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DIREITO PENAL III – CRIMES EM ESPÉCIE

Tipo penal: modelo legal da conduta proibida. Tipos permissivos e tipos incriminadores.

Tipo, como a própria d e n o m i nação nos está a induzir, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu
único instrumento, a lei, visa impedir que seja praticada ou determina que seja levada a efeito.

Entende-se por tipo básico ou fundamental o modelo mais simples da descrição da conduta proibida ou imposta pela lei
penal. Com base nessa forma mais simples, surgem o s chamados tipos derivados, que, e m virtude de determinadas
circunstâncias, p o d e m d i m i n u i r ou aumentar a reprimenda p revista no tipo básico. No homicídio, por exemplo,
temos como sua modalidade mais simples a descrição contida no caput do art. 1 2 1 do Código Penal. Logo em seguida,
mas ainda no mesmo art. 1 2 1, temos suas formas derivadas. N o § 12 encontram os o chamado homicídio privilegiado, no
qual o legislador, em consequência de determinados dados, faz com que a pena aplicada seja menor do que aquela
prevista na modalidade mais simples da infração penal. Já no § 22 podemos concluir que o legislador, em virtude de
algumas situações por ele previstas, aumentou a pena cominada no caput do artigo, qualificando, dessa forma, o delito.

A parte especial do Código Penal que trata dos crimes em espécie protege bens jurídicos. Na parte especial, em cada tipo,
podemos identificar a eleição de um bem jurídico a ser protegido pela norma, a proteção de interesses indispensáveis para
a vida em sociedade.
GRECO - 289
HOMICÍDIO SEGUNDO GUILHERME NUCCI:

Classificação: trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito
que exige resultado naturalístico, consistente na morte da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer
meio eleito pelo agente); comissivo (“matar” implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo
impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, § 2.º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado “morte” se dá de maneira
instantânea, não se prolongando no tempo); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado);
unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); progressivo (trata-se de um tipo penal que contém,
implicitamente, outro, no caso a lesão corporal); plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta de matar);
admite tentativa.

Rubrica do crime: sob a denominação de simples, estabelece a lei penal um dos tipos mais singelos e de fácil compreensão
que o Código Penal prevê. Trata-se de um tipo meramente descritivo, que não traz nenhum elemento normativo ou
subjetivo, não contém componentes de ilicitude, nem de culpabilidade. Portanto, eliminar a vida de outro ser humano, sem
qualquer circunstância especial, provoca a aplicação de uma pena de 6 a 20 anos de reclusão.

Objeto material e objeto jurídico: o objeto material é a pessoa que sofre a conduta criminosa, enquanto o objeto jurídico é
o interesse protegido pela norma, ou seja, a vida humana.

Elemento subjetivo: é o dolo, não se exigindo elemento subjetivo específico. A forma culposa está prevista no § 3.º.

Dolo eventual e qualificadoras subjetivas: não há incompatibilidade. O elemento subjetivo do delito de homicídio é o dolo,
em qualquer de suas espécies: direto ou eventual. Portanto, é viável que o agente assuma o risco de produzir o resultado
morte (dolo eventual), motivado pela torpeza, futilidade ou ânsia de assegurar a execução, ocultação, impunidade ou
vantagem de outro delito. Confira-se: STF: “O dolo eventual pode coexistir com a qualificadora do motivo torpe do crime
de homicídio. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor
de médico pronunciado pela prática dos delitos de homicídio qualificado e de exercício ilegal da medicina (arts. 121, § 2.º, I
e 282, parágrafo único, ambos c/c o art. 69, do CP, respectivamente), em decorrência do fato de, mesmo inabilitado
temporariamente para o exercício da atividade, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado várias cirurgias plásticas –
as quais cominaram na morte de algumas pacientes –, sendo motivado por intuito econômico. A impetração sustentava a
incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe com o dolo eventual, bem como a inadequação da linguagem utilizada
na sentença de pronúncia pela magistrada de primeiro grau. Concluiu-se pela mencionada compossibilidade, porquanto
nada impediria que o paciente – médico –, embora prevendo o resultado e assumindo o risco de levar os seus pacientes à
morte, praticasse a conduta motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade” (RHC 92.571-DF, rel. Celso de
Mello, 30.06.2009). STJ: “O fato de o Recorrente ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador
do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente,
direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta, mostrando-se, em princípio, compatíveis entre
si. Divergência jurisprudencial devidamente demonstrada” (REsp 912904-SP, 5.ª T., rel. Laurita Vaz, 06.03.2012, v.u.).

Homicídio privilegiado: a denominação ora exposta é tradicional na doutrina e na jurisprudência, embora, no significado
estrito de privilégio, não possamos considerar a hipótese do § 1.º do art. 121 como tal. O verdadeiro crime privilegiado é
aquele cujos limites mínimo e máximo de pena, abstratamente previstos, se alteram, para montantes menores, o que não
ocorre neste caso. Utiliza-se a pena do homicídio simples, com uma redução de 1/6 a 1/3. Trata-se, pois, como a própria
rubrica está demonstrando, de uma causa de diminuição de pena. O verdadeiro homicídio privilegiado é o infanticídio, que
tem as penas mínima e máxima alteradas, embora, para ele, tenha preferido o legislador construir um tipo autônomo.
Assim, formalmente, o infanticídio é crime autônomo; materialmente não passa de um homicídio privilegiado.

Relevante valor social ou moral: como já expusemos em nota anterior, relevante valor é um valor importante para a vida
em sociedade, tais como patriotismo, lealdade, fidelidade, inviolabilidade de intimidade e de domicílio, entre outros.
Quando se tratar de relevante valor social, levam-se em consideração interesses não exclusivamente individuais, mas de
ordem geral, coletiva. Exemplos tradicionais: quem aprisiona um bandido, na zona rural, por alguns dias, até que a polícia
seja avisada; quem invade o domicílio do traidor da pátria para destruir objetos empregados na traição. No caso do
relevante valor moral, o valor em questão leva em conta interesse de ordem pessoal. Ex.: agressão (ou morte) contra
amante do cônjuge; apressar a morte de quem está desenganado. É curial observar que a existência dessa causa de
diminuição da pena faz parte do contexto global de que o direito à vida não é absoluto e ilimitado. Quando um traficante
distribui drogas num colégio, sem qualquer ação eficaz da polícia para contê-lo, levando um pai desesperado pelo vício que
impregna seu filho a matar o criminoso, surge o aspecto relativo do direito à vida (fosse absoluto e nada justificaria uma
pena menor). Embora haja punição, pois não se trata de ato lícito (como no caso de legítima defesa ou estado de
necessidade), o Estado, por intermédio da lei, entende ser cabível uma punição menor, tendo em vista a relevância do
motivo que desencadeou a ação delituosa. Protege-se, indiscutivelmente, a vida do traficante embora os valores que estão
em jogo devam ser considerados para a fixação da reprimenda ao autor do homicídio. De outra parte, não se deve
banalizar a motivação relevante – no enfoque social ou moral – para a eliminação da vida alheia, tornando-a um fator
emocional ou pessoal, pois não é essa a melhor exegese do texto legal. A relevância não tem ótica individual, significando
que o homicídio somente foi cometido porque houve uma saliente valia, de reconhecimento geral, ainda que os efeitos se
conectem a interesses coletivos (social) ou particulares (moral). Criticando a divisão do relevante valor em moral e social,
está a posição de EUCLIDES CUSTÓDIO DA SILVEIRA: “São motivos de relevante valor moral ou social, (...) aqueles que a
consciência ética de um povo, num dado momento, aprova. E bastaria falar-se de motivo ‘moral’, uma vez que a ética é
individual e social ao mesmo tempo: a expressão ‘social’ é pleonástica e equívoca”.

Diferença entre a causa de diminuição de pena e a atenuante: neste artigo, prevê-se que o agente atua impelido por
motivo de relevante valor social ou moral, ou seja, movido, impulsionado, constrangido pela motivação, enquanto no
contexto da atenuante (art. 65, III, a) basta que o autor cometa o delito por motivo de relevante valor social ou moral,
representando, pois, uma influência da motivação, mas não algo que o domina. Por tal razão, é possível que o juiz analise
as duas possibilidades jurídicas no momento de aplicação da pena: não sendo possível, quando houver um homicídio,
aplicar a causa de diminuição da pena, porque o agente não estava efetivamente impelido pela motivação, ainda é viável
considerar a atenuante em caráter residual.

Ciúme como fundamento para a causa de diminuição: há quem sustente ser o ciúme motivo suficiente para a aplicação da
minoração prevista no art. 121, § 1.º “Em verdade, excepcionalmente, não por si só porém aliado a outros motivos ou
circunstâncias na conduta criminosa, o ciúme pode configurar-se ou enquadrar-se, tecnicamente, como atenuante genérica
de motivo de relevância moral ou social e mesmo, em certos delitos, como minorativa penal, tornando privilegiada a
infração penal (homicídio ou lesão corporal)”.

Domínio de violenta emoção: como vimos em comentário ao art. 28, para o qual remetemos o leitor, a emoção, na lição
de HUNGRIA, “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento”, podendo
levar alguém a cometer um crime. Configura a hipótese do homicídio privilegiado, quando o sujeito está dominado pela
excitação dos seus sentimentos (ódio, desejo de vingança, amor exacerbado, ciúme intenso) e foi injustamente provocado
pela vítima, momentos antes de tirar-lhe a vida. As duas grandes diferenças entre o privilégio e a atenuante (art. 65, III, c,
CP) são as seguintes: a) para o privilégio exige a lei que o agente esteja dominado pela violenta emoção e não meramente
influenciado, como mencionado no caso da atenuante; b) determina a causa de diminuição de pena que a reação à injusta
provocação da vítima se dê logo em seguida, enquanto a atenuante nada menciona nesse sentido. Portanto, estar tomado
pela emoção intensa, causada pela provocação indevida do ofendido, pode provocar uma resposta imediata e violenta,
terminando em homicídio. A causa especial de diminuição da pena é reconhecida, tendo em vista que o ser humano não
pode ser equiparado a uma fria máquina, que processa dados ou informações, por piores que eles sejam, de modo retilíneo
e programado. “Trata-se, pois, de um estado psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se
afetadas a sua vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a sua capacidade para se conformar com
a norma” (AMADEU FERREIRA, Homicídio privilegiado, p. 63). Do mesmo modo que o art. 59, após a Reforma Penal de
1984, incluiu nas bases para a fixação da pena o comportamento da vítima, é necessário destacar que a parte ofendida,
muitas vezes, colabora enormemente para a prática do delito. A título de exemplo, pode-se mencionar a atitude agressiva,
desajuizada e pretensiosa de um jovem que dá um tapa no rosto de um homem honrado, bem mais velho, na presença de
seus familiares e amigos, sem qualquer razão plausível. Tal hostilidade pode desencadear no pacífico indivíduo uma
emoção intensa, que o faz perder o controle, partindo para o contra-ataque, sem medir as consequências, nem atentar
para os limites. Caso termine matando a vítima que o provocou injustamente, tendo agido logo em seguida, não pode ser
absolvido pela vetusta legítima defesa da honra, embora se possa reconhecer em seu benefício a causa de diminuição da
pena. Interessante denominação da violenta emoção geradora do crime é dada por AMADEU FERREIRA, dizendo tratar-se
do “túnel da emoção” do qual somente se sai pela descarga emocional, ou seja, a saída é o cometimento do delito, do qual
não se pode desviar (ob. cit., p. 105). O aspecto temporal – logo em seguida – deve ser analisado com critério e
objetividade, constituindo algo imediato, instantâneo. Embora se admita o decurso de alguns minutos, não se pode
estender o conceito para horas, quiçá dias. Um maior espaço de tempo entre a injusta provocação e a reação do agente
deve ser encaixado na hipótese da atenuante, mas jamais do privilégio. Caso não se preencha a figura do privilégio por não
haver domínio de violenta emoção ou por não ter havido resposta imediata – logo em seguida –, é possível ao juiz ou aos
jurados considerar a atenuante em caráter residual. Logo, por exemplo, no Tribunal do Júri, não destoa da lógica a
quesitação dúplice, isto é, indaga-se aos jurados se houve a causa de diminuição de pena e, negada esta, ainda poder
haver outra pergunta que diz respeito à atenuante.

Domínio de violenta emoção e dolo eventual: compatibilidade. É viável supor que alguém, dominado pela violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, acabe assumindo o risco de, em reação agressiva, matá-la.
Exemplo dado por AMADEU FERREIRA: “mulher sujeita a maus-tratos, agride o marido numa situação em que está
violentamente emocionada. Prevê que, dessa agressão, possa resultar a morte do marido e, no entanto, agride-o”
(Homicídio privilegiado, p. 82).

Obrigação ou faculdade do juiz: sendo o homicídio um delito julgado pelo Tribunal do Júri (art. 5.º, XXXVIII, d, CF), é natural
supor que o reconhecimento do privilégio, que integra o tipo do homicídio, tenha sido acolhido pelos jurados, dentro da
sua soberania (art. 5.º, XXXVIII, c, CF), de modo que é obrigação do juiz aplicar a redução. O que fica ao critério do
magistrado é o montante a ser reduzido e, nesse prisma, pode ele valer-se do livre convencimento. Conforme a relevância
do motivo – maior ou menor – ou de acordo com a espécie de emoção (amor exagerado ou desejo de vingança), bem como
com o tipo de injustiça da provocação da vítima (completamente fútil ou motivada por anteriores agressões sofridas), deve
o juiz graduar a diminuição. Não vemos como o magistrado poderia reconhecer o privilégio se os jurados o negaram ou
deixaram de se pronunciar com relação a ele – afinal, não se trata de mera atenuante (circunstância legal não integrante do
tipo penal), mas de um tipo derivado. Se a acusação sustentou homicídio simples e a defesa nada pediu a esse respeito, é
defeso ao juiz presidente aplicar a diminuição por sua conta, o que não deixa de ferir a soberania do veredicto (que
reconheceu um homicídio simples, e não privilegiado).

Homicídio qualificado: é o homicídio praticado com circunstâncias legais que integram o tipo penal incriminador, alterando
para mais a faixa de fixação da pena. Portanto, da pena de reclusão de 6 a 20 anos, prevista para o homicídio simples,
passa-se ao mínimo de 12 e ao máximo de 30 para a figura qualificada. Considera-se crime hediondo.

Homicídio privilegiado-qualificado: tem sido posição predominante na doutrina e na jurisprudência a admissão da forma
privilegiada-qualificada, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias. Como regra, pode-se aceitar a
existência concomitante de qualificadoras objetivas com as circunstâncias legais do privilégio, que são de ordem subjetiva
(motivo de relevante valor e domínio de violenta emoção). O que não se pode acolher é a convivência pacífica das
qualificadoras subjetivas com qualquer forma de privilégio, tal como seria o homicídio praticado, ao mesmo tempo, por
motivo fútil e por relevante valor moral. Convivem, em grande parte, harmoniosamente as qualificadoras dos incisos III e IV
com as causas de diminuição da pena do § 1.º. Não se afinam as qualificadoras dos incisos I, II e V com as mesmas causas.
Nessa linha: STF: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da possibilidade de homicídio
privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso.

Paga ou promessa de recompensa: são formas específicas de torpeza. É o homicídio mercenário, cometido porque o
agente foi recompensado previamente pela morte da vítima (paga) ou porque lhe foi prometido um prêmio após ter
eliminado o ofendido (promessa de recompensa).

Torpe: é o motivo repugnante, abjeto, vil, que causa repulsa excessiva à sociedade. Note-se que a lei penal vale-se, nesse
caso, da interpretação analógica, admitida em Direito Penal (o que é vedado é o emprego da analogia), pois estabelece dois
exemplos iniciais de torpeza e, em seguida, generaliza, afirmando “ou outro motivo torpe”, para deixar ao encargo do
intérprete a inclusão de circunstâncias não expressamente previstas, mas consideradas igualmente ignóbeis. É evidente
que todo delito causa repulsa social, mas o praticado por motivo torpe faz com que a sociedade fique particularmente
indignada, tal como ocorre com o delito mercenário – mata-se por dinheiro ou outra recompensa. Conferir: TJSP: “Torpe é
o motivo que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético-social” (RSE 293.123-3/6, Sorocaba, 1.ª C.,
rel. Mariano Siqueira, 10.03.2003, v. u., JUBI 85/03). Algo que, naturalmente, envolve a repugnância social é o
cometimento do crime fundado em razões de ganho patrimonial: TJDF: “Quanto à qualificadora do motivo torpe, também
há de ser mantida, pois, como já visto, em sua primeira versão dos fatos, a própria ré confessou que mandou matar a
vítima para não ter que dividir com ela os direitos sobre o lote em que viviam”.

Fútil: é o motivo flagrantemente desproporcional ao resultado produzido, que merece ser verificado sempre no caso
concreto. Mata-se futilmente quando a razão pela qual o agente elimina outro ser humano é insignificante, sem qualquer
respaldo social ou moral, veementemente condenável. Ex.: o autor suprime a vida da vítima porque esta, dona de um bar,
não lhe vendeu fiado. Ressalta, no entanto, CUSTÓDIO DA SILVEIRA que a “futilidade do motivo deve prender-se
imediatamente à conduta homicida em si mesma: quem mata no auge de uma altercação oriunda de motivo fútil, já não o
faz somente por este motivo mediato de que se originou aquela” (Direito Penal – Crimes contra a pessoa, p. 61).
Concordamos, plenamente, com o exposto, mencionando o seguinte exemplo: costuma-se defender que uma mera briga
ocorrida no trânsito, de onde pode sair um homicídio, constitui futilidade, qualificando o crime. Nem sempre. Se um
motorista sofreu uma “fechada”, provocada por outro, sai em perseguição e, tão logo o alcance, dispare seu revólver,
matando-o, naturalmente, estamos diante de um homicídio qualificado pela futilidade, pois esta é direta e imediata.
Entretanto, se, após alcançar o outro motorista, ambos param na via pública e uma acirrada discussão tem início, com
troca de ofensas e até agressões físicas. A morte do perseguido, nessas circunstâncias, não faz nascer a qualificadora, pois o
motivo fútil foi indireto ou mediato e não fruto direto do disparo do revólver. Em suma: há futilidade direta ou imediata,
que serve para qualificar o homicídio, bem como futilidade indireta ou mediata, que não faz nascer o aumento da pena. Na
jurisprudência: STJ: “(...) E, com efeito, a circunstância de discussão anterior entre vítima e acusado não exclui, por si só, a
qualificadora referente ao motivo fútil” (HC 162401-GO, 5.ª T., rel. Laurita Vaz, 27.03.2012, v.u.). “A discussão anterior
entre autor e vítima, por si só, não implica, de imediato, o afastamento da qualificadora referente ao motivo fútil” (AgRg no
AREsp 62470-MA, 6.ª T., rel. Vasco Della Giustina, 07.02.2012, v.u.). TJSP: “Recurso em sentido estrito. Tentativa de
homicídio qualificado pelo motivo fútil. Insurgência defensória. Prova da existência material de crime e indícios suficientes
de autoria. Hipótese de desclassificação para lesões corporais rechaçada. Vítima atingida com um golpe de facão na
cabeça, região sabidamente letal, dado indicativo de que os agressores agiram com animus necandi. Pronúncia mantida.
Qualificadora. Delito precedido de séria desavença entre vítima, réus e suas respectivas companheiras, com ofensas e
provocações mútuas, circunstâncias que se reputam não banais. Recurso provido em parte para excluir a qualificadora do
motivo fútil. (...) Como bem anotou o culto e lúcido Procurador de Justiça, Dr. Nelson Lacerda Gertel, amparado nos
elementos de prova coligidos aos autos, o delito foi precedido de séria desavença envolvendo a vítima, os réus e suas
respectivas companheiras, com ofensas mútuas e provocações, de forma a exaltar os ânimos dos contendores. Esta a
discórdia que motivou os agressores e não a dívida de R$ 3,00 (três reais) mencionada na denúncia.” (SER 990.10.091367-0,
16.ª C., rel. Almeida Toledo, 18.01.2011, v.u.).

Ausência de motivo: sobre o tema, consultar a nota 34 ao art. 61, demonstrando a inviabilidade de equiparar a eventual
ausência de motivo ao motivo fútil.

Exegese das hipóteses qualificadoras: a lei penal valeu-se, mais uma vez, da interpretação analógica. Forneceu exemplos

– veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura – para depois generalizar dizendo “ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que
possa resultar perigo comum”. Temos, então, três famílias: o meio insidioso (pérfido, enganoso, que constitui uma cilada
para a vítima), o meio cruel (que exagera, propositadamente, o sofrimento impingido à vítima) e o meio que traz perigo
comum (aquele que provoca dano à vítima, mas também faz outras pessoas correrem risco). As espécies são: veneno (meio
insidioso ou cruel, conforme o caso. O veneno, para ser ministrado, em regra, é meio insidioso, pois o agente precisa
ludibriar o ofendido, a fim de garantir a ingestão da substância. Mas nem sempre. Pode ser o veneno ministrado à força e a
vítima sofrer em demasia, como o caso das queimaduras provocadas pelos cáusticos); fogo (pode constituir-se em meio
cruel ou que gera perigo comum. A queimadura, em regra, é um sofrimento atroz, concretizando, pois, o desiderato
cruento do agente. Por outro lado pode atingir terceiros, conforme sua volatilidade); explosivo (provocar a morte da vítima
por meio da explosão de determinada substância, em regra, gera perigo comum, mas também pode constituir-se em meio
cruel, caso a detonação, previamente calculada pelo autor, provoque no ofendido a perda de membros e,
consequentemente, uma morte agônica e lenta); asfixia (pode constituir-se em meio insidioso ou cruel – ou ambos –, pois
ela demanda superioridade de forças do agente ou o efeito surpresa, além de ser, muitas vezes, agônica, demandando
mais de três minutos para causar a morte); tortura (que evidentemente é um processo cruel, prolongando maldosamente o
sofrimento da vítima).

Qualificadoras objetivas e elemento subjetivo: parece-nos importante detectar, no ânimo do agente, a vontade de
concretizar as hipóteses qualificadoras denominadas objetivas. Outra posição equivaleria à sustentação da
responsabilidade penal objetiva, que merece ser evitada em Direito Penal. Portanto, matar alguém, valendo-se de meio
cruel, é situação a ser avaliada no contexto fático, sem dúvida, ou seja, se realmente causou sofrimento atroz à vítima, mas
também no cenário do intuito do agente. Quis este, efetivamente, atingir o ofendido de maneira a lhe causar sofrimento
além do necessário para conseguir o resultado morte? Por vezes, não. Agredir alguém, com vários socos e pontapés, pode
ser consequência de uma briga furiosa e, embora constitua maneira dolorida de se causar a morte, não estava presente no
ânimo do agente a referida dor exacerbada. Por outro lado, é possível que o autor do homicídio deseje sentir o
padecimento da vítima, motivo pelo qual a agride com vários socos e pontapés, chegando a vibrar com seu sofrimento.
Surge, então, a qualificação do delito. O dolo do agente, em suma, precisa, por certo, ser abrangente, isto é, envolver todos
os elementos objetivos do tipo penal, o que inclui as qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV do § 2.º do art.
121). Nesse sentido: TJSP: “sem esse elemento subjetivo, a repetição de golpes desferidos contra a ofendida, por si só, não
constitui meio cruel; será cruel, se o agente os repetiu com o claro desejo de infligir à ofendida maior sofrimento”.

Fogo também é meio cruel.

Conceito de asfixia: trata-se da supressão da respiração, que se origina de um processo mecânico ou tóxico. São exemplos:
o estrangulamento (compressão do pescoço por um laço conduzido por força que pode ser a do agente agressor ou de
outra fonte, exceto o peso do corpo do ofendido), o enforcamento (compressão do pescoço por um laço, causada pelo
peso do próprio corpo da vítima), a esganadura (é o aperto do pescoço provocado pelo agente agressor diretamente,
valendo-se das mãos, pernas ou antebraço), o afogamento (trata-se da inspiração de líquido, estando ou não imerso) e o
uso de gases ou drogas asfixiantes, entre outros.

Conceito de tortura: valemo-nos da definição fornecida pela Convenção da Organização das Nações Unidas, de Nova York,
aprovada pelo Brasil por intermédio do Decreto 40/91, que cuidou do tema (art. 1.º): “Para os fins da presente Convenção,
o termo ‘tortura’ designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la
por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta
pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que
sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”. Portanto,
qualquer forma de cominar a uma pessoa humana um sofrimento físico ou mental atroz visando à obtenção de qualquer
coisa contra sua vontade ou mesmo para puni-la por algo que tenha praticado pode ser considerado tortura (ver nosso O
valor da confissão como meio de prova no processo penal, p. 255-256). Lembremos que, quando se tratar de tortura como
meio para atingir a morte de alguém, a despeito da Lei 9.455/97, que tipificou o delito de tortura no Brasil, continua ela a
ser uma qualificadora. Na realidade, trata-se de uma questão ligada ao elemento subjetivo. Se o agente pretende matar a
vítima, por meio da tortura, deve ser punido por homicídio qualificado. Entretanto, se o intuito é torturar o ofendido, para
dele obter, por exemplo, a confissão (art. 1.º, I, a, Lei 9.455/97), responderá por delito autônomo. Há, ainda, a
possibilidade de ocorrer a morte da vítima, em decorrência da tortura, sendo esta última a finalidade do autor,
configurando-se, então, o denominado crime qualificado pelo resultado. Será punido por tortura seguida de morte, cuja
pena varia de oito a dezesseis anos de reclusão (art. 1.º, § 3.º, Lei 9.455/97).

Exegese do dispositivo: novamente, a lei penal vale-se da interpretação analógica. Usando vários exemplos, termina
generalizando a partir do modelo: “recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Portanto, é de se
considerar que a traição, a emboscada e a dissimulação são espécies de recursos que dificultam ou impedem a defesa da
vítima.
Conceito de traição: trair significa enganar, ser infiel, de modo que, no contexto do homicídio, é a ação do agente que
colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O ataque de súbito, pela frente, pode
constituir surpresa, mas não traição.

Conceito de emboscada: emboscar significa ocultar-se para poder atacar, o que, na prática, é a tocaia. O agente fica à
espreita do ofendido para agredi-lo.

Conceito de dissimulação: dissimular é ocultar a verdadeira intenção, agindo com hipocrisia. Nesse caso, o agressor,
fingindo amizade ou carinho, aproxima-se da vítima com a meta de matá-la.

Existência anterior de ameaça de morte: não é suficiente para descaracterizar a qualificadora baseada na surpresa, desde
que, nas circunstâncias fáticas concretas, a vítima não poderia esperar, naquele momento, o ataque.

Finalidade especial do agente: esta qualificadora caracteriza-se pela evidência do ânimo especial de agir – o elemento
subjetivo específico ou dolo específico. Quer o agente, ao matar a vítima, assegurar a execução de outro crime (ex.: mata-
se o chefe de segurança de uma empresa para que se possa invadi-la, com maior chance de êxito, no dia seguinte),
assegurar a ocultação de um delito (ex.: o sujeito que viola uma sepultura, percebendo que foi visto, elimina a testemunha
a fim de que seu crime não seja descoberto), assegurar a impunidade do delito (ex.: o ladrão, notando ter sido reconhecido
por alguém, durante a prática do furto, elimina essa pessoa, para não ser identificado) ou assegurar a vantagem de outro
crime (ex.: elimina-se o parceiro para ficar integralmente com o dinheiro conseguido à custa de algum delito).

Hipóteses de conexão consequencial, teleológica e ocasional: denomina-se de conexão consequencial a prática de um


crime para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro. Neste caso, o homicídio é cometido para buscar
garantir que outro delito não seja descoberto, seu autor fique impune ou o produto conseguido reste mantido. Chama-se
de conexão teleológica a utilização de um crime como meio para garantir a execução de outro. É o caso de se cometer
homicídio para atingir a consumação de delito posterior ou em desenvolvimento. São as hipóteses deste inciso.
Finalmente, a denominada conexão ocasional é a prática de um crime no mesmo cenário em que se comete outro. Trata-se
de simples concurso material, não envolvendo, pois, esta qualificadora. É o que ocorre se alguém, após matar o desafeto,
resolve levar-lhe os bens.

Conceito de homicídio culposo: trata-se da figura típica do caput (“matar alguém”), embora com outro elemento subjetivo:
culpa. É um tipo aberto, que depende, pois, da interpretação do juiz para poder ser aplicado. A culpa, conforme o art. 18, II,
do Código Penal, é constituída de “imprudência, negligência ou imperícia”. Portanto, matar alguém por imprudência,
negligência ou imperícia concretiza o tipo penal incriminador do homicídio culposo.

Homicídio culposo no trânsito: não mais se aplica o tipo penal do § 3.º do art. 121 ao homicídio cometido na direção de
veículo automotor, pois o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/ 97), no art. 302, estipulou um tipo incriminador
específico.

Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: trata-se de uma desacertada causa de aumento de pena
prevista para o homicídio culposo, pois confunde-se, nitidamente, com a imperícia (e até com algumas formas de
imprudência e negligência). Considerando-se que a imperícia é a imprudência ou negligência no campo técnico, a doutrina
tem buscado fórmulas para tornar compatível o aumento com o homicídio culposo cometido na modalidade de imperícia.
Esclarece NÉLSON HUNGRIA que as causas de aumento do art. 121, § 4.º, voltam-se primordialmente, na visão do
legislador, para os delitos de trânsito – na época, não previstos em lei especial –, de modo que o motorista, causando um
acidente fatal por excesso de velocidade, estaria, ao mesmo tempo, demonstrando a sua imprudência por correr demais,
sem conseguir controlar o veículo (falta do dever de cuidado objetivo), e incidindo na causa de aumento, pois existe a regra
técnica, quanto à velocidade, determinando que haja respeito ao limite estabelecido em normas de trânsito (Comentários
ao Código Penal, v. 5, p. 190). O mesmo autor, buscando estabelecer uma diferença entre imperícia e inobservância de
regra técnica de profissão, arte ou ofício, menciona que na imperícia o agente não tem conhecimentos técnicos, enquanto
na agravante ele os possui, mas deixa de empregá-los, por indiferença ou leviandade (ob. cit., p. 192). A quase totalidade
da doutrina reproduz fielmente essa distinção. Entretanto, os exemplos convincentes são escassos, para não dizer
inexistentes. FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS narra o seguinte: “Se o médico especialista em cirurgia cardíaca,
por descuido, corta um nervo do paciente, causando-lhe a morte, está configurada a agravante, pois ele tinha o
conhecimento técnico, mas não o observou. Entretanto, se a cirurgia fosse feita por um médico não especialista, sem a
necessária habilidade, que cortasse o mesmo nervo, teríamos uma simples imperícia” (Crimes contra a pessoa, p. 40). Ora,
não se pode aceitar tal postura, pois o desvalor da conduta do primeiro médico é muito menor do que a do segundo, mas a
penalidade do primeiro torna-se maior, além do que o fato de ter “cortado o nervo por descuido”, antes de se constituir
em causa de aumento, serve para configurar a culpa (não fosse assim, qual teria sido a imprudência, negligência ou
imperícia do médico?). O médico especialista que cortou um nervo, por descuido, mas tinha condições técnicas de realizar
a cirurgia recebe uma pena aumentada em um terço, enquanto o outro médico aventureiro e inexperiente, porque não
habilitado para proceder à intervenção cirúrgica no coração, recebe a pena do homicídio culposo sem qualquer aumento. A
situação não se coaduna com o fundamento da lei, pois o primeiro médico, ao se descuidar de modo a configurar erro
grosseiro (e não um simples erro médico, que não é punido penalmente), demonstrou sua imperícia, justamente por não
observar o que a regra de sua profissão demandava. O outro profissional, por sua vez, também foi imperito, porque lançou-
se a uma cirurgia para a qual não estava preparado, o que também configura o erro grosseiro e tipifica a culpa, na
modalidade imperícia. Buscando exemplo para a causa de aumento, MIRABETE menciona o médico que não esteriliza os
instrumentos que vai utilizar na cirurgia ou o motorista que dirige com apenas uma das mãos (Manual de Direito Penal, v.
2, p. 62). Mas tais situações, em nosso entender, são o fulcro da caracterização da culpa, vale dizer, constituem infrações
ao dever de cuidado objetivo, não podendo, novamente, ser consideradas para agravar a pena. Seria o inconveniente bis in
idem. Se o médico não esterilizou os instrumentos e isso causou a morte do paciente, trata-se do núcleo da culpa. Se o
motorista dirigia com uma das mãos e, por conta disso, atropelou e matou o pedestre, também é esse o centro da culpa.
Assim, não há aplicabilidade para a causa de aumento. Somos levados a crer, como explica HUNGRIA no início de sua
exposição acerca das circunstâncias do § 4.º do art. 121, que o legislador pretendia impingir o aumento para o motorista
amador que, agindo com imprudência, atropelasse e matasse alguém. Além do que fez, poderia ter deixado de observar
alguma regra prevista no Código de Trânsito, o que lhe provocaria o aumento da pena. Essa agravação, no entanto,
decorreria de uma responsabilidade objetiva inaceitável, pois inconsistente. O simples fato de não se cumprir regra técnica
de profissão, arte ou ofício não deve levar a uma presunção de culpa – como, aliás, é a posição majoritária atualmente –,
de modo que também não deve servir para aumentar a pena. Tanto é realidade ser essa agravação um estorvo que há
muitas decisões que não a aplicam (nesse prisma, ver as decisões coletadas por ALBERTO SILVA FRANCO e outros, Código
Penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 1.613), além de não ter sido novamente prevista no atual Código de Trânsito
Brasileiro, bem como ter sido extirpada do anteprojeto de Código Penal, que está em estudos atualmente (Portaria 232/98
do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial do Estado, Seção 1, p. 1, 25.03.1998). Cremos, pois, ser inaplicável tal
causa de aumento.

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