminam a ne- sam pela genética, pelos aspectos cultu-
para uma alimentação rica em proteí- CESSIDADEDEUMAREmEXÎOEADEQUA¥ÎOÌ rais trazidos pela origem da família, pelo
nas, especialmente a cozida, que promo- realidade de cada família e cada criança. MOMENTOAFETIVO SOCIAL lNANCEIRO CULTU
veu um extraordinário desenvolvimento %NEMDABUSCADEUMPROlSSIONAL QUAN ral, por condições de saúde física e mental,
de nosso cérebro, e o homem criou en- do as dúvidas dos familiares impõem si- que delimitam características e determi-
tão a sua ferramenta mais espetacular: TUA¥ÜESCADAVEZMAISCONmITUOSAS nam necessidades diferenciadas de com-
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

a linguagem falada, que impulsionou a A máxima “cada caso é um caso” se preensão e de ações educativas, principal-
transmissão dos conhecimentos, inclusi- aplica perfeitamente bem à educação, mente nos primeiros cinco anos de vida.
ve mais tarde, na forma escrita. dada a singularidade do ser humano, Se assim não fosse, gêmeos seriam exa-
Ferramentas nos fazem progredir desde o momento de seu nascimento tamente iguais, e todos sabemos que não
também em educação. Mas é preciso pon- – senão antes – e durante os primeiros é assim: o contato e a troca com o meio
derações. É comum vermos nas revistas, anos. É no início da vida que todo apa- e a maneira como cada qual recebe essa
na internet, na TV muitos artigos e pro- rato genético e neurológico, em conta- INmUÐNCIAVIVENCIADANASEXPERIÐNCIASDE

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Adquirir destreza nessas ferramentas
OS ACONSELHAMENTOS PROFISSIONAIS,
especializadas, de forma aprofundada,
REGRAS E NORMAS, QUE VISAM FAVORECER exige longos estudos e anos de prática:
A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS, NÃO DEVEM como motivar, modelar, reforçar com-
portamentos positivos, desenvolver mu-
SER TOMADOS COMO UMA BULA DE REMÉDIO
danças no campo da aprendizagem e do
QUE CURA QUALQUER DOENÇA comportamento, de forma séria, diretiva
EElCAZ¡UMTRABALHOPROlSSIONAL SIN
vida, sejam sensoriais, motoras, psíquicas, Mas – e essa é a diferença – há co- gular, que não pode ser substituído por
cognitivas, vão moldar pessoas diferentes, NHECIMENTOS ESPECÓlCOS  FERRAMENTAS aconselhamentos genéricos.
que precisam de um olhar personalizado, individualizadas, cujo domínio se cir- Então, qual a importância deste e
de observação e educação pensadas espe- cunscreve a especialistas da educação TANTOSOUTROSARTIGOSESCRITOSPORPROlS
cialmente para elas. e da Psicopedagogia e que, para serem sionais de diferentes áreas, para orientar
Em educação, há ferramentas impor- bem aplicados, não dispensam o conta- as famílias? Respondo aqui: são, antes de
tantíssimas, que são os valores social- TO PROlSSIONAL DIRETO COM CADA FAMÓLIA TUDO  REmEXÜES OU ALERTAS  QUE BUSCAM
mente aceitos pela cultura onde a criança e sua criança, sua história, objetivando sinalizar, de forma generalizada, a ajuda
resolver as questões e desenvolver toda
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK/ ARQUIVO PESSOAL

crescerá e que fazem parte dos padrões mais indicada aos pais quando a dúvida
éticos e morais de comportamento dos potencialidade infantil. ÏARESPEITODAEDUCA¥ÎODOSlLHOS
cidadãos, das famílias. Até aí, todo acon-
selhamento de bom senso é bem-vindo,
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e
assim como os de hábitos gerais de saúde Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de
e higiene, de conservação de alimentos, Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em
datas de vacinação etc., feitos estes últi- publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de
especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
MOSPELOSPROlSSIONAISDASAÞDE

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INFANTIL

Imperadores
DOMÉSTICOS Ao longo dos anos foi surgindo uma geração
de crianças mimadas e autoritárias, sem limites definidos,
que está intimidando e exaurindo pais e educadores
Por Lilian Zolet

G
ritos, birra, jogar-se no O médico psiquiatra e referência
chão, mandar e bater em matéria de comportamento huma-
encorpam a trama de no no Brasil, Içami Tiba (2010), afirma:
comportamentos das “Os pais, não sabendo ser pais, estão
crianças sem limites sendo dominados por crianças tempe-
defi nidos. A presença dessas crianças ramentais, que querem fazer o que que-
na prática clínica vem aumentando, rem, e os pais não têm condições de im-
encaminhadas pela escola ou trazidas por limites e disciplina, porque temem
pelos pais, que se encontram exauridos perder o amor dos fi lhos. Isso não é pai
emocionalmente. Mas o que de fato que se preze, porque ele se torna refém
está acontecendo com as crianças para do seu medo e o filho pequeno acostu-
se comportarem de maneira autoritá- ma a reinar, a mandar nos pais”.
ria, mandona e desrespeitosa com os Pode-se imaginar que quando a
pais e professores? criança não aprende com os progenito-
Um dos fatores apontados por psi- mágoas e culpa. Para fugir dessa ma- res que ela não pode ter tudo o que de-
cólogos e pedagogos (2015) são as mu- triz e não replicá-la, muitos pais aca- seja, no seu tempo e ao seu modo, terá
danças socioculturais da última década, bam afrouxando as rédeas e tornam-se dificuldade em assimilar as regras so-
que levaram os pais a terem menos tem- reféns emocionais dos fi lhos ao serem ciais inerentes à convivência. Com isso,
po para permanecer com os fi lhos e, por lenientes com caprichos e birras deles. a probabilidade desse infante infringir
isso, ficam mais propensos a aceitar as Quando os pais são indulgentes, os fi- as regras sociais será alta. É possível
birras e a superproteger, compensando, lhos desenvolvem a crença de que tudo observar isso na escola, a exemplo de a
assim, a sua ausência. Outro condicio- podem e transformam-se em imperado- criança xingar o professor, roubar brin-
nante é o modelo de educação autori- res domésticos, cujo comportamento é quedos, não aceitar as orientações, bater
tária, na qual os pais foram submetidos, transferido para a sala de aula e na rela- nos colegas, não querer fazer as tarefas,
ou seja, ambientes de muita repressão, ção com demais colegas. mentir e outros tantos comportamentos
muitas vezes negligenciados pelos pais.
Lilian Zolet é psicóloga e psicoterapeuta. Pós-graduada em Saúde Pública, com ênfase na Saúde da Família,
Tais pais têm dificuldade em dizer
especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. É autora do livro Síndrome do Imperador: Entendendo “não” e inserir consequências para os
a Mente das Crianças Mandonas e Autoritárias e coautora do livro TCC em Crianças e Adolescentes: Guia comportamentos errados da criança
de Referência de Ferramentas e Estratégias Terapêuticas, com o qual ganhou o prêmio Bernard Rangé,
instituído pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
com medo de ferir ou traumatizar emo-
cionalmente. O efeito para essa falta de
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INFANTIL

Pode-se imaginar que quando a criança não


aprende com os seus progenitores que ela não
pode ter tudo o que deseja, no seu tempo e
ao seu modo, terá dificuldade em assimilar as
regras sociais inerentes à convivência social
ŒModelos de pais Œ ou de índole vingativa, com duração dade, ocasionando prejuízos sociais
Para Rutter apud Kaplan (1997), existem qua- de pelo menos seis meses, preenchen- graves (Friedberg; McClure, 2001).
tro modelos de pais: 1) Autoritários: carac- do ao menos quatro sintomas de qual- Os imperadores domésticos lide-
terizados por posturas rígidas e regras in-
quer das categorias descritas no ma- ram a casa, xingam os pais, babás e pro-
flexíveis. 2) Permissivos: caracterizados por
posturas indulgentes e ausência de limites. nual) como transtorno desafiador de fessores, escolhem a comida que vai ser
3) Indiferentes: caracterizados por posturas oposição (TDO), compondo a classe feita, definem o que deve ser assistido
negligentes e falta de envolvimento. 4) Recí- dos transtornos disruptivos. na TV, a hora de ir dormir e acordar,
procos: caracterizados por posturas de coo- as atividades do dia, se querem ou não
peração e compartilhamento na tomada das
Transgressão de normas fazer a tarefa da escola e estudar para a

O
decisões, com um comportamento dirigido
de modo racional (limites definidos). s transtornos disruptivos são co- prova. Também mandam nas brincadei-
nhecidos pelos profissionais da ras fazendo com que as demais crianças
área da saúde como sendo os compor- obedeçam às suas ordens, choram e se
limite é que os pais estão ensinando tamentos associados à transgressão de atiram ao chão, batem a cabeça na pa-
ao fi lho que ele pode ter tudo e que normas, desafiadores e antissociais, que rede, jogam os alimentos ou cospem no
os outros vão servi-lo para suprir suas causam muito incômodo nas pessoas rosto dos pais, agridem e ameaçam psi-
necessidades, tornando-os verdadeiros por serem problemas externalizantes, cologicamente os progenitores quando
imperadores domésticos. O médico de grande impacto no ambiente so- seus caprichos não são atendidos.
Içami Tiba (2010) ressalta: “Os fi lhos cial, em geral com implicações severas Geralmente, esses comportamen-
dessa geração foram criados sem noção (Koch; Gross, 2005; Veiga, 2007). Des- tos costumam apresentar relevância por
de padrões de comportamento e limi- sa maneira, crianças disruptivas geram volta dos 7 anos de idade. Entretanto, o
tes, formando uma geração de “prínci- sentimentos negativos muito fortes nos desrespeito e a desobediência começam
pes” e “princesas” com mais direitos do outros, como raiva, frustração e ansie- a aparecer bem antes. Cabe lembrar
que deveres, mais liberdade do que res-
ponsabilidade, mais “receber” do que
“dar” ou “retribuir”, colocando voz de A presença de crianças
mando na casa, na escola, com os ami- que adotam comportamentos
agressivos e cheios de
gos e na sociedade”.
vontade na prática clínica
O termo síndrome do imperador vem aumentando,
ou imperador doméstico tornou-se encaminhadas pela
popular pelos profi ssionais da área da escola ou trazidas
saúde, principalmente por psicólogos, pelos pais
pedagogos e pediatras, para elucidar
os comportamentos de mando, birra
e agressividade de algumas crianças,
que submetem os pais aos seus ca-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

prichos. O sistema diagnóstico mais


amplamente utilizado pelos profi ssio-
nais, o DSM-5 (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais),
classifica esse repertório de compor-
tamentos disfuncionais (padrão fre-
quente e persistente de humor raivo-
so/irritável, questionador/desafiante

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que toda criança em algum momento
de sua trajetória vai desobedecer algu-
ma orientação. Isso faz parte da curio-
sidade e do ciclo de aprendizagem do
infante. Quando se trata da síndrome
do imperador tais comportamentos são
frequentes e intensos, resultando em
sérios prejuízos nas relações interpesso-
ais, afetando a casa, a escola e os amigos.
Em crianças entre 2 e 3 anos, a de-
sobediência é comum, pois ela é muito
pequena e a percepção do real e dos pró-
prios sentimentos ainda é inadequada.
Entretanto, é justamente nesse estágio
que os pais devem ajudar a criança a or- Na escola, o problema se manifesta em xingar o professor, roubar brinquedos, não aceitar as
ganizar e a administrar as emoções e os orientações, bater nos colegas, não querer fazer as tarefas e mentir
comportamentos. Para isso, os pais de-
vem adotar algumas posturas orientati- O termo síndrome do imperador ou
vas para que a criança aprenda padrões
de comportamentos mais adequados imperador doméstico tornou-se popular,
(Calçada, 2014). Os pais são os pri- principalmente por psicólogos, pedagogos
meiros exemplos para a criança, e esta
molda seus comportamentos de acordo e pediatras, para elucidar comportamentos
com o que absorve e assimila das pesso- de mando e agressividade de crianças que
as e dos ambientes onde convive.
Quando os pais não orientam a submetem os pais aos seus caprichos
criança ou até mesmo quando validam o
erro, esses comportamentos ditos como Já os pesquisadores da aprendiza- criança modela a percepção de si mes-
disfuncionais aumentam de intensidade gem sugerem que os comportamentos ma, do outro e do mundo, refletindo
até chegar à desobediência total, ocasio- inadequados são aprendidos pela imi- diretamente nos modelos de relaciona-
nando a síndrome do imperador. Se não tação e gratificação. Holmes (1997) mentos futuros.
corrigidos, a criança poderá desenvol- comenta que diversas pesquisas em Psi- Para a autora Rodrigues (2015), as
ver o transtorno de conduta ou mesmo cologia indicam que indivíduos que ob- pessoas que cuidam da criança trans-
se transformar em uma personalidade servam agressão em outros, subsequen- mitem de modo consciente ou incons-
antissocial na adultidade. temente desempenham mais atos de ciente informações que darão a base
Do ponto de vista dos teóricos psi- agressão. Nessa mesma linha, pesquisas ou alicerce para o desenvolvimento da
codinâmicos, a origem dos comporta- evidenciaram que mães que usaram personalidade do infante. Por meio do
mentos disfuncionais se dá pela quali- comportamentos mais agressivos na embalar, do cuidar, do pegar, do falar
dade do relacionamento da criança com educação dos filhos tiveram, em geral, os adultos estão apresentando o mundo
seus pais. Se os pais são indulgentes, os crianças mais agressivas do que as que para a criança.
filhos crescem acreditando que podem usaram métodos menos hostis. Ou seja, Se os pais são afetivos, cuidadosos e
fazer qualquer coisa, sem responder a punição somente pareceu promover pacientes, a criança acredita que o mun-
pelos efeitos. Enquanto que se os pais mais agressividade em vez de reduzi-la. do é seguro e a sensação de segurança é
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

são abertamente restritivos, as crianças aprendida. Entretanto, se há negligência


se desenvolvem acreditando que, para Vínculos nos cuidados primários, falta de incen-
satisfazer suas necessidades, devem to-
mar o que desejam, independentemente
das consequências. Nessas situações, o
O psiquiatra e psicólogo Bowlby
(1989) comenta que todos os se-
res humanos estabelecem vínculos afe-
tivo e afeto, olhar punitivo demasiado,
ambiente agitado e falta de limites rea-
listas, a criança aprende que o mundo é
elemento comum é a frustração. E, em tivos fortes uns com os outros desde os perigoso, estressante, e a instabilidade
muitos casos, a frustração leva à agres- primeiros anos de vida. É por meio da será instaurada por meio de esquemas
são (Holmes, 1997). qualidade desse vínculo inicial que a disfuncionais.

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INFANTIL

Os imperadores domésticos lideram a casa, eu nunca vou dar orgulho para os meus
pais.” Quando não valorizamos as pos-
xingam os pais, babás e professores, escolhem a turas positivas da criança, ela tende a
comida, definem o que deve ser assistido na TV, não repetir os acertos. Quando os pais
discutem, brigam e xingam na frente da
a hora de dormir e acordar, se querem ou não criança, o que a criança está aprenden-
fazer a tarefa da escola e estudar para a prova do com os pais? Ela aprende a ter raiva
e ansiedade e replica tais impulsos nas
relações com os outros.
Em síntese, os esquemas disfun- força os comportamentos inadequados Outro aspecto importante de men-
cionais são padrões emocionais e da criança, muitas vezes de maneira cionar é que há casos em que os pais se
cognitivos autoderrotistas iniciados inconsciente, na tentativa de dar prote- esforçam para orientar quanto aos va-
no desenvolvimento desde cedo e re- ção e afeto. Porém, tal postura é deslo- lores morais e éticos, inserindo a dis-
petidos ao longo da vida. Em grande cada e prejudicial. Um exemplo disso é ciplina no cotidiano, conjuntamente
medida, a dinâmica familiar de uma quando a mãe dá o doce que a criança com o afeto. Entretanto, a criança de-
criança é a dinâmica de todo o seu deseja, enquanto esta se joga no chão monstra comportamentos de maldade
mundo remoto (Young, 2008). Ou- e chora compulsivamente. O que a e crueldade. Mas como explicar isso?
tras influências, de amigos, escola e criança aprendeu com essa atitude da Estudos da Neurologia, Neurociências
cultura ao derredor, tornam-se cada mãe? “É com escândalo que posso ter e Psicologia abordam que não há um
vez mais importantes à medida que a tudo o que quero.” único fator que leva a criança a desen-
criança se desenvolve e podem con- volver tais comportamentos. Mas, sim,
tribuir para o desenvolvimento de Mudança um somatório de aspectos ambientais,
esquemas. Entretanto, não serão tão
profundos e poderosos quanto os es-
quemas formados no berço familiar.
O utra situação é quando o fi lho
considerado travesso, um belo
dia, obedece a seus pais prontamen-
mesológicos e genéticos. Ou seja, há
crianças que devido à falta de orien-
tação quanto aos limites agem assim,
Devido a esse fator, ressalta-se a te. Por sua vez, os pais falam, “não fez mas há outras que possuem essa atitu-
importância do protagonismo e exem- mais que a obrigação” e ficam bravos de devido aos aspectos genéticos.
plarismo dos pais no cenário da famí- pelos comportamentos anteriores. O Diante de toda essa gama de teorias
lia. Grande parte dos pais comete erros que a criança aprendeu com essa atitu- e pesquisas, cabe a seguinte reflexão:
na educação de seus fi lhos, porque re- de dos pais? “Não adianta me esforçar, como é possível saber quais fatores es-
tão interferindo no comportamento
da criança? Primeiramente, é essencial
buscar a orientação de psicólogos, pe-
diatras e psiquiatras, pois estes possuem
ferramentas terapêuticas que podem
Com estímulos
otimizar o diagnóstico preciso quanto
saudáveis e
a orientação aos fatores mencionados e, acima de
quanto aos tudo, darão orientações para a resolu-
limites realistas, ção do problema da criança e da família.
aos poucos Pois nenhuma criança é igual à outra e
a criança vai
não há receita de bolo em se tratando da
criando novas
formas de olhar mente humana.
a si mesma, Mas é possível auxiliar essa crian-
os outros e o ça? Sim. Por intermédio dos estímulos
mundo saudáveis, como o reconhecimento dos
talentos da criança, a orientação quan-
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

to aos limites realistas e o fornecimen-


to de um ambiente acolhedor, estável e
estimulante. Com isso, pouco a pouco
a criança vai criando novas formas de
olhar a si mesma, os outros e o mundo.

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PARA SABER MAIS

CINCO TAREFAS ESSENCIAIS PARA


A SAÚDE PSICOLÓGICA DOS FILHOS
D e acordo com o psicólogo Jeffrey Young (2008), há cinco tarefas
primárias da educação parental essenciais para a saúde psicológica e
emocional dos filhos: 1) Conexão e aceitação: estabelecer vínculo seguro
com a criança; fornecer estabilidade, cuidado e aceitação. 2) Autonomia e
desempenho: respeitar e propiciar a autonomia da criança, assim como
validar seu desempenho, suas habilidades e talentos. 3) Limites realistas:
orientar quanto às regras de casa de modo assertivo e afetivo, esclarecendo
sobre posturas adequadas e inadequadas. 4) Auto-orientação: incentivar a
curiosidade, o desenvolvimento de novas habilidades, mantendo sempre o
diálogo, o incentivo e os limites realistas. 5) Autoexpressão: dar abertura para
a criança expressar seus sentimentos, por intermédio da escuta ativa.
Por isso é importante ter em mente
que pais com ausência de limites, com
posturas rígidas ou, até mesmo, que de-
monstram falta de envolvimento com Se os pais são afetivos e pacientes,
os filhos são indicadores para a criação
de imperadores domésticos. a criança acredita que o mundo é seguro.
Pais recíprocos
Entretanto, se há negligência, falta de
incentivo, olhar punitivo demasiado, a criança
Q ual tipo de pai, então, seria o
ideal? Os chamados “pais recí-
procos”. Eles cooperam com os fi lhos,
aprende que o mundo é perigoso, estressante
compartilham suas decisões, têm limi-
tes definidos, coerência na educação e comportamento e a aplicação de limites ve-se procurar rapidamente um psicó-
conseguem manter um relacionamento realistas pelo comportamento indese- logo. Esse tratamento poderá realizar
aberto com as crianças. O ideal é equili- jado; tudo isso dentro de um ambiente testes específicos, como propor psi-
brar dois fatores: a validação pelo bom terno e carinhoso. coterapia para a criança e psicoeduca-
Dessa maneira, ao serem observa- ção para os pais. Nesse sentido, cabe
dos na criança comportamentos assí- a reflexão da frase do famoso fi lósofo
duos de birra, mando e desrespeito em romano, Sêneca (4 a.C.): “A educação
diversas situações, assim como dificul- exige os maiores cuidados, porque in-
dade dos pais em lidar com o fi lho, de- flui sobre toda a vida”.

REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2002.

ŒTranstorno de conduta Œ CALÇADA, A. Comportamentos agressivos na primeira infância. Revista Psique, capa, ano IX, ed. 108, p. 26,
31, São Paulo, dez. 2008.
Conjunto de alterações comportamentais
FRIEDBERG, R. D.; MCCLURE, J. M. A Prática Clínica de Terapia Cognitiva com Crianças e
apresentado, especialmente, em adolescentes
Adolescentes. Porto Alegre: Artmed,
que são agressivos, desafiadores e antisso-
ciais, o transtorno de conduta também faz HOLMES, D. Psicologia dos Transtornos Mentais, ., São Paulo: Artmed,
com que o jovem viole os direitos básicos NOLTE, D. L.; HARRIS, R. As Crianças Aprendem o que Vivenciam, p. 1, 2, 14, 15. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

do outro. Assume uma face mais grave quan- RODRIGUES, M. Educação Emocional Positiva: Saber Lidar com as Emoções É uma Importante Lição, .,
do comparado ao transtorno desafiador opo- ,Novo Hamburgo: Sinopsys,
sitivo. Com maior incidência em pessoas do
TIBA, I. Disciplina na Medida Certa, p. 28, 29, 108. São Paulo: Integrare,
sexo masculino, acredita-se que cerca de 9%
dos meninos e 4% das meninas com menos YOUNG, J. Terapia Cognitiva para Transtornos da Personalidade, 3. ed., p. 22, 25, 27-35, 64. Porto Alegre:
de 18 anos sofram do problema. Artmed, 2003. Box

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MODERNIDADE

ANGÚSTIA:
a patologia da vida
pós-moderna
A sociedade contemporânea mudou o perfil do homem, e a Psicanálise
é um caminho no qual o sujeito busca alternativas para aliviar suas
dores e criar uma responsabilidade por si e também pelos outros
Por Araceli Albino

A
sociedade pós-moderna nos. As mudanças contínuas que acon- significa que a criança precisa de uma
vem se transformando tecem no mundo estão defi nindo o relação afetiva que a ampare, proteja e
de uma forma galopante. modo de ser do homem pós-moderno. signifique o mundo interno e externo.
O homem que a opera é Freud, criador da Psicanálise, em E nesse processo é necessário que o
um ser tomado pela sua sua obra memorável de 1930, coloca adulto imponha limites que protejam
própria ânsia de sempre se superar e que o homem tem sua própria natureza a criança, garantindo sua evolução fí-
está sentindo na pele os reflexos de sua de lidar com o “mal-estar da civiliza- sica e psíquica. É o sujeito adulto que
criação. De um lado tem-se o avanço ção”, e a forma de amenizar esse estado faz isso, nenhuma outra coisa substitui
científico e tecnológico, que facilita a está centrada no estabelecimento de essa relação. Mesmo havendo o estabe-
vida do homem, e de outro lado tem o relações saudáveis entre os seres, que lecimento desses laços, as pessoas es-
dilema de ter que enfrentar os efeitos começam com as relações parentais. tão fadadas a lidar com as frustrações,
colaterais de sua própria criação. Para que haja uma constituição com a dor, com a incompletude; nas
Hoje, as pessoas se deparam com psíquica saudável é preciso um mo- relações humanas, algo sempre escapa,
uma sociedade narcísica, onipotente, delo familiar equilibrado, pautado no pois todos são seres culturais.
onipresente, onisciente, centrada no afeto amoroso, no amparo e na lei que A cultura impõe suas condições,
modelo do capitalismo selvagem, que interdita a demanda de gozo infi ndável ninguém fica fora dela. Pode-se ob-
está deixando o sujeito suspenso no do infante. A criança nasce totalmen- servar esse movimento ao longo da
estado de desamparo, pois acabou por te dependente de um adulto, este que história da humanidade. Por exemplo,
centrar-se apenas em si mesmo, esque- mantém sua sobrevivência, e daí sur- pode-se citar o modelo da sociedade
cendo de que existe um outro que é ge a constituição psíquica que se dá vitoriana, que predominou até o início
essencial em uma relação entre huma- na primeira infância (0 a 9 anos). Isso do século XX, que era um modelo de
sociedade repressora, impunha valores
morais rígidos, fundados no poder pa-
Araceli Albino é doutora em Psicologia pela Universidad Del Salvador (Buenos Aires, Argentina).
Presidente do Sindicato dos Psicanalistas do Estado de São Paulo – SINPESP. Pós-graduação na PUC triarcal. A sociedade era organizada de
em “Psicanálise e linguagem”. Especializações em: Psicoterapia/Psicodinâmica de adultos e adolescentes; uma forma vertical, pois a lei maior era
IMAGENS: 123RF

Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea; Professora e Coordenadora do curso de do “pai”, e não podia ser questionada.
Formação em Psicanálise do Núcleo Brasileiro de Pesquisas Psicanalíticas.
Essa organização social deixou seus

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Freud anuncia que o ser não é o
da consciência, é determinado por uma
“coisa”, denominada inconsciente, que imputa
suas ações. Ele diz que o homem é
um ser de desejo e não da consciência
ŒHumanidade perdida? Œ rastros registrados nas neuroses (his- vidualismo. Nesse modelo o outro foi
Em linhas gerais, as características do pós- teria, neurose obsessiva e fobias). perdendo espaço e consistência, a rela-
-moderno passam pelo desencanto social Hoje, houve uma ruptura com o ção interpessoal ficou diluída, liquidi-
em relação à religião, política e ciência. A
ideia de verdade e progresso passou a ser
modelo vitoriano. As mudanças vêm ficada. O homem modelo é o da cons-
questionada. A comunicação e o consumo ocorrendo desde os anos 1960, abrindo ciência, herdeiro do cartesianismo e do
são aspectos essenciais dessa etapa da hu- novos vértices para a constituição da discurso das ciências. Ele se empodera
manidade, e o que importa é o imediato, sociedade pós-moderna, que se pauta do conhecimento e traz a tecnologia
o aqui e agora. Existe um grande interes- na liberalidade sexual, social, política e como instrumento de transformação.
se pelo alternativo, e o sujeito substitui os
cultural da vida moderna. A moderni- Freud surge nessa época, anun-
IMAGENS: 123RF

projetos coletivos por ações absolutamen-


te individualistas. dade impõe suas condições ao sujeito, ciando que o ser não é o da consciên-
cuja principal característica foi o indi- cia, é determinado por uma “coisa”,

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MODERNIDADE

PARA SABER MAIS Relações parentais


BALEIA AZUL DÁ MARGEM
A TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO
A Psicanálise mostra que o sujeito é
constituído a partir das relações
parentais. Para tal é necessário que
haja um adulto com afeto amoroso e
O fenômeno jogo da Baleia Azul surgiu, supostamente, em uma rede social da
b G   G   
: P  G
 G   ‚IG  G

suicídios entre os adolescentes em vários países. Levantamento indica que o jogo
uma lei que ampare e proteja esse in-
fante. Freud denomina como uma lei
primária de castração, que é primor-
está diretamente relacionado a nada menos do que 100 casos de suicídio, havendo
dial para que haja a organização subje-

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IG  G
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tiva de um ser humano. Para que se te-
hashtags do jogo. O nome Baleia Azul se refere às baleias encalhadas, supostamente
nha desejo é necessário que haja uma
suicidas. Esse animal pode pesar 177 toneladas e medir 30 metros de comprimento,
falta, e isso é o que a sociedade pós-mo-
considerado o maior animal do mundo. Entretanto, estudos mostram que são
derna quer eliminar totalmente. Essa
suicidas, e seu encalhe ocorre por razões ainda não esclarecidas. Uma das hipóteses
cultura prega que se pode ter todos os
é a falha de ecolocalização. Enquanto o jogo deixa suas vítimas, fornece subsídios
prazeres possíveis, ela fornece todos
para inúmeros teóricos da conspiração. Alguns, inclusive, garantem que se trata
os objetos para o sujeito gozar, estão
de uma campanha promovida por ucranianos. O jogo se baseia na relação entre
disponíveis no mercado, estão à mos-

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tra nas vitrines, nas esquinas, nas ruas;
completar, sendo a última o suicídio. Acredita-se que o criador seja o russo Filipp
quem tem dinheiro compra, quem não
Budeykin, que aliciava jovens para esses grupos. Ele está preso na Rússia e declarou
tem tira de quem tem e compra. Se
que seu objetivo era fazer uma “limpeza na sociedade”.
adoecer, também tem como comprar
a cura, pois a doença está mercantili-
A sociedade pós-moderna se organizou zada pelos laboratórios, que fabricam
as pílulas mágicas. O consumo desen-
horizontalmente. O poder do “pai” foi quebrado, freado, a flexibilidade das ideias e dos
a lei enfraquecida. Os desdobramentos costumes, o pensamento fragmentado
e automatizado, a falta de ideais polí-
disso se dão pela falta de limite, incapacidade ticos e sociais, a vulnerabilidade e o
de lidar com as frustrações, desamparo, despreparo emocional abrem cami-
nho para o desapontamento amoroso
violência. É a sociedade robótica
denominada inconsciente, que imputa da geração pós-moderna. Hoje, há
suas ações. Ele diz que o homem é um uma busca infi ndável de realização

JAN BAPTIST WEENIX/WIKIPEDIA


ser de desejo e não da consciência. É de desejo. Desejo, para a Psicanálise,
uma mudança de paradigma na con- é diferente de vontade, é um impulso
cepção do entendimento humano. A inconsciente que atende o princípio do
ideia do homem soberano, racional e prazer. Este, por sua vez, é insaciável,
detentor de todo saber é abalada. Freud insólito, inefável. Não há limite para o
anuncia que o comportamento do ho- gozo, tornando-o um processo mortí- Œ Cartesianismo Œ
mem está atrelado a uma representa- fero que aprisiona. Essa é a caracterís- A origem do cartesianismo se refere a
ção inconsciente que ele não domina. tica da modernidade. Descartes, filósofo, físico e matemático fran-
O movimento pulsional ultrapassa os A sociedade pós-moderna se or- cês, considerado o pai da Filosofia moderna,
cujo nome latino era Cartesius. O ponto de
limites da consciência, o que pode ser ganizou horizontalmente. O poder do
partida é a busca por uma verdade primei-
constatado pelos sintomas que trazem “pai” foi quebrado, a lei enfraquecida. ra, que não possa ser colocada em dúvida.
sofrimento, e este, se não consegue evi- Agora, os desdobramentos disso se dão Por isso, converte a dúvida em método. O
tar. Esse movimento desejante é dinâ- pela falta de limite, incapacidade de li- pensamento cartesiano começa duvidando
mico e incessante e vai defi nir as carac- dar com as frustrações, desamparo, vio- de tudo, convencido de que a opinião tradi-
cional e as experiências da humanidade são
terísticas da vida pós-moderna. lência, empobrecimento da subjetivida-
guias pouco confiáveis. O método, então, é
O homem moderno empoderado de e o esvaziamento interno pela falta isento da influência de ambos fatores.
do seu narcisismo traça o psiquismo de simbolização. É a sociedade robótica.

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e criam uma onda de medo, dúvida e
desamparo.
Esse modus operandi da pós-mo-
dernidade desfavorece a formação de
laços saudáveis, instalando vínculos
patológicos. Diante desse cenário, o
homem depende cada vez menos do
outro e instala a lei do vale-tudo. O
afeto amoroso está cedendo lugar
para o agressivo. Trata-se de uma so-
ciedade que valoriza os meios e não
os fins e, em consequência, os valo-
res morais e éticos estão fragilizados
e superficiais. As ofertas são infinitas
para que o sujeito possa tapar os bu-
racos deixados pelo esvaziamento da
subjetividade.
A sociedade esvaziada de lingua- A transformação imposta pela sociedade pós-moderna apresenta o avanço tecnológico e o dilema
gem simbólica convoca o ato, e a objeti- de ter de enfrentar os efeitos colaterais de sua própria criação
vação ocupa o lugar da subjetivação – é
o que se tem observado como sintoma A sociedade esvaziada de linguagem simbólica
da atualidade. O discurso está ceden-
do lugar para a imagem, para o imagi- convoca o ato e a objetivação ocupa o lugar da
nário, criando um terror sem nome que subjetivação. O discurso está cedendo lugar à
faz com que o sujeito vá para o ato para
se aliviar do alto grau de angústia. imagem, criando um terror sem nome que faz
com que o sujeito alcance alto nível de angústia
No divã
A clínica psicanalítica está repleta
de queixas referentes a mutila-
ções, atitudes passionais, dependências
É fundamental pensar novos vértices,
que possam conduzir a vida humana a
voltar-se para o processo de humaniza-
lação paciente-analista. Nesse campo
o paciente direciona para o analista
as vivências de protótipos infantis ex-
químicas, consumismo, síndrome de ção. Para tanto, precisa-se de esforços perienciados com as figuras parentais.
pânico, explosões violentas, alto grau interdisciplinares, pois o sujeito está Como o inconsciente não tem tempo,
de somatizações físicas e mentais, po- acometido por comorbidades múlti- espaço, limite, contradição, o analista
dendo chegar no ponto máximo do ato, plas, que favorecem a prevalência da pode trabalhar em tempo real os afetos
que é o suicídio. Recentemente, a mídia pulsão de morte. ligados às figuras parentais, possibili-
vem divulgando o jogo da Baleia Azul, tando que o sujeito faça uma reorgani-
no qual jovens entram em um jogo de Relação segura zação psíquica.
morte, pois o máximo é tirar a própria
vida. É, sem dúvida, algo preocupante,
mas é preciso pensar que isso é apenas o
A Psicanálise é um processo tera-
pêutico especifico, que tem como
pilar o estabelecimento de uma relação
A Psicanálise é um caminho que
o sujeito pode buscar para aliviar sua
dor e criar uma responsabilidade por si
reflexo da loucura social que está sendo segura e de confiança entre paciente e e pelos outros, além de novos segmen-
produzida. Esse modelo convoca atos analista. Traduz-se pela transferência, tos da sociedade, como saúde, família,
violentos, como morte, assassinatos e pautada pela ética e conduzida pela sociais, políticos etc. É preciso que as
suicídios, pois acaba sendo a forma que técnica. Esse processo permite que o pessoas se movimentem no sentido de
se encontra para aliviar a dor da angús- paciente tenha uma experiência singu- refletir sobre os danos causados ao ho-
tia, provocada pela impotência, da fissu- lar e, no processo transferencial com o mem, e buscar uma nova maneira de
ra, aniquilamento e falta de completude analista, vai encontrar um campo para preservá-lo, porque sem o homem não
fusional dos amantes. se reinventar. se tem sociedade, não se tem nada. A
A sociedade está doente por falta A transferência é um termo técni- sociedade está doente, sangrando, e é
de simbolização, de discurso de ética. co que Freud utiliza para definir a re- imprescindível união para curá-la.

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coaching por Eduardo Shinyashiki

Sair da
ZONA DE
CONFORTO
A NOSSA MEMÓRIA INCONSCIENTE
NOS OBRIGA A PENSAR E AGIR
DE FORMA AUTOMÁTICA. POR
ISSO NÃO É FÁCIL MUDAR, MAS É
PRECISO FOCAR NOS OBJETIVOS
COM A PREDISPOSIÇÃO DE
ENFRENTAR O DESCONHECIDO DE
FORMA POSITIVA

V
iver de forma consciente os prof issionais. Mas quantos deles Isso nada mais é que uma forma de
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK E ACERVO PESSOAL

e encarar os desaf ios que realmente se dispõem a fazer o que defesa, já que, por não exigir o esfor-
surgem durante a vida é nec essário para c resc er na c arreira? ço necessário para o rompimento de
não são tarefas fáceis. Há pessoas que focam nas dif i- barreiras, a atual situação transmite
Mesmo que bem planejadas, as me- culdades e duvidam da própria capa- uma sensação de estabilidade.
tas nem sempre são alcançadas pelas cidade. Esses tipos de pensamentos, Toda novidade, geralmente, traz
pessoas. Mudar de emprego e obter além de limitarem a visão aos pontos nas pessoas três sensações básicas
uma posição melhor na empresa, por negativos, colaboram para a desis- negativas: inadequação, ridículo e
exemplo, são objetivos comuns entre tência, antes mesmo de tentar o novo. desvalorização. Provavelmente, você

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já passou por situações em que f icou A FÓRMULA ferramentas que ajudem a enfrentar
exposto a uma delas. Essas sensa- as situações de frente, pois, quando
ções acontecem porque a tendência
NEUROLÓGICA não temos o foco no objetivo, surge
do cérebro é sempre buscar a roti- DO SUCESSO SE a desmotivação para esfriar o ímpe-
na. Ele é naturalmente conf igurado to de atingir o resultado. Assim, sem
ENCONTRA NA
para gerar uma série de repetições que se perceba, o compromisso com
e, para nos proteger, cria alguns sis- INTENCIONALIDADE: o sonho, aos poucos, cai no esqueci-
temas – ou seja, os nossos hábitos, TER ATENÇÃO mento e deixa de ser prioridade.
o que nos faz escovar os dentes, por Quem opta por seguir esse ca-
DIRECIONADA
exemplo, sem precisar aprender to- minho, geralmente, não evolui, pois
dos os dias como fazê-lo. E INTENÇÃO não consegue interpretar o cenário
É importante que se diga que essa CONSCIENTE e acaba por escolher apenas os pa-
busca do cérebro pela rotina não é drões conhecidos. Esses padrões o
algo totalmente ruim, pois economi-
SOBRE AQUILO QUE condicionam a encontrar apenas
za tempo e ajuda a preservar a espé- QUEREMOS, CRIANDO aquilo que está habituado a enxer-
cie, além do que, estar sempre em es- UMA REPRESENTAÇÃO gar, como as possibilidades de fra-
tado de ale rta se ria muito e stre ssante casso e sofrimento.
para qualquer um. O lado negativo,
INTERNA DESSA META Não há fórmulas mágicas para
porém, é que isso engessa a forma mudar, mas precisamos utilizar ao
como vivemos. limitadoras, feridas não cicatrizadas máximo a nossa vontade conscien-
Voltando às sensações negativas, que precisam ser cuidadas e curadas. te, direcionar a atenção para o novo
a inadequação é muito comum nos É como passar por um relacionamen- comportamento e ter uma prática
tímidos. Por medo da exposição e do to que não deu certo e carregar ape- mental e f ísica persistente, constan-
sentimento de desvalorização diante nas as lembranças ruins, deixando-as te e repetitiva, a f im de deixar os
de outras pessoas, eles alimentam a contaminar as próximas relações. novos traços permanentes em nos-
postura reservada, e as situações no- Com esse cenário em mente, a so cérebro. Muitas vezes, fazemos
vas e os momentos em que deveriam pessoa cria barreiras que impactam poucas e fracas te ntativas e , logo e m
se destacar tornam-se torturantes. na intensidade do amor, até que ele seguida, desistimos.
Esse é exatamente o mesmo caso deixe de existir. A trajetória faz com A fórmula neurológica do sucesso
daquele funcionário que se destaca que destrua aquilo que deseja por se encontra na intencionalidade: ter
por seus bons resultados, porém se trazer à tona apenas os pontos nega- atenção direcionada e intenção cons-
apaga em uma reunião externa. O tivos do relacionamento anterior. ciente sobre aquilo que queremos,
medo de ouvir um “o que você acha Por conta disso, em algumas situ- criando uma representação interna,
DISSO� OU �QUAIS SÎO AS SUAS SUGES ações de mudança, o cérebro é obri- uma imagem mental tão real que
TÜESPARAQUEFA¥AMOSISSO�IMEDIA gado a construir caminhos e, dessa começamos a formar no nosso cére-
tamente faz com que tenha a sensa- forma, os medos tornam-se inevitá- bro novas conexões para arquivá-las
ção de uma possível rejeição. Como veis. Essas situações são comuns a como lembranças, as quais estarão à
resposta, por mais que domine o as- todos que, por exemplo, buscam um disposição para ser utilizadas quan-
sunto, ele conf igura o seu pensamen- emprego, iniciam um relacionamen- do necessário. Nesse momento, a
to para f icar invisível em situações to ou enfrentam um novo desaf io na mudança visualizada na mente está
consideradas de grande exposição. empresa em que atuam. Como, en- f isicamente presente no cérebro.
Por trás de tudo isso, está o pensa- tão, encarar sem receios essas sensa- Invista mais no inesperado caso
mento: “É melhor passar desperce- ções que surgem no cotidiano? queira resultados diferentes para
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK E ACERVO PESSOAL

bido do que ser exposto, pois o que O sentimento é inevitável e in- questões antigas. A resposta do que
importa é bater as metas”. voluntário! O importante é criar fazer estará sempre dentro de nós.
Outra consequência da inadequa-
ção é o receio frequente do abandono, Eduardo Shinyashiki é mestre em Neuropsicologia, liderança educadora
que se manifesta nas inseguranças e e especialista em desenvolvimento das competências de liderança
organizacional e pessoal. Com mais de 30 anos de experiência no Brasil e na
tem origem na memória inconscien- Europa, é referência em ampliar o crescimento e a autoliderança das pessoas.
te. Dentro dela existem traumas do www.edushin.com.br
passado, experiências dolorosas e

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livros Por Lucas Vasques

Gerenciando a raiva (pavio curto)


Chamar alguém de explosivo e aceitar comportamentos irascíveis são atitudes corriqueiras,
mas que merecem atenção. Distúrbio pouco falado no Brasil, o transtorno explosivo inter-
MITENTE4%) SECARACTERIZAPELADIlCULDADEDEGERENCIAROSENTIMENTODERAIVA GERANDO
uma manifestação impulsiva de comportamentos agressivos. Mente Impulsiva, Comportamen-
to Explosivo: Transtorno Explosivo Intermitente aborda a temática com leitura simples. Escrita
pela psicóloga Vânia Calazans, a obra é guiada de forma que o leitor imagine o paciente
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

que possui o distúrbio, esclarecendo o que é uma atitude normal de uma série de compor-
tamentos patológicos. Vânia explica de que forma essas explosões ocorrem: “No momento
do ataque de raiva, a pessoa acredita que essa era sua única alternativa, mas passado algum
tempo aparecem os sentimentos de culpa, vergonha, arrependimento, tristeza”.

Mente Impulsiva, Comportamento Explosivo: Transtorno Explosivo Intermitente


Autora: Vânia Calazans
Editora: Sinopsys
No de páginas: 160

Os vários aspectos do desenvolvimento (leituras propostas pela Psicologia)


O livro Psicologia e Desenvolvimento Humano tem como proposta trabalhar os vários aspectos do
desenvolvimento humano, dentro das muitas leituras que a Psicologia propõe. Inicialmente, tra-
balha infância e adolescência no tempo atual, no qual as relações são rápidas e pautadas pela
tecnologia. Em seguida, a visão que se tem sobre a terceira idade e as perspectivas de Freud e a
Psicanálise, Piaget, Vygotsky e, por último, o behaviorismo. Em um primeiro momento, a obra
leva em consideração a Psicologia e sua história; em um segundo, a infância no momento atual,
QUEPASSAPORUMASÏRIEDETRANSFORMA¥ÜES!ADOLESCÐNCIAESUASCRISESAPARECEMNOTERCEIRO
capítulo; já o envelhecimento como processo que implica, em várias dimensões, aspectos físicos,
cognitivos, afetivos e sociais, é trabalhado em seguida, buscando ampliar a visão do leitor quanto
à velhice e sua valorização.

Psicologia e Desenvolvimento Humano


Autor: Emérico Arnaldo de Quadros
Editora: Vozes
No de páginas: 184

Sofrer por antecipação (pensamento acelerado)


Existem muitas pessoas, especialmente nos tempos atuais, que têm como característica o fato de
sofrerem por antecipação. Outro problema frequente no mundo moderno é acordar cansado, como
SEANOITEDESONONÎOTIVESSEFEITOOMENOREFEITONOSASPECTOSFÓSICOEMENTAL.ORMALMENTE PROlS
SIONAISCOMESSEPERlLNÎOTOLERAMTRABALHARCOMPESSOASLENTAS!LÏMDISSO TÐMDORESDECABE¥A
OUMUSCULAR ESQUECEMDASCOISASCOMFACILIDADE ENTREOUTRAS1UEMSEIDENTIlCOUÏPORQUEPROVA
VELMENTESOFREDASÓNDROMEDOPENSAMENTOACELERADO30! #ONSIDERADAPELOPSIQUIATRA!UGUSTO
Cury como o novo mal do século, suplantando a depressão, ela acomete grande parte da população
mundial. Em Ansiedade – Como Enfrentar o Mal do Século, o leitor entenderá como funciona a mente
HUMANAPARASERCAPAZDEDESACELERARSEUPENSAMENTO GERIRSUAEMO¥ÎODEMANEIRAElCAZERES
gatar sua qualidade de vida.

Ansiedade – Como Enfrentar o Mal do Século


Autor: Augusto Cury
Editora: Saraiva
No de páginas: 160

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Dependência quimica em pauta
dossiê

A fronteira
entre a internação
compulsória
e a involuntária

Uma das principais


dificuldades
encontradas dentro
de um cenário no
qual a pessoa é
usuária de droga
é como definir
qual o limite de
autonomia que
esses dependentes
químicos devem
experimentar
SHUTTERSTOCK

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dossiê

O QUE FAZER com


dependentes químicos?
Governos municipal e estadual de São Paulo
desenvolveram ações na Cracolândia e reabriram
uma discussão antiga a respeito de como tratar as pessoas
que frequentam essas áreas de consumo de drogas
Por Gustavo Gil Alarcão

E
m 21 de maio de 2017, tas do governo sempre refirmam nar, que exige um esforço de com-
os governos municipal e que tal procedimento será aplicado plementaridade entre saberes, dis-
estadual de São Paulo li- somente nos casos excepcionais, cursos, técnicas e ações.
deraram um movimento não será uma regra, e reiteram que Lacan nos informa em seu se-
que, nas palavras do prefeito, tinha as equipes multidisciplinares serão minário sobre Ética, retomando a
como objetivo “acabar com a Cra- compostas por médicos, assisten- importância do texto freudiano O
colândia”. Os desdobramentos des- tes sociais, advogados, psicólogos, Mal-estar na Civilização, que “é com
sa ação reacenderam uma discussão agentes de saúde e de segurança. o homem, com uma demanda huma-
que nunca silenciou: o que fazer Mas a ênfase da ação do governo es- na permanente, que estamos envol-
com a(s) cracolândia(s)? O que fa- teve, principalmente, na utilização vidos em nossa experiência a mais
zer com dependentes químicos? A da força policial. cotidiana” (p. 17). Uma Ética que
escolha dos governos incluiu, den- Ao abordar tal situação, é ne- coloca em evidência o cuidado com
tre outras medidas, o pedido de cessário escapar totalmente das cada homem em sua singularidade,
autorização judicial para realização armadilhas de raciocínios sim- sem, e é importante que se frise, sem
de internações compulsórias, práti- plistas e afetos absolutamente indicar um caminho prescritivo de
cas previstas na legislação brasileira apaixonados. A situação é comple- comportamentos, mas sublinhando
(artigo 6º da Lei no 10.216 de 2001). xa e se torna ainda mais complica- o compromisso responsável que a
A Justiça do Estado autorizou o pe- da na medida em que se observa o pessoa faz consigo e com os outros.
dido do governo em 26 de maio, re- clamor público por ações rápidas Essa Ética faz rejeitar de cara a
vogando-o dois dias mais tarde. Na e definitivas, alimentadas pela adoção de categorias que falem em
sequência, a equipe da prefeitura ilusão da erradicação do mal. Bir- nome dos indivíduos. Assim, se não
informou que contratará serviço de man (2009), em Cadernos Sobre se reiterar exaustivamente as con-
ambulâncias para realizar o trans- o Mal, convida a pensar, de uma sequências do reducionismo do uso
porte de dependentes químicos, perspectiva psicanalítica, nas di- de categorias particulares carrega-
ou “viciados” (conforme o veículo versas problemáticas que a agres- das de valores sociais, ideológicos,
de imprensa consultado) para os sividade, a violência e a crueldade culturais na caracterização de pes-
locais nos quais serão examinados assumem no que chama “trágica soas, está se adotando um caminho
por uma equipe multidisciplinar, cena da atualidade”. O autor está marcado por uma perigosa ambiva-
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

que avaliará a necessidade ou não correto, pois esse cenário é uma lência: afirma e nega a preocupa-
da internação compulsória. As no- questão complexa e interdiscipli- ção e o valor dos sujeitos ao mesmo

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Dependência quimica em pauta
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

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dossiê

ROVENA ROSA/EBC/FOTOSPÚBLICAS
As recentes ações aconteceram em São Paulo, mas a concentração de dependentes de drogas é uma situação recorrente em todo o território nacional e
que pede medidas públicas muito bem avaliadas

A Psicanálise ajuda a pensar situações nas quais os suas consequências na construção


das subjetividades e da sociedade.
mecanismos de defesa usados contra sentimentos Atalhar essa complexidade con-
são negados à própria pessoa, funcionando como duz à cristalização dos sintomas
e fixação da sociedade em estados
uma parte sintomática que não pertence à pessoa desfavoráveis.
e que ela tem muita dificuldade em reconhecer Esses planos estão imersos na
tensão entre o coletivo e o indi-
vidual. A cada momento surge a
tempo. A discussão não é sobre a lores na vida do outro, e quando condição de analisar com maiores
autonomia na internação do depen- ele representa muito daquilo que detalhes onde está o acento grave
dente químico, mas sobre a autono- menosprezo estou a um passo de da responsabilidade, se não se par-
mia na internação de pessoas que usá-lo como bem entender, como tir de preconcepções reducionistas
dentre outras características e des- constata Hannah Arendt, em A ingênuas ou violentas. Há casos e
crições fornecidas em geral pelo, e Banalidade do Mal. casos. Negar que a miséria social
não por si próprio, são chamados de Nesse sentido, é preciso refor- contribua decisivamente para o es-
dependentes químicos. mular a questão. Disseca-se a pro- tado de desesperança e falta de sen-
Não se trata de preciosismo, posta em três planos de discussão tido de vida de muitas dessas pesso-
chatice ou mero uso de palavras: concomitantes e interativos: a as é um erro equivalente à negação
trata-se de uma posição ética, fun- existência, a autonomia e a ação. de responsabilidades individuais
damental no trato da questão. E Os custos e os preços de existir na em casos de violências e abusos. O
somente a permanente lembran- lógica da “trágica cena contempo- trabalho é justamente identificar a
ça dessa armadilha evita cair na rânea”. A relatividade da autono- pertinência e adequação das melho-
consequente banalização das vi- mia individual em qualquer grupo res leituras e interpretações para as
das. Colocam-se e retiram-se va- humano. O significado das ações e situações em questão.

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Dependência quimica em pauta
A Psicanálise ajuda a pensar si- reprodução do dualismo moral que
tuações nas quais os mecanismos de permeia o debate atual sobre as dro-
defesa utilizados contra sentimen- gas ilícitas” (Adorno, p. 5).

LT. ARNOLD E. SAMUELSON/WIKIPEDIA


tos, afetos ou ideias que se tem e que Adorno e equipe constatam o
perturbam são literalmente negados fato de que muitas pessoas encon-
e cindidos da própria pessoa, funcio- traram na Cracolândia um lugar
nando como uma parte sintomática existencial, um locus no qual suas
que aparentemente não pertence à vidas anônimas adquirem sentido
pessoa e que ela tem muita dificulda- e significado, laços afetivos e, pas-
de em reconhecer. Essas partes que ΠA banalidade do mal Πmem os mais desavisados, o uso
Ô I G
G G ` IG ¢
são cindidas acompanham como de drogas deixa de ser o principal
^ IG GÔ #GG  
 ‡<D;A¢
sintomas, perturbam, não deixam elo entre as pessoas, e delas com
<DB@ˆ9     Eichmann em
seguir sossegado, ou como diria Jerusalém, a banalidade do mal faz esse espaço urbano. A busca por
Freud, não deixam amar e trabalhar. G
H^
GHG: <DA<9 um lugar existencial prescinde de
Assim como no plano individual, a  ^I   $G  G julgamentos morais, éticos e valo-
sociedade funciona no plano coleti- de Adolf Eichmann por crimes de rativos (bom ou ruim). Ela se ins-
vo. A experiência mostra que não há I^
IG 
9
G creve no mesmo plano das demais
como erradicar aquilo que perturba. G -
G "G: ,G 
  necessidades humanas e, como
Pode haver, com muito trabalho, a G 

 GGI¢ estas, não é uma potência que
integração dessas partes, e o reco- pondentes para cobrir as sessões e emana exclusivamente de cada
Hannah Arendt representou a revista
nhecimento da imensa imperfeição, um, mas um elo entre desejos. As
The New Yorker: ÈI G9

que ressignifica o valor dos próprios necessidades humanas subvertem
 9 :
sentimentos que haviam sido expul- as lógicas mecanicistas do mundo
sos. A internação voluntária, invo-
luntária ou compulsória é sempre A experiência mostra que não há como
insuficiente no laborioso trabalho
de integração psíquica que precisa, erradicar o que perturba. Pode haver,
necessariamente, ocorrer em cada com muito trabalho, a integração das partes,
um, o que não retira completamente
o valor dessa prática. e o reconhecimento da imensa imperfeição,
que ressignifica o valor dos próprios
Problemática atual
sentimentos que haviam sido expulsos
U m interessantíssimo estudo
etnográfico, realizado entre
2011 e 2012, pela equipe do profes-
sor Rubens Adorno, da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo, abordou exatamente
esse trabalho. Foi a campo, esteve
na região central da capital paulista,
chamada de Cracolândia, para con-
versar com as pessoas que lá viviam,
ou frequentavam. Logo na introdu-
ção do texto, a equipe informa que
é necessário repensar a forma de se
ROVENA ROSA/AGÊNCIA BRASIL

referir às pessoas que usam drogas,


porque essa maneira já explicita po-
sições preconcebidas, ela “demar-
ca uma posição de crivo sanitário
ideológico de caráter parcializado A própria condição humana, do ponto de vista da teoria psicanalítica, surge no momento em que se
e reducionista, cujo resultado é a estabelece uma censura, recalque, que organiza o psiquismo através da repressão de determinados aspectos

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dossiê

e inscrevem todos em cadeias de “mundo do crime”, não se davam to de cada sentimento é adequa-
significados. Incrivelmente as ne- conta do engodo e da ilusão da qual, do e pertinente em cada situação.
cessidades tomam caminhos que tristemente, se tornavam vítimas e Trata-se de um longo e trabalhoso
são construídos pela circulação cúmplices: uma realidade externa processo de amadurecimento, re-
inconsciente das marcas dos en- violentamente injusta e muito pou- conhecimento e discriminação, nos
contros com nós mesmos, com o co colaborativa. quais um organismo humano se
outro, com a natureza. A Psicanálise ajuda a reconhe- torna uma pessoa. A violência inter-
Pode ser chocante imaginar cer e pensar a potência das forças na encontra limite e aconchego no
que alguém encontre seu lugar no destrutivas que habitam cada ser cuidado, no trabalho do outro que
mundo que parece degradado, vio- humano: todos, vítimas e algozes. contém e dá novos significados a
lento, insensível. Como é possível Ninguém está imune, não há vacina atos concretos.
enraizar-se num lugar como aquele, e, tampouco, um calibrador interno A existência se dá na possibilida-
com pessoas como aquelas, vivendo que, automaticamente, diga o quan- de de ser recebido, amado e cuidado.
em tais condições? Durante 10 anos A miséria social imprime de saída
trabalhei como médico de adoles- A internação instabilidades que destituem esse
centes na Fundação Casa, que abri- lugar necessário. Não há referências
gava adolescentes internados com- voluntária, involuntária positivas, não há histórias com as
pulsoriamente por terem cometido ou compulsória é quais se identificar: o mundo do de-
crimes. Eles me ensinaram que a sejo que chega pelas TVs e pelas no-
fome existencial, ou, em outras pa- sempre insuficiente tícias dos outros não é o mundo que
lavras, a necessidade de se sentir
alguém, de ser olhado, admirado e
no laborioso trabalho os olhos dessas pessoas enxergam.
A droga apresentada precocemente
amado, é tão necessária quanto a de integração como objeto transicional proporcio-
fome das células e tecidos do corpo. psíquica que precisa, na o entorpecimento frente às dores
Na situação de alguns desses adoles- que sequer chegam a ser reconheci-
centes custou-me aceitar e entender necessariamente, das e abre as portas para a quebrada
que muito antes dos crimes (a gran- (lugar onde moram).
de maioria, tráfico de drogas) o que
ocorrer em cada “Eu não tenho nada para dar
buscavam era um lugar de significa- um, o que não retira para ele”, disse-me a mãe de um
do para suas vidas. Mas, na medida adolescente. Frase marcante que
em que suas vidas adquiriam algum
completamente o denunciava o deslocamento de
valor, e se envolviam mais com o valor dessa prática significados ultraprecoce com os
quais convive a maior parte da po-
pulação pobre do país, justamen-
te aquela sobre a qual incidem as
mais truculentas medidas e ações.
Negar a importância desse vasto e
profundo problema da sociedade
brasileira na discussão de qualquer
aspecto que envolva nossa popula-
ção é agir silenciosamente para a
manutenção das abissais e intole-
ráveis diferenças que constituem
nossa sociedade.

Autonomia
E
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

m uma sociedade, a autonomia


é sempre relativa, dado o acor-
do implícito em aceitar as regras e
 GƒHGI G IGG^ IG9GHP IGGG 
G
G ÈI G leis. Não se pode fazer simplesmen-
GI GGpP IGIG
GGG
G
o te o que se quer, sem observar de-

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Dependência quimica em pauta
Muitas pessoas
encontram na
Cracolândia um
lugar existencial,
um locus no qual
suas vidas anônimas
adquirem sentido,
laços afetivos, e o
uso de drogas deixa
de ser o principal
elo entre as pessoas,
e delas com esse
espaço urbano
terminados pontos, e se ultrapasso
alguns limites, estou submetido às
consequências. Cabe ressaltar que
o acordo implícito, nosso pacto ci-
vilizatório, no qual suspendemos a
avidez e a emergência dos atos pelo
respeito às regras, pressupõe que
nesse processo, além de aceitar a
castração da liberdade dos “meus”
atos, “tenho” o direito receber os
benefícios dessa troca: respeito,
proteção e cuidado. A legitimidade
de fazer valer o acordo acompanha Negar que a miséria social contribui para o estado de desesperança é um erro equivalente à negação de
GH 
G
 

G G ÈI GGH
necessariamente o rigor com que
cumpre sua parte nesse acordo.
No caso da sociedade brasileira, a zer e pelo desejo. Igualmente aos cidades individuais de julgar e
falha em cumprir o mínimo desse demais animais haveria uma fonte decidir. Não é necessário negar,
acordo torna capenga a punição so- de vida que animaria o corpo. A trata-se de um avanço social, pro-
bre as transgressões. autonomia seria uma conquista na duzido pelo diálogo entre os cam-
A própria condição humana, qual a pessoa, de posse de recursos pos, que a justiça pode constatar
do ponto de vista da teoria psica- que a humanizaram, estaria em que, em determinada situação,
nalítica, surge no momento em condições de escolher, nomear-se e alguém age movido por impulsos
que se estabelece uma censura, nomear seus desejos. que não se submeteram aos crivos
recalque, que organiza o psiquis- São processos individuais que da realidade, os filtros de nossos
mo através da repressão de deter- não respeitam prescrições e tam- desejos. Cada sociedade determi-
minados aspectos. Diferentemente pouco prognósticos. Encontra-se nará o que é a incapacidade e qual
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

dos demais animais, não seríamos de tudo, inúmeras possibilidades sua extensão, aparentemente to-
arcos ref lexos de nossos instintos, de aquisição de autonomia, inclu- das possuem essa categoria. A au-
mas sim usinas de transformação sive a falta de tal condição. tonomia ref lete o grau de capaci-
dos instintos humanos, que desde A lei acolhe as situações psí- dade ou incapacidade psíquica de
sempre são atravessados pelo pra- quicas que determinam incapa- uma pessoa. Estar ou ser incapaz

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internação está indicada (e bem


indicada!) quando há necessidade
A discussão é sobre a
autonomia na internação de cuidados hospitalares. Espera-

G9È -se que um hospital tenha mais
descrições fornecidas condições de cuidar de determi-
por outro e não por nadas situações do que a pessoa e
si, e são chamadas de
seus familiares, o que, em geral, se
dependentes químicos
confirma. Claro que há situações
complexas como, por exemplo, a
situação de pessoas com doenças
graves em estágios avançados,
cujas ações médicas curativas
podem se tornar desnecessárias,
mas não as ações que promovam
cuidados e conforto, como a pres-
crição de analgésicos, antibióticos
e outras medidas. No caso da Psi-
A busca por um lugar existencial prescinde quiatria, não se pode fazer uma
de julgamentos morais e éticos. Ela se transposição literal acerca do sig-
nificado de uma internação. Mais
inscreve no mesmo plano das demais uma vez a história, com a farta do-
necessidades humanas e, como estas, não é cumentação acerca de absurdos, e
inclusive crimes ocorridos em ins-
uma potência que emana exclusivamente de tituições psiquiátricas, fez a socie-
cada um, mas um elo entre desejos dade mundial rever a naturalidade
com a qual se encarava a interna-
significa não poder responder As internações são dispositi- ção (Arbex, 2015). A mudança de
juridicamente no mesmo plano vos usados pela Medicina e pela paradigma foi radical e a opção
que os demais, significa que a cul- Psiquiatria ao longo da história. em escala global foi a de se promo-
pa e a responsabilidade devem ser No caso da Medicina em geral, a ver uma série de medidas anterio-
relativizadas, quando não retira-
das da própria pessoa.
PARA SABER MAIS
Tais situações serão sempre evo-
cadas quando a sociedade discute
os limites de responsabilidade de
U!/)( ).')É*
seus indivíduos e também de seus +*' $4 $-/--É*
governos. Uma intoxicação aguda
por qualquer substância certamente
afeta a capacidade crítica de qual-
É importante ressaltar a necessidade de se evitar uma arapuca constante-
mente armada no cenário brasileiro atual, que é o de enfrentar conflitos
ou pela dinâmica da guerra ou pela dinâmica da complacência. Na guerra,
quer pessoa, retirando-lhe sua plena
o inimigo é uma ameaça e a vitória deve vir a qualquer preço. Na com-
condição de decidir. Ela é suficiente
placência, a necessidade de permanente sintonia enfraquece a potência
para isentar as responsabilidades de
de afirmações à custa de acordos de conveniência, nos quais se sabe de
alguém? Usos crônicos de drogas antemão que são falsas soluções, remendos. No caso em questão, não se
certamente podem afetar a mesma trata de politizar rasteiramente o tema da dependência química, fazendo
capacidade crítica. São argumentos da maneira escolhida para enfrentá-la apenas mais uma das bandeiras que
suficientes? A análise não pode se diferenciam as escolhas políticas de cada envolvido no processo. Trata-se
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

restringir a esses fatos exclusiva- da tal da polarização, que tanto tem prejudicado as análises mais profundas
mente, já que é nítida a indiscutível do país. Por isso, é imprescindível, como sociedade que busca amadurecer,
correlação entre a autonomia indivi- aprender com as experiências e, sem a necessidade de ganhos secundá-
dual e a vida social, seu lugar exis- rios, colocar o dedo nas feridas.
tencial e seu processo histórico.

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Dependência quimica em pauta
As necessidades te analisadas. Para finalizar, é
importante apontar um último
humanas subvertem elemento que percorre toda dis-
as lógicas e cussão. A prática da internação
remete diretamente à noção de
inscrevem todos gravidade. Em Medicina, qual-
em cadeias de quer noção de gravidade signifi-
ca o risco de perder a vida, logo
significados. Elas Œ 'GIGGU IG Œ se cria um estado de emergência.
tomam caminhos  HG
 'GIG    Nesse contexto praticamente
diálogo` IIGU IG
G+ IG¢ qualquer ato está naturalmente
que são construídos nálise, bem como as consequências autorizado, já que ele se coloca
pela circulação I^ IG
G G GhÔ: *
¢ como um ato de proteção da vida,
  `   IGGI G G ¢ um ato de legítima defesa da vida.
inconsciente das hÔ GG^ IG9  
  G
 ¢ A Medicina contemporânea usa

 I 
 
 GG G9 
marcas dos implicações éticas para a direção da
e abusa dessa noção para se con-
solidar como o campo de discur-
encontros com nós IG: U G HG  G
sos sobre a vida. Embora válida
GhÔ
'GIGGGGU IG
mesmos, com o outro, ` G
G+ IGP 9I G¢
em determinadas situações, essa

GI
 
  GP¢ fórmula não é uma equação que
com a natureza  9\ 
I P

  pode ser aplicada em todas as si-
IGHGGG GG: tuações. E, no campo da constru-
res à internação, culminando no ção da subjetividade e, portanto,
Brasil com a Reforma Psiquiátrica das autonomias, os estados de
(Tenório, 2002). Jamais se preten- torna um campo frágil. Nazismo emergência dificultam muito o
deu abolir a prática da internação, alemão, fascismo italiano, segre- desenvolvimento do pensamento
mas diferenciá-la radicalmente de gações raciais norte-americanas e da ref lexão. Pessoas que usam
medidas de restrição de liberdade ao longo do século X X, comunis- drogas cronicamente vivem em
punitivas. Uma internação, mes- mo soviético, comunismo rome- permanente estado de emergên-
mo que compulsória, jamais pode no, ditaduras latino-americanas cia, que autoriza, de certa forma,
ser equiparada à prisão de uma foram todos contextos que usaram medidas de emergência como for-
pessoa. A privação da liberdade é do dispositivo das internações psi- ma de cuidado. Aí, há outra arma-
um ato extremo e usá-lo como me- quiátricas como parte de políticas dilha, uma combinação mortífera
dida de cuidado requer total cons- de estado, adotadas coletivamente de emergências nas quais as ações
ciência acerca de seu significado. e cujos resultados são amplamente para aliviar mal-estares de am-
Não se pode negar a necessi- conhecidos. bos os lados impedem justamente
dade de internar alguém, inclusive As internações podem ser uma ref lexão mais apurada e, por
involuntariamente. É fato real que necessárias e justificadas, se in- consequência, mais efetivas sobre
em determinadas circunstâncias dividualmente e profundamen- os problemas em questão.
a possibilidade de escolher está
limitada. É também fato real que ! Ü)$-
imposições que contrariam a von- BIRMAN, J. G
H(Gd 
G
90 ÈI G
G
: 
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9
tade das pessoas, e a nossa própria, =;;D9>>?:$-)dDBCC@=;;;C>;>:
inclusive, podem ser benéficas. ')9%:*- P d' B9U IG
G+ IGP :=:
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$-)dDBCC@B<<;;?>@:
É também fato que esses limites
* )*9 ::!:G: G‚G
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ficam muito tênues e delicados e
urbano. Saúde & Transformação Social,:?9:=9:?¢<>9! G` 9=;<>:$-)=<BCB;C@:
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

a história mostra que vários dos


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(G:-Ô+Gd
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acontecimentos mais bárbaros dos G G
G'G9<DDD9>?=:$-)dC@B<A?DA=A:
quais se tem notícia ocorreram . )W $*9!: G+  P IGHG  G9
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com a anuência e justificativas mé- conceitos. # ` G9 ÈI G-Gb
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dicas. A Medicina sem história se =;;=:$-)d;<;?¢@DB:

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dossiê

No limite entre
AUTONOMIA e internação
COMPULSÓRIA
O tratamento de dependência química necessita de
uma rede de serviços com níveis de complexidade diferentes.
É um processo de recuperação psicossocial.
Por Maria de Fátima Rato Padin

A
dependência química Atenção Psicossocial em Álcool e mesmo entre aqueles que tinham
é uma doença crônica Drogas (CAPs A D), por intermé- responsável médico, 66,2% não
com alto grau de com- dio da portaria 336 de 2002, an- possuíam registro no Cremesp;
plexidade e seu tra- corada na Lei n o 10.216 de 2001. 69,4% dos entrevistados disseram
tamento é um processo de longo Uma avaliação do CR M de que a maior dificuldade das equi-
prazo e, dificilmente, um único São Paulo mostrou que 25,3% dos pes era a insuficiência do quadro
equipamento de saúde consegue CAPs (Centro de Atenção Psicos- de pessoal.
reunir todos os recursos neces- social) não tinham retaguarda Portanto, os resultados da
sários nas diversas fases de trata- para emergências médicas; 31,3% combinação do aumento de uso de
mento. É necessário que se crie deles não tinham retaguarda substâncias psicoativas pela po-
uma rede de serviços com níveis para emergências psiquiátricas; pulação brasileira, falta de servi-
de complexidade diferentes, que 42% não contavam com retaguar- ços especializados e falta de expe-
atenda o paciente nas diversas fa- da para internação psiquiátrica; riência na gestão desses serviços
ses do processo de recuperação, 27,4% não mantinham articulação são uma mistura explosiva. Isso se
tais como ambulatórios, serviços com recursos comunitários para a traduz na baixa eficiência e eficá-
para desintoxicação, para inter- reintegração profissional; 29,8% cia dos serviços, apesar dos inves-
venção na crise, tratamento das não mostraram integração com timentos realizados nessa área.
comorbidades psiquiátricas as- outros serviços da comunidade; E temos que ressaltar que, em
sociadas ao uso de substâncias, e 45,2% dos CAPs avaliados não função de políticas públicas equi-
para apoio social. realizavam capacitação das equi- vocadas no passado, de cunho ma-
O sistema público de saúde só pes de atenção básica e 64,3% não nicomial, existe entre alguns seto-
recentemente conseguiu se orga- faziam supervisão técnica para os res profissionais muita resistência
nizar para financiar programas de membros dessas equipes; 16,7% a respeito da internação, deixando
tratamento e criou os Centros de não tinham responsável médico; serviços de atendimento sem re-
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

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Dependência quimica em pauta
hGIÏ IG9G

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química tem um alto grau de
complexidade e seu tratamento é
um processo de longo prazo, que
exige uma rede de serviços
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

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dossiê

Parceria
C om esse grave panorama em
relação ao uso do crack, o
governo de São Paulo iniciou, em
parceria com a Justiça, um plantão
jurídico para tratamento compul-
sório de dependentes químicos no
centro da capital. A medida gerou
polêmica e atraiu críticas de ati-
vistas de direitos humanos, con-
trários à internação forçada e que
temiam o uso da polícia para levar
viciados para tratamento. As auto-
ridades de São Paulo afirmam que
a participação da polícia na ação

TÂNIA RÊGO/ AGÊNCIA BRASIL


nunca esteve nos planos do gover-
no e que a internação compulsória
seria empregada apenas em casos
extremos. Como nos casos dos
*
IGIGG
GI  G
G
9 P I GI GGI 9
por isso, envolvem-se em delitos para conseguir dinheiro

O sistema público de Analisando o novo padrão de


uso da cocaína no Brasil, chega-se
saúde só recentemente à conclusão de que o crack trou-
conseguiu se organizar xe problemas, como aconteceu
nos Estados Unidos alguns anos
para financiar programas atrás. O uso vem acompanhado
de tratamento e criou do aumento da criminalidade,
pois com seu efeito estimulante ŒO mercado das
os Centros de Atenção de alto potencial de produzir de-
GG  Œ
Psicossocial em Álcool pendência, com efeito intenso e  GhÔ\
GP IGG 9  9
 
 b GGG:
rápido, os usuários têm necessida-
e Drogas (CAPs AD), de de continuar o uso a qualquer O país é o segundo maior mercado
de cocaína do mundo, além de ser o
por intermédio custo e, por isso, envolvem-se em
primeiro do ranking no mercado do
pequenos delitos para conseguir
da portaria 336, dinheiro. O baixo preço e grande
IGI:  
9 =C   €
 ¢
G      G  I 
ancorada na Lei no disponibilidade têm forte apelo

^ I‡,ˆ@;Ú

para usuários mais jovens e que familiares não sabem o que é CAPs
10.216 de 2001 tendem a se desorganizar mais ra- : *
G
d A=Ú
 P 
pidamente, social e psiquicamen- de maconha experimentaram a droga
taguarda para internação psiqui- te, com a droga. G  GG
<CG
átrica. Essa resistência, observada Segundo levantamento nacio- ?@Ú
 P 
 IIG^G G¢
na prática, precisa ser mais bem nal, 4,5% dos adultos (5,6 milhões GG
<CG:
 II G GhÔ
G GI G G¢
compreendida para que a indica- de brasileiros) já experimentaram
H\ \ IG9    G¢
ção da internação seja apenas fun- cocaína ou crack, sendo que 2%
ções longitudinais revelam uma sólida
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

ção da necessidade dos pacientes e (2,3 milhões de pessoas) usaram associação entre o uso de cannabis
não uma questão ideológica. Essa no último ano; 1% (1 milhão de  G
I  G  I: * 
questão é mais complexa e exige pessoas) relatou uso de crack no úl- da cannabis é considerado um fator de
discussão mais aprofundada e não timo ano; 48% dos usuários preen-  I PGGG I:
é de fácil solução. chiam critérios para dependência.

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Dependência quimica em pauta
Os resultados da PARA SABER MAIS
combinação do +)* (*R'**')-Y
aumento do uso de
substâncias psicoativas, S egundo dados de 2004 da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproxi-
madamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. O uso in-
devido de álcool é um dos principais fatores que contribuem para a diminuição
falta de serviços da saúde mundial, sendo responsável por 3,2% de todas as mortes e por 4%
de todos os anos perdidos de vida útil.
especializados e falta
Os índices analisados em relação à América Latina, mostra que cerca de
de experiência na 16% dos anos de vida útil perdidos neste continente estão relacionados ao uso
gestão dos serviços indevido de álcool, número quatro vezes maior do que a média mundial.
O II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil,
são uma mistura promovido pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) em 2005, em parceria
explosiva. Isso se com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid), da Universida-
de Federal de São Paulo (Unifesp), aponta que 12,3% das pessoas pesquisadas,
traduz na baixa com idade entre 12 e 65 anos, preenchem critérios para a dependência do
eficiência dos serviços álcool e cerca de 75% já beberam pelo menos uma vez na vida.
Os dados também indicam o consumo de álcool em faixas etárias cada vez
mais precoces e sugerem a necessidade de revisão das medidas de controle,
usuários que vivem nas “cracolân-
prevenção precoce e tratamento.
dias” e entram em surto psicótico
em face do consumo contínuo e Na área da prevenção do uso de álcool e outras drogas, a Editora Synopsy
abusivo do crack e não têm condi- lançou em 2016 o livro de histórias terapêuticas Toninho e a Falsa Poção da Fe-
ções de decidir sobre a submissão licidade, que contempla os fatores de risco para DQ preconizados pelo National
aos tratamentos possíveis. Institute on Drug Abuse (NIDA). A prevalência do uso de substâncias ilícitas,
É nesse cenário devastador que álcool e tabaco durante a gestação tem crescido no Brasil e no mundo nos
a lei prevê a possibilidade de inter- últimos anos, segundo Lenad 2012 e National Survey of Drug Use and Health.
nação compulsória. Ressalve-se, Os fatores associados ao abandono do serviço pré-natal e abrigo social
entretanto, que, para que essa in- para gestantes usuárias de substâncias psicoativas em uma maternidade pú-
ternação aconteça, são necessários blica de São Paulo são: ausência de contato com familiares, anos de estudos
laudo médico e decisão judicial. menor que 8 anos, filhos vivos, companheiro usuário de drogas, usuárias de
Medidas que têm por objetivo res- crack e poliusuárias diárias.
guardar direitos e preservar a vida

do cidadão. Os estados de direito


democráticos reconhecem a inter-
nação compulsória e preveem leis
específicas para tais circunstân-
cias, e é de responsabilidade dos
profissionais que atuam em saúde
mental reconhecê-las.
Segundo a secretária de Direi-
tos Humanos da Prefeitura Mu-
nicipal de São Paulo, a promotora
pública Eloísa Arruda, é também
importante esclarecer que as inter-
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

nações compulsórias não violam


os direitos fundamentais de ir e vir
de uma pessoa. Ao contrário, elas
)IGG G9GP 

GIG¢PI G9P podem acontecer para assegurar e
condições de saúde e desorganizados mentalmente garantir os direitos fundamentais

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PARA SABER MAIS Estudos sugerem que, pelo


menos, o tratamento obrigatório
 -..-.$*) * & a curto prazo pode proporcionar
Œ 27% usaram todos os dias ou mais de 2 vezes por semana no último ano. benefícios em minimização de
danos, e pode ser positivo para,
Œ 14% dos usuários de cocaína já injetaram a droga alguma vez na vida.
pelo menos, algumas pessoas, em
Œ 78% dos usuários consideram fácil conseguir cocaína. comparação com o tratamento,
Œ 10% venderam alguma parte da cocaína que possuíam. por exemplo, na Suécia, onde 30%
Œ O uso em áreas urbanas é quase 3x maior que em áreas rurais. dos tratamentos psiquiátricos são
Œ O Brasil representa 20% do consumo mundial de cocaína/crack. coercitivos.
Nas últimas duas décadas,
muitos países adotaram novas leis
à vida, à integridade física do de- Segundo levantamento que regulam o uso de medidas co-
pendente químico e à segurança de ercivas em doenças psiquiátricas.
todos os cidadãos. A Lei Federal n o
GI G9?9@Ú
 Essas leis foram guiadas pelo prin-
10.216/2001, no seu artigo 6º, es- G
‡@9A  € cípio da autonomia: os pacientes
pecifica quais os tipos de interna- são considerados autônomos, a
ção possíveis, ou seja, internação

HG  ˆ P menos que existam provas sufi-
voluntária – aquela que se dá com experimentaram cocaína cientes para o contrário. E algu-
o consentimento do usuário, inter- mas medidas coercivas não devem
nação involuntária – aquela que se
ou crack, sendo que ser interpretadas como uma viola-
dá sem o consentimento do usuário =ÚGGb  ção da autonomia, mas sim como
e a pedido de terceiro, e internação uma maneira de proteção e de for-
compulsória – aquela determinada Ge?CÚ
P  necer cuidados – a permanência
pela Justiça. preenchiam critérios em um ambiente livre de drogas
pode ser um bom começo para en-
Prazo máximo para dependência trar em um tratamento. A eficácia
Gilberto Gerra, médico, chefe das medidas coercivas não é me-
do Departamento de Prevenção às pulsória para não transformar isso nor, e às vezes até maior, do que a
Drogas e Saúde do Escritório das em uma rede de tratamento para li- eficácia de medidas voluntárias e,
Nações Unidas contra a Droga e dar com o problema. “O Brasil pre- portanto, a coerção pode ser bené-
o Crime (UNODC), revela que a cisa investir recursos para oferecer fica a longo prazo.
internação compulsória deve ocor- serviços que funcionem e ofereçam Já no caso das internações in-
rer pelo prazo máximo de algumas acompanhamento médico comple- voluntárias, há, como grande mo-
semanas, e só se justifica quando to, proteção social, comida e traba- tivação, mães desesperadas por
o dependente apresenta compor- lho para os dependentes”, afirma. terem seus filhos presos ao sub-
tamento perigoso para a socieda- De acordo com ele, o Brasil tem mundo das drogas, com doenças
de ou para si próprio. Defende o bons profissionais no campo do clínicas importantes, como tu-
acompanhamento contínuo, mes- tratamento das drogas, mas faltam berculose, Aids, em surtos psicó-
mo após a fase de desintoxicação. especialistas, e a rede médica nessa ticos, gestantes, sem autonomia e,
Autor do documento “Da coerção à área é insuficiente. muitas vezes, sujos, vagando pelas
coesão: tratando a dependência às
drogas por meio de cuidados à saú-
de e não da punição“ do UNODC, PARA SABER MAIS
Gerra diz que o tratamento do ví-
cio do crack não é feito com remé-
0$*'Ü)$" + '*R'**'
dios, e sim com acompanhamento Œ 22% da população brasileira foram vítimas de violência na infância, sendo que
psicológico e psiquiátrico. em 20% dos casos o abusador havia bebido.
Ele afirma, ainda, que os países Œ 6% da população brasileira foram vítimas de violência doméstica, sendo que
democráticos devem “estar aten- em 50% dos casos o agressor havia bebido.
tos” ao sistema de internação com-

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Dependência quimica em pauta
Os estados de
direito democráticos
reconhecem a
internação compulsória
e preveem leis
específicas para tais
circunstâncias, e é de
responsabilidade dos
profissionais da saúde
GI IÈ¢G
IIP¢GP IG

JUAREZ SANTOS / FOTOS PÚBLICAS


quando necessário
ruas e impotentes para ajudá-los.
E veem a internação como única /P  GpIGIË
GoG I` I9

GII^9Ô
alternativa para salvar seus filhos. ÈI
h€

I
HGH ÔGGG

SUS de executar tarefas normalmente. assistência em saúde de qualidade.

A lém disso, um dos princípios


preconizados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) é que cada
Portanto, seu julgamento e poder
de decisão são fortemente compro-
metidos. É dever do médico buscar
E não utilizar todos os recursos
de que o usuário necessita em sua
assistência é, literalmente, uma
cidadão deve receber cuidados de o melhor para o paciente, provendo omissão de socorro.
acordo com a sua necessidade. A
dependência química, que em ! Ü)$-
determinadas ocasiões apenas o AVILLA, Rosa Marina; SURJAN, Juliana; .*+$)9(G G
!P Ge)!$ ', Martha;
' )% $ , Ramos Ronaldo; ($.-/#$ *9-G
-
: dGIGI G
  
tratamento ambulatorial não é G  G G IG IHGI G G :The
suficiente para a melhora do pa- American Journal on Addiction Psychiatry9:<¢?9=;<B:
ciente, requer a necessidade de in- GGGG^ IG
GG
HGGI G
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PIG
ternação em locais especializados
G G

-+:%GG  
+  G G9:?@9:?9:<D<¢<D@9<DDA:
de tratamento, visando ampliar o %)-- )-9(:%:+::e0) **$%9(:!::(:e#0 9#::(:%:e&* .())9!::(:e0)
acesso a uma linha de cuidados 1$%( )9!:::+G
II   IG G

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mais abrangente. Ethics9:>;9:?@>¢?@C9=;;?:
Pois, nos casos mais graves, ' )% $ 9 :e( /"9:9=;<=: ¤ G
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geralmente o usuário de drogas ($)$-.U $*-Y : d¤¤G:G
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encontra-se vulnerável socialmen- -%š-. š(, Stefan; 4 ..  ", Liv; M &-. š(, Urban. Why community compulsion
te, em más condições de saúde e HIG  ®  G G G -
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and Psychiatry.
desorganizados mentalmente. Se-
-#$4*+# )$*(($--$*):. GHG

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gundo o professor Ronaldo Laran-
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jeira, diretor do Instituto Nacional =;<=9'
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de Políticas de Álcool e Drogas da -$'09P
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Unifesp, os altos índices de con- Ô
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sumo de drogas fazem com que as GG
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funções cognitivas não estejam ín-
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tegras, impactando na memória, na : G
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atenção, na capacidade de pensar e :
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ciberpsicologia Por Igor Lins Lemos

Anonimato e curiosidade:
o uso do SARAHAH
AS PESSOAS POSTAM EM REDES SOCIAIS O QUE
CONSIDERAM O MELHOR DE SI, ASSIM COMO SÃO CAPAZES
DE EXPRESSAR, EM PERFIS FALSOS OU NÃO, O LADO MAIS
PRECONCEITUOSO E AGRESSIVO DE SEU SER

A
plicativos que funcionam gicos é permitir ao usuário receber per- sar do objetivo do Sarahah ser positivo
como redes sociais anônimas guntas e comentários sem que o autor (nas palavras do criador), os usuários
não são novidades. Apesar DELASSEJAIDENTIlCADO!LGUNSEXEMPLOS NÎO ESTÎO  MAIS UMA VEZ  APROVEITANDO
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

disso, a cada ciclo de poucos são o Curious Cat, o Secret e o Ask.fm. essa oportunidade de forma virtuosa.
meses, novas propostas são lançadas e A nova febre é o Sarahah. O quanti- A criação desse recurso não reverberou
milhões de usuários voltam a apostar tativo de downloads deste aplicativo, que em manifestações de sujeitos que pos-
nesse tipo de reverberação da cibercul- SIGNIlCAFRANQUEZA EMÉRABE JÉPASSOU sam gerar críticas e feedbacks positivos
tura. O objetivo desses recursos tecnoló- o YouTube, Instagram e o Whatsapp. Ape- (mesma ideia do Secret, que foi cancela-

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do após a ocorrência frequente de ciber- A PERDA DA INTIMIDADE, ASSOCIADA AO
bullying). Mas por qual motivo?
Kallas (2016) menciona que o con-
USO DE APLICATIVOS QUE PERMITEM O
ceito de intimidade, de espaço público ANONIMATO, GERARAM CRÍTICAS NEGATIVAS.
e privado mudou. Antes, segundo a au- É POSSÍVEL VERIFICAR A QUANTIDADE
tora, protegidos entre paredes de nos-
so quarto, líamos, escrevíamos nossos DE COMENTÁRIOS OFENSIVOS OU
diários, nossos poemas e os trancáva- IRRELEVANTES DIRIGIDOS AO RECEPTOR
mos no espaço mais protegido do olhar
alheio, como uma preciosidade que só a invasão dos computadores em todos os PEDOlLIA  AS MANIFESTA¥ÜES PRECONCEI
nós pertencia. O espaço privado era bem espaços, desde os públicos até os priva- tuosas e depreciativas contra minorias.
diferenciado do espaço público. Sabe-se dos. Os computadores e as redes digitais %MBORA ESSES PROBLEMAS JÉ EXISTISSEM
que com o uso do Facebook, Instagram e ESTÎOCADAVEZMAISPRESENTESEMNOSSO antes do advento do mundo virtual, na
outras redes sociais muitos podem, in- cotidiano. Mais ainda, parece estar se internet podem adquirir maiores pro-
clusive, acompanhar ao vivo o que esta- delineando um caminho onde pratica- porções, atingir um maior número de
MOSFAZENDOEONDEESTAMOS ISSONÎOÏ MENTETODASASQUESTÜESEOSFAZERESDA pessoas, causar danos mais sérios e di-
novidade. Kallas (2016) revela que hoje ORDEMPÞBLICAPODERÎOSERREALIZADOSNA fíceis de serem remediados, afetando a
ESCREVEMOS OS DIÉRIOS EM BLOGS  EXPO esfera do privado, determinando desse esfera das relações humanas em todos
MOSNOSSAINTIMIDADENAINTERNET EXIBI modo um certo tipo de relação entre os os seus âmbitos.
mos imagens das situações mais banais INDIVÓDUOSEOSOBJETOS¡POSSÓVELREmE Na soma dos posicionamentos dos
no Instagram, montamos um espetáculo tir então: com uma quebra tão notável autores e das avaliações em relação ao
de nós mesmos e buscamos o olhar do da esfera do privado, o Sarahah pode Sarahah VERIlCA SE QUE A MAIORIA DOS
outro e sua aprovação por meio de cur- funcionar como um catalisador do ano- USUÉRIOS AINDA NÎO UTILIZA DIVERSAS RE
TIDAS!INTIMIDADETEMSEDEIXADOINlL nimato, ou seja, como uma tentativa de des sociais com um caráter positivo, ou
trar pelas redes. QUEBRARAEXPOSI¥ÎOPÞBLICADOUSUÉRIO SEJA  AO INVÏS DE UTILIZAR ESSA OPORTUNI
A perda dessa intimidade, associada POR MEIO DA NÎO IDENTIlCA¥ÎO DO MES dade como possibilidade de crescimento
ao uso de aplicativos que permitem o mo? Ou será que esse tipo de aplicativo PESSOALOUDORECEPTOR EXISTEUMASÏRIE
ANONIMATO  INFELIZMENTE  GEROU CRÓTICAS AUMENTAAEXPOSI¥ÎOETORNAAINDAMAIS de comentários pejorativos, degradantes
NEGATIVAS¡POSSÓVELVERIlCAR POREXEM pública a intimidade daquele que recebe e, como dito anteriormente, inócuo. De
plo, em diversos endereços eletrônicos, a os comentários? forma paralela, os usuários que são atin-
grande quantidade de comentários ofen- Sabe-se que apesar do aparente be- gidos pelos ataques de terceiros, seguros
sivos ou irrelevantes dirigidos ao receptor nefício do anonimato na internet, ele pelo anonimato, podem, se vulneráveis
das mensagens no Sarahah. Kallas (2016) provoca outros tipos de problemas. De mentalmente, desenvolver problemas
comenta que as pessoas postam em redes acordo com Silva Barbosa, Ferrari, Bo- na autoestima e ansiedade. Em alguns
sociais o que consideram o melhor de si, ery e Filho (2014), há uma frequente casos, esses ataques são gatilhos para
ASSIMCOMOSÎOCAPAZESDEEXPRESSAR EM divulgação e/ou manipulação de fotos o desenvolvimento de psicopatologias,
PERlSFALSOSOUNÎO OLADOMAISPRECON e vídeos cotidianos sem o consentimen- PORISSOCABEUMAREmEXÎOPARAQUEPOS
ceituoso e agressivo de seu ser. O ciberes- to de seus proprietários na internet, os SAMOSUTILIZARASNOVASREDESCOMUMA
paço, segundo a autora, propicia que pes- casos de bullying virtual, estelionato, perspectiva madura e virtuosa.
soas anônimas postem e compartilhem
seus pensamentos, suas ideias, músicas, Referências:
KALLAS, M. B. L. M. O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise. Reverso, Belo
dotes artísticos, vídeos que se tornam vi-
Horizonte, v. 38, n. 71, 2016.
rais, dentre outros elementos.
MEGALE, F. C. S.; TEIXEIRA, J. Notas sobre a subjetividade em nossos tempos. Psicologia:
-EGALE E 4EIXEIRA   HÉ QUASE  ÈI G+‚Ô, v. 18, n. 3, 1998.
20 anos, alertam que os processos de SILVA BARBOSA, A. et al. Relações humanas e privacidade na internet: implicações bioéticas.
subjetivação são fundamentalmente des- Revista de Bioética y Derecho, n. 30, 2014.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

conhecidos e descentrados do indivíduo,


Igor Lins Lemos é doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento
mas são fabricados no registro social, já pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e especialista em Terapia
que estamos imersos em uma sociedade Cognitivo-Comportamental Avançada pela Universidade de Pernambuco (UPE).
marcada e constituída pela informáti- É psicoterapeuta cognitivo-comportamental, palestrante e pesquisador das
dependências tecnológicas. E-mail: igorlemos87@hotmail.com
ca, pela comunicação a distância, pela

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neurociência por Marco Callegaro

Psicopatas
MENTEM
melhor?
A CAPACIDADE
DE APRENDER
RAPIDAMENTE A
MENTIR PODE SER
UMA ESTRATÉGIA
FAVORECIDA PELA
EVOLUÇÃO NO CASO
DE PSICOPATAS

IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

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A
psicopatia, ou transtor- tre os dois g rupos foi notável, uma falar a verdade em pessoas da popu-
no de personalidade anti- g rande diferença de performance na lação em geral é de menos de meio
-social, é um conjunto de capacidade de mentir, que ocorreu seg undo, enquanto a mentira leva
características de persona- em função de uma espécie de treina- um seg undo ou mais. Para mentir, o
lidade que envolve charme superf i- mento em mentir realizada no labo- cérebro necessita suprimir a verda-
cial, falta de culpa ou remorso, des- ratório. Antes do treinamento, não de, além de construir a falsa versão.
respeito por normas ou obrig ações, havia diferença entre os dois g rupos, Normalmente, a mentira recruta uma
baixa tolerância a frustração, entre mas os indivíduos com alta psicopa- série de processos cerebrais como
muitos outros traços. Existe consi- tia dispararam na frente em termos sistema atencional, memória de tra-
derável discussão sobre quais são os de performance depois de duas ex- balho, controle inibitório e resolução
traços mais essenciais e def inidores periências de treinamento. de conf litos. Portanto, várias áreas
deste condição, bem como a ideia de associadas a essas funções e padrões
que talvez existam diferentes tipos de processamento são ativadas mais
de psicopatia. Seg undo alg uns pes- ESTUDO APONTA fortemente quando uma pessoa está
quisadores, podemos falar em psico- mentindo. Isso foi verif icado nos
QUE PERSONALIDADES
patia primária, que exibe o traço de indivíduos que apresentavam baixo
dominância sem medo, geralmente ANTISSOCIAIS nível de traços de psicopatia, mas,
com razoáveis habilidades sociais e PROCESSAM A curiosamente, não foi encontrado
bom desempenho no trabalho, e a se- nos sujeitos com alta psicopatia. Pelo
cundária, que envolve impulsividade
MENTIRA COM contrário, os indivíduos altamente
auto centrada, onde o auto controle é MAIS RAPIDEZ E psicopatas mostraram redução de
muito baixo e não existe considera- FACILIDADE, DE atividade nessas áreas, como se esti-
ção pelos outros. vessem naturalmente propensos a ter
Independentemente dos diferen-
FORMA DIFERENTE facilidade para processar a mentira.
tes tipos de personalidade anti-social, DO USUAL Uma conceitualização recente
a mentira é frequentemente associa- na pesquisa da personalidade antis-
da a esta condição. Psicopatas de fato Os participantes do estudo olha- social envolve o reconhecimento de
mentem melhor? Será a mentira uma ram fotos de rostos humanos, e em que os indivíduos de alto funciona-
estratégia superdesenvolvida no pro- alg umas dessas fotos recebiam um mento com traços elevados dessa
cessamento mental de pessoas com pedido do pesquisador para mentir característica têm funções executi-
psicopatia? Apesar da psicopatia ser que não haviam visto aquela pessoa vas tão preservadas ou superiores a
caracterizada por faltar com a verda- anteriormente. O interessante é que indivíduos com baixa intensidade de
de e tendência a manipular os outros os cérebros dos sujeitos foram es- psicopatia. De forma geral, o funcio-
através de mentiras, ainda não está caneados através de neuroimagem, namento de redes neurais envolvidas
claro se, de fato, indivíduos com ele- e o tempo de reação aos estímulos no processamento cog nitivo é supe-
vada psicopatia realmente mentem foi medido, para se poder avaliar sua rior em psicopatas, embora pesqui-
melhor que as pessoas da população performance. sas tenham demonstrado atividade
em geral. Um estudo procurou inves- Pesquisas anteriores sobre menti- reduzida em circuitos cerebrais li-
tig ar essa questão, focando na capa- ra já haviam identif icado que o cé- g ados ao processamento emocional,
cidade de aprender a mentir em uma rebro precisa se esforçar mais para com um possível descompasso entre
tarefa experimental. mentir do que para falar a verdade. o processamento de emoções e dos
A pesquisa comparou pessoas A média de tempo de reação para se aspectos cog nitivos.
com alta intensidade de traços de
Referências:
psicopatia com aqueles que apresen- SHAO, R.; LEE, T. M. C. Are individuals with higher psychopathic traits better learners at lying?
tavam baixa intensidade. Os resulta-
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E ARQUIVO PESSOAL

Behavioural and neural evidence. Translational Psychiatry, n. 7, e1175, 2017; doi:10.1038/tp.2017.147


dos mostraram que os sujeitos com 25 jul. 2017.
alto nível de psicopatia aprendem
Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento,
muito rapidamente a mentir, de for- diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto
ma que parece ser uma capacidade Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo
natural, pronta para ser aprimorada Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o
Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).
pela experiência. A diferença en-

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recursos humanos por João Oliveira

Novas LEIS,
novas CONDUTAS
A REFORMA TRABALHISTA VAI EXIGIR UM INVESTIMENTO
MAIOR EM QUALIFICAÇÃO. ISSO NÃO É DE TODO RUIM,
AFINAL SEMPRE HÁ ESPAÇO PARA MELHORIAS
EM QUALQUER PERFIL DE ATIVIDADE FUNCIONAL

T
udo começa em uma manhã balhadora em sua relação com o univer- os funcionários para diminuição do tempo
de sábado no Estádio de São so patronal, como: identificação profis- da pausa para almoço e, em consequência,
Januário, Vasco da Gama, que sional, duração (jornada) do trabalho, saíam mais cedo do trabalho.
estava completamente lotado salário mínimo, férias anuais, segurança Em um contexto geral, alguns advo-
para as comemorações do Dia do Traba- e medicina do trabalho, proteção ao tra- gados afirmam que a reforma está preju-
lho. Era o dia 1o de maio de 1943 e o en- balho da mulher e do menor, previdência dicando em muito o trabalhador que tem
tão presidente Getúlio Vargas assinava a social e regulamentações de sindicatos o perfil tradicional. Aquele que se deslo-
CLT – Consolidação das Leis do Traba- das classes trabalhadoras. ca até o local de trabalho e cumpre uma
lho –, o Decreto Lei no 5.452 – já quase no Desde sua criação em 1943 até os dias agenda de horários rígidos.
final do período do Estado Novo (1937 a atuais a Consolidação das Leis do Traba- A reforma não afeta, de modo dire-
1945). Uma revolução que surge para uni- lho já sofreu muitas mudanças em seu texto to, os principais direitos tradicionais, tais
ficar toda legislação trabalhista que até o para se adaptar aos ditames da modernida- como o 13º salário, férias, o aviso prévio
momento existia no Brasil. de. Uma das alterações ocorreu em 22 de etc. Mas o ataque indireto pode ser pesa-
Inspirada no perfil da legislação traba- dezembro de 1977 em seu Capítulo V com do, embora sutil: afetando os sindicatos
lhista italiana de Benito Mussolini, “Carta uma nova redação dada pela Lei nº 6.514 e sua representatividade dos trabalhado-
del Lavoro”, a CLT cria a regulamentação que altera o capítulo “Segurança e Higiene res, diminuindo os poderes e reduzindo o
das relações coletivas e individuais do do Trabalho” agora intitulado “Da Segu- seu campo de atuação. Assim, consegue
trabalho. Logo no início do Estado Novo rança e da Medicina do Trabalho”. Assim, a afastar a principal barreira que seria de
houve uma preocupação com a unificação CLT passou a versar sobre medidas de pre- proteção dos trabalhadores, pois passa a
das Leis Trabalhistas em prol da classe venção de acidentes de trabalho e doenças jogá-los na negociação direta com os em-
operária, vários juristas foram convocados ocupacionais. Essa atribuição administrati- pregadores.
para montar o projeto da lei que atendesse va é dada ao Ministério do Trabalho e Em- São duas grandes mudanças que po-
as necessidades de proteção do trabalha- prego para a fiscalização e normatização dem ser prejudiciais para o funcionário
dor dentro do contexto que foi chamado da matéria (artigos 155, 156 e 159). em favor do empregador: 1) após homo-
de “estado regulamentador”. Foram 13 Estamos em 2017, 40 anos depois dessa logar no sindicato o trabalhador não terá
anos de trabalho para que a CLT fosse última grande alteração, com um merca- direito a pleitear na justiça, mas não estão
finalizada com seus oito capítulos que cui- do dinâmico e novos perfis de atuação. O levando em consideração que ao ser demi-
dam de forma abrangente e específica dos trabalhador mudou tanto quanto a própria tido o trabalhador que sacar o FGTS para
IMAGENS: 123RF E YOUTUBE.COM

direitos de grande parte dos grupos traba- tecnologia, e essa nova reforma trabalhista sobreviver durante um período, e somente
lhistas brasileiros. já havia ocorrido na prática em vários se- poderá sacar o FGTS caso seja homolo-
Em seus 922 artigos podem ser en- tores à margem da lei. Algumas empresas gado, assim está “obrigado ao trabalhador
contradas muitas informações que são já dividiam as férias em três períodos e ou- aceitar a homologação”. 2) a formação de
valiosas para a segurança da classe tra- tras, por exemplo, já tinham acordo com grupo econômico, pois mesmo que um

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(onde quer que esteja) deverá imprimir
EM UM CONTEXTO GERAL, ALGUNS
maior excelência em sua atividade.
ADVOGADOS AFIRMAM QUE A REFORMA Diante dessas alterações os departa-
PREJUDICA O TRABALHADOR QUE TEM O PERFIL mentos de RH deverão estar preparados
para o impacto direto na cultura organi-
TRADICIONAL. JÁ PARA OS QUE TÊM CONTRATO zacional das instituições. O melhor ca-
HOME OFFICE, A HISTÓRIA É BEM DIFERENTE minho, sem dúvida, é o esclarecimento
de todos os detalhes da nova legislação
determinado sócio participe de duas em- chamados freelancers. A viabilidade de con- através de um bom processo comunica-
presas no mesmo segmento e uma seja tratos sob medida de demanda sem criar cional. Desde já palestras e treinamentos
condenada a pagar uma indenização ao carga extra ao empregador deve alavancar devem estar na pauta de qualquer empre-
ex-funcionário, a outra não poderá ser res- novas demandas e ampliar o número de sa que deseje manter seu índice de produ-
ponsabilizada, ou seja, o sócio pode mon- “funcionários” com esse perfil. tividade. As dúvidas e questionamentos
tar 10 empresas para um segmento espe- Dessa forma, quem detém qualida- sem o devido esclarecimento são como
cífico, para contratar 10 funcionários, não de em sua produção estará seguro no ferrugem em qualquer engrenagem.
pagar seus direitos, que a outra empresa ambiente competitivo a partir de agora,
não será responsável por tal indenização. desde que tenha habilidades comerciais. Colaboraram para elaboração deste texto os advogados
Para os trabalhadores do século XXI, Assim, qualquer um que deseje se manter trabalhistas Flávio Branco e Tatiana Lima Falcão
em seus home offices a história é bem dife-
rente: a nova legislação favorece esse per-
João Oliveira é doutor em Saúde Pública, psicólogo e diretor de Cursos do Instituto de
IMAGENS: 123RF E YOUTUBE.COM

fil laboral criando a possibilidade de uma


Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc.br). Entre seus livros estão: Relacionamento em
estruturação de carga horária adequada Crise: Perceba Quando os Problemas Começam. Tenha as Soluções!; Jogos para Gestão
à função. A negociação entre as partes de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente Humana: Entenda
permite criar inúmeras possibilidades que Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está à sua Frente – Análise Comportamental
pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora).
podem dar elasticidade aos, até agora,

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PERlL Por Anderson Zenidarci

E
MUMAPEQUENAALDEIADA)NGLA-
TERRACHAMADA7OOLSTHORPE )SA-
ac Newton (1642-1727) nasceu
prematuro. Quase morreu ainda
NASPRIMEIRASSEMANASDEVIDA,OGOl-
COUØRFÎO,OGOlCOUØRFÎO,OGOlCOU
órfão de pai. Sua mãe, ao casar novamen-
TE PREFERERECOME¥ARAVIDASEMELE#OM
dois anos foi morar com sua avó. Foi uma
criança muito quieta, observadora e sem
RELACIONAMENTOS DE AMIZADE -ANIFES-
tava interesse por atividades manuais.
!INDAMENINO FEZUMMOINHODEVENTO
QUEFUNCIONAVAEUMQUADRANTESOLARDE
PEDRA  QUE HOJE ESTÉ NA 3OCIEDADE 2EAL
DE ,ONDRES #OM  ANOS INGRESSOU NA
5NIVERSIDADEDE#AMBRIDGE$URANTEOS
QUATRO ANOS DE ESTUDOS  DESENVOLVEU E
aprofundou suas aptidões matemáticas.
Mas um fato inédito e histórico aconte-
CEU 0OR DEZOITO MESES A UNIVERSIDADE
lCOU FECHADA EM CONSEQUÐNCIA DA EPI-
DEMIA DE PESTE BUBÙNICA  QUE ASSOLOU A
)NGLATERRA EMATOUUMDÏCIMODA
POPULA¥ÎO%LETEVEQUEVOLTARPARACASA 
E NESSE PERÓODO  TOTALMENTE RECLUSO NA
FAZENDAONDEMORAVASUAAVØ FEZASDES-
cobertas mais importantes para a ciência:
DESENVOLVEUASLEISBÉSICASDOMOVIMEN-
TO ESTUDOUOSCORPOSCELESTES DESCOBRIU
ALEIFUNDAMENTALDAGRAVIDADE INVENTOU
OSMÏTODOSDECÉLCULODIFERENCIALEINTE-
GRAL TAMBÏMESTABELECEUOSALICERCESDE

Isolamento e
SUASGRANDESDESCOBERTASØPTICAS
!PØSAEPIDEMIAVOLTOUPARAAUNIVER-
SIDADE AGORANÎOMAISCOMOALUNO MAS
como professor de Matemática. Passou a

GENIALIDADE
DEDICAR SEÌPESQUISADOSRAIOSLUMINOSOS
#ONCLUIUQUEALUZÏORESULTADODOVELOZ
MOVIMENTODEUMAINlNIDADEDEMINÞS-
CULASPARTÓCULASEMITIDASPORUMCORPOLU-
MINOSO%QUEALUZBRANCARESULTADAMIS-
tura das sete cores básicas. Inventou um
ISAAC NEWTON É CONSIDERADO UM NOVOSISTEMAMATEMÉTICODECÉLCULOINl-
DOS MAIORES ESTUDIOSOS DA HISTÓRIA NITESIMAL APERFEI¥OOUAFABRICA¥ÎODEES-
PELHOSELENTES FABRICOUOPRIMEIROTELES-
DA HUMANIDADE, PORÉM SEMPRE CØPIOREmETOR DESCOBRIUASLEISQUEREGEM
SOLITÁRIO, COM SUSPEITA DE SOFRER os fenômenos das marés, numa época em
que as atividades econômicas dependiam
DE SÍNDROME DE ASPERGER DA NAVEGA¥ÎO MARÓTIMA %STABELECEU TRÐS

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hLEISDOMOVIMENTOv OUhLEISDE.EWTONv
!PRIMEIRALEIDIZQUEhUMCORPOEMRE
pouso permanece em repouso se não é
forçado a mudar, um corpo que se move
continuará a mover-se com a mesma ve-
LOCIDADE E NO MESMO SENTIDO  SE NÎO FOR
FOR¥ADOAMUDARv!SEGUNDALEIhMOSTRA
que a quantidade de força pode ser medi-
da por uma proporção de mudança obser-
vada no movimento”. Essa proporção é
OQUESECHAMADEACELERA¥ÎOEREFERE SE
Ì RAPIDEZ DO AUMENTO OU DA DIMINUI¥ÎO
DAVELOCIDADE!TERCEIRALEIDIZQUEhTODA
ação causa uma reação, e que a ação e a
REA¥ÎOSÎOIGUAISEOPOSTASv$ESCOBRIUA

WILLIAM BLAKE/WIKIPEDIA
hLEIDAGRAVITA¥ÎOUNIVERSALv
É considerado um dos maiores estu-
diosos da história da humanidade. Sempre
SOLITÉRIO FOIAUTODIDATAATÏOPONTOQUEA Retrato feito em 1795 por William Blake intitulado “Geômetra divino”, em homenagem à Newton, considerado um
ciência da época tinha o que acrescentar ícone de descobertas tais como: a luz branca resulta da mistura das sete cores básicas e a lei da gravidade universal
ao seu conhecimento, depois foi observa-
¥ÎO DEDU¥ÎOECÉLCULOS%NlM UMGÐNIO NEWTON ERA RIZAPORUMAMUTA¥ÎONOFUNCIONAMENTO
MUNDIALMENTE RECONHECIDO %M  A do cérebro, criando comportamentos di-
ABSOLUTAMENTE
rainha Ana nomeou-o diretor da Casa da ferentes das pessoas normais. Era consi-
-OEDA%MFOIELEITOPRESIDENTEDA OBCECADO POR SEUS derado “estranho e esquisito”, com poucas
3OCIEDADE2EAL QUECONGREGAVAOSMAIS ESTUDOS. TINHA RELA¥ÜESSOCIAIS BAIXAOUNENHUMAEMPA
CÏLEBRESPENSADORESDAÏPOCA TORNANDO tia com as pessoas. O autismo entra como
SEVITALÓCIO%M AMESMARAINHALHE
POUCAS RELAÇÕES POSSÓVELDIAGNØSTICODIFERENCIAL
CONCEDEUOTÓTULODEh3IRv&OIOPRIMEIRO SOCIAIS E BAIXA Em 1727, poucas semanas antes de
CIENTISTAARECEBERTALHONRARIA EMPATIA COM AS SUA MORTE  QUEIMA PESSOALMENTE VÉRIAS
-ASEAPESSOA)SAAC.EWTON0OUCO CAIXASCHEIASDESEUSMANUSCRITOS/QUE
SEEXPLORAESSEASPECTO.ÎOHÉREGISTROS
PESSOAS. O AUTISMO poderia haver escrito para que fosse ne-
DEQUE.EWTONTEVERELA¥ÜESPRØXIMAS  PODE TER SIDO UM DE CESSÉRIA TAL ATITUDE ! VERDADE Ï QUE SE
EM NENHUMA ESFERA  COM MULHERES 3E SEUS DIAGNÓSTICOS SUSPEITA QUE O MATERIAL QUEIMADO Ï RE
ALGUMDIASEAPAIXONOU FOIPORUMHO FERENTE A ESTUDOS OCULTOS DE ALQUIMIA E
MEMn.ICOLAS&ATIODE$UILLIER UMJO TERESSEPELAESCATOLOGIAEOTEMADOlM TEOLOGIA/QUEESSEGÐNIONÎOQUISQUE
VEMEBELOMATEMÉTICOSUÓ¥O#ARTASEN do mundo. soubéssemos sobre seus estudos, teorias
TREOSDOISREVELAMALGUMARELA¥ÎOQUE 0ASSOUOSÞLTIMOSVINTEANOSESTUDAN ECONCLUSÜES.EMDÉPARAIMAGINAR SO
durou quatro anos e se rompeu drastica- DOECOMPOUCOCONTATOSOCIAL$EDICAVA MENTE DÉ PARA LAMENTAR TAL ATITUDE %LE
MENTESEMNENHUMAEXPLICA¥ÎOPÞBLICA SEMUITOASEUSESTUDOSEVÉRIASVEZESDEI MORREUAOSANOS DEPOISDEPASSARAL
.ÎOMAISSEFALARAMEEVITAVAMESTAREM XAVADESEALIMENTAR BANHARETAMBÏMDE GUM TEMPO SOFRENDO DE GOTA E DE UMA
NO MESMO LUGAR 3ABE SE QUE .ICOLAS DORMIRPORCAUSADISSO%RAABSOLUTAMEN INmAMA¥ÎO PULMONAR %RA UMA PESSOA
Fatio teve, na sequência do rompimen- te centrado e obcecado quando se interes- DIFÓCIL  ARREDIA E DE POUCAS FALAS  DE NE
TO  UM RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL SAVAEMALGO(OJESEACREDITAQUESOFRIA nhum contato afetivo, mas um dos ho-
MAIS hVISÓVELv  QUE DUROU MAIS DE DUAS DESÓNDROMEDE!SPERGER%LASECARACTE mens mais famosos do mundo.
DÏCADAS.EWTON PORSUAVEZ PASSOUA
estudar profundamente os escritos bí- Anderson Zenidarci é mestre em Psicologia pela PUC-SP, supervisor e
palestrante. Coordenador e professor do curso de Especialização em
BLICOS OBCECADOPORCØDIGOSSECRETOSE Transtornos e Patologias Psíquicas pela Facis, professor de pós-graduação no
PROFESSAISDA"ÓBLIA EMESPECIALSOBREO curso de Psicologia de Saúde Hospitalar na PUC-SP. Atua há mais de 30 anos
ARQUIVO PESSOAL

LIVRODE$ANIELEOÞLTIMOLIVRODA"ÓBLIA em atendimento clínico em diversos segmentos da Psicologia, com especial


dedicação à psicossomática, transtornos e patologias psíquicas.
!POCALIPSE!PRESENTAVAUMGRANDEIN

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PSICANÁLISE

A forma pela qual a


mulher e o feminino
são representados
se altera ao longo
dos tempos; na
Renascença, por
exemplo, ela era
destinada a amar e
obedecer o marido

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SER
MULHER
Na atualidade, com o desenvolvimento
do capitalismo, o corpo feminino aparece
coisificado, como objeto de consumo
Por Luciana Moutinho

P
ensar a representação que a mulher era destinada a amar e
social da mulher na obedecer o marido.
contemporaneidade Os estudos do historiador
implica o resgate da Phillip A rriès enumeram o desen-
localização do femini- volvimento do lugar da mulher na
no historicamente. Trata-se de um sociedade (entre outras temáti-
conceito que tem desenvolvimen- cas). É possível acompanhar com
tos históricos e culturais e que não o autor que historicamente a mu-
pode ser encarado como “natural”. lher tem sido desprivilegiada no
A maneira como a mulher e o femi- que concerne aos espaços sociais.
nino são representados se modifica Se na Idade Média a mulher era
através dos tempos. Enquanto re- alvo de perseguições religiosas, na
corte histórico é possível partir, por Era Moderna existe um discurso
exemplo, de um período que marca amoroso, sem as sublimidades da
rupturas importantes na sociedade, religião, e ele se adaptará às exi-
o período da Renascença (Arriès et gências de uma sociedade de con-
al., 1991, p. 7-581), período este em sumo para reforçar a definição da
mulher como um objeto precioso
Luciana Moutinho é psicanalista, psicóloga possuído por aquele que a ama
de formação e mestre em Psicologia (A rriès; Duby et al., 1986, p. 228).
Social pela PUC-SP. Atende em consultório Faz-se de suma importância o
particular e organiza cursos livres de
Psicanálise. Professora e supervisora questionamento sobre esses luga-
universitária na faculdade Anhanguera e res simbólicos destinados ao femi-
supervisora clínica na Faculdade de Medicina nino, tendo em vista o desafio de
do ABC – Departamento de Psiquiatria e
Psicologia Médica. pensar em contingência ao tempo
123RF

atual; ou seja, sem a facilitação do

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PSICANÁLISE

historiador que tem a superação em que, após o suicídio da esposa e o


das condições estudadas implíci- estupro da filha, o médico cirurgião
tas em sua pesquisa. plástico, dr. Robert Ledgard, deci-
A teoria crítica em Ciências Hu- de se vingar do malfeitor (Vicente)
manas, principalmente da Escola de transformando-o em uma mulher,
Frankfurt, se baseia no marxismo o que faz através de inúmeras cirur-
para entender a sociedade, enquanto gias. O médico estava desenvolvendo
dividida em classes, e também na te- uma pele artificial, que serviria para
oria psicanalítica para tratar das ques- amenizar as deformidades da esposa
tões dos sujeitos em diálogo com as causadas por queimaduras que sofreu
questões do social, sem criar rupturas e que desfiguraram sua aparência,
entre ambas as perspectivas. De acor- mas ela se suicida, não dando tempo
do com Olgária Matos, “essa teoria de ele finalizar suas tentativas. Essa
crítica realiza uma incorporação do obra abre espaço para o questiona-
pensamento de fi lósofos tradicionais, mento acerca do feminino e de suas
colocando-os em tensão com o mun- modulações representativas na cul-
do presente” (Matos, 1993, p. 13). tura, bem como da cultura enquanto
Essa mesma teoria (crítica) tam- atrelada a um determinado momento
Freud lida com a questão do feminino pela via
bém possibilita, enquanto “arma política; estabelece seu método de associação
histórico: a contemporaneidade.
teórica” (Matos, 1993, p. 5), a de- livre no tratamento da histeria do século XX, dá Dentre alguns estudos já produ-
sestabilização do império da lógica a palavra às mulheres zidos sobre a obra de Almodóvar, há
o de Cascaes e Martins (2013), que
irão destacar o aspecto de dominação
O filme trata de uma trama trágica no seio masculina representado na obra e que
de uma família: após o suicídio da esposa e o dialoga com um modelo social ainda
atuante na visão das autoras. Em uma
estupro da filha, o médico cirurgião plástico, cena, a fi lha do médico cirurgião se
dr. Robert Ledgard, decide se vingar do encontra a sós com Vicente em uma
festa, e mesmo tendo no início cor-
malfeitor transformando-o em uma mulher, respondido às investidas do rapaz a
o que faz através de inúmeras cirurgias moça passa a resistir e demonstra não
querer ir adiante com as preliminares
capitalista no mundo globalizado e e trocas de carícias, o que é repudiado
ORAZIO GENTILESCHI AND GIOVANNI LANFRANCO/NATIONAL

da desmarginalização das discus- por Vicente, que considera apenas o


sões de temáticas rechaçadas pelo seu desejo de consumar o ato sexual.
sistema, sendo esse o papel das Ci- Essa cena assinala uma característica
ências Humanas e Sociais enquanto ainda atual, de acordo com as autoras
forma de resistência à ideologia do citadas, que ilustra uma sociedade de
capitalismo e do patriarcado. “binarismos hierarquizados marca-
GALLERY OF ART

Na atualidade, com o desenvol- dos pela dominação patriarcal. Neste


vimento do capitalismo, e o fetichis- contexto, especialmente a mulher so-
ŒIdade Média Œ
A Idade Média, período citado no texto, no qual a
mo da mercadoria, o próprio corpo
da mulher aparece reificado (coisifi-
fre variadas formas de discriminação
em uma evidente relação de subordi-
mulher era alvo de perseguições religiosas, teve cado), como objeto de consumo. É nação e controle sobre o diferente”
início na Europa com as invasões germânicas possível articular esse tema à obra (Cascaes; Martins, 2013, p. 2).
(bárbaras), no século V, sobre o Império Romano
do Ocidente. Esse período estendeu-se até o
cinematográfica A Pele que Habito, Para inserir uma ref lexão psica-
FERDINAND SCHMUTZER/WIKIPEDIA

século XV, com a retomada comercial e o re- do cineasta espanhol Pedro Almo- nalítica sobre o filme de Almodóvar
nascimento urbano. A Idade Média se caracteriza dóvar Caballero. dentro do contexto atual, político
pela economia rural, enfraquecimento comercial, Apenas para contextualizar, o e social, cabe ainda ressaltar que a
supremacia da Igreja Católica, sistema de pro-
filme de Almodóvar trata de uma Psicanálise, desde Sigmund Freud
dução feudal e sociedade hierarquizada.
trama trágica no seio de uma família, (1856-1939), seu criador, aborda a

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questão do feminino pela via políti- A resolução do complexo de Édipo é,
ca. Freud, ao estabelecer seu método
de associação livre no tratamento da para Freud, do lado masculino, a identificação
histeria do século XX, dá a palavra à ordem dos possuidores do falo, enquanto
às mulheres de sua época e privilegia
o discurso da singularidade acerca que para o feminino ele não consegue resolver
de seus sintomas e desejos. Elabora a equação; não determina qual a maneira
uma nova teoria sobre a sexualida-
de, que esbarra na impossibilidade feminina de resolução do Édipo
de representar unicamente pela via
do falo o que é uma mulher, ou seja, de Almodóvar é possível sublinhar Seria Vicente com toda sua re-
de representá-la pela via do que pode algumas tentativas de construção sistência uma metáfora da própria
ser compartilhado na cultura de for- do feminino que são fadadas ao fra- posição da mulher na sociedade?
ma genérica (representação social); casso, por se tratarem justamente de Uma vez que a mulher não pode
o falo é uma forma representativa de uma construção que vem do Outro. ser construída apenas pela via da
poder, via de regra masculino, limita- O dr. Robert tenta transformar Vi- identificação e que ela não pode ser
do e nomeável (Mezan, 1982, p. 107). cente em uma mulher, não apenas apenas construída ou pensada pelos
A resolução do complexo de Édi- através das inúmeras cirurgias e pro- elementos simbólicos da cultura,
po é, segundo Freud (1924), do lado cedimentos aos quais o submete, mas Vicente, ao ser obrigado a estar nes-
masculino, a identificação à ordem também busca que Vicente assuma sa posição, metaforiza a resistência
dos possuidores do falo, enquanto uma posição feminina para com ele, feminina aos saberes e lugares esta-
que para o lado feminino o pai da e, apesar de o desfecho da trama pa- belecidos pela sociedade para a mu-
Psicanálise não consegue resolver recer bastante enigmático, é evidente lher ainda hoje? Cabe uma ref lexão.
a equação; ou seja, não determina que Vicente resiste. “Sei que respiro’’ Talvez um dos elementos mais
ao certo qual seria a maneira femi- é a frase que ele escreve nas paredes valiosos da arte, e da oitava arte em
nina de resolução do Édipo, apenas de seu quarto. Respirar é o que o consequência – a de que se trata aqui
de sua entrada (a entrada da meni- mantém na posição ética de seu de- – seja justamente a possibilidade de
na no Édipo) através do complexo de sejo e de sua existência enquanto não levantar questionamentos e enigmas
castração, e em seus estudos deixa a determinada pelo outro (o médico), a serem ref letidos. A Psicanálise, de
questão do feminino em aberto. é o único espaço que possui enquan- maneira muito parecida, também
Freud tentou transpor essa ex- to ação, inclusive de seu corpo, que o se interessa por ref lexões e enigmas
plicação [a do complexo de Édipo, coloca na posição de assumir o con- acerca do humano. Freud inicia o
grifo do autor] para o lado femini- trole e não de ser controlado. questionamento sobre o feminino,
no, não sem deparar com muitas mas não chega a concluir a teoria so-
surpresas e desmentidos. É impor- bre o tema, ele o introduz na cena de
tante assinalar, entretanto, que, no seus estudos clínicos e, logo, dá es-
final, reconheceu o fracasso de sua paço para estudá-lo cientificamente,
tentativa. Seu famoso O que Quer mas não tem tempo de finalizá-lo.
ALTE NATIONALGALERIE/WIKIPEDIA

uma Mulher? confessa isso, no final, Outros psicanalistas deram conti-


e poderia traduzir-se assim: o Édipo nuidade aos estudos freudianos. Um
produz o homem, não produz a mu- desses psicanalistas que vão se aten-
lher (Soler, 2006, p. 17). tar bastante aos estudos do feminino
e do que é ser uma mulher é o francês
Construção do feminino Œênfase Œ Jacques Lacan (1901-1981).

E ssa afirmação de que o complexo


de Édipo não produz a mulher,
Ser uma mulher enfatiza o uma enquanto
apontamento do singular. Tal posição, de Demanda de amor
D
FERDINAND SCHMUTZER/WIKIPEDIA

do ponto de vista da estruturação acordo com a Psicanálise (Soler, 2006, p. 181), e acordo com a psicanalista
social, quer dizer ainda que a mulher não se sustenta pela via da fantasia. Fantasia Collete Soler (2006, p. 28),
essa que é compartilhada no laço social. Pen-
não se constrói apenas pela via da sar o que é uma mulher implica, segundo essa
Freud enfatizava a demanda de amor
identificação social (relação triangu- visão, pensar a mulher uma a uma. como propriamente feminina. Lacan
lar: pai, mãe, criança etc.). No filme (...) ressalta que, na relação dos dese-

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PSICANÁLISE

PARA SABER MAIS da Psicanálise acerca da posição femi-


nina e do que é ser uma mulher, uma
A TEORIA CRÍTICA DA ESCOLA DE FRANKFURT vez que esta última coloca a resposta
na via de uma construção idiossincrá-
A Escola de Frankfurt, criada na primeira metade do século XX, teve seus
princípios baseados na união de um grupo de intelectuais, pensadores e
estudiosos, os quais se reuniram para elaborar o pensamento que foi chamado de
tica; ou seja, ser uma mulher é para a
Psicanálise, desde sempre, o enfren-
teoria crítica. Tratava-se de uma crítica bem embasada e fortalecida da sociedade, tamento político aos discursos já rei-
contestando a forma pela qual a civilização da época encarava seus problemas. nantes e aos lugares simbólicos já es-
A sociedade vivia um período de grande instabilidade e muitas problemáticas tabelecidos (representações sociais).
políticas e econômicas dominavam o cenário. Os pilares que conseguiam O filme A Pele que Habito traz
G G IG
 !G ‚  `
G G G GhÔ
 ‚‚G  à tona o questionamento sobre o
 IG G OG GHG
G  ‚` 
G G IP I9 H que é ser uma mulher, os enfrenta-
como a utilização de doutrinas que criticavam aspectos que permeiam a vida mentos de estar na posição femini-
em sociedade, como o sistema econômico vigente – o capitalismo –, a arte, o na e os desdobramentos sociais que
I9G ` GG^ IG:
9GG

HG I^ bG enfatizam desde períodos como a
temáticas, o grande foco da escola eram o trabalho e a forma como se davam época medieval ou a Renascença,
GGh€G GOIG:*
` I
  G
 citados anteriormente, até a atua-
principal deles: Theodor Adorno, que incitou a participação de muitos outros, tais lidade, onde é possível perceber os
como Walter Benjamin, Marcuse, Otto Apel, Max Horkheimer, Jürgen Habermas, determinantes sociais masculinos e
Leo Lowenthal, entre outros representantes de renome. a indispensável resistência feminina
que aponta para a construção de seu
próprio lugar e espaço, enquanto
A Psicanálise se interessa por reflexões enfrenta a desconstrução desses ou-
tros lugares e espaços predetermi-
do humano. Freud inicia o questionamento nados pela cultura.
sobre o feminino, mas não chega a concluir, REFERÊNCIAS
ele o introduz na cena de seus estudos e, logo, A Pele que Habito. Direção: Pedro Almodóvar
Caballero. Espanha: Paris Filmes, 2011. 1 DVD
dá espaço para estudá-lo cientificamente, (117 minutos, colorido, legendado, português).

mas não tem tempo de finalizá-lo ARRIÈS, Phillip; DUBY, Georges et al. História
da Vida Privada. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986.
jos sexuados, a falta fálica da mulher singularidade, enquanto o mascu- CASCAES, Tânia Rosa F.; MARTINS, Guaraci da
vê-se convertida no benefício de ser lino pela via da generalização. Um Silva Lopes. “A linguagem cinematográfica e
o falo, isto é, aquilo que falta ao Ou- bom exemplo, talvez um pouco ba- a normatização da sexualidade: dialogando
com A Pele que Habito de Pedro Almodóvar”.
tro. Para Lacan, de acordo com Soler, tido mas útil, é o de uma festa onde Seminário Internacional Fazendo Gênero 10
a falta feminina já está positivada. as mulheres tentam estar o máximo (Anais Eletrônicos) Florianópolis, set. 2013.
Em outras palavras, a falta fálica, ou possível diferentes e singulares em Disponível em: <http://www.fazendogenero.
como mencionado a impossibilida- relação a suas vestimentas, enquan- ufsc.br/10/resources/anais/20/1386788002_
de de ser simbolizada e localizada to os homens procuram estar o mais ARQUIVO_TaniaRosaF.Cascaes.
pdf#page=2&zoom=auto,-107,590 > Acesso
apenas pela via fálica, potencializa parecidos e discretos. Qualquer de- em: 20 ago. 2015.
a mulher, dizer que ela tem sua fal- talhe extra, como a cor da roupa ou FREUD, Sigmund. A dissolução do complexo
ta positivada é afirmar que sua falta acessório, chama a atenção e fragi- de Édipo [1924]. In: Obras Completas, v. 19.
possibilita a criação e a construção liza a masculinidade. Eis aqui um Tradução Jaime Salomão. Rio de Janeiro:
singular de sua posição. É um signo fator limitante e também opressor Imago, 2006.
cultural o quanto a mulher se coloca para aqueles que estão do lado mas- MEZAN, Renato. Sigmund Freud. São Paulo:
Ed. Brasiliense, 1982.
sempre na tentativa de ser única, essa culino na sociedade.
MATTOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt:
é a sua falta positivada. A partir do exposto é possível Luzes e Sombras do Iluminismo. São Paulo:
É possível pensar em situações articular a problemática das repre- Ed. Moderna, 1999.
banais, nas quais o feminino alcan- sentações sociais do feminino na SOLLER, Colette. O que Lacan Dizia das
ça destaque justamente pela via da contemporaneidade, com a posição Mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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MOMENTO DO LIVRO

$ SULPHLUD LPSUHVVmR p D TXH ÀFD QmR e aumentam as chances de uma relação


tenha dúvida disso. E ela tem muito a ver naufragar já no início.
FRPDVLPSDWLDTXHYRFrGHVSHUWD No entanto, se nas mais diversas situ-
6HPVLPSDWLDQmRKiHVSDoRSDUDGHVFR ações do cotidiano você não consegue a
EULUTXtPLFDQRVUHODFLRQDPHQWRVKXPDQRV FRQÀDQoDORJRQRFRPHoRLVVRQmRVLJQL
ÀFD TXH VHMD PHQRV FRPSHWHQWH RX FRQ
ÀDQWHTXHRXWUDVSHVVRDV7DOYH]QmRWHQKD
LQYHVWLGR WHPSR QHVVD KDELOLGDGH VRFLDO
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ÀPROLYURDSUHVHQWDDVFLQFRVDLDVMXVWDV
PDLV IUHTXHQWHV H DSRQWD FRPR HVFDSDU
delas com elegância.
&DULVPDpVHUYLVWRFRPRDOJXpPFRQÀ
iYHOTXHWDPEpPpXPDTXDOLGDGHGLUHWD
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Simpatia abre portas, elimina


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divã literário por Carlos São Paulo

Vítima de nossas
próprias CRIAÇÕES
EM GOMORRA, SOB O PECADO DA IDOLATRIA, A VIOLÊNCIA E
A TIRANIA TÊM O DINHEIRO COMO UMA DIVINDADE. E ELAS
TRAÇAM O ENREDO INSTIGANTE DESTA OBRA, QUE CONTA A
HISTÓRIA DE UM JORNALISTA INFILTRADO NA MÁFIA ITALIANA

N
a mitologia grega, há um Gomorra é um exemplo de como o ciência e crescimento para manter a
lugar relacionado ao f im da homem é uma vítima de suas próprias vitalidade dessa cultura. Nos campos
vida e ao mundo das profun- criações. Lá, regidas pelo pecado da DE EXTERMÓNIO DO NAZISMO  A ElCIÐNCIA
dezas que é inacessível a uma idolatria, a violência e a tirania têm máxima foi exterminar e queimar 20 mil
visão superf icial. Esse lugar chama-se o dinheiro como uma divindade. Essa corpos duas horas depois que os huma-
Hades. Quem entra no Hades jamais divindade não atende a totalidade nos ainda vivos desembarcaram. Não
poderá sair. Esse lugar mitológico para que a relação do homem com a poderia haver atrasos, nem movimentos
manifesta-se no decurso de nossa natureza que lhe habita possa harmo- inúteis, ou qualquer outra complicação.
existência para assinalar as separa- nizar-se. Precisamos de uma Imago Nesse culto, crescer ou morrer
ções, o todo trágico do cotidiano ou o Dei que contemple todas as nossas pendula à revelia dessa divindade
inferno na vida das pessoas. dimensões naturais. O dinheiro só como a f igura mitológica do deus
Em Nápoles, também existe um contempla Phobos, o deus do poder, e Chronos, que é fértil para criar os
mundo semelhante, que se chama Go- exclui Eros, a dimensão do amor. seus f ilhos e ef iciente para engoli-los.
morra. O jornalista Roberto Saviano O deus dinheiro é venerado pelas A humanidade parece empurrada
viveu uma experiência como Hércu- ideias que regem o comércio, a pro- para o futuro a cada 24 horas, sacri-
les, um herói mítico que conseguiu priedade e o lucro. Tais ideias recor- f icando-se em nome desse deus que,
entrar e sair do Hades. Ele foi até o rem à violência física, já que palavras a depender da cultura, adquire nomes
mundo subterrâneo de Gomorra e não conseguem expressá-las. É como como dólar, euro, libra etc. Dessa for-
conseguiu sair de lá para nos contar, no mundo dos répteis: só o mais hábil ma cria-se o sistema.
em detalhes, o universo criminoso chega ao topo e sobrevive à luta com- Esse sistema subjuga os homens
dos negócios dessa máf ia que tem os petitiva. O desaf io é permanecer lá no a uma vida conduzida por atos quase
seus tentáculos apoiados em diversos topo o maior tempo possível. que automáticos, como se cada mem-
países. Depois de publicar esse rela- O culto a esse deus exige as forças bro fosse uma peça que não faz falta
to no livro Gomorra: a História de um DIVINAS E DAIMÙNICAS DAS IDEIAS DE El ao sistema, ao mesmo tempo em que
Jornalista Infiltrado na Violenta Máfia esse aparelho precisa dessas peças
IMAGENS: 123RF/ DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL

Napolitana, uma obra de não f icção, facilmente substituíveis que engolem


Saviano perdeu a liberdade e precisou Gomorra: a História de o próprio criador. Tirania é a única
viver sob escolta policial para conse- um Jornalista Infiltrado na ORA¥ÎOQUEFAZSENTIDO#OMODIZOl
Violenta Máfia Napolitana
guir sobreviver. Talvez o Saviano que lósofo inglês John Locke: “Tirania é o
Autor: Roberto Saviano
foi ao Hades não voltou mais, pois o Editora: Bertrand Brasil poder absoluto e arbitrário que um ho-
que retornou é um outro, mais ama- Ano: 2008 mem tem sobre outro para tirar-lhe a
durecido. Nº de páginas: 350 vida no momento em que lhe agradar”.

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QUANDO SOMOS
TIRANOS DE
NÓS MESMOS,
PROJETAMOS ESSA
CONDIÇÃO EM
GOVERNANTES
TERRÍVEIS SEM SE
DAR CONTA DO
QUANTO EXERCEMOS
UM ABSOLUTISMO
PARA GOVERNAR
NOSSA VIDA PESSOAL
de imunidade baixa, tomamo-la como
nossa? Tais ideias, espalhadas em nos-
sa psique como livros empoeirados,
em dado momento, poderão ser aber-
tos e fornecer energia suf iciente para
que os homens de uma sociedade pos-
sam criar, sem perceber, um sistema
para destruí-los.
Assistimos, no Brasil atual, a
criação de um grande aparelho para
venerar a todo custo a divindade di-
nheiro. Essa situação educa nossas
crianças escrevendo tais aconteci-
mentos naquele que será mais tarde
um livro empoeirado que torcemos
para nunca ser aberto, porém admi-
A tirania governa por meio de gru- Entre o passado e o futuro, há timos que tais lições sejam registra-
POSCOMOAMÉlAOUOPODERPÞBLICO  uma lacuna que ocupamos. Essa posi- das nessa obra. Pedimos ao sagrado,
que tomou para si a condição de usar ção leva a uma luta entre os avisos do a um Deus da totalidade, que no seu
direitos e imunidades para praticar passado e o receio de surpresas desa- último capítulo possamos ensinar
negócios escusos. Quando somos ti- gradáveis do futuro. O passado talvez uma lição de justiça. Para isso, torce-
ranos de nós mesmos, projetamos essa se estenda além do dia em que fomos mos para que nenhum desses líderes
condição em governantes terríveis concebidos, pois temos uma história atuais, vinculados ao grande siste-
sem nos darmos conta do quanto exer- antes de chegarmos ao mundo. O fu- ma de corrupção, seja contemplado
cemos um absolutismo para governar turo também poderá ir além de nossa com uma vitória nas urnas como um
nossa vida pessoal e viver uma tirania existência e se estender no inf inito. prêmio por ter participado de uma
sem perceber. Talvez não tenhamos Será que sabemos alguma coisa so- organização que ajudou a deteriorar
IMAGENS: 123RF/ DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL

consciência dessa forma de atuar, mas bre as ideias que prevalecem em uma mais ainda os nossos valores éticos
lCAMOShVICIADOSvEMPRÉTICASGANAN dada cultura e, como um organismo e morais.
ciosas que envolvem um contínuo de
ações danosas a nós mesmos e à nos-
SA FAMÓLIA  PERDENDO SE NUMA mORESTA Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano.
cheia de almas que não conseguiram É diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia.
carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br
dar sentido às suas vidas.

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cinema Por Dr. Eduardo J. S. Honorato e Denise Deschamps

Interferência
terapêutica
/2/4%)2/$%GYPSY#/.342œ)35!
42!-!!0!24)2$/3%15°6/#/3
%%22/3$%#/.$54!$%5-!
02/&)33)/.!,%-03)#/,/')!!
3¡2)%02/0š%0%.3!2.!¡4)#!$/
!4%.$)-%.4/03)#/4%2£0)#/

E
m Gypsy, série criada pela novata Lisa Rubin e que traz Nao-
mi Watts como protagonista, representando a psicoterapeuta
Jean Holloway, o espectador se verá frente a um bom repre-
sentante do gênero, em que não será preciso assassinatos ou
entidades sobrenaturais para ser levado a bons sustos.
!CENAlNAL QUANDOENlM*EANDIZQUALLINHASEGUEEMSEUSSU
postos tratamentos, para os estudiosos da Psicologia será assim uma
lNAIRONIA%SPERAMOSQUENÎOALIMENTEASJÉULTRAPASSADASCONTENDAS
entre as diferentes correntes que compõem o vasto campo de estudos
DESSACIÐNCIATÎOHUMANA EQUESIRVAAPENASPARAFAZERVERQUEACLÓNI
CA AOLONGODAPRODU¥ÎOCINEMATOGRÉlCA JÉALIMENTOUBONSROTEIROS
EEXCELENTESPRODU¥ÜES)NÞMEROSlLMESJÉCONSTRUÓRAMPERSONAGENS
como psicoterapeutas e/ou psicanalistas que arrepiaram as transfe-
RÐNCIASALHEIAS!SPROlSSÜES DEMANEIRAGERAL EMSUASCARICATURAS 
OUSEJA PELOEXAGERODASMÉSEXPERIÐNCIAS TÐMSERVIDODEBONSMOTES
PARAAPRODU¥ÎOFÓLMICAnQUECONlRMEMISSOOSADVOGADOS MÏDICOS 
psicanalistas e psicoterapeutas de modo geral.

,).(!$%42!4!-%.4/
)NDEPENDENTEMENTEDALINHAQUEESTEJAMOSFOCANDO ASÏRIESER
ve muito bem para pensar na ética do atendimento psicoterápico, na
importância que, por exemplo, a Psicanálise costuma colocar em seu
CONHECIDOTRIPÏDAFORMA¥ÎOESTUDOTEØRICO ANÉLISEPESSOALEATEN
DIMENTODECASOSSUPERVISIONADOS.EMTODASASLINHASCONCORDAM
QUANTOAOINVESTIMENTODOPSICOTERAPEUTAEMRELA¥ÎOASEUPRØPRIO
TRABALHOPSICOTERÉPICO ALGUMASVEEMCOMOOBRIGATØRIONAFORMA¥ÎO
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

EOUTRASENTENDEMQUESOMENTEOSUJEITOPODERESOLVERSOBRESUAPRØ
PRIADEMANDADETERAPIAETEMPODELA%SSAÏUMADISCUSSÎOQUEMUI
TASVEZESSECONFUNDEENTREASLINHASDENTRODAQUILOQUESECOSTUMA
CHAMARDEhCAMPOPSIv
(ÉENTREOSLEIGOSUMACERTAILUSÎODEPENSARNAlGURADOPSI
coterapeuta como uma coisa única, até porque não interessa, na

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RESPEITOAOFAZERPSI SUAElCIÐNCIADEPEN
de muito do grau de comprometimento
QUESEALIAÌPRÉTICA%MSUAVIDAPRIVA
DAÏCASADACOMUMADVOGADO -ICHAEL
(OLLOWAY "ILLY #RUDUP  E TEM UMA
ÞNICAlLHA $OLLY-AREN(EARY 6IVEA
FAMÓLIATAMBÏMEMMODELOTIPICAMENTE
TRADICIONALMORAMEMUMDOSSUBÞRBIOS
DE.OVA9ORK #ONNECTICUT ECONVIVEM
com seu grupo lá basicamente formado
pelos outros casais pais dos amigos de
$OLLY*EANE-ICHAELVIVEMARETOMADA
de um casamento que atravessou uma
CRISE E EM QUE HOUVE UMA INlDELIDADE
DELE !OS POUCOS O CONmITO ENTRE O CA
sal será explicado de forma mais densa,
EOhCLICHÐvDATRAI¥ÎOMASCULINA COMO
Jean nomeia o fato, será entendido com
uma complexidade maior e decorrente
DA PRØPRIA INCAPACIDADE DELA EM ESTAR
COMPLETAMENTEhDENTROvDOVÓNCULOCOM
Jean Holloway (Naomi Watts) é uma psicoterapeuta que trabalha em uma clínica em modelo de equipe, mas como em -ICHAEL %SSA AGITA¥ÎO ANGUSTIADA DE


 GG 9G‚I ÈI G

 
G
I G GOP IG *EANTRANSBORDARÉPARASUAPRÉTICACLÓNI
ca, fazendo com que passe a buscar no
!302/&)33š%3 $%-!.%)2!'%2!,  real mais informações sobre o que escuta
NO ESPA¥O DA CLÓNICA ! VIDA E CONmITOS
4º-3%26)$/$%"/.3-/4%3
de seus pacientes servirão como desculpa
#).%-!4/'2£&)#/3).·-%2/3&),-%3 PARAQUELEVEÌPRØPRIAVIDAUMAENERGIA
*£#/.3425°2!-0%23/.!'%.3#/-/ e agitação da qual se ressente pela falta.
/UTROPONTOINTERESSANTEDASÏRIE QUE
03)#/4%2!0%54!3%/503)#!.!,)34!315% APRESENTAAQUESTÎOSEMFECHARNENHUMA
!22%0)!2!-!342!.3&%2º.#)!3!,(%)!3 conclusão, é representado pela carismáti-
ca personagem interpretada tão bem pela
maioria das vezes, a quem procura tra- em sua atuação. Nesse sentido, a série é PEQUENA-AREN(EARY QUEGIRAEMTORNO
tamento psicoterápico, entender teori- PONTUALMENTE IRÙNICA  E *EAN  A PRØPRIA DAlLHA$OLLY UMAMENINAQUECOMUNICA
CAMENTE EM QUAL LINHA SERÉ ABORDADO CONCEITUA¥ÎODOQUELEMOSCOMOhSELVA SUA DIlCULDADE EM LIDAR COM OS MARCA
SEU CONmITO ELE QUER MUITO MAIS SENTIR GEMv&REUD Psicanálise Selvagem). dores de identidade de gênero, sentindo-
algum resultado na direção de uma di- Jean Holloway é uma psicoterapeuta -se muito mais confortável e feliz quando
MINUI¥ÎODAANGÞSTIA%SSEÏUMPONTO QUETRABALHAEMUMACLÓNICAEMMODELO se aproxima de modelos que são reco-
que tem sido mais facilmente apregoado DEEQUIPEVEREMOSQUEFAZEMENCONTROS NHECIDOSCOMOhPARAMENINOSv INCLUSIVE
QUANDOSEFALAEMCLÓNICADOCAMPOPSI  DEGRUPOENTREOSPROlSSIONAIS RECEBEN na questão do corte do cabelo, que ergue-
uma discussão atual que tem levantado DO ALI UMA SUPERVISÎO DE UM CHEFE DA RÉUMABELACENAENTRE*EANE$OLLYJÉNO
muitos pertinentes questionamentos CLÓNICA&RANK$EAL EOPINIÜESENTREOS CLÓMAX DA SÏRIE 3EUS PAIS BUSCAM LIDAR
de correntes de leitura e/ou orientação COLEGAS%SSEÏUMMODELOEXCELENTEDE COM ISSO SEM MAIORES ESTRANHAMENTOS 
PSICANALÓTICA QUENÎOENCARAMOSINTO supervisão, mas, como em tudo que diz MAS A hENGESSADAv COMUNIDADE NA QUAL
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

ma como um mal em si, pelo contrário,


acreditam que onde ele está se encontra,
Eduardo J. S. Honorato é psicólogo e psicanalista, doutor em Saúde
TAMBÏM ACHAVEPARAASAÓDADOCONmITO da Criança e da Mulher. Denise Deschamps é psicóloga e psicanalista.
original que levou à angústia que deita Autores do livro  GG Gd 

ƒ : Participam de
NO DIVÎ / furor curandis não pode ser palestras, cursos e workshops em empresas e universidades sobre
este tema. Coordenam o site www.cinematerapia.psc.br
O IMPULSO QUE ORIENTA UM PROlSSIONAL

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CENA-ELISSA3AUGRAVES+ERRY#ONDON 
RECÏM SAÓDADEUMHOSPITALPSIQUIÉTRICO
e que parece ter sido uma experiência
ANTERIORSOBREAQUAL*EANHAVIAINCLUSIVE
SIDOINQUIRIDAJUDICIALMENTE
A outra paciente que sofrerá a in-
terferência de Jean representa uma mãe
RECÏM ENVIUVADA #LAIRE2OGERS"REN
DA6ACCARO RESSENTIDADOAFASTAMENTO
DE SUA lLHA 2EBECCA 2OGERS "ROOKE
"LOOM  E COM DIlCULDADES EM LIDAR
COM A VIDA E A SOLIDÎO APØS A SUA RE
CENTEPERDA-ÎECOBRADORAEINVASIVA 
REMETE *EAN ÌS SUAS PRØPRIAS DIlCULDA
des em uma relação muito ambivalente
COM SUA MÎE  .ANCY "LYTHE $ANNER 
%SSE NÞCLEO DA SÏRIE  QUE Ï COMPOSTA
%GGI
OG

I` 9IHGGIG
GI 9 G
G na verdade pela problemática de três
I
GG

GGG
G pacientes, remete todo o tempo a que
se entenda a explosiva relação de Jean
ESTÎOINSERIDOSPROMOVERÉALGUNSEPISØ que nossa protagonista, cansada de sua com sua mãe, que, embora tente reitera-
dios nada fáceis ou agradáveis de lidar. vida rotineira e comum, entre na espiral damente se aproximar, recebe o distan-
/CASALPARENTAL TODOOTEMPO TEMQUE DESITUA¥ÜESINSØLITASQUECRIARÉAPARTIR CIAMENTODAlLHA QUEAINDASERESSENTE
ESCOLHERENTREALIMENTARCORDIALMENTEOS de seu contato com pessoas que antes de uma mãe bastante ausente, distante
LA¥OSCOMOSVIZINHOSOUENFRENTARCOM apenas povoavam as falas de seus pa- E CÓNICA DE SUA INFÊNCIA *EAN IRRITA SE
mais vigor a segregação que eles querem CIENTES-UITOCURIOSA CRIAUMASITUA¥ÎO porque Claire não consegue enxergar
IMPORÌSUAlLHA/PAIPARECEMAISTRAN PARACONHECERASENSUAL3IDNEY-AISAO SUAPARTENODISTANCIAMENTODAlLHA E 
QUILOAOLIDARCOMISSO JÉ*EANEVIDENCIA lNALDASÏRIElCARÉSUTILMENTECOLOCADO tratando da condução do tratamento no
UMA DIlCULDADE MAIOR DECORRENTE DE que a situação na verdade era uma repe- GRUPODEDISCUSSÎOCLÓNICA SEUSUPERVI
sua necessidade de parecer socialmente tição mais grave de um padrão anterior SORLHEALERTARÉQUANTOAALGOQUESERÉ
como um modelo perfeito. A persona- JÉEXECUTADOPOR*EAN-UITORAPIDAMEN na verdade tudo que ela não estará apta
gem de Jean é um primor na aparência te e sem maiores explicações entrará em APÙREMPRÉTICA ELELHEDIZh*EAN LEM
de total adequação, desde o vestuário até bre-se de que nosso dever não é fazer o
a forma sempre professoral com que se TRABALHOPELOPACIENTEv%LADIZQUENÎO
dirige aos outros nas reuniões sociais ou !3¡2)%3%26% acredita mais no que Claire conta sobre
NAESCOLADAlLHA 0!2!0%.3!2.! A lLHA 2EBECCA !COMPANHAREMOS EN
tão as manobras de Jean para se aproxi-
)-0/24ª.#)!$/
0%2&)3%)$%.4)$!$%3 MARDE2EBECCAECONHECÐ LA INCLUSIVE
*EANCOME¥ARASUAESTRANHAJORNADA #/.#%)4/15% ACONSELHANDO A EM RELA¥ÎO A SUA MÎE 
AOSEMISTURARNOACOMPANHAMENTODE !03)#!.£,)3% paciente de Jean, sem que Rebecca saiba
SEUPACIENTE3AM$UFFY+ARL'LUSMAN  com quem está falando.
CUJA QUEIXA PRINCIPAL GIRA EM TORNO DE
#/345-!#/,/#!2 A terceira paciente que Jean se en-
sua relação de codependência com sua %-3%5#/.(%#)$/ VOLVERÉ NA HISTØRIA Ï A JOVEM !LLISON
EX NAMORADA  3IDNEY 0IERCE 3OPHIE 42)0¡$!&/2-!—§/ !DAMS,UCY"OYNTON UMAJOVEMDE
#OOKSON  QUE ELE VÐ COMO UMA SEDU PENDENTE QUÓMICA QUE ESTÉ ENVOLVIDA E
%345$/4%œ2)#/ 
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

TORAMANIPULADORA!PESARDISSO 3AMA SOBODOMÓNIODEUMNAMORADOQUETRA


DESCREVE COM O OLHAR DA PAIXÎO  COMO !.£,)3%0%33/!, lCA DROGAS !FASTADA DE SUA MÎE -AR
UMA MULHER AVENTUREIRA E ESTIMULANTE %!4%.$)-%.4/ GARET !DAMS 3HAE $LYN  QUE SUPOS
que o fazia sentir uma vibração perante a tamente enfrenta um câncer e não sabe
VIDAJAMAISSENTIDAANTESDELA4ALVEZAÓ $%#!3/3 que ela abandonou a faculdade. Logo no
TENHASIDOOGANCHO AISCAQUEFAZCOM 350%26)3)/.!$/3 começo da série encontrará Allison den-

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TRO DO SEU CONSULTØRIO  FORA DO HORÉRIO
marcado, dizendo que buscou refúgio ali
da violência do namorado, e Jean deixa-
rá que ela durma por um tempo. Nesse
NÞCLEODECERTAMANEIRACONHECEREMOS
um pouco das questões de Jean durante
SUA JUVENTUDE !O QUE PARECE TAMBÏM
BASTANTE CONFUSA E CONmITUADA  LONGE
DOSCUIDADOSDEUMAMÎEQUEACOLHES
SE SUA ANGÞSTIA %M RELA¥ÎO Ì SITUA¥ÎO
dessa paciente, Jean ultrapassará todos
os limites enquanto terapeuta, tudo que
não se deve fazer do lugar abstinente do
psicoterapeuta ela fará, agindo direta-
MENTEJUNTOÌVIDADAPACIENTE DIFERENTE
DOSCASOSDE3AME#LAIRE EMQUEELASE
envolverá com as pessoas que seriam o
problema da vida deles, respectivamente %G GG
G
IGGI( I G
 
GGI G
GG ‚

G

3IDNEYE2EBECCA SEMQUEELESTENHAM
: GGG

G
ƒ GHGGh€G 
A MÓNIMA NO¥ÎO DAS ATIVIDADES DE SUA
terapeuta com elas. /%.2%$/42!: gunda temporada, estava prevista, mas
RECENTEMENTE A .ETmIX INFORMOU O CAN
-!.)05,!—§/%-0!54! 4!-"¡-!%80,/3)6! CELAMENTO/ESPECTADORlCARÉSEMSABER
/ENVOLVIMENTOAMOROSOSEXUALEN 2%,!—§/$%*%!. SEHOUVEALGUMACONSEQUÐNCIAOUPUNI
TRE*EANE3IDNEYTOMARÉGRANDEPARCE ¥ÎO POR SUAS GRAVES FALHAS  SUA QUEBRA
#/-35!-§% 15% 
la da série. Cenas de muita ousadia e no sentido mais protetor em relação ao
DE FRANCA SEXUALIDADE / JOGO QUE ELA %-"/2!4%.4% PACIENTE  PORQUE  AlNAL  A NEUTRALIDADE
imprime nessa relação é perigosamente 2%)4%2!$!-%.4%3% e distanciamento nada mais são do que
FASCINANTE*EANÏUMAMULHERCUJAVIDA medidas protetoras para que uma psico-
sexual parece ocupar grande parcela
!02/8)-!2 2%#%"%/ terapia possa contemplar uma imparciali-
DE SEU INVESTIMENTO SUA RELA¥ÎO COM $)34!.#)!-%.4/$! DADEQUEABRACAMINHOPARACADAPACIEN
o marido é bastante aquecida, longe de &),(!15%!).$!3% TEENCONTRARFRENTEÌSSUASDORESAMELHOR
QUALQUERDISTANCIAMENTOQUEJUSTIlCAS nova composição que for capaz de reali-
se no senso comum sua busca por uma
2%33%.4%$%5-!-§% zar, agora não mais sob a batuta de algu-
RELA¥ÎO FORA %LA MANTÏM SEU MARIDO "!34!.4%!53%.4%  MAFORTElGURAQUEOINVADADILACERANDO
-ICHAEL SEMPRE CULPADO COM COBRAN $)34!.4%%#°.)#! suas possibilidades de encontrar-se em
ças que faz em relação a sua traição, e si mesmo, como outrora algo ou alguém
MANTÏMTAMBÏMUMADESCONlAN¥APOR $%35!).&ª.#)! fez, impedindo o enfrentamento e a des-
conta de sua nova assistente, a sensual TRAPALHADAS  O QUE PODERIA LEVAR AO EN COBERTADEUMASAÓDACRIATIVAESAUDÉVEL
!LEXIS -ELANIE ,IBURD  )NICIALMEN cerramento de sua carreira. Aparente- %NTRE UMA FRIEZA DESAFETADA DE UM
te faz parecer que ela sofre de algum MENTEELACONSEGUEhLIMPARvSEUSRASTROS  psicoterapeuta e uma intervenção ligada,
GRAUDEhDELÓRIODECIÞMEv OQUEPODE DEIXANDOINCLUSIVENESSASSAÓDASUMASETA NOSENTIDODEQUEHÉAFETO MASDEVIDA
AQUECERADISCUSSÎOEMTORNODASAÓDA ACUSATØRIAVOLTADAPARASUAMÎEnÏUM mente interditada em seu excesso, existe
QUEBUSCAAOSERELACIONARCOM3IDNEY bom arrepio observar isso em pequenos ESPA¥O PARA MUITA DISCUSSÎO 1UE ESSA
3ABEMOSQUENESSESQUADROSAQUESTÎO DETALHES NO EPISØDIO lNAL 0ARECE QUE interessante série possa alimentar muitos
IMAGENS: DIVULGAÇÃO E SHUTTERSTOCK

DEUMIMPULSOHOMOERØTICORECALCADO HAVIAAINTEN¥ÎODESEPRODUZIRUMASE necessários debates a respeito.


costuma alimentar o sintoma.
Aos poucos Jean se verá enredada
pela teia de manipulações e mentiras que .^  Gd": hÔd -G G9" 
I9-G.G¢
plantou, dispendendo tempo e energia % 9-I1 G90 I G(G :"ÈdGG.  :+G^

* d /:
hÔ=;<B
para tentar evitar que descubram suas

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DISTÚRBIOS
ISTÚ
ST OS

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Conhecendo
ACALCULIA e
DISCALCULIA
Os discalcúlicos têm inteligência dentro dos padrões
ou até acima da média, mas encontram problemas
unicamente com o conhecimento matemático
Por Ana Maria Antunes de Campos

“S
ou uma professora por diversos motivos, como de ordem Esse distúrbio não acontece por falha
de Matemática atí- psicossocial, pedagógica e outras que, no sistema de ensino, por problemas
pica, porque só con- infelizmente, possuem um distúrbio psicológicos, como, por exemplo, a
sigo resolver uma neurológico relacionado com a aquisi- separação dos pais, perda de um ente
equação ou conta ção da linguagem matemática. Esse dis- querido ou por recorrente mudança
usando papel e lápis, ainda faço contas túrbio é conhecido por discalculia. de escola/cidade, como ocorreu com a
usando os dedos e para gravar qualquer Discalculia vem do grego e signi- professora Ana Maria.
informação eu preciso escrever.” Relato fica dis + calculo, ou seja, dificuldade ao A discalculia não é oriunda de pro-
da professora de Matemática Ana Maria. calcular. Os discalcúlicos apresentam blema emocional, pedagógico e social,
Assim como muitas crianças e ado- dificuldades específicas em Matemática, pois nesses casos seria considerada
lescentes, a professora teve sérios pro- como tempo, medida, resolução de pro- uma dificuldade de aprendizagem
blemas com o aprendizado matemático blemas etc. Acomete pessoa de qualquer em Matemática, algo transitório.
por mudar constantemente de escola. nível de QI, logo, é importante salientar Vale destacar, também, que a dis-
Entretanto, essas dificuldades foram que o discalcúlico tem uma inteligência calculia não é ocasionada por um
passageiras, não impossibilitando a normal, ou até acima da média. Seu pro- dano cerebral, como o aci-
continuidade nos estudos e, principal- blema está relacionado unicamente com dente vascular cerebral
mente, não interferindo na sua escolha o conhecimento da Matemática. ou alguma outra lesão
de graduar-se em Matemática. Até o momento, não existe uma no cérebro. Em tais ca-
Hoje, infelizmente, encontram-se prevalência maior em meninos ou me- sos, a perda das
muitas crianças que apresentam dificul- ninas e acredita-se que cerca de 5% a habilidades
dades de aprendizagem em Matemática 7% da população tenham discalculia.

Ana Maria Antunes de Campos é neuropsicopedagoga e pesquisadora em Educação Matemática, Discalculia


123RF E SHUTTERSTOCK

e Dificuldade de Aprendizagem em Matemática. Autora dos livros Discalculia – Superando as Dificuldades


de Aprender Matemática, Jogos e Discalculia – uma Nova Perspectiva para Discalculia e Raciocínio Lógico:
Atividades para Auxiliar Crianças e Adolescentes (ambos publicados pela Wak).

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DISTÚRBIOS

A discalculia não é oriunda de problema


emocional, pedagógico e social, pois nesse
caso seria considerada uma dificuldade de
aprendizagem em Matemática, algo transitório.
Vale destacar, também, que a discalculia não é
ocasionada por um dano cerebral ŒDéficit seletivo Œ
O primeiro estudioso e autor a introduzir o
matemáticas decorrente desses proble- ou da articulação das palavras. A acalcu- termo discalculia do desenvolvimento foi
Ladislav Kosc, já no ano de 1974. Seu obje-
mas é conhecida como acalculia. lia também se torna mais visível em adul-
tivo foi diferenciá-lo da simples dificuldade
Acalculia é a perda das habilidades tos e idosos que sofreram acidente vascu- matemática adquirida ao longo do período
que já estavam consolidadas e em de- lar e traumatismo craniano. Nesse caso, educacional por inúmeras possibilidades.
senvolvimento, Segundo Garcia (1998), a intervenção deverá seguir o mesmo cri- Butterworth foi outro importante pesquisa-
as lesões estão relacionadas ao hemisfé- tério que se utiliza para crianças e adoles- dor da área, que entendeu a discalculia como
um déficit seletivo e específico de uma ca-
rio esquerdo parieto-temporal e parie- centes, adaptando as atividades de forma
pacidade para entendimento de números, que
to-occipital, e afetam o raciocínio lógi- a contemplar a necessidade do indivíduo leva a uma ampla gama de dificuldades em
co. As características da acalculia são o adulto. Até o momento, não se sabe ao aprendizado sobre números e aritmética.
prejuízo na leitura e escrita de números; certo o índice de pessoas com acalculia,
cálculo mental; disposição espacial dos pois o seu diagnóstico se confunde com
números, como alinhar os números em outras comorbidades, como afasia, apra- tais e de exclusão, não existindo, ainda,
uma coluna; dificuldade de saber quan- xia e síndrome de Gerstmann. claros marcadores biológicos para o
tas semanas tem o ano; dificuldade de Desse modo, compreender a di- diagnóstico clínico. Contudo, estudos
saber qual número é maior ou menor; ferença entre discalculia e acalculia é recentes demonstram que um dos fa-
dificuldade de ler e escrever os números importante para ajudar a criança e o tores tem procedência genética. Cerca
de complexidades diferentes. adolescente de forma eficaz. Assim, a de 40% das crianças e adolescentes que
Segundo Rosselli e Ardila, 2002, os acalculia é uma comorbidade adquirida, têm discalculia podem ter dislexia, po-
estudos demonstram associação entre diferente da discalculia, cuja definição rém isso não é uma regra, já que é pos-
acalculia e afasia. Afasia é a perda da fala se baseia em critérios comportamen- sível apresentar diversas patologias ao
mesmo tempo, como apresentar hipera-
tividade e discalculia, dislexia e discal-
PARA SABER MAIS
culia e assim por diante.
OS QUATRO SINTOMAS Todavia, discalculia e acalculia vão
além de problemas relacionados com a
DA SÍNDROME DE GERSTMANN Matemática. São de origem psicosso-
cial, pois a criança que apresenta essas
D istúrbio neurológico caracterizado por lesões no giro angular do hemisfério
cerebral dominante (geralmente o esquerdo), a síndrome de Gerstmann recebe
esse nome em homenagem a Josef Gerstmann, mas também pode mudar sua
comorbidades tem toda sua vida deses-
truturada, com prejuízos sociais, emo-
denominação para síndrome angular, por recomendação da comunidade científica. cionais e psicológicos.
O problema geralmente é causado por isquemia cerebral, traumatismo ou AVC. Ladislav Kosc teria descoberto a
Os prejuízos na capacidade de leitura e reconhecimento costumam ser bem discalculia em 1974. Na época, ele clas-
incapacitantes, especialmente nas áreas educacionais e profissionais. Essa síndrome sificou a discalculia em seis tipos: verbal
se caracteriza por quatro sintomas principais: disgrafia/agrafia - dificuldade/ - dificuldades para nomear as quantida-
incapacidade de se expressar pela escrita; discalculia/acalculia - dificuldade/ des matemáticas, os números, termos,
incapacidade de compreender Matemática; agnosia digital - incapacidade de símbolos e as relações; practognóstica
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

distinguir os dedos da mão; desorientação em relação à esquerda e à direita. Não - dificuldade para enumerar, comparar e
há cura para a síndrrome de Gerstmannn e o tratamento é apenas sintomático e manipular objetos reais ou em imagens,
psicoeducativo. Terapias ocupacional e psicológica podem ajudar a diminuir a matematicamente; léxica - dificulda-
dificuldade em ler, escrever e calcular. de na leitura dos símbolos matemáti-
cos; gráfica - dificuldade na escrita de

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símbolos matemáticos; ideognóstica - Acalculia é a perda lores cardinais. Quando associado a um
dificuldade em fazer operações mentais QI elevado, a criança consegue acom-
e na compreensão de conceitos matemá- das habilidades panhar o mesmo nível dos seus colegas
ticos; operacional - dificuldade em fazer que já estavam durante os primeiros anos escolares, e
cálculos e na execução de operações. o problema só vai se manifestar após o
A neurociência nos mostra que vi- consolidadas e em quinto ano de escolaridade.
vência, motivação e estímulos ativam as desenvolvimento. Independentemente de ter dis-
conexões cerebrais, auxiliando o proces- calculia, acalculia ou dificuldades de
so de aprendizagem referente à Matemá- As lesões estão aprendizagem em Matemática, é im-
tica. Estudos neurocientíficos demons- relacionadas portante um diagnóstico precoce, que
tram que existe uma parte do cérebro aumenta as chances de sucesso na in-
especializada em reconhecer números. no hemisfério tervenção e minimiza os efeitos deleté-
Esses estudos ainda não foram conclu-
ídos, mas os estudos de neuroimagem
esquerdo rios, como o abandono escolar e a de-
pressão. As dificuldades específicas de
funcional apontam que as áreas respon- parieto-temporal e cada indivíduo devem ser mapeadas, e
sáveis podem ser as seguintes: parte in- parieto-occipital, torna-se necessário o planejamento de
ferior esquerda do lobo parietal, que é a um ensino eficiente e direcionado às
área cerebral responsável pela represen- que afetam o dificuldades específicas do discalcúlico,
tação de domínio específico de quanti- um professor dedicado e uma família
dades, das funções verbais, espaciais e
raciocínio lógico acolhedora.
do foco de atenção para a resolução de Os critérios de diagnósticos da dis-
operações de quantidades, grandezas, uma e procurar ajudar essas crianças e calculia são pautados nas dificuldades
proporções e números. A primeira rede adolescentes a terem um aprendizado apresentadas pelas crianças e adolescen-
neural tem a participação do lobo frontal significativo e de sucesso. tes, devendo ser levado em conta se as
inferior esquerdo e do giro angular bila- dificuldades persistem por mais de seis
teral, áreas envolvidas na representação Quando surge meses; se estiverem substancial e quan-
linguística (símbolos numéricos, concei-
tos e regras), que são ativadas durante ta-
refas de cálculos exatos e funcionam de
A discalculia torna-se aparente du-
rante o segundo ou terceiro ano do
ensino fundamental. Entretanto, desde
titativamente abaixo do esperado para a
idade cronológica da pessoa, conforme
testes padronizados; se as dificuldades
suporte no gerenciamento de operações a educação infantil a criança já apresen- se iniciarem durante os anos escolares,
aritméticas sucessivas que envolvem a ta dificuldades em compreender símbo- especialmente desde a pré-escola, sendo
participação de memória operacional e los numéricos, algarismos arábicos e va- necessário documentar essas dificulda-
rotinas de memória verbal. O suco in-
traparietal bilateral é a estrutura anatô-
mica-chave envolvida na realização de
todas as tarefas de natureza numérica,
juntamente com outras áreas como o
giro angular esquerdo, o córtex frontal
medial bilateral e o sistema parietal bila-
teral póstero-superior.
Não basta só conhecer as áreas ce-
rebrais ou a neurociência, neurobiolo-
gia, tudo isso é importante, mas, acima
de tudo, é preciso levar em conta que
nem todos aprendem da mesma ma-
Existem situações em que
neira e que existem, segundo Gardner as crianças apresentam
IMAGENS: SHUTTERSTOCK E 123RF

(1995), várias formas de inteligência,


‚I
G

G
G
como a musical, lógico-matemática, in- em Matemática por um
terpessoal, linguística etc. É necessário distúrbio neurológico, que
recebe o nome de discalculia
aceitar que cada pessoa é diferente da
outra, respeitar as limitações de cada

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DISTÚRBIOS

de neuroimagem e os relatos médicos.


Até o momento, não existe cura para
essas comorbidades, mas a interven-
ção eficaz, estimulação e reabilitação
pedagógica, psicopedagógica e psico-
lógica, com atividades para reaprender
ou contornar as dificuldades relaciona-
das à Matemática, proporcionarão um
tratamento adequado, lembrando que
devem ser pautadas nas necessidades
individuais de cada um.

Recursos
Há vários problemas semelhantes, como a afasia, que é a perda da fala ou da articulação das palavras.
Assim como a acalculia, é mais frequente em adultos e idosos
A intervenção para discalculia, acal-
culia e dificuldades de aprendi-
zagem deverá ser pautada em recursos
materiais (uso de calculadoras, jogos e
des. No entanto, o diagnóstico deve ser cias dos passos para realizar as operações atividades lúdicas, caderno quadricu-
feito idealmente após o segundo ou ter- matemáticas; estabelecer correspondên- lado, imagens, contação de histórias,
ceiro ano do ensino fundamental. Im- cia um a um, ou seja, não relaciona o nú- questões claras e objetivas etc.); recur-
portante lembrar que essas dificuldades mero de alunos de uma sala à quantidade sos metodológicos (métodos, técnicas
não podem ser explicadas por deficiên- de carteiras; dificuldade de compreen- de ensino organizativas, planejamento,
cias intelectuais. der os números cardinais e ordinais. adequação de conteúdos e avaliativas);
O diagnóstico deve ser feito através Entretanto, pessoas que têm acal- recurso multiprofissional (fonoaudiólo-
de uma equipe multidisciplinar (fono- culia também apresentam, às vezes, as go, psicopedagogo, psicólogo, neurolo-
audiólogo, psicopedagogo, psicólogo, mesmas características. O que irá fun- gista, neuropediatra, pedagogo, psiquia-
neuropediatra, neurologista, pedagogo damentar o diagnóstico são os exames tra, terapeuta etc.).
e pediatra). Porém, para que esse diag- Sem a intervenção adequada, as
nóstico ocorra é necessário que a crian- crianças podem arrastar, ao longo de sua
ça já tenha sido exposta ao conhecimen- As características vida, sérias dificuldades aritméticas, daí
to matemático. da acalculia são o a importância e a necessidade da reali-
As crianças com discalculia con- zação de uma intervenção precoce e efi-
seguem entender alguns conceitos ma- prejuízo na leitura e caz. Desse modo, a intervenção deve se
temáticos, mas têm grande dificuldade escrita de números; pautar nas características peculiares de
em trabalhar com números, fórmulas cada indivíduo, de modo a reabilitar seus
e enunciados. Elas podem reconhecer cálculo mental; comprometimentos aritméticos e poten-
e compreender símbolos matemáticos, disposição espacial cializar as habilidades já apresentadas.
mas vai ser difícil resolver um problema. Não é insistindo na mesma coisa fei-
Algumas dificuldades apresentadas pelo dos números, ta em sala de aula e repetindo o conteúdo
discalcúlicos: visualizar conjuntos de como alinhar os que a criança irá aprender Matemática.
objetos dentro de um conjunto maior; É preciso ensinar a criança a aprender
conservar a quantidade, o que a impe- números em uma a manipular os números de diferentes
de de compreender que 1 quilo de café
é igual a quatro pacotes de 250 gramas;
coluna; dificuldade perspectivas, evitando procedimentos
rotineiros, e um ensino mais prático do
compreender os sinais de soma, subtra- de saber quantas sentido do número e com um tem-
ção, divisão e multiplicação (+, –, ÷ e x); semanas tem o po maior para desenvolver a atividade. O
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

sequenciar números, como, por exemplo, aprendizado acontece de maneira lenta,


o que vem antes do 13 e depois do 15 ano; dificuldade de logo a compreensão sobre as habilidades
(antecessor e sucessor); classificar nú- matemáticas é dificultada, e um novo
meros; montar operações; entender os
saber qual número olhar, uma alteração nas ações em sala de
princípios de medida; lembrar as sequên- é maior ou menor aula podem minimizar tais dificuldades.

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O diagnóstico deve ser feito através de
uma equipe multidisciplinar (fonoaudiólogo,
psicopedagogo, psicólogo, neuropediatra,
neurologista, pedagogo e pediatra). Porém, para
isso é necessário que a criança já tenha sido
exposta ao conhecimento matemático
ŒJogos on-line Œ
A inteligência pode ser estimulada de diver-
Valorizar os conhecimentos e habi- meio de vivências prazerosas e poten- sas maneiras, em crianças e adultos. Entre-
lidades conquistados durante o processo cialmente significativas, tendo o jogo, tanto, conhecer as estratégias certas para
de aprendizagem, mostrando as barrei- o brinquedo e a brincadeira como base desenvolver cada uma das habilidades e per-
ceber os limites de cada criança são funda-
ras já vencidas, é uma ferramenta para da aprendizagem. Através dos jogos, é
mentais. Os jogos de tabuleiro on-line po-
despertar o interesse em aprender, e isso possível reforçar conhecimentos e ha- dem potencializar o aprendizado em muitos
trará de volta a autoestima e bem-estar bilidades conquistados e valorizá-los casos. Uma pesquisa recente, com crianças
dessas crianças e adolescentes. É preci- durante o processo de aprendizagem, de 8 a 10 anos, na Califórnia, Estados Unidos,
so intervir, motivar, estimular e cuidar mostrando as barreiras já vencidas. É comprovou que jogos de tabuleiro on-line
podem melhorar o Quociente de Inteligência
para que esses alunos não se sintam im- uma ferramenta para despertar o inte-
(QI) dos jovens.
potentes diante do aprendizado, criando resse em aprender e isso trará de volta a
uma relação afetiva que contribua para autoestima e o bem-estar dessas crian-
o desenvolvimento educacional desses ças e adolescentes. enumeração) não terão dificuldades nos
alunos. O professor será um mediador Para que crianças aprendam a fazer anos advindos. Claro que é preciso levar
entre a teoria e a prática em sala de aula, a leitura do mundo através da Matemá- em conta as experiências, vivências e o
e ajudar os colegas a respeitar a individu- tica será fundamental compreender os meio social que a criança está inserida,
alidade dos alunos com discalculia será a fundamentos do discurso matemático pensando se a mesma está sendo esti-
sua tarefa. Os discalcúlicos precisam de (palavras, sinais, símbolos, procedi- mulada e motivada ao aprendizado.
apoio, afetividade e socialização. mentos, habilidades etc.) e como aplicá- Isso posto, devemos utilizar o brin-
-los para resolver problemas em uma car, o lúdico, imagens, jogos e brin-
Alfabetização variedade de situações, entendendo, quedos, com a finalidade de auxiliar

A Matemática é uma linguagem, e


como tal a criança precisa ser alfabe-
tizada matematicamente. A criança que
assim, sua função social.
As crianças que conceituam o nú-
mero (para tal é necessário trabalhar:
o processo ensino-aprendizagem das
crianças e adolescentes, pois quando a
criança compreende a função social da
compreender a relação da Matemática correspondência, comparação, sequen- Matemática ela acaba desmistificando a
com a vida não terá medo, e sim desejo ciação, classificação, seriação, ordena- fábula de que a Matemática é para pou-
de descobri-la. Segundo Luria (1984), é ção, inclusão de classe, conservação e cos e de que não serve para nada.
fundamental existir a habilidade visuo-
espacial, tanto para o cálculo quanto
REFERÊNCIAS
para o desenvolvimento das operações
American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5. ed.
aritméticas, e ainda para a distinção en- Porto Alegre: Artmed, 2002.
tre aspectos procedurais (regras/proce- CALÇADA, A. Comportamentos agressivos na primeira infância. Revista Psique, capa, ano IX, ed. 108, p. 26,
dimentos) e conceituais (que são com- 31, São Paulo, dez. 2008.
preendidos) envolvidos na Matemática. FRIEDBERG, R. D.; MCCLURE, J. M. A Prática Clínica de Terapia Cognitiva com Crianças e
Desse modo, crianças e adolescen- Adolescentes. Porto Alegre: Artmed,
tes com acalculia e discalculia podem e HOLMES, D. Psicologia dos Transtornos Mentais, ., São Paulo: Artmed,
devem utilizar dos recursos visuais para NOLTE, D. L.; HARRIS, R. As Crianças Aprendem o que Vivenciam, p. 1, 2, 14, 15. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
IMAGENS: 123RF E SHUTTERSTOCK

adquirirem as habilidades e competên- RODRIGUES, M. Educação Emocional Positiva: Saber Lidar com as Emoções É uma Importante Lição, .,
cias matemáticas. Por isso, os jogos de ,Novo Hamburgo: Sinopsys,
tabuleiro e on-line são tão utilizados na TIBA, I. Disciplina na Medida Certa, p. 28, 29, 108. São Paulo: Integrare,
intervenção. Aprender com a ludicidade YOUNG, J. Terapia Cognitiva para Transtornos da Personalidade, 3. ed., p. 22, 25, 27-35, 64. Porto Alegre:
significa construir conhecimentos por Artmed, 2003. Box

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psi ciência&vida
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MENTE CRIATIVA

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CRIAÇÃO &
COCRIAÇÃO
Se o ser humano tem grande habilidade cerebral para criar sozinho,
naturalmente tem, ainda mais, para criar em parceria ou em grupo.
A criatividade individual está relacionada à intuição; a coletiva, à união
Por Daniel Lascani

H
á muitos anos, neuro- tro de um campo eletromagnético. Os absoluta realidade eletromagnética em
cientistas do mundo pensamentos são apenas algumas das que vivemos.
inteiro estudam o cé- infi nitas emissões que se inter-relacio- Historicamente, a evolução huma-
rebro humano bem nam dentro desse campo. na, em todos os seus aspectos, social,
como seus circuitos tecnológico, psicológico, mostra a ha-
neurais, e, ainda, a correspondência, de Criação bilidade do ser humano em criar. Assim
tais circuitos, com a Psicologia. Após al-
gumas décadas de constante pesquisa,
foi possível confirmar um número de
O neurocientista brasileiro Miguel
Nicolelis é, atualmente, um dos
grandes nomes da neurociência no
como na religião há o termo: “imagem
e semelhança de Deus”, tal semelhan-
ça está no dom de criar, em todos os
86 bilhões de neurônios cerebrais, que, mundo. Como outros neurocientistas, sentidos, bem como mental e material-
diariamente, se equivalem aos nossos também demonstrou que o pensamen- mente; e de cocriar, por intermédio das
milhares de pensamentos. Trata-se de to é uma onda eletromagnética. Um parcerias humanas; e, ainda, da procria-
um composto de energia, em que emer- de seus principais trabalhos é sobre ção de novas vidas. Na Grécia Antiga, a
ge a nossa consciência. O psicoterapeu- a interface cérebro-máquina, que foi mente era considerada a alma; nas reli-
ta Carl Gustav Jung descreveu nossa apresentada na abertura da Copa do
mente como energia psíquica: Mundo do Brasil, em 2014, com o pri-
“O fato psíquico merece ser consi- meiro chute de bola sendo realizado por
derado como um fenômeno em si, pois um paciente tetraplégico, utilizando-
não há motivo nenhum para concebê- -se de um exoesqueleto conectado ao AUTOR DESCONHECIDO/WIKIPEDIA

-lo como um mero epifenômeno, em- seu cérebro. Esse invólucro obedecera
bora esteja ligado à função cerebral, do aos sinais eletromagnéticos emitidos
mesmo modo como não se pode con- conscientemente pelo voluntário, para
siderar a vida somente como um epife- que sua perna pudesse chutar a bola. E
nômeno da química do carbono” (Carl chutou. Seus experimentos tornaram-
Gustav Jung, A Energia Psíquica).
O pensamento é mesmo uma
-se uma terapia revolucionária, para re-
cuperação de movimentos em pessoas
Œ+ I GG^ IGŒ
Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um psiquia-
energia, uma energia eletromagnética. paralisadas. Contanto, ainda infere uma tra e psicoterapeuta suíço, responsável pela
Toda a realidade das pessoas está den- série de outras questões, tal como a da criação da Psicologia Analítica. Jung propôs
e desenvolveu os conceitos da personali-
dade extrovertida e introvertida, arquétipos
Daniel Lascani é jornalista, palestrante, pós-graduado em Psicologia Junguiana (PUC-Rio). Leader e o inconsciente coletivo. Seu trabalho tem
Coach do IBC – Instituto Brasileiro de Coaching, autor e palestrante do projeto social Comunidade
sido influente na Psiquiatria e Psicologia, en-
Profissional, coautor do livro O Impacto do Coaching no Dia a Dia (Bookstart), diretor do Instituto
tre outras áreas do conhecimento humano.
Lascani (www.institutolascani.com.br).

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MENTE CRIATIVA

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G GG 9
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Œ"\I G GŒ   HG
9
   
 
Termo geralmente usado para descrever o
mundo antigo grego e áreas próximas. Tra-
dicionalmente, Grécia Antiga abrange desde nicia-se novamente. Esse fenômeno, de entre as fases da infância até chegar na
1.100 a.C. até a dominação romana, em 146 acordar no meio da passagem da vigília adulta. A mentira é uma forma de cria-
a.C. Entretanto, é importante lembrar que a para o sono, por lembrar de algo, ocor- ção. Quando se amadurece, ganha-se
história da Grécia começa desde o Período re porque se sai da zona de criação e vai mais autoconhecimento, e, com um ego
Paleolítico, passando pela Idade do Bronze
com as civilizações cicládica, minoica e mi-
para a da lembrança. Também significa mais equilibrado, diminui o impulso de
cênica. Alguns autores citam outro período, que se trafegam as sinapses, com mais mentir. Ao envelhecer, as pessoas cos-
o pré-homérico para incorporar mais um facilidade, sobre pensamentos relativos tumam ter muito mais problemas sobre
trecho histórico à Grécia Antiga. à criação do que à memória. Tanto é que a perda de memória do que sobre a ca-
se criam pensamentos a ponto de rela- pacidade de se criar algo novo. Além de
xar até adormecer. Ou melhor, ao que parecer ter mais facilidade de criar do
giões, a iluminação. Cientificamente, na parece, somente se adormece quando que de lembrar, quando analisado no
neurociência, são nossas sinapses; na se está, psicologicamente, nessa esfera. campo coletivo, esse processo se multi-
Psicologia, nossa criatividade. Enquanto se está lembrando de algo, plica sempre que se interage nas mentes,
Durante a vida as pessoas sempre se permanece em alerta. Na prática, em harmonia, com o outro. Essa multi-
têm pensamentos criadores, que surpre- surpreendentemente, isso significa que plicação entre as mentes humanas evo-
endem a elas mesmas. Tais ideias cria- lembrar dá mais trabalho do que criar. ca o processo de cocriação.
tivas vão desde coisas pequenas, pes- As pessoas ficam mais confortáveis na
soais, até descobertas revolucionárias, zona da criação do que na da memória. Prática do pensamento
para  diferentes áreas. Toda a evolução
é um processo de criação. Tanto de for-
ma neurológica quanto psicológica, o cé-
Por outro lado, isso também explica
o fenômeno da mentira, principalmente O termo cocriação foi citado pela
primeira vez em 2004. Entretan-

rebro é um hardware, e a mente, um sof- PARA SABER MAIS


tware, ambos desenvolvidos para criar.
Em uma análise mais profunda e UM DOS PRINCIPAIS CIENTISTAS
individual, dentre diversas ocasiões
em que se pode perceber o potencial de
DO MUNDO É BRASILEIRO
criação, há um expressivo sinal, sobre a
tendência do ser humano em ser cria-
dor, que é o processo no qual se trans-
P G G9  \
I (  ) I  P   I
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Nicolelis estuda o cérebro, órgão responsável pelos movimentos, pensamentos,
passa todas as noites, antes de dormir, ‚9
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G I G   G
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HG  Ô
no momento em que se passa do estado as possibilidades abertas por eles, que incluem a chance de pacientes paraplégicos e
de vigília para o de sono. Quase sem- tetraplégicos de voltarem a ter movimentos. Para atingir esse objetivo foi necessário,
pre, antes de adormecer, todos pensam antes, separar a mente do corpo. O pensamento é uma onda elétrica pequena,
em milhares de coisas, e depois de um espalhando-se pelo cérebro durante alguns milissegundos. Apesar de serem muito
tempo os pensamentos se misturam e, fracas, é possível medir essas ondas com a ajuda de eletrodos conectados aos
enfim, dorme-se. Muitas vezes, dentro cérebros de cobaias. Mas o que torna essa atividade cerebral intrigante é o fato de
desse processo, antes de transcender que elas são uma espécie de código. Assim, a equipe do neurocientista conseguiu
para o sono, acontece, repentinamen- “ler” esses códigos e reproduzir em um artefato mecânico, com braços e pernas
te, de despertar, por lembrar de alguma robóticas, o movimento que o cérebro pretendia executar no corpo do animal,
coisa; daí, retorna-se ao estado de vigí- criando, assim, uma interface cérebro-máquina que dispensava o corpo da cobaia.
lia, e o processo de adormecimento rei-

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to, nas áreas corporativas, bem como
nas de marketing, voltado à cultura da
responsabilidade compartilhada. Mas
muitos autores históricos já o haviam
mencionado, em uma ótica mais psi-
cológica. O consagrado escritor norte-
-americano Napoleon Hill, por exem-
plo, defendia o fenômeno da cocriação
através do conceito da mente mestra:
“Cada pensamento emitido por
um cérebro é imediatamente apanhado
e interpretado por todos os outros que
estão em contato com o cérebro trans-
missor. Através da fusão de duas ou Depois de décadas
mais mentes, num espírito de perfeita de pesquisa, neurocientistas
harmonia, o princípio da química men- concluíram que existem 86
tal pode ser organizado de modo a de- bilhões de neurônios cerebrais,
senvolver poder suficiente para tornar que, diariamente, se equivalem aos
milhares de pensamentos
possíveis, aos indivíduos cujas mentes
estejam associadas, realizações verda-
deiramente extraordinárias”  (Napole- *II GhÔ I G
G  G
on Hill, A Lei do Triunfo).
=;;?: G9GPGIG G9G

Habilidade da mente OIG
GGH 
G
IG  G
G:
O s fenômenos da criação e da co-
criação fazem retornar ao fenô-
meno eletromagnético do pensamento.
(G G ` I P G G
I G
9G` IGG  I` IG
Em tempos atuais, o eletromagnetismo
explica, por exemplo, tanto um chute a absorção, a reflexão e a transmissão em parceria com outros seres humanos.
em uma bola com ajuda de um exoes- entre ondas eletromagnéticas. Uma consciência cria; e uma consciên-
queleto quanto o processo de cocriação, É possível reconhecer momentos cia coletiva cocria. No campo científico,
descrito por Napoleon Hill, que, con- de cocriação em diversas situações, por exemplo, estudos como os da Física,
siste na união de duas ou mais mentes pessoais e profissionais, tais como em Biologia, Psicologia, Medicina,  dentre
a formar uma mente única, ainda mais um bom diálogo entre uma mãe e seus outros, não teriam como evoluir se não
poderosa. Na prática, a mesma neuro- filhos; entre um psicanalista e seu pa- fosse por diversas mentes pensantes, in-
transmissão que ocorre internamente ciente; entre um coach e o seu coachee, fluenciando umas às outras, com suas
no cérebro acontece, também, com o e assim por diante. Esses são exemplos graduais descobertas. Segundo os es-
cérebro do receptor, com quem se rela- em que a cocriação não deve ser um fe- critos bíblicos, até mesmo Jesus Cristo
ciona. Toda neurotransmissão pode ser nômeno ocasional, mas sim proposital. uniu-se a doze outros homens para fazer
compartilhada e propagada entre duas Qualquer pessoa, principalmente em seu legado. Por fim, se o ser humano tem
ou mais pessoas. Quando se consegue posição de liderança, deve servir ao seu grande habilidade cerebral para criar
alinhar com o outro o mesmo alinha- receptor tendo como objetivo gerar o fe- sozinho, naturalmente tem, ainda mais,
mento neurológico que se vivencia in- nômeno da cocriação. para criar em parceria ou em grupo. A
ternamente, acontece o fenômeno da Grandes grupos, grandes empre- criatividade individual está sempre rela-
cocriação. E a mesma força eletromag- sas, grandes canções e outros grandes cionada à intuição e à criação; a coletiva,
nética que gera uma neurotransmissão feitos foram criados pelo ser humano, à união e à cocriação.
dentro do cérebro, entre os neurônios,
pode, também, se magnetizar com ou- REFERÊNCIAS
tros cérebros. No campo da Física esse JUNG, Carl G. Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes, 2002.
processo é explicado pelo estudo que é NICOLELIS, Miguel. Muito Além do nosso Eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
chamado de espectroscopia, que mede HILL, Napoleon. A Lei do Triunfo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.

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¥ÎO INTITULADODe volta para casa POSSUI
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ATÏ CHEGAR AO HOMICÓDIO  HÉ UM LONGO E envolve o tema. DE -OURA 3EU NOME NÎO FOI INCLUÓDO NOS
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PSIQUE CIÊNCIA & VIDA é uma publicação mensal da EBR _
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Ano 12 - Edição 139
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)NSTITUTODE0SICOLOGIA0OSITIVAE#OMPORTAMENTO!TUA Jussara Lopes. COLUNISTAS: Anderson Zenidarci, Carlos São Paulo,
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psiquiatria forense por Guido Arturo Palomba

Embasamento
científico ON-LINE
NINGUÉM PODE NEGAR QUE O
COMPUTADOR É FUNDAMENTAL PARA
O FUNCIONAMENTO DE MUITAS ÁREAS
DA VIDA DO HOMEM CONTEMPORÂNEO,
MAS É PRECISO MUITA ATENÇÃO AO
CONHECIMENTO DISPONÍVEL NA REDE

D
esde o bar da esquina até o Ditam as regras que os psiquiatras de- DE &ILOSOlA EDITADOS HÉ CENTÞRIAS CON-
mais desenvolvido centro de VEM SEGUIR PARA CLASSIlCAR OS DOENTES  TINUAMTÎOMODERNOSEÞTEISCOMONAS
pesquisas, constata-se a utili- encaixando-os nos supostos diagnós- épocas em que apareceram no mundo.
zação do computador, sem o ticos. Por exemplo, quando aparece o Alguma pessoa ousaria dizer que Aris-
QUALNÎOSEACOMPANHAORITMOEMQUE CØDIGO& OUSUÉRIOlCASABENDOQUE tóteles, Kant, Descartes e outros de igual
OMUNDOCAMINHA o digitador refere-se ao “transtorno bi- envergadura não podem ser mais debati-
A sociedade é competitiva, fato que POLARv)SSOSEVERIlCAEMSITES ÏUSADO DOSHOJE3EALGUÏMTIVERACACHIMÙNIADE
FAZPARTEDANATUREZADOHOMEM!SSIM  em videoconferências, blogs, revistas AlRMARQUESIM CERTAMENTEESTARÉENTRE
OS COMPUTADORES E SUAS INlNITAS POS- ELETRÙNICASESPECIALIZADASOUNÎOETC% aqueles que dizem que Kraepelin, Krets-
sibilidades são ferramentas poderosas o médico, em vez de ir aos livros-textos CHMER  "LEULER E *ASPER ERAM ZAGUEIROS
E INDISPENSÉVEIS TANTO PARA O DIA A DIA atemporais, nutre-se da fartura de infor- da antiga seleção alemã de futebol. Não,
QUANTOPARAOPROGRESSO0ORÏM NOBOJO mações da internet sobre o F 31, a qual eles são considerados pais da Psiquiatria,
DESSA AlRMA¥ÎO PODE ESTAR IMPLÓCITO O Ï CAPAZ DE DISPONIBILIZAR LHE hA ÞLTIMA da tipologia, da esquizofrenia e da psico-
germe da decadência em alguns setores DESCOBERTA DA CIÐNCIAv  QUE AMANHÎ SE patologia, respectivamente. Ademais, for-
DOCONHECIMENTOEDACULTURA TORNARÉ PENÞLTIMA E ASSIM POR DIANTE mam, ao lado de outros craques, a seleção
Com a globalização da internet (ou E TUDO DE MANEIRA MUITO RÉPIDA .ESSE universal dos grandes pensadores da psi-
a globalização pela internet), os livros contexto e diante de tal procedimento, QUE QUECRIARAMACIÐNCIA ARTECHAMADA
passaram a ser questionados quanto à OPROlSSIONALAPEGADOÌTELA CRIAUMA Psicologia-Psiquiatria. E quem os ignora,
SOBREVIVÐNCIA % ATÏ HÉ QUEM DIGA QUE falsa sensação de estar sempre atualiza- sem os nutrientes que esses gênios trouxe-
esses estão fadados ao desaparecimento DO E DESPREZA O CONHECIMENTO BÉSICO RAMPARAESSAÉREADOCONHECIMENTOHU-
completo. Na Psiquiatria, por exemplo, é da especialidade, erigido lentamente em MANO ESTARÉDESNUTRIDOERAQUÓTICOPARA
PRECISO RECONHECER QUE OS LIVROS FORAM VÉRIOSLIVROS TEXTOS ENFRENTAREESCOLHEROQUEREALMENTEPODE
SUBSTITUÓDOS QUASETOTALMENTE PELOSSUB- É exatamente na ausência deles que ser aproveitado dessa enorme quantidade
produtos da internet globalizada, a Clas- se encontra uma das “pragas” que ata- de coisas boas, ótimas, ruins e péssimas
SIlCA¥ÎO)NTERNACIONALDE$OEN¥AS#)$  cou a cultura médica, de modo especial, que as redes oferecem.
EO-ANUALDE#LASSIlCA¥ÎOE$IAGNØSTI- a Psiquiatria, erodindo suas bases secu-
co (DSM, sigla em inglês), sem os quais a LARMENTEMOLDADASEHODIERNAMENTEES- Guido Arturo Palomba
Psiquiatria contemporânea não existiria. QUECIDASOUTROCADASPELOCONHECIMENTO é psiquiatra forense e
ARQUIVO PESSOAL/123RF

membro emérito da
!#)$EO$3-SÎOCATÉLOGOSUNI- RELÊMPAGODISPONÓVELEMALGUMhWWWv
Academia de Medicina
versalizados, que trazem códigos para /SLIVROSCLÉSSICOSDE0SIQUIATRIANÎO de São Paulo.
caracterizar os transtornos mentais. estão defasados, da mesma forma que os

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