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CIÊNCIAS FILOSÓFICAS

EM COMPENDIO
(1 8 3 0 )

III — A F ilosofia do E spírito

Edições Loyola
t n< it loprdiu das Ciências Filosóficas em Compêndio
\ mIiiiiic I: A ( inicia da I/>í£Íca
Volume 11; A Filosofia da Natureza
V o lu m e 111: A 1'ilosolia do Kspírito
Q. W. F. Hegel

ENCICLOPÉDIA DAS
CIÊNCIAS FILOSÓFICAS
EM COMPÊNDIO
( 1830)

V olume III
A F ilosofia d o E spírito

Texto com pleto, com os Adendos Orais,


traduzido por Faulo Meneses
com a colaboração do
Pe. Jo sé Machado

Edições Loyola
I n / y k l o p a d i e d e r p h i l o s o p h i s c h e n W i s s e n s c h a f t e n im G r u n d r i s s e
(18 3 0 )
D r itte r Teil: D ie P h i l o s o p h i e d e s G e i s t e s . M it m u n d l i c h e n
Z u s à tza n .

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831.


Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio : 1830 / G. W.
F. Hegel : texto completo, com os adendos orais, traduzido por Paulo
Meneses, com a colaboração de José Machado. — São Paulo : Loyola,
1995. — (O pensamento ocidental)
Título original: Enzyklopãdie der Philosophischen Wissenschaften.
Conteúdo: v. I. A ciência da lógica. — v. 2. A filosofia da natureza.
— v. 3. A filosofia do espírito.
ISBN 978-85-15-01068-4 (obra completa) - ISBN 978-85-15-01069-1
(v. 1) - ISBN 978-85-15-01169-8 (v. 2) - ISBN 978-85-15-01166-7 (v. 3)
1. Filosofia — Dicionários, enciclopédias I. Título. II. Série.
95-2186 CDD-103

índices para catálogo sistemático:


1. Filosofia : Enciclopédia 103

Edições Loyola Jesuítas


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ISBN 978-85-15-01068-4 (obra)


978-85-15-01166-7 (volume III)
2a edição: maio d e 2011
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 1995
SUMARIO

INTRODUÇÃO........................................................................ 7
Conceito do espírito........................................................... 15
Divisão................................................................................ 29

Primeira Seção da Filosofia do Espírito


O ESPÍRITO SUBJETIVO

A. ANTROPOLOGIA................................................................. -.. 42
A Alma.................................. 42
a — A alma natural..................................................................... 49
Io) Qualidades naturais...................................................... 50
2o) Mudanças naturais....................................................... 71
3o) Sensação....................................................................... 89
b — A alma que-sente................................................................... 113
Io) A alma que-sente, em sua imediatez.......................... 115
2o) Sentimento de si........................................................... 147
A terapia da demência............................................................. 163
3o) O hábito.........-............................................................. 167
c — A alma efetiva...................................................................... 175

B. A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO.................................. 182


A consciência......................... IH3
a —A consciência como ta l...............................................-.......... 188
Io) A consciência sensível........................................ ......... 188
2o) O perceber................................................................... 191
3o) O entendimento.................... ....................................... 192
b — A consciência de si................................................................ 195
Io) O desejo... ......................................... 197
2o) A consciência-de-si que reconhece............................ 200
3o) A consciência-de-si universal...................................... 206
c — A razão.................................... 209

C. PSICOLOGIA............................................................................. 210
O Espírito....................................................... 210
a — O Kspfrito Teórico............... 219
Io) Intuição..-................................................................. 225
2o) A representação...................................................... 234
3o) O pensar................................................................. 258
b — O espírito prático.......... ................................................. 263
í°) O sentimento prático.............................................. 265
2o) As tendências e oarbítrio......................................... 269
3o) A felicidade............................................................. 273
c — 0 espnrito livre.......................................................... 274

Segunda Seção da Filosofia do Espírito


O ESPÍRITO OBJETIVO

A. O DIREITO................................................................................. 283
a — Propriedade....................................................................... 283
b — Contrato............................................................................ 284
c — O direito contra o não-direito................................... 286

\i. A MORALIDADE...................................................................... 289


a — O propósito...................................................................... 290
b — A intenção e o bem........................................................ 290
e — O bem e o mal.............................................................. 291

C. A KTICIDADE............................................................................ 294
a — A família........................................................................... 296
b — A sociedade civil............... 297
I o) O sistema das necessidades [Bedurfnisse]...................... 297
2 o) A administração dajustiça............................................ 299
3 o) A polícia e a corporação.................................................. 304
c — O Estado........................................................................... 305
I o) Direito político interno................................................... 305
2o) O direito político externo................................................ 319
3 a) A história mundial......................................................... 319

T e r c e ir a S e ç ã o d a F ilo s o fia d o E s p ír ito


O K S P Í R I T O A H S O I /U T O

A. A AKTK 541

U. A R U I ,l( ; i A ( ) K K V K I-A I )A 346

( . A I M .O S O K IA 3M
INTRODUÇÃO

§ 377
[Ò conhecimento do espírito é o mais concreto, portanto o mais
alto e o mais difícil.] “Conhece-te a ti mesmo” — esse mandamento
absoluto não tem nem em si, nem onde se apresenta historicamente
como expresso, a significação de ser apenas um autoconhecimento,
segundo as particulares aptidões, o caráter, as inclinações e as
fraquezas do indivíduo; mas [tem] a significação do conhecimento
do verdadeiro do homem, como [também] do verdadeiro em si v
para si — da essência mesma enquanto espírito.
Tampouco tem a filosofia do espírito a significação do que se
chama conhecimento dos homens, que se dã ao trabalho de pesquisar
nos outros homens igualmente as particularidades [Besonderheiten];
paixões, fraquezas, que se dizem refolhos do coração humano, [fí
isso] um conhecimento que de um lado só tem sentido na pressu­
posição do conhecimento do universal' do homem, e portanto es­
sencialmente do espírito; de outro lado, ocupa-se das existências
contingentes, insignificantes, não verdadeiras do espiritual, mas não
impele até ao substanciai ao espírito mesmo.
Adendo: A dificuldade do conhecimento filosófico do espírito consiste
em que aqui não temos mais de tratar com a ideia lógica simples, rela­
tivamente abstrata, mas com a mais concreta forma, a mais desenvolvida
que a ideia alcança na efetivação dela mesma. Também o espírito finito
ou subjetivo — [e] não simplesmente o espírito absoluto — deve ser
compreendido como uma efetivação da ideia. A consideração do espírito
só é, em verdade, filosófica quando reconhece o conceito do espírito em
seu desenvolvimento e em sua efetivação vivos, isto é, precisamente
quando reconhece o espírito como uma imagem da ideia eterna. Mas
conhecer o seu conceito pertence â natureza do espírito. O desafio ao
autoconhecimento, lançado pelo Apoio délfico aos gregos, não tem, pois,
o sentido de um preceito dirigido de fora ao espírito humano por uma
potência estranha; antes, o deus que impele ao autoconhecimento não é
outra coisa que a própria lei absoluta do espírito. jjPor esse motivo, todo
o agir do espírito é só um compreender de si mesmo, e a meta de toda
a ciência verdadeira é que o espírito se conheça a si mesmo em tudo o
que há no céu e na terraTjPara o espírito não existe absolutamente na­
da que seja totalmente outro. Mesmo o oriental não se perde inteiramente
no objeto de sua adoração. Mas foram os gregos que primeiro compreen­
deram expressamente como espírito o que contrapunham a si mesmos
como [sendo] o divino; no entanto tampouco atingiram, nem na filosofia
nem na religião, o conhecimento da infinitude absoluta do espírito. Por
isso, a relação do espírito humano com o divino ainda não é, entre os
gregos, absolutamente livre. Só o cristianismo, pela doutrina da encarna­
ção de Deus e da presença do Espírito Santo na comunidade crente, deu
á consciência humana uma relação completamente livre para com o in­
finito, e desse modo tornou possível o conhecimento conceituante, do
espírito em sua infinitude absoluta.
Só um conhecimento merece de agora em diante o nome de uma
consideração filosófica. O autoconhedmento, no sentido trivial costumeiro,
de uma investigação das fraquezas e vícios próprios do indivíduo só tem
interesse e importância para o singular — não para a filosofia; e mesmo
em relação ao singular tem tanto menos valor quanto menos se dedica
ao conhecimento da natureza moral e intelectual, universal do homem;
e, abstraindo dos deveres, do conteúdo verdadeiro da vontade, degenera
mais em um “girar-em volta de" complacente do indivíduo em suas sin
gularidades que lhe são caraa,
O rncHmo vale para o aimim ehmmuln ambeamento-dos-homem, diri
gidn igimlmrnte peenllwrldadM doi rupfrito* singulares. Sem dúvida,
esse conhecimento é útil e nocfwtArlo pura a vida, em especial nua mrts
conjunturas políticas, em que não reinam o direito e a eticidade, ma»
sim a obstinação, o capricho e o arbítrio dos indivíduos; [e] no campo
das intrigas, onde os caracteres não se apoiam na natureza da Coiia,
[mas] antes se sustentam na particularidade dos outros matreiramente
explorada, e querem alcançar por meio deles seus fins contingentes. Mas,
para a filosofia, esse conhecimento dos homens permanece indiferente no
grau exato em que não pode elevar-se da consideração das singularidade»
contingentes à compreensão dos grandes caracteres humanos, por meio
dos quais a verdadeira natureza do homem é trazida à intuição numa
pureza sem restrições. Mas tal conhecimento toma-se mesmo prejudicial
à ciência — como ocorreu no tratamento, que se chama pragmático, da
história — quando, desconhecendo o caráter substancial dos indivíduo»
da história mundial, e não enxergando que algo de grande só pode »er
realizado pelos grandes caracteres, faz ensaio, que deve ser espiritual, de
derivar da particularidade contingente desses heróis, de suas pretensa»
pequenas intenções, inclinações e paixões, os maiores eventos da história;
um procedimento, no qual a história, governada pela divina providência, so­
çobra em um jogo de atividade sem conteúdo, e de fatos contingente».

§ 378
A pneumatologia, que também se chama psicologia racional
enquanto abstrata metafísica do entendimento, já foi mencionada
na Introdução [Ia parte, § 34]. A psicologia empírica tem o espírito
comreto por seu objeto, e desde que, depois do renascimento da»
ciências, a observação e a experiência se tornaram a base principal
do conhecimento do concreto, ela foi praticada da mesma manei-
ru [que as outras ciências]; de tal forma que, por um lado, aquele
(elemento] metafísico foi mantido fora dessa ciência empírica, e nflo
chegou em si a nenhuma determinação, a nenhum conteúdo [que
fossem] concretos; por outro lado, a ciência empírica sc manteve na
habitual metafísica-do-entendimento, de forças, atividades diversas
ele.; e foi banida daí a consideração especulativa.
Os livros de Aristóteles sobre a alma, com seus tratados sobre
os aspectos c os estados particulares da alma, são por esse motivo
ainda sempre a mais notável ou a única obra de interesse especula-
livo sobre esse objeto. O fim essencial de uma filosofia do espírito
nó pode ser reintroduzir o conceito no conhecimento do espírito; ©,
com isso, reabrir também o Ncntido daqueles livros aristotélicos.
cm si mesmo e retoma, de suas diferenças, à unidade consigo. Mas com
isso não ultrapassou simplesmente as abstrações que reinam naquelas
apreensões finitas do espírito — [apreensões] do que é só singular, só
particular e só universal — e as rebaixa a momentos do conceito, o qual
ó sua verdade; mas também faz valer, em lugar do descrever exterior de
um material pré-encontrado, a forma rigorosa do conteúdo que desenvolve
a si mesmo com necessidade, como [sendo] o único método científico. Se
nas ciências empíricas o material é recebido do exterior como dado pela
experiência e em seguida ordenado segundo uma regra universal já fixada,
e introduzido em uma conexão exterior, o pensamento especulativo, ao
contrário, deve mostrar cada objeto seu, e o desenvolvimento deles, em
sua absoluta necessidade. Isso acontece ao ser, cada conceito particular
derivado do conceito universal que se produz e se efetiva a si mesmo, ou
seja, [derivado] da ideia lógica. Por conseguinte, ja filosofia deve conceber
o espírito como um necessário desenvolvimento da ideia eterna^e fazer
que se desenvolva o que constitui as partes especiais da ciência do espírito,
puramente a partir do conceito deste. Assim como no ser vivo em geral
(udo já está de uma maneira ideal contido no gérmen, e produzido por
este mesmo, não por uma potência estranha, assim também devem todas as
Jbrmas particulares do espírito vivo desenvolver-se de seu conceito, como
de seu gérmen. Nosso pensar movido pelo conceito permanece, neste caso,
por completo imanente ao objeto, também movido pelo conceito; assisti­
mos apenas, por assim dizer, ao desenvolvimento próprio do objeto; não
o modificamos pela ingerência de nossas representações e ideias subjetivas.
í() conceito não precisa, para sua efetivação, de nenhum estímulo externo:
sua natureza própria, que encerra em si a contradição da simplicidade e
da diferença, e por esse motivo [é] inquieta, impele-o a efetivar-se, a de­
senvolver a diferença só de modo ideal presente nele mesmo — isto é, na
lórma contraditória da ausência de diferença — em uma diferença efetiva;
v por essa suprassunção de sua simplicidade como de uma deficiência de
uma unilateralidade; [impele o conceito] a formar efetivamente o todo,
dí) qual inicialmente só contém a possibilidade.jPorém, o conceito não é
menos independente de nosso arbítrio na sua conclusão, do que [era] no
princípio e no avanço de seu desenvolvimento. Numa maneira simplesmente
raciocinante de considerar, decerto a conclusão parece mais ou menos arbi-
t rúria; ao contrário, na ciência filosófica, o conceito mesmo põe um limite
ii<> seu autodesenvolver-se, ao dar-se uma efetividade que lhe corresponde
plenamente. Já no ser vivo nós vemos essa autolimitação do conceito. |Õ
gérmen da planta — esse conceito presente de modo sensível — encerra
Meu desenvolvimento com uma efetividade igual a ele, com [a] produção

-----................................................. .................. . .
da semente.' (Vale o mesmo para o espírito, em que o desenvolvimento
também atingiu seu fim quando se efetivou plenamente o seu conceito;
ou, o que é o mesmo, quando o espírito chegou à consciência completa
de seu conceito. Mas esse “contrair-se-em-um-só” do começo com o fim
— esse “vir-a-si-mesmo” do conceito em sua efetivação — aparece no
espírito em uma forma ainda mais acabada do que no simples ser-vivo.
De fato, enquanto no ser-vivo a semente produzida não é a mesma que
a semente da qual foi produzida, no espírito que se conhece a si mesmo
o produzido é um só e o mesmo com o que produz.J
Somente quando consideramos o espírito no processo que foi descrito da
autoefetivação do seu conceito [é que] nós o conhecemos em sua verdade
(pois verdade significa justamente acordo do conceito com sua efetividade).
Em sua imediatez, o espírito ainda não é verdadeiro, ainda não tomou o seu
conceito objetivo para si, ainda não transformou o que nele está presente
de maneira imediata, em algo posto por ele; não remodelou sua efetividade
em uma efetividade conforme ao conceito do espírito. O desenvolvimento
total do espírito não é outra coisa que seu elevar-se-a-sí-mesmo à sua ver­
dade, e as assim chamadas potências da alma não têm outro sentido que
o de serem os degraus dessa elevação. Por essa autodiferenciação, por esse
transformar-se e por essa recondução de suas diferenças à unidade de seu
conceito, o espírito, assim como é algo verdadeiro, é algo vivo, orgânico,
sistemático; e só pelo conhecimento dessa sua natureza [é que] a ciência
do espírito é igualmente verdadeira, viva, orgânica e sistemática. Predicados
[estes] que não podem atribuir-se nem à psicologia racional nem à psicologia
empírica, pois a racional fàz do espírito uma essência morta, separada de
sua efetivação, enquanto a empírica mata o espírito vivo esquartejando-o
em uma multiplicidade de potências autónomas, a qual não é produzida e
mantida em coesão pelo conceito.
Como já foi notado, o magnetismo animal contribuiu para rejeitar a
compreensão do espírito, não-verdadeira, finita, simplesmente [obra] do
entendimento. Aquele estado, digno de admiração, teve esse efeito par-
ticularmente no que toca à consideração do lado natural do espírito. Se
os outros estados e determinações naturais do espírito, assim como suas
iilividades conscientes, podem, pelo menos, ser compreendidos exterior­
mente pelo entendimento, e este pode compreender a conexão exterior de
rmisa e efeito — o que se chama o curso natural das coisas —, mostra-se,
no contrário, o entendimento incapaz até mesmo de somente acreditar
nos fenómenos do magnetismo animal. [E isso] porque nesses fenômenos
p e r d e s e u s e n tid o o s e r -lig n d o , totalmente fix o — segundo a o p in iã o do
e n t e n d im e n t o — d o e s p ír ito u u m lu g u r e t e m p o ; como também ã cone-
kAo ~ n c g u n d o o e n t e n d im e n t o — d e n u w u e e f e ito , c (t a m b é m ) p o r q u e ,
n o p r ó p r io in te r io r d o u cr-iií nenN Ível, v e m ã m im ifcfitH çflo a e le v a ç ã o d o
c a p ír ito p o r n o b r e o f o r u - m n - d o o u t r o c d e nuan c o n e x õ c » ex te r io r e n ; ( e le ­
v a ç ã o ] q u e p a r a o e n t e n d im e n t o p e r m a n e c e u m p r o d íg io in a c r e d itá v e l.
Kmbora fosse muito insensato ver nos fenómenos do magnetismo
animal uma elevação, mesmo, do espírito sobre sua razão conceituante,
e esperar, desse estado, conclusóes mais altas sobre o eterno, do que
pode fornecer a filosofia; embora o estado magnético deva ser declarado
antes uma doença e um submergir do espírito abaixo da consciência
ordinária, enquanto o espírito nesse estado renuncia a seu pensar que se
move em diferenciações determinadas, e que se põe diante da natureza;
contudo, por outro lado, [o] que se vê nos fenômenos do magnetismo,
(esse] soltar-se, do espírito, dos limites do espaço e do tempo, e de
todos os laços finitos, é algo que tem uma afinidade com a filosofia; e,
porque desafia o ceticismo do entendimento com toda a brutalidade de
um fato estabelecido, torna necessário ir além da psicologia ordinária
para o conhecimento conceituante da filosofia especulativa, para o qual
o magnetismo animal não é nenhum prodígio inconcebível.

§ 380
A natureza concreta do espírito traz consigo para a consideração
esta dificuldade peculiar de que os graus e determinações particulares
do desenvolvimento de seu conceito não perm anecem , ao m esm o
tempo, com o existências particulares, para trás e em contraposição
a suas figurações mais profundas, tal com o é o caso na natureza
exterior, onde a m atéria e o m ovim ento têm sua livre existência
com o sistem a solar, onde as determ inações dos sentidos existem
tam bém para trás, com o propriedades dos corpos, e ainda mais livres,
com o elem entos etc. Ao contrário, as determ inações e os graus do
espírito são essencialmente só com o m om entos, estados,
r- determ i-
nações nos graus superiores do desenvolvimento. Por isso ocorre
que num a determ inação inferior, mais abstrata, o [que é] superior
se m ostre já em piricam ente presente, ao passo que, p o r exemplo,
na sensação to d o o espiritual mais elevado [está presente] com o
conteúdo ou determinidadeTÍPor conseguinte, de m aneira superfi­
cial, aquele conteúdo — oTéligioso, o ético etc. — pode parecer
essencialmente que tem seu lugar, e m esm o sua raiz, n a sensação,
que é apenas um a forma abstrata; e suas determ inações parece que

14
devem »cr considerada* neceainirianiente como e*p6cien particulares
du NertNHCÍlo. M an, ao mesmo tempo, enquanto on grau* inícriorcN
sAo considerados, torna-se necessário, pura on fii/er perceber segundo
sua existência empírica, lembrar os graus superiores em que estão
presentes só como formas, e deste modo antecipar um conteúdo
que só mais tarde se oferece no desenvolvimento (por exemplo, no
despertar natural, a consciência; na loucura, o entendimento, etc.).

Conceito do espírito

§ 381
O espírito tem para nós a natureza por sua pressuposição, da qual
ele é a verdade e, por isso, seu [princípio] absolutamente primeiro.
Nessa verdade, a natureza desvaneceu, e o espírito se produziu
como ideia que chegou ao seu ser-para-si, cujo objeto, assim como o
sujeito, é o conceito. Essa identidade é a negatrvidade absoluta, porque
o conceito tem na natureza sua objetividade externa consumada,
porém essa sua extrusâo é suprassumida, e o conceito tornou-se
nela idêntico a si mesmo. Por isso o conceito só é essa identidade
enquanto é retornar da natureza.

Adendo: Já no Adendo ao § 379, o conceito do espírito foi apresen­


tado como sendo a ideia efetiva que se sabe a si mesma. A filosofia tem
de mostrar esse conceito como necessário, assim como todos os seus
outros conceitos; isto é, conhecê-lo como resultado do desenvolvimento
do conceito universal ou da ideia lógica. Contudo, nesse desenvolvimento,
[o que] precede o espírito não [é] só a ideia-lógica, mas também a natu­
reza exterior. Com efeito, o conhecer, já contido na ideia lógica simples, é
apenas o conceito, por nós pensado, do conhecer, não o conhecer para
si mesmo, nem o espírito efetivo, mas simplesmente sua possibilidade. O
espírito efetivo, que é nosso objeto somente na ciência do espírito, tem
a natureza exterior por sua pressuposição mais próxima, como tem a
ideia lógica por sua pressuposição primeira. Por isso, como seu resultado
final, a filosofia da natureza — e a lógica, imediatamente — deve ter a
prova da necessidade do conceito do espírito. De seu lado, a filosofia
do espírito deve verificar esse conceito mediante seu desenvolvimento e
efetivação. Assim, o que a seguir dizemos do espírito, sob a forma de
asserção aqui no começo de nossa consideração a seu respeito, só pode

15
ser provado cientificamente por meio da filosofia toda. Inicialmente, não
podemos fazer aqui outra coisa senão esclarecer o conceito do espírito
para a representação.
Para fixar esse conceito, é necessário que indiquemos a determinidade
pela qual a ideia é enquanto espírito. Ora, toda a determinidade só é
determinidade diante de outra determinidade: à do espírito em geral se
contrapõe, primeiro, a da natureza; por isso aquela só pode ser apreen­
dida ao mesmo tempo com esta. Como a determinidade distintiva do
conceito do espírito, deve ser indicada a idealidade, isto é, o suprassumir
do ser-outro da ideia, o seu retomar e ser-retornada de seu Outro para
si mesma; enquanto ao contrário, para a ideia lógica, o distintivo é o
imediato e simples ser-dentro-de-si\ para a natureza, porém, é o ser-fora-de-si
da ideia. Um desenvolvimento mais pormenorizado do que foi dito de
passagem sobre a ideia lógica no Adendo ao § 379 está bem longe de
nosso propósito. Faz-se mais necessário neste lugar um esclarecimento
do que foi indicado como o característico da natureza exterior; pois com
ela, como já foi notado, o espírito tem sua relação mais próxima.
Como o espírito, também a natureza externa é racional, divina, é uma
exposição da ideia. Contudo, na natureza manifesta-se a ideia no elemento
do “fora-um-do-outro”; ela não é só exterior ao espírito, mas, porque é
exterior a este, porque é exterior à interioridade, essente em si e para
si, que constitui a essência do espírito, ela, justamente por isso, é exte­
rior também a si mesma. Esse conceito da natureza — já expresso pelos
gregos e totalmente familiar a eles — concorda plenamente com nossa
representação ordinária da natureza. Sabemos que o ser natural é espacial
e temporal, que na natureza isto subsiste junto disso, isto se segue a isso;
numa palavra, que todo o natural está fora-um-do-outro, até o infinito.
[Sabemos] além disso que a matéria, esse substrato universal de todas as
formações existentes da natureza, não simplesmente nos opõe resistência,
subsiste fora de nosso espírito, mas também se mantém “fora-um-do-outro”
para consigo mesma: divide-se em pontos concretos, em átomos mate­
riais, dos quais se compõe. As diferenças em que se desdobra o conceito
da natureza são existências mais ou menos autónomas umas diante das
outras; mediante sua unidade originária estão, sem dúvida, em relação
umas com as outras, de modo que nenhuma pode ser concebida sem
a outra; entretanto, essa relação é uma relação exterior, num grau mais
ou menos elevado. Dizemos pois, com razão, que na natureza não reina
a liberdade, mas a necessidade; pois necessidade é justamente, em ,suu
significação mais própria, a relação apenas interior — e portanto tam­
bém apenas exterior * dc existências autónomas, umas com us outras.
Assim, por exemplo, a luz e e os elementos aparecem como autónomos,
rcciprocamente; assim os plaianetas embora atraídos pelo sol, e apesar
dessa relação a seu centro, tênêm a aparência da autonomia em referência
u esse centro, e uns para comm os outros — contradição que é exposta
por meio do movimento dos p planetas em redor do sol.
No ser vivo ocorre certatamente uma necessidade mais elevada do
i|ue a imperante nos seres-semm-vida. Já nas plantas se mostra um centro
expandido na periferia, uma c concentração das diferenças, um desenvol­
ver-se de-dentro-para-fora, umma unidade diferenciando-se a si mesma, e
nu rebento produzindo-se a si si mesma [a partir] de suas diferenças: por
ixfio [é] alguma coisa a que a atribuímos o impulso. Porém essa unidade
permanece uma unidade incoiompleta, porque o processo de articulação
da planta é um “ir-fora-de-si” i” do sujeito vegetal; cada parte é a planta
inteira, uma repetição dela; os s membros, pois, não são mantidos em uma
per (cita submissão à unidade c do sujeito.
Uma vitória ainda mais commpleta sobre a exterioridade apresenta-se no
organismo animal; neste, não & somente cada membro engendra o outro, 6
nua causa e efeito, seu meio e fiifim, por conseguinte ele mesmo e ao mesmo
tempo o seu Outro; mas [tamtnbém] o todo é de tal modo penetrado por
Mm unidade que nada nele aparorece como autónomo; cada determinidade é,
ao mesmo tempo, uma determininidade ideal: o animal permanece em cada
determinidade o mesmo univerersal uno, de modo que, por isso, no corpo
animal o “fora-um-do-outro” sé se mostra em sua total inverdade. Por e s s e
"Ner junto-de-si” na determinidaiade, por esse “ser-refletido” sobre si mesmo
em sua exterioridade e a partir ir dela, o animal é subjetividade essente para
nÍ r (cm sensação, A sensação o é justamente essa onipresença da unidade
do animal em todos os seus meiembros, os quais comunicam imediatamente
rada impressão ao todo uno, <, que no animal começa a vir-a-ser para si.
Ncnnji interioridade subjetiva reseside [o fato de] que o animal é determinado
por si mesmo, de dentro para fefora, e não simplesmente de fora; quer dizer,
o animal tem impulso e instintnto. A subjetividade do animal encerra uma
mnl nu lição, e o impulso de st se conservar mediante a suprassunção des­
sa contradição; autoconservaçãcão que é o privilégio do ser vivo e, num grau
iiimih alto, o privilégio do espíritrito. O ser que-sente é determinado, tem em
Nt um conteúdo e portanto umaia diferenciação. Essa diferença é inicialmentc
ainda uma diferença totalmente :e ideal, simples, suprassumida na unidade do
•entíi: a diferença supraasumídaja, subsistente na unidade, é uma contradição
MlpruMNumida pelo fa to de q u e a a diferença se põe como diferença. O animal
é I m p e lid o de seu s im p le s rein ei cionamento consigo mesmo à oposição c o n -
tfN n n a tu r e z a e x te r io r . I t a m e ic io dessa o p o s iç ã o , o unimal cai numa n o v n

àL
contradição, porque agora a diferença é posta de um modo que contradiz
a unidade do conceito; deve, pois, ser suprassumida igualmente, como [o
foi] primeiro a unidade indiferenciada. Essa suprassunção da diferença se
dá porque o animal consome o que lhe é destinado na natureza externa,
e se conserva graças ao que é consumido. Assim, pelo aniquilamento do
Outro que se contrapõe ao animal é posta de novo a relação simples, origi­
nária, para consigo mesmo e a contradição nela contida. Para a verdadeira
solução dessa contradição é necessário que o Outro, a que o animal se
refere, seja igual a ele. Isso encontra lugar na relação dos sexos: aqui, cada
um dos sexos não sente no outro uma exterioridade estranha, mas [sente]
a si mesmo, ou o gênero comum aos dois. Por isso, a relação dos sexos
é o ponto mais alto da natureza viva: nesse grau ela é retirada, na mais
plena medida, da necessidade exterior, porque as existências diferentes,
que se referem uma à outra, não são mais exteriores uma â outra, mas
têm o sentimento de sua unidade. Contudo, a alma animal ainda não é
livre, pois aparece sempre como uma só [coisa] com a determinidade
da sensação ou excitação, como ligada a uma determinidade [única]; o
gênero só é para o animal na forma da singularidade. Ele apenas sente
o gênero, nada sabe sobre ele; no animal a alma ainda não é para a al­
ma, o universal como tal [não é] para o universal. Pela suprassunção — que
tem lugar no processo do gênero — da particularidade dos sexos, o animal
não chega ao engendrar do gênero; o que é produzido por esse processo
é, de novo, apenas um singular. Assim a natureza, mesmo no píncaro mais
alto de sua elevação sobre a finitude, recai sempre de novo na finitude
e apresenta dessa maneira um movimento circular constante. Também a
morte, necessariamente provocada pela contradição entre a singularidade e
o gênero — porque [a morte] é somente a negação que aniquila a singula­
ridade, [negação] vazia, que aparece ela mesma na forma da singularidade
imediata, não sua suprassunção que conserva —, não produz igualmente
a universalidade essente em si e para si, ou a singularidade em si e para
si universal, a subjetividade tendo por objeto a si própria Portanto, ainda
na forma mais acabada, â qual a natureza se eleva — na vida animal —,
o conceito não chega a uma efetividade igual à sua essência anímica, à
completa vitória sobre a exterioridade e finitude do seu ser-aí. Isso só
ocorre no espírito que, precisamente por essa vitória que nele se realiza, se
diferencia da natureza; de modo que essa diferenciação não é simplesmente
o agir de uma reflexão exterior sobre a essência do espírito.
Essa suprassunção da exterioridade — suprassunção que pertence ao
conceito do espírito — é o que temos chamado sua ideal idade.\ Todas as
atividades do espírito nada são a não ser maneiras diversas da recondução,
do que é exterior, à interioridade que é o espírito mesmo; e só mediante
essa recondução, mediante essa idealização ou assimilação do exterior, vem
a ser, e é, o espírito. Ao considerar o espírito um pouco mais de perto,
encontramos, como sua determinação primeira e mais simples, a determi­
nação de que é [um] Eu. [O] Eu é algo perfeitamente simples, universal.
Quando dizemos “Eu”, visamos decerto a algo singular; mas, porque cada
qual é Eu, dizemos assim apenas algo totalmente universal. A universalidade
do Eu faz que ele possa abstrair de tudo, mesmo de sua vida. Mas o
espírito não é simplesmente esse [ser] abstratamente simples, igual à luz
— como ele era considerado, quando se tratava da simplicidade da alma
em oposição â composição do corpo —: o espírito é, antes, algo diferen­
ciado em si mesmo, apesar de sua simplicidade: pois [o] Eu põe-se a ti
mesmo em contraposição a si; fãz de si seu objeto e retoma dessa diferença
— que decepo é primeiro abstrata, ainda não concreta — à unidade con­
sigo mesmo.[Esse “ser-junto-a-sf do Eu, em sua diferenciação, é sua infi-
nitude ou idealidade. (Essa idealidade, porém, só se verifica na relaçfio
do Eu à matéria infinitamente multiforme que se lhe contrapõe. Quando
o Eu o abarca, esse material se toma ao mesmo tempo contaminado e
transfigurado pela universalidade do Eu; perde sua subsistência singularizada,
autónoma, e recebe um ser-aí espiritual. Por isso o espírito, por meio da
multiformidade de suas representações, é tão pouco arrancado de sua
simplicidade para dentro de um “fora-um-do-outro” espacial, que seu
Si simples antes se desdobra em uma clareza não perturbada por aquela
multiformidade, e não a deixa chegar a nenhuma subsistência autónoma.
Entretanto, o espírito não se contenta, enquanto espírito finÍto%com
transferir as coisas, por meio de sua atividade representante, para o espaço
de sua interioridade, e assim retirar-lhes, de uma maneira ainda exterior,
sua exterioridade; mas, enquanto consciência religiosa, penetra através
da autonomia, aparentemente absoluta, das coisas até a potência infinita
única de Deus, que é ativa em seu interior e a tudo mantém junto; e
enquanto pensar filosófico leva a cabo aquela idealização das coisas, por­
que conhece o modo determinado pelo qual a ideia eterna, que forma
seu princípio comum, nelas se expõe.[Por esse conhecimento, a natureza
idealista do espírito, que já se ativa no espírito finito, chega à sua forma
consumada, à mais concreta; o espírito faz de si mesmo a ideia efetiva,
que se compreende perfeitamente a si mesma, e [o espírito] assim [#c
faz] espírito absolutojjá no espírito finito, a idealidade tem o sentido
de um movimento que retorna ao seu começo; [movimento] pelo qual
o espírito, avançando de sua indistinção, como da primeira posição, em
direção de um Outro — a negação daquela posição — e retornando a si
mesmo pela negação daquela negação, se demonstra como negatividade
absoluta, como afirmação infinita de si mesmoLQonforme esta sua natureza,
devemos considerar o espírito finito, em primeiro lugar, em sua unidade
imediata com a natureza; depois, em sua oposição a ela; por último, em
sua unidade com a natureza, enquanto contém em si aquela oposição
como uma oposição suprassumida; enquanto [aquela unidade] é mediati-
zada por essa oposiçãalCompreendido assim, o espírito finito é conhecido
como totalidade, como ideia; e na verdade como a ideia efetiva, essente
para si, retomando a si mesma daquela oposição. Contudo, no espírito
finito, esse retomo está apenas em seu começo; só no espírito absoluto
o retorno é consumado; porque só nesse espírito a ideia se compreende,
não só na forma unilateral do conceito ou da subjetividade, nem tam­
pouco só na forma também unilateral da objetividade ou da efetividade,
mas na unidade consumada desses seus momentos diferentes, isto é, em
sua verdade absoluta.
O que dissemos acima sobre a natureza do espírito é algo a demonstrar
— e demonstrado — somente pela filosofia e não precisa da confirmação
por meio de nossa consciência ordinária. Mas, na medida em que nosso
pensar não filosófico exige de seu lado uma representação do conceito
desenvolvido do espírito, pode-se lembrar, a propósito, que também a
teologia cristã compreende Deus — isto é, a verdade — como espírito; e
considera o espírito não como um ser em repouso, que permanece em vazia
uniformidade; mas como um ser tal que se introduz necessariamente no
processo do diferenciar-se de-si-mesmo, do pôr de seu Outro, e só chega a
si mesmo mediante esse Outro, e mediante sua suprassunção que conserva
esse Outro, e não mediante seu abandono. Como é bem sabido, a teologia
exprime esse processo no modo da representação, [dizendo] que Deus-Pai
(o Universal simples, o essente-em-si), renunciando à sua solidão, cria a
natureza (o exterior a si mesmo, o essente-fora-de-si), gera um Filho (seu
outro Eu); mas esse Outro, em virtude de seu amor infinito, contempla-se
a si mesmo, aí reconhece sua imagem, e nele retoma à unidade consigo
mesmo. [Essa] unidade, não mais abstrata, imediata, e sim concreta, me-
diatizada pela diferença, é o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho
e na comunidade cristã alcança sua perfeita efetividade e verdade. E como
esse espírito que Deus deve ser conhecido, se deve ser compreendido em
sua verdade absoluta, se [deve ser compreendido] como Ideia efetiva essente
em si e para si, e não — ou somente — na forma do simples conceito,
do ser-dentro-de-si abstrato, ou na forma também não verdadeira de uma
e fe tiv id a d e singular não conforme c o m a universalidade do c o n c e it o , mus
(a n te s) n u p lc n u c o n c o r d â n c ia d e s e u c o n c e it o e de su a e fe tiv id a d e .

m
É o que ocorre sobre as determinidades distintivas da natureza externa
e do espírito em geral. Por meio da diferença desenvolvida, foi indicada
ao mesmo tempo a relação em que a natureza e o espírito estão um para
com o outro. Já que essa relação é frequentemente mal-entendida, uma
explicação a seu respeito está aqui em seu lugar. Como tínhamos dito, o
espírito nega a exterioridade da natureza, assimila a si a natureza, e por isso
a idealiza. Essa idealização tem uma figura unilateral no espírito finito que
põe fora dele a natureza; aqui, à atividade de nosso querer, como também
de nosso pensar, contrapõe-se um material exterior, que, indiferente perante
a alteração que empreendemos com ele, experimenta de modo totalmente
passivo a idealização de que assim participa. Mas no espírito que produz a
história mundial ocorre outra relação. Pois jã não se situa, de um lado, uma
atividade exterior ao objeto, e de outro um objeto simplesmente passivo;
mas a atividade espiritual dirige-se a um objeto ativo em si mesmo — a um
objeto que se elaborou a si mesmo para [ser] aquilo que deve ser produzido
por aquela atividade; de modo que na atividade e no objeto está presente
um só e o mesmo conteúdo. Assim, por exemplo, o povo e a época so­
bre os quais se exerceu a atividade de Alexandre e César, como sobre seu
objeto, haviam-se tomado, por si mesmos, capazes da obra que tinha de
ser cumprida por aqueles indivíduos: o tempo tanto criou, para si, aqueles
homens como foi criado por eles; tanto estes foram os instrumentos do
espírito de seu tempo e de seu povo quanto, inversamente, seu povo serviu
de instrumento àqueles heróis para o cumprimento de suas façanhas.
A maneira como o espírito filosofante se refere à natureza externa
é semelhante à relação acima descrita. E que o pensar filosófico reco­
nhece que a natureza não é simplesmente idealizada por nós; que o seu
“fora-um-do-outro” não é algo totalmente insuperável para ela mesma,
para seu conceito, mas que a ideia etema imanente à natureza, ou — o
que é o mesmo — o espírito essente em si, trabalhando no seu interior,
efetua ela mesma a idealização, a suprassunção do “fora-um-do-outro",
porque essa forma de seu ser-aí está em contradição com a interioridade
de sua essência. [Assim a filosofia, de certo modo, tem apenas de assistir
como a natureza mesma suprassume sua exterioridade, retoma no centro
da ideia o exterior-a-si-mesmo, ou fàz surgir esse centro no exterior; liberta
o conceito nela escondido, da coberta da exterioridade, e assim supera
a necessidade exterior] Essa passagem da necessidade para a liberdade
não é uma passagem simples, mas uma gradação de muitos momentos,
cuja exposição a filosofia da natureza constitui. N o grau mais alto dessa
suprassunção do "fora-um -do-outro” — na sensação — o espírito essente
em si, aprisionado na natureza, ehcgti no começo do ser-paru-si e assim, ã

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liberdade. For meio desse ser-para-si, ainda afetado pela forma da singula­
ridade e exterioridade — em consequência também da não liberdade —,
a natureza é impelida para além de si mesma, rumo ao espírito como
tal, isto é, ao espírito essente para si, por meio do pensar, na forma da
universalidade, ao espírito efetivamente livre.
Mas jã se evidencia, de nossa análise precedente, que o surgir do espírito
[a partir] da natureza não deve ser compreendido como se a natureza fosse
o absolutamente imediato, primeiro, originariamente ponente; e o espírito,
ao invés, somente algo posto por ela: a natureza é, antes, posta pelo espírito
que é o absolutamente primeiro. O espírito essente em si e para si não é
o simples resultado da natureza, senão, na verdade, seu próprio resultado:
a si mesmo produz, das pressuposições que para si mesmo faz — da ideia
lógica e da natureza externa, e é a verdade tanto de uma como de outra;
quer dizer, a verdadeira figura do espírito essente só em si, e do espírito
essente só fora de si. A aparência de que o espírito seria mediatizado por
um outro é suprassumida pelo espírito mesmo; pois ele tem a soberana
ingratidão — por assim dizer — de suprassumir aquilo pelo qual parece
mediatizado, de mediatizã-lo, de rebaixã-lo para algo que só subsiste por
ele; e de se fazer, dessa maneira, perfeitamente autónomo.
No que foi dito já está contido que a passagem da natureza para o
espírito não é uma passagem para algo totalmente outro, mas somente um
“vir-a-si-mesmo” do espírito essente fora de si na natureza Mas tampouco é
suprassumida por essa passagem a diferença determinada da natureza e do
espírito; porque o espírito não surge da natureza de uma maneira natural.
Se foi dito no § 222 que a morte da vitalidade singular apenas imediata
era o surgir do espírito, esse surgir não é carnal mas espiritual; não se deve
entender como um surgir natural, mas como um desenvolvimento do concei­
to, que suprassume a unilateralidade do gênero, que não chega à adequada
efetivação, e que na morte se demonstra, antes, como um potência negativa
contra aquela efetividade; e [também suprassume] a unilateralidade, que se
contrapõe à primeira, do ser-aí animal ligado à singularidade, na singularidade
em si e para si universal; ou, o que é o mesmo, no universal essente para
si de uma maneira universal — que é o espírito.
A natureza como tal não chega, na sua autointeriorização, a esse ser-para-si,
à consciência dela mesma: o animal, a forma maís acabada dessa interiori-
zação, só apresenta a dialética — carente-de-espúito — do passar de uma
sensação singular, que enche toda a sua alma, para outra sensação singular,
que também nele domina exclusivamente. Só o homem se eleva, por cima
da singularidade da sensação, à universalidade do pensamento, ao saber de
si mesmo, ao compreender de sua subjetividade, de seu Eu; em uma pula-
vru, só o homem é o espírito pensante, e por isso — e, na verdade, só por
isso — é essencialmente diferente da natureza. O que pertence à natureza,
como tal, fica atrás do espírito; ele tem, certamente, em si mesmo o con­
teúdo total da natureza; porém as determinações naturais são, no espírito,
de uma maneira totalmente outra do que são na natureza externa

§ 382
A essência do espírito é, p o r esse m otivo, form alm ente a liberdade,
a absoluta negatividade do conceito enquanto identidade consigo.
Segundo essa determ inação formal, ele pode abstrair d e to d o o ex­
terior e de sua própria exterioridade, de seu próprio ser-aí; pode
suportar a negação de sua im ediatez individual, a dor infinita, isto
é, nessa negatividade conservar-se afirmativamente, e ser idêntico
para si m esm o. Essa possibilidade é sua universalidade abstrata,
essente para si dentro de si mesma.

Adendo: A substância do espírito é a liberdade, isto é, o não-ser-de-


pendente de um Outro, e referir-se a si mesmo. O espírito é o conceito
efetivado, essente para si, [e] que a si mesmo tem por objeto. Nessa
unidade, presente nele, do conceito e da objetividade consiste, ao mesmo
tempo, sua verdade e sua liberdade. A verdade, como disse Cristo, fàz
livre o espírito: a liberdade o faz verdadeiro. A liberdade do espírito, po­
rém, não é simplesmente a independência do Outro, conquistada fora do
Outro, mas no Outro; não chega à efetividade pela foga perante o Outro,
mas pela vitória sobre ele. O espírito pode sair de sua universalidade abs­
trata essente para si, de sua relação simples para consigo mesmo; pode
pôr em si mesmo uma diferença determinada, efetiva, um Outro do que
é o Eu simples, portanto um negativo: e essa relação ao Outro é para
o espírito não simplesmente possível, mas necessária, porque ele chega
mediante o Outro e mediante a suprassunção deste a se comprovar como
aquilo — e a ser de fato aquilo — que deve ser segundo seu conceito, a
saber, a idealidade do exterior, a ideia que a si retoma em seu ser-outro,
ou, exprimindo de modo mais abstrato, o universal tjue se diferencia a si
mesmo e é junto de si e para si em sua diferença. Q_ Outro, o negativo,
a contradição e a cisão pertencem assim à natureza do espírito] Nessa
cisão reside a possibilidade da dor A dor, portanto, não vem de fora do
espírito, como se imaginava ao questionar de que maneira a dor chegou
ao mundo. Tampouco como a dor, vem de fora para o espírito o m al o
negativo do espírito infinito, essente em si e para si; ao contrário, o mal
não é outra coisa que o espírito situando-se no cúmulo de sua singularidade.

23
Mesmo nessa sua cisão extrema, nesse arrancar-se pela raiz, de sua natureza
ética essente em si, nessa mais completa contradição consigo mesmo, o
espírito permanece portanto idêntico a si mesmo e, por conseguinte, livre.
O que pertence à natureza externa desaparece por meio da contradição;
se, por exemplo, se pusesse no ouro um peso específico do que tem, ele
desapareceria como ouro. Mas o espírito tem a força de conservar-se na
contradição; em consequência, na dor (tanto provocada pelo mal como
pela desgraça). A lógica ordinária erra, pois, quando acredita que o espí­
rito é algo que exclui totalmente de si a contradição.[Toda a consciência
contém, antes, uma unidade e uma separação, portanto uma contradição:
assim, por exemplo, a representação da casa é algo totalmente contradi­
tório para meu Eu e contudo suportado por e le A contradição porém é
suportada pelo espírito porque este em si não tem determinação alguma
que não saiba como uma determinação posta por ele; e, em consequência,
como uma determinação que também pode suprassumir de novo. Essa
potência sobre todo o conteúdo nele presente forma a base da liberdade
do espírito. Mas, em sua imediatez, o espírito só é livre em si segundo o
conceito ou a possibilidade, não ainda segundo a efetividade: a liberdade
efetiva, assim, não é algo essente de modo imediato no espírito, mas algo
a ser produzido por sua atividade. Desse modo, [é] como o produtor de
sua liberdade [que] temos de considerar na ciência o espírito. O desenvol­
vimento total do espírito apresenta somente o “fazer-se livre”, do espírito,
de todas as formas de seu ser-aí que não correspondem a seu conceito:
uma libertação que ocorre porque essas formas são transformadas em uma
efetividade perfeitamente apropriada ao conceito do espírito,

§ 383
Essa universalidade é também seu ser-aí Enquanto sendo para
si, o universal se particulariza, e nisso é identidade consigo. A de-
terminidade do espírito é assim a manifestação. Ele não é qualquer
determinidade ou conteúdo cuja exteriorização ou exterioridade fosse
apenas forma diferente disso; de modo que não revela algo, mas sua
determinidade e conteúdo é essa revelação mesma. Sua possibilidade,
pois, é imediatamente efetividade infinita, absoluta.
Adendo: Anteriormente pusemos a determinidade distintiva do espírito
na idealidade, no suprassumir do ser-outro da ideia Se agora, no § 383
apresentado acima, a “manifestação” é citada como a determinidade do
espírito, isto não é uma determinação nova, uma segunda determinação
d e le . mas só um desenvolvimento da que foi discutida antes. Com efeito,

IA
pela suprassunção de seu ser-outro, a ideia lógica, ou o espírito essente em
si, toma-se para si, isto é, manifesta a si mesma, O espírito para si essente,
ou o espírito como tal, diferentemente do espírito essente em si, desconhe­
cido de si mesmo, só para nós manifesto, difundido no “fora-um-do-outro"
da natureza, é assim o que se revela não simplesmente a um Outro, mas a
si mesmo; ou, o que vem a dar no mesmo, [é] o que implementa sua re­
velação em seu próprio elemento, não em um material estranho, (gssa de­
terminação pertence ao espírito enquanto tal: por isso vale dele não apenas
na medida em que ele se relaciona simplesmente consigo, em que é um Eu
tendo a si mesmo por objeto, mas também na medida em que sai de sua
universalidade abstrata essente para si, em que põe para si mesmo uma
diferenciação determinada, um Outro que ele; porque o espírito não se perde
nesse Outro, mas antes nele se conserva e se efetiva; ali estampa seu inte­
rior, faz do Outro um ser-aí que lhe corresponda: chega assim, portanto,
por essa suprassunção do Outro, da diferença efetiva* determinada, ao
ser-para-si concreto, ao “automanifestar-se” detenninadoJO espírito, portanto,
no Outro só revela a si mesmo, sua própria natureza; esta porém consis­
te na automanifestação. O “automanifestar-se” é, por isso, ele mesmo o
conteúdo do espírito, e não, por assim dizer, somente uma forma acrescen­
tando-se extemartiente ao seu conteúdo. Por sua manifestação, em conse­
quência, o espírito não manifesta um conteúdo diferente de sua forma — esta
é que exprime o conteúdo total do espírito; a saber, sua automanifestação.
Forma e conteúdo são assim, no espírito, idênticos entre si. Sem dúvida,
habitualmente se representa o manifestar como uma forma vazia, à qual
deveria ainda acrescentar-se um conteúdo de fora; entende-se então por
conteúdo algo essente-em-si, algo que em-si-se-mantém, e por forma, ao
contrário, o modo exterior da relação do conteúdo a outra coisa. Mas, na
lógica especulativa, prova-se que na verdade o conteúdo não é apenas algo
essente-em-si, mas algo que entra através de si mesmo, em relação com
Outro; assim como, inversamente, na verdade a forma não só não deve ser
compreendida como algo não autónomo, estranho ao conteúdo, mas antes
como o que fàz do conteúdo o conteúdo, algo essente-em-si, diferente de
Outro. O verdadeiro conteúdo contém, pois, em si mesmo a forma; 6 a
verdadeira forma e seu próprio conteúdo. Devemos, contudo, conhecer o
espírito como esse verdadeiro conteúdo e como essa verdadeira forma.
A fim de esclarecer para a representação essa unidade, presente no
espírito, da forma e do conteúdo, da manifestação e do manifestado,
pode-se lembrar a doutrina da religião cristã. O cristianismo diz [que]
Deus se manifestou por meio de Cristo, seu filho unigénito. A represen­
tação apreende essu proposição primeiro como se Cristo fosse somente

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o órgão dessa manifestação, como se o que é manifestado dessa maneira
fosse algo outro que o manifestante. Na verdade, porém, essa proposição
tem antes o sentido [de que] Deus manifestou que sua natureza consiste
em ter um Filho, isto é, diferenciar-se, finitizar-sejmas permanecer junto
a si mesmo em sua diferença, contemplar-se e manifestar-se a si mesmo
no Filho, e por essa unidade com o Filho, por esse ser-para-si no Outro,
ser o espírito absoluto, de modo que o Filho não é o simples órgão da
manifestação, mas é ele mesmo o conteúdo dessa manifestação]
O espírito, assim como apresenta a unidade da forma e do conteúdo,
assim também é a unidade da possibilidade e da efetividade. Entendemos
por possível, em geral, o ainda interior, que ainda não chegou â exteriori­
zação, à manifestação. Ora, [jã] vimos que o espírito como tal é somente
enquanto a si mesmo se manifesta. A efetividade, que precisamente con­
siste em sua manifestação, pertence assim ao seu conceito. Sem dúvida,
no espírito finito o conceito do espírito não chega ainda à sua absoluta
efetivação; porém o espírito absoluto é a unidade absoluta da efetividade
e do conceito (ou da possibilidade) do espírito.

§ 384
O m anifestar — que enquanto [é] o manifestar da ideia abstrata e
passagem imediata, vir-a-ser da natureza — enquanto manifestar do
espírito, que é livre, é [o] pôr da natureza com o de seu mundo; um
pôr que como reflexão é ao mesmo tem po [o] pressupor do m undo
como natureza autónom a O manifestar no conceito é [o] criar do
mundo como ser do espírito, no qual ele se proporciona a afirmação
e verdade de sua liberdade.
O absoluto é o espfrito\ esta a suprem a definição do absoluto.
E ncontrar essa definição e conceber seu sentido e conteúdo,
pode-se dizer que foi essa a tendência absoluta de toda cul­
tura e filosofia; nesse ponto insistiu toda religião e ciência, só
a partir dessa insistência pode-se conceber a história mundial.
A palavra e a representação do espírito cedo se encontraram ;
e o conteúdo da religião cristã é dar a conhecer Deus com o
espírito. O que aqui é dado à representação, e o que é em s i a
essência, a tarefa da filosofia é apreendê-lo em seu elem ento
próprio, no conceito. Essa tarefa não é resolvida de m odo
verdadeiro e imanente enquanto o conceito e a liberdade não
são seu objeto e sua alma,
Adendo: O automanifestar-se é uma determinação pertencente ao espírito
em geral; mas ela tem três formas diversas. [Io] O primeiro modo, como o
espírito essente em si .ou a ideia lógica se manifesta, consiste no transmu­
dar da ideia na imediatez de urfi ser-aí exterior e singularizado. Esse trans­
mudar é o vir-a-ser da natureza. Também a natureza é algo posto: mas seu
ser-posto tem a forma da imediatez, do ser fora da ideia. Essa forma con­
tradiz a interioridade da ideia que põe a si mesma, que fàz surgir a si mesma
de suas pressuposições. Por esse motivo, a ideia, ou o espírito essente-em-si,
dormente na natureza, suprassume a exterioridade, a singularização e a
imediatez da natureza; cria para si um ser-aí conforme à sua interioridade
e universalidade, e assim se toma o espírito refletido sobre si mesmo, essente
para si, consciente de si, desperto: ou o espírito como tal.
[2o] Com isso dã-se a segunda forma da manifestação do espírito. Nes­
se grau, o espírito, que não está mais difundido no “fora-um-do-outro” da
natureza, se contrapõe, como o essente-para-si, o manifesto-a-si, à natureza
inconsciente que tanto o esconde como o manifesta. Faz da natureza o objeto,
reflete sobre ela, recupera a exterioridade da natureza na interioridade do
espírito; idealiza a natureza; e assim o espírito vem a ser, no seu objeto, para
si mesmo. Mas esse primeiro ser-para-si do espírito é ainda, ele mesmo, um
ser-para-si imediato, abstrato, não absoluto; por meio dele, o “ser-fora-de-si
mesmo” não é suprassumido absolutamente. O espírito, no despertar, aqui
não reconhece ainda sua unidade com o espírito em si essente, escondi­
do na natureza; esta, pois, em uma relação de exterioridade com a nature­
za, não aparece como [sendo] tudo em tudo, mas apenas como um dos lados
da relação. Sem dúvida, em sua relação a Outro, também reflete sobre si; é
portanto consdênda-de-si, mas deixa ainda subsistir essa unidade da consciên-
d a e da consdênda-de-si como uma unidade tão exterior, vazia, superfidal,
que a consdênda-de-si e a consdência ainda também inddem, ao mesmo
tempo, uma fora da outra; e o espírito, não obstante seu “ser-junto-de-si",
está ao mesmo tempo não junto de si mesmo, mas junto de um Outro; e sua
unidade com o espírito essente-em-si, ativo no Outro, ainda não vem-a-ser
para ele. O espírito põe aqui a natureza como algo refletido-sobre-si-mesmo,
como o seu mundo; tira da natureza a forma de um Outro perante ele; faz
do Outro, que se lhe contrapõe, algo por ele posto. Mas, ao mesmo tempo,
permanece esse Outro ainda algo independente dele, algo imediatamente
presente; não posto pelo espírito, mas apenas pressuposto por ele, e assim
uma coisa tal que seu ser posto precede o pensamento reflexivo. Por isso,
desse ponto de vista, o ser posto da natureza pelo espírito não é ainda um
ser-posto absoluto, mas somente um ser-posto que tem lugar na consciência
reflexiva: a natureza, pois, nfto é ainda concebida [como] subsistindo só pelo

31
espírito infinito, enquanto criação dele. Por conseguinte, o espírito tem aqui
um limite na natureza, e precisamente por esse limite é espírito finito.
[3o] Ora, esse limite é suprassumido pelo espírito absoluto, que é a
terceira e suprema forma da manifestação do espírito. Nesse grau, desvanece
o dualismo de uma natureza autónoma, ou do espírito difundido no “fo-
ra-um-do-Outro”, de uma parte; e, de outra parte, do espírito que apenas
começa a tomar-se para si, mas não concebe ainda sua unidade com o
primeiro. O espírito absoluto se compreende como [sendo] ele mesmo
quem põe o ser, como produzindo ele mesmo o seu Outro, a natureza e
o espírito finito; de modo que esse Outro perde toda a aparência de au­
tonomia perante ele, deixa totalmente de ser um limite para ele, e aparece
apenas como o meio pelo qual o espírito chega ao absoluto ser-para-si, à
absoluta unidade de seu ser-em-si e de seu ser-para-si — de seu conceito
e de sua efetividade. JÃ mais elevada definição do absoluto é que o absoluto
não é simplesmente em geral o espírito, mas [sim] o espírito completamente
manifesto a si mesmo, o espírito consciente-de-si, infinitamente criador que
hã pouco designamos como a terceira forma do manifestar./ Assim como
na ciência avançamos das formas imperfeitas da manifestação do espírito
[que foram já] descritas, para sua forma suprema, assim também a história
mundial apresenta uma série de compreensões do etemo; no fecho das
quais, somente, surge o espírito absoluto. As religiões orientais — inclusive
a judaica — permanecem ainda no conceito abstrato de Deus e do espírito;
o que fàz até mesmo o Huminismo que só quer falar de Deus-Pai; porque
Deus Pai, por si mesmo, é o [ser] encerrado em si, o abstrato; assim não
é ainda o Deus espiritual, ainda não é o verdadeiro Deus. Na religião grega,
sem dúvida Deus começou a tomar-se manifesto de uma maneira deter­
minada A representação dos deuses gregos tinha por lei a beleza, a natureza
alçada ao espiritual. O belo não permanece um abstrato Ideal, mas em sua
idealidade é ao mesmo tempo perfeitamente determinado, individualizado.
No entanto, os deuses gregos são antes de tudo expostos somente para a
intuição sensível, ou ainda para a representação; não ainda [estão] com­
preendidos no pensamento. O elemento sensível, porém, só pode apresentar
a totalidade do espírito como um “fora-um-do-Outro”, como um círculo
de figuras espirituais individuais; por isso a unidade, que recolhe todas essas
figuras, permanece uma potência estranha, inteiramente indeterminada, que
se contrapõe aos deuses. Só pela religião cristã a natureza de Deus, una
em sua diferenciação, a totalidade do espírito divino, foi manifestada na
forma da unidade. Esse conteúdo, dado segundo o modo da representação,
a filosofia deve elevar à forma do conceito, ou do saber absoluto, o qual
— como foi dito — 6 a suprema manifestação daquele conteúdo.
Divisão

§ 385
O desenvolvimento do espírito é este:
Io) O espírito é na forma da relação a s i mesmo\ no interior dele
lhe advém a totalidade id e a l da ideia. Isto é: o que o seu
conceito é, vem-a-ser para ele; para ele, o seu ser é isto: ser
junto de si, quer dizer, ser livre. [E o] espírito subjetivo.
2o) [O espírito é] na forma da realidade como [na forma] de um
m undo a produzir e produzido por ele, no qual a liberdade
é como necessidade presente. [E o] espírito objetivo.
3o) [O espírito é] na unidade — essente em s i e p a ra s i e produ­
zindo-se eternamente — da objetividade do espírito e de sua
idealidade, ou de seu conceito: o espírito em sua verdade
absoluta. [E] o espírito absoluto.
Adendo: O espírito é sempre ideia; mas primeiro é só o conceito da ideia,
ou a ideia em sua indeterminidade, no modo mais abstrato da realidade, isto
é, no modo do ser. No começo temos somente a determinação completa­
mente universal, não desenvolvida do espírito; não ainda seu particular. Esse
particular, nós só obtemos ao passar de um para o outro, pois o particular
contém um [termo] e um Outro; mas no começo, justamente, ainda não
fizemos essa passagem. A realidade do espírito é assim, primeiro, uma rea­
lidade ainda totalmente universal, não particular. O desenvolvimento dessa
realidade só se implementa pela filosofia do espírito, em seu todo. Mas a
realidade ainda totalmente abstrata, imediata, é a naturalidade, a não espi­
ritualidade. Por essa razão, a criança está ainda aprisionada na naturalidade,
só tem impulsos naturais, não é ainda um homem espiritual segundo a efe­
tividade, mas só segundo a possibilidade ou o conceito. A realidade primeira
do conceito do espírito, por conseguinte, predsamente por ser ainda uma
realidade abstrata, imediata, pertencente à naturalidade, deve ser designada
como a mais incongruente para o espírito; enquanto a verdadeira realidade
deve ser determinada como a totalidade dos momentos desenvolvidos do
conceito; o qual permanece a alma, a unidade desses momentos.
Para esse desenvolvimento de sua realidade, o conceito do espírito vai
em frente, necessariamente; pois a forma da imediatez, da indeterminidade
que sua realidade inicialmente possui é uma forma que o contradiz: o que
parece estar presente, de modo imediato, no espírito não é algo verdadeira-
mente imediato, mus é em si algo posto, mediatizado. Por essa contradição,
o espírito é impelido a suprassumir o imediato, o Outro, com o qual ele se
pressupõe a si mesmo. Só mediante essa suprassunção o espírito chega a
si mesmo, surge como espírito. Por isso não se pode começar pelo espírito
enquanto tal, mas se deve começar por sua realidade mais incongruente.
O espírito é, sem dúvida, jã no começo, o espírito; mas não sabe ainda
que é isto. No começo, ele mesmo ainda não captou o seu conceito; mas
somente nós, que o consideramos, conhecemos seu conceito. Que o espírito
chegue a conhecer o que é, eis o que faz sua realização. Essencialmente, o
espírito é somente aquilo que ele sabe de si mesmo. Primeiro, é somente
espírito em si: seu vir-a-ser-para-si forma sua efetivação. Mas o espírito
só vem-a-ser para si porque se particulariza, se determina ou se faz sua
pressuposição — o Outro de si mesmo; antes de tudo, relaciona-se com
esse Outro como com sua imediatez, mas o suprassume enquanto Outro.
Enquanto o espírito está na relação a si mesmo como a um Outro, é so­
mente o espírito subjetivo, o espírito proveniente da natureza, e antes de
tudo ele mesmo é espírito-da-natureza. Porém, a atividade total do espírito
subjetivo tem em vista compreender-se como a si mesmo, demonstrar-se
como idealidade de sua realidade imediata. Se ele se elevou ao ser-para-si,
então não é mais simplesmente espírito subjetivo, mas espírito objetivo.
Enquanto o espírito subjetivo, por causa de sua relação a um Outro, ainda
é não livre, ou — o que é o mesmo — é livre somente em si, no espírito
objetivo chega ao ser-aí a liberdade, o saber do espírito sobre si mesmo
como livre. O espírito objetivo é pessoa, e tem como tal na propriedade
uma realidade de sua liberdade; porque na propriedade a Coisa é posta
como o que ela é, a saber, como algo não autónomo, e como algo que
essencialmente só tem a significação de ser a realidade da vontade livre
de uma pessoa e, por isso, de algo inviolável para qualquer outra pessoa.
Vemos aqui um subjetivo que se sabe livre, e ao mesmo tempo uma rea­
lidade exterior dessa liberdade: aqui chega, pois, o espírito ao ser-para-si;
a objetividade, do espírito [chega] ao seu direito. Saiu assim o espírito
da forma da simples subjetividade. A plena efetivação dessa liberdade,
na propriedade ainda incompleta, ainda formal — o acabamento da rea­
lização do conceito do espírito objetivo —, só é atingida no Estado, em
que o espírito desenvolve sua liberdade em um mundo posto por ele: no
mundo ético. Entretanto, também esse grau deve o espírito ultrapassar.
A falta dessa objetividade do espírito consiste em ser uma objetividade
somente posta. O mundo deve de novo ser deixado livre pelo espírito; o
que é posto pelo espírito deve ser apreendido, ao mesmo tempo, como
um essente imediato. Isso ocorre no terceiro grau do espírito, do ponto de
vista do espírito absoluto, isto é, da arte, da religião e da filosofia.

.10
§ 386
(As duas prim eiras partes da doutrina do espírito abrangem o
espírito fin ito J O espírito é a ideia infinita, e a finitude tem aqui
a significação da incongruência do conceito e da realidade com a
determ inação de que ela é o aparecer no seu interior. É um aparecer
que em s i o espírito se im põe com o um limite, a fim de que paru
si, pelo suprassumir desse limite, tenha e saiba a liberdade como
sua essência, isto é, que seja pura e simplesmente manifestado. Os
diversos graus dessa atividade, nos quais, enquanto [são] aparência,
é determ inação do espírito finito demorar-se, e percorrê-los, são
os graus de sua libertação, em cuja verdade absoluta é um a só e
a m esm a coisa encontrar-aí um m undo com o um m undo pressu­
posto, e engendrã-lo com o algo posto pelo espírito, e a libertação
do m undo e nesse m undo — [eis] um a verdade: é em direção da
forma infinita dessa verdade que a aparência se purifica, como em
direção do saber dessa verdade.
A determinação da fin itu d e é sobretudo fixada pelo entendimento,
em relação ao espírito e à razão; nesse contexto, não conta
apenas com o um a coisa do entendim ento, mas tam bém como
um assunto m oral e religioso, sustentar o ponto de vista da fi­
nitude com o um ponto de vista ultimo', enquanto, ao contrá­
rio, conta com o um a presunção do pensar, e m esm o como uni
desvario seu, querer ir além do ponto de vista da finitude.
N o entanto é, bem antes, a pior das virtudes tal modéstia do
pensar, que faz do finito algo pura e simplesmente fixo, um
absoluto’, e é o conhecim ento mais sem fundamento, sustentara?
naquilo que não tem seu fundam ento em si mesmo. A deter*
minação da fin itu d e foi, hã muito, explicada e discutida eni
seu lugar, na Lógica [Ia parte, § 94]. Aliás a Lógica, quanto ita
formas mais determ inadas — mas sem pre ainda simples — dti
finitude, assim com o as demais partes da filosofia quanto ás
formas concretas da finitude, só consiste em m ostrar que o
finito não / — quer dizer, não é o verdadeiro —, mas que é
pura e simplesmente um passar e um ir-além-de-si. Rsse finito
das esferas anteriores é a dialética pela qual tem seu perecer
mediante um Outo v e em um Outro; porém o espírito — o
conceito e o que é em si eterno —é o que em m m esm o rea*
liza esse aniquilar do [que é] nulo, esse esvaziar do [que é]
vão. A m odéstia [acima] m encionada é o sustentar desse vão,
do finito, contra o verdadeiro, e por isso é, ela mesma, algo
vão. Essa vaidade se produzirá no desenvolvimento do espírito
m esm o com o seu afundamento máximo em sua subjetivida­
de, e com o sua mais íntima contradição, e p or isso com o o
ponto-de-inflexão: com o o mal.

Adendo: O espírito subjetivo e o espírito objetivo são ainda finitos.


Mas é necessário saber que sentido tem a finitude do espírito. Habitual­
mente, representa-se a finitude como um limite absoluto, como uma
qualidade fixa, por cuja remoção o espírito deixaria de ser espírito; assim
como a essência das coisas naturais está ligada a uma qualidade deter­
minada, como por exemplo o ouro não pode ser separado de seu peso
específico; este ou aquele animal não pode ser sem garras, sem presas
etc. Na verdade, porém, não pode a finitude do espírito ser considerada
como uma determinação fixa, mas deve ser conhecida como um simples
momento; pois o espírito, como já foi dito antes, é essencialmente a ideia
na forma da idealidade, isto é, o ser-negado do finito. O finito tem assim
no espírito apenas a significação de algo suprassumido, não de um essente.
Por isso, a qualidade própria do espírito é antes a verdadeira infinitude,
isto é, aquela finitude que não se contrapõe unilateralmente ao finito, mas
o contém em si mesma, como um momento. Por conseguinte é uma
expressão vazia dizer: “há espíritos finitos”. O espírito, enquanto espírito,
não ê finito; ele tem a finitude em si mesmo, mas somente como uma
finitude a suprassumir e suprassumida. A determinação autêntica da fini­
tude — que não há que discutir aqui de maneira mais pormenorizada
— deve por enquanto ser indicada [dizendo] que o finito é uma realidade
não adequada ao seu conceito. Assim, o sol é algo finito, pois não pode
ser pensado sem Outro, jã que à realidade do seu conceito não pertence
simplesmente ele mesmo, mas todo o sistema solar. Sim, todo o sistema
solar é algo finito, porque cada corpo celeste tem a aparência de auto­
nomia nele mesmo, em relação ao outro, e como consequência essa
realidade conjunta não corresponde ainda ao seu conceito, ainda não
apresenta a mesma idealidade que é a essência do conceito. Só a reali­
dade do espírito é, ela mesma, idealidade; só no espírito se encontra, assim,
absoluta unidade do conceito e da realidade, portanto a infinitude verda­
deira. Jã [o fato de] que nós sabemos de um limite é prova do nosso
ser-além desse limite, [além] de nossa limitação. As coisas naturais são
finitas justamente porque seu limite não 6 presente para elas mesmas, miw

_____ ____________________________________________
só para nós que as comparamos umas com as outras. Fazemos de nós
mesmos algo finito pelo fato de acolhermos um Outro em nossa cons­
ciência. Mas justamente, enquanto sabemos desse Outro, estamos além
desse limite. Só o que não sabe é limitado, porque não sabe do seu limite;
ao contrário, quem sabe do seu limite sabe dele não como de um limite
de seu saber, mas como de algo que é sabido, como de algo que pertence
ao seu saber. Só o não sabido poderia ser um limite do saber; o limite
sabido, ao contrário, não é nenhum limite do saber. Saber seu limite
significa, pois, saber de sua ilimitação. Mas se o espírito é declarado como
ilimitado, como verdadeiramente infinito, nem por isso se deve dizer que
o limite, total e absolutamente, não está no espírito; antes, temos de
reconhecer que o espírito deve determinar-se portanto, [deve] finitizar-se,
limitar-se. Mas o entendimento está errado em considerar essa finitude
como uma finitude rígida — a diferença do limite e da infinitude como
uma diferença absolutamente fixa — e afirmar, por esse motivo, que o
espírito ou é limitado ou é ilimitado. A finitude, apreendida de modo
verdadeiro, está contida na infinitude, como foi dito; o limite, no ilimitado.
O espírito é, por isso, tanto infinito quanto finito, e nem é só um nem é
só o Outro: permanece infinito em sua finitização, porque suprassume em
si mesmo a finitude; nada nele é algo fixo, algo essente; mas, é antes,
tudo nele é apenas um ideal, algo que só aparece. Assim deve Deus, por
ser espírito, determinar-se, pôr em si mesmo a finitude (aliás, seria ele
apenas uma abstração morta, vazia); mas, jã que a realidade, que por
meio de seu autodeterminar-se ele se confere, é uma realidade perfeita­
mente conforme a ele, Deus não se torna por causa dela algo finito.
Assim, o limite não é em Deus e no espírito, mas é somente posto pelo
espírito para ser suprassumido. Só momentaneamente pode o espírito
parecer que permanece em uma finitude: mediante sua idealidade, o es­
pírito eleva-se acima dela, sabe do limite que não é um limite fixo. Por
isso vai além dele: dele se liberta; e essa libertação não é, como acredita
o entendimento, uma libertação jamais acabada, uma libertação apenas
visada sempre, até o infinito; ao contrário, o espírito arranca-se desse
progresso até o infinito, liberta-se absolutamente do limite do seu Outro,
e chega assim ao absoluto ser-para-si; faz-se verdadeiramente infinito.
p
‘Trimeira Seção
da rEdosojia do ‘Espírito

O ESPÍRITO SUBJETIVO
§ 387
O espírito, que se desenvolve na sua idealidade, é o espírito
enquanto cognoscente. Porém o conhecimento não é aqui apreendido
simplesmente tal como ele é a determinidade da ideia enquanto
lógica (§ 223): mas como o espírito concreto se determina em re­
lação a ele.
O espírito subjetivo é:
A) Em si ou imediato. Assim ele é a alma ou o espírito-da-natureza\
objeto da A ntropologia .
B) Para si ou mediatizado, ainda enquanto reflexão idêntica sobre
si e sobre o Outro: o espírito na relação ou particularização.
É a consciência, o objeto da F enomenologia do E spírito .
C) O espírito que se determina em si mesmo, enquanto sujeito para
si. É o objeto da P sicologia .
[Na alma, a consciência desperta\ a consciência se poe como razão,
que está desperta imediatamente para [ser] a razão que se sabe, e
que por sua atividade se libera para [ser] a objetividade, para [ser]
a consciência do seu conceito. \
Assim como, no conceito em geral, a determinidade que nele
se apresenta é uma progressão do desenvolvimento, assim tam­
bém no espírito cada determinidade em que ele se mostra é
momento do desenvolvimento, e na determinação progressiva
é avançar para a sua meta, [que] é fazer-se e tornar-se para
si o que é em si Cada grau é no interior desse seu processo;
e o seu produto é que para o espírito (isto é, para a forma de
espírito que tem nesse grau) ele seja o que no seu começo era
somente em si, ou para nós.
A maneira psicológica de considerar [as coisas], aliás a maneira
habitual, indica cm Ibrinu narrativa o que é o espírito ou a alma,

í í
o que sucede à alma, o que a alma fa z\ de modo que a alma é
pressuposta como sujeito [todo] pronto, em que as determina­
ções desse tipo vêm à luz apenas como exteriorizações a partir
das quais se deve conhecer o que é a alma — o que possui nela
como faculdades e potências; sem [se ter] consciência de que
a exteriorização do que ela é põe para ela em conceito aquilo
mesmo por que a alma atingiu uma determinação mais alta.
E preciso distinguir — e excluir — da progressão que se vai
considerar aqui o que é cultura e educação. Essa esfera sã
se refere aos sujeitos singulares como tais, [de modo] que o
espírito universal seja neles levado à existência. Na visão filo­
sófica do espírito como tal, ele próprio é considerado como
cultivando-se e educando-se conforme o seu conceito; e suas
exteriorizações, [consideram-se] como os momentos de seu
produzir-se mmo-a-si-rnesmo, de se concluir consigo mesmo:
só por meio disso é ele espírito efetivo.
Adendo: No § 385, distinguiu-se o espírito em mais três formas principais:
o espírito subjetivo, o objetivo e o absoluto; e ao mesmo tempo indicou-se
a necessidade [Notw.] da progressão do primeiro ao segundo, e deste para o
terceiro. Chamamos a forma do espírito, que devemos considerar primeiro,
o espírito subjetivo, porque aqui o espírito ainda está em seu conceito não
desenvolvido — não tomou ainda objetivo para si o seu conceito. Mas,
nessa sua subjetividade, o espírito ao mesmo tempo é objetivo, tem uma
realidade imediata; só mediante a suprassunção dela o espírito vem a ser
para si mesmo, alcança a si mesmo, a compreensão de seu conceito, de sua
subjetividade. Por isso se poderia dizer igualmente que o espírito é primeiro
objetivo e deve tornar-se subjetivo, como vice-versa, que é primeiro subjetivo
e tem de fàzer-se objetivo.>A. diferença entre espírito subjetivo e espírito
objetivo não deve, pois, ser vista como uma diferença rígida. Já no começo
temos de apreender o espírito não como simples conceito, como algo sim­
plesmente subjetivo, mas como ideia, como uma unidade do subjetivo e do
objetivo; e cada progressão desse começo consiste em um ultrapassar essa
primeira subjetividade simples do espírito, um progresso no desenvolvimento
da sua realidade ou objetividade. Esse desenvolvimento produz uma série
de figuras que, se devem na certa ser indicadas pela empirin, não podem,
ao contrário, na consideração filosófica, ficar colocadas exteriormente lado
a lado, mas têm de ser conhecidas como a expressão correspondente de
uma série necessária de conceitos determinados, e só têm in te r e ss e para o
p cn n u r filo s ó fic o n u m e d id a c m q u e e x p r im e m ta l a é r ie d e c o n c e it o s . O ra ,
d e in íc io s 6 p o d e m o s in d ic a r a s d ife r e n te s figuras do e s p ír ito s u b je tiv o n o
m o d o d e a ss e r ç ã o : s u a necessidade [N o tw .] só ressaltará mediante o de­
senvolvimento determinado desse [espírito].
As três íòrmas principais do espírito subjetivo são: I o) a alma, 2o) a
comdênda e 3o) o espírito como tal. Enquanto alma, o espírito tem a for­
ma da universalidade abstrata; enquanto consciência, a da particularização’,
enquanto espírito essente para si, a da singularidade^ Assim se apresenta
no seu desenvolvimento, o desenvolvimento do conceito. Por que [moti­
vo] as partes da Ciência correspondentes a essas três formas do espírito
subjetivo receberam o nome de Antropologia, Fenomenologia e Psicologia
no parágrafo precedente, isso será esclarecido a partir de uma indicação
preliminar mais precisa do conteúdo da ciência do espírito subjetivo.
O espírito imediato deve formar o começo de nossa consideração; ora,
esse espírito é o espírito-natureza, a alma. Caso se acredite que se deve
começar pelo simples conceito do espírito, comete-se um erro; pois, como
já se disse, o espírito é sempre ideia, portanto conceito efetivo. Mas no
começo o conceito do espírito ainda não pode ter a realidade mediatizada
que ele obtém no pensar abstrato; sem dúvida, sua realidade no começo
deve ser já uma realidade abstrata — pois só assim corresponde â idea­
lidade do espírito —, mas é necessariamente uma realidade ainda não
mediatizada, ainda não posta; por conseguinte, uma realidade essen­
te, estranha ao espírito, dada pela natureza. Devemos, pois, começar pelo
espírito ainda preso na natureza, referido à sua corporeidade, ainda não
essente junto a si mesmo, ainda não livre. Essa base do homem — se
podemos assim dizer — é o objeto da Antropologia. Nessa parte da ciência
do espírito subjetivo, o conceito pensado do espírito está somente em nós,
que o consideramos, e ainda não no objeto mesmo. O que aqui forma o
objeto de nossa consideração é o conceito simplesmente essente do espírito,
o qual ainda não apreendeu o seu conceito, ainda essente fora de si.
O que é primeiro na Antropologia é a alma determinada qualitativa­
mente, ligada a suas determinações naturais (aqui estão incluídas, por
exemplo, as diferenças raciais). [Saindo] desse “ser-um” imediato com a
sua naturalidade, entra a alma na oposição e luta com ela (aqui se situam
os estados do desvario e do sonambulismo).
A essa luta segue-se a vitória da alma sobre sua corporeidade; o re­
baixamento e o ser-rebaixado dessa corporeidade a um signo, à exposição
da alma. Assim, a idealidade da alma emerge em sua corporeidade; essa
realidade do espírito é posta idealmente, mas ainda de uma maneira, ela
mesma, corporal.

39
Ora, na Fenomenologia a alma se eleva, pela negação de sua corpo-
reidade, à pura identidade ideal consigo mesma; torna-se consciência,
torna-se Eu, é para si perante o seu Outro. Mas esse primeiro ser-para-si
do espírito está ainda condicionado pelo Outro, do qual o espírito
provém. O Eu está ainda completamente vazio, é uma subjetividade
totalmente abstrata; põe todo o conteúdo do espírito imediato fora de
sí, e a ele se refere como a um mundo pré-encontrado. Assim, o que
era inicialmente só o nosso objeto toma-se, na verdade, objeto para o
espírito mesmo; mas o Eu ainda não sabe que o que se lhe contrapõe
é o próprio espírito natural. Por isso, apesar de seu ser-para-si, o Eu ao
mesmo tempo não é para si, porque é somente em relação a Outro, a
um dado. [A liberdade do Eu, por conseguinte, é apenas uma liberdade
abstrata, condicionada, relativa. Na verdade, o espírito aqui não está mais
submerso na natureza, mas refletido sobre si e referido à natureza; no
entanto, ele sò aparece'. está somente em relação com a efetividade, ainda
não é espírito efetivo^Por isso chamamos a parte da ciência em que é
considerada essa forma do espírito a Fenomenologia. Ora, enquanto reflete
sobre si mesmo a partir de sua relação para com Outro, o Eu se toma
consciêncía-de-si. Nessa forma, o Eu se sabe inicialmente apenas como
o Eu não implementado, e [sabe] todo o conteúdo concreto como um
Outro. Aqui a atividade do Eu consiste em preencher o vazio de sua
subjetividade abstrata, em formar dentro de si o objetivo; e, ao contrá­
rio, em tomar objetivo o subjetivo. Assim fazendo, a consciência-de-si
suprassume a unilateralidade de sua subjetividade, [e] a partir de sua
particularidade, de sua oposição ao objetivo, chega à universalidade que
abarca os dois lados, e apresenta em si a unidade de si mesma com a
consciência. Com efeito, o conteúdo do espírito se toma aqui um con­
teúdo objetivo, como na consciência; e, ao mesmo tempo, um conteúdo
subjetivo, como na consciência-de-si.
Essa consciência-de-si universal é em si ou para nós Razão; mas só
na terceira parte da ciência do espírito subjetivo a razão se torna objetiva
para si mesma.
Essa terceira parte, a psicologia, considera o espírito como tal, o espírito
tal como no objeto se refere somente a si mesmo, e aí só tem a ver-se
com suas próprias determinações, [e] só apreende o seu próprio concei­
to. Assim chega o espírito à verdade; pois então a unidade do subjetivo
e do objetivo, que na simples alma é ainda imediata, ainda abstrata, se
restabelece pela suprassunção da oposição — que surge na consciência —
dessas determinações, como uma unidade mediatizada. A ideia do espírito,
assim, [saindo] da forma — que o contradiz — do conceito simples, t*
da separação — que o contradiz também — de seus momentos, chegou
à unidade mediatizada, e desse modo à efetividade verdadeira./
^Nessa figura, o espírito é razão essente para si mesmaj Espírito e razão
estão um para o outro em uma relação tal como o corpo e o peso, como
a vontade e a liberdade. A razão forma a natureza substancial do espírito;
ela é somente outra expressão para a verdade ou a ideia, que constitui a
essência do espírito; mas só o espírito como tal sabe que sua natureza é
a razão e a verdade. O espírito, que abrange os dois lados, a subjetividade
e a objetividade, põe-se então em primeiro lugar na forma da subjetivi­
dade: assim é inteligência; e em segundo lugar na forma da objetividade:
assim é a vontade. A inteligência, que também inicialmente não está, ela
mesma, preenchida, suprassume sua forma de subjetividade, inadequada ao
conceito do espírito — enquanto mede pelo padrão absoluto da razão o
conteúdo objetivo que se lhe contrapõe — ainda afetado pela forma do
ser-dado e da singularidade; faz penetrar nesse conteúdo a racionalidade,
configura nele a ideia, muda-o em algo concretamente universal, e assim
o acolhe em si mesma. Desse modo chega a inteligência [a saber] que
aquilo que sabe não é uma abstração, mas o conceito objetivo; e que,
de outro lado, o objeto perde a forma de um dado e recebe a figura de
um conteúdo pertencente ao espírito mesmo. Mas, quando a inteligência
atinge a consciência de que [é] de si mesma [que] ela retira o conteúdo,
toma-se o espírito prático, que só a si mesmo põe como fim; [torna-se]
a vontade que não começa, como a inteligência, por um singular dado
de íòra mas por um singular que sabe como o que é seu; em seguida,
refletindo-se sobre si a partir desse conteúdo — os impulsos, as inclina­
ções —, refere-o a um universal; e enfim se eleva ao querer do que é
em si e para si universal, da liberdade, do seu conceito. Chegando a essa
meta, o espírito tanto retomou ao seu começo, à unidade consigo mesmo,
como [também] avançou até a unidade absoluta consigo, a unidade ver­
dadeiramente determinada em si, uma unidade em que as determinações
não são determinações naturais, mas determinações conceituais.
A .

ANTROPOLOGIA

A Alma

§ 388
O espírito veio-a-ser como a verdade da natureza. Além de que na
ideia em geral esse resultado tem a significação da verdade, e antes,
do primeiro em relação ao precedente, o vir-a-ser ou o passar tem
no conceito a significação mais determinada do ju ízo livre. O espírito
que-veio-a-ser tem, pois, o sentido de que a natureza se suprassume
nela mesma como algo não verdadeiro; e que o espírito assim se
pressupõe como essa universalidade, não mais essente fora de si em
singularidade corporal, mas simples em sua concreção e totalidade;
[universalidade] em que ele é alma, [mas] não é ainda espírito.

§ 389
A alma não é imaterial só para si mesma, mas é a imateriali­
dade universal da natureza, a vida ideal simples da natureza. E a
substância, a base absoluta de toda a particularização e singulari-
zação do espírito, de modo que este tem nela todo o material de
sua determinação e ela permanece [como] sua própria idealidade
penetrante, idêntica. Más, nessa determinação ainda abstrata, a alma
é apenas o sono do espírito — o voGç ftassrvo de Aristóteles, que
segundo a possibilidade é tudo.

^ ............... - ...................... •— .. ■
A questão da imaterialidade da alma só poderá ter ainda al­
gum interesse se for representada de um lado a matéria como
algo verdadeiro e, de outro lado, o espírito como uma coisa.
Mas nos tempos modernos, mesmo para os físicos, a matéria
tornou-se-lhes rarefeita entre as mãos; eles chegaram a ele­
mentos imponderáveis, como calor, luz etc., entre os quais se
poderiam facilmente contar espaço e tempo também. Esses
imponderáveis, que perderam a propriedade — característica
da matéria — do peso e em certo sentido também a capacida­
de de opor resistência, ainda têm contudo um ser-aí sensível,
um ser-fora-de-si; â matéria-vital\ porém, que se pode também
encontrar enumerada entre esses imponderáveis, falta não só o
peso, mas também qualquer outro ser-aí, pelo qual pudesse ser
contada ainda como algo material. De fato, na ideia da vida já
está suprassumido, em si[ o ser-fora-de-si da natureza; e contudo
o conceito, a substância da vida, só é como subjetividade; de
tal modo que a existência ou a objetividade ainda compete, ao
mesmo tempo, àquele ser-fora-de-si. Mas no espírito — enquan­
to é o conceito cuja existência não é singularidade imediata,
mas é a negatividade absoluta, a liberdade, de modo que o
objeto ou a realidade do conceito é o conceito mesmo — o
ser-fora-de-si que constitui a determinação fundamental du
matéria está totalmente sublimado na idealidade subjetiva do
conceito, na universalidade. O espírito é a verdade existente da
matéria, [de modo] que a matéria não tem verdade alguma.
Uma questão conexa com isso é a da comunidade da alma e da
corpo. Essa comunidade era admitida como fa to , e tratava-se
apenas de como se havia de concebê-la. Pode-se considerar
por resposta habitual que [tal comunidade] é um mistério
inconcebível. Pois, de fato, se os dois [termos] se pressupõem
como absolutamente autónomos um em relação ao outro, são tilo
impenetráveis mutuamente como cada matéria é impenetrável
para uma outra e somente em seu não-ser recíproco — em
seus poros — pode ser encontrada. Foi assim que Epicuro as-
signou aos deuses sua morada nos poros mas, coerentemente,
não lhes impôs nenhumu comunidade com o mundo. Não
se vê como tendo N mesma significação que esta resposta, a

áft
que todos os filósofos deram desde que essa relaçfio [corpo v
alma] se tornou um a questão. Descartes, Malebranchc\ Espuma,
Leibniz, todos eles designaram Deus com o essa relação» e isso
no sentido em que a finitude da alma e a m atéria são som ente
determ inações ideais, um a em relação à outra, e não têm ver­
dade alguma; de m odo que Deus, para aqueles filósofos, não é
simplesmente — com o muitas vezes é o caso — outra palavra
para aquela incompreensibilidade, mas é antes apreendido com o
sua única identidade verdadeira. N o entanto, essa identidade é
ora demasiado abstrata, com o a identidade espínosista; ora,
com o a m ônada das m ônadas leibniziana, é decerto identida­
de criante, mas só enquanto judicante-, de m odo que se chega
a um a diferença entre a alma e o corpóreo, o material; mas a
identidade é apenas com o cópula do juízo, e não avança até o
desenvolvimento e o sistema do silogismo absoluto.

Adendo: Na Introdução â Filosofia do Espírito, fizemos ressaltar como


a própria natureza suprassume sua exterioridade e singularização — sua
materialidade — como algo não-verdadeiro, não conforme ao conceito
nela imanente, e, acedendo assim à imaterialidade, passa ao espírito. Por
esse motivo no parágrafo acima o espírito imediato, a alma, foi deter­
minado como não simplesmente imaterial para si mesmo, mas como a
imaterialidade universal da natureza; e ao mesmo tempo como substância,
como unidade do pensamento e do ser. Essa unidade jã constitui a intui­
ção fundamental do orientalismo. A luz, que era considerada na religião
persa como o absoluto, tinha a significação tanto de algo espiritual como
de algo físico. Espinosa compreendeu mais determinadamente aquela
unidade como a base absoluta de tudo. Por mais que o espírito possa
retirar-se em si mesmo, colocar-se no último ápice de sua subjetividade,
apesar disso está em si naquela unidade. Mas não pode permanecer nela,
[pois] só chega ao absoluto ser-para-si, â forma que lhe é perfeitamente
adequada, porque desenvolve de maneira imanente a diferença, que na
substância é ainda simples, em uma diferença, efetiva, e reconduz essa
diferença â unidade. Só assim ele se arranca do estado de sono — no
qual se encontra, enquanto alma —, pois na alma a diferença ainda está
envolvida na forma da indiferenciação e por conseguinte da inconsciência.
O defeito da filosofia de Espinosa consiste exatamente em que a substân­
cia não progride nela até seu desenvolvimento imanente: o multiforme só
de maneira exterior advém à substância. O voOç de Anaxágoras contém

44
ii mesma unidade do pansamcnlo c do ser; porém esse poOç chegou a
um desenvolvimento próprio ainda menos que a substância espinosistn.
() panteísmo em geral nflo fitz a passagem para a articulação e a sis­
tematização, Onde ele aparece na forma da representação é uma vida
cambaleando, um intuir bacãntico, que não deixa as figuras singulares
do universo se destacarem articuladas, mas submerge-as sempre de novo
no universal, impele-as para o sublime e o descomunal. Entretanto, paru
qualquer coração sadio, essa intuição forma um ponto de partida natural,
Particularmente na mocidade — graças a uma vida que anima a tudo o
que nos rodeia, como a nós mesmos — nós nos sentimos irmanados c
em simpatia com toda a natureza, e temos, por isso, uma sensação da
alma do mundo, da unidade do espírito e da natureza, da imaterialidade
desta última.
Quando porém nos afastamos do sentimento e avançamos para a
reflexão, a oposição da alma e da matéria, do meu Eu subjetivo e de aua
corporeidade, torna-se para nós uma oposição fixa; e a relação recíproca
do corpo e da alma toma-se uma influência mútua de [seres] autóno­
mos. A habitual consideração fisiológica e psicológica não sabe superar
a imobilidade rígida dessa oposição. Nesse caso contrapõe-se com abso­
luta rudeza ao Eu enquanto é o absolutamente simples, ao Uno, a esse
abismo de todas as representações, a matéria enquanto é o múltiplo* o
composto; e a resposta à questão de como esse múltiplo está unido com
aquele Uno abstrato é declarada naturalmente impossível.
A imaterialidade de um dos lados dessa oposição, a saber, [a] da
alma, admite-se facilmente. Mas seu outro lado, o ser material, do ponto
de vista do pensar puramente reflexivo, permanece para nós como algo
de fixo, como algo que admitimos tanto como a imaterialidade da alma;
de modo que atribuímos ao material o mesmo ser que ao imaterial,
e sustentamos os dois como igualmente substâncias e absolutos. Essa
maneira-de-considerar prevalecia também na antiga metafísica. Por mais
que ela fixasse a oposição do material e do imaterial como uma oposição
insuperável, de outro lado ela a suprimia de maneira inconsciente, ao fazer
da alma uma coisa: por conseguinte, algo na verdade totalmente abstrato,
mas, igualmente, logo determinado segundo relações sensíveis. Isso fazia
aquela antiga metafísica; [Io] porque, através de sua questão sobre a sede
da alma, a situava no espaço; [2 o] igualmente, através da questão sobre o
surgir e o desaparecer da alma, era por isso a alma colocada no tm po\
[3o] e em terceiro lugar na questão sobre as propriedades da alma, porque
então a alma é considerada como um ser em repouso, fixo, como um
ponto de conexão dessas determinações. Também Leibniz considerava a

45
alma como uma coisa, fazendo dela, como de tudo o mais, uma mônada.
A mônada é um ser igualmente em repouso como uma coisa, e toda
a diferença entre a alma e o [ser] material consiste, segundo Leibniz,
somente em que a alma é uma mônada algo mais clara, mais desenvol­
vida que o resto da matéria — [eis] uma representação em que o [ser]
material é sem dúvida exaltado, porém a alma é mais degradada em um
[ser] material do que diferenciada dele.
A Lógica especulativa já nos eleva acima de toda essa maneira pu­
ramente reflexiva de considerar, enquanto mostra que todas essas deter­
minações aplicadas à alma — como coisa, simplicidade, indivisibilidade,
Uno — não são, tomadas abstratamente, algo verdadeiro, mas se mudam
no seu contrário. Porém a filosofia do espírito desenvolve essa prova da
inverdade de tais categorias do entendimento, ao demonstrar como, por
meio da idealidade do espírito, todas as determinações fixas são nele
suprassumidas.
No que concerne ao outro lado da oposição em pauta, a saber, a
matéria, são vistas como sua determinação fixa, como já foi notado, a
exterioridade, a singularização, a pluralidade; e, por isso, a unidade desse
múltiplo é explicada como um laço superficial, como uma composição, e
portanto todo [ser] material como dissociãvel. Sem dúvida deve-se admitir
que, enquanto no espírito a unidade concreta é o essencial, e o múltiplo
uma aparência, na matéria tem lugar o inverso; [eis] algo de que a velha
metafísica jã mostrava um pressentimento, quando perguntava se o [que
era] primeiro no espírito era o uno ou o múltiplo. Mas que a exteriori­
dade e multiplicidade da matéria não possa ser superada pela natureza
é uma pressuposição que nós temos, de nosso ponto de vista, do ponto
de vista da filosofia especulativa, deixada aqui há muito tempo para trás
como uma pressuposição nula. A filosofia da natureza nos ensina como
a natureza suprassume gradualmente sua exterioridade; como a matéria,
jã pelo peso, refuta a autonomia do singular, do múltiplo; e como essa
refutação, iniciada pelo peso, e ainda mais pela luz simples, indissociável, é
consumada pela vida animal, pelo ser-que-sente; porque esse nos revela a
onipresença da alma una em todos os pontos de sua corporeidade e, por
conseguinte, o ser-suprassumido do fora-um-do-outro da matéria. Enquanto
desse modo tudo o que é material é suprassumido pelo espírito essente
em si, operante na natureza, e [enquanto] essa suprassunção se consuma
na substância da alma, a alma emerge como a idealidade de tudo o que é
material, como toda a imaterialidade, de modo que tudo o q u e s e chama
m a té r ia — por mais que simule autonomia ante a r e p r e s e n t a ç ã o —* é
c o n h e c i d o c o m o a lg o que-não-tem-autonomia a n t e o e s p ír ito .
A oposição da alma e do corpo deve ser feita, com certeza. Assim
como a alma universal indeterminada se determina, se individualiza; as­
sim como o espírito, justamente por isso, toma-se consciência, e marcha
necessariamente nessa direção, assim [também] ele se situa no ponto de
vista da oposição de si mesmo e de seu Outro: seu Outro se lhe afigura
como algo real, como algo exterior a ele e a si mesmo, como algo material.
Desse ponto de vista, a questão sobre a possibilidade da comunidade da
alma e do corpo é totalmente natural. Se alma e corpo são absolutamente
opostos um ao outro, como afirma a consciência de entendimento, nenhuma
comunidade entre os dois é possível. Ora, a velha metafísica reconhecia
essa comunidade como um fato inegável; por isso se questionava como
podia ser resolvida a contradição de que [seres] absolutamente autónomos,
essentes-para-si, estivessem contudo em unidade um com o outro. Em tal
exposição da questão, sua resposta era impossível. Mas justamente es­
sa exposição deve ser conhecida como inadmissível; pois na verdade o
imaterial não se relaciona com o material como particular a particular, e
sim como o verdadeiro Universal, que pervade a particularidade, se relaciona
com o particular: o material e sua particularização não têm verdade alguma,
autonomia alguma, diante do imaterial. Aquele ponto de vista da separação,
por conseguinte, não pode ser considerado como um ponto de vista último,
absolutamente verdadeiro. Antes, a separação do material e do imaterial só
pode explicar-se [partindo] da base da unidade originária dos dois. Na fi­
losofia de Descartes, Malebranche e Espinosa, por esse motivo se retoma
a tal unidade do pensar e do ser, do espírito e da matéria, e essa unidade
é posta em Deus. Dizia Malebranche: “Vemos tudo em Deus”. Malebranche
considerava Deus como a mediação, como o meio positivo entre o pensante
e o não-pensante, e na verdade enquanto o ser imanente, permeante, em
que os dois lados são suprassumidos; por conseguinte, não como um terceiro
[termo] ante dois extremos, que teriam, eles mesmos, uma efetividade, pois
de outro modo surgiria de novo a questão: “Como esse terceiro [termo]
se reuniria com esses dois extremos?”. Mas enquanto, para os filósofos men­
cionados, a unidade do material e do imaterial é posta em Deus — que se
deve apreender essencíalmente como espírito — eles quiseram dar a co­
nhecer que essa unidade não se pode considerar como um neutro, em que
os dois extremos, de igual significação e autonomia, se juntassem. Com
efeito, o material absolutamente só tem o sentido de um negativo em relação
ao espírito e em relação a si mesmo, ou — como se exprimiam Platão c
outros filósofos antigos — deve ser designado como “o Outro de si mesmo”;
uo contrário, a n a tu r e z a do espírito deve ser conhecida como o positivo,
o e s p e c u la tiv o , p o r q u e o e s p ír ito atravessa liv r e m e n te o m a te r ia l n flo a u tó -

íí
nomo diante dele, pervade esse seu Outro e não o deixa valer como um
Real verdadeiro, mas o idealiza e rebaixa a algo mediatizado.
O materialismo se contrapõe a essa compreensão especulativa da oposi­
ção do espírito e da matéria, [pois] apresenta o pensar como um resultado
do [ser] material [e] deriva do múltiplo a simplicidade do pensar. Nada há
mais insuficiente que as análises efetuadas nos escritos materialistas sobre
as relações e conexões variadas, por meio das quais seria produzido um
resultado tal como o pensar. No caso se desconhece totalmente que, como
a causa se suprassume no efeito, o meio no fim realizado, assim aquilo de
que o pensar deve ser o resultado está, antes, suprassumido no pensar; e que
o espírito, enquanto tal, não é produzido por um Outro, mas se faz passar
a si mesmo de seu ser-em-si ao ser-para-si — de seu conceito à efetividade
— e faz daquilo, deve ser posto, algo posto por ele. Por conseguinte, deve-se
reconhecer no materialismo a tendência entusiasta de ultrapassar o dualismo
que admite dois mundos de espécie diferente como igualmente substanciais
e verdadeiros; e a suprassumir esse dilaceramento do Uno originário.

§ 390
Primeiro a alma é
a) em sua determ inidade natural, im ediata — a alm a apenas
essente, a alma natural;
b) a alma entra, com o individual, na relação com esse seu ser
imediato, e é nas determ inidades dele, abstratam ente para s i
mesma — a alma que-sente\
c) esse m esm o [ser], enquanto é sua corporeidade, está nela
configurado; e a alma está nele com o alma efetrva.
Adendo: A primeira parte da Antropologia, apresentada neste parágrafo,
que abrange somente a alma essente, natural, se divide por sua vez em tris
seções. Na primeira seção temos de tratar da substância ainda totalmente
universal, imediata, do espírito, do simples pulsar, do simples mover-se em
si da alma. Nessa primeira vida espiritual ainda não foi posta nenhuma
diferença, nem da individualidade em contraste com a universalidade, nem
da alma em contraste com o [ser] natural. A vida simples tem sua explici­
tação na natureza e no espírito; como tal, ela mesma é apenas, ainda não
tem ser-aí nenhum, nenhum ser determinado, nenhuma particularização,
nenhuma efetividade. Mas, assim como na Lógica o ser deve passar para o
ser-aí, assim também a alma necessariamente avança de sua indeterminídade
à determinidade. Essa determinidade tem primeiro, como se notou antes, a
forma da naturalidade. Porém, há que apreender a determinidadc-mitural da

it
alma como totalidade, como imagem do conceito. O que é primeiro aqui
são, pois, as determinações qualitativas totalmente universais da alma. Disso
fazem parte, nomeadamente, as diversidades raciais do gênero humano, tanto
físicas como espirituais, assim como as diferenças dos espíritos nacionais.
Essas particularizações universais situadas umas fora das outras — e
isso forma a transição para a seção segunda — são recuperadas na unidade
da alma, ou, o que é o mesmo, conduzidas à singularização. Assim como
a luz se estilhaça em uma multidão infinita de estrelas, assim também a
alma universal da natureza se estilhaça em uma multidão infinita de almas
individuais; com uma única diferença: enquanto a luz tem a aparência de
uma subsistência independente das estrelas, a alma universal da natureza
chega à efetividade simplesmente nas almas singulares. Ora, enquanto a s
qualidades naturais, que incidem umas fora das outras, e foram consideradas
na seção primeira, são recuperadas na unidade da alma singular do homem,
como foi dito acima, elas recebem, em lugar da forma da exterioridade, a
figura das mudanças naturais do sujeito individual que nelas persiste. Essas
mudanças, igualmente e simultaneamente espirituais e físicas, emergem
no curso das idades da vida. Aqui, a diferença deixa de ser uma diferença
exterior. Porém, na relação dos sexos, a diferença se toma particularização
efetiva, (posição real do indivíduo em relação a si mesmo. Daqui, entra a
alma em geral na oposição a suas qualidades naturais, a seu ser universal,
que precisamente por isso é rebaixado ao Outro da alma, a um simples
lado, a um estado transitório, a saber, ao estado do sono. Assim se produz o
despertar natural, o despontar [matinal] da alma Mas aqui, na Antropologia,
não temos ainda a considerar o preenchimento que compete à consciência
desperta, mas sim o ser-desperto somente enquanto é um estado natural.
A partir dessa relação da oposição ou da partiadarização real a alma agora,
na terceira seção, retoma à unidade consigo, porque retira de seu Outro também
a fixidez de um estado, e o dissolve em sua identidade. Assim a alma avançou
da singularidade simplesmente universal e apenas essente-em-si à singularidade
efetiva essente para-si e, precisamente por isso, à sensação. De início, temos no
mente de tratar da forma do sentir. O que a alma sente, há que determinar-se
só na segunda parte da Antropologia. A passagem a essa parte, estabelece-a a
extensão da sensação, dentro de si mesma, até a alma que pressente.

a — A alma natural
§ 391
A alma universal n f lo d e v e s e r f ix a d a c o m o alma do mundo, c o m o
s e f o s s e u m s u j e it o , p o i s é a p e n a s a substância u n iv e r s a l , q u e s ó t e m

4V
\

sua verdade efetiva com o singularidade, subjetividade. M ostra-se, as­


sim, com o alma singular; mas, imediatam ente, só com o alma essente,
que tem nela determ inidades da natureza. Essas têm, p o r assim
dizer, por trás de sua idealidade, existência livre, isto é, são objetos
naturais para a consciência, mas a alma enquanto tal não se refere
a eles com o a objetos naturais exteriores. A alma tem, antes, nela
mesm a essas determ inações com o qualidades naturais.

Adendo: Em contraste com o macrocosmo da natureza em conjunto,


pode-se designar a alma como o microcosmo, no qual aquele se condensa
e suprassume seu “ser-fora-um-do-outro” As mesmas determinações, que
aparecem na natureza exterior como esferas deixadas em liberdade, estão
como uma série de figuras autónomas rebaixadas na alma à simples quali­
dade. A alma está no meio, entre a natureza que jaz atrás dela e o mundo
da liberdade ética — mundo que se elabora a partir do espírito-da-natureza.
Assim como as determinações simples da vida da alma têm, na vida
universal da natureza, sua imagem despedaçada no fora-um-do-outro,
assim [também] o que tem no homem singular a forma de algo subjetivo,
de um impulso particular, e está nele inconscientemente como um ser,
desdobra-se no Estado em um sistema de diferentes esferas de liberdade
— em um mundo criado pela razão humana consciente-de-si.

1°) Qualidades naturais


§ 392
O espírito: 1) convive em sua substância, na alma natural, com
a vida universal do planeta, a diferença dos climas, a alternância
das estações, das partes do dia etc.: um a vida natural que nele só
chega, em parte, a hum ores sombrios.
Nos tem pos modernos, falou-se m uito de uma vida cósmica sideral
telúrica, do hom em . O animal vive essencialmente nessa simpatia;
seu caráter específico, assim com o seus desenvolvimentos particula­
res, se conectam com ela; totalmente, em muitos casos; sempre,
mais ou menos. N o hom em , conexões sem elhantes perdem tanto
mais im portância quanto mais é cultivado; e quanto, p or isso, seu
estado total mais se estabelece sobre um a base espiritual. A história
mundial está tão pouco em conexão com as revoluções no sistema
solar quanto os destinos dos singulares o estão com as posições

M ■ - ................... — •
dos planetas. A diferença dos climas contém um a determ inidade
mais firme e mais poderosa. Mas às estações, às partes do dia, só
correspondem os hum ores mais fracos, que só podem evidenciar-se
sobretudo nos estados m órbidos a que pertence a demência, na
depressão da vida consciente-de-si.
N o meio da superstição dos povos e dos desvarios dos entendi­
m entos fracos, encontram -se nos povos que m enos progrediram na
liberdade espiritual, e portanto ainda vivem mais em união com a
natureza, tam bém algumas conexões efetivas; e, fundando-se sobre
elas, previsões que parecem prodigiosas, de situações e dos acon­
tecim entos que a elas se ligam. M as com a liberdade de espírito,
que mais profundam ente é cônscia de si, desvanecem tam bém essas
poucas e insignificantes disposições, que se fundam na convivência
com a natureza. A o contrário, o animal, com o a planta, perm anece
subjugado a ela.

Adendo: Do parágrafo precedente e do Adendo a ele [anexo], e v id e n ­


cia-se que a vida universal da natureza é também a vida da alma [e ] q u e
esta convive, em simpatia, com aquela vida universal. Caso se q u e ir a fa z e r
dessa convivência da alma com o universo inteiro o objeto s u p r e m o d a
ciência do espírito, é isso um erro completo. Pois a atividade d o e s p ír ito
essencialmente consiste justamente em elevar-se acima do e s ta r -p r is io n e ir o
na simples vida natural, em apreender-se em sua autonomia, em s u b m e t e r
o mundo ao seu pensar, em criã-lo a partir do conceito. Por is s o , n o e s ­
pírito a vida universal da natureza é apenas um momento c o m p le t a m e iU c
subordinado; as potências cósmicas e telúricas são dominadas p o r e le , e
só podem produzir nele um humor insignificante,
A vida universal da natureza é então, em primeiro lugar, a vidu do
sistema solar em geral; e, em segundo lugar, a vida da terra em que
aquela vida recebe uma forma mais individualizada.”
No que toca à relação da alma com o sistema s o la r , p o d e - s e n o ta r
que a astrologia liga os destinos do gênero humano e dos S in g u la r e s c o m
as figurações e posições dos planetas (assim c o m o n a é p o c a m o d e r n a s e
considerou o mundo em geral como u m e s p e lh o d o e s p ír ito , n o s e n tid o
em que se poderia e x p lic a r o e s p ír ito a p a r tir d o m u n d o ) . O c o n t e ú d o
da astrologia h á q u e r e je ita r -se c o m o s u p e r s t iç ã o ; n o e n t a n t o c a b e ã
c iê n c ia in d ic a r a r a z ã o d e te r m in a d a d e s s a r e je iç ã o . E s s a r a z ã o n ã o d e v e
s e r s im p le s m e n t e p o s ta e m q u e o s p la n e ta s e s ta r ia m lo n g e d e n ó s e s e ­
r ia m c o r p o s , m a s n o fa to d e q u e a v id a p la n e tá r ia d o s is t e m a s o la r é

ãá
\

somente uma vida do movimento; com outras palavras, é uma vida em que
o espaço e o tempo constituem o determinante; pois espaço e tempo
são os momentos do movimento. As leis do movimento dos planetas são
determinadas exclusivamente pelo conceito do espaço e do tempo; por
isso, o movimento absolutamente livre tem nos planetas sua efetividade.
Mas já no [ser] fisicamente individual esse movimento abstrato é algo
totalmente subordinado; o individual em geral faz para si mesmo seu
espaço e seu tempo — sua mudança é determinada por sua natureza
concreta. O corpo animal chega a uma maior autonomia que aquilo que
é fisicamente individual simplesmente: seu desenvolvimento tem um curso
totalmente independente do movimento dos planetas; uma duração de
vida que não é determinada por eles; sua saúde, como o curso de sua
doença, não depende dos planetas: as febres periódicas, por exemplo, têm
sua própria medida determinada — neles, o determinante não é o tempo
como tempo, mas o organismo animal. Ainda mais, para o espírito, não
têm nenhuma significação, e nenhum poder, as determinações abstratas do
espaço e do tempo; nem [tampouco] o livre mecanismo: as determinações
do espírito consciente-de-si são infinitamente mais sólidas, mais concretas
que as determinações abstratas do “ao-lado-um-do-outro” [do espaço] e
do “depois-um-do-outro” [do tempo]. O espírito, enquanto corporificado,
está sem dúvida em determinado lugar e em determinado tempo; mas,
apesar disso, esta elevado sobre espaço e tempo. Certamente, a vida do
homem é condicionada por uma medida determinada de distância da terra
ao sol; ele não poderia viver também numa maior distância do sol, como
não poderia viver numa distância menor; contudo a influência sobre o
homem da posição da terra em relação ao sol não vai além disso.
Também as relações propriamente terrestres: o movimento, que se
perfaz em um ano, da terra em volta do sol, o movimento cotidiano
da terra sobre si mesma, a inclinação do eixo da terra sobre a trajetória
do [seu] movimento em tomo do sol — todas essas determinações, que
pertencem â individualidade da terra, sem dúvida não são sem influên­
cia sobre o homem; mas para o espírito como tal não têm importância.
Por isso a Igreja jã rejeitou, com razão, como supersticiosa e não ética, a
crença em um poder exercido sobre o espírito humano por aquelas rela­
ções terrestres e pelas relações cósmicas. O homem deve olhar-se como
livre das relações naturais; mas naquela superstição considera-se o homem
como ser natural. Deve-se, por isso, também declarar nula a tarefa dos que
se afadigaram em harmonizar as épocas nas evoluções da Terra com as
épocas da história humana; em descobrir a origem das religiões e de seus
símbolos no domínio astronómico, e depois também no domínio Adiço, e


que com isso caíram na armadilha de acreditar sem base nem fundamento
que, assim como o equinócio avançou de Touro para Aries, o cristianismo
como veneração do Cordeiro teve de suceder ao culto de Apis.
Mas, no que concerne à influência efetivamente exercida sobre o h o ­
mem pelas relações terrestres, aqui ela só pode ser discutida segundo seus
momentos principais, porque o particular [que há] nele pertence à história
natural do homem e da terra. O processo do movimento da terra recebe,
nos momentos do ano e do dia, uma significação física Essas mudanças
afetam, com certeza o homem: o simples espírito-da-natureza a alma passa
pelos humores dos momentos tanto do ano como do dia. Porém, enquanto
as plantas estão completamente ligadas à mudança das estações do ano, e
até os animais são inconscientemente dominados por ela e instintivamente
impelidos ao acasalamento, e alguns à migração, a mudança de estação
não produz na alma do homem nenhuma excitação a que esteja submeti­
do sem sua vontade. A disposição [própria] do inverno é a disposição d o
retomar para dentro de si, do recolher-se; da vida familiar e da veneração
dos Penates. Ao contrário, no verão, estamos particularmente estimulados a
viajar, gostamos de sair ao ar livre; o povo simples se apresta a peregrinar
No entanto, nem essa vida-familiar mais íntima, nem esse peregrinar e via­
jar possuem algo de simplesmente instintivo. As festividades cristãs estão
postas em conexão com a mudança das estações: a festa da Natividade
de Cristo é celebrada no tempo em que o sol parece surgir de novo; a
ressurreição de Cristo está situada no começo da primavera, no período
do despertar da natureza. Porém, essa união do religioso com o natural
não é igualmente feita por instinto, mas feita com consciência.
Quanto às fases da lua, elas têm, mesmo sobre a natureza física d o
homem, uma influência limitada. Foi mostrada uma influência desse tip o
nos loucos; mas neles reina também a violência da natureza, não o liv r e
espírito. Além disso, os momentos do dia, sem dúvida, levam c o n s ig o
uma disposição peculiar da alma; os homens de manhã estão de outro
humor que de tarde. De manhã reina a seriedade, o espírito está aindu
mais em identidade consigo e com a natureza. O dia pertence ao o p o s t o ,
ao trabalho. De tarde, predomina a reflexão e a fantasia. A meia-noite, o
espírito retoma das dispersões do dia a si mesmo, está sozinho consigo,
inclina-se às meditações. Depois da meia-noite, [é que] morre a maioria
dos homens; a natureza humana não deseja então começar ainda um n o v o
dia. Os momentos do dia estão também em certa relação com a v id a
pública dos povos. A s asscmhlcias-do-povo dos antigos, que eram, m a ia
do que nós, a tr a íd o s p e la n a tu r e z a , o c o r r ia m d e manhã; a o c o n tr á r io , o s
d e b a te s p a r la m e n ta r e s n a In g la terra , d e a c o r d o c o m o c a r á te r in tr o v e r tid o
dos britânicos, começam pela tarde e às vezes avançam noite adentro.
Porém, as aludidas disposições da alma, suscitadas pelos momentos do dia,
modificam-se pelo clima: nas terras quentes, por exemplo, ao meio-dia as
pessoas se sentem mais inclinadas ao descanso que à atividade. Tendo em
vista a influência das mudanças meteorológicas, pode-se notar o seguinte:
nas plantas e animais aparece claramente o sentir daqueles fenômenos por
simpatia [Mitempíindem]. Assim os animais sentem antecipadamente as
tempestades e os terremotos, isto é, sentem mudanças da atmosfera que ainda
não chegaram para nós como fenômeno. Assim também hã homens que
sentem nas feridas mudanças de tempo, das quais nada mostra o barómetro;
o lugar fragilizado, que a ferida forma, permite uma maior suscetibilidade à
violência-da-natureza. Assim, o que é determinante para o organismo tem
também importância para espíritos fracos e é sentido como ação eficiente.
Até mesmo povos inteiros, os gregos e os romanos, fizeram suas decisões
dependentes dos fenômenos naturais, que lhes pareciam estar unidos às
alterações meteorológicas. E sabido que não consultavam simplesmente os
sacerdotes, mas também as entranhas e a comida dos animais, nos conselhos
e negócios do Estado. No dia da batalha de Plateia, por exemplo, em que
se tratava da liberdade da Grécia, talvez da Europa toda, da resistência ao
despotismo oriental, Pausânias se atormentou durante toda a manhã acerca
de bons sinais nos animais sacrificados. Isso parece em completa contradição
com a espiritualidade dos gregos na arte, na religião e na ciência; mas pode
explicar-se muito bem do ponto de vista do espírito grego. E próprio aos
modernos, em tudo que a prudência fàz aparecer como conveniente nessa e
naquela circunstância, decidir-se por si mesmo; os indivíduos privados, tanto
como os príncipes, decidem por si mesmos: a vontade subjetiva, entre nós,
deslinda todas as razões da reflexão e se determina ao ato. Ao contrário,
os antigos que ainda não tinham chegado a essa potência da subjetividade,
a essa força da certeza deles mesmos, deixavam-se determinar em seus ne­
gócios por oráculos, por fenômenos exteriores, em que buscavam garantia
e confirmação de seus projetos e intenções. Então, no que particularmente
respeita ao caso da batalha o que aí importa não é simplesmente o senso
ético, mas também o humor da vivacidade, o sentimento da força física.
Contudo, entre os antigos essa disposição era ainda de maior importância
que entre os modernos, nos quais a disciplina do exército e o talento do
general são o principal; enquanto inversamente, nos antigos, que ainda
viviam mais na unidade com a natureza, a valentia dos Singulares, a cora­
gem, que tem sempre por sua fonte algo de físico, contribuía no máximo
para a decisão da batalha. Ora, o humor da coragem está ligado a outras
d is p o s iç õ e s físicas, por exemplo à disposição d a região, d a a tm o sfe r a , d a
estação do ano, do clima. Mas os humores simpáticos da vida animada
tomam-se mais visíveis como fenômeno nos animais, já que eles vivem em
mais unidade ainda com a natureza do que nos homens. Por esse motivo
o general, entre os gregos, só ia à batalha quando acreditava achar nos
animais disposições sadias que pareciam permitir uma conclusão sobre boas
disposições dos homens. Assim Xenofonte, que procede tão prudentemente
em sua famosa retirada, oferece um sacrifício diariamente e determina suas
medidas militares conforme o resultado do sacrifício. Mas o buscar de uma
conexão entre o natural e o espiritual foi levado longe demais pelos antigos.
Sua superstição via mais nas entranhas dos animais do que é para ver. O Eu
renunciava à sua autonomia, submetia-se às circunstâncias e determinações
da exterioridade, fazia delas determinações do espírito.

§ 393
2o) A vida universal planetária do espírito-da-natureza se par­
ticulariza nas diferenças concretas da Terra e se decom põe em
espíritos-da-natureza particulares que, ao total, exprimem a natureza
dos continentes geográficos e constituem a diversidade de raças.
A oposição da polaridade terrestre, pela qual a Terra é para
o norte mais com pacta e tem preponderância sobre o mar,
enquanto ao contrário, para o hemisfério sul, se dispersa em
pontas separadas, introduz ao m esm o tem po, na diferença dos
continentes, um a modificação, que Treviranus (Biologia, volu­
m e II) 1 m ostrou no que se refere às plantas e aos animais.

Adendo: Deve-se notar antes de tudo, quanto à diversidade de raças


humanas, que não nos concerne absolutamente na filosofia questionar se
as raças humanas provêm de um casal ou de muitos. Deu-se importância
a essa questão — meramente histórica — porque se acreditava poder
explicar, pela admissão de uma proveniência [a partir] de muitos pares,
a superioridade espiritual de uma espécie humana sobre as outras, [e]
mesmo se esperava provar que os homens eram por natureza tão diversos
em suas capacidades naturais, que alguns deviam ser governados como
animais. Mas da proveniência não se pode tirar nenhum argumento para
o direito ou o não-direito dos homens à liberdade ou à dominação. O
homem é em si racional: nisso reside a possibilidade da igualdade de

1. (Jonfried Reinhold Ihnnmnus, Hwlnspr oder Philosophie der lebendcn Natur ítlr Natur
fbrttcher und Ar/,te. 6 vola,, ( JAttlnipm, 1H02 I822.
direito de todos os homens — a nulidade de uma diferenciação rígida
em espécies de homens com direitos, e [espécies] sem direitos. A diferença
das raças humanas é ainda uma diferença natural, isto é, uma diferen­
ça que diz respeito antes de tudo à alma natural. Essa diferença, enquanto
tal, está em conexão com as diferenças geográficas do solo sobre o qual
os homens se reúnem em grandes massas. Essas diferenças do solo são
o que denominamos os continentes. Nas articulações do indivíduo-Terra
impera algo necessário, cuja análise mais precisa compete à geografia. A
diferenciação principal da Terra é a em velho mundo e novo mundo.
Antes de tudo, essa diferença se refere ao momento (mais cedo ou mais
tarde) de se tomarem conhecidos os continentes na história universal.
Para nós, essa significação é aqui indiferente. O que nos importa aqui é
a determinidade constituinte do caráter distintivo dos continentes. A esse
propósito, pode-se dizer que a América tem um aspecto mais jovem que
o velho mundo e em sua formação histórica se situa atrás dele. A Amé­
rica apresenta somente a diferença comum do norte e do sul, com um
meio estreito entre os dois extremos. Os povos nativos desse continente
desaparecem; o velho mundo nele se configura novo. Esse velho mundo
se diferencia então da América porque se apresenta como algo disper-
sando-se em diferenças determinadas, que se decompõe em três continentes.
Um deles, a saber, a África; tomado em conjunto, parece como uma
massa pertencente à unidade compacta, como alta montanha fechada
[sobre si] diante da costa. O outro continente, a Ásia, cabe à oposição
do altiplano e dos grandes vales irrigados por largos rios; enquanto o
terceiro continente, a Europa — pois aqui montanha e vale não estão,
como na Ásia, encaixados uns ao lado dos outros, quais grandes metades
do continente, mas se interpenetram constantemente — [a Europa] ma­
nifesta a unidade, daquela unidade sem diferença, da África e da oposição
não mediatizada da Ásia. Esses três continentes não são separados mas
ligados pelo Mar Mediterrâneo, em volta do qual estão dispostos. A África
do Norte até os confins do deserto já pertence à Europa, segundo seu
caráter. Os habitantes dessa parte da África ainda não são propriamente
africanos, isto é, negros, mas se aparentam aos europeus. Assim também
toda a Ásia anterior, por seu caráter, pertence à Europa; a raça propria­
mente asiática, a raça mongol, habita na Ásia posterior.
Depois que tentamos estabelecer como a diferença dos continentes
não é contingente, mas necessária, queremos determinar as diversidades
raciais do gênero humano que estão unidas com aquelas diferenças em
relação física e em relação espiritual. A fisiologia distingue, na primei­
ra relação, as raças caucásia, etíope e mongol; a que ainda se a lin h a a
raça malaia e a americana, mas que são antes um agregado de partícula-
ridades infinitamente diversas do que uma raça estritamente diferenciada,
A diferença física de todas essas raças mostra-se, sobretudo, na confor­
mação do crânio e da face. A conformação do crânio, porém, deve-se
determinar por uma linha horizontal e uma linha vertical: a primeira indo
do canal auditivo exterior à base do nariz; a última, do osso frontal â
mandíbula superior. Pelo ângulo formado por essas duas linhas, a cabeça
do animal se diferencia da cabeça humana: nos animais, esse ângulo é
extremamente agudo. Outra determinação importante na fixação d aa
diversidades raciais [foi] estabelecida por Blumenhach2 [e] concerne A
maior ou menor saliência do osso molar. Também a curvatura e a largura
da testa são determinantes nesse ponto.
Na raça caucâsia, o ângulo de que se falou é quase reto, ou totalmente.
Isso vale especialmente para a fisionomia italiana, georgiana e circassiana.
O crânio nessa raça é esférico para cima, a testa levemente arqueada, 08
ossos das maçãs não são salientes; os dentes anteriores são perpendiculares
nas duas mandíbulas, a cor da pele é branca, as bochechas vermelhas, OS
cabelos longos e macios.
O distintivo da raça mongol mostra-se na proeminência dos OBSOfl
molares, nos olhos repuxados e não redondos, no nariz achatado, na c o r
amarela da pele, nos cabelos curtos, rebeldes, negros.
Os negros têm crânios mais estreitos que os mongóis e os caucasianoi,
suas testas são arqueadas mas com bossas, seus maxilares são proeminenten,
seus dentes estão em oblíquo, sua mandíbula inferior é muito saliente, sua
cor da pele é mais ou menos negra, seus cabelos são crespos e negros.
A raça malaia e a americana são na sua conformação física menos
nitidamente marcadas que as descritas, acima; a pele da raça malaia é
castanha, a da americana é cor-de-cobre.
Sob a relação espiritual\ as raças indicadas diferenciam-se do modo
que segue.
Os negros devem ser tomados como uma nação-de-crianças, que não
saiu de sua ingenuidade desinteressada e sem interesse. São vendidos e se
fazem vender, sem refletir se isso é justo ou não. Sua religião tem algo de
infantil. O ser superior que eles sentem, não o fixam; atravessa sua cabeça
de maneira fugidia. Transferem esse ser superior para a primeira pedra
melhor [que encontrem], fazem dela seu fetiche e rejeitam esse fetiche
quando não os ajudou. Totalmcnte cordiais e inofensivos na situação tran-2

2. johuim Priodrich HlumeMbmh (I7M a 1840), unutomÍNtii r nnlrop^ln^i (crtininlngiu),


(Viador riu Teoria «lo “Inutintti rultaral"
quila, cometem as mais espantosas crueldades na agitação que surge repen­
tinamente. Não se lhes nega a aptidão à cultura; não somente têm adotado
aqui e ali o cristianismo com a máxima gratidão, e falado com emoção da
liberdade que adquiriram graças a ele depois de longa escravidão espiritual;
mas também em Haiti formaram um Estado segundo os princípios cristãos.
No entanto, não demonstram um impulso interior para a cultura. Em sua
pátria, reina o mais horrendo despotismo; lá, eles não chegam ao sentimento
da personalidade do homem: lã seu espírito esta totalmente dormitando,
permanece submerso dentro de si, não faz nenhum progresso; e corres­
ponde, assim, à massa compacta, indiferenciada da terra africana.
Os mongóis, ao contrário, se elevam sobre essa ingenuidade infantil;
neles se revela, como o [traço] característico, uma mobilidade irrequieta,
que não chega a nenhum resultado fixo e os impele a expandir-se sobre
outras nações como enormes nuvens de gafanhotos; [mobilidade] que
no entanto cede lugar depois à indiferença, privada de pensamento, e
ao repouso apático que tinham precedido àquele irromper. Igualmente,
os mongóis mostram em si mesmos a oposição nítida do sublime e do
colossal, de um lado, e do pedantismo mais mesquinho, de outro. Sua
religião contém já a representação de um universal que é adorado por
eles como um Deus. Mas esse deus não é admitido ainda como um deus
invisível: está presente em figura humana, ou pelo menos se dá a conhecer
por meio deste ou daquele homem. Entre os tibetanos, que muitas vezes
escolhem uma criança como o deus presente, quando tal deus morre um
outro deus é procurado pelos monges entre os homens; mas todos esses
deuses gozam, um depois do outro, da mais profunda veneração. O essencial
dessa religião se estende até entre os hindus, entre os quais igualmente um
homem — o brâmane — é visto como deus, e o concentrar-se do espírito
humano em sua universalidade indeterminada é tido como o divino, como
a identidade imediata com deus. Certamente, na raça asiática, o espírito
jã começa assim a despertar, a separar-se da naturalidade. Essa separação
porém não é ainda uma separação nítida, nem é ainda absoluta. O espí­
rito não se apreende ainda em sua absoluta liberdade, não se sabe ainda
como o universal concreto, essente para si; ainda não fez de seu conceito,
na forma de pensamento, o [seu] objeto. Por esse motivo ainda existe na
forma — que o contradiz — da singularidade imediata. Sem dúvida, deus
se toma objetivo, mas não na forma do pensamento absolutamente livre,
e sim na de um espírito finito que existe de modo imediato. A isso se liga
a veneração, que aqui se apresenta, dos defuntos. Nessa veneração há uma
elevação sobre a naturalidade, pois nos mortos a naturalidade pereceu; sua
lembrança fixa apenas o universal que neles apareceu, e por isso «* eleva

58
acima da singularidade do fenômeno. Mas sempre o universal é fixado, de
um lado, apenas como um universal totalmente abstrato, e, de outro lado,
é contemplado em uma existência imediata, de todo contingente. Entre oa
indianos, por exemplo, o deus universal é considerado presente em toda
a natureza, nos rios, nas montanhas, como também nos homens. A Ásia
representa também, na relação física e na relação espiritual, o momento
da oposição — da oposição não mediatizada —, o coincidir, sem media­
ção, das determinações opostas. O espírito aqui, de um lado, se separa da
natureza e, de outro lado, toma a cair na naturalidade, já que não chega
ainda à efetividade em si mesmo, mas só no [ser] natural. Nessa identidade
do espírito com a natureza, não é possível a verdadeira liberdade. Aqui O
homem ainda não pode chegar à consciência de sua personalidade, não
tem ainda em sua individualidade nenhum valor e nenhum direito — nem
entre os indianos, nem entre os chineses; estes enjeitam os seus filhos sem
qualquer hesitação ou os assassinam diretamente.
Só na raça caucãsia chega o espírito à unidade absoluta consigo mesmo; só
aqui o espírito entra em completa oposição com a naturalidade, apreende-se
em sua autonomia absoluta, arranca-se ao oscilar para lã e para cá, de um
extremo para o outro, chega à autodeterminação, ao desenvolvimento de
si mesmo; e com isso faz surgir a história mundial. Os mongóis, como já
se mencionou, têm por seu caráter somente a atividade que irrompe para
fora em uma inundação e baixa de novo tão depressa como veio; atua
simplesmente destruindo, nada constrói, não produz nenhum progresso na
história mundial. Esse progresso só ocorre por meio da raça caucãsia.
Nessa raça temos de diferenciar dois lados: os asiatas anteriores [geo­
graficamente] e os europeus, diferença com a qual coincide agora a dife­
rença de maometanos e cristãos. No maometismo, o princípio estreito dos
judeus é superado por uma ampliação [até] à universalidade. Deus nâo
é aqui considerado, como entre os asiáticos posteriores, como existindo
de uma maneira imedíatamente sensível, mas como uma potência infinita,
elevado por sobre toda a pluralidade do mundo. Por isso o maometismo
é, no sentido próprio do termo, a religião da sublimidade. Com essa re­
ligião está em completa concordância o caráter dos asiáticos anteriores,
particularmente dos árabes. Esse povo é, em sua elevação para o Deus
único, indiferente para com todo o finito, para com toda a miséria: é
pródigo de sua vida, como de seus bens; ainda agora sua bravura e sua
beneficência merecem nosso reconhecimento. Contudo, o espírito dos
asiáticos anteriores, ao fixar-sc* tio abstratamente Uno, não chega à deter­
minação, à particularização do universal; por conseguinte, [não chega] à
cultura concreta. Certamcmte, por c n n c espírito lodo o sistema de castas
que domina na Ásia posterior é aqui aniquilado; cada indivíduo é livre,
entre os maometanos da Ásia anterior: o despotismo, propriamente dito,
não encontra lugar entre eles. No entanto, a vida política ainda não
chega aqui a um organismo articulado, à diferenciação em particulares
“poderes-do-Estado”. E, no que concerne aos indivíduos, esses de um lado
certamente se mantêm em uma sublime elevação sobre os fins subjetivos
finitos, mas de outro lado também se precipitam de novo, com ímpeto
desenfreado, na perseguição desses fins que neles estão privados então de
todo o universal, porque aqui ainda não se chega a uma particularização
imanente do universal. Assim aparecem aqui, ao lado das disposições
mais elevadas, a extrema sede-de-vingança e astúcia.
Os europeus, ao contrário, têm por princípio e caráter o concretamente
universal, o pensamento determinando-se a si mesmo. O Deus cristão não é
simplesmente o Um sem diferença, mas é o Deus uno e trino que contém
em si a diferença: o Deus feito homem, o Deus que se revela a si mesmo.
Nessa representação religiosa, a oposição do universal e do particular, do
pensamento e do ser-aí, tem a maior agudeza, e é, apesar disso, reconduzida
à unidade. O particular não é assim deixado tão imóvel em sua imediatez,
como no maometismo, sendo, antes, determinado pelo pensamento; como,
inversamente, o universal aqui se desenvolve em particularização. O princípio
do espírito europeu é, pois, a razão consciente-de-si, que tem em relação a
si a confiança de que nada pode ser, diante dela, um limite insuperável, e
que por isso toca em tudo para fazer-se aí presente a si mesmo. O espírito
europeu põe o mundo diante de si, dele se liberta, mas suprassume de novo
essa oposição; recupera seu Outro, o multiforme em si mesmo, em sua
simplicidade. Por isso reina aqui essa ânsia infinita de saber, que é alheia às
outras raças. Ao europeu interessa o mundo: quer conhecê-lo, apropriar-se
do Dutro que se lhe contrapõe, conseguir, nas particularizações do mundo,
a intuição do gênero, da lei, do universal, do pensamento, da racionalidade
interior. Assim como no teórico, também no prático o espírito europeu
busca atingir a unidade a ser produzida, entre ele e o mundo exterior:
submete o mundo exterior a seus fins com uma energia que lhe assegurou
a dominação do mundo. O indivíduo parte aqui, em suas ações particula­
res, de princípios universais fixos; e o Estado, na Europa, apresenta — por
meio de instituições racionais —, em maior ou menor medida, o desdobra­
mento e a efetivação da liberdade, arrancados ao arbítrio de um déspota.
Mas finalmente, no que respeita aos americanos autóctones, temos a
notar que são uma espécie fraca, em vias de extinção. Em várias partes da
América encontrou-se, sem dúvida, no tempo da descoberta uma cultura
razoável; mas não se podia comparar com a cultura europeia, e desapare-

M
ceu com os aborígenes. Além disso há alí os selvagens mais obtusos, p oi
exemplo os da Terra do Fogo e os Esquimós. Os caribenhos de o u t r o n
estão quase de todo extintos. Familiarizados com aguardente e a rm a s d<
fogo, esses selvagens morrem. Na América do Sul, foram os crioulos q u e u
fizeram independentes da Espanha; os índios propriamente ditos teriam sid c
incapazes disso. No Paraguai, eles eram como meninos totalmente de m e n o i
idade; e como tais foram tratados pelos jesuítas. Por isso os americanos nftc
estão, manifestamente, em situação de afirmar-se contra os europeus. E s t o
vão começar uma nova civilização no solo que ali conquistaram.

§ 394
Essa diferença transparece nas particularidades que p o d e rr
denom inar-se espíritos locais; que se m ostram na maneira exterioi
de viver, na ocupação, na conform ação e disposição c o rp o ra is
porém, mais ainda, na tendência e na aptidão interiores do carátei
intelectual e ético dos povos.
Por longe que rem onte a história dos povos, ela m ostra a p e r­
sistência desse tipo de nações particulares.

Adendo: As diferenças raciais descritas no § 393 são as essenciais, ai


diferenças determinadas pelo conceito do espírito-da-natureza universal
Mas o espírito-da-natureza não fica nessa sua diferenciação universal; u
naturalidade do espírito não tem o poder de se afirmar como a pura cópis
das determinações do conceito, [mas] avança para uma particularização
ulterior dessas diferenças universais e incide assim na diversidade do*
espíritos locais ou nacionais. A característica mais precisa desses espírito*
pertence em parte à história natural do homem, em parte à filosofia riu
história mundial. A primeira dessas ciências descreve a disposição eon
dicionada ao mesmo tempo pela natureza — do caráter nacional, riu
conformação corporal, do gênero de vida, da ocupação, assim como o*
rumos particulares da inteligência e da vontade das nações. Ao contrário,
a filosofia da história tem por seu objeto a significação que os povos têm
para a história mundial, quer dizer — se tomamos a história mundial no
sentido mais abrangente da palavra —, o mais alto desenvolvimento até
ao qual alcança a disposição originária do caráter nacional: a mais e*
piritual das formas a que se eleva o espírito-da-natureza que habita na*
nações. Não podemos aqui dar em detalhes a Antropologia filosófica; u
consideração deles incumbe ás duas ciências acima designadas. Temoí u
considerar aqui apenas o caráter nacional, só enquanto contém o g é r m e n
do qual se desenvolve n história das nações.

ét
Para começo, pode-se notar que a diferença nacional é tão fixa quanto
a diferença racial dos homens; que, por exemplo, os árabes se mostram
por toda a parte, ainda agora, como são descritos nos tempos mais anti­
gos. A invariabilidade do clima, de toda a natureza do território em que
uma nação tem seu habitat permanente, contribui para a invariabilidade
do seu caráter. Um deserto, a proximidade do mar ou o afastamento do
mar — todas essas circunstâncias podem influenciar o caráter nacional. Em
particular, a ligação com o mar é aqui importante. No interior da África
propriamente dita, rodeado por altas cordilheiras sobre a costa e desse
modo cortado do mar — esse elemento livre —, o espírito dos nativos
fica sem abertura, não sente impulso algum para a liberdade, suporta sem
resistência a escravidão universal. No entanto, a proximidade do mar, por
si só, não toma o espírito livre. Isso demonstram os indianos que se sub­
meteram como escravos à proibição que existe para eles, desde os tempos
mais remotos, de navegar sobre o mar que a natureza lhes abriu; e que
assim separados — pelo despotismo — desse vasto elemento livre, esse
ser-aí natural da universalidade, não revelam nenhuma força de libertar-se
dessa ossificação, letal para a liberdade, da divisão em estamentos, que se
encontra na relação de castas, e que seria insuportável para uma nação
que por seu próprio impulso navegasse pelo mar.
Ora, quanto à diferença determinada dos espíritos nacionais, ela é, na
raça africana, insignificante ao extremo, e mesmo na raça propriamente
asiática emerge muito menos que entre os europeus, nos quais pela primeira
vez o espírito atinge sua universalidade abstrata na plenitude desdobrada da
particularização. Por isso aqui só queremos falar do caráter — em si mesmo
diferenciado — das nações europeias; e, entre elas, mesmo aqueles povos
que se diferenciam um do outro principalmente por seu papel na história
mundial — a saber, os gregos, os romanos e os germanos —, não vamos
caracterizá-los em sua relação recíproca, tarefa que temos de deixar para a
Filosofia da História. Ao contrário, podem aqui ser indicadas as diferenças
que ressaltaram no interior da nação grega, e entre os povos cristãos da
Europa, mais ou menos penetrados de elementos germânicos.
Quanto aos gnegos, os povos que entre eles se distinguiram particularmente
no período de seu pleno desenvolvimento na história mundial — os lacede-
mônios, os tebanos e os atenienses — diferenciam-se da maneira seguinte.
Nos lacedemônios, a vida compacta, sem diferença, na substância ética é
predominante; por isso entre eles a propriedade e a relação familiar não
chegam a seu pleno direito. Nos tebanos, ao contrário, ressalta o princípio
oposto: neles, o subjetivo, o emotivo — tanto que em geral isso já pode
ser atribuído aos gregos — é o preponderante. O poeta lírico principal dos

Ui
gregos, Píndaro, pertence aos tebanos. O “enlace-de-amigos”, surgido e n tr e
os tebanos, de jovens que se uniam entre eles para a vida e para a morte, dá
uma prova do recolher-se na interioridade do sentir, que predominava n e sa e
povo. O povo ateniense, porém, representa a unidade desses opostos: nele o
espírito saiu da subjetividade tebana, sem perder-se na objetividade e sp a r ta n a
da vida ética; os direitos do Estado e os do indivíduo encontraram e n tr e
os atenienses uma fusão tão perfeita quanto o podia ser, do ponto d e v ista
grego em geral. Mas como Atenas forma, por essa mediação do espírito d e
Esparta e do de Tebas, a unidade da Grécia do norte e da Grécia do sul,
vemos, também naquele Estado, a união dos gregos orientais e o c id e n ta is
enquanto nele Platão determinou o absoluto como a ideia e na qual tanto
o [ser] natural, do qual na filosofia jónica se fez o absoluto, quanto o p e n ­
samento totalmente abstrato, que forma o princípio da filosofia itálica, são
rebaixados a momentos. Devemos aqui contentar-nos com essas indicações a
respeito do caráter dos povos principais da Grécia; por um desenvolvimento
mais amplo do que foi indicado, estaríamos invadindo o domínio da h istó r ia
mundial, e também especialmente o da história da filosofia
Encontramos nos povos cristãos da Europa uma diversidade a in d a
maior do caráter nacional. A determinação fundamental na natureza desse»
povos é a interioridade predominante, a subjetividade fixada dentro de si.
Esta se modifica principalmente segundo a posição [geográfica], ao sul ou
ao norte, dos territórios habitados por esses povos. No sul, a individuali­
dade emerge espontaneamente em sua singularidade. Isto vale em especial
para os italianos', ali o caráter individual não quer ser de outro modo d o
que é, exatamente; os fins universais não estorvam essa espontaneidade.
Tal caráter é mais conforme à natureza feminina que à masculina. Por
isso, a individualidade italiana se desenvolveu como individualidade fe­
minina, em sua suprema beleza; não é raro que as damas e as donzelas
italianas que foram infelizes no amor morram em um instante, de dor; u
tal ponto sua natureza toda estava comprometida na relação individual,
cuja ruptura a aniquilou. A essa espontaneidade da individualidade está
também unida a vigorosa pantomima dos italianos; seu espírito transborda,
sem reserva, em sua corporeidade. A graciosidade de suas maneiras tem
o mesmo fundamento. Também na vida política dos italianos mostra-sc
a mesma preponderância da singularidade, do individual. Como já untes
du dominação romana, assim também depois de seu desaparecimento
apresenta-se-nos a Itália como desagregada numa multidão de pequenos
Estados. Ali, na Idade Média, vemos as pequenas comunidades singulares
por toda a parte tão dilaceradas por fucçòes. que a metade dos cidadãos
de tais Estados quase s e m p r e vivia no exílio. O interesse universal do Ks*

Afc
tado não podia implantar-se ante esse preponderante espírito-de-partido.
Os indivíduos que se arvoravam em únicos representantes do bem-comum
perseguiram eles mesmos, de preferência seus interesses privados; e, na
verdade, às vezes de uma maneira cruel, extremamente tirânica. Nem
nessas autocracias, nem nessas repúblicas dilaceradas pelas lutas partidá­
rias, o direito político podia desenvolver-se em uma firme configuração
racional. Só o direito privado romano era estudado e oposto à tirania
dos singulares como dos grupos, qual um dique precário.
Nos espanhóis, encontramos igualmente a predominância da individua­
lidade; mas essa não tem mais a espontaneidade italiana, estando mais
unida com reflexão. O conteúdo individual que aqui é valorizado já traz
a forma da universalidade. Por isso, vemos nos espanhóis particularmente
a honra como princípio motor. O indivíduo aqui exige reconhecimento,
não na sua singularidade imediata, mas por causa da concordância de
suas ações e de seu procedimento com certos princípios fixos que devem
ser, segundo a representação da nação, lei para todo o homem de honra.
No entanto, ao guiar-se em todo o seu agir por esses princípios elevados
acima do humor do indivíduo, e ainda não abalados pela sofisticação do
entendimento, o espanhol chega à maior perseverança que o italiano,
que obedece mais às sugestões e vive mais na sensação do que nas
representações firmes. Essa diferença dos dois povos ressalta particular­
mente a respeito da religião. O italiano não se deixa perturbar em seu
sereno gozo-da-vida por escrúpulos religiosos. O espanhol, ao contrário,
até agora aferrou-se, com um zelo fanático, às doutrinas do catolicismo
[tomadas] ao pé da letra; pela Inquisição perseguiu durante séculos, com
desumanidade africana, os suspeitos de afastar-se dessa letra. Também em
relação à política, diferem os dois povos de maneira conforme ao caráter
indicado. A unidade política da Itália, já desejada ardentemente por Pe-
trarca, é ainda agora um sonho; esse país está ainda sempre despedaçado
em uma multidão de Estados, que se importam muito pouco uns com
os outros. Na Espanha, ao contrário, onde o universal chega a alguma
dominação sobre o singular, como se disse, os Estados singulares, que
antes existiam nesse território, já se fundiram em um só Estado — cujas
províncias ainda buscam, sem dúvida, afirmar uma excessiva autonomia.
Ora, enquanto nos italianos predomina a mobilidade da sensação, nos
espanhóis, a fixidez do pensar representativo, os franceses mostram tanto a
fixidez do entendimento quanto a mobilidade do espírito [Witze]. Desde
sempre se censurou nos franceses a leviandade, como também a vaidade,
o desejo de agradar. Mas, pela ânsia de agradar, os franceses chegaram à
suprema fineza da cultura [da vida] social, e justamente por isso se eleva-

èá
ram, de maneira insigne, acima do egoísmo grosseiro do homem natural,
pois aquela cultura consiste justamente em que não se esqueça, [voltado]
sobre si mesmo, o outro com o qual se tem de tratar, mas que se lhe dê
atenção e se mostre benévolo para com ele. Os franceses — sejam eles
homens de Estado, artistas ou letrados — têm nas suas ações e obras as
atenções mais respeitosas tanto para com o singular quanto para o público.
No entanto, essa deferência para com a opinião de outro, sem dúvida,
degenera algumas vezes na tendência de agradar a todo o preço — mesmo
à custa da verdade. Dessa tendência nasceram também os ideais dos taga­
relas. Mas o que os franceses veem como o meio mais seguro de agradar
universalmente é aquilo que eles chamam “e s p r ifEsse “esprif se limita,
nas naturezas superficiais, a combinar representações distantes umas daa
outras, mas em homens ricos-de-espírito, como por exemplo Montesquieu
v Voltaire, toma-se uma forma genial do racional pelo [dom de] reunir o
|que foi] separado pelo entendimento; com efeito, o racional tem justamente
nesse reunir sua determinação essencial. Contudo, essa forma do racional
ainda não é a do pensamento conceituante; os profundos pensamentos
ricos-de-espírito, que se encontram nesses homens com a variedade [que
fbi] mencionada, não se desenvolveram a partir de um pensamento uni­
versal, do conceito da Coisa; mas apenas cintilaram como relâmpagos. A
agudeza do entendimento dos franceses se manifesta na clareza e precisfto
de sua expressão oral e escrita. Sua linguagem, submetida a regras estritas,
corresponde ao ordenamento seguro e à concisão de seus pensamentos.
Mor isso os franceses se tomaram modelos da exposição política e jurídica.
Mas também em suas ações políticas não se pode desconhecer a agudeza
de seu entendimento. No meio da tempestade da paixão revolucionária,
seu entendimento se mostrou na determinação com que levavam a cabo
o estabelecimento de uma nova ordem ética multdial contra a poderosa
aliança dos numerosos partidários do antigo [regime]; eles realizaram, #u-
ccssivamente, todos os momentos da nova vida política a desenvolver, em
sua mais extrema determinidade e oposição sistemática. Precisamente, ao
levar esses momentos ao cúmulo da unilateralidade, ao desenvolver cada
princípio político unilateral até suas últimas consequências, os franceses
foram conduzidos pela dialética da razão, [própria] da história mundial, u
uma situação política em que todas as anteriores unilateralidades da vida
do listado se mostram suprassumidas.
Pode-se denominar os ingleses [como] o povo da intuição intelectual.
Eles conhecem o racional menos na forma da universalidade do que
na forma da singularidade. Por isso n c i i s poetas se situam muito acima
dr seus filósofos. No# in g le s e s ressalta vigorosamente a originalidade da
personalidade. Contudo, sua originalidade não é espontânea e natural,
mas nasce do pensamento, da vontade. O indivíduo aqui quer em toda
a relação repousar sobre si, só se referir ao universal por meio de sua
peculiaridade. Por essa razão, a liberdade política tem, entre os ingleses,
sobretudo a figura de privilégios, de direitos recebidos da tradição — não
derivados de pensamentos universais. [O fato de] que as comunas e os
condados singulares enviam deputados ao Parlamento baseia-se em toda
a parte em privilégios particulares, não em princípios universais aplicados
com coerência. Certamente, o inglês é orgulhoso da honra e da liberdade
de sua nação toda; mas seu orgulho nacional tem por base, sobretudo,
a consciência de que na Inglaterra o indivíduo pode conservar e realizar
sua personalidade. A essa tenacidade da individualidade decerto impelida
para o universal, mas atendo-se firmemente a si mesma, está ligada a
eminente inclinação dos ingleses para o comércio.
Quanto aos alemães — costumam os alemães mencioná-los por último:
ou por modéstia, ou porque se guarda o melhor para o fim. Somos bem
conhecidos como pensadores profundos, embora, não raramente, nada cla­
ros. Queremos conceber a natureza mais íntima das coisas e sua conexão
necessária; por isso na ciência nos pomos à obra de modo extremamente
sistemático; só que às vezes caímos no formalismo. Em geral, nosso espírito
está mais voltado para dentro que o de qualquer outra nação europeia.
Vivemos, de preferência, na interioridade do coração e do pensar. Nessa
vida tranquila, nessa solidão eremítica do espírito, nós nos ocupamos com
determinar cuidadosamente, antes de agir, primeiro os princípios segundo
os quais pensamos agir. Daí vem que passamos um pouco lentamente à
ação, e às vezes, nos casos em que uma decisão rápida é necessária, ficamos
indecisos e, no desejo sincero de fazer a Coisa muito bem, muitas vezes
não efetuamos absolutamente nada. Pode-se, pois, aplicar aos alemães o
adágio francês: “/? meilleur tue le b ie n Tudo o que deve ser feito deve,
para os alemães, legitimar-se por meio de razões. Mas, jã que se podem
achar razões para tudo, esse legitimar toma-se com frequência um simples
formalismo, em que o pensamento universal do direito não chega a seu
desenvolvimento imanente, mas fica na abstração em que o particular se
intromete arbitrariamente de fora Esse formalismo também se mostrou entre
os alemães no fato de que, durante séculos, eles às vezes se contentaram
com se garantir certos direitos políticos só por meio de protestos. Mas,
enquanto desse modo os súditos faziam muito pouco por si mesmos, por
outro lado também muitas vezes fizeram demasiado pouco pelo Governo.
Vivendo na interioridade do coração, os alemães, sem dúvida, sempre íà-
laram com muito gosto de sua fidelidade c honradez; muitas vc/es porém
não chegaram a provar esse seu caráter substancial, mas só recorreram,
contra príncipes e imperador, às normas universais do direito p ú b lic o
para ocultamento de sua repugnância em fazer algo pelo Estado — sem
hesitação e sem detrimento de sua excelente opinião sobre sua fidelidade
e honradez. Mas, embora seu espirito político, seu patriotismo, na m a io r
parte do tempo não fosse muito vivo, desde tempo remoto foram animados
por um extraordinário desejo pela honra de uma posição de funcionário
público e pela opinião de que o cargo e o título fazem o homem, [e] que
pela diferença do título se pode medir, quase em cada caso, com perfeita
certeza, a importância das pessoas e o respeito que se lhes deve. Por esse
motivo os alemães caíram num ridículo que na Europa só encontra paralelo
na mania dos espanhóis por uma longa lista de nomes.

§ 395
3o) A alma é singularizada em sujeito individual. Mas essa subje­
tividade só é considerada aqui com o singularizaçâo da determ iniãâde
natural Ela é com o o modo-de-ser da diversidade de tem peram ento,
talento, caracteres, fisionomia e outras disposições e idiossincrasias
que distinguem as famílias e os indivíduos singulares.

Adendo: Como vimos, o espírito-da-natureza se decompõe nas diferen­


ças universais dos gêneros humanos, e chega nos espíritos-dos-povos a uma
diferença que tem a forma da particularização. O terceiro [ponto] é que o
espírito-da-natureza avança na direção de sua singularizaçâo e se opõe a si
mesmo como alma individual. Mas a oposição que aqui nasce não é ainda
a que pertence à essência da consciência. A singularidade ou individualidade
da alma só é tomada em consideração aqui como determinidade natural.
Ora, é preciso notar, antes de tudo, que na alma individual começa
a esfera do contingente, pois só o universal é o necessário. As almas
singulares se distinguem umas das outras por uma multidão infinita dc
modificações contingentes. Mas essa infinitude pertence à má espécie
de infinito. Por isso não se pode ter em conta demasiado alta a peculia­
ridade dos homens. Antes, deve-se declarar um falatório vazio, que se
perde no ar, a afirmação de que o mestre deve orientar-se cuidadosamente
de acordo com a individualidade de cada aluno seu; que deve estudá-la
e desenvolvê-la. Para isso o mestre não tem tempo. A particularidade
própria das crianças é tolerada no círculo da família; mas com a escola
começa lima vida segundo a ordem universal, segundo uma regra comum
a todos; aí deve o espírito « cr levado ao renunciar de suas singularidades,
ao saber e querer do u n iv e r s a l, ao acolhimento da cultura universal pre-
sente. Essa transformação da alma, [isso, e] só isso se chama educação.
Quanto mais cultivado é um homem, tanto menos ressalta em seu pro­
ceder algo que lhe seja peculiar e, portanto, contingente.
Ora, a peculiaridade do indivíduo tem diversos lados. [Habitualmente]
se distingue segundo as determinações do natural' do temperamento e do
caráter.
LPor natural entendem-se as disposições naturais em contraste com o que
o homem se tomou por sua própria atividade. A essas disposições pertencem
o talento e o gênio. Os dois termos exprimem determinada orientação que o
espírito individual recebeu da natureza. Todavia, o gênio é mais abrangente
que o talento: este só produz o novo no particular, enquanto, ao contrá­
rio, o gênio cria um gênero novo. Mas talento e gênio — se não devem
degradar-se, dissipar-se ou degenerar em falsa originalidade — devem ser
cultivados segundo métodos válidos universalmente, já que são, de início,
simples disposições. Só por essa formação aquelas disposições confirmam
seu “estar-presentes”, seu poder e seu alcance. Antes dessa formação, a
pessoa pode iludir-se sobre a existência de um talento: ocupação prema­
tura — por exemplo, com pintar — pode parecer talento para essa arte, e
contudo esse amadorismo não levar a nada. O simples talento não é, pois,
para ser estimado como mais elevado do que a razão, que chegou por sua
atividade própria ao conhecimento do seu conceito, do que o pensar e o
querer absolutamente livres. Na filosofia, o simples gênio não leva longe;
ali ele deve submeter-se à estreita disciplina do pensar lógico: só por essa
submissão o gênio alcança aí sua perfeita liberdade. Mas, no que concerne
à vontade, não se pode dizer que haja um gênio para a virtude; pois a
virtude é algo universal, a ser exigido de todos os homens, e não inato,
mas algo a ser produzido no indivíduo por sua própria atividade. Por isso
as diferenças do natural não têm, para a doutrina da virtude, absolutamen­
te nenhuma importância: elas só podem ser consideradas — se podemos
assim nos exprimir — numa história-natural do espírito.
As espécies diversificadas do talento e do gênio se distinguem umas
das outras segundo as diferentes esferas em que se exercem. A diferença
dos temperamentos, ao contrário, não tem essa relação para com o exte­
rior. Difícil é dizer o que se entende por temperamento: não diz respeito
à natureza ética da ação, nem ao talento que na ação se faz visível, nem
enfim à paixão que tem sempre um conteúdo determinado. Na melhor
[das hipóteses], por isso, o temperamento será determinado como o pro­
cedimento totalmente universal conforme o qual o indivíduo é ativo, se
objetiva, e se conserva na efetividade. Resulta dessa determinação que para
o espírito livre o temperamento não é tão importante como a n te s s e tinhu

èá
acreditado. No tempo de uma maior cultura, perdem-se as maneiras d iv e r ­
sificadas, contingentes, de se comportar, de agir, e assim as diversidades de
temperamento; como também se tomam em tal tempo muito mais r a r o s
os caracteres estereotipados das comédias surgidas em uma é p o c a m e n o s
cultivada: os [tipos] completamente desvairados, os ridiculamente d istr a í­
dos, os sordidamente avarentos. As diferenciações que se tentou [fa z e r ]
do temperamento têm algo de tão indeterminado que se sabe fazer d e la s
pouca aplicação aos indivíduos, já que neles os temperamentos s in g u la r e s
apresentados se encontram mais ou menos reunidos. Como bem s e s a b e ,
do mesmo modo que se dividia a virtude em quatro virtudes c a r d e a is ,
admitiam-se quatro temperamentos: o colérico, o sanguíneo, o fleumâtico e
o melancólico. Kant falou prolixamente sobre eles3. A diferença p r in c ip a l
desses temperamentos consiste no seguinte: ou o homem se a b a n d o n a
à Coisa, ou então se preocupa mais com sua [própria] singularidade. ()
primeiro caso ocorre entre os sanguíneos e fleumãticos; o último, e n t r e o s
coléricos e os melancólicos. O sanguíneo esquece a si mesmo pela C o is a , e
isso do modo mais determinado, a ponto de dar voltas em tomo de uma
multiplicidade variada de Coisas, devido à sua mobilidade de su p e r fíc ie ;
ao contrário, o fleumâtico se dirige tenazmente para uma só Coisa. Mas
entre os coléricos e os melancólicos, como já se indicou, é predominante
o fixar-se na subjetividade; esses dois temperamentos se diferenciam, mais
uma vez, um do outro em que a mobilidade tem a predominância n o
colérico, e a imobilidade no melancólico, de modo que sob essa r e la ç ã o
o colérico corresponde ao sanguíneo e o melancólico ao fleumâtico.
Já fizemos notar que a diferença de temperamento perde sua importância
num tempo em que o modo do comportamento e da atividade dos indiví­
duos é fixado pela cultura universal. Ao contrário, o caráter permanece algo
que diferencia sempre os homens. Só pelo caráter chega o indivíduo â sua
determinidade fixa. Pertence ao caráter, em primeiro lugar, o [elemento |
formal da energia com a qual o homem, sem se deixar desviar, persegue
seus fins e interesses, e em todas as suas ações conserva sua coerência
consigo mesmo. Sem caráter, o homem não sai de sua indeterminidmlc,
ou então cai de uma direção na oposta. A todo homem há que fazer- no,
portanto, a exigência de que mostre caráter. O homem de caráter impòc-w
aos outros, porque eles sabem o que têm nele. Mas em segundo lugur
pertence ao caráter, além da energia formal, um conteúdo universal, subi»
tancioso, da vontade. Somente pela realização de grandes fins o homem

X A n íh m p o ln rie in pmgmatitohtr H m ith t. Zwriíer Keil. (KimtNWcrke, AKAUKMIKTttX


TAUSCíAHKH il. VII Hrrlin, Witter ilr (imytcr: 1% 8. 287 pp.)
manifesta um grande caráter, que o torna um farol para os outros; e é
preciso que seus fins sejam interiormente justificados, se seu caráter deve
apresentar a unidade absoluta do conteúdo e da atividade formal da von­
tade e, por conseguinte, ter uma verdade consumada. Ao contrário, se a
vontade se atém a puras singularidades, ao que não possui conteúdo, ela
se toma obstinação. Essa só tem a forma, não o conteúdo, do caráter. Pela
obstinação — essa paródia do caráter —, a individualidade do homem
recebe uma aguçadura que prejudica a comunidade com os outros.
As idiossincrasias — assim chamadas — são de espécie ainda mais
individual e ocorrem tanto na natureza física como na natureza espiritual
do homem. Assim, por exemplo, muitos homens pressentem a presença
dos gatos que se encontram em sua proximidade. Outros são afetados
de uma maneira toda peculiar por certas doenças. Jaime I da Inglaterra
desmaiava à vista de uma espada. As idiossincrasias espirituais mostram-se
particularmente na juventude; por exemplo, na incrível rapidez de cálculo
mental de certas crianças. Aliás, por meio das formas acima evocadas, não
se diferenciam simplesmente os indivíduos uns dos outros, mas também
em maior ou menor grau as famílias; especialmente no caso em que não
estão unidas com famílias estrangeiras, mas só entre elas; como ocorreu
em Berna, por exemplo, e em muitas cidades do império alemão.
Depois de descrevermos assim as três formas da determinidade natural
da alma individual — o natural, o temperamento e o caráter —, falta
ainda indicar a necessidade racional de que essa determinidade natural
tenha justamente essas três formas e nenhuma outra; e de que essas for­
mas devam ser consideradas na ordem que seguimos. Começamos pelo
natural, e mais precisamente pelo talento e pelo gênio, porque no natural
a determinidade natural qualitativa da alma individual tem predominan­
temente a forma de algo simplesmente essente de algo imediatamente
fixo, e de algo cuja diferenciação em si mesmo se refere a uma diferença
presente fora dele. No temperamento, ao contrário, essa determinidade
natural perde a figura de algo assim tão firme: enquanto, no indivíduo,
ou um único talento reina de maneira exclusiva, ou então coexistem nele
muitos talentos, lado a lado, estáticos, sem passagem entre eles, um só e o
mesmo indivíduo pode passar de cada humor temperamental para outro,
de modo que nenhum tem nele um ser fixo. Ao mesmo tempo, nos tem­
peramentos, a diferença da determinidade natural em questão é refletida,
desde a relação a algo presente fora da alma individual, para o interior
desta mesma alma. Mas, no caráter, vemos a fixidez do natural reunida
com a variabilidade de humores temperamentais — [vemos] u relação
para fora que prevalece no primeiro, reunida com o scr-rcfletido-sohrc si,
que predomina nos humores temperamentais. A fixidez do caráter n ã o
6 assim tão imediata, tão inata quanto a do natural, mas uma fix id e z a
desenvolver pela vontade. O caráter consiste em algo mais do q u e e m
uma mistura de temperamentos diversos em justa proporção. C o n t u d o ,
não se pode negar que tenha uma base natural' que alguns homens s ã o
mais dispostos que outros, por natureza, a ter um caráter forte. P o r e s s e
motivo, tivemos aqui na Antropologia o direito de falar do caráter, e m b o r a
ele só consiga seu pleno desdobramento na esfera do espírito liv r e .

2°) Mudanças naturais

§ 396
N a alma, enquanto determinada como indivíduo,, as diferenças estão
enquanto mudanças [que se dão] no indivíduo — que é o sujeito uno
que nelas persiste — e enquanto momentos do seu desenvolvimento.
Por serem elas diferenças, à uma, físicas e espirituais, seria preciso,
para determinação ou descrição mais concreta, antecipar a noção do
espírito cultivado. As diferenças são: 1) o curso natural das idades da
vida, desde a criança,, o espírito envolvido em si mesm o — passan­
do pela oposição desenvolvida, a tensão de um a universalidade ela
mesma ainda subjetiva (ideais, imaginação, dever-ser, esperanças etc.)
cm contraste com a singularidade imediata, isto é, com o m undo
presente, não conforme a tais ideais, e a situação que se encontra,
cm seu ser-aí para esse mundo, o indivíduo que, de outro lado, está
ainda não autónom o e em si mesm o não está pronto (o jovem) —,
para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento da necessidade e
racionalidade objetivas do m undo jã presente, acabado; [no qual] em
sua obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua
atividade, um a confirmação e um a parte, m ediante a qual ele é afgo,
tem uma presença efetiva e um valor objetivo (hom em [adulto));
— até a plena realização da unidade com essa objetividade: unidade
que, enquanto real, vem a dar na inatividade da rotina que tira o
interesse, [e] enquanto ideal se liberta dos interesses mesquinhos e
das complicações do presente exterior (o ancião).

Adendo: A alma — dc início plenamente universal, quando se particula­


riza da maneira indicada por nós c se determina, enfim, á singularidade,
il individualidade — entra em oposição com sua universalidade interior,
com sua substância. Essa contradição da singularidade imediata e da uni­
versalidade substancial que está, em si, presente nela funda o processo vital
da alma individual: um processo pelo qual a singularidade imediata dela
é posta de acordo com o universal, e o universal efetivada nela. Assim, a
unidade simples [e] primeira da alma consigo mesma é elevada a uma unida­
de mediatizada pela oposição; a universalidade inicialmente abstrata da alma
é desenvolvida em universalidade concreta. Esse processo de desenvolvi­
mento é a cultura. Já o ser vivente de modo simplesmente animal apresenta
em si, à sua maneira, esse processo. Mas, como vimos anteriormente, não
tem o poder de efetivar verdadeiramente em si o gênero: sua singularidade
imediata, essente, abstrata, fica sempre em contradição com seu gênero; não
menos o exclui de si que o inclui em si mesma. Por sua incapacidade para
a perfeita apresentação do gênero, o ser somente vivo vai à ruína. O gênero
nele se mostra como um poder ante o qual ele deve desaparecer. Portanto,
na morte do indivíduo chega o gênero somente a uma efetivação que é tão
abstrata quanto a singularidade do ser simplesmente vivo, e que a exclui,
tanto como o gênero permanece excluído pela individualidade viva.
Ao contrário, o gênero efetiva-se verdadeiramente no espírito, no pensar,
nesse elemento que lhe é homogéneo. Mas no [domínio] antropológico
essa efetivação tem ainda o modo [de ser] da naturalidade, já que ocorre
no espírito individual natural. Por isso ela incide no tempo: Assim nasce
uma série de diferentes estados, que o indivíduo como tal percorre: uma
sequência de diferenças, que não têm mais a fixidez das diferenças ime­
diatas que reinam nas diversas raças humanas e nos espíritos-nacionais,
mas que se mostram em um só e no mesmo indivíduo como formas
fluidas que passam umas para as outras.
Essa sequência de diferentes estados é a série das idades da vida,.
Essa série começa com a unidade imediata, agida indiferenciada, do
gênero e da individualidade; com o surgir abstrato da singularidade imediata,
com o nascimento do indivíduo; e termina com a inserção do gênero na
singularidade ou da singularidade no gênero, com a vitória do gênero sobre
a singularidade, com a abstrata negação desta última: com a morte.
O que no ser-vivo enquanto tal é o gênero, no [ser] espiritual é a racio­
nalidade-, pois o gênero já possui o determinar da universalidade interior
proporcionado ao racional. Nessa unidade do gênero e do racional, reside
o fundamento de que os fenômenos espirituais, emergentes no curso das
idades da vida, correspondem às alterações físicas do indivíduo, que se
desenvolvem nesse curso. A concordância do espiritual e do físico é aqui
mais determinada que nas diversidades raciais, em que lidamos somente
com as diferenças fixas do espírito natural, com as diferenças físicas* também
fixas, dos homens: enquanto aqui se devem considerar as alterações deter-
minadas da alma individual e de sua corporalidade. Mas, de outro la d o ,
não convém chegar a ponto de buscar no desenvolvimento fisiológico d o
indivíduo a cópia marcada de seu desenvolvimento espiritual; porque, n e s te
último, a oposição que ali sobressai e a unidade a produzir a partir d e la
têm uma significação muito mais alta que no [campo] fisiológico. O espírito
manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder d e ­
senvolver-se antes que ela. Com frequência, crianças têm mostrado u m
desenvolvimento espiritual que vai muito mais rápido que sua formação
corporal. Esse foi o caso sobretudo em talentos artísticos indiscutíveis, e m
particular nos gênios da música. Também em relação ao fácil apreender d e
variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e tal p r e ­
cocidade tem-se mostrado não raramente também em relação a um r a c io c ín io
de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. Contudo, n o
geral, deve-se convir que o entendimento não vem antes da idade. Q u a s e
somente nos talentos artísticos a precocidade de sua aparição tem anunciado
uma superioridade. Ao contrário, o desenvolvimento intelectual p r e m a tu r o
que se tem revelado em muitas crianças não tem sido em geral o g é r m e n
de um espírito que atinge na idade-de-homem a grande e x c e lê n c ia .
O processo-de-desenvolvimento do indivíduo humano n a tu r a l d e c o m *
põe-se então em uma série de processos, cuja diversidade se b a s e ia s o b r e
a relação diversa do indivíduo para com o gênero e funda a d ife r e n ç a d a
criança, do homem e do ancião. Essas diferenças são as a p r e s e n ta ç õ e s d a s
diferenças do conceito. Por isso a idade da infância é o tempo d a h a r m o n ia
natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo — um c o m e ç o
tão sem-oposição quanto a velhice é um fim sem-oposição. A s o p o s iç õ e s
que surgem, eventualmente, na infância ficam sem interesse mais p r o fu n d o .
A criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor a seus p a is, c
no sentimento de ser amado por eles. Deve ser suprassumida essa u n íd u d c
imediata — portanto não espiritual, simplesmente natural — do indivíduo
com seu gênero e com o mundo em geral; é preciso que o indivíduo pro­
grida a ponto de se contrapor ao universal, como a Coisa essente-para-ni,
pronta e subsistente; e de apreender-se em sua autonomia.
Mas essa autonomia, essa oposição, primeiro se apresenta em unia
figura tão unilateral quanto, na criança, a unidade do subjetivo e do obje­
tivo. O jovem desagrega a ideia efetivada no mundo, de modo a atribuir-sc
a si mesmo a determinação — que pertence à natureza da ideia —* do
substancial: o verdadeiro e o bem; e atribui ao mundo, pelo contrário, a
determinação do contingente, do acidental. Não se pode ficar nessa oposição
não verdadeira: o jovem deve, antes, clcvur-se ucimu dela á inteligência de
que, ao contrário, deve-se considerar o mundo como o substancial, e o
indivíduo, inversamente, só como um acidente; e que portanto o homem
só pode encontrar sua ativação e contentamento essenciais no mundo que
se lhe contrapõe firmemente, que segue seu curso com autonomia; e que,
por esse motivo, deve conseguir a aptidão necessária para a Coisa.
Chegado a esse ponto de vista, o jovem tornou-se o homem. Pronto
em si mesmo, o homem considera também a ordem ética do mundo não
como a ser produzida só por ele, mas como uma ordem pronta, no essen­
cial. Assim ele é ativo pela Coisa, não contra ela; tem um interesse pela
Coisa, e não contra ela; assim se mantém elevado, acima da subjetividade
unilateral do jovem, no ponto de vista da espiritualidade objetiva.
A velhice; ao contrário, é o retomo ao desinteresse pela Coisa; o an­
cião habituou-se a viver dentro da Coisa, e justamente por causa dessa
unidade (que fàz perder a oposição em relação à Coisa) o ancião renuncia
à atividade cheia de interesse por ela.
Queremos agora determinar mais rigorosamente a diferença indicada
assim de modo geral, das idades-da-vida.
A infância,, podemos por sua vez difèrenciã-la em três. ou em quatro
etapas — se queremos trazer para o âmbito de nosso exame a criança
ainda não nascida, idêntica com sua mãe.
A criança não nascida não tem ainda absolutamente nenhuma indi­
vidualidade propriamente dita, nenhuma individualidade que se refira de
maneira particular a objetos particulares, que recolha algo exterior em
um determinado ponto do seu organismo. A vida da criança não nascida
equipara-se à vida da planta. Assim como a planta não tem nenhuma
intussuscepção com solução de continuidade, mas uma nutrição de fluxo
contínuo, assim também a criança a princípio se alimenta por uma sucção
permanente e não possui ainda uma respiração que se interrompe.
Quando a criança [sai] desse estado vegetativo, em que se encontra no
seio materno, [e] é posta no mundo, ela passa para o modo animal de vida.
Por isso o nascimento é um salto colossal. A criança sai, pelo nascimento,
de um estado completamente sem oposição para entrar em um estado de
separação, na relação à luz e ao ar, e em uma relação, que se desenvolve
sempre mais, à objetividade singularizada em geral, e especialmente à ali­
mentação singularizada. A primeira maneira como a criança se constitui em
um [ser] autónomo é a respiração,, o absorver e expulsar do ar, em um ponto
singular do seu corpo interrompendo o fluxo elementar. J á lo g o depois do
nascimento da criança, mostra-se seu corpo quase perfeitamente o r g a n iz a d o ;
o que nele muda é somente sin g u la r; assim, por exemplo, só mais ta r d e s e
fe c h a o c h a m a d o foramen ovale". A m u d a n ç a p r in c ip a l d o corpo d a eríu n çu
consiste no crescer. Quanto a essa mudança, temos apenas a necessidade de
lembrar que na vida animal em geral — em oposição â vida vegetal — o
crescimento não é um “ir-fcra-de-si”, um “ser-arrancado-para-fora-de-si",
um “produzir” de novas formações, mas somente um desenvolvimento do
organismo; e que produz uma diferença simplesmente quantitativa formal,
que se refere tanto ao grau da força quanto à extensão. Tampouco preci­
samos aqui (o que jã foi feito, em seu lugar mais apropriado, na “Filosofia
da Natureza”) analisar pormenorizadamente que esse ser todo-pronto da
corporeidade, que, inexistindo na planta, só se realiza no organismo ani­
mal; essa recondução de todos os membros à unidade negativa simples da
vida é o fundamento do sentimento-de-si que nasce no animal e, portanto,
também na criança. Ao contrário, aqui temos de ressaltar que no homem
o organismo animal atinge sua forma mais perfeita. Nem mesmo o animal
mais perfeito pode mostrar esse corpo finamente organizado, infinitamente
flexível, que percebemos jã na criança recém-nascida. Contudo a criança
aparece inicialmente em uma dependência e carência bem maior que os
animais. No entanto, revela-se também aqui sua natureza superior. Na criança,
a necessidade \Bedurjnis\ se faz logo conhecer, rudemente, raivosamente,
imperiosamente. Enquanto o animal é mudo, ou só exprime sua dor por
gemidos, a criança exterioriza suas necessidades por gritos. Por essa ativi­
dade ideal, mostra-se a criança penetrada logo pela certeza de que tem um
direito a exigir do mundo externo a satisfação de suas necessidades; e que
a autonomia do mundo externo diante do homem, nada é.
Quanto ao desenvolvimento espiritual da criança nessa primeira fase de
sua vida, pode-se dizer que o homem nunca aprenderá mais do que nesse
tempo. A criança familiariza-se pouco a pouco com todas as especificações
do sensível. Aqui, o mundo externo se lhe toma algo real. A criança progride
da sensação à intuição. Inicialmente ela tem apenas uma sensação da luz pela
qual as coisas se tomam manifestas. Essa simples sensação induz a criança a
[querer] agarrar o que está longe como o que está perto. Mas pelo sentido do
tato a criança se orienta quanto às distâncias. Assim chega à medida-a-olho;
projeta, de modo geral, o exterior para fora de si mesmo. Também nessa
idade a criança aprende que as coisas externas oferecem resistência.
A passagem da idade da infanda à adolescência deve-se situar no fato
de que a atividade da criança se desenvolve em contraste com o mundo
externo, e que quando a criança alcança o sentimento da efetividade do
mundo externo começa a tornar-se ela mesma um homem efetivo, c a
sentir-se como tal; mas assim passa à tendência prática de pôr-se à prova
nessa efetividade. A c r ia n ç a se habilita paru essa atividade prâticu porque
ganha dentes, aprende a e s ta r dc pé, u andar e a falar. A primeira coisa


que aqui se lhe deve ensinar é o ficar de pé. Isso é peculiar ao homem e
só pode ser produzido por sua vontade: o homem só fica de pé quando
o quer, nós caímos no chão desde que não queiramos mais ficar de pé:
o estar de pé é, pois, o hábito da vontade de estar de pé.
Uma relação ainda mais livre com o mundo externo, adquire-a o ho­
mem por meio do andar; por ele, o homem elimina o “fora-um-do-outro”
do espaço e dã a si mesmo seu lugar. Mas a linguagem torna o homem
capaz de apreender as coisas como universais e de chegar à consciência
de sua própria universalidade, à enunciação do Eu. Esse apreender de sua
“eudade” [Ichtheit] é um ponto extremamente importante no desenvol­
vimento espiritual da criança: com esse ponto ela começa a sair de seu
ser-submerso no mundo externo para refletir-se sobre si mesma. Inicial­
mente, essa autonomia incipiente se exterioriza no fato de que a criança
aprende a brincar com as coisas sensíveis. Contudo, a coisa mais racional
que as crianças podem fazer com seus brinquedos é quebrã-los.
Ao passar a criança do jogo à seriedade do aprender, toma-se um
menino [Knabe]. Nessa idade, os meninos começam a tomar-se curiosos,
sobretudo de histórias; o que lhes interessa são as representações que não
se lhes oferecem imediatamente. Mas o principal aqui é o sentimento que
neles desperta, de que ainda não são o que devem ser; e o vivo desejo de
tomar-se como são os adultos em cujo âmbito eles vivem. Daí nasce a
mania-de-imitar dos meninos. Enquanto o sentimento da unidade imediata
com os pais é o leite materno espiritual por cuja sucção as crianças se de­
senvolvem, sua própria necessidade [Bediirfiiis] de se tomarem grandes, os
educa4. Essa aspiração, própria das crianças, a serem educadas é o movimento
imanente de toda a educação. Mas, como o menino se mantém ainda no
ponto de vista da imediatez, o [nível] mais alto a que deve elevar-se não
lhe aparece ainda na forma da universalidade ou da Coisa, mas na figura
de um dado, de um singular, de uma autoridade. E este e aquele homem
que forma o ideal que o adolescente se esforça por conhecer e imitar: só
concretamente, desse ponto de vista, o menino intui sua própria essência.
O que o menino tem de aprender deve pois lhe ser dado de autoridade e
com autoridade; ele tem [o] sentimento de que esse dado é algo superior
relativamente a ele. Esse sentimento há de ser fixado cuidadosamente na
educação. Por esse motivo deve-se declarar como um completo absurdo a
pedagogia do jogo, que pretende saber que o que é sério deve ser levado
ãs crianças como um jogo, e exige dos educadores que desçam ao nível
da inteligência infantil, em vez de a elevar a seriedade da Coisa. Essa

4. Trocadilho em alemão: gmB wtrden ~ ficar grande, gtvHzirbm ■■educar. OrÍar<

76
educação pelo jogo pode ter sobre toda a vida do menino a consequência
de que ele considere tudo com espírito de desprezo. Tal resultado triste
pode também ser provocado por uma incitação [feita] aos meninos para
raciocinar, recomendada constantemente por pedagogos insensatos; dessa
maneira, [o que] eles adquirem facilmente [é] algo de petulante. Sem du­
vida, o pensar próprio dos meninos deve ser despertado; mas não é lícito
entregar a dignidade da Coisa a seu entendimento imaturo e frívolo.
No que toca mais precisamente a um dos lados da educação — à
disciplina —, não se há de permitir ao adolescente abandonar-se a seu pró­
prio bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência
c o começo de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não
conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim — pelo que
ainda não é verdadeiramente autónoma e livre, mas, antes, uma vontade
despreparada — faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de
tora, e que pouco a pouco esta se tome a sua vontade. Pelo contrário, se
se permite aos meninos fazerem o que lhes apraz, comete-se ainda por
cima a tolice de lhes dar de bandeja razões para seus caprichos, e assim
se cai na pior maneira da educação; então nasce nos meninos a atividade
lamentável de alojar-se no bel-prazer particular, na sagacidade esquisita,
no interesse egoísta — [que são] a raiz de todo o mal. Por natureza, o
menino nem é mau nem bom; pois, para começar, nem tem conhecimento
do bem nem do mal. Ter essa inocência ignorante por um ideal, e desejar
voltar para ela, seria idiota; ela é sem valor e de curta duração. Logo s e
manifesta no menino o capricho e o mal. O capricho deve ser quebrado
pela disciplina; por ela deve ser aniquilado esse gérmen do mal.
Quanto ao outro lado da educação — a instrução —, há que notar
que ele começa de modo racional pelo mais abstrato que possa ser cap­
tado pelo espírito do menino. São isso as letras. Elas pressupõem uma
abstração à qual povos inteiros, mesmo os chineses, por exemplo, nftn
chegaram. A linguagem, em geral, é esse elemento aéreo, esse sensível
não sensível, por cujo conhecimento progressivo o espírito do menino é
elevado sempre mais — para além do sensível, do singular — ao universul,
ao pensar. Esse habilitar-se ao pensar é o maior proveito do ensino pri­
mário. Contudo, o menino só chega até o pensar representativo; o mundo
v somente para sua representação; aprende as naturezas constitutivas das
coisas, familiariza-se com as relações do mundo natural e do mundo cs-
piritual, interessa-se pelas Coisas; todavia, ainda não conhece o inundo
em sua conexão interior. Só o homem chega a esse conhecimento. M a s
não se pode negar ao menino uma inteligência imperfeita do natural e da
espiritual. Portunto, d e v e - s e designar como um erro a afirmação de que o
menino nada absolutamente entenderia de religião e de direito e por isso
não há por que aborrecê-lo com esses assuntos; não se deve em geral
lhe impingir representações, mas lhe proporcionar experiências próprias
e contentar-se com deixá-lo estimular-se pelo sensivelmente presente. Jã
a Antiguidade não permitia permanecerem longamente as crianças no
sensível; mas o espírito moderno contém ainda uma elevação totalmente
outra sobre o sensível, um aprofundamento muito maior em sua interio­
ridade, do que [tinha] o espírito antigo. O mundo suprassensível já deve,
portanto, ser posto desde logo cedo ao alcance da representação do me­
nino. Isso acontece por meio da escola em um grau muito mais amplo
de que na família. A criança é valorizada na família em sua singularidade
imediata: é amada, quer seu comportamento seja bom quer seja mau.
Ao contrário, na escola a imediatez da criança perde sua validade, aqui
a criança só é estimada enquanto tem valor, enquanto realiza algo; aqui
não é mais simplesmente amada, mas é criticada e orientada de acordo
com determinações universais, segundo regras fixadas pelos objetos do
ensino, submetida, de modo geral, a uma ordem universal que proíbe muita
coisa [que é] em si inocente, porque não se pode permitir que todos o
façam. Assim a escola forma a passagem da família à sociedade civil. No
entanto, o menino tem para com essa [sociedade] somente uma relação
indeterminada; seu interesse ainda se divide entre o aprender e o jogar.
O menino toma-se um j&vem quando na entrada da puberdade a vida
do gênero começa nele a movimentar-se e a lhe proporcionar satisfação. O
jovem se volta, de modo geral, para o Universal substancial; seu ideal não
lhe aparece mais, como aparecia à criança, na pessoa de um homem, mas
é apreendido por ele como um universal independente de tal singularidade.
Porém, esse ideal tem ainda no jovem uma figura mais ou menos subjetiva,
que vive nele como ideal do amor e da amizade, ou como ideal de um
estado-do-mundo universal. Nessa subjetividade do conteúdo substancial,
situa-se não só sua oposição ao mundo presente, mas também o esforço
por suprassumir essa oposição por meio da efetivação do ideal. O con­
teúdo do ideal infunde no jovem o sentimento da força-de-agir: por isso o
jovem se julga chamado e apto a transformar o mundo, ou pelo menos a
redirecionar o mundo que parece ter saído fora dos eixos. Não é enxergado
pelo espírito apaixonado do jovem que o Universal substancial, contido em
seu ideal, já tenha chegado quanto à sua essência a seu desenvolvimento
e efetivação no mundo. A efetivação desse universal se lhe afigura [antes]
uma queda universal do mesmo. Por isso sente que não são reconhecidos
pelo mundo tanto seu ideal como sua personalidade própria Assim a paz
em que a criança vivia com o mundo é rompida pelo jovem. Por causa

78
dessa orientação para o ideal, a juventude dá a aparência de um sentido
mais nobre e de um desinteresse maior do que se mostram no homem
que cuida de seus interesses particulares, temporais. Ao contrário, no en­
tanto, deve ser notado que o homem não está mais preso a seus impulsos
particulares e a suas visões subjetivas, nem preocupado somente com seu
desenvolvimento pessoal, mas está mergulhado na razão da efetividade e se
mostra ativo para o mundo. O jovem chega necessariamente a esse termo.
Seu fim imediato é o de formar-se para capacitar-se à efetivação de seus
ideais. Na tentativa dessa efetivação, toma-se o homem [adulto].
No começo, a passagem de sua vida ideal à sociedade dvil pode
parecer ao jovem como uma dolorosa passagem à vida de filisteu. Até
então preocupado apenas com objetos universais, e trabalhando só para
si mesmo, o jovem que se toma homem deve, ao entrar na vida prática,
ser ativo para os outros e ocupar-se com singularidades.
Ora, por mais que isso resida na natureza da Coisa — já que, se se
deve agir, tem-se de avançar em direção ao singular —, no começo a
preocupação com singularidades pode ser muito penosa para o homem,
e a impossibilidade de efetivação imediata de seus ideais pode fazê-lo hi­
pocondríaco. Ninguém pode escapar com facilidade dessa hipocondria,
por invisível que possa ser em muitos [casos]. Quanto mais tarde o homem
for acometido por ela, mais graves seus sintomas. Nas naturezas fracas, a
hipocondria pode estender-se pela vida inteira. Nesse humor doentio, o
homem não quer renunciar à sua subjetividade, não pode superar sua
aversão contra a efetividade, e se encontra, justamente por isso, no estado
de incapacidade relativa, que facilmente se toma uma efetiva incapacidade.
Se, portanto, o homem não quer arruinar-se, deve reconhecer o mundo
como um mundo autónomo, concluído quanto ao essencial; aceitar as
condições que lhe são postas por ele e arrancar de sua dureza o que quer
ter para si mesmo. Só por necessidade [Notw.] o homem acredita prestar-se
a essa obediência, em regra [geral]. Mas na verdade essa unidade com o
mundo não deve ser reconhecida como uma relação de necessidade
[Notw.], mas como a relação racional. O racional, o divino, possui o poder
absoluto de efetivar-se, e desde sempre se realizou: não é tão importante
que primeiro tivesse de esperar pelo começo de sua efetivação. O mundo
é essa efetivação da razão divina: apenas na sua superfície reina o jogo
dos acasos sem-razão. Pode portanto o mundo, pelo menos com tanto
direito — e, sem dúvida, com mais direito ainda que o indivíduo que se
torna um homem —, ter a pretensão de valer como [algo todo] pronto
c autónomo; e o homem, por isso, age dc modo totalmente racional
ao renunciar ao plano de uma completa transformação do mundo; c ao

HL
esforçar-se por efetivar seus fins, paixões e interesses pessoais unicamente
em seu entrosamento com o mundo. Assim também lhe resta espaço para
sua atividade honrosa, de largo alcance, e criativa. Com efeito, embora o
mundo deva ser reconhecido como já pronto no essencial, não é nada de
morto, nada de absolutamente em repouso; mas, como o processo vital,
é algo que sempre se produz de novo; algo que, enquanto apenas se
conserva, ao mesmo tempo progride. Nessa conservadora produção e
desenvolvimento do mundo consiste o trabalho do homem. Podemos,
pois, de um lado dizer que o homem só produz o que já existe. Por outro
lado, contudo, é necessário também que um progresso seja efetuado por
sua atividade. Mas o progredir do mundo só ocorre nas massas enormes,
e só se faz notar em uma grande soma de coisas produzidas.
Se o homem, depois de um trabalho de cinquenta anos, lança um
olhar para trás sobre seu passado, já reconhecerá o progresso [feito]. Esse
conhecimento, assim como a inteligência da racionalidade do mundo,
liberta-o da tristeza pela destruição de seus ideais. O que nesses ideais é
verdadeiro conserva-se na atividade prática; só o não verdadeiro, as abs­
trações vazias, [é que] o homem deve desgastar. O âmbito e a espécie
de sua tarefa podem ser muito diversos; mas o substancial é o mesmo
em todas as tarefas humanas; a saber, o jurídico, o ético e o religioso.
Por isso, podem os homens encontrar em todas as esferas de sua ativi­
dade prática satisfação e honra, se eles em toda a parte cumprem o que
se lhes exige na esfera particular a que pertencem por casualidade, por
necessidade exterior, ou por livre escolha. Por isso é preciso, antes de
todas as coisas, que a cultura do jovem que se toma um homem seja
implementada, e que tenha concluído os estudos; e, em segundo lugar,
que se decida a cuidar ele mesmo de sua subsistência, de modo que
comece a tornar-se ativo para com os outros. A simples cultura não faz
dele ainda um homem perfèitamente acabado; isso só vem a ser mediante
o próprio cuidado inteligente de seus interesses temporais; assim como
também os povos só aparecem na sua maioridade quando conseguiram
não ser excluídos de tomar conta de seus interesses materiais e espirituais
por um governo que se chama paternalista.
Ora, quando o homem passa para a vida prática, pode certamente ficar
triste e indignado com a situação do mundo, e perder a esperança em sua
melhora; mas apesar disso ele se instala dentro de relações objetivas, e vive
na familiaridade com elas e com suas tarefas. Os objetos com que tem de
se ocupar são, decerto, objetos singulares, mutáveis; em sua peculiaridade,
mais ou menos novos. Mas ao mesmo tempo essas singularidade» têm
em si um universal, uma regra, algo conforme à sua lei. O r a , q u a n to mais
tempo o homem é ativo em sua tarefa, tanto mais esse universal se lhe
desprende de todas as particularidades. Desse modo chega a estar total­
mente à vontade na sua profissão, a se familiarizar completamente com sua
determinação. O essencial, em todos os objetos de sua tarefa, lhe é então
totalmente óbvio; e só o individual, o inessencial pode por vezes conter
algo de novo para ele. Mas justamente porque sua atividade se tomou tão
completamente ajustada à sua tarefa que já não encontra resistência alguma
em seus objetos, justamente por esse perfeito “ser-formado” de sua ativi­
dade, extingue-se sua vitalidade; pois, ao mesmo tempo, com a oposição do
sujeito e do objeto desaparece o interesse do primeiro pelo segundo. Assim,
pela rotinização da vida espiritual, como também pelo embotamento da
atividade de seu organismo físico, o homem se toma um ancião.
O ancião vive sem interesse determinado, porque renunciou à es­
perança de poder efetivar os ideais antes cultivados, e o futuro não lhe
parece prometer nada de novo, [pois] ele acredita, antes, já conhecer o
universal, o essencial, de tudo o que eventualmente possa acontecer-lhe.
Assim, o sentido do ancião está somente voltado para esse universal c
para o passado ao qual deve o conhecimento desse universal. Mas ao
viver assim, à recordação do passado e do substancial, esquece o singular
do presente e do arbitrário, por exemplo [esquece] os nomes, tanto como,
inversamente, fixa em seu espírito os sábios ensinamentos da experiência
e se tem por obrigado a fazer sermões aos mais jovens. No entanto, essa
sabedoria — essa coincidência perfeita da atividade subjetiva com o seu
mundo — conduz de volta à infanda carente-de-oposições, não menos que u
atividade de seu organismo físico, tomada uma rotina carente-de-processos,
passa à negação abstrata da singularidade viva, passa à morte.
Assim, o curso das idades da vida humana se conclui em uma tottt*
Iidade, determinada pelo conceito, de mudanças que são produzidas pelo
processo do gênero [em relação] com a singularidade.
Como na descrição da diversidade das raças humanas, e na caracte­
rização do espírito nacional também — para poder falar de uma maneira
determinada do curso das idades da vida do indivíduo humano —, devemos
antecipar o conhecimento do espírito concreto, que ainda não é para ser
considerado na antropologia, porque ele se insere naquele processo de
desenvolvimento, e fazer uso desse conhecimento para a diferenciação
dos diversos graus desse processo.

§ 397
2) O momento da oposição real do indivíduo a si mesmo,
de modo que sc procura c encontra em outro indivíduo, [é] a

ãk
relação-dos-sexos\ uma diferença natural; de um lado a subjetividade,
que fica unida consigo mesma na sensação da eticidade, do amor
etc., não progride até o extremo do universal nos fins, no Estado,
na ciência, na arte etc.; de outro lado, é a atividade que se urde
em si mesma para [constituir] a oposição de interesses universais,
objetivos, contra a existência presente, própria [do indivíduo] e a do
mundo externo, e que efetiva esses interesses nessa existência, em
uma unidade somente produzida. A relação dos sexos adquire sua
significação e determinação espiritual e ética somente na fa m ília .

§ 398
3) A diferenciação da individualidade, enquanto essente para si,
em contraste consigo mesma, enquanto apenas essente, é — enquan­
to ju íz o imediato — o despertar da alma, que vem contrapor-se à
sua vida natural encerrada dentro de si mesma, inicialmente como
determinidade natural, e como estado [desperto] em contraste com
outro estado, o sono. O despertar não é somente para nós, ou exte­
riormente, diferente do sono; ele mesmo é o ju ízo da alma indivi­
dual, cujo ser-para-si é, para ela, a relação dessa sua determinidade
ao seu ser, o diferenciar-se dela mesma de sua universalidade ainda
indiferenciada. No estar acordado incide, em geral, toda a atividade
consdente-de-si e racional da diferendação essente-para-si do espírito.
O sono é a confirmação dessa atividade, não como seu repouso
simplesmente negativo, mas como retorno, desde o mundo das de-
term inidades, desde a dispersão e a fixação nas singularidades, para
a essência universal da subjetividade; essência que é a substância
dessas determinidades e a potência absoluta [em dma] delas.
Costuma-se propor a diferença entre o sono e a vigília como
uma “vexata quaestio [quebra-cabeças], como se diz, posta à
filosofia (mesmo Napoleão, de visita à Universidade de Pavia,
propôs essa questão à classe de ideologia). A determinidade
apresentada no parágrafo é abstrata enquanto se refere antes
de tudo ao despertar como despertar natural, em que o des­
pertar espiritual está, sem dúvida, contido implicitamente, mas
ainda não está posto como ser-aí Se fosse preciso falar mais
concretamente dessa diferença, que permanece a mesma em
sua determinação-fundamental, dever-se-ia tomar o ser-para-si
da alma individual de modo jã determinado, como [o] Eu
da consciência e como espírito [dotado] de entendimento,
A dificuldade, que se suscita com a diferenciação desses dois
estados, só nasce propriamente quando se acrescenta o sonho
ao sono, e depois se determinam as representações da cons­
ciência desperta [e] lúcida também como representações apenas;
o que seriam igualmente os sonhos. Nessa superficial determi­
nação de “representações” convêm os dois estados; isto é, assim
se passa por cima de sua diferença, e a cada distinção que se
aduza [como própria] da consciência desperta, se faz voltar
à observação banal de que esta, contudo, também contém
unicamente representações.
No entanto, o ser-p>ara-si da alma desperta, apreendido concre•
tamente, é consciência e entendimento\ e o mundo da consciên-
cia-de-entendimento é algo totalmente outro que um quadro
de simples representações e imagens. Essas últimas, enquanto
tais, estão ligadas exteriormente, segundo as assim-chamadas
leis da pretensa associação-de~ideias, de um modo não conforme
ao entendimento, mesmo que num ponto ou noutro se pos­
sam introduzir, decerto, categorias. Mas no estado desperto o
homem se comporta essencialmente como Eu concreto, como
entendimento; por esses, a intuição se lhe defronta como to­
talidade concreta de determinações, em que cada segmento,
cada ponto, ocupa seu lugar, determinado simultaneamente
por todos e com todos os outros. Assim, o conteúdo tem sua
garantia não pelo mero representar e diferenciar subjetivos do
conteúdo, como de algo externo à pessoa; mas pela conexão
concreta em que cada parte está com todas as partes desse
complexo. O despertar é a consciência concreta dessa confir­
mação recíproca de cada momento singular de seu conteúdo,
por todos os demais momentos do quadro da intuição. Essa
consciência não teve aqui a necessidade de ser desenvolvidu
distintamente; mas essa determinidade abrangente está contidu
e presente no sentimento concreto de si mesma.
Para conhecer a diferença entre dormir e estar desperto,
basta ter em geral ante os olhos a distinção kantiana entre a
objetividade da repreaentuçflo (seu ser-determinado por catcgo-
rias) e sua subjetividade, ao m esm o tem po, deve-se saber que,
conform e notado acima, o que está efetivamente presente ao
espírito nem por isso tem necessidade de estar posto de m odo
explícito em sua consciência — tam pouco a elevação a Deus,
do espírito que o sente, tem necessariam ente de estar sob a
form a de provas da existência de Deus; em bora essas provas,
com o se analisou antes, só exprimam totalm ente o teor e o
conteúdo daquele sentimento.

Adendo: Pelo despertar, a alma natural do indivíduo humano entra em


um relacionamento, para com sua substância, o qual deve considerar-se
como a verdade, como a unidade das duas relações que têm lugar entre a
singularidade e a universalidade substancial — ou o gênero — do homem.
Ocorrem [essas relações,] de um lado, no desenvolvimento que produz
os cursos das idades-da-vida\ de outro lado, na relação dos sexos, entre a
singularidade e a universalidade ou o gênero humano. Com efeito, enquanto
no curso das idades da vida a alma aparece como um sujeito, [como] o
que persiste, mas as diferenças que nela surgem são apenas alterações (por
conseguinte, diferenças que somentefluem , que não subsistem); — enquanto,
ao contrário, na relação dos sexos o indivíduo chega a uma diferença fixa ,
à oposição real consigo mesmo, e a relação do indivíduo ao gênero em
si mesmo ativo desenvolve-se em uma relação a um indivíduo do sexo
oposto — enquanto, pois, ali predomina a unidade simples, e aqui a oposição
fix a —, nós vemos na alma desperta uma relação não puramente simples,
mas antes mediatizada pela oposição da alma consigo, e nesse ser-para-si
da alma [vemos] a diferença que não é tão fluida quanto a diferença nas
idades-da-vida, nem uma diferença fixa como na relação dos sexos, mas
como o produzir-se de uma alternância duradoura dos estados do sono
e da vigília num só e no mesmo indivíduo. Mas a necessidade da pro­
gressão dialética da relação dos sexos ao estado desperto da alma reside
mais precisamente em que cada um dos indivíduos, que estão em relação
recíproca de sexos, se encontra a si mesmo no outro, em virtude de sua
unidade em si essente — a alma chega, de seu ser-em-si, ao seu ser-para-si,
o que significa, exatamente, do sono à vigília. O que está repartido em
dois indivíduos na relação de sexos — a saber, uma subjetividade que
permanece em unidade imediata com sua substância e uma subjetividade
que entra em oposição com essa substância —, isso é reunido na a lm a que
desperta, e assim perdeu a fixidez de sua oposição, e obteve e s s a fluidez
da diferença, p e la qual s e t o m a s im p le s estados [s u c e s s iv o s ]. O s o n o 0 o
e s t a d o d o s u b m e r g is s e d a alma e m s u a u n id a d e in d ife r e n c ia d a ; a vitflia,
ao contrário, é o estado do dissolver-se da alma a oposição a essa uni­
dade simples. A vida natural do espírito tem aqui ainda sua subsistência;
porque, embora a primeira imediatez da alma já tenha sido suprassumida
o agora seja rebaixada a um simples estado, todavia aparece, igualmente
ainda na forma de um simples estado, o ser-para-si da alma que se realizou
pela negação daquela imediatez. O ser-para-si — a subjetividade da alma
— não se reuniu ainda com sua substancialidade essente em si, as duas
determinações aparecem ainda como estados que se excluem mutuamente,
que se alteram. Decerto, no ser-desperto incide a atividade verdadeiramen­
te espiritual — a vontade e a inteligência. Contudo, não temos ainda a
considerar aqui o ser-desperto em sua significação concreta, mas só como
estado; por conseguinte, como algo essencialmente distinto da vontade e
da inteligência. Mas [o fato de] que o espírito, que em sua verdade deve
ser apreendido como pura atividade, tenha em si os estados do sono e da
vigília deriva de que ele mesmo é também uma alma, e enquanto alma se
rebaixa à forma de algo natural, imediato, passível. Nessa figura o espírito
somente sofre o seu vir-a-ser-para-si. Pode-se dizer, pois, que o despertar é
efetuado porque o relâmpago da subjetividade atravessa a forma da ime­
diatez do espírito. Na verdade, o espírito livre pode também determinar-se
para o despertar; mas aqui na Antropologia só consideramos o despertar
enquanto é um sobrevir, e de fato um sobrevir totalmente indeterminado,
de modo que o espírito se encontra a si mesmo, e encontra um mundo
a ele contraposto, em geral: um encontrar-se; que inicialmente só avança
até a sensação, mas que fica ainda muito longe da determinação concreta
da inteligência e da vontade. Que a alma, ao despertar, simplesmente se
encontre a si e ao mundo — essa dualidade, essa oposição —, nisso consiste
justamente aqui a naturalidade do espírito.
Ora, a diferenciação, subsequente ao despertar, da alma entre si mesma
e o mundo está em conexão, por causa de sua naturalidade, com uma
diferença [de ordem] física, a saber, com a alternância do dia e da noite.
É natural, para o homem, estar acordado de dia e dormir de noite, pois,
como o sono é o estado da indiferenciação da alma, a noite obscurece a
diferença das coisas; e, assim como o despertar expõe o diferenciar-se da
alma consigo-mesma, a luz do dia ressalta a diferença das coisas. Contudo,
não só na natureza física mas também no organismo humano, encontra se
uma diferença que corresponde à diferença do sono e da vigília da alma.
No organismo animal, o lado de seu permanecer-em-si deve difcrenciar se
csscncialmcnte de seu ser-nrientado para outro. Bichai15 denominou, o pri5*

5. M iirir Itiiiiçoín Xiivier B títm t, N fi/ir n Arx pkysiologiquex x u r h t v i t r Io m ttrf (PhHn, 1800);
4*cnlívfln, IK 22, p|>. 7«.
meiro lado, a vida orgânica, e o segundo, a vida animal. Na vida orgânica
ele inclui o sistema da reprodução — a digestão, a circulação do sangue,
a transpiração, a respiração. Essa vida prossegue no sono; só termina com
a morte. Ao contrário a vida animal, a que pertence, segundo Bichat, o
sistema da sensibilidade e da irritabilidade, a atividade dos nervos e dos
músculos, esse “ser-orientado-para fora” teórico e prático, cessa com o sono;
por isso já os antigos tinham apresentado o sono e a morte como irmãos.
A única maneira como o organismo animal no sono ainda se relaciona com
o mundo externo é a respiração; essa relação totalmente abstrata com o
elemento indiferenciado que é o ar. Com a exterioridade particularizada, ao
contrário, o organismo sadio do homem não está mais em relação alguma
Se, por conseguinte, o homem se toma ativo no sono, então está doente.
Isso ocorre com os sonâmbulos. Esses se movem com a maior segurança;
alguns chegaram a escrever e a selar cartas. Contudo, no sonambulismo, o
sentido da vista é paralisado, o olho [fica] em um estado cataléptico.
No que Bichat chama vida animal\ reina assim uma alternância de
repouso e atividade, e por isso, como na vigília, uma oposição, enquanto a
vida orgânica, que não entra nessa alternância, corresponde à indiferendação
da alma, que se dá no sono.
Fora dessa diferença da atividade do organismo, há que notar, na
configuração dos órgãos da vida interior, e da vida dirigida para fora, uma
diferença conforme à diferença do sono e da vigília. Os órgãos exterio­
res — os olhos, as orelhas —, assim como as extremidades, as mãos
e pés, são simetricamente duplicados^ e, diga-se de passagem, por essa
simetria são aptos a tomar-se objeto da arte. Ao contrário, os órgãos in­
teriores ou não têm duplicação, ou pelo menos só têm uma duplicação
assimétrica. Só temos um estômago. Nosso pulmão tem, sem dúvida, dois
lobos, como o coração tem dois ventrículos; mas tanto o coração como
o pulmão também já possuem a relação do organismo a um oposto, ao
mundo externo. Além disso, nem os lobos do pulmão nem os ventrículos
do coração são tão simétricos quanto os órgãos exteriores.
No que concerne à diferença espiritual da vigília com o sono, além do
que foí dito no parágrafo acima, pode-se ainda notar o que segue. Nós
determinamos o sono como esse estado em que a alma não se diferencia
nem em si mesma, nem do mundo externo. Essa determinação, em si e para
si necessária, está confirmada pela experiência. Porque, se nossa alma todo
o tempo só sente ou representa para si uma só e a mesma coisa, toma-se
sonolenta. Assim o movimento uniforme do balancear, o embalar monótono,
o murmúrio de um riacho, podem suscitar em nós sonolência. O mesmo
efeito se produz pelo falatório, pelas narrações desconexas sem conteúdo.
Nosso espírito só se sente completamente desperto quando se lhe oferece
algo que é ao mesmo tempo novo e rico de conteúdo, algo inteligentemente
em si diferenciado e coerente: pois em tal objeto o espírito se reencontra a
si mesmo. A vitalidade do ser desperto pertencem também a oposição e a
unidade do espírito com o objeto. Ao contrário, se o espírito não acha no
outro a totalidade diferenciada em si mesma que ele mesmo é, retira-se dessa
objetividade para sua unidade indiferenciada consigo mesmo, se enfastia e
adormece. Mas, no que acaba de ser notado, jã está contido que não é o
espírito em geral, senão precisamente o pensar do entendimento e o da razão
que devem ser postos sob pressão pelo objeto, caso o ser-desperto deva
estar presente com toda a nitidez de sua distinção em relação ao sono e ao
sonhar. Podemos na vigília — se tomamos o termo em sentido abstrato —
ter muito tédio; e inversamente é possível que nos interessemos vivamente
por algo no sono. Mas no sono só é excitado o interesse de nosso pensar
representativo, e não do nosso pensar de entendimento.
No entanto, como a representação indeterminada do interessar-se
pelos objetos não basta para a diferenciação entre a vigília e o sono,
tampouco a determinação da clareza pode parecer suficiente para aquela
diferenciação. Pois, em primeiro lugar, essa determinação é apenas quan­
titativa: exprime somente a imediatez da intuição; portanto, não exprime
o verdadeiro, o que só temos diante de nós se nos persuadimos de que
o intuído é, em si mesmo, uma totalidade racional. Em segundo lugar,
sabemos muito bem que o sono não se diferencia sempre da vigília como
o menos claro, mas ao contrário muitas vezes, em especial nas doenças
e nos exaltados, é mais claro que a vigília.
Enfim, não seria dada também nenhuma diferenciação satisfatória ao
dizer, de modo totalmente indeterminado, que o homem só pensaria na
vigília. Porque o pensar, em geral\ pertence tanto à natureza do homem,
que ele pensa sempre, também no sono. Em todas as formas do espirito
— no sentimento, na intuição, como na representação — permanece o
pensar [como] a base. Por isso, enquanto ele é essa base indeterminudu,
não é tocado pela alternância do sono e da vigília; não constitui aqui
exclusivamente um lado da mudança, mas está, enquanto atividade total*
mente universal, por sobre os dois lados dessa alternância. Ao contrário,
a Coisa se comporta diversamente em relação ao pensar, na medida cm
que ele se contrapõe às outras formas do espírito como uma forma dife­
rente da atividade espiritual. Nesse sentido, o pensar cessa no sono c no
sonho. Entendimento e razão — as modalidades do pensar propriamente
dito — são ativos somente mi vigília. Só no entendimento a determina­
ção ubfitratu, que compete á alma desperta — do [ser] natural, de sua
substância indiferenciada, e do mundo externo —, tem sua significação
concreta, intensiva\ já que o entendimento é o ser-em-si infinito, que se
desenvolveu em [tornando-se] totalidade, e justamente por isso se liber­
tou da singularidade do mundo externo. Mas, quando o Eu é livre em si
mesmo, faz os objetos independentes de sua subjetividade, e os considera
igualmente como totalidades e como membros de uma totalidade que os
abarca a todos. Ora, no exterior a totalidade não está como livre ideia,
mas como conexão da necessidade. Essa conexão objetiva é aquilo por que
as representações que temos na vigília se diferenciam essencialmente das
que surgem no sono. Se, pois, me acontece na vigília algo cuja conexão
com o restante estado do mundo externo não consigo ainda descobrir,
posso questionar: estou acordado ou sonhando? No sonho procedemos
como [seres] que representam; então nossas representações não são go­
vernadas pelas categorias do entendimento. O simples representar arranca
as coisas à sua conexão concreta, [e] as isola. Por isso no sonho tudo flui
para fora um do outro, se entrecruza em desordem selvagem, os objetos
perdem toda a sua conexão necessária, objetiva, de entendimento e de
razão, e só entram em uma relação totalmente superficial, contingente,
subjetiva. Acontece assim que algo ouvido no sono, nós o deslocamos para
uma conexão totalmente outra da que tem na efetividade. Por exemplo,
ouve-se bater uma porta com força; acredita-se que foi dado um tiro, e
se imagina então uma história de assaltantes. Ou, ainda, sente-se no sono
uma pressão sobre o tórax e se interpreta isso por meio do pesadelo. O
surgir de tais representações falsas no sono é possível porque nesse es­
tado o espírito não é a totalidade essente para si, com a qual compara,
durante a vigília, todas as suas sensações, intuições e representações, para
conhecer a objetividade ou não objetividade daquele conteúdo a partir da
concordância ou não concordância das sensações, intuições e representações
singulares com a totalidade essente para si. Também quando está desperto
o homem pode, decerto, no falatório, abandonar-se a representações intei­
ramente vazias, subjetivas; mas, se não perdeu o entendimento, ele sabe
ao mesmo tempo que essas representações são somente representações,
porque estão em contradição com sua totalidade presente.
Somente aqui e ali se encontra no sonho alguma coisa que tenha
uma ligação apreciável com a efetividade. Isso vale em especial para os
sonhos antes da meia-noite; neles as representações podem ainda, em
certa medida, ser reunidas em ordem pela efetividade com que estive­
mos ocupados durante o dia. A meia-noite, como os ladrões muito bem
sabem, o sono é o mais profundo; então a alma se retirou, paru dentro
de si mesma, dc toda a tensão dirigida ao mundo externo. Depois du

M
meia-noite, os sonhos se tomam ainda mais arbitrários que antes. N o
entanto, às vezes pressentimos no sonho alguma coisa que nâo notamos
na distração da consciência desperta. Assim, [um] sangue pesado p o d e
suscitar no homem o sentimento determinado de uma doença, da q u a l
ainda não tinha suspeitado na vigília absolutamente nada. Igualmente, u m a
pessoa pode no sono ser excitada pelo odor de um corpo intumescido
a sonhar em incêndios que só alguns dias depois se declaram, e c u jo s
sinais precursores não tínhamos notado na vigília.
Concluindo, há que notar ainda que a vigília, enquanto estado n a tu r a l,
enquanto tensão natural da alma individual em relação ao mundo e x te r n o ,
tem um limite, uma medida; que portanto a atividade do espírito d e s p e r t o
cansa e assim provoca o sono; o qual, de seu lado, tem um limite e deve
encaminhar-se para o seu contrário. Essa dupla passagem é o modo p e lo
qual, nessa esfera, chega à manifestação a unidade da substancialidade
essente em si da alma com sua singularidade essente para si.

,3°) Sensação j

§ 399
D orm ir e estar desperto, na verdade, são antes de tudo não
simples mudanças, mas estados que se alternam (progresso até o infi­
nito). M as nessa sua relação formal, negativa, está tam bém presente
a relação afirm ativaj N o ser-para-si da alma desperta está contido o
ser enquanto m om ento ideal; assim a alma desperta encontra dentro
de s i mesma e, a bem dizer, para si, as determ inidades de conteúdo
de sua natureza dorm indo, que com o em sua substância estão, em
si, nela. Enquanto determinidade, esse [ser] particular é diferente dtt
identidade de ser-para-si consigo mesmo, e ao m esm o tem po estã
contido simplesmente nessa simplicidade: é a sensação.

Adendo: Quanto à progressão dialética, da alma que desperta [até] à


sensação, temos a notar o que segue. O sono que ocorre depois da vigília
é a maneira natural do retomo da alma, [a partir] da diferença, à unida*
de indiferenciada consigo mesma. Enquanto o espírito permanece preso
nos laços da naturalidade, não apresenta esse retomo outra coisa que a
reiteração vazia do começo, um percurso circular enfadonho. Mas em si,
ou segundo o conceito, naquele retorno está contido um progresso. Pois a
passagem do sono à vigília e da vigília ao sono tem para nós o resultado,
tanto positivo como negativo, de que tanto o ser substancial indiferenciado
da alma no sono quanto seu ser-para-si ainda totalmente abstrato, ainda
totalmente vazio, que se realiza na vigília, mostram-se em sua separação
como determinações unilaterais, não verdadeiras, e fazem surgir sua uni­
dade concreta como [sendo] sua verdade. Na alternância recorrente do
sono e da vigília, essas determinações somente tendem sempre para sua
unidade concreta, sem atingi-la nunca; cada uma dessas determinações
somente cai sempre para sua própria unilateralidade da determinação
oposta. Mas essa unidade, somente aspirada nessa alternância, chega à
efetividade na alma que-sente. ^Quando a alma sente, está lidando com uma'
determinação imediata, essentè, ainda não produzida por ela, mas somente 1
pré-encontrada por ela; dada interior ou exteriormente e, portanto, que
dela não depende. Mas ao mesmo tempo essa determinação está submersa
na universalidade da alma, e desse modo está negada em sua imediatez:
por isso está posta idealmente. Por conseguinte, a alma que sente retoma
para si mesma nesse seu outro, como no que é seu; a alma está junto
de si mesma no imediato, no essente que ela sente. Assim, o ser-para-si
abstrato, presente na vigília, recebe pelas determinações que estão contidas
na natureza adormecida da alma — no ser substancial da alma — seu
primeiro preenchimento. Efetivada, garantida por esse preenchimento, a
alma se assegura seu ser-para-si, seu ser-desperto: ela não é simplesmente
para si, mas põe-se também como essente para si, como subjetividade, como
negatividade de suas determinações imediatas. Só assim [é que] a alma
atingiu sua verdadeira subjetividade. Esse ponto subjetivo da alma não
está mais separado, contraposto à sua imediatez, mas se faz valer no [ser]
multiforme que está contido, quanto à possibilidade, naquela imediatez.
A alma que-sente introduz em sua interioridade o [ser] multiforme, [e]
assim suprassume a oposição de seu ser-para-si (ou de sua subjetividade)
e de sua imediatez (ou de seu ser-em-si substancial). No entanto, não [o
faz] da maneira como no retomo da vigília ao sono: seu ser-para-si dá
lugar ao seu contrário, àquele simples ser-em-si, mas de modo que seu
ser-para-si se conserve, se desenvolva e confirme na mudança, no outro;
enquanto, ao contrário, a imediatez da alma é rebaixada, da forma de
um estado existente ao lado desse ser-para-si, a uma determinação que
subsiste somente nesse ser-para-si, — por conseguinte, a uma aparência.
Pelo sentir, portanto, a alma chegou a que o universal, que constitui sua
natureza, se tome para ela uma determinidade imediata. A alma só é
[alma-]que-sente por esse vira-ser-para-sf O [ser] não animal não sente,
justamente porque nele o universal fica submerso na determinidade, na
qual não vem-a-ser para si. Por exemplo, a água colorida só para nós
é diferente de seu ser-colorido e de sua ausência de cor. S e u m a nó v

MÁi
a mesma agua fosse ao mesmo tempo água universal e colorida, desse
modo essa determinidade diferenciante seria para a própria água; a água
teria, assim, sensação; pois uma coisa tem sensação por se conservar o
mesmo em sua determinidade, como um universal.
Na análise acima [feita] da essência da sensação já está contido que, se
no § 398 o despertar pôde ser denominado um ju ízo da alma individual,
porque esse estado suscita uma partição6 da alma em uma alma essente
para si e em uma apenas essente, e ao mesmo tempo uma relação imediata
de sua subjetrvidade a Outro, podemos afirmar na sensação a presença de
um silogismo e dele concluir a confirmação do ser-desperto que resultou
da sensação. Ao despertar, encontramo-nos antes de tudo em um ser di­
ferente, totalmente indeterminado, do mundo externo em geral. Somente
quando começamos a sentir, essa diferença se toma determinada. Por isso,
para alcançar o pleno ser-desperto e a sua certeza abrimos os olhos, nos
apalpamos, nos examinamos numa palavra, [a ver] se alguma outra coisa
determinada, se algo determinadamente diverso de nós, é para nós. Nesse
exame não nos referimos mais ao Outro diretamente, mas mediatamente.
Assim, por exemplo, o tato é a mediação entre mim e o outro, porque,
diferente desses dois lados da oposição, contudo reúne os dois, ao mesmo
tempo. Aqui, pois, como na sensação em geral, a alma mediante algo que
se encontra entre ela e o Outro, no conteúdo sentido, conclui-se consigo
mesma, reflete-se do Outro sobre si, separa-se dele e se assegura assim no
seu ser-para-si. Essa “conclusão” da alma consigo mesma é o progresso que
a alma, que se divide no despertar, realiza em sua passagem à sensação,

§ 400
A sensação é a forma do surdo tecer do espírito em sua in­
dividualidade, sem consciência nem entendim ento; no qual toda
determ inidade é ainda im ediata, posta [como] não desenvolvidu
[tanto] segundo o conteúdo, quanto segundo a oposição de algo
objetivo ao sujeito, com o pertencente à sua peculiaridade natural,
particularíssim a. [O conteúdo do sentir é, justam ente p o r isso, lim itado
e transitório, por pertencer ao ser natural, im ediato — portanto ao

>; e, se se quer, tudo o que se põe em evi


dêneia na consciência espiritual e na razão tem sua fo n te e origem

(). Tronulilho: Urtr//, juí/,«; IVMiny, piirtivilo, rw n Ihinc ntt ctimologiu comumdou ilnln
t tr in o » ,

M
na sensação. Com efeito, fonte e origem não significam outra
coisa que o primeiro modo, e o mais imediato, em que algo
aparece!] N ão é suficiente (é o que se diz) que princípios, religião
etc. estejam somente na cabeça; é preciso que estejam no coração,
na sensação. D e fato, o que se tem na cabeça está na consciência
em geral, e o conteúdo lhe é tão objetivo que, assim como ele
está posto em mim, no Eu abstrato em geral, assim tam bém
pode ser mantido afastado de mim segundo a minha subjetividade
concreta; na sensação, ao contrário, tal conteúdo é um a deter-
minidade de m eu ser-para-si inteiro, embora surdo em tal forma;
conteúdo que é, assim, posto com o o meu mais próprio. O pró­
prio é o não-separado do Eu concreto, efetivo, e essa unidade
imediata da alma com sua substância e com o conteúdo deter­
minado desta última é precisamente esse ser-não-separado, en­
quanto não é determinado a ser o Eu da consciência, ainda
menos [a ser] a liberdade de um a espiritualidade racional. Aliás,
o que se encontra nas representações habituais é que a vontade,
a consciência moral, o caráter possuem ainda um a intensidade
e firmeza do meu próprio ser, totalmente diferente da [que tem
a] sensação em geral, e o seu complexo — o coração.
E sem dúvida correto dizer que, antes de tudo, o coração deve
ser bom. Mas que a sensação e o coração não sejam a forma
pela qual alguma coisa seria justifica d a com o religiosa, ética,
verdadeira, justa etc., e que apelar para coração e sentim ento
[nesses assuntos] ou é som ente um dizer-nada ou, antes, [um]
dizer-errado — isso não deveria, p o r si, ser relembrado. N ão
pode haver experiência mais trivial que esta, de que pelo m e­
nos existem igualmente sensações e corações maus, perversos,
ímpios, vis etc.; e, mesm o que tal conteúdo provenha só do
coração, está expresso nas palavras: “do coração provêm maus
pensam entos, assassínio, adultério, fornicação, blasfêmias ”7 etc.
Em tem pos em que o coração e o sentim ento são feitos o
critério do bem, do ético e do religioso, p o r um a teologia e
filosofia “científicas”, é necessário relem brar essa experiência
trivial; com o tam bém é necessário hoje em dia advertir em

7. Mateus 15,19.
geral que o pensar é o que h á de mais próprio, pelo qual o
hom em se diferencia da besta; e que o hom em tem em com um
com esta o sentir.

Adendo: Ainda que até o conteúdo propriamente humano, pertencente


ao espírito livre, adote a forma da sensação, essa forma, enquanto tal, é
uma forma comum à alma animal e à humana; portanto, não adaptada
a esse conteúdo. O contraditório entre o conteúdo espiritual e a sensação
consiste em que o primeiro é algo universal em si e para si, necessário,
verdadeiramente objetivo; ao contrário, a sensação é algo singularizado,
contingente, unilateralmente subjetivo. Queremos aqui esclarecer em poucas
palavras até que ponto as determinações, acima citadas, devem ser enun­
ciadas da sensação. Como foi notado, o que é sentido tem essencialmente
a forma de um imediato, de um essente: tanto faz que proceda do espí­
rito livre ou do mundo sensível. A idealização, que o [ser] pertencente à
natureza exterior experimenta pelo [fato de] ser sentido, é ainda de todo
superficial, [e] permanece distante do completo suprassumir da imediatez
desse conteúdo. Mas o Material espiritual em si oposto a esse conteúdo
essente torna-se, na alma que sente, algo que existe no modo da imediatez.
Ora, jã que o imediatizado é um singularizado^ tudo o que é sentido tem
a forma de um singularizado. Isso se admite facilmente quanto às sensa­
ções do exterior, mas deve ser também afirmado quanto às sensações do
interior. Quando o espiritual, o racional, o jurídico, o ético e o religioso
entram na forma da sensação, revestem a figura de algo sensível, de algo
que-jaz-fora-um-do-outro, de algo carente-de-conexão; adquirem, por isso,
uma semelhança com o que é exteriormente sentido, que certamente é
sentido somente nas singularidades (por exemplo, nas cores singulares);
no entanto, como o espiritual, contêm em si um universal, por exemplo
a cor em geral. Por isso a natureza mais abrangente, mais alta, do espiri­
tual não se evidencia na sensação, mas só no pensar conceituante. Porém,
na singularização do conteúdo sentido, estão fundadas ao mesmo tempo
sua contingência e sua forma unilateralmente subjetiva. A subjetividade da
sensação não deve ser buscada de maneira indeterminada [no fato de]
que o homem, mediante o sentir, põe em si mesmo alguma coisa — pois
também no pensar põe algo em si mesmo — mas, de modo determinado,
em que põe algo em sua subjetividade natural, imediata, singular, e não em
sua subjetividade livre, espiritual e universal. Essa subjetividade natural é
uma subjetividade que não se determina ainda a si mesma, não segue sua
própria lei, nflo w ativa necessariamente; mas é uma subjetividade deter­
minada desde o exterior, ligada a este espaço e a este tempo, dependente

V3
de circunstâncias casuais. Por isso, por meio da transferência para essa
subjetividade, todo conteúdo se torna contingente e recebe determinações
que só pertencem a esse sujeito singular, E, por conseguinte, totalmente
inadmissível apelar para suas simples sensações. Quem o faz retira-se do
campo, que é comum a todos, das razões, do pensar e da Coisa, para
sua subjetividade singular, na qual — por ser algo essencialmente passi­
vo — pode introduzir-se o que há de mais ininteligível e de pior, assim
como o inteligível e o bom. De tudo isso, ressalta que a sensação é a
pior forma espiritual, e que ela pode corromper o melhor dos conteúdos.
Ao mesmo tempo, já está contido no acima [dito] que a oposição de
um que-sente e de um que-é-sentido, de um subjetivo e de um objetivo,
ainda fica estranha à simples sensação. A subjetividade da alma que sente
é tão imediata, tão subdesenvolvida, determinando e diferenciando-se tão
pouco a si mesma, que a alma, enquanto apenas sente, não se apreende
ainda como um subjetivo em contraste com um objetivo. Essa diferença
só pertence à consciência-, só surge quando a alma chegou ao pensamento
abstrato do seu Eu, de seu infinito ser-para-si. Por isso, só temos de falar
dessa diferença na Fenomenologia. Aqui, na Antropologia, temos somente
a considerar a diferença dada pelo conteúdo da sensação. Isso será feito
no parágrafo seguinte.

§ 401
O que a alma que-sente encontra em si m esm a é, por um lado,
a im ediatez natural, enquanto nela [foi] feita ideal e apropriada a
ela. Por outro lado, inversamente, o que pertence originariamente
ao ser-para-si — que, tal com o é ulteriorm ente aprofundado em si,
é o Eu da consciência e o espírito livre — é determ inado a [ser]
corporeidade natural e sentido assim. Desse m odo diferenciam-se:
[1-] um a esfera do sentir, que é antes de tudo determ inação da
corporeidade (do olho etc., em geral de to d a parte corporal), que
se to m a sensação porque é feita interior no ser-para-si da alma, é
recordada [erinnert]; [2-] e um a outra esfera, das determinidades
nascidas no espírito, a ele pertencentes, que para serem com o acha­
das, para serem sentidas, são corporijicadas. Assim, a determ inidade
é posta no sujeito enquanto [é] alma. C om o a especificação ulterior
daquele sentir [já] está apresentada no sistema dos sentidos, assim
se sistem atizam necessariam ente tam bém as determ inidades do
sentir, que provêm do interior; e a corporificação d e l a s , enquanto

V4
é posta na naturalidade viva concretam ente desenvolvida, se realiza
segundo o conteúdo particular da determ inação espiritual, em um
p a rtia d a r sistema ou órgão do corpo.
O sentir em geral é o conviver sadio do espírito individual em
sua corporeidade. Os sentidos são o sistema simples da corpo­
reidade especificada: 1 ) a idealidade física se divide em duas,
porque nela enquanto idealidade imediata, ainda não subjetiva,
a diferença aparece com o diversidade, [como] os sentidos da
lu z determ inada (ver §§ 317 ss.) e do som (§ 300); 2) a reali­
dade diferenciada é logo, para si, um a realidade duplicada: o t
sentidos do olfato e do gosto (§§ 321, 322); 3) o sentido da
realidade com pacta, da m atéria que tem peso, do calor (§ 303),
da figura (§ 310). Ao redor do centro da individualidade que
sente, essas especificações se ordenam de m aneira mais simples
que no desenvolvimento da corporeidade natural.
O sistema do sentir interior, em sua particularização que se cor-
porifica, seria digno de desenvolver-se e de tratar-se em uma
ciência própria, em um a fisiologui psíquica. Já contém alguma
coisa de um a relação desse tipo a sensação da conform idade
ou não conform idade de um a sensação imediata, ao interior
sensível determ inado para si: o agradável ou desagradével\ com o
tam bém a com paração determ inada no sim bolizar das sensações,
com o por exemplo das cores, dos sons, dos odores etc. Mas o
lado mais interessante de um a fisiologia psíquica seria considerar
não a simples simpatia, e sim mais determ inações espirituais,
particularm ente enquanto afetos. Ter-se-ia de conceder a c o n e ­
xão pela qual a cólera e a coragem são sentidas no peito, no
sangue, no sistema de irritabilidade, assim com o a reflexão, u
ocupação espiritual o são na cabeça, no centro do sistema da
sensibilidade. Seria preciso estar de posse de um a inteligên
cia mais profunda do que [a obtida] até agora sobre as cone
xões mais notórias pelas quais para fora da alma se formam os
prantos, a voz em geral, mais precisam ente a palavra, o riso,
o suspiro, e tam bém ainda muitas outras particularizações que
se referem ao patognòm ieo e ao fisiognômieo. As vísceras e
os órgãos são tidos na fisiologia com o m om entos apenas do
organismo animal, mas fórtmun ao m esm o tem po um sistema

....... .________ - VA
de corporificação do espiritual, e recebem por isso um a inter­
pretação com pletam ente diversa.

!Adendo: O conteúdo da sensação ou é proveniente do mundo exter­


no^ ou é pertencente ao interior da alma: assim a sensação ou é exterior
ou é interior: Temos aqui a considerar as sensações da última espécie,
somente enquanto se corporificam\ segundo o lado de sua interioridade,
incidem no âmbito da Psicologia. Ao contrário, as sensações exteriores
são exclusivamente objeto da Antropologia.
O primeiro que temos a dizer sobre aâ^sensações da última espé­
cie é que as recebemos pelos diversos sentidos. O que-sente é, no caso,
determinado de fora, ou seja, sua corporeídade é determinada por algo
exterior. Os diversos modos desse ser-determinado constituem as diversas
sensações exteriores. Cada um desses diversos modos é uma possibilidade
universal de ser-determinado, uma esfera de sensações singulares. Assim,
por exemplo, o ver contém a possibilidade indeterminada de múltiplas
sensações visuais. A natureza universal do indivíduo dotado de alma
mostra-se também em que, nos modos determinados do sentir, ele não
está ligado a algo de singular, mas abarca uma esfera de singularidades. Se,
ao contrário, eu só pudesse ver o azul, essa limitação seria uma qualidade
minha. Mas porque, em oposição âs coisas naturais, eu sou o universal
essente junto de si na determinidade, por isso eu vejo o colorido em
geral, ou, antes, o conjunto das diversidades do colorido.
Os modos universais do sentir referem-se ãs diversas determinidades
físicas e químicas do [ser] natural, cuja necessidade a filosofia natural deve
demonstrar, e que são mediatizados pelos diversos órgãos dos sentidos. Reside
na natureza de seu conteúdo que, de modo geral, a sensação do [objeto]
exterior se decomponha nesses modos diversos do sentir, indiferentes uns
em relação aos outros; porque é um conteúdo sensível, e o sensível é tão
sinónimo do “exterior-a-si-mesmo” que mesmo as sensações interiores se
tomam algo sensível, por seu ser-exterior de umas em relação às outras.
Mas, quanto às razões por que temos os cinco sentidos bem co­
nhecidos — nem mais, nem menos, e justamente esses sentidos assim
diferenciados —, é necessário demonstrar a necessidade racional disso na
consideração filosófica. Tal acontece quando compreendemos os sentidos
como apresentações dos momentos do conceito. Como sabemos, esses
momentos só são três. Mas o número cinco dos sentidos se reduz, de
modo totalmente natural, a três classes de sentidos. A primeira é formada
pelos sentidos da idealidade física; a segunda, pelos sentidos da diferença
real, na terceira, incide o sentido da totalidade terrestre.
Como apresentações dos momentos-do-conceito, essas três classes devem
formar uma totalidade: Ora, a primeira classe contém o sentido do abstrata­
mente universal, do abstratamente ideal, portanto do não verdadeiramente
total. Por isso a totalidade não pode aqui estar presente como concreta,
mas só como incidindo fora-uma-da-outra, cindida em si mesma, repartida
em dois momentos abstratos. Por esse motivo a primeira classe compreende
dois sentidos, o ver e o ouvir. Para o ver, o ideal é como algo que a si se
refere de maneira simples; para o ouvir, o ideal é algo que se produz pela
negação do [ser] material. A segunda classe representa, como [sendo] a
classe da diferença, a esfera do processo, da separação e da dissolução da
corporeidade concreta. Mas, da determinação da diferença, segue-se logo
uma duplicidade dos sentidos dessa classe. Assim, a segunda classe contém
o sentido do olfato e do gosto. O olfato é o sentido do processo abstrato; o
gosto, o sentido do processo concreto. A terceira classe, enfim, só compreende
um sentido, o tato, porque o tato é o sentido da totalidade concreto.
Examinemos agora um pouco mais de perto os sentidos um a um.
A vista é o sentido daquele [ser] ideal físico que chamamos a luz. Pode­
mos dizer da luz que é, de certo modo, o espaço que se tomou físico. P o is
a luz é, como o espaço, algo inseparável, algo imperturbavelmente ideal; a
extensão absolutamente sem determinações, sem nenhuma reílexâo-sobre-si
— [e,] nessa medida, sem interioridade. A luz manifesta outro; esse manifestar
constitui sua essência. Mas em si mesma é identidade abstrata consigo; é o
contrário do “ser-fora-um-do-outro” da natureza que surge no seio da própria
natureza; é, pois, a matéria imaterial. Por isso a luz não oferece resistência
alguma, não tem em si mesma barreira alguma: estende-se de todos os lados
na imensidade, é absolutamente leve, imponderável. E só com esse elemento
ideal, e com sua perturbação pelas trevos, isto é, com a cor, com que a vista
tem a ver. A cor é o que é visto; a luz, o meio do ver. Pelo contrário, o
[que existe de] propriamente material na corporeidade, não nos concerne
em nada na visão. Os objetos que vemos podem, pois, estar longe de nós.
Comportamo-nos então para com as coisas, por assim dizer, de maneira só
teórica, não ainda prática; pois na visão as deixamos subsistir em repouso
como algo essente, e só nos referimos a seu lado ideal. Por motivo dessa
independência da vista quanto à corporeidade propriamente dita, ela pode
chamar-se o sentido mais nobre. De outro lado, é a vista um sentido muito
imperfeito, porque o corpo, por seu meio, não vem imediatamente a nós
enquanto totalidade espacial, nem como corpo, mas só como superfície, sô
segundo as duas dimensões da largura e da altura, e é somente dando-nos
diversos pontos de vista s o b r e o corpo que conseguimos vê-lo succssivomente
em todas as suas d im e n s õ e s , e m sua figura total. Como podemos o b se r v a r
nas crianças, originalmente os objetos mais afastados aparecem, para a vista,
em uma só e mesma superfície, [junto] com os mais próximos — justamente
porque a vista não vê imediatamente a profundeza. Só ao notarmos que à
profundeza percebida pelo tato corresponde um escuro, uma sombra, che­
gamos a acreditar que vemos uma profundeza onde uma sombra é visível.
A isso se liga [o feto de] que não podemos perceber imediatamente pela
vista a medida do afastamento dos corpos, mas só inferi-la da aparência de
maiores ou menores, que têm os objetos.
à vista, enquanto é o sentido da identidade sem interioridade, con­
trapõe-se o ouvido enquanto é o sentido da pura interioridade do [ser]
corpóreo. Assim como a vista se refere ao espaço que se tomou físico
— à luz —, o ouvido se refere ao tempo que se tomou físico, ao som. Com
efeito, o som é o ser-posto-temporalmente da corporeidade, o movimen­
to; a vibração do corpo em si mesmo, um estremecer, uma sacudidela
mecânica em que o corpo, sem ter de mudar seu lugar relativo enquanto
corpo, move apenas suas partes, põe temporalmente sua espacialidade in­
terior; suprassume, pois, seu indiferente “ser~fora-um-do-outrow, e por essa
suprassunção fez ressaltar sua interioridade pura; no entanto, se restabelece
imediatamente da alteração superficial que sofreu pela vibração mecânica.
Mas o meio através do qual o som chega a nosso ouvido não é simples­
mente o elemento do ar, mas, em medida ainda maior, a corporeidade
concreta que se acha entre nós e o objeto que soa, por exemplo a Terra,
pela qual o ouvido, posto sobre ela, tem ãs vezes escutado tiros de canhão
que não poderiam ser ouvidos pela simples mediação do ar.
Os sentidos da segunda classe entram em relação com a corporeidade
real No entanto, ainda não têm a ver com ela enquanto é para si, [e] ofe­
rece resistência, mas só enquanto se encontra em sua dissolução, entra em
seu processo. Esse processo é algo necessário. Certamente, por uma parte, os
corpos são destruídos por causas contingentes externas; mas, fora dessa ruína
contingente, os corpos perecem por sua própria natureza, consomem-se a si
mesmos, todavia de modo que sua destruição tem a aparência de lhes advir
de fora. Assim é o ar, por cuja influência nascem os processos do volatilizar-se
calmo, imperceptível, o evaporar das formações vegetais e animais. Mas,
embora tanto o olfato como o gosto estejam em relação com a corporeidade
que se dissolve, esses dois sentidos se diferenciam um do outro porque o
olfato acolhe os corpos no processo abstrato, simples, indeterminado, da
volatilização ou evaporação, [e,] ao contrário, o gosto se refere ao processo
concreto real do corpo, e às determinidades químicas — emergentes nesse
processo — do doce, do amargo, do potássico, do ácido e do sulgudo. No
gosto, é necessário um contato imediato do objeto, enquanto até mesmo o

9H
sentido do olfato não precisa ce tal contato; o qual porém é ainda menos
necessário na audição, e na viáa não ocorre de modo algum.
A terceira classe contém, c«no já [foi] notado, apenas o único sentido
do tato. Na medida em que eíte tem principalmente sua sede nos dedos,
chama-se também o sentido doapalpar [Tastsinn]. O tato é o mais concreto
de todos os sentidos. Porque sua essencialidade distinta não consiste na
relação ao [ser] físico abstratanente universal ou ideal, nem às determi-
nidades do [ser] corporal, que se separam, mas sim à realidade compacta
desse último. Por isso, só pari o tato hã propriamente outro subsistente
para si, um [ser] individual esente para si, em contraste com o [ser]
que sente, enquanto é de igua modo um [ser] individual essente para si.
Por isso, no tato incide a impessão do peso, isto é, a unidade procurada
ilos corpos persistentes para s: mesmos, que não entram no processo de
dissolução, mas oferecem resistência. De modo geral, o ser-para-si material
é para o tato. Mas, às diversa maneiras desse ser-para-si, pertence não
somente o peso, mas também a espécie da coesão — o duro, o mole, o
rígido, o quebradiço, o áspero o liso. Contudo, ao mesmo tempo que a
persistente e fixa corporeidade também é [sensível] para o tato a nega-
tividade do [ser] material, encuanto este é algo subsistente para si — a
saber, o calor Por ele se modifca o peso específico e a coesão do corpo.
Essa modificação diz respeito, portanto, àquilo mesmo pelo qual o corpo
é essencialmente corpo. Nessa medida pode-se assim dizer que também
na impressão de calor a corpireidade compacta é para o tato. Enfim, a
figura, segundo suas três dimersões, ainda compete ao tato; porque a este
pertence completamente a detrminidade mecânica em geral.
Kora das diferenças qualitltívas indicadas, os sentidos têm também
uma determinação quantitativa do sentir, uma força ou fraqueza desse. A
quantidade aparece aqui neces&riamente como grandeza intensiva, porque
a sensação é algo simples. Asim, por exemplo, a sensação da pressão
exercida pelo sentido do tato >or uma massa determinada é algo inten­
sivo, embora esse intensivo exita também extensivamente — segundo tis
medidas, as libras [de peso] etc Mas o lado quantitativo da sensação não
apresenta interesse para a prójria consideração filosófica, quando aquela
determinação quantitativa se orna também qualitativa, e assim forniu
mna medida acima da qual a ensação se toma forte demais e por isso
dolorida; c abaixo da qual fica imperceptível.
Ao contrário, para a antropilogia filosófica toma-se importante a relação
riu» sensaçóes externas com o inerior do sujeito que sente. Esse interior não é
algo loUilmente indeterminado, iidilèrenciado. Já no fato de que a grandeza dn
sensação é intensiva, c deve ter rcrtu medida, está umu relação da impressão

ju i
a um ser-deteimmado-em-si-e-para-si do sujeito; certa determinidade da sua
sensibilidade — uma reação da subjetividade contra a exterioridade, portanto
o gérmen ou o começo da sensação interna Por essa determinidade interior
do sujeito, jã se diferencia o sentir exterior do homem, mais ou menos, do
sentir dos animais. Esses podem, em parte, em certas situações, ter sensações
de algo exterior que ainda não está dado para a sensação humana. Assim, por
exemplo, os camelos devem farejar fontes e rios a milhas de distancia
Entretanto, a sensação vem a ser algo propriamente antropológico por
sua relação ao interior espiritual, mais do que por essa medida peculiar da
sensibilidade. Ora, essa relação tem diversos lados, mas que agora ainda
não pertencem todos aqui à nossa consideração. Fica excluída dela, em
especial, neste ponto, a determinação da sensação como agradável ou
desagradável — essa comparação mais ou menos entremeada de reflexão,
da sensação externa com nossa natureza determinada em si e para si, cuja
satisfação ou não satisfação por uma impressão faz dela, no primeiro caso,
agradável e, no segundo, desagradável Tampouco pode aqui a estimulação
das tendências pela impressão ser jã introduzida na esfera de nossa inves­
tigação. Essa estimulação pertence ao domínio — que para nós ainda está
longe aqui — do espírito prático. O que temos a considerar nesse lugar
é única e exclusivamente o relacionar-se inconsciente da sensação externa
com o interior espiritual. Mediante essa relação, nasce em nós aquilo que
chamamos humor^ um fenômeno do espírito, do qual se encontra um análogo
nos animais (como [no caso] da sensação do agradável ou desagradável e
da estimulação das tendências pelas impressões) e que contudo, como os
outros fenômenos espirituais acima mencionados, tem ao mesmo tempo
um caráter propriamente humano; e além disso, no sentido mais estrito
por nós indicado, toma-se algo antropológico, porque é algo que ainda não
é sabido pelo sujeito com plena consciência. Jã na consideração da alma
natural, ainda não desenvolvida até a individualidade, tivemos de falar de
seus humores, que correspondem a algo exterior. Mas ali esse exterior eram
ainda as circunstâncias totalmente universais — que não se pode ainda
dizer, com propriedade, que sejam sentidas, justamente por causa de sua
universalidade indeterminada. Ao contrário, do ponto de vista a que levamos,
por ora, o desenvolvimento da alma, é a sensação externa o que excita o
humor. Mas esse efeito c produzido pela sensação externa, enquanto se une
com ela uma significação interior imediatamente, isto é, sem que precise aí
colaborar a inteligência consciente. Por essa significação, a sensação externa
toma-se algo simbólico. Contudo, há que notar, a propósito, que aqui o sím­
bolo ainda não está presente na significação própria desse termo; porque,
tomado estritamente, pertence ao símbolo um ohjeto e x te r io r diferente de
nós, no qual tomamos consciência de uma determinidade interior, ou que nós
referimos em geral a tal determinidade. Mas, no [caso do] humor excitado
por uma sensação externa, não nos referimos ainda a um objeto exterior
diferente de nós; não somos ainda consciência. Por conseguinte aqui, como
foi dito, o simbólico ainda não aparece em sua figura própria.
As simpatias espirituais, suscitadas pela natureza simbólica das impres­
sões, são coisa bem conhecida. Recebemos semelhantes simpatias de cores,
sons, cheiros, sabores, e também do que se refere ao sentido do tato. No
que toca às cores, há cores sérias, alegres, quentes, frias, tristes e suaves.
Kscolhem-se, por isso, determinadas cores como sinais do humor presente
em nós. Toma-se assim para expressão da tristeza, do escurecimento interior,
do anoitedmento do espírito, a cor da noite, das trevas não esclarecidas
pela luz: o negro carente-de-cor. Também a solenidade e a dignidade são
sinalizadas pelo negro, porque nele o jogo da casualidade, multifòrmidade
e variabilidade não encontra lugar. Ao contrário, o branco puro, luminoso,
sereno, corresponde à simplicidade e à serenidade da inocência. As cores
propriamente ditas têm, digamos assim, uma significação, mais concreta que
o negro e o branco. Assim o vermelho-púrpura desde sempre se contou
como a cor real, por ser a cor mais forte, mais agressiva para o olho, a
eompenetração do claro e do escuro em toda a força de sua unidade e de
sua oposição. Ao contrário, o azul, enquanto unidade simples — inclinando-se
para o escuro passivo — do daro e do escuro, é o símbolo da delicadeza,
da feminilidade, do amor e da fidelidade; por isso também os pintores
quase sempre pintaram vestida de azul a Rainha do céu. O amarelo não é
simplesmente o símbolo de uma serenidade habitual, mas também da in­
veja ictérica. Certamente, na escolha da cor para a roupa pode predominar
muito de convendonal; contudo, ao mesmo tempo, revela-se nessa escolha
um sentido racional, como fizemos notar. Até o brilho e o fosco da cor têm
algo de simbólico: o brilho corresponde ao humor habitualmente sereno do
homem nas situações brilhantes; o fosco da cor, ao contrário, à simplicidade
que despreza o luxo, e à tranquilidade do caráter. No próprio branco se
encontra uma diferença de brilho e de fosco, conforme se apresente, por
exemplo, no linho, no algodão ou na seda; e para o simbolismo dessa di-
Icrcnça encontra-se, em muitos povos, um sentimento determinado.
hora das cores são particularmente os sons que susdtam em nós um
humor correspondente. Isso vale sobretudo para a voz humana, porque essa
é u principal maneira pela qual o homem faz conhecer seu interior. O que
ck* é, põe-no em sua voz. Por isso acreditamos reconhecer com certeza nu
sua harmonia a beleza da alma de quem fala; [e] na rudeza de sua voz um
sentimento grosseiro. Assim, pelo som, no primeiro caso se despertou nossa
simpatia; no segundo, nossa antipatia. Particularmente atentos ao simbolismo
da voz humana são os cegos. Há quem garanta que os cegos pretendem
reconhecer a beleza corporal do ser humano na harmonia de sua voz — e
que eles acreditam ouvir as marcas da varíola em um leve falar fanhoso.
Já basta, sobre a relação das sensações externas com a interioridade
espiritual. Já vimos, na consideração dessa relação, que o interior do [ser]
que-sente não é algo absolutamente vazio, inteiramente indeterminado, mas
antes algo determinado em si e para si. Isso vale já para a alma animal; em­
bora em medida incomparavelmente maior para a interioridade humana. Por
isso nela se encontra um conteúdo, que para si não é exterior, mas interior.
Para ser-sentido esse conteúdo, são necessárias, de uma parte, uma ocasião
externa, de outra parte uma corporificação do conteúdo interior, portanto uma
transformação ou relacionamento dele — que constitui o contrário daquela
relação para a qual é trazido aquele conteúdo dado pelos sentidos externos,
por meio de sua natureza simbólica. Como as sensações exteriores se sim­
bolizam — isto é, são referidas ao Interior espiritual —, do mesmo modo
se exteriorizam, se corporificam as sensações interiores necessariamente, por
pertencerem à alma natural, e portanto serem sensações essentes e terem
de adquirir, por isso, um ser-aí imediato, em que a alma vem-a-ser para
si mesma. Quando falamos da determinação interior do sujeito que-sente,
sem relação com sua corporificação, consideramos esse sujeito na maneira
em que é para nós, mas ainda não é para si mesmo em sua determinação
junto a si, [nem] se sente nela. Só mediante a corporificação das determi­
nações exteriores o sujeito vem a senti-las. Com efeito, para serem-sentidas,
é necessário que sejam postas tão distintas do sujeito quanto idênticas a
ele; mas as duas [condições] só ocorrem pela extrusão, pela corporificação
da determinações internas do que-sente. O corporificar dessas multiformes-
determinações internas pressupõe um círculo de corporeidade no qual ele
ae efetua. Esse círculo, essa esfera limitada, é meu corpo. Ele se determina
assim como esfera da sensação, tanto para as determinações internas como
para as externas da alma. A vitalidade desse meu corpo consiste em que
sua materialidade não pode ser para si, não me pode oferecer resistência,
mas está sujeita a mim, penetrada em toda a parte, por minha alma, e para
ela é um ideal. Por meio dessa natureza de meu corpo, toma-se possível e
necessária a corporificação de minhas sensações — os movimentos de minha
alma tomam-se imediatamente movimentos da minha corporeidade.
Ora, as sensações internas são de duas espécies:
Io) as que concernem à minha singularidade imediata, eneontrável
em qualquer particular conjuntura ou situação. Delas fazem parte, por
exemplo, cólera, vingança, inveja, vergonha, arrependimento;

103
2 o) as que se referem a algo em si e para si universal, ao direito, eti-
cidade, religião, ao belo e ao verdadeiro.
As duas espécies de sensaições internas, como já foi antes notado, tê m d e
comum serem determinações, que meu espírito imediatamente singular, m e u
espírito natural, encontra em si. De um lado, as duas espécies se a p r o x im a m
uma da outra quando o conteúdo jurídico, ético e religioso, que é s e n tid o ,
recebe sempre mais a forma da singularização; ou, inversamente, as se n sa ç Õ e i,
que primeiro concerniam ao sujeito singular, recebem um acréscimo m a ia
considerável de conteúdo universal. De outro lado, a diferença entre a s d u a l
espécies de sensações interiores ressalta cada vez com mais força q u a n to
mais os sentimentos jurídicos, éticos e religiosos se libertam da mistura c o m
a particularidade contingente do sujeito, e por esse meio se elevam a formas
puras do universal em si e para si. Mas, justamente na medida em que nas
sensações interiores o singular cede ante o universal, elas se espiritualizam,
e por isso sua exteriorização perde em corporeidade fenomêníca.
Já exprimimos acima que o conteúdo mais próximo da sensação interior
não pode ainda ser aqui, na Antropologia, objeto de nossa análise. Assim
como, da Filosofia da Natureza, por nós exposta anteriormente, recebemos
o conteúdo das sensações externas como um conteúdo demonstrado em sua
necessidade racional, assim também devemos antecipar aqui, quanto seja
necessário, o conteúdo das sensações internas como um conteúdo que en­
contra seu lugar próprio na terceira parte da Doutrina do Espírito subjetivo.
Por ora, nosso objeto é somente a corporificação das sensações intemaSi e
mesmo, de maneira mais determinada, a corporificação, que se produz es­
pontaneamente, não dependendo de minha vontade, por meio de gestos. Essa
última espécie de corporificação ainda não tem lugar aqui, porque pressupõe
que o espírito já seja senhor de sua corporeidade; que ele tenha feito dela,
conscientemente, a expressão de suas sensações interiores — algo que nflo
tem ainda lugar aqui. Neste ponto, como foi dito, só temos a considerar a
passagem imediata da sensação interior ao modo corporal do ser-aí. Com
certeza, essa corporificação pode tomar-se visível para outros, configurar-sc
cin um signo da sensação interna, mas não se toma tal signo necessária
mente — e, em todo caso, não sem a vontade do que sente.
Ora, como o espírito, para a representação — que ocorre em relação
,i outro — dc sua interioridade por meio de gestos, emprega os gestos
de vida animal (como Bichai se exprime*1) dirigida para fora — o rosto,
as mãos c os pés —, assim também, ao contrário, os membros da vidtt
dirigida para dentro, o que se chama vísceras nobres, devem ser, de pre-

H, Ver m>tu tio $ Adendo.


ferência, designados como os órgãos nos quais — para o próprio sujeito
que sente, mas não necessariamente para outros — suas sensações internas
se corporificam de maneira imediata, involuntária.
As manifestações principais dessa corporificação são bem conhecidas de
todos, jã por meio da linguagem que contém nela muita coisa que não se
pode explicar bem como erro milenário. De modo geral, pode-se fazer notar
que as sensações internas, tanto da alma como de todo o corpo, podem ser,
por uma parte, proveitosas, por outra, nocivas e mesmo perniciosas. Sereni­
dade de ânimo conserva a saúde; aflição a subverte. O bloqueio que nasce
na alma pela aflição e dor, ao trazer-se à existência de maneira corporal,
quando ocorre subitamente e atinge certo excesso, pode levar à morte ou
à perda de entendimento. E igualmente perigosa uma alegria súbita dema­
siado grande; por ela, como pela dor desmedida, surge para a representação
uma contradição tão aguda entre a situação precedente e a atual do sujeito
que sente, uma tal cisão da interioridade, que sua corporificação pode ter
como consequência a ruptura do organismo — a morte — ou a loucura
Entretanto, o homem de caráter é muito menos exposto que outros a tais
influências, pois seu espírito se fez muito mais livre de sua corporeidade, e
conseguiu para si uma atitude muito mais firme do que [tem] um homem
natural, pobre em representações e pensamentos, que não possui a força de
suportar a negatividade de uma dor violenta que irrompe de súbito.
Porém, mesmo quando essa corporificação não atua em um grau
destruidor, excitando ou deprimindo, ela vai apoderar-se mais ou menos
imediatamente do organismo todo, pois nele todos os órgãos e todos os
sistemas se encontram em viva unidade uns com os outros. Contudo não
há que negar que as sensações internas, segundo a diversidade de seu con­
teúdo, têm ao mesmo tempo um órgão particular, em que se corporificam
primeiro e preferencialmente. Essa ligação da sensação determinada com
sua particular maneira-de-aparecer corporal, não se pode refutar por casos
singulares indo contra a regra [geral]. Tais exceções, a serem postas por
conta da impotência da natureza, não dão direito a declarar essa ligação
como puramente contingente, e a supor talvez que a cólera poderia ser
sentida ainda no abdómen ou na cabeça, tão bem como [o é] no coração.
Jã o idioma tem tanto entendimento que emprega “coração” por coragem,
“cabeçd’ por inteligência, e não, por exemplo, “coração” por inteligência. À
ciência, porém, incumbe mostrar a relação necessária que reina entre uma
sensação interior determinada e a significação fisiológica do órgão em que
a sensação se corporifica. Vamos aqui evocar brevemente os fenómenos
mais universais atinentes a esse ponto. Ê aquisição das experiências mais
estabelecidas que a angústia — esse impotente "sepultar-sc-ent-siMnesmu"

104
da alma — se corporifica sobretudo como doença do abdómen, no sistema
reprodutor: por conseguinte, no sistema que apresenta o retomo negativo do
sujeito animal a si mesmo. Pelo contrário, a coragem e a cólera, esse negativo
“ser dirigido-para fora” contra uma força estranha, contra uma ofensa que
nos indigna, têm sua sede imediata no peito, no coração [que é] o centro
da irritabilidade, da expulsão negativa. Na cólera, o coração bate, o sangue
esquenta e sobe à face, os músculos se distendem. Então, particularmente
na contrariedade, em que a cólera permanece mais interior do que se des­
carrega com energia, a bílis, que já pertence ao sistema reprodutor, pode
sem dúvida transbordar, e mesmo a tal ponto que nasça a icterícia. Deve-se
contudo notar, a propósito, que a bílis é, de certo modo, defigo, por cujo
efluxo o sistema reprodutor descarrega, por assim dizer, sua cólera, sua
irritabilidade sobre os alimentos, os dissolve e consome com a cooperação
da agua animal secretada pelo pâncreas. A vergonha, aparentada de perto
à cólera, corporifica-se igualmente no sistema sanguíneo. E uma cólera
iniciante, discreta, do homem contra si mesmo, pois contém uma reação
contra a contradição do fenômeno de mim [mesmo] com o que devo e
quero ser — portanto, uma defesa de meu interior contra meu fenômeno
inadequado. Esse ser espiritual, dirigido-para-fora, se corporifica ao ser o
sangue enviado para a face, porque o homem cora, e altera desse modo seu
fenômeno. Em oposição à cólera, o pavor, esse “estremecer dentro de si” da
alma, ante um negativo que lhe parece insuperável, exterioriza-se mediante
o retirar-se do sangue das faces, por um empalidecer, [assim] como de
um tremer. Se, ao contrário, a natureza comete o absurdo de criar alguns
homens que empalidecem de vergonha e coram de medo, não é por tais
inconsequências que a ciência vai deixar de reconhecer por lei o contrário
dessas irregularidades. Enfim, o pensar também é sentido: enquanto é algo
temporal e pertence à individualidade imediata, tem um fenômeno corporal;
e na verdade [é sentido] na cabeça, no cérebro no sistema da sensibilidade
em geral, do ser-em-si universal, simples, do sujeito que-sente.
Em todas essas corporificações do espiritual acima consideradas, só
ocorre aquele exteriorizar-se dos movimentos-da-alma que é necessário
para que eles sejam sentidos, ou que pode servir para mostrar o interior.
Mas esse exteriorizar-se só se realiza plenamente por tomar-se extrusâo, por
tornar-se eliminação das sensações interiores. Tal corporificação extrusantc
do interior mostra-se no rir; mais ainda porém no chorar, no gemer e
soluçar; de modo geral, na voz, já ainda antes que seja articulada, ainda
untes que se torne a linguagem.
C o n s titu i d ific u ld a d e n flo p e q u e n a c o n c e b e r a lig a ç flo d e s s e s fe n ô m e n o s
f is io ló g ic o s c o m s e u s c o r r e s p o n d e n t e s m o v im e n t o s d u a lm a .

AflA
Quanto ao lado espiritual daqueles fenômenos, sabemos a respeito do
riso que se origina de uma contradição, que se evidencia imediatamente, de
algo que reverte logo em seu contrário, portanto de algo que se aniquila
imediatamente; na pressuposição de que nós mesmos não estamos inseridos
nesse conteúdo negativo, não o consideramos como nosso — porque, se nos
sentíssemos feridos pela destruição daquele conteúdo, nós haveríamos de chorar. j
Quando, por exemplo, alguém que avança garbosamente leva uma queda, j
a situação suscita o riso, porque ele experimenta em sua pessoa a simples
dialética de que lhe acontece o contrário daquilo a que visava O que excita i
o riso nas verdadeiras comédias reside, portanto, também essendalmente na
reversão imediata em seu contrário de um fim em si, nulo; quando ao con­
trário, na tragédia, são os fins substanciais que se destroem em sua oposição ;
recíproca Nessa dialética que ocorre com os objetos cómicos, a subjetividade
do espectador ou do ouvinte chega ao gozo imperturbado e inocente de
si mesma por ser a idealidade absoluta a potência infinita sobre qualquer
conteúdo limitado, por conseguinte a dialética pura pela qual, justamente, o
objeto cómico é aniquilado. Nisso está contido o fundamento da serenidade,
na qual somos instalados pelo cómico. Mas com esse fundamento está em
concordância o fenômeno fisiológico de tal serenidade que aqui nos interessa
particularmente; porque no riso a subjetividade que chega ao gozo imperturbado
de si mesma — esse puro Si, essa luz espiritual — corporifica-se como um
fulgor espalhando-se sobre a face; e, ao mesmo tempo, o ato espiritual pelo
qual a alma repele de si mesma o risível recebe, na interrupção forçada da
expiração, uma expressão corporal. Aliás, o riso é algo pertencente, na verdade,
à alma natural, por isso é antropológico; mas percorre — desde a gargalhada
comum, que se expande retumbante, de um homem fútil ou grosseiro, até o
doce sorriso da alma nobre, o sorriso nas lágrimas — uma série de gradações
multiformes, em que se libera sempre mais de sua naturalidade, até tomar-se,
no sorriso, um gesto, portanto algo procedente da vontade livre. Por isso os
diversos modos do riso exprimem o grau de cultura dos indivíduos de uma |
maneira muito característíca. Uma risada larga, retumbante, nunca ocorre, ou ']
raramente, em um homem de reflexão: Péricles, por exemplo, depois de se I
ter consagrado aos negócios públicos não riu mais. Rir muito é, com razão,
considerado uma prova de banalidade, de uma mente insensata, que está
embotada para todos os grandes interesses verdadeiramente substanciais, e
os considera exteriores e estranhos para ele.
Como se sabe, o pmnto é oposto ao riso. Assim como no riso a harmo­
nia do sujeito consigo mesmo, sentida à custa d o objeto risív el, c h e g a à sua
corporificação, igualmente no p r a n to se e x te r io r iz a o dilacmtmtnto in te r io r
de quem sente, p r o v o c a d o p o r a lg o n e g a tiv o ; [é ] a dor. A n lá g r im a s nfln a

■ - ■- ■ - ..- ■■ ........... ■
erupção crítica da dor, portanto não apenas a exteriorização, mas ao m e s m o
tempo a extrusão da dor; por isso, nos sofrimentos importantes que o c o r r e m
na alma, as lágrimas agem sobre a saúde de modo tão benéfico, quanto a d o r
que não funde em lágrimas pode vir-a-ser prejudicial para a saúde e para a
vida. Na lágrima, a dor, o sentimento da oposição dilacerante que irrompe n a
alma, toma-se água, algo neutro, indiferente; e esse mesmo material n e u tr o ,
em que a dor se transforma, é eliminado, pela alma, da sua corporeidade.
Nessa eliminação, como na corporificação acima mencionada, está a causa d o
salutar efeito do pranto. Mas que precisamente os olhos sejam aquele ó r g ã o
donde brota a dor que se verte em lágrimas, isso se baseia em que o o lh o
tem a dupla determinação de ser, por um lado, o órgão da visão, p o r ta n to
da sensação dos objetos exteriores, e por outro-lado, o lugar no qual a a lm a
se manifesta da maneira mais simples, pois a expressão do olho apresenta p o r
assim dizer, como num sopro, o retrato fugaz da alma; justamente por is s o 0 4
homens, para se conhecerem mutuamente, primeiro se olham uns n o s o lh o s
dos outros. Quando pois o homem na dor é tolhido em sua atividade p e lo
sentido negativo, reduzido a ser um sofredor, perturba-se a idealidade — a
luz de sua alma — e dissolve-se, em maior ou menor grau, a firme unidade
da alma consigo mesma, esse estado-de-alma se corporifica mediante u m a
turvação dos olhos, e ainda mais por seu umedecimento, que pode de tal
modo atuar, inibindo, sobre a função da vista, sobre essa atividade ideal do
olho, que não possa mais suportar olhar para fora.
Uma corporificação — e, ao mesmo tempo, eliminação das s e n s a ç õ e s
interiores — ainda mais perfeita que a resultante do riso e do p r a n to é
produzida pela voz. Com efeito, na voz não se forma simplesmente u m
exterior presente, como no riso, nem se suscita como no pranto a lg o r e a l­
mente material, mas antes se produz uma corporeidade ideal, p o r a ss im
dizer, incorpórea; portanto algo material em que a interioridade d o s u je ito
conserva totalmente o caráter da interioridade; a idealidade, e s s e n t e p a ra
si, da alma recebe uma realidade exterior que lhe corresponde p le n a m c n tr
uma realidade que é imediatamente suprassumida em seu p r o d u z ir -s e ,
porque o difundir-se do som é seu desaparecer. Por isso a s e n s a ç ã o u d
quire pela voz uma corporificação em que agoniza não m e n o s d e p r e s s a
do que se exterioriza. Eis o fundamento da força superior, p r e s e n t e n a
voz, da extrusão do [que é] exteriormente sentido. Por is s o os romanos,
qnc bem conheciam essa força, deixaram de p r o p ó s it o as m u lh e r e s s o lta r
la m e n t a ç õ e s n o s funerais, p a r a que a d o r , que n e la s s e p r o d u z ia , s e lh e s
to r n a s s e a lg o e s tr a n h o .
A c o r p o r e id a d e a b str a ta da voz p o d e , n a v e r d a d e , v ir -a -se r um sin a l para
outros, que a r e c o n h e c e m como tal sin a l; m a s aqui, do ponto dc vista da
alma natural, ainda não é um signo produzido pela vontade livre, ainda não
é a linguagem articulada mediante a energia da inteligência e da vontade;
mas somente um soar imediatamente produzido pela sensação, [e] que,
embora privado de articulação, já se mostra capaz de múltiplas modifica­
ções. Na exteriorização de suas sensações, os animais não vão mais longe
do que até a voz inarticulada, até o grito de dor ou de alegria; e muitos
animais ainda só no mais extremo perigo chegam a essa exteriorização ideal
de sua interioridade. O homem porém não fica nesse modo animal de seu
exteriorizar-se: cria a linguagem articulada pela qual as sensações interiores
se tomam palavra, exteriorizam-se em toda a sua determinidade, tomam-se
objetivas para o sujeito, e ao mesmo tempo exteriores e estranhas a ele.
Por isso, a linguagem articulada é a suprema maneira como o homem se
extrusa de suas sensações interiores. E por esse motivo que se entoam
cânticos fúnebres nos falecimentos com boa razão, se dão pêsames, os
quais, por enfadonhos que possam às vezes parecer ou ser, têm no entanto
a vantagem de que, pela repetida evocação da perda ocorrida, extraem a
dor que se nutre da premência da alma, para elevá-la â representação, e
assim a tomam algo objetivo, algo que se contrapõe ao sujeito repleto de
dor. Mas a poesia, em especial, tem o poder de libertar dos sentimentos
que acabrunham; assim Goethe, por exemplo, mais de uma vez restabeleceu
sua liberdade espiritual ao derramar sua dor em um poema.
Da exteriorização e da extrusão que resultam mediante a linguagem
articulada, só podemos falar por antecipação aqui na Antropologia.
O que resta ainda a mencionar neste lugar é o lado fisiológico da voz.
Sabemos a respeito desse ponto que a voz — essa simples vibração do ser
vivo animal — tem seu começo no diafragma, mas depois está também
estreitamente ligada aos órgãos da respiração e obtém sua última forma­
ção por meio da boca, que tem uma dupla função: primeiro começar a
transformação imediata dos alimentos em formações do organismo animal
vivo, e por outro lado, em oposição a essa interiorização do exterior, a
de levar a cabo a objetivação da subjetividade, que ocorre na voz.

§ 402
As sensações, em razão de sua im ediatez e do seu “ser-en-
contrado”, são determinações singulares e transitórias, variações na
substancialidade da alma, postas em seu ser para si idêntico a essa
substancial idade. M as esse ser para-si não é sim plesm ente um
m om ento formal do sentir; a alma é em si um a totalidade refletida
desse sentir, um sentir da substancialidade total, que ela é cm si,
dentro de s i mesma: [é] a alma que-sente.

108
Para sensação e sentim ento a linguagem usual não fornece,
justam ente, um a diferença bem nítida. Contudo, não se chega
a dizer “sensação do direito”, “sensação de si”, mas “sentimento
do direito” “sentim ento-de-si” etc. Com a sensação está ligada
a suscetibilidade; assim, pode-se sustentar a respeito que a sen­
sação ressalta mais o lado da passividade, do achar, isto é, da
imediatez da determinidade no sentir, enquanto o sentimento vai
mais na direção da “ipseidade” [Selbstischkeit] aí implicada.

Adendo: Com o que se disse no parágrafo anterior, acabamos a primeira


parte da Antropologia. Nessa parte nos tínhamos ocupado, inicialmente,
com a alma determinada de modo totalmente qualitativo, ou com a a lm a
em sua determinidade imediata. Pelo progresso imanente ao desenvolvi­
mento de nosso objeto, chegamos enfim à alma individual que põe ideal’
mente sua determinidade, retomando ali a si mesma e vindo-a-ser para ai:
isto é, â alma individual que-sente. Assim está dada passagem à s e g u n d a
parte, tão difícil quanto interessante, da Antropologia, em que a alma s e
opõe à sua substancialidade, faz frente a si mesma, alcança ao m e s m o
tempo em suas sensações determinadas o sentimento dela mesma, OU a
consciência ainda não objetiva, mas somente subjetiva, de sua totalidade%
e portanto — já que a sensação como tal está ligada ao singular — d e ix a
de ser simplesmente sensível. Nessa parte teremos de considerar a a lm a
no estado de sua doença,, porque a alma aqui aparece do ponto d e v ista
da sua cisão consigo mesma. Reina nessa esfera uma contradição e n tr e
a liberdade e a não liberdade da alma; porque a alma, de um lado, e s tã
ainda encadeada à sua substancial idade, condicionada por sua n a tu r a lm a d e ;
enquanto, por outro lado, já começa a separar-se de sua substância, de
sua naturalidade, e eleva-se assim ao grau intermediário entre s u a v id a
natural imediata e a consciência objetiva, livre. Queremos aqui e x p lic a r
brevemente em que medida a alma entra nesse grau intermediário.
A simples sensação, como se acaba de observar, fida apenas com o
singular e o contingente, com o imediatamente dado e o presente, e esse con
teúdo aparece à alma que sente como sua própria efetividade concreta. Ao
contrário, quando me elevo ao ponto de vista da consciência, relaciono-mc
com um mundo exterior a mim, com uma totalidade objetiva, com u m
círculo, que se concatena dentro de si mesmo, de objetos variados e ema­
ranhados que se mc contrapõem. Enquanto sou consciência objetiva, é
certo que t e n h o primeiro uma sensação imediata; mas ao mesmo t e m p o
esse [o b je to ] s e n t id o é p aru mim um ponto na conexão universal d a s c o i­
s a s , por is s o afr fne remeti p a r a além d a singularidade sensível e p r e s e n ç a

HM---------- ^
imediata. A consciência objetiva está tão pouco ligada à presença sensível
das coisas, que posso saber também o que não me está sensivelmente
presente, como por exemplo um país longínquo que só me é conhecido
pelos escritos. Aliás, a consciência manifesta ativamente sua independência
p^ra com o material da sensação ao elevá-lo da forma da singularidade
à forma da universalidade, ao fixar nele o essencial com exclusão do pu­
ramente casual e indiferente: transformação pela qual o sentido se toma
um representado. Essa transformação efetuada pela consciência abstrata é
algo subjetivo que chega a ser arbitrário e inefetivo\ a gerar representações
sem uma efetividade que lhes corresponda.
Entre a consciência representativa, de um lado, e a sensação imediata, do
outro, está agora no meio a alma que a si mesma sente ou pressente em sua
totalidade e universalidade, a ser estudada na segunda parte da Antropolo­
gia. Parece uma contradição que o universal seja sentido, porque a sensação
enquanto tal, como sabemos, só tem o singular por seu conteúdo. Mas essa
contradição não atinge o que chamamos a alma que-tem-sentimentor, pois esta
nem é prisioneira da impressão sensível imediata, e dependente da presença
sensível imediata, nem se refere, inversamente, ao totalmente universal, a ser
atingido só pela mediação do pensar puro; mas tem, antes, um conteúdo
que ainda não é desenvolvido até a separação do universal e do singular,
do subjetivo e do objetivo. O que sinto desse ponto de vista, eu o sou; e
o que sou, eu o sinto. Estou aqui imediatamente presente no conteúdo, que
somente depois, quando me tomo consciência objetiva, me aparece como
um mundo autónomo diante de mim. Esse conteúdo se refere ainda à alma,
que tem sentimentos, como os acidentes à substância: a alma aparece ainda
como o sujeito e o centro de todas as determinações-do-conteúdo, como
a potência que reina de maneira imediata sobre o mundo do sentimento.
A passagem à segunda parte da Antropologia fez-se então da maneira
seguinte. Antes de tudo, deve-se notar que a diferença entre sensações
exteriores e interiores — considerada por nós no parágrafo precedente
— é somente para nós, isto é, para a consciência reflexiva; mas ainda
não é, absolutamente, para a alma mesma. A simples unidade da alma,
sua idealidade imperturbada, não se apreende ainda [a si mesma] em sua
diferença de um exterior. Mas, embora a alma não tenha ainda consciên­
cia dessa sua natureza ideal, ela é a idealidade ou negatividaãe de todas as
espécies multiformes de sensações que nela parecem ser cada uma para
si e indiferentes umas às outras. Assim como o mundo objetivo não se
apresenta, para nossa intuição, como algo separado em diversos lados, mas
como um concreto, que se reparte em diversos objetos, os quais por sua
parte, cada um para si, são um concreto, um pacote das maia diversas de

110
terminações, assim também a alma mesma é uma totalidade de d e te r m in i-
dades distintas infinitamente múltiplas, que nela se reúnem em a lg o untar,
de modo que nelas a alma permanece em si infinito ser-para-si. N e s s a
totalidade ou idealidade, porém, nesse interior indiferente [e] in te m p o r a l
da alma, as sensações, que se deslocam umas às outras, não d e s a p a r e ­
cem sem deixar absolutamente vestígios; mas permanecem ali e n q u a n to
suprassumidas\ recebem ali sua subsistência como um conteúdo in ic ia lm e n t e
apenas possível, o qual de sua possibilidade só alcança a efetividade e n q u a n to
esta vem-a-ser para a alma, ou que esta vem a ser, no conteúdo, p a r a
si mesma. A alma retém assim o conteúdo da sensação, se não para si,
pelo menos em si [mesma]. Esse conservar, que se refere somente a u m
conteúdo para si interior, a uma impressão de mim, situa-se lo n g e a in d a
da rememoração propriamente dita, pois esta procede, da intuição d e u m
objeto posto exteriormente, para algo que deve ser interiorizado: o b j e t o
que aqui ainda não existe para a alma, como jã foi notado.
Mas a alma tem ainda um outro lado de sua implementação, a lé m
do conteúdo que jã estava na sensação, do qual falamos primeiro. A lé m
desse material, nós somos ainda, enquanto individualidade efetiva, em li
um mundo de conteúdo concreto com periferia infinita; temos em n ó l
uma multidão inumerável de relações e de conexões, que está sempre e m
nós, mesmo quando não chega à nossa sensação e representação, e q u e
no entanto pertence ao conteúdo concreto da alma humana, por m a li
que aquelas relações possam modificar-se, mesmo sem que saibamos; d e
modo que a alma, em razão da riqueza infinita de seu conteúdo, pode s e r
designada como alma de um mundo, como a alma do mundo determinada
individualmente. Porque a alma do homem é uma alma singular, uma alma
determinada de todos os lados, e por conseguinte limitada, refere-se também
a um universo determinado segundo o ponto de vista individual dela. K s ie
[mundo], contraposto à alma, não é algo exterior a ela. A totalidade dm
relações em que se encontra a alma humana individual constitui antes su u
efetiva vitalidade e subjetividade, e por isso está tão solidamente emaranhada
com ela como a árvore com as folhas — para usar uma imagem: embora
as folhas sejam algo distinto da árvore, pertencem-lhe tão essencial mente
que ela morre se lhe arrancam as folhas reiteradamente. Decerto, as n a tu
rezas humanas, maís autónomas, que alcançaram uma vida mais rica cm
ações e experiências, podem suportar muito melhor a perda de uma parte
do que constitui seu mundo, do que homens que cresceram em r e la ç õ e s
simples e não são capazes de maiores ambições: o sentimento-da-vida q u e
têm esses últimos é m u ita s vezes tão firmemente ligado à sua terra n a ta l,
que n o e s tr a n g e ir o a l o a tin g id o s pela d o e n ç a da n o s ta lg ia e parecem u m a

m
planta que só pode prosperar nesse solo determinado. Todavia, para as
naturezas mais fortes, também é necessária certa esfera de relações ex­
ternas — por assim dizer, um suficiente pedaço do universo — para seu
concreto sentimento-de-si; com efeito, sem um tal mundo individual, como
se disse, a alma humana não teria efetividade, em geral, não alcançaria
upia singularidade determinadamente distinta. Porém, a alma do homem
não tem simplesmente diferenças naturais, mas se diferencia em si mesma,
separa de si sua totalidade substancial, seu mundo individual; contrapõe-se
a si mesma como ao subjetivo. Sua meta, nesse caso, é vir-a-ser para si ou
para o espírito o que ele é em si: que o cosmos, contido em si no espírito,
entre na consciência do mesmo. Mas do ponto de vista da alma, do espírito
ainda não livre, como também jã foi notado, não se encontra consciência
objetiva, nem saber do mundo como de um mundo efetivamente projetada
fora de mim. A alma, que tem-sentimentos, relaciona-se somente com suas
determinações interiores. A oposição entre ela mesma e o que é para ela
permanece ainda encerrada nela. Só quando a alma pôs negativamente
o conteúdo variado, imediato, de seu mundo individual, [e] fez dele algo
simples abstratamente universal, quando assim algo totalmente universal é
para a universalidade da alma, e esta, justamente por isso, se desenvolveu
a [ponto de ser] o Eu essente para si mesmo, oljetivo para si mesmo, esse
perfeitamente universal que a si se refere: um desenvolvimento que ainda
falta à alma como tal; só depois da obtenção dessa meta a alma chega
de seu sentimento subjetivo à consciência verdadeiramente objetiva, porque
só o Eu essente para si, libertado primeiro, ao menos abstratamente, do
material imediato, deixa também ao material a liberdade da subsistência
fora do Eu. O que temos, pois, a considerar até a obtenção dessa meta
é a luta pela libertação que a alma deve levar a cabo contra a imedia-
tez de seu, conteúdo substancial, para tornar-se perfeitamente dona de si
mesma, e correspondente a seu conceito; para fazer-se o que é em si, ou
segundo seu conceito, a saber, subjetividade simples, que existe no Eu, [e]
que se refere a si mesma. A elevação a esse ponto do desenvolvimento
apresenta uma sequência de três graus, que podem ser aqui indicados, à
guisa de asserção, antecipadamente.
No primeiro grau, vemos a alma absorta no sonhar e no pressentir de
sua vida natural, concreta. Para conceber o maravilhoso nessa forma-de-alma,
[objeto] de atenção universal no tempo moderno, devemos ter presente
que a alma aqui se encontra ainda em unidade imediata, indiferenciada
com sua objetividade.
O segundo grau é o ponto de vista do desvario, isto é, da alma cindida
em si mesma, enquanto de um lado já é dona de si, e do outro ainda nflo
o é, e sim mantida presa em uma particularidade singular, em que tem
sua efetividade.
Enfim, no terceiro grau, a alma toma-se dona de sua individualidade
natural de sua corporeidade, a qual rebaixa a um meio que lhe obedece;
e projeta fora de si mesma, como um mundo objetivo, o conteúdo de sua
totalidade substancial, [no que este é] não pertencente à sua corporeida­
de. Chegada a essa meta, a alma emerge na liberdade abstrata do Eu e
toma-se, assim, consciência.
Mas, sobre todos os graus acima apresentados, temos a notar o que
jã tínhamos a notar a propósito das etapas anteriores do desenvolvimen­
to da alma: também aqui as atividades do espírito, que só podem ser
consideradas mais tarde em sua figura livre, devem ser mencionadas por
antecipação, porque já atuam por meio da alma que-sente.

b — A alma que-sente

§ 403
O indivíduo que-sente é a idealidade simples — subjetividade do
sentir. Trata-se, pois, de pôr sua substancialidade, a plenitude essente
apenas em si como subjetividade, tomar posse de si, e tornar-se para
si, a potência [dominante] de si mesmo. A alma, enquanto alma
que-sente, é uma individualidade não mais simplesmente natural,
mas interior; esse ser-para-si da alma, que só é formal na totalidade
apenas substancial, tem de tomar-se autónomo e libertar-se.
Não há em parte alguma, tanto como na alma e ainda mais no
espírito, a determinação da idealidade, que para a compreensão
deve fixar-se da maneira mais essencial: de que a idealidade é
a negação do real; [e] contudo este é, ao mesmo tempo, con­
servado, virtualmente retido, embora já não exista. E a repre­
sentação que temos certamente diante de nós a propósito das
representações, da memória etc. Cada indivíduo é uma riqueza
infinita de determinações-do-sentimento, de representações, de
conhecimentos, de pensamentos etc.; contudo eu sou, apesar
disso, algo totalmente simples — um poço indeterminado, em
que tudo isso é guardado sem existir. Só quando eu me recordo
de uma representação, eu a trago daquele interior para a exis­
tência perante u consciência. Acontece, em [certas] doenças, que
vêm de novo à luz representações, conhecim entos que se dizem
esquecidos h á m uitos anos, porque não tinham sido trazidos à
consciência durante tão longo tem po. N ão estávamos em posse
deles; talvez m esm o po r tal reprodução ocorrida na doença
não [estaremos] no futuro em sua posse; e, contudo, estavam
em nós e perm anecem ainda em nós para o futuro. Assim, o
hom em jam ais pode saber quantos conhecim entos tem de fato
dentro de si em bora deva tê-los esquecido: não pertencem à sua
efetividade, nem à sua subjetividade, mas só a seu ser essente
em si. Essa interioridade simples é, e permanece, a individua­
lidade em toda a determ inidade e m ediação da consciência,
que mais tarde é posta nela. Aqui, essa simplicidade da alma é
para reter antes de tudo com o simplicidade da alma que-sente,
na qual está contida a corporeidade; e, em contraste com a
representação dessa corporeidade, que é para a consciência
e o entendim ento um a materialidade essente [de elementos]
fora um do outro e fora da alma. Tam pouco a multíformidade
das muitas representações funda no Eu um “fora-um -do-outro”
e real pluralidade, com o tam bém o real “fora-um -do-outro” da
corporeidade não tem verdade para a alma que-sente. Sentindo,
ela é imediatamente determinada; é, pois, natural e corporal,
mas o “fora-um -do-outro” e a multíformidade sensível desse
[ser] corporal não valem mais para a alma que para o conceito
enquanto algo real, e por isso, com o um limite: a alma é o
conceito existente, a existência do especulativo. Por esse motivo,
a alma é no [ser] corporal a unidade simples onipresentc, assim
como, para a representação, o corpo é uma [só] representação,
e o infinitamente multiforme de sua com posição material e or­
ganização é penetrado de lado a lado para [ser] a simplicidade
de um conceito determ inado, tam bém a corporeidade — e
com ela tudo o que, enquanto pertencente â sua esfera, se
dispersa — é reduzida, na alma que-sente, à idealidade, à ver­
dade da multíformidade natural. A alma é em si a totalidade da
natureza; enquanto alma individual, é a mônada; ela m esm a é
a totalidade posta de seu m undo particular^ de m odo que esse
m u n d o está i n c l u í d o n e l a , é sua i m p l e m e n t a ç ã o ; [ e ] n a r e la ç ã o
a o s e u m u n d o a a lm a s ó s e r e f e r e a s i m e s m a .
§ 404
Enquanto individual[ a alma é exclusiva em geral, e em si mesm a
põe a diferença. O que hã de ser diferenciado dela não é ainda um
objeto exterior com o na consciência; mas são as determ inações de
sua totalidade que-sente. Nesse juízo, ela é sujeito em geral; seu
objeto é sua substância, que é ao m esm o tem po seu predicado. Essa
substância não é o conteúdo de sua vida natural, m as é com o o
conteúdo da alma individual, repleta de sensação; contudo, por ser
ela, ao m esm o tem po, alma particular, o conteúdo é seu m undo
particular, enquanto este está incluído de m aneira implícita na idea­
lidade do sujeito.
Esse grau ao espírito é para si o grau de sua obscuridade, en­
quanto as determ inações desse grau não se desenvolvem em
conteúdo consciente e [próprio] do entendimento: nessa medida
é formal, em geral. Adquire um interesse peculiar na m edida
em que é como form a e assim aparece com o estado (§ 380),
no qual o desenvolvimento da alma, já determ inado ulterior-
m ente [até] à consciência e ao entendim ento, p ode recair. A
forma mais verdadeira do espírito, existindo em um a forma
mais subordinada, mais abstrata, contém um a inadequação que
é a doença. N essa esfera, h á que considerar as configurações
abstratas da alma, um a vez para si, outra vez tam bém com o
os estados doentios do espírito, pois esses podem unicam ente
ser entendidos a partir daquelas configurações.

I o) A alma que-sente; em sua imediatez

§ 405
1 — A individualidade que-sente é primeiro, com certeza, u
indivíduo m onãdico; mas enquanto imediato ainda não é enquanto
ele mesma: não é um sujeito refletido sobre si, e portanto é passivo.
Por conseguinte, sua individualidade que-é-um Si [selbstische] é
um sujeito diferente dele, que pode ser tam bém com o outro indi­
víduo, ante cuja ipseidade [Selbstischkeit] trem e todo, com o um a
substância que é apenas predicado não autónom o, e é determ inado

A ÉA
de um a maneira com pletam ente irresistível. Esse sujeito pode assim
ser cham ado seu gênio.
N a existência imediata, é essa a condição da criança no ventre
m aterno; condição que nem é simplesmente corporal, nem
simplesmente espiritual, mas psíquica\ um a condição da alma.
São dois indivíduos, e contudo em um a unidade-de-alm a ainda
indivisa: um a não é ainda um Si, ainda não é impenetrável, mas
é algo sem resistências; o outro é o sujeito do primeiro, o Si
singular dos dois. A mãe é o gênio da criança, pois se costum a
entender por gênio a totalidade, dotada-de-um -Si [selbstische],
do espírito, enquanto ela existe para si, e constitui a substan-
cialidade subjetiva de um outro que só exteriorm ente é posto
com o indivíduo, o qual tem som ente um ser-para-si formal. O
substancial do gênio é a totalidade com pleta do ser-aí, da vida,
do caráter; não enquanto simples possibilidade ou capacidade
ou Em-si, mas com o eficácia e atividade, com o subjetividade
concreta.
Restringindo-se ao espacial e material — segundo o qual a
criança existe com o embrião em seus peculiares tegumentos etc.,
e a conexão com a m ãe é m ediatizada pelo cordão umbilical,
placenta etc. — , só entra em consideração sensível e refletida
a existência externa, anatôm ica e fisiológica; para o essen­
cial — a condição psíquica —, aquele “ser-fòra-um -do-outro”
e mediatizado, sensível e material, não tem verdade alguma.
N essa conexão não h á que ter simplesmente em vista as co­
municações e determ inações surpreendentes que se fixam na
criança por meio de violentas emoções, lesões etc., da mãe, mas
[também] todo o ju ízo psíquico da substância, em que a natu­
reza feminina pode, em si mesma, partir-se em dois — como,
no [reino] vegetal, os m onocotiledôneos — e onde a criança
não recebeu por comunicação [simbólica] porém acolheu origi-
nariam ente em si tanto as disposições para doenças com o as
demais disposições da figura, da m aneira-de-sentir, do caráter
do talento, das idiossincrasias etc.
N o âmbito da vida consciente, refletida, encontram -se aliás
exemplos e traços esporádicos dessa condição màgica\ even-
tualm ente entre amigos, em particular entre am igai Irucas dos

iá *
nervos (é um a condição que pode se desenvolver em fenômenos
de magnetismo), entre esposos e m em bros da m esm a família.
A totalidade-de-sentim ento tem, com o seu Si, um a subjetivi­
dade distinta dela que, na forma citada da existência imediata
dessa vida-de-sentim ento, é tam bém um outro indivíduo em
relação à mesma. Mas a totalidade-de-sentim ento, determ inada
de m odo a elevar seu ser-para-si [a partir] dela mesma, em
um a só e m esm a individualidade, até a subjetividade: essa é
a consciência refletida, consciência do entendim ento e da
razão, consciência im anente a ela [totalidade-de-sentimento],
Para tal consciência, essa vida-de-sentim ento é o material subs­
tancial, essente só em si, cujo gênio racional, consciente de-si,
determ inante, tornou-se a subjetividade refletida. M as aquele
núcleo do ser-do-sentim ento não contém apenas o natural, o
tem peram ento etc., para si mesm os inconscientes, recebendo
tam bém (habitualmente, ver abaixo), em sua simplicidade en­
volvente, todos os laços ulteriores e todas as relações, destinos,
princípios essenciais em geral tudo o que pertence ao caráter e
em cuja elaboração a atividade consciente-de-si tom ou a parte
mais im portante; o ser-de-sentim ento é assim um a alma em sí
m esm a plenam ente determinada. Nesse m odo com pacto [de
ser], a totalidade do indivíduo é diferente do desdobram ento
existente de sua consciência, da sua representação do m undo,
dos interesses, tendências desenvolvidos [por ela]. Diante desse
mediatizado “fora-um -do-outro; aquela form a intensiva da in­
dividualidade foi cham ada o gênio, o qual dá a últim a determ i­
nação na aparência de mediações, intenções, razões [-de-ser|,
em que gira a consciência desenvolvida. Essa individualidade
concentrada manifesta-se tam bém na modalidade que se chama
o coração ou o ânimo [alma]. Diz-se de um hom em que ele
não tem ânimo, na m edida em que considera e atua com unia
consciência refletida, segundo suas m etas determinadas, quer
sejam grandes metas substanciais, quer interesses mesquinhos
e injustos; um hom em animoso significa mais: [é] quem deixa
agir sua individualidade emotiva, em bora limitada, e nas parti­
cularidades dela encontra-se com essa individualidade inteira,
sendo repleto complctumcnte por elas. Mas pode-se dizer de

álft
tal disposição qpe é m enos o gênio m esm o que o “Indulgere
génio” [condescender com seu gênio].

\ Adendo: O qye tínhamos designado no Adendo ao § 402 como a alma


ocupada no sonhar e no pressentir de seu mundo individual é o que se de­
nominou no título do parágrafo acima [como] “a alma que-sente, em sua
imediatez”. Essa forma-de-desenvolvimento, da alma humana, queremos aqui
expô-la ainda com mais rigor do que ocorreu na nota precedente. Já na nota
ao § 404 se disse que o grau do sonho e do pressentimento constitui, ao
mesmo tempo, uma forma em que, como em um estado-de-doença, pode
recair o espírito já desenvolvido em consciência e entendimento. Os dois
modos do espírito — de um lado, a consciência sadia de entendimento;
do outro, o sonho e o pressentimento — podem, nesse primeiro grau aqui
tratado, do desenvolvimento da alma que-sente, existir como imbricando-se
mais ou menos, um com o outro. Com efeito, o característico desse grau con­
siste justamente em que aqui a consciência tosca, subjetiva ou pressentidora
ainda não está posta (como será no segundo grau da alma que-sente, do
ponto de vista do desvario) em oposição direta à consciência livre, objetiva ou
de entendimento; antes, tem para com ela apenas a relação de algo diverso,,
portanto de algo misturével com a consciência de-entendimento. O espírito,
portanto, não existe nesse grau como a contradição em si mesmo: os dois la­
dos, que na demência entram em contradição um com o outro, ainda estão
aqui em uma relação ingénua de um para o outro. Pode esse ponto de vista
chamar-se a relação mágica da alma que-sente, porque por essa expressão
se designa uma relação, carente-de-mediação, do interior a um exterior ou
outro em geral: um poder mágico é aquele cuja eficácia não é determinada
segundo a conexão, as condições e mediações da relação objetiva; ora, um
tal poder, atuando sem-mediação, é “a alma que-sente, em sua imediatez”
Para compreensão desse grau-de-desenvolvimento da alma, não será
supérfluo esclarecer aqui o conceito de maga. A magia absoluta seria a
magia do espirito como ta l Também este exerce nos objetos uma “infecção”
mágica, atua magicamente sobre um outro espírito. Mas nessa relação a
imediatez é apenas um momento; a mediação que opera pelo pensamento
e pela intuição, como pela linguagem e pelos gestos, forma nele o outro
momento. A criança, sem dúvida, é infectada de uma maneira predomi­
nantemente imediata pelo espírito dos adultos pelos quais se vê rodeada;
mas essa relação é, ao mesmo tempo, mediatizada pela consciência e pela
autonomia iniciante da criança. Entre os adultos, um espírito superior
exerce um poder mágico sobre o mais fraco: assim, por exemplo, Lear
sobre Kent, que se sente irresistivelmente atraído pelo rei inícl!& porque

m
esse lhe parece ter em seu rosto algo que — como ele se exprime — “cha­
maria, de bom grado, [seu] senhor”9. Igualmente, uma rainha da França
respondeu, quando acusada de ter exercido bruxaria sobre seu esposo, que
ela não tinha usado contra ele nenhum outro poder mágico, a não ser o
concedido pela natureza ao espírito mais forte sobre o mais fraco.
Como nos casos citados, a magia consiste em uma influência imediata
do espírito sobre um outro espírito; assim, de modo geral, na magia ou
bruxaria — inclusive quando se referia a objetos simplesmente naturais,
como o sol e a lua —, sempre a representação tem a ideia de que a
bruxaria acontece essencialmente pelo poder imediatamente eficaz do
espírito, e na verdade não pelo poder do espírito divino, mas pelo poder
do espírito diabólico\ de modo que na exata medida em que alguém possua
a força da feitiçaria esteja sujeito ao demónio.
Ora, a magia mais privada de mediação é, mais precisamente, a que
o espírito individual exerce sobre sua própria corporeidade, ao fazer dela
a executante submissa, sem resistência, de sua vontade. Mas também o
homem exerce sobre os animais um poder mágico, sumamente isento de
mediação, pois eles não podem suportar o olhar do homem.
Fora desse comportamento mágico do espírito (acima citado) que
efetivamente ocorre, atribuiu-se, mas falsamente; ao gênero humano um
estado mágico prim itivo, em que o espírito do homem, sem consciência
desenvolvida, de um modo totalmente imediato, teria conhecido as leis
da natureza externa e sua própria essência verdadeira, e mesmo a natu­
reza de Deus de uma maneira muito mais perfeita que agora. Toda essa
representação é tão contrária à Bíblia como à razão; pois, no mito da
queda, a Bíblia enuncia expressamente que o homem só teve parte no
conhecimento do verdadeiro por meio do dilacerar daquela unidade original
paradisíaca do homem com a natureza. O que foi inventado sobre grandes
conhecimentos astronómicos, ou outros, do homem primitivo reduz-se a
nada num exame mais rigoroso. Dos mistérios pode-se dizer, com certeza,
que contêm ruínas de um conhecimento anterior; vestígios da razão, que
opera por instinto, encontram-se nas épocas mais primitivas e mais rudes.
Mas tais produções instintivas da razão humana, que carecem da forma
do pensamento, não podem valer como provas de um conhecimento
científico prim itivo; são antes, necessariamente, algo totalmente acientífico,
que pertence simplesmente à sensação e à intuição, porque a ciência não
pode ser o primeiro, mas somente o último.

9. Shttktapeart, A tragédia do Rn lsor, ato I cena IV, 29-30 “Kent: You have that in your
enuntenanoe which Iwoulri f»ln*mil manter".
É quanto ocorre a propósito da essência do mágico em geral. No que
toca mais precisamente à maneira como aparece na esfera da Antropologia,
temos de distinguir duas formas diversas da relação mágica da alma.
A primeira dessas formas pode designar-se como a subjetividade fo r­
mal^da vida. Essa subjetividade é form al porque tão pouco ela usurpa o
que pertence à consciência objetiva que, antes, constitui, ela mesma, um
momento da vida objetiva. Por esse motivo, ela tampouco é — como, por
exemplo, o adquirir dentes — algo que-não-deve-ser,; algo doentio, mas antes
algo que compete necessariamente também ao homem sadio. Mas na
natureza formal, na simplicidade indiferenciada dessa subjetividade, está
implicado ao mesmo tempo que, prescindindo da oposição direta entre a
consciência subjetiva e a consciência objetiva — no caso, de todo ex­
cluída [e] só reinante na demência —, não pode sequer tratar-se de uma
relação de duas personalidades autónomas uma com a outra; tal relação só
se apresentará na segunda forma do estado mágico da alma.
A primeira forma desse estado, de que vamos falar, contém de seu
lado três diversos estados:
1) o sonho natural
2 ) a vida da criança no ventre materno e
3) o comportamento de nossa vida consciente para com nossa vida interior
secreta, para com nossa natureza espiritual determinada, ou para com o
que se chamou o gênio do homem.
1 ) O sonho
Já a propósito do despertar da alma individual, tratado no § 398, e
na verdade mais precisamente na fixação da diferença determinada entre
o sono e a vigília, tivemos de falar previamente do sonho natural pois é
um momento do sono e pode ser tomado, numa visão superficial, como
prova de que são a mesma coisa, o sono e a vigília; contra essa super­
ficialidade, dever-se-ia estabelecer a diferença essencial entre esses dois
estados, também em relação ao sonho. Mas o lugar apropriado para o
exame da atividade da alma (citada por último) só se encontra no começo
(feito no § 405) do desenvolvimento da alma desnorteada no sonho e no
pressentimento de sua vida natural concreta. Ao remetermos aqui ao que
já foi dito (na Nota e no Adendo ao § 398) sobre a natureza inteiramente
subjetiva dos sonhos, privada da objetividade de-entendimento, resta-nos
acrescentar somente ainda que no estado do sonho a alma humana não
se enche simplesmente de impressões singularizadas, [ainda] mais do
que ocorre habitualmente nas distrações da alma desperta, ela atinge
um sentimento profundo, poderoso, de sua natureza individual total, o
cfmda completo dc seu passado, presente e foturo; e que esae nersenlido
da totalidade itidrvidual da alma é justamente a razão pela qual se deve
tratar do sonho na consideração da alma que sente a si mesma
2) A criança no ventre materno
Enquanto no sonho o indivíduo que alcança o sentimento de si mes­
mo está envolvido em uma relação imediata simples a si mesmo, e este
seu ser-para-si tem completamente a forma da subjetividade, a criança
no ventre materno nos mostra, ao contrário, uma alma que ainda nâo
está efetivamente para si na criança, mas só, inicialmente, na mãe; [e ]
que não pode ainda suster-se por si mesma, mas antes é sustentada pela
alma da mãe. Desse modo aqui, em vez daquela relação simples da alma
a si mesma no sonho, [o que] existe [é] uma relação a um outro in­
divíduo, em que a alma do feto, a qual está nela mesma carente-de-Si,
encontra o seu Si. Essa relação tem algo prodigioso para o entendimento,
incapaz de conceber a unidade do que é diferente, pois aqui vemos um
imediato “viver-um-no-outro”, uma indivisa unidade-d alma de dois indi­
víduos, um dos quais é um Si efetivo, essente para si mesmo, enquanto
o outro tem, pelo menos, um form al ser-para-si, e aproxima-se sempre
mais do ser-para-si efetivo. No entanto, para a consideração filosófica, essa
indivisa unidade-dalma contém tanto menos algo inconcebível, quanto
o Si da criança ainda não pode opor resistência alguma ao Si da mãe,
mas está totalmente aberto à influência imediata da alma da mãe. Essa
influência se manifesta naqueles fenômenos que se chamam sinais-da-mâe.
Muita coisa que se pôs na conta deles pode, com certeza, ter uma causa
simplesmente orgânica. Mas, quanto a numerosos fenômenos fisiológicos,
não se pode negar que são postos pela sensação da mãe, e que há as­
sim uma causa psíquica em seu fundamento. Desse modo, por exemplo,
relata-se que crianças vieram ao mundo com o braço defeituoso porque
a mãe tinha efetivamente quebrado o braço, ou pelo menos tinha levado
uma pancada tão forte que temia ter quebrado, ou, finalmente, porque
se tinha assustado à vista do braço quebrado de um outro. Semelhantes
exemplos são demasiadamente conhecidos para que seja mister aqui citar
muitos deles. Tal corporificação das impressões interiores da mãe é ex
plicável, de uma parte, pela fraqueza do feto, que não oferece resistência,
e, de outra parte, porque na mãe, enfraquecida pela gravidez, não tendo
mais uma vida plenamente autónoma para si, mas estendendo sua vida
à criança, as sensações alcançam um grau extraordinário de vivacidade
e de força, impressionando profundamente a própria mãe. A esse poder
da sensação da mãe, até o bebê está ainda muito submetido; as em o­
ções desagradáveis da mãe, como se sabe, estragam o seu leite c agem
assim prejudiciulmcnte n o b r e a criança que da amamenta. Ao contrário,
na relação dos pais para com seus filhos crescidos, mostrou-se algo de
mágico [no fato de] que filhos e pais que foram hã muito separados e
não se conheciam mutuamente, sentiam inconscientemente uma atração
recíproca. Contudo, não se pode dizer que esse sentimento é algo uni­
versal e necessário; porque hã exemplos de que pais tenham matado no
combate seus filhos, e filhos a seus pais, em circunstâncias em que teriam
condições de evitar esse homicídio se tivessem pressentido alguma coisa
de seu laço natural recíproco.
3) A relação do indivíduo a seu gênio
O terceiro modo pelo qual a alma humana chega ao sentimento da
sua totalidade é a relação do indivíduo ao seu gênio. Devemos entender
por gênio a particularidade do homem, enquanto ela decide, em todas as
situações e condições do mesmo, sobre seu agir e seu destino. E que eu
sou algo duplo em mim mesmo; por um lado, sou como eu me sei se­
gundo minha vida exterior e segundo minhas representações universais‘,
por outro lado, o que sou em meu interior,; determinado de maneira par­
ticular. Essa particularidade do meu interior constitui minha sorte; pois
ela é o oráculo, de cuja sentença dependem todas as decisões do indi­
víduo; ela forma o objetivo que se faz valer para fora, a partir do interior
do caráter. Que as circunstâncias e situações em que o indivíduo se
encontra deem precisamente esta, e nenhuma outra, direção ao seu des­
tino, isso não reside simplesmente nelas em sua peculiaridade, nem
também simplesmente na natureza universal do indivíduo, senão que ao
mesmo tempo [está] na sua particularidade. Nas mesmas circunstâncias,
esse indivíduo determinado se comporta diversamente de cem outros
indivíduos: sobre um, certas circunstâncias podem agir magicamente,
enquanto um outro não é arrancado por elas à sua rotina habitual. As
circunstâncias se misturam, assim, de uma maneira contingente, particular,
com o interior dos indivíduos; de modo que eles em parte pelas circuns­
tâncias e pelo [que é] universalmente válido, em parte pela sua própria
determinação interior particular, venham a ser o que é feito deles. Sem
dúvida, a particularidade do indivíduo traz para seu procedimento também
motivos, portanto determinações universalmente válidas-, mas só o faz de
uma maneira particular porque se comporta, essencialmente, como sen­
tindo. Por conseguinte, até mesmo a desperta consciência de-entendimento,
que se move em determinações universais, é determinada por seu gênio
de modo tão imperioso que ali o indivíduo aparece em uma relação de
não autonomia, que pode comparar-se à dependência do feto para com
a alma da mãe, ou com a maneira passiva como a alma, no sonho, ueedc
à representação de seu mundo individual. Mas a relação do indivíduo a
seu gênio, por outro lado, se diferencia das duas relações, antes exami­
nadas, da alma que-sente, por ser sua unidade: por reunir em um só [o»
dois momentos, a saber] o momento, contido no sonho natural — dfl
unidade simples da alma consigo mesma — e o momento (presente na
relação do feto à mãe) da duplicidade da vida da alma; porque o gênio
de um lado, como a alma da mãe em relação ao feto, é um outro, dota-
do-de-si [selbstisches] diante do indivíduo, e por outro lado forma com
o indivíduo uma unidade tão inseparável quanto a alma com o mundo
de seus sonhos.

§ 406
2 — A vida-de-sentim ento enquanto form a, estado do hom e
consciente de si, cultivado, refletido, é um a doença em que o indi­
víduo se refere imediatamente ao conteúdo concreto de si mesmo, e
tem sua consciência refletida de si e da conexão, de entendim ento,
com o m undo com o um estado que é distinto dele. [Tal é] o so­
nambulismo magnético e estados afins.
Nesta exposição enciclopédica não se pode fornecer o que
seria preciso para a prova da determ inação dada para aquele
estado notável, provocado principalm ente pelo m agnetism o
animal; a saber, que as experiências [lhe] correspondem . Para
isso deveriam prim eiro ser subsumidos sob seus pontos de vista
universais os fenôm enos em si mesm os tão multiformes e tflo
diferentes uns dos outros. Se o fático antes de tudo pudesse
parecer necessitado de verificação, tal verificação p o r sua vez
seria, contudo, supérflua para aqueles p o r cuja causa havcri»
tal necessidade. Eles, com efeito, to m am a consideração de
masiado fácil, ao declararem as narrativas — p o r infinitamente
numerosas que sejam, por mais atestadas que sejam pela cultura,
pelo caráter etc. das testem unhas —, num a palavra, com o ilusão
e fraude; e são tão firmes em seu entendim ento apriorístico,
que não apenas nada pode contra ele toda a atestação, mas
tam bém já têm negado o que viram com seus próprios olhou.
Nesse campo, para crer e ainda mais para receber m esm o o que
se vê com seus próprios olhos, a condição básica é não estar
preso a categorias do entendim ento. Os m om entos principais
que no caso importam podem ser indicados aqui.
1) Ao ser concreto de um indivíduo pertence o conjunto de
seus interesses básicos, das relações empíricas, essenciais e
particulares em que está para com outros hom ens e para com
o m undo em geral. Essa totalidade constitui sua efetividade,
de m odo que lhe é im anente e foi cham ada acima seu gênio.
Este não é o espírito livre, querente e pensante: a form a do
sentim ento em que aqui o indivíduo é considerado imerso é
antes o renunciar de sua existência, enquanto espiritualidade
essente ju n to a si mesma. A consequência mais próxim a [que
se tira] da determ inação indicada a respeito do conteúdo é que
no sonambulismo só entra na consciência o âmbito do m un­
do individualmente determ inado, dos interesses particulares e
das relações limitadas. Conhecim entos científicos ou conceitos
filosóficos e verdades universais exigem um outro terreno: o
pensar que se desenvolve em consciência livre a partir do torpor
da vida que sente; é insensato esperar do estado sonambúlico
revelações sobre ideias.
2 ) O hom em de bom~senso e [de sadio] entendim ento sabe
dessa sua efetividade, que constitui a im plem entação concreta
de sua individualidade, sabe-o segundo o m odo da consciên-
cia-de-si e do entendim ento; ele a sabe, desperto, na forma da
conexão de si mesm o com as determ inações dessa efetividade,
enquanto é um m undo externo, diferente dele; e sabe desse
m undo com o de um a multiformidade igualmente [da ordem]
do entendimento, conexa em s i mesma. Em suas representações
[e] planos subjetivos, ele tem tam bém em vista essa conexão
— [da ordem] do entendim ento — de seu m undo, e a mediação
de suas representações e de seus fins com existências objetivas
totalm ente mediatizadas em si mesmas (ver § 398, Nota). Nesse
caso, esse m undo, que está fora dele, tem nele os seus fios; e
assim o que ele é efetivamente para s i consiste nesses fios: de
m odo que tam bém ele assim definhe em si, ao desaparecerem
essas exterioridades — se não for expressam ente subsistente e
independente delas por meio da religião, da razão subjetiva e
do caráter. Nesse caso, ele é m enos capaz da forma do estado
aqui discutida. C om o fenôm eno daquela identidade, pode-se
lem brar o efeito que a m orte de parentes queridos, amigos
etc. pode ter sobre os supérstites; que, morrendo um, o outro
morre ou definha (assim também Catão não podia mais viver
depois da ruína da República Romana: sua efetividade interior
não estava além nem acima dela). [Pode-se também lembrar]
a nostalgia e fatos semelhantes:
3) Mas, enquanto o que preenche a consciência — seu mundo
externo e sua relação a ela — está encoberto e a alma, assim,
está imersa no sono (no sono magnético, na cataíepsia e ou­
tras doenças, por exemplo do desenvolvimento feminino, na
aproximação da morte), essa efetivid a d e im anente do indivíduo
permanece a mesma totalidade substancial, enquanto é uma
vida-de-sen tim entoy que vê e que sabe, em si mesma. Por ser a
consciência desenvolvida, adulta, cultivada, que decaiu para tal
estado do sentimento, conserva decerto, com o seu conteúdo, o
formal de seu ser-para-si, um intuir e saber fo rm a is , que porém
não avançam até o juízo da consciência pelo qual seu conteúdo
é, enquanto objetividade exterior, para a consciência, quando
está sadia e desperta. Assim, o indivíduo é a mônada que sabe
em si mesma sua efetividade, a intuição-de-si do gênio. Por isso,
a característica desse saber é que o mesmo conteúdo — que
como efetividade [da ordem] do entendimento é objetivo
para a consciência sadia, a qual, como refletida, precisa para
conhecê-lo da m ediação de-entendimento em toda a sua real
amplitude —, [tal conteúdo,] nessa imanência, imediatamente
conhecida por ela, pode ser in tu ído . Esse in tu ir é uma c la riv i­
dência, enquanto é saber na substancialidade indivisa do gênio,
e se encontra na essência da conexão; portanto, não está ligada
às séries das condições mediatizantes, exteriores uma às outras,
que a consciência refletida tem a percorrer, e em vista das quais
está limitada segundo sua própria singularidade exterior. Essa
clarividência porém — já que em sua nebulosidade o conteúdo
não se expõe como uma conexão de-entendimento — está
entregue a toda a contingência do sentir, do imaginar etc.;
além disso, representações alh eias penetram no seu intuir (ver
abaixo). Não se pode, pois, estabelecer se são mais os casos
em que os clarividentes acertam, ou em que se enganam. Mas
é absurdo considerar o intuir desse estado por uma elevação

125
do espírito, ou por um estado mais verdadeiro, capaz, em si
mesm o, de conhecim entos u n iversa is.
4) U m a determ inação essencial nessa vida-de-sentim ento, à
qual falta a personalidade do entendim ento e da vontade, é que
ela é um estado de passividade igualmente com o o da criança no
ventre m aterno. Por isso o sujeito doente, segundo esse estado,
passa [para a submissão] ao poder de um outro, e está sob o
poder do m agnetizador, de m odo que nessa conexão psíquica
dos dois o indivíduo privado-do-si, que não é efetivo com o
pessoa, tem por consciência subjetiva a consciência daquele
indivíduo que está em bom juízo; [de m odo que] é este outro
a sua alma presente, subjetiva, o seu gênio, que tam bém pode
preenchê-lo de conteúdo. Q ue o indivíduo sonâm bulo sinta
em si m esm o sabores e odores presentes naquele com que
está em relação; que saiba de outras intuições e representações
internas presentes no outro, m as com o [se fossem] suas, isso
m ostra a identidade substancial em que a alma — tam bém com o
concreta, verdadeiram ente imaterial — é capaz de estar com
um a outra alma. N essa identidade substancial, a subjetividade
da consciência é um a só subjetividade, e a individualidade
do doente é, sem dúvida, um ser-para-si, mas um ser para-si
vazio, que não é presente, efetivo, para si; portanto, esse Si
formal tem seus conteúdos nas sensações, nas representações
do outro; ele vê, cheira, saboreia, lê, ouve, tam bém no ou­
tro. H á ainda que notar, a respeito, que o sonâm bulo vem a 10

10. Platão conheceu a relação do profetizarem geral com o saber da consciência refletida,
melhor que muitos modernos, que acreditaram facilmente ter nas representações platónicas
do entusiasmo uma autoridade para sua crença na natureza excelsa das revelações da visão
sonambúlica. No Timeu (Edição Steph. III pp. 71 ss. [Timeu 71a—72d]) Platão diz que, para
a parte irracional da alma tornar-se de algum modo partícipe da verdade, Deus criou ofígado
e lhe deu a “m a n te id o poder de ter visões. Que Deus tenha concedido à desrazão humana
esse vaticinar — acrescenta Platão — é uma prova suficiente de que nenhum homem, em
bom juízo, se torna participante de uma verdadeira visão; enquanto isso se produz quando o
entendimento está encadeado no sono, ou quando transportado para fora de si, pela doença
ou por um entusiasmo. “Com razão se disse há muito tempo: fazer e conhecer o seu e a si
mesmo, só compete ao homem em bom juízo” [Timeu 72 a (citação aproximativa)]. Platão
faz notar muito acertadamente tanto o que há de corporal em tal visão e suhrr qimnlo a
possibilidade da verdade das visões; mas nota o seu [caráter] subordinado que M submete á
consciência racional.

126
colocar-se, desse m odo, em u m a relação a dois gênios e a um
duplo conteúdo: ao seu p ró p rio e ao do m agnetizador. Quais
[sejam as] sensações ou visões que esse aperceber formal — de
seu próprio interior, ou da rep resen tação daquele com quem
está em relação — agora receb e, m antém , contem pla e leva
ao saber, [isso] é indeterm inado. Essa incerteza pode ser a
fonte de m uitas ilusões; ela fund a tam bém , entre outras, a
necessária diversidade que se evidenciou entre os m odos de
ver dos sonâm bulos de diversos países, e entre o relato para
pessoas diversam ente cultivadas, sobre os estados patológicos
e suas terapias, os remédios e ta m b ém as categorias científicas»
espirituais etc.
5) C om o nessa substancialidade que-sente não hã a oposição
ao exteriorm ente objetivo, assim , no interior de si mesmo, o
sujeito está nessa unidade em q u e desvaneceram as particulari­
dades do sentir, de modo que, quando a atividade dos órgãos
dos sentidos está adormecida, então o sentim ento-com um se
determ ina para [cumprir] funções particulares, e vê-se, ouve-se
etc. com os dedos — em particular com o epigastro, o estô­
m ago etc.
Conceber significa, para a reflexão de-entendim ento, conhecer
a série de mediações entre um fenôm eno e outro ser-aí com o
qual está conexo; com preender o que se cham a curso natural
[das coisas], isto é, segundo as leis e relações de-entendi-
m ento (por exemplo, da causalidade, da razão-de-ser etc.). A
vida-de-sentim ento, mesmo quando ainda conserva o saber
apenas formal, com o nos estados patológicos m encionados, é
justam ente essa form a da im ediatez, na qual não estão presentes
as diferenças entre subjetivo e objetivo, de um a personalidade
[dotada] de-entendim ento em contraste com um m undo ex­
terior; e aquelas relações de finitude entre eles. O conceituar
dessa conexão, que é sem relação, e contudo totalm ente im­
plementada, torna-se ele m esm o impossível pela pressuposição
de personalidades autónom as um as em relação às outras e cm
relação ao conteúdo, enquanto ele é um m undo objetivo; c
pela pressuposição da absoluteidade do “ser-fora-um -do-outro"
espacial e material, cm geral.

m
Adendo: No Adendo ao § 405, dissemos que havia que distinguir duas
diversas formas da relação mágica da alma que-sente, e que a primeira
dessas formas podia chamar-se a subjetividade form al da vida. O exame
dessa primeira forma chegou a sua conclusão no Adendo acima men­
cionado. Temos pois de considerar agora a segunda forma dessa relação
mágica, a saber, a subjetividade real da alma que-sente. Chamamos real
essa subjetividade porque — em lugar da unidade indivisa substancial da
alma, que reina no sono como no estado de feto, e também na relação do
indivíduo a seu gênio — aqui se evidencia uma vida da alma efetivamente
dupla que põe em liberdade seus dois lados para uma existência própria. O
primeiro desses dois lados é a relação não mediatizada da alma que-sente
para com seu mundo individual e sua efetividade substancial; o segundo
lado, ao contrário, é a relação mediatizada da alma a seu mundo inserido
em conexão objetiva. Que esses dois lados se dissociem, alcancem autonomia
um em relação ao outro — eis o que se pode designar como doença, pois
esse dissociar-se não constitui um momento da própria vida objetiva, em
oposição aos modos da subjetividade formal considerados no Adendo ao
§ 405. Assim como a doença corporal consiste na fixação de um órgão ou
sistema contra a harmonia universal da vida individual, e [como] tal ini­
bição e separação às vezes progride a tal ponto que a atividade particular
de um sistema se torna um foco que concentra em si em toda a restante
atividade do organismo — torna-se um tumor pululante —, assim também
a doença se produz na vida anímica, quando o que é simplesmente anímico
no organismo, tomando-se independente do poder da consciência espiritual,
arroga-se a função dessa consciência, e o espírito, ao perder seu domínio
sobre o que sendo anímico lhe pertence, não permanece [mais] senhor de si
mesmo, mas ele mesmo recai na forma do anímico, e assim abandona para
o mundo efetivo a relação objetiva que é essencial ao espírito sadio, isto é,
a relação mediatizada pela suprassunção do que é exteriormente posto. O
anímico toma-se autónomo ante o espírito, e até mesmo usurpa sua função;
a possibilidade disso reside em que ele tanto é diferente do espírito quanto
é, em si, idêntico a ele. Enquanto o que é anímico se separa do espírito,
põe-se para si, [e isso] dá a si mesmo a aparência de ser o que o espírito
é em sua verdade: quer dizer, a alma essente para si mesma na forma da
universalidade. No entanto, a doença anímica que nasce daquela separação
não é de comparar simplesmente com doença corporal, mas lhe está mais
ou menos ligada, porque ao arrancar-se do espírito aquilo que é anímico
[então] a corporeidade necessária para a existência empírica, tanto de um
como do outro, se reparte nesses dois lados que se dissociam um do outro;
e por isso ela mesma se torna algo em si separado, portanto doentio.
Ora, os estados-de-doença, em que se produz tal separação e n tr e o a n ím ic o
e a consciência espiritual, são de espécie muito variada: quase cada d o e n ç a
pode progredir até o ponto daquela separação. Mas aqui, na consideração,
filosófica de nosso objeto, não temos a percorrer essa indeterminada v a r ie d a d e
de formas de doença, mas apenas a fixar, segundo suas firm as principais o
universal que nelas se configura de diversas maneiras. Fazem parte das d o e n ç a s
em que se pode manifestar esse universal o sonambulismo, a catalepsia, a época
da puberdade das moças, o estado de gravidez, também a doença de São Gitido,
e igualmente o instante da aproximação da morte; quando esse [in sta n te ]
provoca a cisão (já mencionada) da vida em consciência mediatizada, sa d ia ,
que se toma mais fraca, e em saber anímico que chega cada vez m a is a o
domínio absoluto. Em especial, porém, deve-se investigar aqui aquele e s ta d o
que se chamou magnetismo animal, tanto na medida em que se d e s e n v o lv e
de si mesmo em um indivíduo quanto na medida em que é produzido n e s te
por meio de um outro indivíduo, de uma maneira particular. O frágil e s ta d o
de que se trata, da separação da vida anímica, pode ser provocado ta m b é m
por causas espirituais, particularmente por uma exaltação religiosa e p o lític a .
Assim, por exemplo, na guerra dos Cevenos o [elemento] anímico, e m e r g in ­
do livremente, mostrou-se como um dom profético, presente em alto g ra u
nas crianças, nas donzelas e sobretudo nos velhos. Porém o exemplo m a if
notável de tal exaltação é a célebre Joana dArc, em que se toma visível, d e
um lado, o entusiasmo patriótico de uma alma totalmente pura e s im p le s ,
e, de outra parte, uma espécie de estado magnético.
Depois dessas notas preliminares, queremos aqui considerar as fo r m a s
singulares principais em que se mostra um dissociar-se do anímico e d a
consciência objetiva. A propósito, quase não precisamos recordar o que an­
tes jã foi dito sobre a diferença entre esses dois modos do comportamento
do homem para com o seu mundo: a saber, que a consciência objetiva sabe
o mundo como uma objetividade exterior a ele, infinitamente variada, mau
em todos os seus pontos necessariamente em conexão consigo, nada contendo
em si que não seja mediatizado, e que se refere ao mundo de uma maneira
que lhe corresponde; isto é, igualmente variada, determinada, mediatizada e
necessária, [que] por isso só pode entrar em relação com uma determinada
forma da objetividade exterior por meio de um órgão sensorial determinado'.
por exemplo, só com os olhos pode ver; e, ao contrário, o sentimento ou o
modo subjetivo do saber pode carecer de todo, ou pelo menos em parte, d a s
mediações e condições indispensáveis ao saber objetivo: por exemplo, p e r c e b e r
imediatamente o visível s e m a ajuda dos olhos e sem a mediação d a lu z.
1) — Kssc sa b e r im e d ia to nc m a n ife s ta fe n o m e n a lm e n t c , a n te s d e tu d
n a q u e le s q u e tê m o q u e a e c h a m a a settsihilidade-ílo-tnetal-e~da-ãgm. K n te n d e -a e

-------------- **
por isso homens que em um estado totalmente despeito detectain, sem a
mediação do sentido da vista, metal ou água sob o solo. A ocorrência, não
rara, de tais homens não se presta a dúvida alguma Amorettí11 descobriu,
segundo garante, essa característica peculiar da sensibilidade em mais de
quatrocentos indivíduos, parte deles inteiramente sadios. Além do metal e
da água, o sal também é sentido de uma maneira totalmente sem media­
ção, quando o sal, presente em grande quantidade, suscita neles mal-estar
e ansiedade. Na procura de águas e metais escondidos, como na busca do
sal, os indivíduos do tipo aludido utilizam também a “varinha mágica”: é
um bastão de aveleira em forma de forquilha, que é segurado com as duas
mãos do lado da forquilha, e se curva do lado da ponta em direção dos
objetos mencionados. Entende-se aqui, de si mesmo, que esse movimento
do pau não tem de modo algum sua razão nele mesmo, mas é determinado
somente pela sensação do homem; como também, no que se chama movi­
mento do pêndulo, a sensação do homem é sempre o determinante principal
(embora aí, no caso da utilização de vários metais, certa interação possa
haver entre eles). Se, por exemplo, se segura um anel de ouro [suspenso]
sobre um copo d agua e o anel bate na borda do copo tantas vezes quantas
o relógio mostra em horas, isso provém unicamente de que, quando por
exemplo bate a 11 a pancada, e eu sei que são onze horas, esse meu saber é
suficiente para fazer parar o pêndulo. Mas a sensibilidade, armada com uma
varinha mágica, deve às vezes ter-se estendido além da descoberta de coisas
mortas da natureza, e especialmente à descoberta de ladrões e assassinos.
Por mais charlatanismo que possa haver nos relatos existentes sobre esse
ponto, alguns casos ali mencionados parecem fidedignos; em particular, o
caso de um lavrador francês que viveu no século XVII e era suspeito de
assassinato; conduzido à adega em que o homicídio fora cometido, come­
çou a suar frio, recebeu dos assassinos um sentimento em virtude do qual
encontrou os caminhos tomados e os lugares de parada frequentados por
eles em sua fiiga; descobriu, no sul da França, um deles encerrado em uma
prisão, e perseguiu o segundo até a fronteira espanhola, onde foi forçado a
arrepiar caminho. Tal indivíduo tinha uma sensação tão aguda como um
cão que segue, a léguas de distância, o rastro do seu senhor.
2) — O segundo fenômeno a considerar aqui, do saber imediato ou
de-sentimento, tem isto de comum com o primeiro de que acabamos de
falar: nos dois, um objeto c sentido sem a mediação do sentido específico a
que se refere principalmente. Mas, ao mesmo tempo, esse segundo fenômeno
se distingue do primeiro porque nele não tem lugar um comportamento

11. [Carlos Amoretti, monge agostiniano (1741-1816), erudito italiano].

130
tão totalmente sem mediação, como naquele primeiro; senão que o sentido
específico em questão ali é substituído ou pelo sentido comum ativo princi-
palmente no epigastro, ou pelo sentido do tato. Tal sentir também se mostra
tanto na catalepsia em geral — um estado de paralisia dos órgãos — como
especialmente no sonambulismo, espécie de estado cataléptico em que o sonho
não se exterioriza simplesmente pela palavra, mas também pela andança, e
faz nascerem outras ações, em cuja base está um sentimento dos objetos
circundantes, correto sob muitos aspectos. No que diz respeito â ocorrência
desse estado, quando há certa disposição para isso, ele pode ser provocado
por coisas puramente exteriores, por exemplo certas iguarias comidas à
noite. Igualmente, depois da ocorrência desse estado, a alma permanece
dependente das coisas externas: assim, por exemplo, uma musica, tocada
na proximidade dos sonâmbulos, os levou a exprimir no sono romances
inteiros. Mas, a respeito da atividade dos sentidos nesse estado, é preciso
notar que, se os verdadeiros sonâmbulos ouvem bem e sentem bem pelo tato,
seu olho pelo contrário é rígido, pouco importa que esteja fechado ou aberto;
e que, por isso, o sentido — pelo qual, sobretudo, os objetos se apresentam
nessa distância de mim, necessária para a verdadeira relação da consciência
— deixa de ser ativo nesse estado de separação inexistente entre o subjetivo
e o objetivo. Como já se notou, a visão que se extingue é substituída pelo
sentido do tato, uma substituição que nos verdadeiros cegos só se produz
em âmbito menor, e não pode, aliás, nos dois casos ser entendida como
se, pelo embotamento de um sentido, ao outro sentido se proporcionasse
um aguçamento por via puramente física; já que tal aguçamento nasce,
antes, porque a alma se bandeia, com uma força não repartida, para o sen­
tido do tato. Contudo, esse sentido não conduz o sonâmbulo de maneira
totalmente correta; e certamente nem sempre: suas ações complexas são
algo de contingente. Tais pessoas, decerto, escrevem cartas, às vezes, em
seu sonambular; contudo, são enganadas com frequência por seu tato; por
exemplo, quando acreditam que estão montadas num cavalo, enquanto de
fato estão sobre o telhado. Mas, além do aguçamento prodigioso do sentido
tio tato, como igualmente já se notou, nos estados catalépticos, o sentido
comum também chega, sobretudo no epigastro, a uma atividade de tal modo
intensificada que substitui a vista, o ouvido ou também o gosto. Assim, um
médico francês em Lyon, numa época em que o magnetismo animal ainda
não era bem conhecido, cuidou de uma pessoa doente que só pelo epigastro
ouvia e lia, e que podia ler em um livro que em outra sala segurava alguém
que por indicação do médico tinha sido ligado ao indivíduo posto contra
o epigastro da pessoa doente, por meio de uma cadeia de pessoas que se
eneontruvain entre eles. 'XUJ visito a distância, aliás, foi descrita de diversas

U i
maneiras por aqueles nos quais ela se produzia Dizem com frequência que
veem interiormente os objetos; ou afirmam que lhes parece como se raios
saíssem dos objetos. Mas, no que toca à substituição (mencionada acima)
do gosto pelo sentido comum, há exemplos de pessoas que saborearam os
alimentos que se lhes punham sobre o estômago.
3) — O terceiro fenômeno do saber imediato consiste em que — sem
o concurso de um sentido específico qualquer, e sem o ativar-se do sentido
comum, produzindo-se numa parte singular do corpo — nasce, de uma
sensação indeterminada., um pressentir ou ver, uma visão de algo que não está
sensivelmente próximo, mas afastado no espaço ou no tempo, de algo futuro
ow passado. Embora seja difícil, muitas vezes, distinguir as visões simplesmente
subjetivas; referentes a objetos não existentes, das visões que têm por seu con­
teúdo algo efetivo, mesmo assim tal distinção deve aqui ser sustentada. A
primeira espécie de visões se apresenta, decerto, também no sonambulismo,
mas sobretudo em um estado mórbido predominantemente físico — por
exemplo, no calor febril, mesmo na consciência desperta. Um exemplo de
tal visão subjetiva é [o de] Friedrich Nicolai12, que em estado de vigília via
na rua, com perfeita nitidez, outras casas que as efetivamente presentes,
e contudo sabia que isso era só ilusão. A razão predominantemente física
dessa ilusão poética daquele indivíduo, aliás completamente prosaico, se
manifestou porque foi afastada pela aplicação de sanguessugas no reto.
Em nossa consideração antropológica, devemos ter ante os olhos,
de preferência, as visões da segunda espécie, as que se referem a objetos
efetivamente presentes. Para compreender o extraordinário nos fenômenos
que pertencem a esse tipo, importa fixar, a respeito da alma, os pontos
de vista que seguem.
[A alma é o quepenetra-tudo, o que não existe simplesmente em um
indivíduo particular; pois, como já dissemos antes, a alma deve ser apreen­
dida como [sendo] a verdade, como a idealidade de tudo o que é material,
como o [que é] totalmente universal, em que todas as diferenças estão so­
mente como ideais, que não se contrapõe unilateralmente ao Outro, mas que
pervade o Outro. Mas, ao mesmo tempo, é a alma individual, a alma par­
ticularmente determinada; tem, pois, em si mesma, diversas determinações
e particularizações, que aparecem como impulsos e inclinações, por exemplo.
Embora essas determinações sejam diferentes umas das outras para si, são
apenas algo universal Só em mim, enquanto indivíduo determinado, elas
recebem um conteúdo determinado. Asúm , por exemplo, o amor para com
os pais, os parentes, os amigos etc. individualiza-se em mim; porque não

12. ('hrintophKricilrichA/#irw/r#/(1733-1811). mentor, ilc Lmnintf.


posso ser amigo etc., em geral, mas sou necessariamente com estes amigos,
este amigo, vivendo neste lugar, neste tempo, nesta situação. Todas as de­
terminações universais da alma, em mim individualizadas e por mim vividas,
constituem minha efetividade; não estão pois abandonadas a meu bel-prazer,
mas antes formam as potências de minha vida e pertencem ao meu ser
efetivo, tanto como minha cabeça ou meu peito pertencem ao meu ser-al
vivo.^Eu sou esse círculo completo de determinações: estão emaranhadas
com minha individualidade; cada ponto singular nesse círculo, por exemplo
a circunstância de que agora estou sentado aqui, mostra-se tirado do ar­
bitrário de meu representar, por estar situado na totalidade de meu senti­
mento de mim mesmo, como o elo de uma cadeia de determinações; ou,
em outras palavras, está envolvido pelo sentimento da totalidade de minha
efetividade. [Mas eu sei dessa minha efetividade, desse meu mundo, enquanto
eu sou apenas uma alma que-sente, e não ainda uma consciência desperta,
livre; [e o sei] de uma maneira de: todo imediata., de todo abstratamente
positiva, porque eu, como já se notou, desse ponto de vista, ainda não
separei de mim o mundo, ainda não o pus como algo exterior: por isso
meu saber sobre ele ainda não está mediatizado pela oposição entre o
subjetivo e o objetivo, e pela suprassunção dessa oposição,
Devemos agora determinar com mais rigor o conteúdo desse wsaber
de-visão” [schauenden Wissens]. (1) Primeiro, há estados em que a alma
sabe de um conteúdo que esquecera há muito, e não pode mais trazê-lo &
consciência quando está desperta. Esse fenômeno se encontra em doenças
de diversos tipos. O fenômeno mais estranho desse tipo é o de homens que
falam, quando doentes, uma língua com a qual estavam familiarizados na
adolescência, mas que não são mais capazes de falar em estado de vigflia,
Também acontece que gente comum, que aliás só está habituada a falar
o baixo-alemão com desembaraço, fala sem dificuldade o alto-alemão no
estado magnético. Não menos indiscutível é o caso de homens que em tal
estado recitam com perfeita facilidade o conteúdo de uma leitura feita por
eles há muito tempo: conteúdo jamais decorado por eles e [já] desaparecido
de sua consciência desperta. Assim, por exemplo, havia quem recitasse os
“Pensamentos Noturnos” de Young^, dos quais nada mais sabia quando
acordado. Um exemplo particularmente notável é também o de um rapaz
que, ferido na cabeça por ocasião de uma queda na adolescência e operado
por esse motivo, perdeu pouco a pouco a memória a ponto de não saber
mais, depois de uma hora, o que tinha feito: induzido a estado magnético,
recobrou plenamente a memória, de modo que podia indicar a causa dc

13. Youna (Kilwurd), Th ampkw l ut Ni^ht Vioujfhtstm Lift. fktuhmlImmortolity, 1742.

áftft
sua doença e os instrumentos utilizados na operação a que se submetera,
assim como as pessoas que nela tinham tomado parte ativa. (2) Ainda mais
espantoso do que o saber, que acaba de ser considerado, de um conteúdo
jã sedimentado no interior da alma pode aparecer o saber, não mediati-
zado, de eventos que são ainda exteriores ao sujeito que-sente. Com efeito,
tendo em conta esse segundo conteúdo da alma vidente, nós sabemos que
a existência do exterior está ligada a espaço e tempo, e que nossa consciência
habitual é mediatizada por essas duas formas do “fora-um-do-outro’^/'/
No que diz respeito, em primeiro lugar, ao distante de nós espacial­
mente, podemos saber dele na medida em que somos consciência desperta,
somente sob a condição de suprassumirmos o distanciamento de uma
maneira mediatizada. Mas não está presente essa condição para a alma
vidente. O espaço não pertence à alma mas à natureza exterior,; e, enquan­
to esse exterior é apreendido pela alma, ele cessa de ser espacial, já que
transformado pela idealidade da alma não fica exterior nem a si mesmo,
nem a nós. Se, pois, a consciência livre e inteligente desce para a forma
da alma que simplesmente sente, o sujeito não está mais ligado ao espaço.
Exemplos dessa independência da alma quanto ao espaço apresentam-se
em grande número. Devemos, a propósito, distinguir dois casos. Ou os
eventos são absolutamente exteriores ao sujeito vidente, e sabidos por ele
sem qualquer mediação; ou, ao contrário, já começaram para ele a ter
a forma de um [ser] interior,i portanto de algo não estranho para ele, de
algo mediatizado, enquanto são sabidos de modo totalmente objetivo por
outro sujeito, [assim que] entre ele e o indivíduo vidente exista uma tão
completa unidade-de-alma, que aquilo que está na consciência objetiva do
primeiro penetre também na alma do último. A forma do ver, mediatizada
pela consciência de outro sujeito, só temos a considerá-la mais tarde, no
[exame do] estado pyropriamente magnético. Aqui, ao contrário, devemos
ocupar-nos com o primeiro caso mencionado, do saber absolutamente não
mediatizado de eventos exteriores espacialmente distantes.
Exemplos dessa modalidade do “ver” ocorrem em tempos antigos — em
tempos de uma vida mais anímica — com muito mais frequência do que
nos tempos modernos, em que a autonomia da consciência-de-entendimento
se tem desenvolvido muito mais. As velhas crónicas — que não se devem
acusar, sem mais, de erro ou de mentira — contêm muito caso que tem a
ver com isso. No pressentimento do que está distanciado no espaço pode,
aliás, ter lugar ora uma consciência mais obscura, ora uma consciência mais
clara. Essa variação na clareza do “ver” mostrou-se por exemplo cm uma
moça que, sem nada saber no estado de vigília, tinha um irmão nu Espa
nha. Km sua clarividência, ela no começo só viu in d is tin ta m c n tc , mus logo
[passou a ver] distintamente esse irmão em um hospital; a seguir, acreditou
vê-lo morto e autopsiado; mas, logo depois, vivo. Como se constatou mais
tarde, ela tinha acertado ao ver que seu irmão efetivamente tinha estado
num hospital em Valladolid no tempo daquela visão; enquanto, ao contrá­
rio, se enganara ao vê-lo morto, pois não era seu irmão mas uma outra
pessoa que tinha morrido perto dele, naquela época. Na Espanha e na
Itália, onde a vida natural do homem é mais universal que entre nós, não
são algo raro visões tais como a que mencionamos, especialmente entre
mulheres e amigos, a respeito de amigos e esposos distantes.
Mas, como a alma vidente se eleva sobre a condição do espaço, em
segundo lugar eleva-se sobre a condição do tempo. Já vimos acima que a
alma no estado de clarividência pode tornar de novo presente alguma
coisa totalmente afastada de sua consciência desperta através do tempo
decorrido. Contudo, mais interessante para a representação é a questão: se
o homem tem também o poder de saber claramente o que está separado
dele pelo tempo faturo. A essa questão, temos a responder o seguinte.
Antes de mais nada, podemos dizer que, assim como a consciência re­
presentativa se engana quando torna a visão (antes mencionada) de u m a
singularidade totalmente oculta ao olho corporal, pelo seu distanciamento
no espaço, por algo melhor que o saber de verdades racionais, assim tam­
bém a representação fica presa no mesmo erro quando acredita que u m
saber do faturo, perfeitamente seguro e determinado pelo entendimento,
seria algo muito elevado; e que se deve tratar de descobrir motivos de
consolação para a privação de tal saber. Antes, pelo contrário, se deveria
dizer que seria aborrecido até ao desespero saber antecipadamente seus
destinos com determinidade completa e depois vivê-los segundo a [sua]
série sem exceção. Mas uma presciência deste tipo pertence às impossibi­
lidades; pois o que de início é somente um porvir, portanto simplesmente
um ser-em-si, não pode absolutamente tornar-se objeto da consciência p er
cebcnte; de-entendimento, porque só é percebido o existente; o que alcançou
a singularidade de algo sensivelmentepresente. Sem dúvida, o espírito humano
é capaz de elevar-se acima do saber que se ocupa exclusivamente com a
singularidade sensivelmente presente; porém a elevação absoluta sobre e le
só tem lugar no conhecimento conceituai do eterno', pois o eterno não 6
apanhado, como o sensivelmente singular, pela alternância do nascer c
tio perecer; portanto, não é um passado nem um futuro, mas é o abso/u-
lamente presente, elevado acima do tempo, contendo em si mesmo todas
as diferenças temporais como suprassumidas. No estado magnético, a o
contrário, pode p r o d u z ir -s e simplesmente uma elevação condicionada por
sobre o saber do im « c lia liim e h tc presente: a presciência que se r e v e la

tu
nesse estado só se refere sempre ao círculo singular da existência do cla­
rividente, em particular à sua disposição individual doentia, e, no que
concerne à forma, não tem a conexão necessária e a certeza determinada da
consciência objetiva, de-entendímento. O clarividente está em um estado
de concentração e contempla de modo concentrado essa sua vida envolta,
plena. Na determinidade dessa concentração, estão também contidas as
determinações do espaço e do tempo como erruoltas. No entanto, por si
mesmas, essas formas do “fora-um-do-outro” não são apreendidas pela
alma do clarividente imersa em sua interioridade; isso só acontece da
parte da consciência objetiva que se contrapõe sua efetividade como um
mundo exterior. Mas, por ser ao tnesmo tempo alguém que representa,, o
clarividente deve também pôr-em-evidência essas determinações em sua
vida concentrada, ou, o que é o mesmo, pôr-para-fora seu estado nas
formas do espaço e do tempos explicitá-lo em geral segundo o modo pró­
prio à consciência desperta. Daí se evidencia em que sentido a visão
que-pressente tem em si mesma uma mediação do tempo, enquanto, de
outro lado, não precisa dessa mediação, e justamente por esse motivo é
capaz de penetrar no futuro. Contudo, quanto do tempo futuro está no
estado de clarividência não é algo fixo para si, mas uma espécie e moda­
lidade da qualidade do conteúdo pressentido — algo tão pertencente a
essa qualidade como, por exemplo, o tempo de três ou quatro dias per­
tence à natureza da febre [terçã ou quartã], O pôr-em-evidência desse
quanto de tempo consiste, pois, em um desenvolvente penetrar no inten­
sivo do que é visto [por clarividência]. Ora, nesse desenvolvimento é
possível infinita ilusão. O tempo nunca é indicado com exatidão pelos
clarividentes; antes, na maioria dos casos, as declarações de tais homens
a respeito do futuro se frustram; sobretudo quando essas visões têm por
seu conteúdo eventos que dependem da vontade livre de outras pessoas.
É completamente natural que os clarividentes se enganem tão frequente-
mente no ponto em questão; pois eles intuem um futuro somente de
acordo com sua sensação contingente totalmente indeterminada — [ou]
determinada sob estas circunstâncias, de um modo\ sob outras circunstân­
cias, de outro modo —, e depois interpretam o conteúdo intuído, de uma
maneira igualmente indeterminada e contingente. Contudo, de outro lado,
não se pode, de maneira nenhuma, negar a ocorrência de pressentimentos
e visões desse tipo, extremamente maravilhosos, que se verificam efetiva­
mente. Assim, pessoas foram despertadas pelo pressentimento do desmo­
ronar de uma casa ou de um teto (que depois se seguiu efetivamente) e
foram impelidas pelo pressentimento a abandonar o quarto ou a casa.
Assim, às vezes, os marinheiros são tomados pelo pressenti mento, mio

áAÉ
enganoso, de uma tempestade, quando a consciência de-entendimento
não notou ainda absolutamente nenhum sinal da mesma. Afirma-se tam­
bém que muitos homens prenunciaram a hora de sua morte. Sobretudo
nas montanhas da Escócia, na Holanda e na Westfália, encontram-se fre­
quentes exemplos de pressentimento do futuro. Em particular entre os
montanheses da Escócia, ainda hoje não é raro o poder do que se chama
“segunda vista” (,second sight). As pessoas dotadas desse poder veem de
modo duplo: enxergam-se em situações e estados em que só mais tarde vão
estar. Para elucidar esse fenômeno surpreendente pode dizer-se o seguinte.
Como jã foi notado, o “second sighf na Escócia era muito mais frequente
antes do que agora. Para que suija, parece ser necessário um peculiar
nível do desenvolvimento espiritual, e na verdade um nível igualmente
distante do estado de barbárie como do estado de grande cultura; nesse
[nível] os homens não perseguem fim universal mas se interessam apenas
por sua situação individual, realizam seus fins contingentes, particulares, sem
inteligência aprofundada da natureza da situação com que têm de lidar,
numa imitação preguiçosa da tradição; portanto, sem se preocupar com
o universal e necessário: só com o singular e contingente. Justamente por
essa absorção do espírito no singular e contingente, os homens parecem,
muitas vezes, tornar-se capazes da visão de um evento singular ainda
escondido no futuro, em especial quando não lhes é indiferente esse
evento. Contudo, entende-se por si mesmo em fenômenos como esse, e
em similares, que a filosofia não pode proceder a explicar todas as cir­
cunstâncias singulares — com frequência não atestadas devidamente, mas,
ao contrário, extremamente duvidosas. Na consideração filosófica devemos
antes, como foi feito acima, limitar-nos a pôr em evidência os aspectos
principais a serem fixados nos fenômenos em pauta. (3) Enquanto na
visão considerada no número (1) a alma, encerrada em sua interioridade,
apenas toma presente para si de novo um conteúdo que jã lhe pertencia*
quando, ao contrário, no material mencionado no número (2 ) a alma está
absorta na visão de uma circunstância singular exterior* em terceiro lugar,
no saber [clari] vidente de seu próprio interior, de seu estado-de-alma-e-de-eor-
po, a alma retorna daquela relação a algo exterior, para si mesma. Esse
tipo de visão abarca um campo muito vasto e pode ao mesmo tempo
alcançar uma clareza e uma determinidade consideráveis. Contudo os
clarividentes só podem revelar algo de perfeitamente determinado e correto
sobre o seu estado corporal se são formados em medicina e assim pos­
suem em sua consciência desperta um conhecimento exato da natureza
do organismo humano, Pelo contrário, dos que não são formados e m
mcdicinu, não se p o d e e s p e r a r nenhuma revelação totalmente exata em

— ------- — - -
anatomia ou fisiologia; para tais pessoas, ao contrário, é sumamente difícil
traduzir a intuição concentrada que têm, de seu estado corporal, para a
forma do pensar de-entendimento; o objeto de suas visões, só podem
elevá-lo sempre à forma de sua consciência desperta, isto é, mais ou menos
confusa e ignorante. Porém, como nos diversos indivíduos clarividentes o
saber imediato de seu estado corporal é muito diverso, assim também reina,
no saber visionário de seu interior espiritual, uma grande diversidade, a
respeito tanto da forma como do conteúdo. Na clarividência, por ser um
estado em que se evidencia a substancialidade da alma, abre-se para as
naturezas nobres uma plenitude de nobre sentir seu Si verdadeiro, o espírito
do homem no que tem de melhor — e lhes aparece muitas vezes como
seu próprio gênio-tutelar, Ao contrário, os homens vis revelam nesse es­
tado sua baixeza, e a ela se abandonam sem reserva. Enfim, indivíduos
de valor medíocre travam frequentemente, durante a clarividência, uma luta
ética consigo mesmos, já que nessa nova vida, nessa visão interior imper-
turbada, vem à luz o mais significativo e o mais nobre dos caracteres, e
se volta, aniquilador, contra o mais defeituoso que eles têm.
4) — Depois do saber visionário do próprio estado espiritual e corporal
vem colocar-se, como um quarto fenômeno, o conhecimento clarividente
de um estado de alma e corpo alheios. Esse caso se produz em especial
no sonambulismo magnético, pelo relacionamento em que o sujeito, que
se encontra nesse estado, está posto com um outro sujeito: suas esferas
vitais respectivas se tornam, por assim dizer, uma única esfera vital
5) — Se enfim esse relacionamento atinge o mais alto grau de inti­
midade e de força, apresenta-se, em quinto lugar.; o fenômeno de que o
sujeito [clarijvidente não apenas sabe, vê e sente sobre um outro sujeito,
mas em um outro sujeito; sem [dar] atenção direta ao outro indivíduo,
sente-junto com ele, imediatamente\ tem em si mesmo, como suas pró­
prias, as sensações da individualidade alheia. Encontram-se os exemplos
mais chocantes desse fenômeno. Assim, um médico francês tratou duas
mulheres que muito se amavam reciprocamente, e que a uma distância
considerável sentiam, uma na outra, suas enfermidades respectivas. A
isso pode ligar-se o caso de um soldado que, embora separado a certa
distância de sua mãe, sentiu imediatamente, em união com ela, a angústia
dela ao ser amarrada por assaltantes, e se sentiu irresistivelmente forçado
a se precipitar, sem mais esperar, em direção a ela.
Os cinco fenômenos acima mencionados são os principais-momentos do
saber visionário. Em comum, têm junto com os outros a d e te r m in a ç ã o de
r e fe rir -se s e m p r e a o m u n d o individual d a alma que-sente. N o e n ta n to , essa
r e la ç ã o n ã o fu n d a e n tr e e le s n e n h u m a c o n e x ã o tã o in s e p a r á v e l q u r d e v e s s e m

m
todos surgir em um só e no mesmo sujeito. Em segundo lugar, hã também
isto de comum entre esses fenômenos, que tanto podem surgir na seque­
la de uma doença física como igualmente em pessoas aliás sadias, por causa
de certa disposição particular. Nos dois casos, esses fenômenos são estados
naturais imediato,s, só como tais os consideramos até aqui. Mas podem,
também, ser provocados intencionalmente. Quando isso ocorre, formam o
magnetismo animal propriamente dito, com o qual vamos agora ocupar-nos.
Antes de tudo, quanto à expressão “magnetismo animal”, ela surgiu
originariamente porque Mesmer1* começou a suscitar o estado magnético
com “magnetes” [imãs]. Posteriormente se conservou esse nome porque
também há no magnetismo animal uma relação recíproca imediata entre
duas existências, como no magnetismo inorgânico. Além disso, o estado em
questão foi chamado, aqui e ali, mesmerismo, solarismo, telurismo. Dessas três
denominações, a primeira da lista nada tem de significativo; as duas outras
se referem a uma esfera totalmente outra que ao magnetismo animal; a
natureza espiritual, que este reclama, contém ainda em si mesma alguma
coisa totalmente diversa de simples momentos solares e telúricos; [diversa]
dessas determinações completamente abstratas, que já consideramos (§ 392)
na alma natural, ainda não desenvolvida em sujeito individual.
Só por meio do magnetismo animal propriamente dito o interesse foi
dirigido para os estados magnéticos, porque por meio dele se adquiriu O
poder de elaborar e de desenvolver todas as formas possíveis desses esta­
dos. Os fenômenos que por essa via se provocaram intencionalmente nflo
são contudo diferentes dos já discutidos, que também se produzem sem
intervenção do magnetismo animal propriamente dito; por ele somente é
posto o que aliás está presente como estado natural imediato.
(1) Ora bem: para conceber, antes de mais nada, a possibilidade dc
uma produção intencional do estado magnético, só precisamos recordur
o que apresentamos como o conceito fundamental de todo esse estado
da alma. O estado magnético é uma doença\ porque, se em geral deve-sc
pôr a essência da doença na separação, de um sistema particular do
organismo, de sua vida fisiológica universal, e se, justamente porque um
sistema particular se aliena dessa vida universal, o organismo animal se
apresenta em sua finitude, impotência e dependência para com um poder
estranho, esse conceito universal da doença, em relação ao estado mag
nético, determina-se com mais rigor da maneira seguinte. Nessa doença
peculiar, entre o meu ser anímico e o meu ser desperto, entre minha vi-14

14. Krun/. Anton M t m t r ; 17.14 IHIS, M edico ulemsln, fundador duteoria do magnctUmo
Htiimul (incumcrÍNmn), S u n MtméCMmhf a dmvbrrta do magnttixma anim alé dc 177V,

m
talidade natural que-sente e minha consciência de entendimento, mediatizada,
nasce uma ruptura\ ruptura que, sem dúvida, está, segundo a possibilidade,
contida no homem mais sadio que houver, já que cada homem encerra
em si os dois lados acima aludidos, mas que só vem à existência nos
indivíduos que têm disposição particular para tal ruptura, e não em to­
dos; e que só se toma algo doentio na medida em que, [saindo] de sua
possibilidade, entra na efetividade. Mas se minha vida anímica se separa
de minha consciência de-entendimento e assume seu papel, comprome­
to minha liberdade enraizada na consciência de entendimento, perco a
capacidade de me fechar a um poder estranho, torno-me, antes, sujeito
a ele. Ora, assim como o estado magnético, que nasce de si mesmo, vem a
dar na dependência de um poder estranho, assim, inversamente, o início
pode ser feito por um poder exterior — e enquanto este me apanha pela
separação que, em si, está presente em mim, entre minha vida que sente
e minha consciência que pensa, essa ruptura pode ser levada em mim
à existência, e por conseguinte o estado magnético pode ser produzido
artificialmente. No entanto, como já foi indicado, só os indivíduos em que
já existe uma disposição particular para esse estado podem tornar-se fácil
e duravelmente “epoptas" [supervidentes]; enquanto os homens que só
chegam a esse estado por meio de doença particular nunca são “epoptas”
perfeitos. Mas o poder estranho, que produz o sonambulismo magnético
em um sujeito, é principalmente um outro sujeito\ contudo há também
medicamentos, sobretudo o meimendro, e também água e metal, capazes
de exercer tal poder. Por isso o sujeito disposto ao sonambulismo magné­
tico pode transportar-se a esse estado ao entregar-se à dependência de tal
[ser] inorgânico ou vegetal15. Entre os meios [utilizados] para produção
do estado magnético é preciso mencionar em especial o “baquet” Isso
consiste em um vaso com hastes de ferro, que são tocadas por pessoas a
serem magnetizadas, formando o meio termo entre o magnetizador e essas
pessoas. Enquanto os metais, em geral, servem para a elevação do estado
magnético, vidro e seda trazem, inversamente, um efeito isolante. Aliás, o
poder do magnetizador não ama somente sobre os homens, mas também
sobre os animais: por exemplo, sobre cães, gatos e macacos, pois o que

15. Os xamãs dos mongóis já. têm conhecimento disso: quando querem ter adivinhações,
põem-se, por meio de certas bebidas, em estado magnético. O mesmo sucede, para o mesmo
fim, com os indianos. Algo parecido ocorria provavelmente com o oráculo de Delfos, onde a
sacerdotisa, colocada em um tripé sobre um buraco, entrava em êxtase, às vezes suave, mas
também às vezes violento; e proferia, nesse estado, sons mais ou menos articulados, que eram
interpretados pelos sacerdotes, que viviam na intuição das condições de vida substancial do
povo grego.

........................................................................................ ........................... ■
pode ser posto em estado míagnético é, de um modo totalmente universal^
a vida anímica, e na verdade a vjja anfm{ca^ tanto faz que pertença ou
não a um espirite>. (2) Em lUgãr, no que diz respeito ao tipo e ao
modo do magnetizar, ele é di\/erso Ordinariamente, o magnetizador atua
pelo toque. Assim como no galvanismo os metais agem uns sobre o»
outros por contato imediato, também [age] o magnetizador sobre
a pessoa a magnetizar. O suj<e-to magnetizante encerrado em si mesmo,
capaz de reter sua vontade, ^ pode operar com êxito sob a condição
de ter a vontade decidida dq comunicar sua força ao sujeito que deve
ser levado ao estado magnétii,0; c0 i0 car, de certo modo, duas esferas
animais que estão lado a lad<^ ern Uflia só esfera.
[Vindo] mais ao^porm en^ Q m 0 Cj0 como opera o magnetismo é
sobretudo um passe , o qua p0r£m nao predsa ser um toque efetivo,
mas pode produzir-se ficand^ ^ a mao magnetizador afastada do
corpo da pessoa magnética, c^rca jg uma polegada. A mão é movida da
cabeça ao epigastro, e desce extremidades, e nisso hã que evitar cui­
dadosamente fazer o passe p‘< m traS5 porque assim facilmente dá cãibra.
De vez em quando, esse movmento da mao pOCje executar-se com êxito
a uma distância bem maior dj que a mencionada, isto é, à distância de
alguns passos; particularmentí qUancjQ já foi induzido o relacionamento
[magnético]; nesse caso, a foua magnetizador a menor distância se­
ria com frequência excessiva <em consequência poderia acarretar efeitos
nocivos. O magnetizador sent pQr Certo calor em sua mão, se ainda 6
eficaz a uma distância determia(ja jyias em todo caso não é necessário o
passe executado a uma distânCg major ou menor; antes, o relacionamento
magnético pode ser in d u z id o g ^ p ic g imposição da mão, especialmente
sobre a cabeça, sobre o e s tô n ^ ou 0 epigastro; para isso só é preciso
um aperto de mão. (Por essemo1;-VOj curas prodigiosas que em
épocas diversas teriam sido etuadas por sacerdotes e outros indivíduos
por meio da imposição das m^s foj^^ COm justa razão relacionadas com
o magnetismo animal.) As v<es^ também um único olhar e o convite
do magnetizador ao sono mfoético bastam para produzi-lo. Mesmo a
simples crença e vontade teri^ ^gumas vezes produzido esse efeito a
maior distância. [O que] PrinSalmente importa, nessa relação mágica, [('
que] um sujeito atue sobre urrndivfduo que lhe seja inferior em liberdade
e autonomia da vontade. Por,so as organizações muito fortes exercem
sobre as naturezas fracas o mbno poder; com frequência, um poder tflo
irresistível que essas últimas, qtrum ou não queiram, podem ser induzidos
pelas primeiras ao nosso mugny.0 pc|() motivo indicado, os homens fortes
são particularmente apropriodip^, magnetizar pessoas de sexo feminino.
(3) O terceiro ponto a discutir aqui refere-se aos efeitos produzidos pela
magnetização. Depois de variadas experiências feitas sobre isso, chegou-se
a uma completa clareza quanto a esses efeitos, a ponto de não ser mais a
esperar aí o surgimento de fenômenos essencialmente novos. Se se quiser
considerar os fenômenos do magnetismo animal em sua ingenuidade, deve-se
acreditar sobretudo nos antigos magnetizadores. Entre os franceses, homens
do mais nobre caráter e da maior cultura ocuparam-se com o magnetismo
animal, e o consideraram com uma mente pura. Merece ser especialmente
citado entre esses homens o tenente-general PuységuP0. Se os alemães zom­
bam com frequência das teorias defeituosas dos franceses, pode-se afirmar,
ao menos a propósito do magnetismo animal, que a metafísica ingénua,
utilizada pelos franceses na consideração desse magnetismo, é algo muito
mais feliz que os não raros devaneios, e o teorizar tão arrevesado quanto
frouxo, dos sábios alemães. Klugé1 deu uma classificação exterior utilizável
dos fenômenos do magnetismo animal. Van Ghertn, homem confiável e
também rico de pensamentos, instruído na filosofia contemporânea, deu
uma descrição das curas magnéticas sob a forma de um diário descritivo.
Também K arl Schellingf, irmão do filósofo, publicou uma parte de suas
experiências magnéticas. E o que ocorre quanto à literatura relativa ao
magnetismo animal e ao campo de nosso conhecimento a respeito dele.
Depois desses preliminares, passamos agora a um breve exame dos
próprios fenômenos magnéticos. O primeiro efeito universal do magnetismo
é o mergulhar da pessoa magnética no estado de sua vida natural envolta^
indiferenciada isto é, no sono. O entrar no sono marca o começo do estado
magnético. Contudo, o sono não é aí absolutamente necessário: também
sem ele podem ser realizadas curas magnéticas. O que necessariamente
deve ocorrer aqui é o tomar-se autónoma da alma que-sente, sua separação da
mediatizada consciência de-entendimento. O segundo [ponto] a considerar
aqui concerne ao lado fisiológico (ou base fisiológica) do estado magnético.
A propósito, deve-se dizer que nesse estado a atividade dos órgãos dirigidos
para Jòra passa aos órgãos internos-, que a atividade exercida pelo cérebro no
estado da consciência desperta e de entendimento recai, durante o sonam-

16. Armand-Marie-Jacques de Chastenet {Marquês de Puységur, 1751-1825), antigo aluno


de Mesmer.
17. Karl Alexander 1'erdinand Kluge {1782 a 1844) publicou em 1811 um estudo sobre o
magnetismo animal como método curativo.
18. Peter Gabriel Van Ghert (holandês), 1782 a 1852, discípulo de Hegel, correspondeu-se
com ele sobre magnetismo animal.
19. Atír/Eberhard von Scheliing ( 1783 a 1854), irmfio mais novo do filÓNolb; cru médico, e
correspondia-se com Hegel c Schclling sobre magnetismo animal.

112
bulismo magnético, no sistema reprodutor, porque nesse estado a consciência
é rebaixada [até] à naturalidade simples, em si mesma indiferenciada da vida
anímica. Mas essa naturalidade simples, essa vida envolta, é contradita pela
sensibilidade dirigida para fora, e ao contrário o sistema reprodutor, voltado
para dentro, que predomina nas organizações animais mais simples e forma
a animalidade em geral, é totalmente inseparável dessa vida envolta da
alma. Por essa razão, a atividade eficiente da alma durante o sonambulismo
magnético, recai assim no cérebro do sistema reprodutor, a saber, nos gânglios,
esses nós complexos de nervos do abdómen. Que é assim, van Helmont30 o
sentiu, depois de se ter friccionado com unguento de meimendro e toma­
do um chá dessa erva. Segundo sua descrição, ele se sentia como se sua
consciência pensante passasse da cabeça ao corpo inferior, especialmentc
ao estômago, e lhe parecia — como se seu pensar, por esse deslocamento,
ganhasse em nitidez e estivesse unido a — um sentimento particularmente
agradável. Essa concentração da vida-da-alma no corpo inferior é considerada
por um célebre magnetizador francês como dependente da circunstância
de que, durante o sonambulismo magnético, o sangue fica muito fluido na
região do epigastro, mesmo quando é extremamente espesso nas outras
partes do corpo. Só então a excitação inabitual do sistema reprodutor, que
se produz no estado magnético, não se mostra somente na forma espiritual
da visão, mas também na figura mais sensível do instinto sexual que desperta
com maior ou menor vivacidade sobretudo nas pessoas do sexo feminino.
Depois dessa consideração predominantemente fisiológica do magne­
tismo animal, temos a determinar mais precisamente como esse estado é
constituído do ponto de vista da alma. Assim como nos estados magnético*
antes examinados que surgem por si mesmos, também no magnetismo ani*
mal intencionalmente provocado a alma, mergulhada em sua interioridade,
não intui seu mundo individual fora, mas dentro de si mesma. Como jft
foi notado, esse mergulhar da alma em sua interioridade pode ficar a meio
caminho, por assim dizer; então o sono não aparece. Mas o que sucede
depois é que a vida, [voltada] para fora, é totalmente interrompida pdo
sono. O curso dos fenômenos magnéticos pode também parar nessa inter­
rupção. Contudo, é igualmente possível a passagem do sono magnético â
clarividência, A maioria das pessoas magnéticas vão achar-se nessa visão sem
lembrar-se dela. Muitas vezes, só por acaso [é que] se mostrou que houve
clarividência: ela se evidencia principalmente quando a pessoa magnética é20

20. Provavelmente, Fhtnçoi» Meivtire van Uelmont, alquimista hclgu (16t4 a 1699)
(|iir firmei eitu nn Histrirlrt tltt Hltwollu eomn Immem "rim em numerosos pensumeuto»
pmliimlos".
(3) O ftrcrim p o n t o u d in cutir tu |u i nslrn?-iw hon feitos |m u lu /id o s pelu
magnetização. Depois de variadas experiências feitas sobre isso, chegou-se
a uma completa clareza quanto a esses efeitos, a ponto cie não ser mais a
esperar aí o surgimento de fenômenos essencialmente novos. Se se quiser
considerar os fenômenos do magnetismo animal em sua ingenuidade, deve-se
acreditar sobretudo nos antigos magnetizadores. Entre os franceses, homens
do mais nobre caráter e da maior cultura ocuparam-se com o magnetismo
animal, e o consideraram com uma mente pura. Merece ser especialmente
citado entre esses homens o tenente-general Puységu,r1617.Se os alemães zom- \
bam com frequência das teorias defeituosas dos franceses, pode-se afirmar, j
ao menos a propósito do magnetismo animal, que a metafísica ingénua, J
utilizada pelos franceses na consideração desse magnetismo, é algo muito
mais feliz que os não raros devaneios, e o teorizar tão arrevesado quanto
frouxo, dos sábios alemães. KlugfF deu uma classificação exterior utilizável
dos fenômenos do magnetismo animal. Van Ghert18, homem confiável e
também rico de pensamentos, instruído na filosofia contemporânea, deu
uma descrição das curas magnéticas sob a forma de um diário descritivo.
Também Karl Schelling19, irmão do filósofo, publicou uma parte de suas
experiências magnéticas. E o que ocorre quanto à literatura relativa ao
magnetismo animal e ao campo de nosso conhecimento a respeito dele.
Depois desses preliminares, passamos agora a um breve exame dos
próprios fenômenos magnéticos. O primeiro efeito universal do magnetismo
é o mergulhar da pessoa magnética no estado de sua vida natural envolta,
indiferenciada, isto é, no sono. O entrar no sono marca o começo do estado
magnético. Contudo, o sono não é aí absolutamente necessário: também j
sem ele podem ser realizadas curas magnéticas. O que necessariamente j
deve ocorrer aqui é o tomar-se autónoma da alma que-sente, sua separação da
mediatizada consciência de-entendimento. O segundo [ponto] a considerar
aqui concerne ao lado fisiológico (ou base fisiológica) do estado magnético.
A propósito, deve-se dizer que nesse estado a atividade dos órgãos dirigidos
para fora passa aos órgãos internos; que a atividade exercida pelo cérebro no
estado da consciência desperta e de entendimento recai, durante o sonam-

16. Armand-Marie-Jacques de Chastenet (Marquês de Puységur, 1751-1825), antigo aluno


de Mesmer.
17. Karl Alexander Ferdinand Kluge (1782 a 1844) publicou em 1811 um estudo sobre o
magnetismo animal como método curativo.
18. Peter Gabriel tan Ghert (holandês), 1782 a 1852, discípulo de Hegel, correspondeu-se
com ele sobre magnetismo animal.
19. K arlRberhard von Schelling (1783 a 1854), irmão mais novo do filósofo; era médico, e
correspondia-se com Hegel e Schelling sobre magnetismo animal.

142
bulismo magnético, no sistema nfrodutor, porque mcmc chUuÍo u eonttdéncm
é rebaixada [ate*j à naturalidade simples, em si mesma indiferenciada da vida
anímica. Mas essa naturalidade simples, essa vida envolta, 6 contradita peta
sensibilidade dirigida para fora\ e ao contrário o sistema reprodutor, voltado
para dentro,, que predomina nas organizações animais mais simples e forma
a animalidade em geral é totalmente inseparável dessa vida envolta da
alma. Por essa razão, a atividade efidente da alma durante o sonambulismo
magnético, recai assim no cérebro do sistema reprodutor,; a saber, nos gânglios,
esses nós complexos de nervos do abdómen. Que é assim, van Helmoni20 o
sentiu, depois de se ter friccionado com unguento de meimendro e toma­
do um chá dessa erva. Segundo sua descrição, ele se sentia como se sua
consdência pensante passasse da cabeça ao corpo inferior, especialmente
ao estômago, e lhe parecia — como se seu pensar, por esse deslocamento,
ganhasse em nitidez e estivesse unido a — um sentimento particularmente
agradável. Essa concentração da vida-da-alma no corpo inferior é considerada
por um célebre magnetizador francês como dependente da circunstânda
de que, durante o sonambulismo magnético, o sangue fica muito fluido na
região do epigastro, mesmo quando é extremamente espesso nas outras
partes do corpo. Só então a excitação inabitual do sistema reprodutor, que
se produz no estado magnético, não se mostra somente na forma espiritual
da visão, mas também na figura mais sensível do instinto sexual que desperta
com maior ou menor vivaddade sobretudo nas pessoas do sexo feminino.
Depois dessa consideração predominantemente fisiológica do magne­
tismo animal, temos a determinar mais predsamente como esse estado é
constituído do ponto de vista da alma. Assim como nos estados magnéticos
antes examinados que surgem por si mesmos, também no magnetismo ani­
mal intencionalmente provocado a alma, mergulhada em sua interioridade,
não intui seu mundo individual fora, mas dentro de si mesma. Como já
foi notado, esse mergulhar da alma em sua interioridade pode ficar a meio
caminho, por assim dizer; então o sono não aparece. Mas o que sucede
depois é que a vida, [voltada] para fora, é totalmente interrompida pelo
sono. O curso dos fenômenos magnéticos pode também parar nessa inter­
rupção. Contudo, é igualmente possível a passagem do sono magnético à
clarividência A maioria das pessoas magnéticas vão achar-se nessa visão sem
lembrar-se dela. Muitas vezes, só por acaso [é que] se mostrou que houve
clarividência: ela se evidencia principalmente quando a pessoa magnética é20

20. Provavelmente, François Mercure van Helmont, alquimista belga (1614 a 1699)
que Hegel cita na História da Filosofia como homem “rico em numerosos pensamentos
profundos”.

143
interpelada pelo magnetizador; talvez sem sua interpelação ficasse apenas
dormindo todo o tempo. Embora as respostas dos clarividentes pareçam
então vir como de um outro mundo, esses indivíduos podem saber do
que são enquanto consciência objetiva. Contudo, muitas vezes eles falam
de sua consciência de entendimento também como de uma outra pessoa
Quando a clarividência se desenvolve mais determinadamente, as pessoas
magnéticas dão explicações sobre estado corporal e sobre seu interior es­
piritual. Mas suas sensações são tão pouco claras quanto as representações
que tem das coisas externas o cego, que nada sabe da diferença entre o
claro e o escuro; o que é visto na clarividência muitas vezes só se torna
mais claro depois de alguns dias; contudo, nunca é tão distinto que não
precise primeiro de interpretação. Mas nesta as pessoas magnéticas algumas
vezes falham totalmente: pelo menos, com frequência, caem numa interpre­
tação tão simbólica e tão bizarra, que por sua vez faz necessária de novo
uma interpretação pela consciência-de-entendimento do magnetizador, de
tal sorte que o resultado-final da visão magnética consiste na maioria dos
casos em uma mescla multiforme de falso e de correto. No entanto, por
outro lado, não se pode negar que os clarividentes às vezes indicam, muito
determinadamente, a natureza e o curso de sua doença; que eles sabem,
de ordinário muito exatamente, quando surgirão seus paroxismos, quando
e por quanto tempo precisam de sono magnético, quanto tempo vai durar
sua cura; e que, finalmente, às vezes descobrem uma conexão, talvez ainda
desconhecida para a consciência de-entendímento, entre um medicamento
e o mal a debelar por seu meio, facilitando assim uma cura, aliás difícil
para o médico. Quanto a isso, podem-se comparar os clarividentes com
os animais, já que estes são ensinados por seu instinto sobre as coisas que
lhes são salutares. Mas, no que respeita ao conteúdo que tem a mais a
clarividência provocada intencionalmente, quase não precisaríamos fazer
notar que nela, como na clarividência natural, a alma pode ver e ouvir com
o epigastro. Nesse ponto queremos ainda ressaltar só duas coisas: a saber,
primeiro que aquilo que está fora do contexto da vida substanciai da pessoa
magnética não é tocado pelo estado sonambúlico; que assim a clarividência
não se estende, por exemplo, à adivinhação dos números ganhadores da
loteria, nem pode em geral usar-se para fins egoístas. Ao contrário do que
sucede com tais coisas aleatórias [é o que se dá] com os grandes eventos
mundiais. Conta-se, por exemplo, que um sonâmbulo, na véspera da batalha
dr Bela Aliança [Waterloo], gritara com grande exaltação: “Amanhã, aquele
que nos fez tanto mal perecerá ou pelo raio ou pela espada!”
() segundo ponto ainda a mencionar aqui é que — u m a vez que a
alma na clarividência leva uma vida cortada de sua consciência de enten-
dimento — os clarividentes, ao despertar, nada mais sabem do que viram
no sonambulismo magnético; e que no entanto podem adquirir um saber
sobre isso por um atalho, isto é, sonhando sobre sua visão, e recordando
depois os sonhos quando despertos. Uma lembrança daquilo de que se teve
visão pode, em parte, ser provocada propositadamente, e, decerto, mais
precisamente da maneira como o médico impõe aos doentes, enquanto
estão despertos, encarregar-se de reter o que sentem no estado magnético.
(4) Em quarto lugar, quanto à estreita conexão e à dependência da pessoa
magnética em relação ao magnetizador — além do mencionado na nota ao
§ 406, na letra d, sobre o lado corporal dessa união —, é preciso ainda
indicar aqui: — que a pessoa clarividente, antes de mais nada, só pode
ouvir o magnetizador, mas a outros indivíduos, somente quando estejam
em relação com este último; — que perde às vezes, de todo, a audição
e a vista; — e que, além disso, nessa exclusiva conexão vital da pessoa
magnética com seu magnetizador, pode ser extremamente perigoso para a
pessoa magnética ser tocada por uma terceira pessoa, [o que] pode gerar
convulsões e catalepsia.
Todavia, a propósito da conexão espiritual existente entre o magneti­
zador e a pessoa magnética, podemos mencionar ainda que muitas vezes
os clarividentes adquirem a capacidade, graças ao poder do magnetizador
que se torna seu, de conhecer algo de que não têm, de si mesmos, a visão
interior; podem, por isso, sem ter sensação direta própria, indicar qual é a
hora, conquanto tenha o magnetizador certeza sobre esse ponto. A noção
da comunidade interior em questão nos preserva da tolice do assombro
ante a sabedoria que ostentam às vezes os magnéticos. Com muita fre­
quência, essa sabedoria não pertence às pessoas magnéticas, e sim ao
indivíduo que se encontra em relação com elas. Além dessa comunidade
do saber — particularmente em um prolongamento maior da clarividência
— a pessoa magnética pode entrar também em outras relações espirituais
com o magnetizador: em relações em que estão em jogo as maneiras, a
paixão e o caráter. Sobretudo a vaidade dos clarividentes pode excitar-se
facilmente, quando se incorre na falta de fazê-los acreditar que se atribui
grande importância ao que dizem. Então os sonâmbulos caem na mania
de falar sobre tudo e sobre cada coisa, mesmo quando não têm a propó­
sito disso nenhuma intuição correspondente. Nesse caso, a clarividência
não tem absolutamente utilidade, antes se toma algo criticãvel. Por isso,
entre os magnetizadores se discute muito se se deve cultivar e manter
a clarividência, quando nasce de si mesma, e, caso contrário, provocá-la
intencionalmente; ou, inversamcntc, se se deve esforçar por impedi-la.
Como já foi mencionado, h clarividência aparece e se desenvolve por
meio de uma interrogação reiterada da pessoa magnética. Se, então, se
fazem perguntas sobre os mais diversos objetos, a pessoa magnética pode
facilmente dispersar-se, perder mais ou menos a orientação sobre si mes­
ma, e assim tomar-se menos capaz da designação de sua doença como
também dos meios a empregar contra ela, e justamente por isso retardar
consideravelmente a cura. E essa a razão pela qual o magnetizador deve
evitar, com o máximo cuidado, provocar com suas perguntas a vaidade
e a dispersão da pessoa magnética. Mas, principalmente, o magnetizador
não deve, de seu lado, deixar-se cair e m uma relação de dependência
para com a pessoa magnética. Esse inconveniente apresentava-se antes,
quando os magnetizadores empregavam mais sua própria força, com mais
frequência do que depois da época em que recorrem à ajuda do “baquet”.
Com o emprego desse instrumento, o magnetizador fica menos envolvido
com o estado da pessoa magnética. No entanto, as coisas ainda dependem
muitíssimo do grau da força da alma, do caráter e do corpo, dos magneti­
zadores. Se eles, como ocorre especialmente com os não médicos, entram
nos humores da pessoa magnética, se não têm coragem de contradizê-la e
de resistir-lhe — e desse modo a pessoa magnética adquire o sentimento
de uma forte influência de sua parte sobre o magnetizador —, então ela
se abandona como um menino mimado a todos os seus humores, capta
as ideias mais esquisitas; zomba inconscientemente do magnetizador, e
assim impede a própria cura. Contudo, a pessoa magnética pode chegar
a certa independência, não simplesmente nesse mau sentido, mas quando,
possuindo aliás um caráter ético, conserva mesmo no estado magnético
uma firmeza do sentimento ético, contra o qual se quebram os eventuais
desígnios impuros do magnetizador. Assim, por exemplo, uma mulher mag­
netizada declarou que não tinha de obedecer à exigência do magnetizador
dt* se despir diante dele. (5) O quinto e último ponto, que temos de tocar
quanto ao magnetismo animal, diz respeito ao fim próprio do tratamento
magnético; a cura. Sem dúvida, muitas curas ocorridas em tempos antigos,
que sc consideravam como milagre, não devem ser vistas de outro modo
senão como efeitos do magnetismo animal. Mas não precisamos apelar
para tais histórias milagrosas envoltas na obscuridade de um passado dis­
tante, pois na época moderna se realizaram tão numerosas curas, mediante
o tratamento magnético, pelos homens mais fidedignos; [de modo] que
quem julgar sobre isso sem prevenção não pode mais duvidar do fato da
íórça eurntivu do magnetismo animal. 'IVata-se agora somente de mostrar
o procedimento segundo o qual o magnetismo realiza a cura. Com essa
finalidade podemos lembrar que já a cura médica ordinária consiste em
debelar o obstáculo que constitui a doença, que impede a identidade da
vida animal; [consiste] no restabelecimento do “ser-fluido-em-si-mesmo” do
organismo. Ora, esse objetivo no tratamento magnético é alcançado porque
se produz seja sono e clarividência, seja somente um naufragar, em geral,
da vida individual em si mesma, um retomar dela para sua universalidade
simples. Assim como o sono natural produz um reforçamento da vida sa­
dia, porque retoma o homem todo, do estilhaçamento enfraquecedor, da
atividade dirigida contra o mundo externo, para a totalidade e harmonia
da vida; assim também o estado de sono magnético é a base da saúde a
restaurar porque por meio dele o organismo cindido em si mesmo alcança
a unidade consigo. Contudo, de outro lado, não se pode ali perder de
vista como essa concentração, presente no estado magnético da vida que
sente, pode de seu lado tornar-se ela mesma algo tão unilateral a ponto
de fixar-se, de maneira doentia, contra a restante vida orgânica e contra a
consciência em suas outras formas. Nessa possibilidade reside o que é deli­
cado na provocação intencional de tal concentração. Se a duplicação da
personalidade é muito acentuada, age-se de um modo que contradiz o
objetivo da cura, já que se produz uma separação maior do que a que se
quer afastar pela cura magnética. No caso de um tratamento tão impru­
dente, há o perigo de surgirem graves crises, cãibras terríveis, e de que
a oposição geradora desses fenômenos não fique simplesmente corporal,
mas também se tome ela mesma, de múltipla maneira, uma oposição na
consciência sonambúlica. Ao contrário, caso se opere com tanta pmdência
para que não se leve longe demais £ concentração (que ocorre no estado
magnético) da vida que-sente, então, como já se notou, tem-se nela a base
da restauração da saúde, e se está em condições de consumar a cura;
contanto que se reconduza pouco a pouco o resto do organismo — ainda
em estado de separação, mas impotente ante sua vida concentrada — a
essa sua unidade substancial, a essa saa simples harmonia consigo mesmo;
e assim a gente o tome capaz de se inserir de novo na separação e na
oposição, sem detrimento de sua unidale interior.

2 o) Sentimento de si

§ 407
1 — A totalidade que-sente é como individualidade essencial­
mente isto: diferenciar-se em si rresma, e dentro de si despertar para
o julgamento, segundo o qual eh tem sentimentos particulares, e,
como sujeito, está em relação o m essas suas determinações. O
sujeito enquanto tal põc-nus em si mesmo como seus sentimentos:
está mergulhado nessa particularidade das sensações, e ao mesmo
tempo, pela idealidade do particular, aí se conclui consigo mesmo
como o Uno subjetivo. Desse modo, o sujeito é sentimento-de-st\ e,
ao mesmo tempo, só o é no sentimento particular

§ 408
2) — Por motivo da im ediatez, em que o sentimento-de-si esta
ainda determinado, isso é, por motivo do momento da corporeida-
de — que aí está ainda inseparado da espiritualidade, e enquanto
também o sentimento mesmo é particular, portanto uma corpo-
rificação particularizada —, o sujeito, embora tenha revestido a
forma de consciência de-entendimento, ainda é capaz dessa doença
que é permanecer com pertinácia em uma particularidade de seu
sentimento, que ele não pode elaborar em idealidade, nem supe­
rar. O S i repleto, [o] da consciência de-entendimento, é o sujeito
enquanto consciência consequente em si mesma, ordenando-se e
mantendo-se conforme sua individual posição e conexão com o
mundo externo, igualmente ordenado no interior dele mesmo. Mas,
ficando preso a uma determinação particular, não assigna a tal con­
teúdo o lugar de-entendimento, e a subordinação que lhe compete
no sistema-de-mundo individual que é um sujeito. O sujeito, desse
modo, encontra-se na contradição entre sua totalidade sistematizada
na sua consciência e a determinidade particular que nela não é
fluida nem coordenada e subordinada: [é a] demência.
Na consideração da demência, há que antecipar ígualmente a
consciência formada, [a consciência] de-entendimento: sujeito
que é ao mesmo tempo [o] si natural do sentimento-de-si Nessa
determinação, ele é capaz de cair na contradição entre sua sub­
jetividade livre para si mesma e uma particularidade que aqui
não se toma ideal e permanece fixa no sentimento-de-si. O es­
pírito é livre e portanto, para si, não é suscetível dessa doença.
Foi considerado pela antiga metafísica como alma,, como coha\
e só como coisa, isto é, como algo natural e essente, é capaz da
demência, da finitude que nele se fixa. Por isso a demência é
uma doença do psíquico, inseparavelmente do corporal e espi­
ritual; o começo pode proceder mais de um ou do outro lado,
como igualmcnte a cura. O sujeito enquanto sadio c cm uso
de razão tem a consciência presente da totalidade ordenada do
seu mundo individual, em cujo sistema subsume todo conteúdo
particular existente da sensação, da representação, do desejo, da
inclinação etc., e o ordena no seu lugar de-entendimento: é o
gênio que imp>era sobre essas particularidades. Ele é a diferença
como [a que há] entre o estar-desperto e o sonhar, mas, aqui,
o sonho recai dentro da própria vigília, de modo a pertencer
ao sentimento-de-si efetivo. O erro (e similares) é um conteúdo
recebido consequentemente naquela conexão objetiva. Mas, con­
cretamente, muitas vezes é difícil dizer onde começa a tornar-se
delírio. Assim, uma paixão violenta, mas insignificante segundo
o conteúdo, de ódio etc., pode parecer — ante a mais elevada
sensatez e firmeza em si mesmo, que se deve pressupor — como
um ser-fora-de-si do delírio. Contudo, este encerra essencialmente
a contradição de um sentimento, que se tomou corporal [e] essente,
contra a totalidade das mediações, que é a consciência concreta.
O espírito determinado como apenas essente, na medida em que
tal ser esta não dissolvido na sua consciência, é doente.
O conteúdo, que se torna livre nessa sua naturalidade, são as
determinações egoístas do coração, vaidade, orgulho, e as ou­
tras paixões; e [também] fantasias, esperanças, amor, ódio do
sujeito. Esse [componente] telúrico torna-se livre ao soltar-se
a potência da sensatez e do universal, dos princípios teóricos
ou morais, sobre o natural, que por essa potência é aliás man­
tido subjugado e recoberto; porque, em si presente, esse mal
está no coração, pois o coração, enquanto imediato, é natural
e egoísta [selbstich]. É o gênio mau do homem que se toma
dominante na demência, mas em oposição e contradição com
o que é melhor, situado no âmbito do entendimento, [e] que
ao mesmo tempo existe no homem; de modo que esse estado
é ruína e desgraça do espírito nele mesmo.
Por isso também a verdadeira terapia psíquica sustenta o pon­
to de vista de que a demência não é uma perda abstrata da
razão, nem pelo lado da inteligência, nem pelo da vontade e
de sua responsabilidade; mas é apenas demência, só — con­
tradição na razão ainda presente, assim como a doença física
não é uma perda total da saúde (tal perda seria a morte) mas
uma contradição nela. Esse tratamento humano, isto é, tão
benevolente quanto racional — P inei21 é digno do máximo
reconhecimento pelos méritos que adquiriu a esse respeito —
pressupõe o doente como [um ser] racional, e tem aí o firme
ponto-de-apoio em que pode torná-lo por esse lado; tal como,
pelo lado da corporeidade, possui na vitalidade o que, como
tal, ainda contém saúde dentro de si.
Adendo: Para esclarecer o parágrafo acima apresentado, poderia ainda
servir o que segue. Já no Adendo ao § 402, a demência foi apreendida
como o segundo dos três graus de desenvolvimento que percorre a
alma querente em sua luta com a imediatez de seu conteúdo substancial,
para elevar-se à subjetividade simples que se refere a si, presente no Eu,
e tomar-se assim completamente senhora e consciente dela mesma. Essa
nossa apreensão da demência, como forma ou grau que surge necessaria­
mente no desenvolvimento da alma, não deve ser entendida, naturalmente,
como se por ela se afirmasse que cada espírito, cada alma, devesse passar
por esse estado de demência extrema. Tal afirmação seria tão insensata
quanto talvez a suposição de que, pelo fato de ser o crime considerado
como um fenômeno necessário na Filosofia do Direito, se deveria, por isso,
fazer a perpetração de crime uma necessidade inevitável para cada [indi­
víduo] singular. O crime e a demência são extremos que o espírito huma­
no em geral deve superar no curso de seu desenvolvimento, porém que
não aparecem em cada homem como extremos, mas somente na forma
de limitações, de erros, de tolices e de fa lta não criminosa. Isso é bastante,
para justificar nossa consideração da demência como grau essencial do
desenvolvimento da alma.
Mas, quanto à determinação do conceito de demência, já se indicou
no Adendo ao § 405, para caracterizar esse estado —, na [sua] diferen­
ça do sonambulismo magnético, considerado por nós, no primeiro dos três
graus, desenvolvimento da alma que-sente — que na demência o anímico
[das Seelenhafte] não tem mais, para a consciência objetiva, a relação de
algo simplesmente diverso, mas de algo diretamente oposto, e por esse motivo
não mais se mescla com aquela consciência. Queremos aqui demonstrar
a verdade dessa indicação, por meio de uma análise mais ampla, e as­
sim, ao mesmo tempo, provar a necessidade racional da marcha de nossa
consideração [que a conduz] dos estados magnéticos à demência. Mas a21

21. Philippc lin e l (1745-1825), psiquintni frimcô». Kscreveu Ihti/f tn ftlH D p h ltfm jh irfu c sur
ialiém ttum mental* ou la m ank ~ Paria, 1H01 livro que 1Ictfcl cionhot:|* b#in
necessidade dessa marcha reside em que a alma em jf já é a contradição
de ser um individual\ um singular, e contudo, ao mesmo tempo, de ser
imediatamente idêntica com a alma natural universal, com sua substância.
Essa oposição existente na forma, que a contradiz, da identidade deve ser posta
como oposição, como contradição. Isso só se produz na demência, pois só nela
a subjetividade da alma não apenas se separa de sua substância — que no
sonambulismo é ainda imediatamente idêntica com ela — mas entra em
oposição direta com essa substância; em total contradição com o [que é]
objetivo, e assim se torna a subjetividade puramente formal\ vazia, abstrata, e
se arroga nessa sua unilateralidade a significação de uma verdadeira unidade
do subjetivo e do objetivo. Por isso a unidade e a separação, presentes na
demência, dos dois lados opostos que acabamos de mencionar são ainda
imperfeitas. Só na consciência racional, na consciência efetivamente objetiva,
essa unidade e essa separação alcançam sua figura perfeita. Quando me
elevei ao pensamento racional, não sou somente para mim, objetivo para mim
mesmo, portanto uma identidade subjetiva do subjetivo e do objetivo; mas,
em segundo lugar, separei de mim essa identidade, coloquei-a diante de
mim como uma identidade efetivamente objetiva. Para atingir essa perfeita
separação, a alma que-sente deve superar sua imediatez, sua naturalidade, a
corporeidadt, pô-la [como] ideal, apropriar-se dela, e assim transformã-la em
uma unidade objetiva do subjetivo e do objetivo; e, com isso, tanto deixar
que seu Outro saia da identidade imediata com ela quanto libertar-se ela
mesma, ao mesmo tempo, desse outro. Entretanto, a alma não chegou a
essa meta, do ponto de vista em que a consideramos agora. N a medida
em que está demente; ela se atém, antes, a uma identidade apenas subjetiva
do subjetivo e do objetivo, que a uma unidade objetiva desses dois lados;
e só na medida em que, com toda a [sua] loucura e com todo o [seu]
delírio, é ela contudo ao mesmo tempo racional, situando-se assim em
uma perspectiva diversa daquela em que vai considerar-se agora, [é que]
atinge uma unidade objetiva do subjetivo e do objetivo. E que no estado
de demência propriamente dita os dois modos do espírito finito formam,
cada um para si mesmo, uma totalidade, uma personalidade: de uma parte,
a consciência racional, desenvolvida em si mesma, com seu mundo objetivo',
de outra parte, o sentir interior que se fixa em si, e que tem em si mesmo
sua objetividade. A consciência objetiva dos dementes mostra-se da maneira
mais diversa: sabem, por exemplo, que estão no manicômio; conhecem
seus serventes; sabem também, a respeito dos outros, que são loucos;
acham graça na loucura, uns dos outros; são utilizados para todo tipo de
funções, às vezes até para inspetores. Mas ao mesmo tempo eles sonham
acordados, e estão fascinados por uma representação particular que não se
pode coadunar com sua consciência objetiva. Esse seu sonho acordado
tem um parentesco com o sonambulismo ao mesmo tempo, porém, um
se distingue do outro. Enquanto no sonambulismo as duas personalidades
presentes em um indivíduo não se tocam uma à outra — a consciência
sonâmbula, antes, está tão separada da consciência desperta que nenhuma
delas sabe da outra, e a dualidade das personalidades aparece também como
uma dualidade de estados —, ao contrário, na demência propriamente dita,
os dois tipos de personalidade não são dois tipos de estados, mas estão em
um só e no mesmo estado; de modo que essas personalidades, que se negam
mutuamente — a consciência anímica e a consciência de-entendimento
— tocam-se neciprocamente, e sabem uma da outra. Assim o sujeito demente
está junto a si no negativo de si mesmo, isto é, em sua consciência o nega­
tivo dela está imediatamente presente. Esse negativo não é superado pelo
demente; a dualidade, em que ele se desintegra, não pode ser conduzida
à unidade. Embora seja, em si, um só e o mesmo sujeito, o demente não
se tem por objeto enquanto um sujeito dissociando-se em dois tipos de
personalidades.
O sentido determinado desse dilaceramento, desse serjunto-de-si do
espírito no negativo de si mesmo, requer ainda um desenvolvimento ul­
terior. Esse negativo recebe na demência uma significação mais concreta
do que o negativo da alma tinha tido na nossa consideração até agora;
também o serjunto-de-si do espírito deve aqui ser tomado em um sentido
mais pleno que o ser-para-si da alma, que se realizou até este ponto.
Antes de tudo, há que distinguir esse negativo, característico da de­
mência, do negativo da alma, que é de outro tipo. Com esse fim podemos
notar que, quando suportamos, por exemplo, incómodos, também esta­
mos junto de nós mesmos em um negativo, sem que por isso tenhamos
de ser loucos. Só nos tomamos loucos quando ao sofrer contrariedades
não temos nenhum fim racional só atingível por esse meio. Assim, por
exemplo, pode-se considerar uma loucura a viagem empreendida ao
Santo Sepulcro para fortificação da alma, porque tal viagem é totalmente
inútil para o fim que no caso se tem em vista; portanto não é um meio
necessário para sua obtenção. Pelo mesmo motivo, pode-se declarar
uma loucura a viagem realizada pelos indianos, com o corpo rastejando
através de regiões inteiras. O negativo suportado nessa demência é, pois,
um negativo no qual se encontra somente a consciência que-sente, mas
não a consciência de-entendimento e de-razão.
M a s , c o m o a c im a j á fo i d ito , n o e s ta d o d e d e m ê n c ia o negativo c o n s ­
titu i u m a d e t e r m in a ç ã o q u e c o m p e t e ta n to à c o n s c iê n c ia anímica q u a n to à
c o n s c iê n c ia de-entendimento, ern su a r e la ç ã o m ú tu a . T kl r e la ç ã o d e s s e s d o is

---------------------- — -------------------- . — — —
modos, opostos entre si, do ser-junto-de-si do espírito, precisa igualmente
de uma caracterização mais rigorosa, para não confundir-se com a relação
que o simples erro e a tolice mantêm com a consciência objetiva, racional.
Queremos lembrar, para esclarecer este ponto, que, ao tomar-se a
alma consciência, surge para ela, pela separação do que está reunido
imediatamente na alma natural, a oposição entre um pensar subjetivo e a
exterioridade: dois mundos que na verdade são certamente idênticos entre si
(“ordo rerum atque idearum idem est”, diz Espinosa [a ordem das coisas
e das ideias é a mesma]), contudo aparecem como essencialmente diversos
e autónomos, um em relação ao outro, para a consciência reflexiva, para o
pensarjinito. Assim a alma, enquanto consciência, entra na esfera da finitude
e da contingência, do “exterior-a-si-mesmon, por conseguinte, singularizado. O
que sei, desse ponto de vista, iniáalmente sei como um singularizado, não
mediatizado; portanto, como um contingente, um dado, um achado. O
achado e sentido, eu o transformo em representações, e faço dele, ao mesmo
tempo, um objeto exterior. Mas esse conteúdo, conheço-o em seguida —
enquanto para ele se dirige a atividade de meu entendimento e de minha
razão —; e, ao mesmo tempo, como algo não simplesmente singularizado
e contingente mas como momento de uma grande conexão, como algo que
está em mediação infinita com outro conteúdo e que por essa mediação
se toma algo necessário. Só quando procedo do modo hã pouco indicado
[é que] estou em posse do entendimento e o conteúdo, que me preenche,
alcança de seu lado a forma da objetividade. Assim como essa objetivida­
de é a meta de meu esforço teórico, também constitui a norma de meu
comportamento prático. Por isso, se eu quero transpor, de sua subjetividade
para a objetividade, meus jtn s e interesses — portanto, representações pro­
cedentes de mim — é preciso, se devo ter entendimento, que o material,
o ser-aí que se me contrapõe, no qual intento realizar esse conteúdo, eu o
represente como em verdade é. Mas, como a objetividade que está igual­
mente diante de mim, para me conduzir com entendimento, preciso ter
uma representação correta de mim mesmo, isto é, uma representação que
esteja de acordo com a totalidade de minha efetividade, com minha indi­
vidualidade infinitamente determinada, diferente do meu ser substancial.
Sem dúvida, posso errar tanto sobre mim mesmo como sobre o mundo
externo. Os homens sem-entendimento têm representações subjetivas, vazias,
desejos irrealizáveis, que no entanto esperam realizar no futuro. Eles sc
limitam a fins e interesses totalmente singularizados, atêm-se firmemente a
princípios unilaterais, e assim entram em discrepância com a efetividade. Mas
essa limitação, como também aquele erro, ainda não é demência, quando os
[indivíduos] sem-entendimento sabem, ao mesmo tempo, que seu suljetrvo
ainda não existe objetrvamente. O erro e a tolice só se tomam demência no
caso em que o homem acredita ter presente a ele, como objetiva, sua repre­
sentação apenas subjetiva, e se obstina contra a objetividade ejètiva que está em
contradição com a mesma [representação]. Para os dementes, esse meramente
subjetivo lhes é tão certo quanto o objetivo; na sua representação somente
subjetiva — por exemplo, na sua fantasia de serem, de fato, este homem que
não são — têm a certeza deles mesmos:, [dessa representação] depende seu
ser Se portanto alguém fala [como] demente, o primeiro [a fazer] é sempre
isto: que lhe lembrem o campo total de suas relações, sua efetividade concreta.
Se depois ele se obstina em sua representação falsa — embora assim esse
contexto objetivo tenha sido levado à sua representação e seja por ele sabido
— nesse caso não padece a menor dúvida a demência de tal homem.
Segue-se, do que acaba de ser dito, que a representação demente pode
chamar-se abstração vazia e simples possibilidade; que é vista pelo demente
como algo concreto e efetivo-, pois, como vimos, nessa representação se abstrai
precisamente da efetividade concreta do demente. Se por exemplo eu, que
estou muito longe de ser um rei, no entanto me tenho como um rei, essa
representação, contraditória da totalidade de minha efetividade, e por isso
demente, não tem absolutamente outro fundamento e conteúdo que a
possibilidade universal indeterminada de que — pois um homem, em geral,
pode ser um rei — justamente eu, este homem determinado, seja um rei.
Mas o fundamento de que tal fixar-se em uma representação particular,
incompatível com minha efetividade concreta, possa surgir em mim está
em que eu sou, antes de tudo, um Eu totalmente abstrato, perfeitamente
indeterminado, portanto aberto a todo conteúdo, seja qualfor. Enquanto eu sou
isto, posso me fazer as mais vazias representações; por exemplo, tomar-me
por um cão (apresenta-se mesmo em contos que homens se transformaram
em cães), ou imaginar que sou capaz de voar, porque há bastante espaço
para isso, e porque outros seres vivos estão em condição de voar. Ao con­
trário, desde que me tomo Eu concreto, adquiro pensamentos determinados
sobre a efetividade; por exemplo, desde que no último caso citado penso
em meu peso, dou-me conta da impossibilidade de meu voo. Somente o
homem consegue apreender-se nessa completa abstração do Eu. Por isso tem
ele o privilégio, por assim dizer, da loucura e do delírio. Mas desenvolve-se
essa doença na consciência-de-si concreta, sensata, só na medida em que ela
afunda no Eu abstrato, passivo, impotente antes mencionado. Mediante esse
afundar, o Eu concreto perde sua potência absoluta sobre o sistema total
de suas representações; perde a capacidade de pôr no lugar certo tudo o
que chega à alma, de permanecer, em cada uma de suas representações,
plenamente presente a si mesmo', deixa-se cativar por uma representação p a r

154
findar típ c n iiM s u b je tiv a , $ p o r r l;t (<• Insulo pura fora de si, expulso do (entro
dt* sua efetividade, c passa a ter __ porque conserva ao mesmo tempo uirm
consciência de sua efetividade dois centros-. um no resto de sua consciên­
cia de entendimento, o outro cm Sya representação demente.
Na consciência demente, a universalidade abstrata do Eu essente, ime­
diato, está em contradição não hesohida com uma representação arrancada
da efetividade; portanto, singul^rizada. Por isso, essa consciência não é
verdadeiro ser-junto-de-si, mas um ser-junto-de-si encravado no negativo
do Eu. Reina aqui uma contradição igualmente não resolvida entre aquela
representação singularizada e a universalidade abstrata do Eu, de uma par­
te, e a efetividade total harmôni*a em si mesma, de outra parte. Daqui se
desprende que a proposição defendida, com direito, pela razão conceituante
“O que eu penso é verdade” recebe nos dementes um sentido demente e se
torna algo tão inverídico quanto a afirmação — que pelo desentendimento
do entendimento é oposta a essa proposição — da separação absoluta do
subjetivo e do objetivo. Sobre o desentendimento [Unverstand], como sobre
a demência, a simples sensação ija alma sadia jã tem a vantagem da racio­
nalidade, enquanto nela esta preSente a unidade efetiva do subjetivo e do
objetivo. Como jã foi dito acin^ essa unidade, contudo, somente obtém
sua forma consumada na razão conceituante; pois só o que é pensado por
ela é um verdadeiro, tanto em sua forma como em seu conteúdo: uma
unidade consumada do pensado - do essente. Ao contrário, na demência, a
unidade e a diferença do subje:jVo e do objetivo são ainda algo simples­
mente formal, [algo] excludentc do conteúdo concreto da efetividade.
Por causa da conexão, e mesmo tempo para maior clareza ainda,
queremos neste lugar repetir alge que jã foi tocado muitas vezes no parágrafo
acima e na sua nota, e fazê-lo forma mais condensada e, onde possí­
vel, mais determinada. Visamosao ponto [seguinte]: que a demência deve
ser entendida essencialmente c<mo uma doença simultaneamente espiritual
e corporal\ pelo motivo de quenela reina uma unidade do subjetivo e do
objetivo, ainda completamente mediata, que não atravessou ainda a media­
ção infinita; [isto é,] o Eu atingl0 p €Ja demência — por aguda que possa ser
essa ponta do sentimento-de-si _ é ainda algo natural, imediato, essente; por
conseguinte, o diferenciado podenele ser fixado como um essente. Ou, ainda
mais determinadamente: porquena demência um sentimento particular, que
contradiz a consciência objetiví do demente, é fixado como algo objetivo
contra aquela consciência, post< como não ideal, esse sentimento tem, por
isso, a forma de um essente, poranto de algo corporal, mas assim se produz
no demente uma dualidade do s* não superada por sua consciência objetiva;
uma diferença essente, que se tOna um limite fixo para a alma demente.

155
A lé m diftfio, n o que » c r e fe r e I q u e n tã o , tu m h é m já levantada no pa­
r á g ra fo acima, de como o e s p ír ito c h e g a a scr demente, pode-se ainda
iU|iti n o ta r , ídra da resposta dada e n t ã o , que essa questão já pressupõe a
c o n s c iê n c ia objetiva, fixa, ainda n ã o atingida pela alma no seu grau de
desenvolvimento atual; e que, no ponto em que está agora nossa con­
sideração, é antes a questão imersa que tem de ser respondida: a saber,
a questão de como a alma encerrada em sua interioridade, imediatamente
idêntica com seu mundo individual, chega [a partir] da diferença vazia,
simplesmente form al do subjetivo e do objetivo, â diferença efetiva desses
dois lados, e portanto à sua consciência verdadeiramente objetiva, de-en-
tendimento e de-razão. A resposta a isto será dada nos últimos quatro
parágrafos da primeira parte da Doutrina do Espírito Subjetivo.
Do que foi dito no início desta Antropologia, sobre a necessidade de
começar a consideração filosófica do espírito objetivo pelo espírito natural,
e [a partir] do conceito de demência — acima desenvolvido em todos os
seus aspectos —, será aliás esclarecido suficientemente por que se deve
tratar da demência antes [de tratar] da sã consciência de~entendÍmento\
embora a demência tenha por pressuposto o entendimento, não é outra
coisa que o extremo estado doentio em que ele pode afundar. Tínhamos
de terminar a discussão desse estado já na Antropologia, porque nele o
anímico, o S i natural, a suljetividadeform al abstrata, consegue a dominância
sobre a consciência oijetiva, racional, concreta', ora, a consideração do Si
abstrato, natural, deve preceder a exposição do espírito concreto, livre. Con­
tudo, para que esse passo-â-frente de algo abstrato ao concreto — que o
contém segundo a [forma da] possibilidade — não tenha a aparência de
um fenômeno singularizado e, por isso, questionável, podemos lembrar, a
propósito, que na Filosofia do Direito deve encontrar-se uma progressão
semelhante. Também começamos nessa ciência por algo abstrato, a saber,
pelo conceito da vontade, depois passamos adiante à efetivação que se opera
em um ser-aí exterior, da vontade ainda abstrata à esfera do direito formal;
dali seguimos para a vontade refetida sobre si mesma, a partir do ser-aí
exterior, para o domínio da moralidade, e, em terceiro lugar, chegamos
enfim à vontade ética, que em si reúne esses dois momentos abstratos, e
por isso é concreta. Depois, na esfera da eticidade mesma, recomeçamos
por um imediato, pela figura natural, não desenvolvida que o espírito ético
tem na fam ília', dali chegamos à ruptura da substância ética que se efetua
na sociedade civil, e finalmente atingimos a unidade e a verdade — que estão
presentes no Estado — dessas duas formas unilaterais do espírito ético.
Desse percurso, seguido por nossa consideração, não se segue de modo
nenhum que pretendemos fazer da eticidade algo posterior no tempo ao

156
d ir e ito e A m o m lld ft d t t *HI ip r e a r n tu r « fa m ília e ti a o d e d u d e c iv il c o m o
afy[w vindo antes d o K ttiid n nu efetividade. Ao contrário: fmhemoN muito
hem que a eticidade é a base do direito e da moralidade; como também
que a família e a aociedade civil, com suas diferenças bem ordenadas,
já pressupõem o estar*presente do Kstado. No entanto, no desenvolvimento
filosófico do ético, não podemos começar pelo Rstado\ com efeito é no
Estado que o ético ostenta sua forma mais concreta — ao contrário, o
começo é necessariamente algo abstrato. Por esse motivo, o moral deve ser
considerado antes do ético, embora o moral somente surja no ético, por
assim dizer, como uma doença. Mas pela mesma razão tivemos também
de discutir no domínio antropológico a demência\ porque ela, como vimos,
consiste em uma abstração fixada contra a consciência objetiva, concreta do
demente, antes dessa consciência. Assim, queremos concluir as observações
que tínhamos a fazer aqui sobre o conceito da demência em geral.
Porém, no que concerne aos tipos particulares do estado de-demência,
costumam-se distingui-los não tanto segundo uma determinidade interior, e
sim, antes, segundo as exteriorizações dessa doença. Isso não é o bastante para
a consideração filosófica. Mesmo a demência, nós temos de reconhecê-la
como algo em si mesmo diferenciado de maneira necessária; e na mesma
medida racional. Mas uma diferenciação necessária desse estado de alma
não se deixa derivar do conteúdo particular da unidade formal do subjetivo
e do objetivo que se dã na demência; pois aquele conteúdo é algo in fin i­
tamente multiforme; e, por isso, contingente. Devemos assim, ao contrário,
ter ante os olhos as dferenças-deformas totalmente universais que emergem
na demência. Com esse fim, a propósito temos de remeter ao fato de que
a demência foi acima designada como um retraimento do espirito, como um
ser-mergulhada-em si cuja peculiaridade, em oposição ao ser-em-si do espírito,
presente no sonambulismo, consiste em não se encontrar mais em conexão
imediata com a efetividade, mas em ter-se sepnirado decididamente dela.
Ora, esse ser-mergulhado-em-si é, de um lado, o universal em cada
espécie de demência; de outro lado, quando fica em sua indeterminidade,
em seu vazio, forma um tipo particular de estado demencial. Vamos co­
meçar por ele a consideração das diversas espécies de demência.
Ora, quando esse ser-em-si totalmentc indeterminado recebe um con­
teúdo determinado, se atrela a uma representação particular simplesmente
subjetiva e a toma por algo objetivo, mostra-se então a segunda forma
do estado demencial.
A terceira e a última forma principal dessa doença aparece quando o que
se opxk ao delírio da alma é igualmente para ela\ quando o demente compmm
sua representação meramente subjetiva com sua consciência objetiva, descobre

157
a oposição radical existente entre elas, e assim chega ao sentimento infeliz de
sua contradição consigo mesmo. Vemos aqui a alma no esforço mais ou me­
nos desesperado para [sair] de sua desagregação, já presente na segunda forma
da demência (mas que ali é apenas sentida, ou não é absolutamente sentida), e
restabelecer-se na identidade concreta consigo, na harmonia interior da consciên-
cia-de-si, que persiste inabalavelmente no centro único de sua efetividade.
Consideremos agora mais de perto as três form as principais, que aca­
bamos de indicar, da demência.
1) A idiotice, a distração, a tagarelice. A primeira das três formas prin­
cipais — o ser-mergulhado-em-si totalmente indeterminado — aparece
primeiro como idiotice.
a) \A idioticé\. Tem diversas figuras. Há idiotice natural Esta é incurável.
E própria, sobretudo, do que se chama cretinismo — um estado que, de uma
parte, ocorre esporadicamente, de outra parte é endémico em certas regiões,
sobretudo em vales estreitos e lugares pantanosos. Os cretinos são homens
disformes, aleijados, frequentemente afetados pelo bócio, chocantes por sua
expressão fisionómica completamente estúpida; sua alma, não aberta, muitas
vezes só chega a sons totalmente inarticulados. Mas, além dessa idiotice
natural, encontra-se também uma idiotice em que o homem afunda por
causa de uma desgraça não culpável, ou por sua própria culpa. A propósito
do primeiro caso, Pinei traz o exemplo de um idiota de nascença, cuja
obtusidade, como se acreditava, provinha de um pavor extremamente forte
que sua mãe tivera quando estava grávida dele. Com frequência, a idiotice
é uma sequela do furor, caso em que a cura se torna altamente improvável.
Muitas vezes também a epilepsia termina em estado de-idiotice. Esse estado,
porém, não raro é provocado pelo excesso de libertinagens. Quanto ao fe­
nômeno da idiotice, pode ainda ser mencionado que às vezes se manifesta
como catalepsia, como uma paralisia completa [tanto] da atividade corporal
como da espiritual. Aliás a idiotice não ocorre somente como um estado
durável, mas também como um estado passageiro. Assim, por exemplo,
um inglês caiu em uma perda-de-interesse por todas as coisas, primeiro
pela política, depois por seus negócios e por sua família; e ficou sentado,
olhando para a frente, quieto: durante anos não dizia palavra e mostrava
uma obtusidade tal que era duvidoso se conhecia ou não sua mulher e
seus filhos. Esse homem foi curado porque um outro, vestido igual a ele,
se pôs diante dele e imitava tudo o que ele fazia. Isso levou o doente a
uma violenta excitação, pela qual sua atenção foi arrancada para o exterior,
e o [ser] mergulhado-em-si-mesmo foi dele expulso durável mente.
b) \A distração]. A distração é uma modificação ulterior da primeira forma
principal (que está em discussão) do estado dcmencial. Conaistc em um

1SH
m hw ber do hrsente imedmfa Muitas vexes esNe não-suber Ibrnmo começo
do delírio; hã eonludo unui diatruçâo grandiosa, muito diNluncitidu do delírio.
Klii pode ocorrer quando o espírito, por meio de profimdus meditações,
í* subtraído à atenção de tudo o que é comparativamenlc insignificante.
Assim, Arquimedes ficou tão absorto em um problema de geometria, que
pareceu durante muitos dias ter esquecido tudo; e teve de ser arrancado,
à força, dessa concentração do espírito em um só ponto. Mas a distração,
propriamente dita, é um mergulhador em sentimento-de-si totalmente abstrato,
cm uma inatividade da consciêrcia objetiva, sensata, em uma não presença
inconsciente do espírito às coisas a que deveria estar presente. O sujeito que
se encontra nesse estado confunde no caso singular sua situação verdadeira
com uma falsa, e apreende as circunstâncias exteriores de uma maneira
unilateral, não segundo a totalidade de suas relações. Um exemplo divertido
desse estado-de-alma, entre muitos outros exemplos, é o conde francês que,
quando sua peruca ficou presa no lustre, riu efusivamente com os outros
assistentes, e olhou em tomo para descobrir a quem a peruca tinha sido
arrancada, quem tinha ficado com a cabeça calva. Um outro a propósito,
fomece-o Newton: esse sábio certa vez pegou o dedo de uma dama a fim
de utilizá-lo para socar o cachimbo. Tal distração pode ser consequência
de muito estudar: encontra-se nos sábios, não raramente, sobretudo no»
que pertencem a um tempo remoto. No entanto, a distração também surge
frequentemente quando homens em geral querem dar uma impressão dc
importantes, por isso têm sua subjetividade constantemente ante os olhos
e esquecem então a objetividace.
c) [A tagarelicé\. À distração opõe-se a tagarelice que se interessa por
tudo. Nasce da incapacidade de fix a r a atenção em qualquer coisa que
seja determinada, e consiste na doença do vacilar de um objeto para o
outro. Esse mal é, na maioria dos casos, incurável. Os loucos dessa espécie
são os mais insuportáveis de tedos. Pinei conta de um sujeito desses que
era a perfeita imagem do cao:. Diz ele: “Esse sujeito me aborda e nic
submerge em seu falatório. De repente, faz o mesmo também com um
outro qualquer. Se esse indivídio entra num quarto, ele o remexe todo,
mexe e desloca cadeiras e mesis, sem trair nisso nenhuma intenção par­
ticular. Apenas se virou o olha:, esse sujeito está no corredor vizinho, e
ocupado igualmente sem objetvo, como [fazia] no quarto: tagarela, joga
pedras para longe, arranca eiras, vai mais além e volta sem saber por
quê". A tagarelice nasce sempe de uma fraqueza da faculdade — pró­
pria da consciência de entendmento — de concatenar o conjunto das
representações. Mas, com frecuência, os tagarelas sofrem já de delírio;
portanto, não simplesmente do não saber mas da inversão inconsciente do

159
qur curti presente de modo imtdlilto. fí o que ocorra quianto ft primeiro
lormii principal do estado de dcménciu.
2) A segunda forma principal desse estado: a loucura propriamente dita
m i N c e quando o ser-encerrado-em-si do espírito natural (considerado acima
em suas diversas modificações) recebe um conteúdo determinado e esse
conteúdo se toma uma representação fixa; [pelo fato de] que o espírito
ainda não está completamente senhor de si mesmo e submerge na idio­
tice; assim como na idiotice submergia em si mesmo, no abismo de sua
indeterminidade. É difícil dizer, com exatidão, onde começa a loucura
propriamente dita. Nas pequenas cidades, por exemplo, encontram-se
pessoas, especialmente mulheres, mergulhadas de tal modo em um cír­
culo tão extremamente limitado de interesses, e que se sentem nessa sua
limitação tão à vontade, que dizemos de tais indivíduos, com razão, que
são loucos. Mas, no sentido mais restrito do termo, é próprio da loucura
que o espírito permaneça fixo em uma representação singular; simplesmente
subjetiva, e a tenha por algo objetivo. Esse estado de alma provém, na
maioria dos casos, de que o homem, por insatisfação com a efetividade,
se encerra na sua subjetividade. E sobretudo a paixão da vaidade e do
orgulho a causa desse “encasular-se-em-si-mesma” da alma. O espírito que
assim se aninha em sua interioridade perde, então, facilmente a inteligência
da efetividade e só se encontra devidamente em suas representações sub­
jetivas. Nesse comportamento pode aparecer logo a loucura completa. Pois,
caso ainda esteja presente nessa consciência eremítica alguma vitalidade,
esta vem a criar-se facilmente [a partir] de si mesma um conteúdo seja
qual for; e a considerar e fix a r isso que é meramente subjetivo como algo
objetivo. Como vimos, enquanto, por exemplo, na idiotice e também na
tagarelice a alma não possui o poder de manterfirm e algo determinado, a
loucura propriamente dita, ao contrário, mostra esse poder, e demonstra,
justamente pelo fato de que ainda é consciência, de que por isso tem
ainda lugar nela uma diferenciação entre a alma e o seu conteúdo que foi
fixado. Embora, por conseguinte, a consciência do louco esteja, de um
lado, aderente a esse conteúdo, transcende no entanto de outro lado, por
sua-natureza universal, o conteúdo particular da representação demente.
Por isso os loucos têm — ao lado de sua extravagância [de fixar-se] em
relação a um só ponto — ao mesmo tempo uma consciência boa, coe­
rente; uma apreensão correta das coisas e a capacidade de um agir de
[acordo com o] entendimento. Torna-se possível por isso, e pela reserva
desconfiada dos loucos, que por vezes não se reconheça logo um louco
como tal, e que se possa duvidar, especialmente, se a terapia da loucura
teve êxito, e se assim se pode deixar em liberdade o doente mental.

160
A d ife r e n ç a d o u lo u c m , u n » d o u o u tr o ii, d c te r m ln u -R e p r in c ip a l m e n t e
pd« n u iltifb r m id u d e d a » rep rcw cn lw çó en que n e le » s c fix a m .
Pode ser considerada como a loucura mais indeterminada o té-
dio-de-viver, quando não é ocasionado pela perda de pessoas querida»,
dignas de respeito, e [pela perda] de relações éticas, O tédio-de-viver,
infundado e indeterminado, não é uma indiferença quanto à vida — pois,
neste caso, se suporta a vida — mas, antes, a incapacidade de suportar a
vida, um oscilar para lá e para cá, entre a atração e a rejeição a respeito
de tudo que pertence â efetividade; um estar-cativo na representação
fixa da efetividade da vida, e ao mesmo tempo um aspirar [por ir] além
dessa representação. Dessa repugnância — surgida sem qualquer motivo
racional — contra a efetividade, como também de outras maneiras de
loucura, os ingleses são sobremodo afetados; talvez porque nessa nação
o ser-obstinado na particularidade subjetiva é tão predominante. Aquele
tédio-de-viver aparece nos ingleses sobretudo como melancolia, como
esse cismar persistente — que não chega à vitalidade do pensar e do
agir — do espírito sobre sua representação infeliz. Não raramente, desse
estado-de-alma desenvolve-se um impulso irresistível ao suicídio; às vezes
esse impulso só se pode anular arrancando o desesperado violentamente
de si mesmo. Conta-se, por exemplo, que um inglês, quando tinha em
mente afogar-se no Tâmisa, foi assaltado por bandidos: defendeu-se o
melhor possível, e graças ao sentimento, que de repente despertou, do
valor da vida perdeu todos os pensamentos suicidas. Um outro inglês,
que se enforcara, quando um criado o livrou cortando a corda, recobrou
não só o gosto pela vida, mas também a doença da avareza; porque ao
demitir o criado descontou-lhe dois pence, por ter cortado a corda do
enforcamento sem a ordem do seu senhor.
Em contraste com a figura — indeterminada que abafa toda a vitali­
dade — da alma demente, está ligada a interesses vivos e mesmo à paixão
a multidão infinita de loucuras que têm um conteúdo singularizado. Esse
conteúdo depende, por uma parte, da paixão particular de que derivou a
loucura; contudo, pode também ser determinado de maneira contingente
por uma outra coisa. O primeiro caso deverá ser tomado quando, por
exemplo, loucos se tomam por Deus, por Cristo, ou por um rei Ao contrá­
rio, o último caso se encontra quando, por exemplo, loucos se imaginam
ser um grão de cevada, ou um cachorro, ou ter um carro na barriga. Mas,
nos dois casos, o simples louco não tem consciência determinada da contra­
dição que existe entre sua representação fixa e a objetividade. Som ente nós
sabemos dessa contradição: o tal louco mesmo não é atormentado pelo
sentimento de seu dilaceramento interior, i

161
3) Apenas quando se apresenta a terceira forma principal do estado
demencial, a mama ou o delírio, temos o fenômeno de que o próprio sujeito
demente sabe de seu ser-despedaçado em dois modos de consciência mu-
tuamente contraditórios; [o fenômeno] de que o doente mental sente ele
mesmo vivamente a contradição entre sua representação apenas subjetiva
e a objetividade, e contudo não pode livrar-se dessa representação, mas
quer absolutamente fazer dela a efetividade, ou aniquilar o efetivo. No
conceito — acima indicado — da mania está contido que ela não precisa
de uma fantasia oca para nascer, mas pode ser produzida em particular
pela incidência de uma grande desgraça, pela desestruturação do mundo indi­
vidual de um homem, ou pela inversão violenta e o desengrenar do estado
universal do mundo, caso o indivíduo viva com seu ânimo exclusivamente
no passado e por isso se tome incapaz de encontrar-se no presente pelo qual
se sente rejeitado, e ao mesmo tempo ligado a ele. Assim, por exemplo,
na Revolução Francesa, pela subversão de quase todas as relações civis,
muitos indivíduos tomaram-se delirantes. O mesmo efeito se produziu
com frequência da maneira mais horrenda por causas religiosas, quando
o homem mergulhava na absoluta incerteza de estar na graça de Deus.
Mas o sentimento, que se apresenta nos delirantes, de seu dilaceramento
interior tanto pode ser um sofrimento calmo como tomar-se a raiva da
razão contra a desrazão, e vice-versa; por conseguinte, [torna-se] um furor.
Porque com esse sentimento infeliz se liga facilmente, nos delirantes, não
apenas um humor hipocondríaco atormentado por fantasias e caprichos, mas
também uma disposição-de-espírito desconfiada, falsa, invejosa, traiçoeira
e má: uma cólera pelo [fato de] ser-entravado pela efetividade circundante,
contra os que lhes fazem experimentar uma limitação de sua vontade. Como
também, inversamente, homens mimados, indivíduos que estão habituados
a tudo conseguir por teimosia, mergulham facilmente, de sua obstinação
tagarela,, no delírio, quando a vontade racional que quer o universal lhes
opõe uma barragem que sua subjetividade, rebelando-se contra ela, não
está em condições de ultrapassar ou de arrebentar. Em todo homem
ocorrem acessos de maldade; contudo o homem ético, ou pelo menos
prudente, sabe reprimi-los. Mas no delírio, em que uma representação par­
ticular se arroga o domínio sobre o espírito racional, ali aparece à solta,
em geral a particularidade do sujeito; ali, por isso, os impulsos naturais e
desenvolvidos pela reflexão, pertencentes àquela particularidade, rejeitam
o jugo das leis éticas procedentes da vontade verdadeiramente unroersal\
ali se libertam, assim, as potências tenebrosas, subterrâneas, do coração. A
cólera dos delirantes toma-se muitas vezes uma mania expressa de fa ze r
m al a outros, até mesmo uma sede-âe-sangue que desperta subitamente e

162
im p e le aqucIcN d e q u e M a p o d e r a — a d e s p e it o d e u m horror u o h o m i­
cídio. nele» talvez p r e s e n t e com torça irresistível u assassinar mesmo
aqueles que, aliás, s d o p o r eles ternamente amados. Contudo, como se
acaba de indicar, a maldade dos delirantes não exclui sentimentos morais
e éticos; ao contrário, esses sentimentos, justamente por causa da desgraça
dos delirantes, por causa da oposição não mediatizada que neles domina,
podem ter uma tensão elevada. Pinei diz expressamente que em parte
alguma viu esposos e pais mais amorosos que no asilo de loucos.
Quanto ao lado fisico do delírio, ele se mostra com frequência [como]
uma conexão de seu fenômeno com as mudanças universais da nature­
za, em especial com o curso do sol. Estação muito quente e muito fria
exercem, com relação a isso, particular influência. Também se percebeu
que na aproximação das tempestades e das grandes alterações de tem­
peratura resultavam perturbações e exaltações passageiras nos delirantes.
Mas, no que diz respeito aos períodos da vida, foi feita a observação de
que o delírio não costuma vir antes dos quinze anos. Quanto às outras
diversidades corporais, sabe-se que nos homens robustos, musculosos, de
cabelos negros, os acessos de furor são habitualmente mais violentos que
nas pessoas louras. Mas em que medida a demência está unida a uma
disfunção do sistema nervoso, esse é um ponto que escapa ao médico
como ao anatomista, que considera de fora.

A terapia da demência
O último ponto que temos a discutir sobre o delírio, como sobre
a demência, refere-se ao f>rocedimento curativo a aplicar aos dois estados
mórbidos. E um processo em parte físico, em parte psíquico. O primeiro
lado pode, às vezes, bastar por si só; contudo, na maioria dos casos é
necessário recorrer aqui ao tratamento psíquico, que igualmente, por seu
lado, pode ser suficiente por si só, algumas vezes. Não se pode indicar,
para o lado fisico da cura, alguma coisa aplicável de modo totalmente
universal. A medicação disponível para aplicação vai, ao contrário, muito
para o empírico, portanto para o inseguro. Entretanto, fica muito seguro
que o procedimento utilizado antes em BedlanP era o pior de todos, pois
se limitava a promover uma purgação geral dos delirantes quatro vezes
por ano. Por via física, aliás, doentes mentais foram curados justamen-
te por aquilo que pode provocar demência nos que não a têm — a sa­
ber, por uma violenta queda de cabeça. Assim, por exemplo, teria sido2

22. Bedlam — Famoso manicômio em Londres.

163
o famoso Montfaucon23 libertado, na sua juventude, de seu embotamento
mental.
A Coisa principal fica sempre o tratamento psíquico. Enquanto este
nada pode fazer contra a idiotia,, pode-se agir com êxito contra a loucura
propriamente dita e contra o delírio, porque nesses estados-de-alma ainda
tem lugar uma vitalidade da consciência; ao lado da demência que se refere
a uma representação particular, subsiste ainda uma consciência racional em
suas demais representações, que um competente médico-da-alma é capaz
de desenvolver em um poder sobre aquela particularidade. O mérito de
Pinei é especialmente ter captado esse resto de razão, presente nos loucos
e nos delirantes, como a base da cura, e de ter orientado segundo essa
apreensão a cura dos doentes mentais. Seu escrito sobre esse assunto deve
ser proclamado como o que há de melhor nesse domínio.
O que importa antes de tudo no tratamento psíquico é ganhar a
confiança dos doentes mentais. Ela pode ser obtida porque os dementes
são ainda seres éticos. Mas se entrará mais seguramente na posse de
sua confiança se se observar para com eles um comportamento aberto,
porém sem deixar essa abertura degenerar em um ataque direto contra
a representação demencial. Um exemplo desse modo de proceder e de
seu resultado feliz, conta-o Pinei. Um homem, aliás bondoso, tomou-se
demente e teve de ser confinado, pois fazia coisas insensatas, que podiam
causar dano [aos outros]. Por esse motivo explodiu em cólera, e foi por
conseguinte amarrado, mas [assim] caiu em um grau ainda maior de furor.
Levaram-no por isso depois a um manicômio. Aqui o inspetor manteve
uma conversa tranquila com o [louco] que chegava; condescendeu com
suas manifestações distorcidas, e assim o acalmou: ordenou que o desa­
marrassem; ele mesmo o levou à sua nova habitação e pela continuação
de tal procedimento curou esse doente mental em tempo muito breve.
Depois de ganhar a confiança dos alienados, deve-se buscar obter sobre
eles uma justa autoridade, e despertar neles o sentimento de que há algo,
em geral, importante e digno de respeito. Os doentes mentais sentem sua
fraqueza espiritual, sua dependência dos que têm [uso de] razão. Assim
é possível que estes se façam respeitar por aqueles. Quando o demente
aprende a respeitar quem o cuida, adquire a capacidade de fazer violência
à sua subjetividade que se encontra em contradição com a objetividade.
Enquanto ainda não é capaz disso, outros têm de fazer essa violência
contra ele. Portanto, se os dementes, por exemplo, recusam comer seja

23. Dom Bernard de Montfaucon (1655 a 1741), sábio beneditino francên; tnululnr t* editor
de textos antigos — l'antiquitécxpliquée et représetttée en figures.

164
o q u e fo r. o u s e a té m M m o d r a tm e m un coisas ao seu r e d o r , c n t e n d c - s c
que nflo se pode to le r a r algo ussiin. Deve-se, em particular — o que
frequentemente é muito difícil no caso de pessoas ilustres, como por
exemplo Jorge IIP 4 —, dobrar a presunção dos loucos megalomaníacos,
fazendo-os sentir sua dependência. Encontra-se em Pinei o exemplo que
segue, sobre esse caso, e o tratamento observado. Vale a pena referi-lo.
Um homem que se tomava por Maomé chegou altivo e impando de
orgulho a um manicômio: exigiu homenagens, pronunciou cada dia uma
multidão de sentenças de exílio e de morte, e delirou de maneira soberana.
Embora não se contradissesse sua ideia fixa, proibiu-se-lhe o delírio como
algo inconveniente; e, jã que não obedecia, prenderam-no e lhe fizeram
representações sobre seu procedimento. Prometeu emendar-se, foi solto
mas recaiu na mania delirante. Então se tomou à força esse Maomé,
prendeu-se de novo, e se lhe explicou que não tinha mais a esperar
nenhuma compaixão. Conforme combinado, a mulher do inspetor se
deixou abrandar por ele, diante de seus suplicantes pedidos de liberdade;
exigiu-lhe a firme promessa de não abusar de sua liberdade por meio de
delírio, porque assim causaria a ela aborrecimentos; e o deixou ir livre
depois de ter feito essa promessa. Desde esse instante, ele se comportou
bem. Se ainda recaísse em um acesso de raiva, um olhar da inspetora era
bastante para mandá-lo para o quarlo e aí ocultar seu delírio. O respeito
que tinha por essa mulher e sua vontade de triunfar sobre sua mania
delirante o restabeleceram em seis meses.
Como ocorreu no caso agora relatado, deve-se sempre ponderar,
em geral, através de todo o rigor, às vezes necessário no trato com os
dementes, que eles, por causa de sra racionalidade não totalmente des­
truída, merecem ser tratados com muita consideração. Por isso a força
a empregar contra esses infelizes não pode ser outra senão a que tem
ao mesmo tempo a significação moial de uma justa punição. Os doentes
mentais têm ainda um sentimento do que é direito e justo; sabem, por
exemplo, que não se deve fazer mal aos outros. Assim, o mal que come­
teram pode lhes ser apresentado, imputado e punido neles; tomar-se-lhes
compreensível a justiça da pena a ebs aplicada. Desse modo se lhes am­
plia seu Si melhor, e, enquanto isso acontece, ganham confiança em sua
força ética prâpria. Chegados a esse ponto, tomam-se capazes de curar-se
completamente, graças à convivência com homens de bem. Pelo contrário,
por um tratamento duro, arrogante, desdenhoso, o sentimento-de-si moral24

24. Jorge III, rei da Inglaterra em 1760; teve de deixar o trono em 1810, por causa de
doença mental.

165
dos dementes facilmente é tão fortemente prejudicado que se precipitam
na mais extrema cólera e mania delirante. Tampouco se pode cometer
a imprudência de deixar que chegue até aos dementes, especialmente
aos loucos religiosos, qualquer coisa que poderia servir de reforço à sua
excentricidade. Ao contrário, deve-se esforçar por levar os dementes a
outros pensamentos, e fazê-los esquecer, por meio disso, sua mania. Essa
fluidificação da ideia fixa se obtém, em particular, porque se obriga os
doentes mentais a se ocuparem espiritualmente e sobretudo corporalmente:
pelo trabalho, são arrancados de sua subjetividade enferma e impelidos ao
que é efetivo. Daí ocorreu o caso que na Escócia um caseiro se tornou
famoso pela cura dos loucos, embora seu tratamento consistisse só e
unicamente em pôr os loucos, por meia dúzia, diante de uma charrua e
fazê-los trabalhar até a máxima fadiga.
Entre os meios que atuam, antes de tudo, sobre o corpo, o balanço se
mostrou particularmente curativo no caso dos dementes, sobretudo nos
maníacos delirantes. Através do mover-se para lá e para cã no balanço,
o maníaco fica tonto; e sua ideia fixa [se toma] oscilante. Mas também
muito se pode fazer para o restabelecimento dos dementes agindo súbita e
fortemente sobre sua representação. Na verdade, são os loucos extremamente
desconfiados, quando notam que se pretende afastá-los de sua ideia fixa.
Mas ao mesmo tempo são estultos e se deixam facilmente surpreender.
Pode-se, pois, não raro curá-los dando-se a aparência de entrar em sua
mania, e depois fazendo de repente algo em que o demente enxerga a
libertação de seu mal imaginário. Como é bem conhecido, um inglês,
que acreditava ter na barriga uma carroça de ferro com quatro cavalos,
foi livrado desse delírio por um médico que, ao garantir-lhe sentir aquela
carroça e aqueles cavalos, ganhou a confiança do demente. Depois o
persuadiu de que possuía um meio de miniaturizar aquelas coisas que
estavam supostamente no estômago. Finalmente deu ao doente um vo­
mitório, e o fez vomitar na janela no momento em que, por arranjo do
médico, avançava embaixo na direção à casa uma carroça de ferro que
o demente acreditou ter vomitado.
Outra maneira de efetuar a cura da demência consiste em incitar os
loucos a realizar ações que são uma refutação imediata da loucura peculiar
de que são atormentados. Assim, por exemplo, alguém que imaginava ter
pés de vidro foi curado por um assalto simulado, porque durante ele seus
pés foram extremamente úteis para a fuga. Um outro, que se tomava por
m o r to , que estava sem movimento e nada queria comer, recobrou seu
c u te n d i m e n t o d e s ta m a n e ir a : e n t r a n d o a p a r e n te m e n te e m s u a loucura,
c n lo c u r a m - n o e m u m cn ix fto v o le v a r a m a u m ja z ig o e m q u e s e r n c o n -
trava um segundo caixão. Neste, um homem que de início se fez de
morto, mas logo depois que foi deixado só com aquele louco se levantou,
exprimiu ao outro seu prazer de ter agora companhia na morte; finalmente
se pôs em pé, comeu os alimentos presentes e disse ao demente, que se
admirava disso, que ele já estava morto havia muito, e por isso sabia
como faziam os mortos. O demente se tranquilizou com essa assevera­
ção, comeu e bebeu igualmente, ficou curado.
Muitas vezes a loucura se cura também por uma palavra agindo ime­
diatamente sobre a representação, por um gracejo. Assim, um louco que se
tomava pelo Espírito Santo curou-se ouvindo um outro louco dizer: “Como
podes tu ser o Espírito Santo? Eu é que sou, com certeza”. Um exemplo
igualmente interessante é fornecido por um relojoeiro que imaginava ter
sido guilhotinado inocente; que o juiz, arrependendo-se por isso, ordenara
que lhe restituíssem a cabeça; mas que, por uma infeliz confusão, lhe ti­
nham posto uma cabeça estranha, muito pior e extremamente imprestável.
Um dia em que esse louco defendia a lenda segundo a qual São Dionísio
tinha beijado sua própria cabeça cortada, outro louco lhe replicou: Seu
louco varrido, como é que São Dionísio teria podido beijar? Talvez com
seu calcanhar? Essa pergunta abalou o relojoeiro demente, a tal ponto que
o curou completamente de sua mania. Contudo, tal gracejo só eliminará
totalmente a loucura se essa doença já tiver perdido a intensidade.

3°) O habito

§ 409
O sentimento-de-si, imerso na particularidade dos sentimentos (de
sensações simples, com o dos desejos, impulsos, paixões e suas satis­
fações), é indiferenciado deles. Mas o Si é, em si, relação simples da
idealidade consigo mesma, universalidade formal, e esta é a verdade
desse particular. O Si deve ser posto com o essa universalidade, nesta
vida-de-sentim ento; assim ele é a universalidade essente para s i que
se distingue da particularidade. Essa universalidade não é a verdade,
rica do conteúdo das sensações, desejos etc., determ inados, pois seu
conteúdo não entra ainda aqui em consideração. A particularidade é
igualmente formal nessa determ inação; e é som ente o ser particular^
ou a imediatez da alma, em contraste com o seu ser-para-si, ele
mesm o formal, abstrato. Esse ser particular da alma é o m om ento
de sua corporeidade, com a qual ela rom pe aqui; c de que ela se

iii
diferencia enquanto seu ser simples* r enquanto é substaneialidade
subjetiva, ideal dessa corporeidade, [assimJ com o em seu conceito
essente em si (§ 389) era apenas sua substância enquanto tal.
Esse abstrato ser-para-si da alma, em sua corporeidade, não é
ainda [um] Eu, não é a existência do universal essente para o
universal. E a corporeidade reconduzida à sua pura idealidade*
corporeidade que com pete, desse m odo, à alma com o tal. Q uer
dizer: assim com o espaço e tem po, enquanto são o abstrato
“fora-um -do-outro” — portanto enquanto espaço vazio e tem po
vazio —, são apenas formas subjetivas, puro intuir, tam bém
aquele Jérpuro, que é o ser-para-si, enquanto foi nele suprassu-
mida a particularidade da corporeidade, isto é, a corporeidade
imediata, é o intuir totalm ente puro [e] inconsciente; mas é
o fundam ento da consciência, para a qual ele se dirige em si
mesmo, enquanto suprassumiu em si a corporeidade de que é
a substância subjetiva, e que ainda é para ele com o limite; e
assim é posto com o sujeito para si mesmo.

§ 410
O hábito consiste em que a alma se faça assim um ser abstrato
universal, e reduza nela o [que há de] particular nos sentim entos (e
tam bém na consciência) a um a determ inação apenas essente. Dessa
maneira, a alma tem em [sua] posse o conteúdo, e nela o contém de
sorte que em tais determ inações não é com o [alma] que-sente, não
está em relação com elas diferenciando-se delas, nem nelas imersa;
senão que as tem nela mesma, e se m ove nelas sem sensação nem
consciência. A alma é livre delas, enquanto delas não se interessa
nem se ocupa; ao existir nessas formas, com o em sua posse, está
ao m esm o tem po aberta a ulterior atividade e ocupação, [tanto] da
sensação com o da consciência do espírito em geral.
Esse introjetar-se [Sich einbilden] do particular ou do corporal
das determ inações-de-sentim ento no ser da alma, aparece com o sua
repetição; e o engendram ento do hábito, com o um exercício. Porque
esse ser, enquanto universalidade abstrata em relação com o natu­
ral-particular, que é posto nessa forma, é a universalidade-de-reflexão
(§ 175), um só e o m esm o enquanto exterior-múltiplo do sentir,
reduzido à sua unidade; é essa unidade abstrata enquanto posta.

168
/() h á b i t o é, como i m e m ó r i a , u m ponto d e - p e s o n a o r g a n i z a ­
ç ã o d o e s p ír i t o : o hábito é o m e c a n i s m o do sentimento-de-si,
c o m o a m e m ó r i a é o mecanismo d a inteligênciajA s q u a li d a ­
des e m u d a n ç a s naturais da idade, do sono e da v ig íli a s ã o
im ediatam ente naturais: o hábito é a determ inidade feita um
natural-essente, algo mecânico, do sentimento, [e] tam bém
da inteligência, da vontade etc., enquanto p erten cem ao
sentimento-de-si. O habito foi cham ado, com razão, um a se­
gunda natureza: natureza porque é um ser imediato da alma;
um a segunda [natureza] porque é um a im ediatez posta p e l a
alma, um a introjeção e penetração [Ein-und Durchbildung]
da corporeidade, que pertence às determ inações-de-sentim ento
com o tais, e às determinidades da representação e da vontade
enquanto corporificadas (§ 401).
N o hábito, o hom em está no m odo de um a existência natural,
e por isso não é livre nele; mas é livre na m edida em que o
hom em rebaixa a determinidade natural da separação, pelo
hábito, a seu simples ser: não está mais na diferença, e portanto
não está mais no interesse, ocupação, e na dependência para
com tal determ inidade A não liberdade no hábito é em parte
apenas form al, enquanto pertencente apenas ao ser da alma;
em parte, é só relativa enquanto propriam ente só tem lugar
nos maus hábitos, ou enquanto a um hábito em geral é oposto
um outro fim. O hábito do direito em geral, o ético, tem o
conteúdo da liberdade
A determ inação essencial é a libertação, que o hom em p o r meio
do hábito adquire, das sensações enquanto é afetado por elas. As
diferentes formas de hábito podem ser determ inadas assim. 1)
A sensação im ediata erquanto negada, enquanto posta [como]
indiferente. O endurecimento contra sensações exteriores (frio
intenso, calor, fadiga cos m em bros etc., sabor agradável etc.)
assim com o o enduredm ento da alma diante da desgraça são
um a força, [fazendo] cue, enquanto o frio intenso, a desgraça
são decerto sentidos pelo hom em , tal impressão é rebaixada
a um a exterioridade e imediatez: o ser universal da alma ali se
conserva enquanto absm to para si mesmo, e o sentimento-de-si
com o tal, consciência, íeflexão, [qualquer] outro fim e atividade,

169
não estão mais mesclados com isso. 2) Indiferença para com
a satisfação: os desejos, os impulsos são embotados pelo hábito
de sua satisfação; é esta a libertação racional em relação a es­
ses hábitos; a renúncia e a violência monásticas não libertam
deles, nem são racionais quanto ao conteúdo; entende-se, no
caso, que os impulsos são tidos como determinidades finitas
segundo sua natureza; e que eles, como sua satisfação, estão
subordinados como momentos na racionalidade da vontade.
3) No hábito como habilidade, o ser abstrato da alma não deve
apenas ser sustentado por si mesmo, mas também fazer-se va­
ler como um fim subjetivo na corporeidade, que se lhe torne
submissa e totalmente permeável. Em relação a tal determi­
nação interna da vida subjetiva, a corporeidade é determinada
como ser imediato exterior e [como] limite: [é] a ruptura mais
determinada da alma, como ser-para-si simples, em si mesma,
em contraste com sua primeira naturalidade e imediatez; assim
a alma não está mais em imediata idealidade; mas, enquanto
exterior, tem de ser primeiro rebaixada até ela. A corporifica-
ção das sensações determinadas é além disso, ela mesma, uma
corporificação determinada (§ 401), e a corporeidade imediata
é uma possibilidade particular (um lado particular de sua dife­
renciação nela, um órgão particular de seu sistema orgânico)
para um fim determinado. A introjeção de tal fim nela consiste
nisto: em que a idealidade, essente-em -si do que é material
em geral, e da corporeidade determinada, foram postas como
idealidade, a fim de que a alma exista como substância em
sua corporeidade segundo a determinidade de seu representar
e querer. Então, de tal modo, na habilidade a corporeidade
se torna permeável e o instrumento, [a ponto de] que, como
a representação (por exemplo, uma série de notas [musicais])
está em mim, também o corpo a exteriorizou corretamente,
sem obstáculo e com fluidez.
A forma do hábito abarca todos os tipos e graus da atividade
do espírito; a determinação mais exterior — a determinação es­
pacial do indivíduo, de manter-se ereto — é feita um hábito por
sua vontade: é uma posição imediata inconsciente,; que permanece
sempre Coisa de sua vontade permanente: o hom em fica em
pé só porque quer e enquanto quer, e só tanto tempo quanto
o quer inconscientement;e. Igualmente, ver etc. é o hábito con­
creto que de modo imediato reúne em um único ato simples as
múltiplas determinações da sensação, da consciência, da intuição,
do entendimento etc. O pensamento inteiramente livre, ativo no
puro elemento de si mesmo, precisa igualmente do hábito e da
facilidade; dessa forma da im ediatez pela qual é uma proprie­
dade não-entravada, impregnada, de meu S i singular. Somente
por esse hábito, Eu existo para mim enquanto pensante. Mesmo
essa imediatez do ser-junt;o-de-si, pensante, contém corporeidade
(falta-de-hãbito e longa continuação do pensar produz dor-de-ca-
beça); o hábito diminui essa sensação^ ao fazer da determinação
natural uma determinação da alma.(Mas o hábito desenvolvido
e exercitado na esfera do espírito como tal é a recordação e a
memória, e há de ser considerado posteriormente.
Costuma-se falar do hábito rebaixando-o, tomando-o como
algo não-vivo, contingente e particular. Sem dúvida, conteúdo
totalmente contingente é suscetível de revestir a forma do
hábito, como qualquer outro; e é o hábito da vida que acarreta
a morte, ou, se [entendido] de modo totalmente abstrato, é a
morte mesma. Mas, ao mesmo tempo, o hábito é o que há de
mais essencial para a existência de toda a espiritualidade no
sujeito individual, a fim de que o sujeito seja enquanto ime­
diatez concreta, enquanto idealidade da-almar, a fim de que o
conteúdo religioso, moral etc. lhe pertença como a este Si, como
a esta alma; e que não sçja nele nem simplesmente em s i (co­
mo disposição), nem como passageira sensação ou represen­
tação, nem como interioridade abstrata, cortado do agir e da
efetividade, mas [que seja] em seu ser. Nas considerações
científicas da alma e do espírito, costuma-se passar por cima
do hábito, ou como [se fcsse] algo desprezível, ou antes porque
pertence às determinações mais difíceis.
Adendo: Estam os habituados i representação do hábito; no entanto, é
difícil a determ inação do seu coueito. Q uerem os por isso dar aqui ainda
alguns esclarecim entos sobre ess; conceito.
Em prim eiro lugar, deve-se nostrar a necessidade da progressão dialética
desde a dem ência (exam inada no § 408) até o hábito (tratado nos $$ 409
e 410). Por último, lembramos que no delírio a alma tem o empenho de
se restabelecer da contradição existente entre sua consciência objetiva e
sua representação fixa, para [chegar à] perfeita harmonia do espírito. Essa
restauração tanto pode fracassar como pode ter êxito. Para a alma singular,
atingir o sentimento-de-si, livre e harmonioso em si mesmo, aparece como
algo contingente. Mas em si o absoluto libertar-se do sentimento-de-si, o
imperturbável ser-junto-de-si da alma em toda a particularidade do con­
teúdo dela, é algo absolutamente necessário; porque em si a alma é a
idealidade absoluta, o que pervade todas as suas determinidades; e em
seu conceito reside que, pela suprassunção das particularidades, que nela se
tomaram fixas, ela se demonstre como a potência ilimitada [imperando]
sobre elas; que ela rebaixe o que nela é ainda imediato, essente, a uma
simples propriedade, a um simples momento; para vir-a-ser, por essa negação
absoluta, como livre individualidade para si mesma. Ora, na certa já tivemos
a considerar, na relação da alma humana a seu gênio, um ser-para-si do
Si. Mas naquele ponto esse ser-para-si tinha ainda a forma da exteriori­
dade, da separação em duas individualidades, em um Si dominante e em
um Si dominado; e, entre esses dois lados, não se encontrava nenhuma
oposição terminante, nenhuma contradição, de modo que o gênio, essa in­
terioridade determinada, vinha a manifestar-se sem obstáculo no indivíduo
humano. Pelo contrário, no grau até onde temos prosseguido agora no
desenvolvimento do espírito subjetivo, chegamos a um ser-para-si da alma
que é efetuado pelo conceito dela, mediante a vitória sobre a contradição
interior do espírito, existente na demência, por meio da suprassunção do
dilaceramento total do Si. “Esse ser-junto-de-si-mesmo”, nós o chamamos
hãbito. No hábito a alma, que não é mais prisioneira de uma representação
particular apenas subjetiva e expulsa por ela do centro de sua efetivida­
de concreta, acolheu tão completamente em sua idealidade o conteúdo
imediato e singularizado que a ela chegou, e nela tão completamente
habitou, que ali se move com liberdade. E que enquanto, especialmente
na simples sensação, afeta-me de modo contingente ora isto, ora aquilo, e
nessa sensação (como também nas outras atividades espirituais, enquanto
não forem ainda algo de costumeiro para o sujeito) a alma está submersa
ainda em seu conteúdo; perde-se nele a alma, não sente seu Si concreto.
Ao contrário, no hábito o homem não se refere a sua sensação, represen­
tação, desejo etc., contingentes, singulares, mas a si mesmo, a uma maneira
universal de agir que constitui sua individualidade, posta por ele mesmo e
que se lhe tornou própria', e justamente por isso aparece como livre. No
entanto, o universal a que a alma no hãbito se r e fe r e — d ife r e n te m e n t e do
m ' murctumentc universal que p o r si mesmo s e d e t e r m in a , e in ic ia lm e n te
só existe para o puro pensamento — é apenas a universalidade abstrata
produzida pela reflexão [a partir] da repetição de muitas singularidades. Só
a esta forma do universal pode chegar a alma natural que se ocupa com
o imediato; portanto com o singular. Mas o universal que se refere às
singularidades exteriores umas às outras é o necessário. Por isso, embora o
homem por um lado se torne livre por força do hábito, por outro lado
ele faz do homem seu escravo. O hábito é uma natureza: certamente não
imediata, primeira,, dominada pela singularidade das sensações, mas antes
uma segunda natureza, posta pela alma. No entanto, é sempre uma natureza,
algo posto que reveste a figura de um imediata, uma idealidade do essente
que é ainda afetada, ela mesma, pela forma do ser, por conseguinte algo
não correspondente ao espírito livre, algo simplesmente antropológico.
Quando a alma — como foi acima indicado —, pela superação de
seu dilaceramento, de sua contradição interior, se tomou uma idealidade
que a si mesma se refere, [então] separou de si sua corporeidade antes
imediatamente idêntica com ela, e exerce, ao mesmo tempo, a força de
sua idealidade no [ser] corporal assim liberado para a imediatez. Desse
ponto de vista não temos, pois, a considerar a separação indeterminada
entre um interior em geral e um mundo encontrado por aí; mas sim o
subjugar dessa corporeidade à dominação da alma. Essa subjugação da
corporeidade constitui a condição do libertar-se da alma, de seu aceder à
consciência objetiva. [Sem dúvida, em si, a alma individual jã está corpo­
ralmente fechada: como [ser] vivo, eu tenho um corpo orgânico, e este
não me é algo estranho', antes, pertence à minha ideia, é o ser-aí imediato,
exterior, de meu conceito, constitui minha singular vida-natural. Deve-se
pois — diga-se de passagem — declarar como completamente vazia a
representação dos que acreditam que, a bem dizer, o homem não deveria
ter corpo orgânico algum, pois é forçado por ele a cuidar da satisfação
de suas necessidades físicas; portanto, é retirado de sua vida puramente
espiritual e tomado incapaz de sua verdadeira liberdade. Dessa oca ma­
neira de ver, já o homem religioso espontâneo permanece longe, ao ter
a satisfação de suas necessidades corporais por dignas de se tornarem
objeto de sua prece dirigida a Deus, ao Espírito eterno.
Mas a filosofia tem de conhecer como o espírito só é p>ara si mesmo
porque opõe a si o material — de uma parte, enquanto sua corporeidade
própria, de outra parte como um mundo externo em geral — e reconduz
o [que foi] assim diferenciado â unidade consigo, mediatizada pela opo­
sição e pela suprassunção dela. Entre o espírito e o seu corpo próprio,
encontra-se, de maneira natural, uma ligação ainda mais íntima que [a
existente] entre o resto d o m u n d o externo e o espírito. Justamente devido
a essa ligação necessária de meu corpo com a minha alma, a atividade
exercida pela alma sobre o corpo não é uma atividade finita, uma ativi­
dade meramente negativa. Antes de tudo devo, pois, afirmar-me nessa
harmonia imediata de minha alma e do meu corpo, não preciso fazer
como por exemplo os atletas e os acrobatas, o fim-em-si [Selbstzweck],
mas preciso conceder seu direito ao meu corpo, preciso conservã-lo sadio
e forte; não posso, assim, tratã-lo desdenhosamente e hostilmente. Preci­
samente pelo desprezo, ou mesmo pelos maus-tratos de meu corpo, eu
me poria para com ele na relação da dependência e da necessidade
[Notw.] exterior da conexão: pois, dessa maneira, eu faria dele — apesar
de sua identidade comigo — algo negativo para mim, por conseguinte
hostil, e o obrigaria a revoltar-se contra mim, a tomar vingança de meu
espírito. Se, ao contrário, eu me comporto segundo as leis do meu or­
ganismo corporal, minha alma é livre no seu corpo.
Contudo, a alma não pode ficar nessa unidade imediata com seu cor­
po. A forma da imediatez dessa harmonia contradiz o conceito da alma,
sua determinação de ser uma idealidade que se refere a si mesma. Para
corresponder a esse seu conceito, deve a alma fazer o que não fez ainda
do nosso ponto de vista: [fazer] dessa identidade com seu corpo uma
identidade posta pelo espírito ou mediatizada; tomar seu corpo em posse;
modelá-lo em instrumento dócil e apto de sua atividade; transformá-lo de
modo que nele a alma se refira a si mesma, de modo que seu corpo se
tome um acidente trazido a uníssono com a substância da alma, [com]
a liberdade. O corpo é o meio-termo pelo qual me reúno com o mundo
externo, em geral. Portanto, se quero efetivar meus fins, devo tomar meu
corpo capaz de trasladar esse subjetivo para a objetividade externa. Por
natureza, meu corpo não é apto para isso; antes, ele só faz imediatamente
o que é conforme â vida animal. Mas as operações meramente orgânicas
não são ainda operações exercidas por instigação de meu espírito. É pre­
ciso que meu corpo seja primeiro formado para esse serviço. Enquanto
nos animais o corpo, obedecendo ao instinto deles, realiza imediatamente
tudo o que se toma necessário devido à ideia do animal, o homem, ao
contrário, deve primeiro por meio de sua atividade fazer-se senhor do
seu corpo. No começo, a alma humana penetra seu corpo só de uma
maneira totalmente indeterminada. A fim de que essa penetração se tome
uma penetração determinada, requer-se cultura. Antes de tudo, o corpo
se mostra nisso indócil para com a alma, não tem segurança nos mo­
vimentos, dá-lhes uma força ora excessiva, ora demasiado pouca para o
fim determinado a realizar. A medida certa dessa força só pode ser al­
cançada quando o homem dirige uma reflexão particular s o b r e todas as

174
variada» círcuuiitânotii de exterior em que quer realizar «eu» fln», c mede.
conforme as circunatftncIttXi todo* os movimentos singulares do seu corpo.
Por isso mesmo o talento pronunciado só pode alcançar logo sempre o
que é certo na medida cm que é formado tecnicamente.
Q uando são repetidas muitas vezes as atividades do corpo a serem
exercidas no serviço do espírito, elas alcançam um grau cada vez mai»
elevado de adequação, porque a alma adquire uma familiaridade sempre
maior com as circunstâncias a serem ali levadas em conta, por isso está
sempre mais ã vontade em suas exteriorizações; em consequência, alcança
uma capacidade sempre crescente de corporificação imediata de suas de­
terminações interiores, e assim transforma cada vez mais o corpo em sua
propriedade, em seu instrumento utilizável, de modo que por isso nasce
um a relação mágica, um a influência imediata do espírito sobre o corpo.
Mas enquanto as atividades singulares do homem adquirem por seu
exercício reiterado o caráter de hábito, a forma de algo recebido na recor­
dação, na universalidade do Interior espiritual, a alma traz para suas exte­
riorizações uma maneira universal de agir, transmissível também a outro»,
um a norma. Esse universal é algo de tal modo concentrado em si mesmo
até à simplicidade, que nele eu não tenho mais consciência das diferenças
particulares de minhas atividades espirituais. Que isso seja assim, vemos,
po r exemplo, na escrita. Quando aprendemos a escrever, devemos então
dirigir nossa atenção sobre tudo o que é singular, sobre uma multidão
enorm e de mediações. Quando, pelo contrário, a atividade da escrita se
nos tom ou habitual, nosso Sí se assenhoreou tão completamente de todas
as singularidades respectivas, contaminou-as tanto com sua universalidade,
que elas não estão mais presentes como singularidades, e nós só temo» em
vista seu universal Vemos por isso que no hábito nossa consciência está
ao mesm o tem po presente na coisa, interessada nela, e contudo, inversa­
mente, ausente dela, indiferente por ela — que nosso Si tanto se apropria
da Coisa quanto, ao contrário, dela se retira\ que a alma, de um lado,
penetra inteiramente em suas exteriorizações e, de outro lado, as abandona;
[e] lhes dá a figura de algo mecânico, de um simples efeito-natural.

c — A alma efetiva

§ 411
A alma é, enquanto sujeito singular para si, em sua corporeidade
totalmente modelada, e de que ela se apropriou; e a corporeidade é
assim exterioridade, enquanto predicado no qual o sujeito só se refere

175
a si mesmo. Essa exterioridade mio representa a ií, mtts á alma, e 6
seu signo/ A alma é ejètrva enquanto é essa unidade do interior com o
exterior, o qual lhe está sujeito: tem, em sua corporeidade, sua figura
livre na qual se sente e se dã a sentir; que tem, como obra de arte
da alma, um a expressão hum ana — patognôm ica e fisiognômica.
Pertencem, de m odo geral, à expressão hum ana, por exemplo,
a forma ereta; em particular a conformação da mão, com o do
instm m ento absoluto, da boca; o rir, o chorar etc.; e o tom
espiritual difiindido sobre o todo, que faz conhecer o corpo
imediatam ente com o exterioridade de um a mais alta natureza.
Esse tom é um a modificação tão leve, indeterm inada e indizível,
porque a figura é algo imediato e natural, segundo sua exterio­
ridade, e por esse m otivo só pode ser um signo indeterm inado e
totalm ente imperfeito para o espírito, e não é capaz de o repre­
sentar tal com o é para si mesm o enquanto é um universal. Para
o animal, a figura hum ana é o [modo] supremo com o o espírito
lhe aparece. M as para o espírito ela é som ente a sua prim eira
aparição, e a linguagem,, logo a seguir, sua expressão perfeita. A
figura, decerto, é sua existência mais próxima, mas, ao mesm o
tempo, em sua determ inidade fisiognômica e patognômica, é
algo contingente para ele; querer elevar a fisiognomia e, mais
ainda, a cranioscopia a ciências foi um a das ideias mais ocas;
ainda mais ocas que um a “signatura reruni” segundo a qual se
deveria conhecer pela forma das plantas sua força curativa.

Adendo: Como foi anteriormente indicado (no § 390), de maneira


assertória, a alma efetiva forma a terceira e última seção principal da An­
tropologia. Começamos a consideração antropológica com a alma apenas
essente, ainda inseparada de sua determinidade natural passamos em seguida,
na segunda seção principal, ã alma que-separa de si mesma seu ser imediato
e essente para si de modo abstrato nas determinidades desse ser, isto é, a
alma-que-sente. Chegamos agora à terceira seção principal, como já foi
indicado, à alma ulteriormente desenvolvida, [a partir] dessa separação [até]
a unidade mediatizada com sua naturalidade, essente para si de maneira
*onereta em sua corporeidade: portanto, à alma efetiva. A passagem a esse
gnui-de-desenvolvimento é constituída pelo conceito de hábito, considerado
nu parágrafo precedente. Pois, como vimos, as determinações ideais da alma
recebem no hábito a forma de um essente, de um “exterior-a-si-mesmo”\ e

m
invenuuncnic u corportkkuie, do «eu lado, tormwtc algo penetrado «em
resistência pela alma, a lg o submetido à força — que se tornou livre — da
idealidade da alma. Dctutc modo nasce uma unidade daquele interior c daquele
exterior; mediatizada pela separação entre a alma e sua corporeidade, e pela
suprassunção dessa separação. Essa unidade — que de unidade produzida
se toma unidade imediata —, nós a chamamos a efetividade da alma.
No ponto assim alcançado, o corpo já não entra em consideração
segundo o lado do seu processo orgânico, mas somente na medida em que
é algo exterior, posto [como] ideal, mesmo em seu ser-aí; e a alma,
que nele não está mais limitada à corporificação involuntária de suas sen­
sações interiores, vem a manifestar-se com tanta liberdade quanto [a que]
conquistou até agora pela superação do que contradiz sua idealidade.
Na primeira seção principal da Antropologia (conclusão, § 401) foi
considerada a corporificação involuntária das sensações interiores, que
por um lado é algo comum ao homem e aos animais. Ao contrário, as
corporificações de que se vai tratar agora — que se dão com liberdade
— conferem ao corpo humano uma marca espiritual tão peculiar, que por
ela o homem se diferencia dos animais muito mais do que por qualquer
simples determinidade natural. Segundo seu lado puramente corporal, o
homem não é muito diferente do macaco; mas pela aparência, penetrada
de-espírito, de seu corpo diferencia-se a tal ponto desse animal, que entre
o aspecto do macaco e o de um pássaro há uma menor diferenciação
que entre o corpo do homem e o do macaco.
Mas a expressão corporal incide principalmente naface, porque a cabeça
é a sede propriamente dita do espiritual. No resto do corpo, pertencente
mais ou menos à naturalidade enquanto tal, e por isso vestido entre o t
povos civilizados por pudor, o espiritual se manifesta particularmente pela
compostura do corpo. Por isso ela foi (diga-se de passagem) tomada muito
particularmente em consideração pelos artistas da Antiguidade nas suas
representações, porque eles traziam à contemplação o espírito, de prefe­
rência, em sua expansão na corporeidade. Quando a expressão corporal é
produzida pelos músculos da face tem o nome de mímica do rosto, como
bem se sabe; os gestos, no sentido estrito, procedem do resto do corpo. O
gesto absoluto do homem é a posição ereta: só ele se mostra capaz dessa
posição, enquanto mesmo o orangotango só consegue ficar em pé apoian­
do-se em um bastão* O homem não é ereto por natureza, por origem; ele
mesmo se põe de pé pela energia de sua vontade; e, embora sua posição
ereta, depois que se tornou habitual, não precise mais de outra atividade
tensa da vontade, deve ficar sempre penetrada por nossa vontade, se não
queremos de repente cair no chão. O braço, e em particular a mão do

177
homem, é igualmente algo que lhe é característico: nenhum animal tem
um instrumento tão móvel de sua atividade [orientada] para foru. A mão
do homem, esse instrumento dos instrumentos, é apta a servir a uma infinita
multidão de exteriorizações da vontade. Em regra, gesticulamos primeiro
com a mão; depois com o braço inteiro e o resto do corpo.
A expressão por mímicas do rosto e gestos oferece um objeto interes­
sante para o exame. Contudo, muitas vezes não é de todo fácil descobrir
a natureza simbólica determinada de certas expressões fadais e mímicas, a
ligação de sua significação com o que são em si. Queremos falar, aqui, não
de todos os fenômenos atinentes a isso, mas só dos mais habituais. A
inclinação da cabeça — para começar com ela — significa uma afirmação,
porque damos a conhecer por ela uma espécie de submissão. O testemunho
de respeito do recurvar-se ocorre entre nós, europeus, em todos os casos,
somente com a parte superior do corpo, porque não queremos nesse
gesto renunciar à nossa autonomia. Ao contrário, os orientais exprimem
sua veneração pelo senhor ao se lançarem por terra diante dele; não se
lhes permite olhá-lo nos olhos, porque assim afirmariam seu ser-para-si;
mas só o senhor tem o direito de olhar livremente por sobre o servo e
o escravo. O sacudir da cabeça é um negar, pois assim indicamos um fa zer
cambalear,; um deitar abaixo. O jogar para cima a cabeça exprime desprezo,
um elevar-se sobre alguém. Franzir o nariz sinaliza um nojo, como diante
de algo fedorento. Franzir a testa anuncia um ser-mau, um fixar-se em
si mesmo contra Outrem. Fazemos um rosto comprido quando nos vemos
decepdonados em nossa expectativa; porque nesse caso nos sentimos
como desfeitos. Os gestos mais expressivos têm seu lugar na boca e ao
seu redor, porque a exteriorização da palavra procede dela e traz consigo
as mais diversas modificações dos lábios. No que diz respeito às mãos,
erguê-las apertando contra a cabeça exprimindo espanto é de certo modo uma
tentativa de se sustentar sobre si mesmo. O apertar na mão por ocasião
de uma promessa indica, como facilmente se vê, um ter-se chegado a um
acordo. Também o movimento das extremidades inferiores, o andar,; é muito
significativo. Antes de tudo mais, o andar deve ser educado; a alma deve
trair nele seu domínio sobre o corpo. Contudo, não são apenas a cultura
ou a sua ausência, mas também de um lado negligência, afetação, vaidade
etc., e de outro lado boa ordem, modéstia, inteligência, franqueza etc.,
que se exprimem na maneira peculiar do andar, de forma que se pode
facilmente distinguir, uns dos outros, os homens pelo andar.
Aliás, o homem cultivado tem menos vivacidade de mímica do rosto
e de gestos que o homem não cultivado. Assim como impõe tranquilidade
Atormenta interior de suas paixões, assim também observa exteriormente

17H
uma compostura tranquila, e dá á corporificaçâo voluntária de suas sensa­
ções certa medida média; quando, ao contrário, o homem não cultivado,
sem poder sobre seu interior, acredita que não pode fazer-se entender de
outro modo que por um luxo de mímicas faciais e gestos; mas assim, Aa
vezes, é levado a fazer caretas, e desse modo adquire um aspecto cómico
porque na careta o interior se faz logo totalmente exterior, e o homem
deixa então passar cada sensação singular para o seu ser-aí completo;
por conseguinte, quase como um animal, mergulha exclusivamente nessa
sensação determinada, O homem cultivado não precisa ser pródigo de
mímicas da face e gestos: possui na palavra o meio mais digno e mais
apropriado de exprimir-se, porque a linguagem pode imediatamente receber
e devolver todas as modificações da representação; motivo pelo qual os
antigos foram mesmo ao extremo de fazer entrarem cena seus atores com
máscaras, e assim — contentando-se com essa fisionomia imóvel de um
caráter — renunciar totalmente ao jogo-mímico facial vivo dos artistas.
Ora, como as corporificações voluntárias (aqui discutidas) do espiri­
tual se tomam por meio do hábito algo mecânico, algo que não precisa
de particular tensão da vontade, assim também, inversamente, algumas
corporificações involuntárias (examinadas no § 401) do que é sentido pela
alma podem efetuar-se ao mesmo tempo com consciência e liberdade. A isso
pertence, antes de tudo, a voz humana; ao tomar-se linguagem, deixa de Wtr
uma exteriorização involuntária da alma. Igualmente o riso, sob a forma
de “rir dê’ [Auslachen], toma-se algo produzido com liberdade. Também
o suspirar é menos algo insopitável do que, antes, voluntário. Aqui reside
a justificação da discussão, em dou lugares, das exteriorizações da almil
hã pouco mencionadas, por ocasião tanto da alma que simplesmente sente
como da alma efetiva. Por isso, já no § 401, também se aludiu a que,
entre as corporificações involuntárias do espiritual, hã muitas que tocam
ao patognômico e ao fisiognômico (de que se teve de tratar de novo no
§ 411 apresentado acima). A diferença entre as duas determinações é que
a expressão “patognômico" se refere mais a paixões passageiras, enquanto,
ao contrário, a expressão “fisiognômico” concerne ao caráter, portanto a
algo permanente. No entanto, o patognômico se toma fisiognômico quando
as paixões em um homem não dominam só de modo passageiro, mas dc
modo durável. Assim, por exemplo, a paixão permanente da cólera se grava
fixamente no rosto; assim também um caráter devoto se imprime no rosto
e em toda a compostura do corpo, pouco a pouco, indelevelmente.
Cada homem tem um aspecto fisiognômico; à primeira vista aparece
como uma personalidade agradável ou desagradável, forte ou fraca. Segundo
essa aparência, faz-se sobre os outros, instintivamente, um primeiro juízo

179
universal, Contudo, newte cano, o erro é fucilmente pnMfvd, porque cmc
exterior afetado, predominantemente, peio caráter da imediutez mio cor­
responde perfeitamente ao espírito, mas só [lhe corresponde] em maior
ou menor grau; por isso o exterior, antipático como simpático, pode
ter por trás dele outra coisa além do que deixa inicialmente presumir.
A expressão bíblica “Guarda-te de quem Deus marcou” é muitas vezes
mal-empregada; e o juízo baseado na expressão fisiognômica tem, pois,
só o valor de um juízo imediato que tanto pode Ser sem verdade como
ser verdadeiro. Por essa razão se deixou de dar a consideração exagerada
que antes se teve pela fisiognomia quando Lavater fazia grande barulho
com ela, e quando dela se prometia o ganho mais considerável para o
conhecimento dos homens, que é tão altamente valorizado. O homem
é muito menos conhecido por sua aparência externa do que o é, bem
melhor, por suas ações. Mesmo a linguagem está exposta ao destino de
servir tanto à ocultação como à revelação dos pensamentos humanos.

§ 412
Em si\ a matéria não tem na alma verdade alguma; a alma, enquan­
to essente-para-si, separa-se do seu ser imediato, e o contrapõe a si
como corporeidade que nenhuma resistência pode opor â introjeção
da alma nela. A alma, que opôs a si mesma o seu ser, o suprassumiu
e determinou como [sendo] o seu; perdeu a significação da alma,
da im ediatez do espírito. A alma efetiva, no hábito do sentir e de
seu concreto sentimento-de-si, é em si a idealidade, essente para si,
de suas determinidades: na sua exterioridade, interioriza-se \erinneri\
em si, e é relação infinita para consigo mesma. Esse ser-para-si da
livre universalidade é o mais alto despertar da alma, para [fazer-se]
E u, para a universalidade abstrata, enquanto ela existe para a uni­
versalidade abstrata, que é assim pensar e sujeito para si; na verdade,
determinadamente sujeito do seu juízo no qual o Eu exclui de si
mesmo a totalidade natural de suas determinações, como um ob­
jeto, um mundo externo a ele; e se lhe refere de modo a ser, nesse
mundo, imediatamente refletido sobre si: [é] a consciência.
Adendo: A introjeção da alma em sua corporeidade — considerada
nos dois parágrafos anteriores — não é absoluta, nem suprassume com­
pletamente a diferença da alma e do corpo. A natureza da ideia lógica,
que tudo desenvolve [a partir] de si mesma, exige antes que essa diferen­
ça mantenha seu direito. Por isso algo permanece em sua corporeidade

180
purumcntc orgânico, c portanto subtraído 110 poder du alma, de modo
que a introjeção da alma no seu corpo 6 somente um lado deste. A
alma, chegando ao sentimento dessa limitação de seu poder, reflete-se
sobre si mesma, e projeta fora de si a corporeidade como algo que lhe
é estranho. Por essa reflexão-sobre-si o espírito completa sua libertação dtt
forma do ser,; dã a si mesmo a forma da essência, e se torna o Eu. Sem
dúvida, a alma, na medida em que é subjetividade ou ipseidade, já é, em
si, [um] Eu. Mas à efetividade do Eu pertence mais que a subjetividade
imediata, natural da alma; pois o Eu é este universal, este simples, que em
verdade só existe quando tem a si mesmo por objeto, quando veio-a-ser
o ser-para-si do simples no simples, a relação do universal ao universal. O
universal, referindo-se a si mesmo, não existe em lugar algum fora do Eu.
Na natureza externa, como já se disse na Introdução à Doutrina do Espí­
rito Subjetivo, só pelo aniquilamento do ser-aí singular o universal chega á
suprema ativação de seu poder; portanto, não chega ao serfara-si efetivo.
Também a alma natural é, antes de tudo, somente a possibilidade real desse
ser para si. Somente no Eu essa possibilidade se torna efetividade. Nele,
pois, se produz um despertar de uma espécie superior à do despertar natural
limitado ao simples sentir do singular; porque o Eu é o raio que transpassa
a alma natural e consome sua naturalidade; por isso no Eu a idealidade
da naturalidade, portanto a essência da alma, vem-a-ser para a alma.
^ Todo o desenvolvimento antropológico do espírito impele para essa meta.
^Olhando para trás em sua direção, recordamos como a alma do homem*
diferentemente da alma animal, que fica submersa na singularidade e limi­
tação da sensação, elevou-se acima do conteúdo limitado — que contradiz
sua natureza em si infinita — do que é sentido; pôs o mesmo [como] ideal,
fez dele, particularmente no hábito, algo universal, rememorado, totah um ser.!
Mas justamente por isso a alma encheu o espaço, inicialmente vazio, de sua
interioridade, com um conteúdo conforme a ela por sua universalidade, pôs
em si mesma o ser, assim como, de outro lado, transformou seu corpo em
imagem de sua idealidade, de sua liberdade, e por conseguinte chegou ao
universal que a si mesmo se refere,, individualmente determinado, que está pre­
sente no Eu: uma totalidade abstrata, essente para si, libertada da corporeidade.
Enquanto, na esfera da alma que simplesmente sente, o Si aparece na figura
do gênio, enquanto é um poder atuante sobre a individualidade existente
somente como [vindo] de fora — e, ao mesmo tempo, somente como [vindo]
de dentro —, ao contrário, no grau de desenvolvimento agora atingido pela
alma, como se mostrou antes, o Si se efetivou no ser-aí da alma, em sua
corporeidade, e inversamente pôs, em si mesmo, o ser; de forma que agora
o Si ou o Eu se intui a si mesmo em seu Outro e é esse intuir-se.

181
B

A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO

A consciência

§ 413
[A consciência co n stitu i o grau d a reflexão ou da relação
do espírito: do espírito com o fenôm eno■o Eu é a relação infinita do
espírito a si mesmo, mas com o relação subjetiva, com o certeza de s i
mesmo. A identidade im ediata da alma natural é elevada a essa
identidade ideal pura consigo; o conteúdo daquela é, para essa re­
flexão essente para si, objeto. A pura liberdade abstrata, por si, deixa
sair sua determinidade, a vida natural da alma, para fora de si, com o
objeto tão livre quanto autônomo\ e é desse objeto, com o exterior a
ele, que o Eu sabe, antes de mais nada; e assim é consciência. O
Eu, enquanto é essa negatividade absoluta, é em si a identidade no
ser-outro; o Eu é, ele mesmo, e pervade o objeto com o objeto
suprassumido em si; é um dos lados da relação, e é a relação toda,
a lu z que manifesta a si m esm a e ainda manifesta outra coisa.)

Adendo: Como se notou no Adendo ao parágrafo anterior, o Eu deve


ser compreendido como o universal individualmente determinado, que na
sua determinidade só se refere a si mesmo. Nisso já está incluído que o Eu
é, imediatamente, relação negativa a si mesmo, por conseguinte o contrário
não mediatizado de sua universalidade, abstraída de toda determinidade;
portanto, é u singularidade tgiiNlmrntc abstrata, simples, N flo « o m o s s im p le s ­
mente nós — os q u e examinamos — a diferenciar assim o Ku, e m s e u s
momentos o p o s t o s ; m u s, c m virtude de sua singularidade, em si- u n iv e r s a l,
portanto diferente de si mesma, o Eu mesmo é esse “diferenciar-se-dc-si">
porque, enquanto referindo-se a si, sua singularidade exclusiva se e x c lu i
de si mesma — portanto, se exclui da singularidade — e se p õ e a s s im
como o contrário dela mesma, que está com ela imediatamente c o n c lu í­
do: [põe-se] como universalidade. Mas a determinação, e s s e n c ia l a o E u ,
da singularidade abstratamente universal constitui seu ser,: E u e meu se r
somos, pois, inseparavelmente unidos um ao outro: a diferença de m e u
ser em relação a mim é uma diferença-que não é diferença a lg u m a . N a
verdade é preciso, de um lado, diferenciar-se do Eu o ser — e n q u a n to
é o absolutamente imediato, indeterminado, indiferenciado — do pensar q u e
a si mesmo se diferencia, e consigo mesmo se mediatiza pela suprassunção d a
diferença. Contudo, de outro lado, o ser é idêntico ao pensar, pois e s t e
retorna de toda a mediação à imediatez, de toda a sua autodiferenciaçflo
à unidade imperturbável consigo mesmo. Portanto, o Eu é ser, ou o te m
como momento em si mesmo. Enquanto ponho esse ser como um Outro
em contraste comigo, e ao mesmo tempo idêntico a mim, eu sou saber e
tenho a absoluta certeza do meu ser) Não pode essa certeza, como a c o n ­
tece do lado da simples representação, considerar-se como uma e s p é c ie d e
propriedade do Eu, como uma determinação [feita] na sua natureza, m a a
antes deve ser apreendida como a natureza mesma do Eu. Com e f e ito , o
Eu não pode existir sem diferenciar-se de si, e estar junto de si mesmo n o
[que é] diferenciado dele; o que justamente significa: sem saber de si, sem
ter — e sem ser — a certeza de si mesmo. A certeza se refere, por is s o ,
ao Eu como a liberdade à vontade\ Como aquela constitui a natureza do
Eu, esta constitui a natureza da vontade. Mas a certeza deve comparar-se,
antes de tudo, à liberdade subjetiva, ao livre-arbítrio: somente a certeza
objetiva — a verdade — corresponde à autêntica liberdade da vontade.
O Eu certo de si mesmo é assim, no começo, ainda o subjetivo total­
mente simples, a liberdade totalmente abstrata, a completamente indeterminada
idealidade ou negatividade de toda a limitação. Repelindo-se de si mesmo,
o Eu chega pois, antes de tudo, apenas a algo diferenciado dele formalmente,
e não efetivamente, Mas, como se mostrou na Lógica, deve ser posta tam­
bém a diferença em si essente; desenvolvida em uma diferença efetiva. Esse
desenvolvimento resulta, em relação ao Eu, de modo que este — não re­
caindo no antropológico, na unidade inconsciente do espiritual e do natural,
mas permanecendo certo de si mesmo e mantendo-se em sua liberdade
— faz seu Outro desdobrar-se em uma totalidade igual à totalidade do E u ,

183
• p m lm im c n t c uiuiim tm n s íb r m iM * , ilc u lg o c o r p ó r e o fm trm rnte A alma, c m
Migo q u e nc v e m wlocarpemnte clu , c o m o autónomo: c m u m objeto n o .sen tid o
p r ó p r io d a p alav ra , p o r q u e o E u é , d e in ic io , a p e n a s o s u b je tiv o to ta lm e n t e
titw lrato, o “d ife r e n c ia r -s e -d e -s i” p u r a tn e n te fo rm a l, s e m c o n te ú d o ; a ss im a
d í(c r e n ç a efetiva, o conteúdo determinado e n c o n tr a - s e fo ra d o E u , p e r te n c e s ó
a o objeto. Mas porque, em si, o E u tem já a d ife r e n ç a dentro de si mesmo, ou,
c o m o u tr a s palavras, porque é, em si, a unidade de si e de seu Outro, o E u
Ç necessariamente referido à diferença existente no objeto, e é imediatamente
refletido sobre si mesmo [a partir] desse seu Outro. O Eu pervade assim o
efòtivamente diferente dele; ele está, nesse seu Outro, junto de si mesmo, e
permanece, em toda intuição, certo de si mesmo. Somente quando chego
a ponto de me apreender como Eu, o Outro se me toma objetivo: põe-se
perante mim, e ao mesmo tempo é posto idealmente por mim, e por isso
reconduzido à unidade comigo. Por este motivo, o Eu foi comparado à luz
no parágrafo anterior. Como a luz é a manifestação de si mesma e de seu
Outro — das trevas — e só pode revelar-se ao revelar esse outro, assim
também o Eu só é manifesto a si mesmo na medida em que seu Outro se
lhe toma manifesto na forma de algo independente dele.
Dessa análise geral da natureza do Eu, já se evidencia suficientemente
que este, por entrar em conflito com os objetos externos, é algo superior
â alma natural impotente, presa à unidade — por assim dizer, infantil
— com o mundo; nela incidem, justamente por essa impotência sua, os
estados doentios do espírito, antes considerados por nós.

§ 414
A identidade do espírito consigo mesm o, com o ela prim eiro foi
posta — enquanto Eu —, é apenas a idealidade abstrata, formal,
do espírito. Com o alma, na form a de universalidade substancial, o
espírito é agora a reflexão subjetiva sobre si mesm o, referida a essa
substancial idade com o ao negativo de si, [que é] para ele algo
além, e tenebroso. A consciência é, pois, com a relação em geral, a
contradição entre a autonom ia dos dois lados, e a sua identidade em
que estão suprassumidos. Enquanto Eu, o espírito é essência; mas
enquanto, na esfera da essência, a realidade é com o im ediatam ente
essente, e ao mesm o tem po com o idealm ente posta, o espírito é,
com o consciência, som ente o aparecer do espírito.

Adendo: A negatividade que o Eu totalmente abstrato, ou a simples cons­


ciência, exerce sobre seu Outro é uma negatividade ainda completamente

184
m tle te r m im u lw , ftu p e r fld il, n l o u h itolu tii. D tili n uttcc. d efin e p o n t o d e vlutu, u
amtmdição de que o o b j e t o , por mn lu d o , está em mim, c, por o u t r o la d o ,
fora de mim tem uma « u h sin tO n n a tão autónoma quanto [tômj as trevos
fora da luz. () objeto apurccc á consciência não como posto pelo E u , ma»
como imediato, essente; dado; pois ela ainda não sabe que o objeto em si
é idêntico ao espírito, e só por meio de uma autocisão do espírito ele é
liberado para uma independência aparentemente completa. Somente nós
sabemos que é assim, nós que penetramos até a ideia do espírito, e n o s
elevamos por isso acima da identidade formal, abstrata do Eu.

§ 415
Já que [o] Eu só é para s i com o identidade formal, então o m o­
vimento dialético do conceito — a determinação progressiva da cons­
ciência — não é, para ele, como atividade sua, mas é em si; e para
ele é m udança do objeto. A consciência parece, pois, diversamente
determinada segundo a diversidade do objeto dado, e sua formação
progressiva aparece com o um a m udança das determinações do seu
objeto, [O] Eu, o sujeito da consciência, é pensar: a determinação
lógica progressiva do objeto é o idêntico no sujeito e no objeto*, sua co­
nexão absoluta, aquilo segundo o qual o objeto é o seu do sujeito.
A filosofia kantiana pode ser considerada, com todo o rigor,
a filosofia que apreendeu o espírito com o consciência e que
contém só e unicam ente as determ inações da fenomenologia,
e não da filosofia do espírito. Ela considera [o] Eu com o rela­
ção a algo que está além, que se chama, na sua determ inação
abstrata, a coisa em si, e só segundo essa finitude apreende
tanto a inteligência com o a vontade. Se no conceito da facul­
dade de julgar reflexiva tal filosofia chega na verdade à ideia
do espírito, à “subjetobjetividade” [subjekt-objektivitãt], a um
entendimento intuitivo etc., com o tam bém à ideia da natureza,
essa ideia m esm a é de novo rebaixada a um fenômeno, isto é,
a um a máxima subjetiva (no § 58, Introdução). Por isso pode-se
ver com o [sendo] um sentido correto dessa filosofia o que foi
entendido por Reinhold com o um a teoria da consciência, sob o
nom e de faculdade de representação1. A filosofia de Fichte tem o

1. Karl Leonhard Reinhold — Versuch Einer Neuen Theorie des menschlichen Vors-
tellungsvermõgens, Prag und lena, 1789.

185
m e n i n o ponto d e v in tii, e o n f lo - K u é determ inado c o m o objeto
do Ku, só na consciência e l e perm anece com o choque infinito,
isto é, com o coisa-em -si. (A s duas filosofias mostram, portanto,
que elas nem chegam ao conceito nem ao espírito tal c o m o é
e m -sie p a ra -st\ m as só com o é em relação a um O utro.'
C om referência ao espinosism o, ao contrário, é de notar que o
espírito, no juízo em que ele se constitui com o Eu, com o livre
subjetividade contra a determinidade, sai da substância; e que a
filosofia, enquanto para ela esse juízo é determ inação absoluta
do espírito, sai do espinosismo.

Adendo 1: Embora a determinação progressiva da consciência pro­


ceda de seu interior próprio e tenha uma orientação negativa para com o
objeto, sendo assim esse objeto mudado pela consciência, essa mudança
no entanto aparece à consciência como uma mudança que ocorre sem
sua atividade subjetiva, e as determinações que põe no objeto valem para
ela como pertencentes somente a este, como essentes.

(Adendo 2: Em Fichte, reina sempre a necessidade de que o Eu leve a


cabo o não-Eu. Não se chega a nenhuma verdadeira unidade desses dois
lados; essa unidade sempre permanece apenas uma unidade que deve-ser,
porque se faz de origem, a falsa pressuposição de que o Eu e o não-Eu,
em sua separação, em sua jinitude; são algo absoluto. 1

§ 416
A m eta do espírito enquanto consciência é fazer esse seu fe­
nôm eno idêntico à sua essência, é elevar a certeza de s i mesmo ã
verdade. A existência que ele tem na consciência tem sua finitude em
ser a relação formal a si, [em ser] certeza apenas. Porque o objeto
é determ inado só abstratam ente com o o seu, ou, porque o espírito
só está refletido sobre si m esm o com o Eu abstrato, essa existência
tem ainda um conteúdo que não é com o o seu.

Adendo: A simples representação não distingue entre certeza e verdade.


Chama verdadeiro o que para ela é certo, o que tem por um subjetivo, em
consonância com o objeto — por mais insignificante e ordinário que possa
ser o conteúdo desse subjetivo. A filosofia, ao contrário, deve distinguir o
conceito da verdade, essencialmente, da simples certeza\ pois a certeza que
o espírito tem de si mesmo, do ponto de vista da simples consciência, é

1KU
niiula ulgo nâo verdadeim, emtmdiMrio de si mesmo, porque uqui o espíri­
to, ao lado da certeza abstrata de estar junto de si mesmo, tem u certeza
diretamente oposta dc referir-se u algo que lhe 6 essencialmcntc Outro,
Essa contradição deve ser suprassumida: reside nela própria o impulso
para resolver-se. A certeza subjetiva não pode ter limite no ohjeto: deve
adquirir verdadeira objetividade. E, inversamente, o objeto deve, de s e u
lado, tornar-se o meu, não simplesmente de maneira abstrata, mas segun­
do todos os lados de sua natureza concreta. Essa meta jã está pressentida
pela razão em si mesma crente, mas só é alcançada pelo saber da razão,
pelo conhecimento conceituante.

§ 417
Os graus dessa elevação da certeza à verdade são [os que se­
guem]. O espírito é:
a) Consciência em geral, que tem um objeto com o tal;
b) consciência-de-si, para a qual o E u é o objeto;
c) unidade da consciência e consciência-de-si, [de modo] que o
espírito intui o conteúdo do objeto como a si mesmo, e a si mesmo
com o determinado em si e para si: [é] razão, o conceito do espírito.

Adendo: Os três graus, apresentados no parágrafo acima, da elevação


da consciência à A m zão são determinados pela potência ativa do conceito
tanto no sujeito como no oljeto, e por isso podem considerar-se como
outros tantos juízos. Porém o Eu abstrato — a simples consciência — ainda
nada sabe disso, como já se notou antes. Assim, enquanto o não-Eu, que
conta para a consciência como autónomo, é suprassumido pela potência
do conceito exercendo-se nele; [enquanto] é dada ao objeto a forma de
um universal, de um interior, em vez da forma da imediatez, exterioridade e
singularidade, e a consciência recolhe em si esse interiorizado [Erinnerte],
então, como uma interiorização do objeto, aparece para o Eu seu próprio
interiorizar-se, que se realiza justamente por meio disso. Somente quando
o objeto é interiorizado em [tomando-se] um Eu, e dessa maneira a cons­
ciência se desenvolveu em consciência-de-si, o espírito sabe a potência de
sua própria interioridade como presente e atuante no objeto. Assim, o
que na esfera da simples consciência é apenas para nós, que consideramos,
vem-a-ser na esfera da consciência-de-si para o espírito mesmo. A cons­
ciência-de-si tem, por seu objeto, a consciência; e por isso se contrapõe a
ela. Mas ao mesmo tempo a consciência também é conservada como um
momento nessa mesma consciência-de-si. A consciência-de-si procede ne-

187
crMuriumcntc, pom, por m eio de Mm repuUAo dc hí mctana, n eontrupor-Nc
utmi outra consciênriíi-de-fli, c h dar nc nessa outra um objeto que lhe é
idêntico e contudo, ao mesmo tem po, autónomo, Ksse objeto é, antes de
tudo, um Ku imediato, singular. Mas quando ele é liberado da forma, que
lhe está ainda aderente, da subjetividade unilateral e apreendido como uma
mdidade penetrada pela subjetividade do conceito — por conseguinte, como
ideia —, a consciência-de-si avança de sua oposição à consciência, rumo à
unidade mediatízada com esta [consciência], e toma-se assim o ser-para-si
concreto do Eu, a razão absolutamente livre, que se reconhece a si mesma no
mundo objetivo.
Nesse ponto seria apenas necessária a observação de que a razão, que
aparece em nosso exame como o terceiro e o último [grau], não é algo
simplesmente último, um resultado proveniente de alguma coisa que lhe
seja estranha, mas, antes, o que esta na base da consciência e da cons-
ciência-de-si; portanto, o que é primeiro, e se mostra, pela suprassunção
dessas duas formas unilaterais, como sua originária unidade e verdade.

a — A consciência como tal

I o) A consciência sensfvel

§ 418
ÍA consciência é, primeiro, a consciência imediata', sua relação ao
objeto é, pois, a certeza dele, simples e não mediatízada.. O p ró ­
prio objeto, portanto, é determ inado tanto com o imediato quanto
com o essente e refletido sobre si, e além disso com o singular, [é a]
consciência sensfvel.
A consciência, enquanto relação, contém somente as categorias
pertencentes ao Eu abstrato ou [ao] pensar formal, que para ela
são determinações do objeto (§ 415). Por isso a consciência sen­
sível sabe do objeto apenas como de um essente, de Algo, de coisa
existente; de singiáar etc. Aparece ela como a mais rica de con­
teúdo, porém é a mais pobre de pensamentos. Aquele rico preen­
chimento, constituem-no as determinações-do-sentimento: são o
material da consciência (§ 414); o substancial e [o] qualitativo,
que na esfera antropológica a alma é e encontra em si mesma. A
reflexão da alma sobre si mesma — o Eu — separa esse material
de si e lhe dá, inicialmente, a determinação do ser.

188
A Singularidade eapaciul e temporal — [o] atpui t agpra como
eu defini na MF m m m dugia do Espírito" o objeto da consciência
sensível2 — pertence propriamente ao intuir. O objeto deve aqui
tomar-se, antes de tudo, som ente conform e à relação que tem
com a consciência, a saber, de que é algo exterior a ela, ainda
nao determ inado a que seja nem com o em si mesm o exterior
nem com o “ser-fora-de-si”.

Adendo: O primeiro dos três graus — mencionados no parágrafo prece­


dente — do desenvolvimento do espíritofenomenológco, isto é, da consciência,
tem em si mesmo os três graus: a) da consciência sensfvel, b) da consciência
percebente e c) da consciência de entendimento. Nessa sequência, revela-se uma
progressão lógica, a) Primeiro, o objeto é totalmente imediato, essente, assim
aparece ele para a consciência sensfvel Mas essa imediatez não tem verdade
alguma; é preciso avançar dela até o ser essencial do objeto, b) Quando a
essência das coisas se toma objeto da consciência, esta não é mais consciência
sensfvel mas consciência percebente. Desse ponto de vista, as coisas singulares
são referidas a um universal mas também referidas somente: por isso não se
produz aqui nenhuma verdadeira unidade do singular e do universal, mas
somente uma mescla dos dois lados. Aí reside uma contradição, que faz avançar
para o terceiro grau da consciência, c) Para a consciência de entendimento^ e
aqui mesmo essa contradição encontra sua solução, enquanto nesse nível o
objeto é rebaixado — ou elevado — a fenômeno de um interior essente para
si. Tal fenômeno é o ser vivo. Na consideração dele, acende-se a consciên-
cia-de-si\ pois no ser vivo o objeto se transmuda no subjetivo. Aí a consciência
se descobre a si mesma como [sendo] o essencial do objeto; reflete-se do
objeto sobre si mesma e se toma para si mesma objetiva. Depois dessa vista
geral sobre os três graus de desenvolvimento da consciência, voltemo-nos
agora para começar a [ver] a consciência sensfvel mais de perto.
Essa consciência sensível não difere das outras espécies da consciên­
cia porque somente nela o objeto me chegaria por meio dos sentidos,
mas antes porque do seu ponto de vista o objeto — seja ele interior ou
exterior — não tem absolutamente outra determinação-de-pensamento além
desta: em primeiro lugar, em geral, a de ser; e, em segundo lugar, a de
ser um Outro autónomo diante de mim, um refetido-sobre-si\ um singular
diante de mim enquanto [sou] singular, imediato. O conteúdo particular do
sensível, por exemplo odor, sabor, cor etc., cabe à sensação (como vimos

2. Cap. I o da Fenomenologia do Espirito, “A certeza sensível” Trad. brasileira, §§ 90-110


{pp. 74-82).

189
no § 401). Mas a forma própria ao sensível — o "ser-asimesmo-ex/erioéi
o “pôr-se-fora-um-do-outro" no espaço t* no tempo — 6 u determinação do
objeto apreendido pela intuição (como veremos no § 448), de modo que,
pela consciência sensível como tal, somente resta a determinaçâo-de-pensa­
mento citada acima. fPor força dessa determinação, o conteúdo particular
múltiplo das sensações se reúne para formar um Uno essente fora de mím,
que desse ponto de vista é sabido por mim de uma maneira imediatl*
singularizada, e de maneira contingente vem agora à minha consciâncll
e em seguida torna a desaparecer delajEsse conteúdo, de modo geral*
tanto segundo sua existência como segundo sua constituição, é para mini
um dado; portanto, algo tal que não sei donde provém, [nem] por quq
tem essa natureza determinada [nem] se é algo verdadeiro.
Dessa breve indicação sobre a natureza da consciência imediata OU"
sensível ressalta que ela é para o conteúdo — universal em si e para li
— do direito, da [ordem] ética e da religião uma forma absolutamentt
inadequada, que corrompe tal conteúdo; pois nessa consciência dá-M
a figura, de algo finito, singularizado, exterior a si próprio, ao [que é]
absolutamente necessário, eterno, infinito, interior. Quando, pois, nO|
tempos modernos, se quis admitir simplesmente um saber imediato d t
Deus, limitou-se a um saber que de Deus só pode declarar isto: que eli
éy que existe fora de nós, e que, para a sensação, parece ter esta e aquelâ
propriedade. Tal consciência não leva mais longe do que a uma fanfarrio®
e jactância que se toma por religiosa, com suas asserções contingenHNJ
em relação à natureza do divino que está além dela.

§ 419
O sen sível enquanto A lgo, torna-se um O utro : a reflexão do Algá
sobre si — a coisa — tem m u itas propriedades, e como singular
tem, em sua imediatez, m ultiform es predicados. O sin gu lar m ú ltiplo dfl
sensibilidade torna-se, pois, algo am plo\ uma m ultiform idade de relações
[de] determ inações-de-reflexão e [de] generalidades. São determinaçõel
lógicas, postas pelo que-pensa, isto é, aqui, pelo Eu. Mas p a ra estât
enquanto ele aparece, o objeto [foi que] se mudou assim. A cons­
ciência sensível é, nessa determinação do objeto, [o] perceber.

Adendo: O conteúdo da consciência sensível é, em si mesmo, dialético*


Ele deve ser o singular — mas, justamente por isso, não é um singular, 6
sim todo o singular; e, exatamente enquanto o conteúdo singular exclui
de si mesmo o Outro, ele se refere ao Outro, se demonstra como in

190
além de si, c o m o d e p e n d e n t e d e O u tr o , c o m o m c d ia t iz a d o p o r e le , c o m o
t e n d o em si m e s m o o O u tr o . A verdade mais próxima do imediatamente
singular é assim s e u ser-rrfèrido a Outro. As determinações dessa referên­
cia são as que se chamam detemiinaçÕes-àe-reflexão\ e a consciência que
apreende essas determinações é o perceber.

2 o) O perceber

§ 420
A consciência, que foi além do ser sensível, quer tom ar em sua
verdadê o objeto: não como simplesmente imediato, mas como
mediatizado, refletido sobre si mesmo e universal. Por isso o objeto
é uma ligação de sensíveis e de ampliadas determinações-de-pen-
samento, de relações e conexões concretas. Assim, a identidade
da consciência com o objeto não é mais a identidade abstrata da
certeza , mas a identidade determ inada , um saber.
O primeiro grau da consciência, em que a filosofia kantiana
apreende o espírito, é o perceber,; que constitui em geral o ponto
de vista de nossa consciência ordinária e, em menor ou maior
grau, o das ciências. Parte-se de certezas sensíveis [provindas]
de apercepções ou observações singulares, que devem ser ele­
vadas à verdade ao serem consideradas em sua relação, ao se
refletir sobre elas; em geral ao se tomarem, ao mesmo tempo,
segundo categorias determinadas, algo necessário e universal:
ao se tomarem experiências.

Adendo: Embora o perceber parta da observação do material sensível, não


fica nela: não se limita, pois, a cheirar, saborear, ver, ouvir e tocar, mas
segue adiante necessariamente até relacionar o sensível com um universal
não observável imediatamente; a conhecer cada [ser] singularizado como
algo que inclui a conexão em si mesmo — por exemplo, a reunir na força
todas as suas exteriorizações — e a procurar relações e mediações existentes
entre as coisas singulares. Assim, enquanto a consciência puramente sensível
apenas indica as coisas, isto é, mostra-as simplesmente em sua imedia-
tez, o perceber, ao contrário, apreende a conexão das coisas, faz ver que,3

3. Wahmehmen (perceber) = tomar (nehmed) segundo o verdadeiro (Waht). Ver Fenomenolo-


gia do Espírito, cap. 2o (na nossa tradução, Ed. Vozes [1992], pp. 83-94; §§ 111-131).

191
se as circunstâncias são dadas, segue-se daí isso; e desse modo começa
a demonstrar as coisas como verdadeiras. Mas essa demonstração ainda
é falha, não é uma demonstração última. Pois aquilo pelo qual se deve
demonstrar algo é ele mesmo um pressuposto, por conseguinte uma coisa
que precisa de demonstração. Assim se vai nesse campo de pressuposições
em pressuposições, e se recai no processo até o infinito. Nesse nível se situa
a experiência. Tudo deve ser experimentado. Se porém deve tratar-se de
filosofia, então se deve elevar essa demonstração do empirismo, que fica
preso a pressuposições, à prova da absoluta necessidade das coisas.
Aliás, já no § 415 se disse que a formação progressiva da consciência
aparece como uma mudança das determinações do seu objeto. Com relação
a esse ponto, pode-se ainda mencionar aqui que, enquanto a consciên­
cia percebente suprassume a singularidade das coisas, põe idealmente — e
por isso nega — a exterioridade da relação do objeto ao Eu, este adentra
em si mesmo, ganha ele mesmo em interioridade, de modo porém que a
consciência considera esse adentrar-em-si como incidindo no objeto.

§ 421
Essa ligação do singular e do universal é uma mescla, porque o
singular é um ser que está como fu n dam en to e permanece firme ante
o universal, ao qual ao mesmo tempo é referido. Ela é, portanto,
a contradição multilateral: [1] em geral, das coisas singulares da
apercepção sensível, que devem constituir o fu n dam en to da expe­
riência universal e da universalidade, que, antes, deve ser a essência
e o fundamento; [2] da sin gu laridade , que tomada em seu conteúdo
concreto constitui a autonom ia, e das propriedades multiformes, que,
antes, livres desse laço negativo, e reciprocamente, são m atérias
universais autónomas etc. (ver §§ 123 ss.). Aqui incide, propriamen­
te, a contradição do finito através de todas as formas das esferas
lógicas, do modo mais concreto, enquanto o algo é determinado
como o lfeto (§§ 194 ss.).

3 o) O entendim ento

§ 422
A verdade mais próxima do perceber é que o objeto é, antes,
fenôm eno ; e sua reflexão-sobre-si é, ao contrário, um interior e uni­
versal essente para si. A consciência desse objeto é o entendimento.

192
Ksse interior é, de um lado, a identidade abstrata; mas de outro lado
contém, por isso, também a multiformidade, porém como diferença
interior simples, que permanece idêntica a si mesma na alteração dos
fenômenos. Essa diferença simples é o reino das leis do fenômeno,
sua tranquila cópia universal.

Adendo: A contradição, indicada no parágrafo anterior, recebe sua pri­


meira solução quando as determinações multiformes do sensível — autóno­
mas umas em relação às outras, e em relação à unidade interior de cada
coisa singular — são rebaixadas ao fenômeno de um interior essente para
si mesmo, e o objeto é assim desenvolvido desde a contradição entre sua
reflexão sobre si mesmo e sua reflexão-sobre-Outro, à relação essencial de si a
si mesmo. Mas quando a consciência se eleva, da observação da singularidade
imediata, e da mescla do singular e do universal\ à apreensão do interior do
objeto, [e] assim determina o objeto da mesma maneira que o Eu, a cons­
ciência se toma consciência-de-entendimento. Só nesse interior não sensível
o entendimento acredita ter o verdadeiro. No entanto, esse interior é algo
abstratamente idêntico, em si mesmo indiferenciador, tal interior temos diante de
nós na categoria da força e da cama. Ao contrário, o verdadeiro interior deve
ser designado como concreto, como diferenciado em si mesmo. Apreendido
desse modo, é o que chamamos lei. Com efeito, a essência da lei — quer
se refira à natureza externa, quer à ordem ética do mundo — consiste em
uma unidade inseparável, em uma conexão interna necessária de determinações
diferentes. Assim, pela lei, a pena está unida necessariamente ao crime. Ao
criminoso pode a pena parecer, decerto, como algo estranho a ele, mas no
conceito do crime está necessariamente seu contrário, a pena. Igualmente é
preciso, no que se refere à natureza externa, apreender por exemplo a lei
do movimento dos planetas (segundo a qual, como se sabe, os quadrados
dos tempos de revolução se comportam como os cubos das distâncias)
como uma unidade interior necessária de determinações diferentes. Sem
dúvida, essa unidade só é concebida pelo pensar especulativo da razão,
mas já é descoberta pela consciência de-entendimento na multiformidade
dos fenômenos. As leis são as determinações do entendimento imanente
ao mundo mesmo; nelas, a consciência de-entendimento reencontra sua
própria natureza e assim se toma objetiva para si mesma

§ 423
A lei, antes de tudo, é a relação de determinações universais,
permanentes; tem, enquanto sua diferença é interior, sua necessidade

193
iieía mesma; uma das determinações, enquanto exteriormente não
difere da outra, está imediatamente na outra. Desse modo, porém,
a diferença interna é o que é em verdade: a diferença nela mes­
ma, a diferença que não é nenhuma. Nessa determinação-de-forma
em geral, desapareceu em si a consciência, que como tal contém a
autonomia do sujeito e do objeto, um em relação ao outro. [O] Eu
tem, enquanto judicante, um objeto que não é diferente dele: [tem
por objeto] a si mesmo\ [é] a consciência-de-si.
Adendo.(Ò que se disse, no parágrafo acima, sobre a diferença interna
que constitui a essência da lei — a saber, que essa diferença é uma di­
ferença que não é nenhuma — vale igualmente para a diferença existente
no Eu [que é] objetivo para si mesmoJComo a lei é algo diferenciado,
não só em relação a alguma outra coisa, mas em si mesmo, idêntico a si
mesmo na sua diferença, assim também é o Eu que tem a si mesmo por
objeto, o Eu sabedor de si mesmo. Quando pois a consciência, como
entendimento, sabe das leis, refere-se então a um objeto em que o Eu reen­
contra a imagem do seu próprio Si; e assim está a ponto de desenvolver-se
em consciência-de-si como ta l Mas porque, como jã se notou no Adendo
ao § 422, a consciência simplesmente de entendimento ainda não chega a
conceber a unidade, existente na lei, das diferentes determinações — isto
é, a desenvolver dialeticamente, a partir de uma dessas determinações,
a sua oposta — permanece essa unidade ainda algo morto para aquela
consciência; por conseguinte, algo que não está de acordo com a atividade
do Eu. No ser-vrvo, ao contrário, a consciência intui o processo mesmo do
pôr e do suprassumir das determinações diferentes; percebe que a dife­
rença não é diferença alguma, isto é, não é diferença absolutamente fixa.
Com efeito, a vida é esse interior que não permanece algo abstratamente
interior, mas entra totalmente em sua exteriorização: é algo mediatizado
pela negação do imediato, do exterior, que suprassume essa sua mediação
mesma na imediatez\ uma existência sensível exterior e, ao mesmo tempo,
pura e simplesmente interior algo material em que aparece suprassumido o
fora-um-âo-outró' das partes, e no qual o singular é rebaixado a algo ideal,
a momento, a membro do todo.[Resumindo: a vida deve ser compreendida
como fm-de-si-mesma, como um fim que tem em si mesmo seu meio;
como uma totalidade, em que cada [termo] diferenciado é, ao mesmo
tempo, fim e meio. N a consciência dessa unidade dialética, dessa unidade
viva do diferenciado se acende, pois, a consciência-de-si, a consciência do
[ser] ideal simples, objetivo para si mesmo, portanto diferenciado em si
mesmo: o saber da verdade do [ser] natural do Eu.

m
b — A consciência ãe si

§ 424
A verdade da consciência é a consciência-de-si, e esta é o funda­
m ento daquela, de m odo que na existência toda a consciência de
um outro objeto é consciência-de-si: eu sei de um objeto com o
m eu (é m inha representação); portanto, nele eu sei de mim. A
expressão da consciência-de-si é: E U = EU; [é] liberdade abstrata;
pura idealidade. Assim a consciência-de-si é sem realidade; pois ela
mesma, que é objeto de si, não é tal objeto, jã que não hã diferença
alguma dela consigo mesma.

Adendo: Na expressão EU = EU se exprime o princípio da absoluta


razão e liberdade. A liberdade e a razão consistem em que eu me eleve
à forma do EU = EU, que eu reconheça tudo como o meu, como EU\
e que apreenda cada objeto como um membro no sistema que sou eu
mesmo; para abreviar, que eu tenha em uma só e na mesma consciên­
cia [o] Eu e o mundor, que eu me reencontre no mundo a mim mesmo,
e vice-versa, que na minha consciência eu tenha o que é, o que tem
objetividade. Contudo, essa unidade do Eu e do objeto, que constitui
o princípio do espírito, primeiro só está presente de modo abstrato, na
consciência-de-si imediata, e só é conhecida por nós, que consideramos,
[e] não ainda pela própria consciência-de-si. A consciência-de-si imedia­
ta não tem ainda por objeto o EU = EU, mas somente o Eu; por esse
motivo é livre apenas para nós, não para si mesma, ainda não sabe de
sua liberdade; tem somente em si a base dessa liberdade, mas ainda não
a Uberdade verdadeiramente efetiva. 1

§ 425
A consciência-de-si abstrata é a prim eira negação de consciência;
portanto é tam bém afetada po r um objeto exterior, formalmente, pela
negação de si mesma. Assim é, ao m esm o tem po, o grau anterior,
consciência, e é a contradição de si com o consciência-de-si, e de
si com o consciência. Enquanto, em si, já estão suprassumidas no
E U = E U a consciência e a negação em geral, a consciência-de-si
é, com o essa certeza de si m esm a ante o objeto, o impulso de p ô r
o que ela é em si, isto é, de dar conteúdo e objetividade ao saber
abstrato de si, e inversamente, de libertar-se de sua sensibilidade e
de suprassumir a objetividade dada, e de p ô - l a [como] idêntica a
s i m e s m a . E s s a s d u a s c o i s a s sAo u m a s ó c a m e s m a : a i d e n t i f i c a ç ã o
d e su a c o n s c iê n c ia e [d e su a j c o n s c iê n c ia -d e -s i.
Adendo: O defeito da consciência-de-si abstrata está em que ela e a
consciência são ainda duas coisas diferentes uma da outra; em que as
duas ainda não foram reciprocamente igualadas. Na consciência, vemos
a enorme dferm ça do Eu, esse completamente simples; de um lado; e a
infinita multijòrmidade do mundo, de outro lado. Essa oposição do Eu e
do mundo, oposição que aqui ainda não chegou à verdadeira mediação,
constitui a finitude da consciência. Ao contrário, a consciência-de-si tem
sua finitude na sua identidade, ainda de todo abstrata, consigo mesma,. No
Eu = Eu da consciência-de-si imediata, está presente só uma diferença
que deve ser não alguma diferença posta, nem alguma diferença efetiva,
Essa cisão entre a consciência-de-si e a consciência forma uma
contradição interna da consciência-de-si consigo mesma, porque ela é ao
mesmo tempo o grau que vem logo antes dela — a consciência —; por
conseguinte, é o contrário de si mesma. E que, sendo a consciência-de-si
abstrata, só a primeira negação, por isso a negação ainda condicionada,,
da imediatez da consciência, e não já a negatividade absoluta — isto é,
a negação daquela negação, a afirmação infinita — a consciência-de-si
tem, ela mesma, ainda a forma de um essente, de um imediato, de algo
ainda preenchido pela exterioridade, apesar — ou, antes, justamente por
causa — da sua interioridade sem diferença. Contém, pois, a negação, não
simplesmente em si mesma, mas também fora de si mesma, como um
objeto exterior,; como um não-Eu e precisamente por isso é consciência.
A contradição aqui descrita deve ser resolvida; e isso acontece de
maneira que a consciência-de-si, que se tem por objeto enquanto cons­
ciência, enquanto Eu, vai desenvolvendo a idealidade simples do Eu até a
diferença real, suprimindo assim sua subjetividade unilateral dá a si mesma
objetividade. E um processo idêntico àquele pelo qual, inversamente, ao
mesmo tempo o objeto é posto [como] subjetivo pelo Eu, submergido
na interioridade do si, e assim é aniquilada a dependência, existente na
consciência, do Eu para com uma realidade exterior. A consciência-de-si
chega, desse modo, a não ter a consciência ao seu lado, a não estar ligada
exteriormente com ela, mas a penetrá-la verdadeiramente e a contê-la,
como algo dissolvido em si mesma.
Para atingir essa meta, a consciência-de-si deve percorrer três graus
de desenvolvimento:
Io) O primeiro desses graus nos apresenta a consciência-de-si singular,
imediata, idêntica consigo mesma de modo simples; e ao mesmo tempo,
em contradição com isso, referida a um objeto exterior. Assim determinada,

iw»
u consciêncíti-dcui é A o#rtr/« ilr i*j mcsmu, como do essente, diante do
que o objeto (cm u dctcmiimtçrto dc mmi coisa que só é autónoma nu
aparência, mas dc fato é nada: |u Nuher.J a amsnênciaAe-si desejante.
2o) No segundo grau, o Ku objetivo recebe a determinação dc um
outro Eu, e assim nasce a relação de uma consciência-de-si com uma outra
consciência-de-si, mas [também], entre essas duas, o processo do reconhecimento.
Aqui, a consciência-de-si não é mais simplesmente consciência-de-si singular,
mas nela já começa uma unificação de singularidade e universalidade.
3o) Depois, quando além disso se suprassume o ser-outro dos Si que
mutuamente se contrapõem, e eles, em sua autonomia, tornam-se contudo
idênticos um ao outro, põe-se em evidência o terceiro daqueles graus: a
consciência-de-si universal.

í°) O desejo

§ 426
A consciência-de-si em sua imediatez é singular e desejo', c o n t r a ­
dição de sua abstração, que deve ser objetiva, ou de sua i m e d i a t e z ,
que tem a figura de um objeto externo e deve ser subjetiva. P a r a a
certeza de si mesmo, oriunda do suprassumir da consciência, s ã o
igualmente determ inados com o um nada, o objeto e — pela r e la ­
ção da consciência-de-si ao objeto — a idealidade a b s t r a t a d e s s a
consciência de s i.

Adendo: Como já se notou no Adendo ao parágrafo precedente, o desejo


é-a forma em que a consciência-de-si aparece no primeiro grau de seu
desenvolvimento. O desejo não tem aqui, na segunda seção principal dfl
Doutrina do Espírito Subjetivo, uma determinação mais ampla que a do
impulso, enquanto esse, sem ser determinado pelo pensar; é dirigido para
um objeto exterior em que busca satisfazer-se. Mas a necessidade [Notw.]
de que o impulso assim determinado exista na consciência-de-si está em
que este é, ao mesmo tempo, o grau que a precede imediatamente: isto
é, a consciência (como igualmente já notamos no Adendo ao parágrafo
anterior) é e sabe dessa contradição interna. Onde algo idêntico a si
mesmo traz em si uma contradição e está cheio do sentimento de sua
identidade, essente em si, consigo mesmo, como também do sentimento
oposto de sua contradição interna, ali surge necessariamente o impulso a
suprassumir essa contradição. O não-vivo não tem impulso por não poder
suportar a contradição, mas perece quando nele irrompe o Outro de sí

197
m e n in o . ( ) [ner] a n im a d o , a o c o n tr á r io , e o e s p ír ito tê m n r e e s s iir ia m e n t e
impulso, porque nem a alma nem o espírito podem s e r s e m ter neles a
eontradiç3o, ou sem senti-la ou saber dela. Mas, como acima já se men­
cionou, na consciência-de-si imediata, portanto natural\ singular, exclusiva,
a contradição tem a figura de que a consciência-de-si, cujo conceito
consiste em referir-se a si mesmo, a ser EU = EU, refere-se, ao contrário,
ao mesmo tempo a um Outro imediato, não posto idealmente; a um ob­
jeto exterior; a um não-Eu, e é exterior a si mesma, porque embora sendo
em si totalidade, unidade do subjetivo e do objetivo, só existe de início
como algo unilateral, puramente subjetivo, que somente pela satisfação
do desejo chega a ser totalidade em si e para si Apesar dessa contradição
interna, permanece a consciência-de-si absolutamente certa de si mesma
porque sabe que o objeto imediato, exterior não tem nenhuma realidade
verdadeira, [mas] é, antes, algo nulo perante o sujeito; é algo autónomo
simplesmente na aparência, e de fato é tal que não merece, nem pode
subsistir, para si, mas deve perecer pela potência real do sujeito.

§ 427
A consciência-de-si sabe-se, pois, em s i no objeto; o qual, sob
esse aspecto, é conform e ao impulso. N a negação dos dois m o­
m entos unilaterais, enquanto é ela a própria atividade do Eu, essa
identidade vem-a-ser para ela. O objeto não pode opor resistência
alguma a essa atividade, enquanto ele é o carente-de-si, em si e para
a consciência-de-si: a dialética, que é sua natureza [que consiste] em
suprassumir-se, existe aqui com o aquela atividade do Eu. O objeto
dado é aqui tanto posto [como] subjetivo, quanto a subjetividade
se extrusa de sua unilateralidade e se torna objetiva para si.

Adendo: O sujeito consciente-de-si sabe-se como em si idêntico ao objeto


exterior — sabe que este contém a possibilidade da satisfação do desejo, que
o objeto é assim confirme ao desejo e que, justamente por isso, o desejo
pode ser estimulado pelo objeto. Portanto, a relação ao objeto é necessária
[Notw.] para o sujeito. Este intui no objeto sua própria falha, sua própria
unilateralidade; vê no objeto algo pertencente à sua própria essência e, por
conseguinte, algo que lhe faz falta. A consciência-de-si está em condições
de suprassumir essa contradição, pois essa consciência não é nenhum
ser, mas absoluta atividade; e ela a suprassume ao apoderar-se do objeto
— que, por assim dizer, só pretende ser autónomo —, satisfazendo-se pela
consumição desse objeto; e, por ser a consciência-de-si fim-de-si-mesma,

198
c o n u c r v a -s c n cw ic p r o c e a a a . O o b j e t o d e v e c n t flo p e r e c e r ; p o r q u e o » U oin.
nujeito c objeto, s ã o a q u i [on| iinediutos, c cnIcn n ã o p o d e m estar c m u m
só, de outro modo u n flo scr q u e se negue u imediatez, c na certa ante»
de tudo, a do objeto carcntc-de-si. Pela satisfação do desejo é p o s ta u
identidade essente em si do sujeito e do objeto; a unilateralidade d a s u b ­
jetividade e a aparente autonomia do objeto são suprassumidas. M a s , a o
ser o objeto aniquilado pela consciência-de-si desejante, pode parecer q u e
sucumbe a uma potência totalmente estranha. Isso, contudo, é s o m e n t e
uma aparência. Com efeito, o objeto imediato deve, de acordo com su a
própria natureza — seu conceito —, suprassumir-se; pois em sua singularidade
não corresponde à universalidade de seu conceito. A consciência-de-sí é o
conceito, que se manifesta, do objeto mesmo. Em seu aniquilamento [ o p e ­
rado] pela consciência-de-si, o objeto sucumbe, portanto, pela potência d e
seu próprio conceito, que é somente interior e, justamente por esse m o tiv o ,
parece vir só defora. Assim é posto o objeto subjetivamente, Mas, por e s s a
suprassunção do objeto, como jã foi notado, o sujeito suprassume ta m b é m
sua própria falha, seu desmoronar em um “EU — EU” indiferenciado, c
em um Eu referido a um objeto exterior; e tanto confere objetividade à
sua subjetividade como faz seu objeto, subjetivo.

§ 428
O produto desse processo é que o Eu se conclui c o n s i g o m e s ­
mo, e assim, satisfeito para si,\ é [ a lg o ] efetivo. Pelo l a d o e x t e r i o r
ele perm anece, nesse retorno, determ inado prim eiro c o m o [ a lg o ]
singular; e com o tal se conservou, porque se refere a p e n a s n e g a ­
tivam ente ao objeto carente-de-si; este, nessa medida, é s o m e n t e
consumido. Assim o desejo é em geral destrutor em s u a s a t i s f a ç ã o ,
assim com o é egoísta segundo seu conteúdo, e jã que a s a t i s f a ç ã o
só ocorreu no singular — mas esse é passageiro — o d e s e j o s c
gera de novo na satisfação.

Adendo: A relação do desejo ao objeto é ainda totalmente a relação


do destruir egoísta, não a do formar. Enquanto a consciência-de-si sc
refere ao objeto como atividade formativa, esse objeto recebe somente u
forma do subjetivo, que nele adquire uma subsistência; mas é conservada
segundo seu conteúdo. Ao contrário, pela satisfação da consciência-de-si
aprisionada no desejo, jã que ela ainda não possui a força de aguentar o
Outro como algo independente, a autonomia do objeto é destruída; de
modo que a forma do subjetivo não alcança nele subsistência alguma.

199
Mas, como o objetivo do desejo é o próprio desejo, assim n satisfação
do desejo é também necessariamente algo singular, transitório, cedendo ao
desejo que sempre de novo desperta; é uma objetivação que fica constan­
temente em contradição com a universalidade do sujeito, e, no entanto,
sempre de novo estimulada pela falta sentida da subjetividade imediata;
[objetivação essa] que nunca atinge absolutamente o seu fim, mas leva
somente o processo ao infinito.

§ 429
M as o sentim ento-de-si, que vem -a-ser para o Eu na satisfação,
não perm anece segundo o lado interior, ou em si, no ser-para-si
abstrato ou em sua singularidade, m as enquanto é a negação d a
im ediatez e da singularidade o resultado contém a determ inação
da universalidade e da identidade da consciência-de-si com seu objeto.
O juízo ou a divisão dessa consciência-de-si é a consciência de um
objeto livre, no qual o Eu tem o saber de si com o Eu, m as que
está ainda fora dele.

Adendo: Segundo o lado exterior a consciência-de-si imediata, como foi


notado no Adendo ao parágrafo precedente, continua presa na alternância
tediosa, que prossegue até o infinito, do desejo e de sua satisfação; da sub­
jetividade que em sua objetivação recai sempre de novo em si mesma. Ao
contrário, segundo o lado interior, ou segundo o conceito, a consciência-de-si,
por meio da suprassunção de sua subjetividade, e do objeto exterior, negou
sua própria imediatez, o ponto de vista do desejo: pôs-se com a determi­
nação do ser-outro em relação a si mesma; preencheu o Outro com o Eu,
fez de algo carente-de-Si um objeto livre, que tem um-Si [selbstischen]: um
outro Eu; assim ela se opôs a si mesma enquanto um E u diferente, mas por
isso se elevou sobre o egoísmo do desejo simplesmente destrutor.

2 o) A consciência-de-si que reconhece

§ 430
H á um a consciência-de-si para u m a consciência-de-si: prim eiro,
im ediatam ente enquanto um O utro é para um Outro. N ele eu tenho
a intuição de m im enquanto Eu, mas tam bém de um outro objeto
im ediatam ente aí-essente, com o [um] E u absolutam ente autónom o
em relação a mim. O suprassum ir da singularidade da consciência-de-lí

200
foi o primeiro supnaswm lrt M»lm « con«d6ncifi-de-ii é determinada
só como particular, Kniiii oonl riulição d A o impulso paru mostntr-ne
como livre Si, e paru «cr a i para o Outro como tal: 6 o processo
do reconhecimento.

Adendo: O segundo grau de desenvolvimento da consciência-de-si, desig­


nado no título do parágrafo anterior, tem antes de tudo ainda em comum
a determinação da imediatez com a consciência-de-si aprisionada no desejar,
que forma o primeiro grau do desenvolvimento dessa consciência-de-si.
Nessa determinação reside a enorme contradição de que — sendo o Eu
totalmente universal\ absolutamente sem exceção, não interrompido por limite
algum, a essência comum a todos os homens —, os dois Si que se r e fe r e m
aqui um ao outro constituem uma só identidade: por assim dizer, uma s6
luz, e no entanto são ao mesmo tempo dois que persistem em uma rigidez
e aspereza completas, um em relação ao outro, cada um como algo refletido
sobre si, absolutamente distinto do Outro e impenetrável por ele.

§ 431
É um a lutar, pois eu não posso m e saber no O utro com o a mim
mesmo, enquanto o O utro é para mim um outro ser-aí imediato; por
isso sou dirigido para a suprassunção dessa sua imediatez. Igualmente,
eu não posso ser reconhecido com o algo imediato, m as só enquanto
suprassumo em m im m esm o a imediatez e assim dou um ser-aí à
minha liberdade. M as essa imediatez é, ao mesm o tem po, a corpo-
reidade da consciência-de-si, em que esta tem, com o em seu signo
e instrumento, seu próprio sentimento-de-si, assim com o seu ser para
outras [consciências-de-si] e sua reação que a mediatiza com elas.

Adendo: A figura mais próxima da contradição, indicada no Adendo ao


parágrafo anterior, é a figura em que os dois sujeitos conscientes-de-si se
referem um ao outro, por terem um ser-aí imediato, [por] serem naturais\
vivos, e portanto existirem à guisa de coisas submetidas a uma potência estra­
nha, e como tais se encontrarem um ao outro. Mas ao mesmo tempo são
sujeitos absolutamente livres, e não podem tratar-se mutuamente como algo
só imediatamente aí-essente, nem como algo simplesmente natural Para
superar essa contradição, é necessário que os dois Si, que se contrapõem
reciprocamente, se ponham e se reconheçam em seu ser-aí, em seu ser-
para-outro, tais como são em si ou segundo seu conceito — a saber: não
como seres simplesmente naturais, mas como seres livres. Somente assim

201
nc rc a lix u i\ v e r d a d e ir a lib e r d a d e : p uiu, já que e la consiste na identidade
de mini como o outro, então cu só sou verdadeiramente livre quando o
outro também é livre, e é reconhecido por mim como livre. Essa liberdade
de um no outro reúne os homens de uma maneira interior, enquanto, ao
contrário, a carência [Bedurfhis] e a necessidade [Notw.] só os aproximam
exteriormente. Os homens devem, portanto, querer reencontrar-se um ao
outro. Isso não pode acontecer, porém, enquanto eles estão presos em sua
imediatez, em sua naturalidade: pois é ela justamente que os excluí um
do outro, e os impede de ser como livres, um para o outro. A liberdade
exige, pois, que o sujeito consciente-de-si não deixe subsistir sua própria
imediatez, nem suporte a naturalidade do outro; mas antes, indiferente para
com o ser-aí, ponha em jogo, nos assuntos singulares imediatos, a vida
própria e a alheia, para a conquista da liberdade. Só pela luta pode-se,
portanto, ganhar a liberdade: a asserção de ser livre não basta para isso:
só quando põe a si mesmo, como [põe] os outros, no perigo de morte o
homem prova, desse ponto de vista, sua aptidão para a liberdade.

§ 432
A luta do reconhecim ento, assim, vai [dar] em vida e m orte: cada
um a das duas consciências-de-si põe em perigo a vida da outra, e se
expõe a si m esm a a ele; mas som ente com o em perigo, pois cada
um a está igualmente dirigida à conservação de sua vida, enquanto
[ela é] o ser-aí de sua liberdade. A m orte de uma, que resolve a
contradição quanto a um lado, po r m eio da negação abstrata, por­
tanto grosseira, da imediatez, é assim quanto ao lado essencial — o
ser-aí do reconhecim ento que ali é ao m esm o tem po suprassumido
— um a nova contradição, e m aior que a primeira.

Adendo: A prova absoluta da liberdade, na luta pelo reconhecimento,


é a morte. Jã ao se exporem ao perigo da morte, os lutadores põem seu
ser natural, de parte e outra, como algo negativo: provam que o olham
como um nada. Mas pela morte a naturalidade é negada de fato, e, por
isso, ao mesmo tempo é resolvida sua contradição com o espiritual, com
o Eu. Essa resolução, contudo, é só totalmente abstrata\ só de um gênero
negativo, não de um gênero positivo. Porque, se um dos dois que estão
lutando entre si por seu reconhecimento mútuo perece — ainda que seja
só um deles —, nenhum reconhecimento tem lugar: o sobrevivente existe
tão pouco quanto o morto como um [ser] recognoscente. Por conseguinte,
produz-se por meio da morte essa contradição nova e maior: os que pela

202
tu tu p r o v a r a m s u a lib e r d a d e in te r io r n ú o c h e g a r a m , c o n t u d o , u n e n h u m
scr-af reconhecido de s u a lib e r d a d e .
Para prevenir eventuais mal-cn tendidos a propósito do ponto de vis­
ta acima descrito, temos ainda a lazer aqui a observação de que a luta
pelo reconhecimento na forma levada ao extremo, que foi indicada, só
pode ter lugar no estado-de-natureza — em que os homens só existem
como singulares', ao contrário, está longe da sociedade civil e do Kstado,
porque aqui mesmo o que constitui o resultado daquela luta, a saber
o ser-reconhecido, já está presente. Com efeito, embora possa também
nascer mediante violência, o Estado não repousa sobre elas: a violência
somente trouxe à existência, em sua eclosão, algo legítimo em si e para
si: as leis, a constituição. O que domina no Estado são o espírito do
povo, os costumes, a lei. Ali o homem é reconhecido e tratado como
ser racional\ como livre, como pessoa; e de seu lado o Singular faz-se
digno desse reconhecimento porque, com a superação da naturalidade
de sua consciência-de-si, ele obedece a um universal\ à vontade essertíe
em si e para si, à ler, portanto, comporta-se para com os outros de uma
maneira universalmente válida, reconhece-os como ele mesmo quer valer:
como livre, como pessoa. No Estado, o cidadão tem sua honra por meio
do cargo que ele reveste, da profissão por ele exercida e da atividade de
outro trabalho qualquer. Sua honra tem assim um conteúdo substancial,
universal, objetivo, não mais dependente da subjetividade vazia: tal coisa
falta ainda no estado-de-natureza, em que os indivíduos, sejam o que
forem, e façam o que fizerem, querem extorquir-se reconhecimento.
Mas, do que foi dito acima, se evidencia que o duelo não pode, de modo
algum, ser confundido com essa luta pelo reconhecimento que constituí
um momento necessário no desenvolvimento do espírito humano. O duelo
não incide, como essa luta, no estado-de-natureza dos homens, mas em
uma forma já mais ou menos cultivada da sociedade civil e do Estado.
Tem o duelo seu lugar histórico próprio no sistema feudal, que deveria ser
uma ordem-de-coisas conforme ao direito, mas só o era em grau muito
diminuto. O cavaleiro — tivesse feito o que fosse — queria passar por um
homem perfeitamente sem mancha, nada tendo a perdoar-se. Isso devia
o duelo provar. Embora o direito do mais forte tomasse certas formas,
tinha no entanto o egoísmo por base absoluta; assim, por seu exercício,
nenhuma prova se dava da liberdade racional, e da honra autenticamente
cidadã, mas antes uma demonstração de grosseria — e muitas vezes de
descaramento — de uma mente que apesar de sua perversidade faz exi­
gência de honra exterior. Nos povos antigos não se encontra o duelo, pois
lhes era completamente estranho o formalismo da subjetividade vazia, o

203
"qucrer-valcr" do nujdto em iuh ilnguluridiuk* imediata; tinham clet» huii
honra somente em sua unidade sólida eom o ordenamento ético que é o
listado. Mas, em nossos Estados modernos, dificilmente se pode explicar
o duelo a não ser como um retroceder artificial à grosseria do Medievo.
Quando muito, poderia o duelo ter um sentido algum tanto racional entre
os militares de outrora; isto é, o indivíduo queria provar que tinha um
objetivo mais elevado do que se fazer massacrar por alguns vinténs.

§ 433
Sendo a vida tão essencial quanto a liberdade, a luta termina antes
de tudo, como negação unilateral, com a desigualdade: [acontece] que
um dos lutadores prefere a vida, conserva-se com o consciência-de-si
singular, mas renuncia a seu ser-reconhecido; enquanto o outro se
sustenta em sua relação a si mesmo e é reconhecido pelo primeiro,
enquanto este é o subjugado: [é] a relação do senhorio e da servidão.
A luta do reconhecim ento, e a submissão a um senhor, é o
fenôm eno do qual surgiu a vida em com um dos hom ens, com o
um com eçar dos Estados. A violência, que é fundam ento nesse
fenômeno, não é por isso fundam ento do direito, em bora seja
o m om ento necessário e legítimo na passagem do estado da cons­
ciência-de-si subm ersa no desejo e na singularidade ao estado
da consciência-de-si universal. E o com eço exterior, ou o começo
fenom ênico dos Estados, não seu princípio substancial\

Adendo: A relação de senhorio e servidão contém apenas um rela­


tivo suprassumir da contradição entre a particularidade refletida sobre si
mesma e a identidade recíproca dos diferentes sujeitos conscientes-de-si.
Pois, nessa relação, a imediatez da consciência-de-si particular é primeiro
suprassuinida só do lado do escravo, mas mantida do lado do senhor.
Enquanto a naturalidade da vida permanece subsistente desses dois lados,
a vontade-própria do escravo renuncia a si mesma na vontade do senhor,
recebe por conteúdo os fins do dono, o qual, por sua parte, não admite
em sua consciência-de-si a vontade do escravo, mas simplesmente o cui­
dado pela conservação da vitalidade natural deste; de tal modo que nessa
relação a identidade posta da consciência-de-si dos sujeitos, relacionados
um com o outro, só se realiza de maneira unilateral.
Quanto ao histórico da relação que está sendo discutida, pode-se aqui
notar que os povos antigos, os gregos e os romanos, não se tinham ainda
elevado ao conceito da liberdade absoluta, porque não conheciam que o

204
homem amo (ah como ente Kii unfam al como consciênciivdc-»Í m m m h
tem direito à liberdade Ao contrário, entre eles, o homem só eru tido
por livre quando havia mm ith como um homem livre, Assim, a liberdade
ainda possuía entre eles a determinação da naturalidade. For esse motivo
existia escravidão em seus Kstados livres, e entre os romanos surgiram
guerras sangrentas em que os escravos procuravam tornar-se livres e obter
o reconhecimento de seus eternos direitos humanos.

§ 43 4
Essa relação é, por um lado, comunidade da necessidade [Bedilrf] e
do cuidado para sua satisfação, pois o meio [da satisfação] do senho­
rio, o escravo, deve igualmente conservar-se em sua vida. Em lugar da
grosseira destruição do objeto imediato, entram em cena a aquisição, a
conservação e a elaboração desse objeto, como o que mediatiza, onde
se concluem os dois extremos da autonomia e da não autonomia: a
forma da universalidade na satisfação da necessidade é um meio dunávcl
e uma precaução que tom a em conta e garante o futuro.

§ 435
E m segundo lugar, conform e a diferença, o senhor tem no
escravo, e no serviço que este lhe presta, a intuição do valor de
seu ser-para-si singular, e na verdade m ediante a suprassunção do
ser-para-si-imediato, a qual, no entanto, incide em um outro. Mas
esse [outro], o escravo, desgasta no serviço do senhor sua vontade
própria e singular, suprassume a im ediatez interior do desejo e faz
[surgir], nessa extrusão e no tem or do senhor, o com eço da sabe­
doria: [é] a passagem para a consciência-de-si universal

Adendo: Enquanto o escravo trabalha para o senhor, por conseguinte


não no interesse exclusivo de sua própria singularidade, seu desejo recebe
a amplidão de não ser somente o desejo de um este, mas ao mesmo tempo
conter em si o desejo de um outro. Por isso o escravo se eleva acima da
singularidade egoísta [selbstische] de sua vontade natural, e se situa nessa
medida, segundo o seu valor, mais alto do que o senhor, preso no seu
egoísmo, intuindo no escravo somente sua vontade imediata, reconhecido de
maneira formal por uma consciência que não é livre. Aquela submissão do
egoísmo do escravo forma o começo da verdadeira liberdade do homem. O
tremer da singularidade da vontade, o sentimento da nulidade do egoísmo,
o hábito da obediência são um momento necessário na formação de cadfl

205
h o m e m . S e m te r experimentado mim ilin cip lin u q u e q u e b r a a v o n ta d e pró*
priu, n in g u é m se to r n a liv r e, r a c io n a l r a p t o p u ra c o m a n d a r . P o r isso , paru
tomar-se livres, p a r a c o n s e g u ir a c a p a c id a d e d e se g o v e r n a r , todos os p o v o s
tiveram de p a ssa r a n t e s p e la se v e r a d is c ip lin a d a s u b m is s ã o a u m s e n h o r .
Assim era necessário que, d e p o is de Solon ter dado a o s atenienses leis d e ­
mocráticas, livres, Pisútrato conseguisse para si u m poder, pelo qual fo r ç o u
os atenienses a obedecer àquelas leis. Só quando essa obediência to m o u
raízes, tomou-se supérflua a dominação de Pisístrato. Assim também Roma
teve de vivenciar por meio do severo governo dos reis — antes de poder
nascer pela ruptura do egoísmo natural — essa virtude romana, digna de
admiração, do amor â pátria, pronto a todos os sacrifícios. A escravidão
e a tirania são assim, na história dos povos, um grau necessário e p o r
isso algo relativamente legítimo. Aos que permanecem escravos, não se faz
nenhuma injustiça absoluta; pois quem não possui a coragem de arriscar a
vida pela conquista da liberdade, esse merece ser escravo; e se, ao contrário,
um povo não somente imagina que quer ser livre, mas tem efetivamente a
vontade enérgica da liberdade, nenhum poder humano poderá retê-lo
escravidão de ser governado como simplesmente passivo.
Como foi dito, essa obediência servil forma apenas o começo da liberdade;
porque aquilo a que se submete aqui a singularidade natural da consciên-
cia-de-si não é a vontade essente em si e para si, verdadeiramente universal,
racional, mas sim a vontade singular, contingente, de um outro sujeito. Assim,
aqui se apresenta simplesmente um momento da liberdade, a negatividade
da singularidade egoísta; enquanto o lado positivo da liberdade só recebe
efetividade quando: [1] de um lado, a consciência-de-si escrava, ao livrar-se
tanto da singularidade do senhor como de sua própria singularidade, capta
o que é racional em si e para si, em sua universalidade independente da par­
ticularidade dos sujeitos; e quando, [2] de outro lado, a consciência-de-si
do senhor é levada — pela comunidade existente entre ele e o escravo, da
necessidade e do cuidado para a sua satisfação; como também pela in­
tuição da suprassunção, que se lhe toma objetiva no escravo, da vontade
singular imediata — a reconhecer como o verdadeiro também em relação
a ele mesmo essa suprassunção, e por conseguinte a submeter sua própria
vontade egoísta [selbstischen] à lei da vontade essente em si e para si.

3°) A consciência-de-si universal

§ 436
A consciência-de-si universal é o saber afirmativo de si mesmo no
outro Si: cada um desses Si tem como livre singularidade absoluta

206
autonomia, ma« devido A regação de sua imediatez, ou desejo, é
consciência-de-si universal,; é objetivo, e tem a universalidade real
como reciprocidade dc mtdo que se sabe reconhecido no outro
[Si] livre; e isso sabe enqunto reconhece o outro e o sabe livre.
Esse aparecer contratante [Widererscheinen] universal da
consciência-de-si — <conceito, que em sua objetividade se
sabe como subjetividaíe idêntica a si e, por isso, universal — é
a forma da consciênca da substância de toda espiritualidade
essencial da família, d pátria, do Estado, assim como de to­
das as virtudes, do anor, da amizade, da bravura, da honra,
da glória* Mas esse aprecer do substancial pode também ser
separado do substancil e sustentado para si mesmo em honra
sem conteúdo, em vaglória etc.
Adendo: O resultado — auzido pelo conceito do espírito — da luta
pelo reconhecimento é a corciência-de-si universal, que forma o terceiro
grau nessa esfera; isto é, aquei livre consciência-de-si para quem a outra
consciência-de-si, que é para <a objetiva, não é mais uma consciência-de-
si sem liberdade — como no çgundo grau — mas uma consciência-de-si
igualmente autónoma. Desse pnto de vista, os sujeitos conscientes-de-
si em relação recíproca ele\ram-se assim, pela suprassunção de sua
singularidade particular desigul, à consciência de sua universalidade real,
de sua liberdade que competea todos e, por isso, à intuição de sua iden­
tidade determinada de um como outro. O senhor que se contrapunha ao
escravo não era ainda verdaeiramente livre, pois ainda não intuía no
outro a si mesmo, completamnte.CBó por meio do libertar-se do escravo,
também o senhor, por conseuência, se toma completamente livrê^ Na
situação dessa liberdade unhrsal, enquanto estou refletido sobre mim,
estou imediatamente refletido obre o outro; e vice-versa, refiro-me a mim
mesmo imediatamente, ao refer-me ao outro. Temos aqui a divisão impe­
riosa do espírito em diverso Eus que em si e para si, e uns para os
outros, são perfeitamente livre: autónomos, absolutamente rígidos, opondo
resistência — e no entanto acmesmo tempo idênticos — uns aos outros,
e assim não autónomos, não npenetráveis, mas, de certo modo, confun­
didos. Essa relação é comptamente do tipo especulativo. E, caso se
acredite que o especulativo algo longínquo e incompreensível, só se
precisa considerar o conteúd de tal relação para se convencer da fàl-
ta-de-base dessa opinião. O eseculativo, ou racional e verdadeiro, consiste
na unidade do conceito — a do subjetivo — e da objetividade. Essa
unidade está manifestamente resente, do ponto de vista em questão. Ela

207
forma a substância da eticidade, em especial da família, do amor sexual
(aí, aquela unidade tem a forma da particularidade), do amor á pátria,
desse querer dos fins e interesses universais do Estado, do amor a Deui
e também da bravura, quando essa consiste em pôr em risco a vida por
uma Coisa universal; e, enfim, também da honra, caso ela não tenha
por seu conteúdo a singularidade indiferente do indivíduo, mas algo subs­
tancial, verdadeiramente universal.

§ 437
Essa unidade da consciência e d a consciência-de-si contém , antes
de tudo, os singulares com o aparecendo uns para os outros. Maa
sua diferença é, nessa unidade, a diversidade totalm ente indeterm i­
nada, ou m elhor, um a diferença que não é nenhum a. Por isso sua
verdade é universalidade e objetividade essentes em si e para si da
consciência-de-si: [é] a razão.
A razão, enquanto é a ideia (§ 213), aparece aqui na determ i­
nação de que a oposição do conceito e d a realidade em geral,
cuja unidade é ela, adquiriu neste p o n to a form a mais precisa
do conceito existente para-si, da consciência, e do objeto p re­
sente exteriorm ente diante dela.

Adendo: O que determinamos, no parágrafo anterior, a consciência-de-si


universal é, na sua verdade, o conceito da razão: o conceito enquanto não
existe como ideia simplesmente lógica, mas como a ideia desenvolvida até
[tornar-se] a consciência-de-si. Com efeito, como sabemos pela Lógica,
consiste a ideia na unidade do subjetivo, ou do conceito, e da objetividade.
Mas a consciência-de-si universal mostrou-se para nós como [sendo] tal
unidade; com efeito, vimos que ela, na sua diferença absoluta de seu Outro,
é contudo ao mesmo tempo absolutamente idêntica com ele. Essa identidade
da subjetividade e da objetividade constitui justamente a universalidade*
agora alcançada, da consciência-de-si, [universalidade] que pervade esses
dois lados ou particularidades, e na qual estas se dissolvem. Mas, chegando
a consciência-de-si a essa universalidade, deixa de ser consciência-de-si no
sentido próprio ou rigoroso do termo, porque pertence à consciência-de-si,
como tal, precisamente o fixar-se na particularidade do Si. Por meio do
suprassumir dessa particularidade, a consciência-de-si toma-se razão. O
nome “razão” tem neste lugar apenas o sentido da unidade inicialmente
ainda abstrata ou form al da consciência-de-si com seu objeto. Hhmu unidade
funda o que se deve chamar simplesmente o correto* na [iiih | diferença

208
determinada do vwwMvfo Cm tfto é minha reprcMentuçfln por fuiu nimplc«
concordância com o objeto, menino quando esse corresponde pouquíssimo
a seu conceito e a s s im q u a s e nflo tem absolutamente verdade. Só quando
o verdadeiro conteúdo v e m a s e r objetivo para mim, minha inteligência
recebe em sentido comrcto a significação de razão. Nessa significação, a
razão deve ser considerada na sua conclusão do desenvolvimento do
espírito teórico (§ 467) onde, vindo de uma oposição do subjetivo e o
objetivo, mais desenvolvida do que até agora, conheceremos a razão como
a unidade, cheia-de-conteúdo, dessa oposição.

c — A razão

§ 438
A verdade essente em si e para si, que é a razão, é a identidade
simples da subjetividade e universalidade. A universalidade da razão
tem, po r isso, tanto a significação do objeto apenas dado à cons­
ciência com o tal — mas agora ele m esm o universal\ penetrando e
abarcando o Eu — quanto a significação do puro Eu> da forma
pura que pervade o objeto e o abarca em si mesma.

§ 439
/A consciência-de-si, [que é] assim a certeza de que suas deter­
minações tanto são objetivas, determ inações da essência das coisas,
quanto são seus próprios pensam entos, é a razão; razão que, en­
quanto é essa identidade, não é som ente a substância absoluta, mas
a verdade com o saber. C om efeito, ela tem aqui por determ inidade
própria, por form a im anente, o conceito puro existente para si
mesmo: [o] Eu, a certeza de si m esm o com o universalidade infinita.
Essa verdade que sabe é o espírito. J

209
c
PSICOLOGIA

O Espírito ^ 'p
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§ 440
O espírito determinou-se com o a verdade da afina e da consciência:
daquela,' totalidade imediata, simples, e deste saber que agora, como
forma infinita, não estando mais limitado por aquele conteúdo, não fica
em relação com ele como objeto, mas é saber da totafidade substancial,
nem subjetiva nem objetivai; O espírito, portanto, começa somente de
seu próprio ser, e só se refere a suas próprias determinações.
A psicologia considera, por conseguinte, as. faculdades ou m odos
gerais de atividades do espírito como tal,\ intuir, representar, recor­
dar etc. desejos etc., de um a parte, sêm o conteúdo, que segundo
o fenôm eno se encontra no representar empírico e tam bém no
pensar com o no desejo e na vontade; de outra parte, sem as
formas nas quais está na alma com o determ inação natural, e na
consciência mesma, com o um objeto seu, para ela disponível.
M as isso não é um a abstração arbitrária; o espírito mesm o é
isto: ser elevado acima da natureza e da determ inidade natural,
com o [também] sobre a imbricação com um objeto exterior,
isto é, acima do material, em geral; [foi assim] com o seu con-

210
ceito se produziu. Àgrra, é só isto o que tem a fazer: realizar
esse conceito de SUN Iberdade, isso é, somente suprassumir a
firm a da imediatez eon que ele começa de novo. (O conteúdo
que é elevado a intuições são suas sensações, assim como são
suas intuições que são nu dadas em representações e assim por
diante: representações mudadas em pensamentos eta_-
T.......--- --
Adendo: O espírito livre ou o espírito como ta l é a razão, tal como ela
se separa, de um lado, na forna pura, infinita, no saber sem limites, e de
outro lado no objeto idêntico a ela. Aqui, esse saber não tem ainda nenhum
conteúdo além de si mesmo, j— com essa determinação de abarcar em si
toda a objetividade, e, por conseguinte, de não ser o objeto, algo vindo
de fora para o espírito, e incompreensível para ele. Assim, o espírito é a
certeza de si mesmo, pura e simplesmente universal\ absolutamente sem oposição,
Possui portanto a segurança de que no mundo encontrará a si mesmo, j
de que o mundo deve ser amistoso para com ele; e de que, assim como j
Adão disse de Eva que era carne de sua came, assim também o espírito
tem de buscar no mundo razão de sua própria razão. A razão mostrou-se .
para nós como a unidade dq^ubjetívo e do objetivo, do conceito exis­
tente para si e da realidade-^Jór isso, sendo o espírito absoluta certeza
de si mesmo, saber da razão, ele é saber da unidade do subjetivo e do
objetivo: saber de que seu obeto é o conceito, e o conceito é o objetivo^)
Assim mostra-se o espírito livrç como a unidade dos dois graus gerais do
desenvolvimento considerados ia primeira e na segunda parte principal da
Doutrina do Espírito Subjetivo, a saber: da alma, dessa substância universal /
simples, ou do espírito imediato; e da consciência,, ou do espírito que-aparece\
do cindir-se daquela substância. Com efeito, as determinações do espírito
livre têm em comum com as determinações anímicas o subjetivo, e com as
da consciência, inversamente, o ibjetivo. Q princípio do espírito livre é pôr
o essente da consciência como dgo anímico; e vice-versa, fazer do anímico
algo objetivo. Como a consciência, esse espírito se contrapõe ao objeto
enquanto [é] um lado, e, ao mesmo tempo, [é] os dois lados — portanto
a totalidade — como a alma. Par esse motivo, enquanto a alma só era a
verdade como totalidade imediata, inconsciente, e enquanto, ao contrário, na
consciência, essa totalidade se separa no Ru, e no objeto exterior a ele, [e]
assim o saber ali não tinha aiida nenhuma verdade —, o espírito livre
tem de ser conhecido como a 'oerdade que se sabe}.

1. Quando, pois, os homens afirmam que não se pode conhecer a verdade, isso é o cúmulo
da blasfémia. Nesse caso, os homens njo sabem o que dizem. Se o soubessem, mereceriam

211
O saber da verdade não tem pois inicialmente nele u (brmu da
verdade, porque no grau de desenvolvimento então atingido 6 algo de
abstrato: a identidade formal do subjetivo e do objetivo. Só quando essa
identidade se desenvolveu mais além até [tornar-se] diferença efetiva, e se
fez a identidade de si mesma e de sua diferença; quando assim o espírito
entra em cena como totalidade diferenciada em si como determinada, só
então essa certeza chegou à sua verificação.

§ 441
A alm a é fin ita , enquanto é determ inada im ediatam ente ou por
natureza; a consciência [é finita] enquanto tem um objeto; o espírito,
enquanto, n a verdade, tem em seu saber não mais um objeto e sim
um a determ inidade; a saber, por sua imediatez, p o r ser subjetivo,
ou [por ser] com o conceito. E é indiferente que seja determ inado
com o seu conceito, ou com o sua realidade. Pondo-se a razão ob-
| jetiva, puram ente infinita, com o seu conceito, então a realidade é o
1 saber, ou a in te lig ê n cia ou, tom ando-se o saber com o o conceito,
i então sua realidade é essa razão e a realização do saber consiste
em apropriar-se dela. A finitude do espírito, portanto, consiste em
que o saber não captou o ser-em -si e para si de sua razão, ou,
igualmente, que essa razão não se levou à plena m anifestação no
saber. A razão, ao m esm o tem po, só é a razão infinita enquanto é
a liberdade absoluta, e por isso se pressupõe ao seu saber, e assim
se finitiza e é o eterno m ovim ento de suprassum ir essa imediatez,
de conceber-se a si mesma, e de ser saber da razão.

Adendo: O espírito livre, como vimos, é, segundo o seu conceito, unidade


consumada do subjetivo e do objetivo, da forma e dp_çonteúdo, e, em
consequência, absoluta totalidade; portanto é infinito, etemo\ Nós o temos
conhecidoí como saber da razão. Por ser ele isto, por ter como seu objeto
o racional, deve-se designá-lo como o ser-para-si infinito da subjetivida­
de. Pertence, pois, ao conceito do espírito que nele a absoluta unidade do

que a verdade lhes fosse retirada. O desespero moderno quanto ã cognosdbilidade da verdade
é estranho a toda a filosofia especulativa, como também a toda a religiosidade autêntica. Um
poeta tão religioso quanto pensador, Dante, exprime sua fé na cognoscibilidade da verdade
de uma maneira tão fecunda que tomamos a liberdade de comunicar aqui sims palavras, Diz
no 4o Canto do Paraíso, versos 124 a 130: “Eu vejo que jamais se sacia nosso intelecto, se não
o ilumina o verdadeiro, fora do qual nenhuma verdade se difunde, Nele rc|)O U NH(nosso inte­
lecto] como a fera na caverna. Pode alcançá-lo sempre; «enfiotodo noamdesejo scriu vflo"

212
subjetivo c do o b j e t iv o nlo Rçju nó cm si, mm ta m b é m fiam .wi p o r ta n to ,
que st*|u objeto do sa b e r . I*0r nuisa dessa harmonia consciente, que reina
entre o saber e seu objeto, entre a forma e o conteúdo, e que exclui toda
a separação e, assim, todu a mudança, o espírito pode chamar-se, segundo
sua verdade, o eterno, como também o perfeitamente bem-aventurado e
santo. Com efeito, só pode chamar-se santo o que é racional e sabe d o
racional Por isso, nem a natureza exterior nem a simples sensação têm um
direito sobre esse nome. A sensação imediata, não depurada pelo saber
racional, está afetada pela determinidade do natural, do contingente, do
“ser-exterior-a-si-mesmo”, do “incidir-fora-um-do-outro”. No conteúdo da
sensação e das coisas naturais, a infinitude consiste, pois, simplesmente em
algo formal, abstrato. Ao contrário, o espírito segundo seu conceito ou sua
verdade é infinito ou eterno nesse sentido concreto e real de permanecer em
sua diferença absolutamente idêntico a si mesmo. Portanto, deve o espírito
designar-se como a imagem de Deus, como a divindade do homem.
Mas em sua imediatez — pois também o espírito se dá primeiro a
forma da imediatez — o espírito ainda não é verdadeiramente espírito,
ou melhor: ali sua existência não está em absoluta consonância com
seu conceito, com o arquétipo divino; afi o divino é apenas a essência a
elaborar em seu fenômeno consumado. Ébr^onseguinte, o espírito ainda
não apreendeu seu conceito imediatamente; ele é apenas saber racio- ^
nal, mas ainda não se sabe como talyfc)esse modo, como já se disse no
Adendo ao parágrafo anterior, primeiro o espírito é somente a certeza
indeterminada da razão, da unidade do subjetivo e do objetivo. Falta-lhe
assim, ainda aqui, o conhecimento determinada da racionalidade do objeto./
Para atingi-lo, deve o espírito libertar o objeto, em si racional, da forma
da contingência, singularidade e exterioridade, que de início lhe estava
aderente, e com isso libertar-se a si mesmo da relação com [algo que
é] um Outro para ele. Nesse caminho da libertação, incide a fonitude do
espírito^Pois, enquanto o espírito não atingiu sua meta, não se sabe ainda
absolutamente idêntico com seu objeto, mas se acha limitado por ele.^/
Porém, a finitude do espírito não se pode ter por algo absolutamente
fixo , mas deve-se conhecer como um modo do fenômeno do espírito, não
obstante infinito segundo sua essência. Nisso está contido que o espírito
fin ito é imediatamente uma contradição, algo não verdadeiro, e ao mesmo
o processo de suprassumir essa inverdade. Esse combate com o finito, essa
vitória sobre o limite, constitui a marca do divino no espírito humano, e
forma um grau necessário do espírito eterno. Quando, pois, se fala dos
limites da razão, isso é ainda pior do que falar de ferro [feito] de madeira.
E o próprio espírito infinito que se pressupõe a si mesmo [tanto] como

213
alma quanto como consciência, e assim se fin itiza , mas que também põe
como suprassumida essa pressuposição feita por ele mesmo; essa finitude,
a oposição em si suprassumida, da consciência: de um lado, em contraste
com a alma, e de outro em contraste com um objeto exterior. Essa supras-
sunção tem no espírito livre uma outra forma que na consciência. Enquanto a
determinação ulterior do Eu assume para a consciência a aparência de uma
mudança do objeto, independente da atividade do Eu, e por conseguinte a
consideração lógica dessa mudança na consciência ainda só recai em nós,
é para o espírito livre que ele mesmo põe em evidência as determinações
do objeto que se desenvolvem e mudam, de modo que ele mesmo faz
subjetiva a objetividade e objetiva a subjetividade. As determinações, sabi­
das por ele, são sem dúvida imanentes ao objeto, mas ao mesmo tempo
postas pelo próprio. Nada nele é algo apenas imediato. Quando, pois, se
fala de “fatos da consciência” que seriam para o espírito o primeiro, e
deveriam permanecer para ele um não-mediatizado, meramente dado, há
que notar a propósito que certamente se encontram, do ponto de vista
da consciência, muitos dados tais, porém o espírito livre não deve deixar
esses fatos como Coisas dadas a ele, autónomas, mas demonstrá-los como
atos do espírito, como um conteúdo posto por ele; e assim explicã-los.

§ 442
O progredir do espírito é desenvolvimento, enquanto sua existência
— o saber — tem em si mesmo o ser-determinado em si e para si,
isto é, o racional como conteúdo e meta, [e] assim a atividade do
trasladar só é puramente a passagem formal para a manifestação,
e, nisso, retomo a si mesmoj Enquanto o saber afetado de sua
primeira determinidade só então é abstrato ou form al, /TjnetaTdo;
espírito é produzir a implementação objetiva, e assim, ao mesmo
tempo, <a liberdade de seu saber.
Neste ponto, não há que pensar no desenvolvimento do indiví­
duo, ligado ao desenvolvimento antropológico, segundo o qual as
faculdades e forças se consideram como pondo-se em evidência,
umas depois das outras, e exteriorizando-se na existência: uma
progressão, a cujo conhecimento se deu grande valor em certa
época (da filosofia de Condillac2); como se tal emergir, supos-
tamente natural\ devesse estabelecer a génese dessas faculdades

2. Etienne Bonnot dc Condillac — Ikaitédes Sensations, Pari» c hondrc», 1754.


e explicá-las. N o caso, não h á que desconhecer a tendência de
tornar concebíveis os multiformes m odos de atividade do espí­
rito, em sua unidade, e m ostrar um a conexão d a necessidade.
Só que as categorias aí utilizadas são, em geral, de um tipo
precário. A determ inação predom inante é sobretudo a de que
o sensível, sem dúvida, é tom ad o com razão com o o prim ei­
ro, com o a base inicial; m as que as determ inações ulteriores
aparecem em ergindo desse p o n to de partida som ente de u m
m odo afirmativo, e se desconhece e negligencia o negativo d a
atividade do espírito, m ediante o qual esse m aterial é espiritua­
lizado e_suprassumido enquanto [é o] sensível. N aquela posição,
o sensível não ^ apenas o prim eiro em piricam ente [falando],
mas fica de m odo a ser a verdadeira base substancial.
Igualmente, se as atividades do espírito são consideradas só
com o exteriorizações, com o forças em geral, eventualm ente com
a determ inação de utilidade, isto é, orientadas com o a seu fim
para algum outro interesse da inteligência ou d a alma, então
não existe nenhum fim último. Esse só p o d e ser o conceito
m esm o; e a atividade do conceito só p ode ter a ele m esm o
p o r fim: suprassum ir a form a da im ediatez ou da subjetividade,
^ tin g ir-se e apreender-se [a si], tornar-se livre para si mesmo.
Dessa m aneira, as assim -cham adas faculdades d o espírito são
* a considerar, em sua diferenciação, só com o graus dessa liber-
' tação. A penas isto deve considerar-se com o m odo racional de
considerar o espírito e suas diversas atividades.

Adendo: A existência do espírito, o saber, é a forma absoluta, isto é, a


forma que tem em si mesma o conteúdo, ou o conceito que existe am o
conceito, o conceito que a si mesmo conhece sua realidade. Que o conteúdo
ou objeto seja para o saber um [conteúdo ou objeto] dado, algo que lhe
chega de fora, é portanto apenas uma aparência’, pela suprassunção dessa
aparência, o espírito se demonstra tal como ele é em si, a saber, como
o absoluto autodeterminar-se, a infinita negatividade do que é exterior ao
esmrito e a si mesmo, o ideal que produz toda a realidade a partir de
si. (O progredir do espírito tem, por isso, somente o sentido de que essa
aparência seja suprassumida, de que o saber se comprove como [sendo]
a f o r m a q u e desenvolve, a partir de si, todo o conteúdç^JPortanto, bem
longe d e s e r lim ita d a a um simples acolher do dado, a atividade do espírito
f 11 >ih) i r •
215
deve. antes, chamar-se madora\ cm hora as produções do Mpfrito, enquanto
espírito apenas subjetivo, não recebam ainda a forma de unm efetividade
imediata, mas permaneçam produções mais ou menos ideais,

§ 443
Assim com o a consciência tem po r seu objeto o grau precedente,
a alma natural (§ 413), assim tam bém o espírito tem, ou melhor,
constitui a consciência com o seu objeto; isto é, sendo a consciência
apenas em s i a identidade do Eu com seu O utro (§ 415), o espíri­
to põe-na para s i essa unidade concreta,, de m odo que agora ele a
_sabe. As produções do espírito são de acordo com a determ inação
da razão, de que o conteúdo seja tanto o conteúdo essente em s i
com o, segundo a liberdade, o seu. Assim, enquanto determinado em
seu começo, essa determ inidade é dupla: a do essente e a do seu.
Conform e a primeira, tem de achar em si algo com o essente con­
forme a segunda, tem de pô-lo som ente com o o seu. O cam inho
do espírito é portanto ser:
a) Teórico: ter de lidar com o racional com o com sua determinidade
imediata, e pô-lo então com o o seu\ ou libertar o saber da pressupo­
sição, e assim de sua abstração, e tornar subjetiva a determinidade.
Sendo o saber, em s i mesmo, determinado em si e para si, [e] a de­
terminidade posta como sua, existe assim como inteligência Uvm é
b) Vontade, espirito prático, que prim eiro é igualmente formal; tem
um conteúdo que é só com o o seu conteúdo: ele quer, de m odo
imediato, e liberta sua determ inação volitiva de sua subjetividade
com o da forma unilateral de seu conteúdo, de tal m odo que
c) se torna objetivo para si m esm o enquanto espírito livre no
qual aquela dupla unilateralidade é suprassumida.

Adendo: Enquanto não se pode dizer bem da consciência que tem tendência,
pois tem imediatamente o objeto, o espirito ao contrário deve ser apreendido
como tendência por ser essencialmente atividade. E na verdade
a) o espírito é antes de tudo aquela atividade pela qual o objeto
aparentemente estranho recebe — em vez da forma de um dado, de um
isolado e contingente — a forma de um interiorizado [Erinnerten], sub­
jetivo, universal, necessário e racional. Porque o espírito empreende essa
transformação com o objeto, reage contra a unilateralidade da consciência
que se refere aos objetos enquanto objetos imediatamente essentes, [e que]

216
nflo oh sabe como subjetivou; n assim é espírito teórito. Ncte domina a
tendência [própria] do saber, a Aiihíii por conhecimentos, Do conteúdo dos
conhecimentos eu sei que ele é, que tem objetividade, e ao mesmo tem­
po que é em mim, portanto subjetivo. Pois o objeto não tem mais aqui a
determinação de um negativo em relação ao Eu, como [tinha] do ponto
de vista da consciência
b) O espírito prático toma o ponto de partida oposto: não começa,
como o espírito teórico, pelo objeto aparentemente autónomo, mas por
seus jtn s e interesses, portanto por determinações subjetivas, e só dali avança
até fazer delas algo objetivo. Ao fazer isso, reage contra a subjetividade
unilateral da consciência-de-si\ encerrada em si mesma, tal como o espírito
teórico reage contra a consciência dependente de um objeto dado.
O espírito teórico e o espírito prático se integram mutuamente, jus­
tamente por serem diferentes um do outro conforme a maneira indicada.
Mas essa diferença não é nenhuma diferença absoluta: com efeito, também
o espírito teórico lida com suas próprias determinações. E, inversamente,
os fins da vontade racional não são algo pertencente ao sujeito particular,
mas algo essente em si e para s ijOs dois modos do espírito são formas da
razão; pois tanto no espírito teórico como no espírito prático — embora
por caminhos diversos — se produz aquilo em que a razão consiste: uma
unidade do subjetivo e do objetivajAo mesmo tempo, contudo, aquelas
formas duplicadas do espírito subjetivo têm em comum, uma com a outra,
a falha de que em ambas se parte da aparente separação do subjetivo e
objetivo, e a unidade dessas determinações opostas deve previamente ser
produzida. Essa falha reside na natureza do espírito, pois o espírito não
é um essente, algo imediatamente perfeito, mas é antes o que-se-pro-
duz-a-si-mesmo, a atividade pura: [é o] suprassumir da pressuposição, em
si feita por ele mesmo, da oposição entre o subjetivo e o objetivo.^

§ 444
Mas o espírito teórico e o espírito prático estão ainda na esfera
do espirito subjetivo em geral. N ão são a diferença com o passivo
e ativo. O espírito subjetivo é producente; mas são formais, suas
produções.[Para dentro, a produção do espírito teórico é som ente
seu m undo ideal e o adquirir da autodeterm inação abstrata em si
mesmo. O espírito prático, na verdade, só lida com autodeterm i­
nações, com seu material próprio, mas tam bém ainda formal, e,
assim, com um conteúdo limitado, para o qual adquire a forma da
universalidade. Para fora, enquanto o espírito subjetivo é unidade

217
— por isso, tam bém esscntc — da alma e da consciência, enquan­
to é uma realidade, ao m esm o tempo, antropológica c conforme
à consciência, são seus produtos: no espírito teórico a palavra/ no
espírito prático, o gozo (não ainda ato e operação).
A Psicologia, com o a Lógica, pertence a essas disciplinas que
nos tem pos m odernos tiraram m enos proveito d a cultura
mais universal do espírito e do conceito mais profundo da
razão, e se encontra ainda sem pre no estado pior possível.
Sem dúvida, graças à reversão operada pela filosofia kantiana,
atribui-se m aior im portância à Psicologia a ponto de que ela
deve constituirá base da Metafísica e isso em seu estado empírico,
enquanto essa ciência não consiste em outra coisa a não ser
em apreender em piricam ente e analisar os fa to s da consciência
hum ana enquanto fa to s, com o são dados. C om essa posição da
Psicologia, em que está m isturada com formas [provenientes]
do ponto de vista da consciência e com a Antropologia, nada
se m udou para sua condição mesma, mas só se acrescentou
isto: que, tanto para a Metafísica e a Filosofia em geral com o
para o espírito enquanto tal, renunciou-se ao conhecimento da
necessidade do que é em s i e para si, ao conceito e à verdade.

Adendo: Só a alma é passiva; mas o espírito livre é essencialmente


ativo, producente. Erra-se quando frequentemente se distingue o espírito
teórico do prático de modo a designar o teórico como o passivo, e o
pratico como o ativo. Segundo o fenômeno, essa distinção bem que está
correta. O espírito teórico parece que somente acolhe o que está presen­
te, quando ao contrário o espírito prático deve produzir algo ainda não
exteriormente presente. Mas, na verdade (como já se indicou no Adendo
ao § 442), o espírito teórico não é um acolher, simplesmente passivo,
de um Outro, de um objeto dado, mas mostra-se como ativo por elevar
o conteúdo, em si racional, do objeto desde a forma da exterioridade e
singularidade até a forma daxrázã(/ Porém, inversamente, o espírito prático
tem um lado de passividade também, já que seu conteúdo inicialmente
lhe é dado, embora não de fora mas de dentro\ sendo assim um conteúdo
imediato, não posto pela atividade da vontade racional; e só pode ser
transformado em tal [ser] posto por mediação do saber pensante, portanto
mediante o espírito teórico. •
Deve-se também declarar como não menos fora da verdade que a
diferença do teórico e prático acima discutida, a distinção segundo a qual

218
u inteligência «cri# o ilimitado* È n vontade que pode ser declarada, de
modo totalmente inverso, como o limitado, porque entra em luta com a
matéria exterior que-opóe-resistência, com a singularidade excludente do
efetivo; e ao mesmo tempo tem, contraposta a si, outra vontade humana,
enquanto a inteligência, como tal, na sua exteriorização só avança até a
palavra, essa fugaz realização evanescente, que se produz em um elemento
sem resistência, [e é] totalmente ideal A palavra permanece assim, em
sua exteriorização, perfeitamente junto de si; satisfaz-se^, em si mesma,
demonstra-se como fim-de-si-própria, como o divino/ei sob a forma do
conhecimento conceituante, realiza a liberdade sem limites e a reconciliação
do espírito consigo m esm o .,/
Mas os dois modos do espírito subjetivo — tanto a inteligência como
a vontade — só têm de início verdade formal. Q om efeito, nos dois, o
conteúdo não corresponde imediatamente à forma infinita do saber, de
modo que assim essa forma não está preenchida verdadeiramen te]
No [plano] teórico, o objeto bem que se toma, de um lado, subjetivo,
mas, de outro lado, ainda fica atrás inicialmente um conteúdo do objeto
fora da unidade com a subjetividade. Por isso o subjetivo constitui aqui
apenas uma forma que não penetra o objeto absolutamente, e assim o
objeto não é completamente algo posto pelo espírito. Ao contrário, na
esfera prática, o subjetivo ainda não tem imediatamente nenhuma ver­
dadeira objetividade, por não ser, em sua imediatez, algo absolutamente
universal essente em si e para si, mas algo pertencente à singularidade
do indivíduo. \

^Quando o espírito superou sua falha, acima exposta; quandp, portanto,


seu conteúdo não está mais em discrepância com sua forma\ jquando] a
certçza da razão, a unidade do subjetivo e do objetivo, não é mais fo r­
mal mas antes preenchida; quando, pois, a ideia forma o único conteúdo /
do espírito — então o espírito subjetpvo atinge sua meta e passa a [ser]
o espírito objetivo. Este sabe sua liberdade, conhece que sua subjetividade \
constitui, em sua verdade, a própria objetividade absoluta, e não se apreende f
simplesmente em si mesmo como ideia, mas se produz como um mundo, J
exteriormente presente, da liberdade.

a — O Espírito Teórico

§ 445
A inteligência encontra-se determinada', é isto sua aparência, donde
parte em sua imediatez; mas, com o saber, consiste em pôr, com o

219
próprio «eu, o i|ue é encontrado. Sua atividade é de lidar com a
lórmu vazia, de encontrar a razão; e sua meta conaÍNte em que seu
conceito seja para da, isto é, em ser razão para si, com o que, ao
mesm o tem po, o conteúdo se torna racional para ela. Essa atividade
é [o] conhecer. O saber formal da certeza eleva-se ao saber determ i­
nado e conform e ao conceito, porque a razão é concreta.) O curso
dessa elevação é ele m esm o racional, e um a passagem necessária,
determ inada — por m eio do conceito — de um a determ inação da
atividade inteligente (de um a assim -cham ada faculdade do espírito)
para outra. [A refutação da aparência de “encontrar” o racional
— [refutação] que é o C onhecer — parte da certeza, isto é, da
crença da inteligência em sua capacidade de saber racionalmente,
de poder apropriar-se da razão que, em si, é ela e o conteúdo.
A distinção entre inteligência e vontade tem muitas vezes o
sentido erróneo de que as duas são tom adas com o existências
fixas, separadas um a da outra, de m odo que o querer poderia
ser sem inteligência, ou a atividade da inteligência, sem-vontade.
A possibilidade de que, com o se diz, o entendimento possa ser
form ado sem o coração e o coração sem o entendimento, de que
tam bém haja unilateralm ente corações sem -entendim ento e
entendim entos sem-coração, mostra, em to d o caso, apenas
isto: hã existências más, não verdadeiras em si mesmas; mas
não é a filosofia que deve tom ar tais não-verdades do ser-aí e
da representação com o [sendo] a verdade, nem o que é mau,
pela natureza da Coisa. Um grande núm ero de outras formas,
que são utilizadas pela inteligência: que ela receberia impressões
de fora; que as acolheria', que as representações nasceriam por
meio das influências de coisas exteriores enquanto causas [suas];
[tudo isso] pertence ao ponto de vista de categorias que não é
o ponto de vista do espírito e da consideração filosófica.
U m a forma-de-reflexão em voga é a das forças e das faculdades
da alm a, da inteligência ou do espírito. A faculdade é, com o a
força, a determ inidadefixada de um conteúdo, representada com o
reflexão sobre si. A força (§ 136) é, na verdade, a infinitude
da forma, do interior e do exterior; mas sua fin itu d e essencial
contém a indiferença do conteúdo em relação à form a (ibid.,
nota). Nisso reside o irracional que, por m eio dessa form a de

220
reflcxAo e da corwlderrtçfto do espírito com o uma multidão
de forças* se introduz, tanto no espírito com o na natureza.
O que pode ser diferenciado em sua atividade é fixado com o
um a determ inidade autónoma* e se faz do espírito um a coleção
ossificada, mecânica. Se em vez de “faculdades e forças” se
usar a expressão “a tivid a d ef, não fará no caso absolutam ente
a m ínim a diferença. O isolar das atividades faz igualmente do
espírito apenas um ser-agregado, e considera sua relação com o
um relacionam ento exterior, contingente! O agir da inteligên­
cia, enquanto espírito teórico, foi cham aoo “c o n h e c e não no
sentido de que, entre outras coisas* ela tam bém conhece, mas
além disso intui, representa, lembra-se, imagina etc. Tjal posição
se liga, antes de tudo, ao “isolar” das atividades do espírito,
acima criticado. Mas além disso se liga â grande questão da
época m oderna: se é possível conhecim ento verdadeiro, isto
é, o conhecim ento da verdade; de m odo que, se nos damos
conta de que ele não é possível, devemos renunciar a esse
esforço. Os num erosos aspectos, princípios, categorias, com os
quais um a reflexão exterior faz inchar o âmbito dessa questão,
encontram em seu lugar seu tratam ento definitivo; quanto mais
exteriorm ente o entendim ento aqui procede, tanto mais se lhe
to m a difuso um objeto simples. E aqui o lugar do conceito
simples do conhecer, conceito que se opõe ao ponto de vista
totalm ente universal daquela questão, a saber, a de pôr em
questão a possibilidade do verdadeiro conhecim ento em geral,
e de fazer passar por um a possibilidade e arbítrio, esforçar-se
por conhecer ou desistir disso. O conceito do conhecer se
produziu com o a inteligência mesma, com o a certeza da razão;
ora, a efetividade da inteligência é o conhecer m esm o. D aí se
segue que é fora de propósito falar da inteligência, e ao m esm o
tem po da possibilidade ou arbitrário do conhecim ento. M as o
conhecim ento é verdadeiro justam ente enquanto a inteligên­
cia o efetua, isto é, põe como o conceito do m esm o p a ra si.
Essa determ inação formal tem seu sentido concreto naquilo
m esm o em que o conceito tem o seu. Os m om entos de sua
atividade realizadora são intuir, representar, recordar etc.; essas
atividades não têm nenhum outro sentido imanente: sua m eta

221
é som ente o conceito do conhecer (ver nota ao § 445). So­
m ente quando são isoladas é que se representa, por um lado,
que seriam úteis para outra coisa que [não] o conhecim ento,
e, por outro lado, que proporcionariam p o r si mesm as a sa­
tisfação do conhecim ento; e então se enaltecem as delícias
do intuir, do recordar, do fantasiar etc. Sem dúvida, o intuir,
o fantasiar etc., m esm o isolados, isto é, carentes de espírito,
podem trazer satisfação; apresentar o que na natureza física é
a determ inidade fundamental, o ser-fora-de-si, [apresentar] os
m om entos da razão im anente fòra-uns-dos-outros: isso, p or
um lado, [também] lhe acontece, enquanto ela m esm a é só
natural, inculta. M as a verdadeira satisfação — adm ite-se — ,
só podem proporcionar um a intuição penetrada de entendi­
m ento e espírito, um a representação racional, produções da
fantasia, penetradas de razão, que apresentam ideias etc.: isto
é, [um] intuir, [um] representar cognoscentes. O verdadeiro que é
atribuído a tal satisfação reside em que o intuir, o representar
etc. estão presentes Inão de um m odo isolado, e sim com o um
m om ento da totalidade, do conhecer m esm ó.\

Adendo: Como jã se notou, no Adendo ao § 441, o espírito mediatizado


pela negação da alma e da consciência ainda tem ele mesmo também, de
início, a forma da imediatez, por conseguinte a aparência de ser exterior a
si mesmo e de referir-se, da mesma maneira que a consciência, ao racional
como a algo que esta fora dele, apenas achado por at, não mediatizado por
ele. Mas pela suprassunção desses dois graus principais do desenvolvimen­
to, anteriores a ele, dessas pressuposições feitas por ele para si mesmo, o
espírito jã se nos mostrou como o-que-se-mediatiza-consigo-mesmo, como o
que a si mesmo se retoma do seu Outro, como unidade do subjetivo e do
objetivo. A atividade do espírito que chegou a si mesmo, que contém dentro
de si o objeto em si, já como um objeto suprassumido, tem pois em vista,
necessariamente, suprassumir também aquela aparência da imediatez de si
mesmo e do seu objeto, a forma do mero encontrar do objeto. Por isso,
inicialmente a atividade da inteligência aparece, decerto, como formal, não
implementada, e o espírito, por conseguinte, como não sabedor, trata-se pois,
antes de tudo, de acabar com essa ignorância. Para esse fim, a inteligência
enche-se com o objeto, a ela imediatamente dado, que, justamente por sua
imediatez, está afetado de toda a contingência, nulidade e inverdade do

222
ucr-iáf exterior. M«n a inteligência nflu Oca neiwc acolhimento do conteúdo,
dos objetou, que sc lhe oferece imedia lamente; untes, depura o objeto do
que nele se mostra como puramente exterior, como contingente e nulo.
Assim, enquanto para a consciência, como vimos, sua formação ulterior parece
proceder da mudança, que se produz por si mesma, das determinações do
seu objeto, a inteligência, ao contrário, é posta como a forma do espírito
na qual ele mesmo muda o objeto, e, mediante o desenvolvimento deste,
também se desenvolve ulteriormente em direção da verdade. (Ênquanto a ^
inteligência transforma o objeto, de algo exterior em algo interior, ela se t
interioriza a si mesmaT] Esses dois [processos] — o fazer-se interior do /
objeto e a interiorizaçao [Erinnerung] do espírito — são um só e o mesmo, l
Aquilo de que o espírito tem um saber racional toma-se um conteúdo
racional precisamente porque é sabido de maneira racional.
A inteligência retira pois do objeto a forma da contingência, apreende
sua natureza racional [e] desse modo a põe subjetivamente; e, inversamen­
te, elabora com isso ao mesmo tempo a subjetividade para [se tomar] a
forma da racionalidade objetiva.{Assim o saber inicialmente abstrato,form al
vem-a-ser o saber concreto, preenchido pelo verdadeiro conteúdo', portanto,
objetivoS Quando a inteligência atinge essa meta, que lhe é posta pelo seu
conceito, ela é na verdade o que, de início, apenas deve ser, a saber, o
conhecer Deve-se distinguir bem o conhecer do simples saber. Com efeito,
a consciência já é saber. O espírito livre, porém, não se contenta com o
simples saber: ele quer conhecer, isto é, não somente quer saber que um
objeto ê e o que é, de modo geral, assim como segundo suas determinações
contingentes, exteriores; mas quer saber em que consiste a natureza subs­
tancial determinada do objeto. Essa diferença entre o saber e o conhecer
é algo totalmente familiar ao pensamento cultivado. Diz-se, ássirnTpor
exemplo: sabemos, decerto, que Deus existe, mas não podemos conhecê-lo.
O sentido dessa afirmação é o de que nós temos, decerto, uma represen­
tação indeterminada da essência abstrata de Deus, [mas,] ao contrário,
devemos estar fora de condições para conceituar sua natureza concreta,
determinada. Os que assim falam podem ter plena razão — quanto à sua
própria pessoa. Com efeito, embora também aquela teologia, que declara
Deus como incognoscível, faça muito esforço em tomo dele, de modo
exegético, crítico, histórico, e se infle dessa maneira em uma vasta ciên­
cia, ela só leva a um saber do exterior, e afasta, ao contrário, o conteúdo
substancial de seu objeto como algo inassimilãvel para seu espírito fraco,
e por conseguinte renuncia ao conhecimento de Deus, porque para o
conhecimento — como dizem — o saber de determinidades exteriores
não basta, sendo necessário para isso o apreender da determinidade subs-

223
tancial. 'l\il ciência, como a acima designada, sítua-M nõ ponto dc vista
da comciência, não no da verdadeira inteligêticia, que também «? chamou,
aliás com justiça, faculdade do conhecimento-, só que a expressão "Jhctddade"
tem a significação equívoca de uma mera possibilidade.
Para fins de clareza, queremos agora indicar previamente, à guisa de
asserções, oLcurso formal do desenvolvimento da inteligência rumo ao
conhecimento.] E o seguinte: em primeiro lugar, a inteligência tem um
objeto imediato. Em segundo lugar, tem depois um material refletido sobre si
mesmo, interiorizado [erinnerten]. Enfim, em terceiro lugar, tem um objeto
tanto subjetivo como objetivo. Nascem assim três graus:
Io — Do saber relativo a um objeto imediatamente singular, saber de
um material — ou [grau] da intuição.
2o — Da inteligência que, [a partir] da relação à singularidade do
objeto, se retira em si mesma, e refere o objeto a um universal — ou
[grau] da representação.
3o — Da inteligência que conceitua o concretamente universal dos objetos;
ou [grau] do pensar, nesse sentido determinado de que o que pensamos,
também é, também tem objetividade.

1.0 — O grau da intuição, do conhecimento imediato, ou da consciên­


cia posta com a determinação da racionalidade, penetrada pela
certeza do espírito. Divide-se, por sua vez, em três subseções:
1.1 — A inteligência começa aqui pela sensação do material
imediato;
1.2 — depois se desenvolve em atenção, que tanto separa o objeto
de si mesma como o fixa \
1.3 — toma-se, por essa via, a intuição propriamente dita, que põe o
objeto como algo exterior-a-si-mesmo.

2 .0— o segundo grau principal da inteligência, a representação, abrange


os três graus [seguintes]:
2.1 — da interiorização [Erinnerung],
2.2 — da imaginação,
2.3 — da memória.

3.0 — Enfim, o terceiro grau principal nessa esfera, o pensar, tem por
conteúdo:
3.1 — o entendimento,
3.2 — o juízo,
3.3 — a razão.

224
I o) Inhàçâo

§ 446 |
C) espírito com o alm a está determ inado naturalmente, jcom o cons*
dência, está em relação para com essa determinid^de icomo para
com um objeto exterior, com o inteligência,[ \) j— o espírito
encontra a s i mesmo assim determ inado: é seu surdo tecer dentro de
si, no qual é para si dotado-de-material, e tem to d o o m aterial do
seu saber. E m razão da imediatez em que está de início, ele ali está
pura e simplesmente só com o um espírito singular, e comum-subjetivo,
e aparece assim com o espírito que sente.
Se o sentimento já se apresentou antes (§ 399) com o um m odo
de existência da alma, então o encontrar ou a im ediatez têm
nele essencialmente a determ inação do ser natural ou da cor-
poreidade; mas aqui tem só abstratam ente a determ inação da
imediatez em geral.
Adendo:Jã tivemos de falar sobre o sentimento em duas ocasiões, mas sob
um aspecto diverso, cada vezjPrimeiro, tivemos de considerã-lo na alma, e
mesmo, mais precisamente, oiide a alma, despertando de sua vida natural
reclusa em si, encontra em si mesma as determinações-de-conteúdo de sua
natureza adormecida, e justamente por isso tem sentimentos; /por meio da
suprassunção dos limites da sensação chega porém ao sentimento do seu
Si; de sua totalidade, e finalmente, apreendendo-se como Eu, desperta para
a consáência^A. segunda vez que se falou do sentimento foi do ponto de
vista .da consciência. Mas entãc as determinações-de-sentimento eram o ma­
terial separado da alma; material que se manifestava na forma de um oljeto
autónomo da consciência. Finalmente agora, na 3a vez [que dele se fala,] o
sentimento tem a significação de ser aquela forma que o espírito como tal
se confere, que constitui a unidade e a verdade da alma e da consciência;
Nesse espirito, o conteúdo do sentimento está libertado da dupla unilatera-
lidade, que tinha, de um lado, no ponto de vista da alma, e, de outro, no
da consciência. Com efeito, o conteúdo tem agora a significação de ser em
si tanto objetivo como subjetive, e a atividade do espírito se orienta agora
só na direção de pô-lo como unidade do subjetivo e do objetivo.

§ 447
A form a do sentim ento í que ele, na verdade, é um a impressão
determinada', mas essa detem inidade é simples. Por isso, um senti-

225
m ento, mesm o quando seu conteúdo é o [que há dc] mais sólido
e verdadeiro, tem a form a de um a particularidade contingente
— além de que o conteúdo pode ser o mais indigente e o menos
verdadeiro.
Q ue o espírito tenha no sentim ento o m aterial de suas represen­
tações, é um a pressuposição m uito universal mas habitualmente
[entendida] no sentido oposto ao que essa proposição tem
aqui. C ontra a simplicidade do sentimento, costum a-se antes
pressupor o ju íz o em geral, a diferença da consciência em um
sujeito e [um] objeto, com o o originário; assim, a determini-
dade da sensação se deriva de um objeto autónomo, [seja ele]
exterior ou interior. Aqui, na verdade do espírito foi p o r terra
esse ponto de vista da consciência, oposto ao idealismo dele;
e o material do sentim ento é antes já posto com o imanente ,ao
espírito. A propósito do conteúdo, é um preconceito corrente,
de que no sentimento h ã m ais do que no pensamento. Isso se estatui
especialm ente com referência aos sentim entos morais e reli-
\ giosos^O material, que para si m esm o é o espírito enquanto
C^ espírito que sente, produziu-se aqui com o ser-determ inado
, v ;V, em si e para si da razão; por isso todo conteúdo racional, e
mais precisam ente tam bém todo conteúdo espiritual, entra
no sentimento. Mas a form a da singularidade própria de um
Si, que o espírito tem no sentim ento, é a ínfima e a pior de
todas, [pois] nela não está com o ser livre, com o racionalidade
infinita: seu conteúdo e teor estão antes com o algo contingente,
subjetivo, particular. C ultivada [e] verdadeira é a sensação de
um espírito cultivado, que adquiriu para si a consciência de dis­
tinções determinadas, de relações essenciais, de determ inações
verdadeiras etc.; e no qual é esse material retificado que entra
no seu sentimento, isto é, recebe essa forma. :Q sentim ento é *
a form a imediata, po r assim dizer, a mais presente, em que o
sujeito se relaciona com um conteúdo dado: perante ele, reage
prim eiro com seu particular sentimento-dé-si, que bem pode
ser mais sólido e mais amplo, de um p onto de vista unilateral
do entendim ento, porém igualmente tam bém limitado e mau;
em todo caso, é a form a do particular e do subjetivo. Q uando
um hom em , a propósito de algo, apela não para a natureza ou

226
parti o conceito da Coisa — ou pelo menos paru razões, para a
universalidade do entendim ento — mas para o seu sentimento,
nada há a fazer senão deixá-lo onde está, porque desse m odo
se recusa à com unidade da racionalidade [e] se fecha em sua
subjetividade isolada, na particularidade.

A dendo:^* sensação está presente a razão toda — o material completo


do espírito. A partir de nossa inteligência que sente [é que] se desenvolvem
todas as nossas representações, todos os nossos pensamentos e conceitos
sobre a natureza externa, o jurídico, o ético, e o conteúdo da religião;
como também inversamente, depois que tiveram sua plena explicitação, SC
concentram na forma simples da sensaçãoJPor isso um antigo [Xenófanea
de Cólofon] disse, com razão, que os homens formaram para si os seus
deuses [a partir] de suas sensações e paixões. Mas esse desenvolvimen­
to do espírito [que parte] da sensação costuma entender-se como se a
inteligência originariamente estivesse de todo vazia e portanto recebesse
todo o conteúdo defir a , como se ele fosse totalmente estranho. Isso é um
erro. to m efeito, o que a inteligência parece acolher de fora, na verdade,
' não é outra coisa que o racional, por conseguinte, é idêntico ao espírito e
imanente ao mesmoT/A atividade do espírito, portanto, não tem outro fim
do que refutar — pela suprassunção do aparente “ser-exterior-a-si-mesmon
do objeto em si racional — mesmo a aparência de que o objeto seria
exterior ao espírito.

§ 448
Í2) / — N a divisão desse encontrar imediato, um dos m om entos
é a a ir e ç ã o abstrata idêntica do espírito no sentim ento, com o em
todas suas outras determ inações ulteriores — a atenção — sem a
qual nada existe para ele; a interiorização ativa, o m om ento do seu,
mas enquanto é ainda a autodeterm inação fo rm a l da inteligência.
O outro m om ento é que ela põe, em contraste com essa sua in­
terioridade, a determ inidade do sentim ento com o algo essente, mas
enquanto é um negativo, enquanto é o ser-outro abstrato de si mesmo.
[Ã inteligência determ ina assim o conteúdo da sensação com o algo
essente fo ra de si: projeta-o no espaço e no tempo, que são as form as
onde os intuíT^egundo a consciência, o material é som ente seu
objeto, [o] O utro relativo; mas recebe do espírito a determ inação
racional de ser o Outro de s i mesmo (ver §§ 247, 254).

227
Adendo:! A unidade imediata* portanto não desenvolvida* do eaplrito com o
objeto, unidade presente na sensação e no sentimento, é ainda curcntc-de-espí-
rita Por isso a inteligência suprassume a simplicidade da sensação, determina
o que é sentido como um negativo em relação a ela, separando-o assim de si
mesma; e o põe, em sua separação, ao mesmo tempo como o que é seu. Só I
por essa dupla atividade do suprassumire do restabelecerás, unidade entre mim
e o Outro, eu chego a apreender o conteúdo da sensaçãí^Isso ocorre, antes )
de tudo, na atenção. Sem essa, portanto, não é possível qualquer apreender/
do objeto: só por ela o espírito se toma presente na Coisa, e recebe não 1
ainda [um] conhecimento, sem dúvida, pois um mais amplo desenvolvimento
do espírito é mister para isso, mas, mesmo assim, uma noção da Coisa. A]
atenção constitui, pois, o começo da culturajjPorém, o “dar atenção” deve
mais predsamente ser entendido como um preencher-se com um conteúdo
que tem a determinação de ser tanto subjetivo como objetivo, ou, com outras
palavras, de não ser só para mim, mas ter também um ser autónomo. |Na
atenção encontra assim lugar, necessariamente, uma separação e uma unidade
do subjetivo, e do objetivo; um refletir-se-sobre-si do espírito livre, e ao mesmo
tempo uma orientação idêntica do espírito para o objeto. Já está nisso impli­
cado que a atenção é algo dependente de meu arbítrio', que eu, portanto,
só estou atento quando quero estar. Mas daí não se segue que a atenção
seja algo fácil. Ao contrário, ela exige um esforço, já que o homem, quando
quer apreender um objeto, deve abstrair de todos os outros, de todas as mil
coisas que se movem em sua cabeça, de seus interesses outros, e mesmo
de sua própria pessoa; e pela repressão de sua vaidade — que não deixa a
Coisa tomar a palavra, mas a julga precipitadamente — aprofundar-se obs­
tinadamente na Coisa, deixá-la prevalecer em si mesmo, sem meter-se nela
com suas reflexões; ou seja, deve fixar-se na Coisa. A atenção inclui assim
a negação do próprio Jazer-se valer* e o abandonar-se à Coisa: dois momentos
que para a capacidade do espírito tanto são necessários como costumam
considerar-se inúteis para a cultura que se autodenomina conspícua, já que
dessa faz parte o ter dado conta de tudo, o estar acima de tudo. Ora, esse
“estar-acima” reconduz, em certa medida, ao estado de selvageria. O selva­
gem quase não presta atenção a nada: deixa tudo transitar diante dele, sem
fixar-se nisso. Só por meio da cultura do espírito a atenção adquire força e
implementação. O botânico, por exemplo, nota em uma planta ao mesmo
tempo incomparavelmente muito mais que um homem ignorante em botânica.
Vale a mesma coisa, naturalmente, em relação a todos os demais objetos do
saber. Um homem de grande discernimento e de grande cultura tem logo
uma intuição completa do que se lhe depara: no seu caso, a sensação traz
geralmente o caráter da rememoração.

228
Como vimos scims, nu mcnçAo encontram lugar uma Ncparayflo e
uma unidade do subjetivo e do objetivo. Knquanto a atenção, porém, hc
apresenta primeiro no [plano do| sentimento, o predominante nela é a uni­
dade do subjetivo e do objetivo; assim, a diferença entre esses dois lados é
ainda algo indeterminado. Mas a inteligência necessariamente segue adiante
para desenvolver essa diferença, para diferenciar, de maneira determinada,
o objeto do sujeito. A primeira forma sob a qual realiza isso é a intuição:
nela, a diferença entre o subjetivo e o objetivo prepondera tanto como [o
faz], na atenção formal, a unidade dessas determinações opostas.
Temos agora a discutir com mais precisão aqui a objetivação daquilo
que é sentido, tal como ela se produz na intuição. Com referência a isso,
deve-se tratar tanto das sensações interiores como das exteriores.
Quanto às sensações interiores vale especialmente, a seu respeito, que na
sensação o homem está submetido à potência de suas impressões; mas
que se subtrai a essa potência, quando se toma capaz de levar suas sen­
sações até a intuição. Assim, por exemplo, sabemos que, quando alguém
está em condições de se dar a intuição — digamos, em um poema — dos
sentimentos de alegria ou de dor que o avassalam, [então] separa de ai
mesmo o que oprime seu espírito, e assim consegue para si alívio ou
plena liberdade. Pois, embora pareça que, pela consideração dos múltiplos
lados de suas sensações, se lhes aumente o poder, na realidade esse poder
diminui, porque faz de suas sensações algo que se lhe contrapõe, algo que se
toma exterior para ele. Foi por isso que Goethe, por exemplo, se aliviou a si
mesmo, especialmente pelo seu Werther, enquanto submetia os leitores desse
romance à força da sensação. O homem culto sente mais profundamente
que o inculto — por considerar o que sente segundo todos os aspectos
que nele se oferecem —, mas é superior ao inculto no domínio sobre
o sentimento, por mover-se de preferência no elemento do pensamento
racional: elemento que se alça sobre a estreiteza da sensação.
As sensações interiores são assim, como se acaba de indicar, segundo
o grau da força do pensamento reflexivo e do pensamento racional, mais
ou menos separáveis de nós.
Nas sensações exteriores, ao contrário, os diversos graus de sua sepa­
rabilidade dependem da circunstância de se referirem ao objeto como a
um objeto subsistente, ou como a um objeto evanescente. Segundo essa de­
terminação, ordenam-se os cinco sentidos, de modo que vêm a colocar-se
de um lado o olfato e o paladar, e de outro lado, ao contrário, a vista e
o tato\ mas no meio o ouvido. O olfato tem a ver com a evaporação ou
volatização\ o gosto, com o consumo do objeto. A esses dois sentidos o
objeto se oferece assim, em sua dependência total, unicamente em seu

229
desaparecer material. Aqui, pois, a intuição recai no tempo, e u transferen­
cia, do que é sentido, do sujeito para o objeto, é menos fileiI do que no
sentido do tato, que se refere sobretudo ao que oferece resistência no objeto,
e também ao que no sentido próprio da intuição — na vista — que se
ocupa do objeto como algo predominantemente autónomo, ideal e mate­
rialmente subsistente, só tem para com o objeto uma relação ideal, só sente
seu lado ideal — a cor, por meio da luz — mas deixa intocado no obje­
to seu lado material. Enfim, para o ouvido, o objeto é um objeto subsistente
de modo material, mas que idealmente desvanece, no som, o ouvido escuta o
tremer, isto é, a negação só ideal, não real, da autonomia do objeto. Por
esse motivo, sem dúvida, a separabilidade da sensação mostra-se menor
no ouvido do que na vista, porém maior do que no paladar e no olfato.
Temos de ouvir o som, porque desprendendo-se do objeto ele penetra em
nós, e sem grande dificuldade o referimos a este ou àquele objeto: pois
o mesmo, em seu vibrar, conserva-se em sua autonomia.
. I De modo geral, portanto, a atividade da intuição [o que] produz pri-
i meiro [é] um [efeito de] remover de nós a sensação, uma transformação
do objeto sentido em um objeto presente fora de n ó s ^ o r essa mudança,
não se muda a conteúdo da sensação, o qual, antes — aqui no espírito e
segundo o objeto exterior —, é ainda um só e o mesmo conteúdo, de
forma que o espírito ainda não tem aqui nenhum conteúdo próprio que
poderia comparar com o conteúdo da intuição. O que, por isso, tem lugar
mediante a intuição é simplesmente a transformação da forma da interio­
ridade na forma da exterioridade. Isso forma o primeiro modo — embora
ainda um modo form al — como a inteligência se torna determinante.
Mas duas coisas devem notar-se a propósito da significação dessa ex­
terioridade: 1? — que o [objeto] sentido, ao tornar-se um objeto exterior
à interioridade do espírito, recebe a forma de algo exterior-a-si-mesmo, jã que
o espiritual ou racional constitui a natureza própria dos objetos.
2o/ — Temos também de notar que, por sair do espírito como ta l essa
transformação do que é sentido, o que é sentido adquire uma exterioridade
espiritual, isto é, abstrata, e, por meio dela, aquela universalidade de que
pode participar imediatamente o [objeto] exterior, a saber, uma universa­
lidade sem conteúdo, [e] ainda totalmente Jòrmal. Mas a forma mesma do
conceito se dissocia dentro dessa exterioridade abstrata. Esta última tem,
pois, a dupla forma do espaço e do tempo (ver §§ 254-259). Assim, pela
intuição, as sensações são postas espacialmente e temporariamente. O
espacial apresenta-se como a forma do indiferente “ser-um-ao-lado-do-outro ”,
e do subsistir em repouso\ ao contrário, o temporal apresenta-se como a
forma do não repouso, do negativo em si mesmo, do aser-um-depois-do-outro ”,

230
d o surpr c desaparecer: de modo q u e o te m p o r a l ✓ e n q u a n to não é, e não é
enquanto é . Porém as d u a a forma* du exterioridade abstrata são id ê n t ic a s
uma à outra, [nisto: em] q u e tanto uma como a outra são em si m e s m a s
absolutamente discretas e ao mesmo tempo absolutamente contínuas. S u a
continuidade, que em si encerra a discrição absoluta, consiste j u s t a m e n t e
na universalidade do [ser] exterior, [que é] abstrata [e] p r o v e n ie n t e do
espírito, e ainda não desenvolvida em nenhuma singularização efetiva, /
Mas, quando dissemos que o [objeto] sentido recebia do espirito in-
tuidonante a forma do espacial e do temporal, essa proposição não pode
entender-se como se o espaço e o tempo fossem formai apenas subjetivas,J
A tais formas K ant queria reduzir o espaço e o tempo. Contudo, em
verdade, as coisas mesmas são espaciais e temporais; essa dupla forma
do “fora-um-do-outro” não lhes é introduzida unilateralmente por nossa
intuição; mas jã lhes é fornecida originariamente pelo espírito infinito
essente em si, pela ideia eterna criadora. Portanto, quando nosso espírito
intuicionante concede às determinações da sensação a honra de dar-lhes as
determinações abstratas do espaço e do tempo, e de fazê-las assim objetos
propriamente ditos, como também de assimilá-las, então não ocorre aqui
absolutamente o que ocorre segundo a opinião do idealismo subjetivo,
a saber, que só receberíamos a maneira subjetiva de nosso determinar, e
não as determinações próprias do objeto mesmo.
Mas, de resto, deve-se responder aos que têm a estreiteza d e a trib u ir
uma importância toda especial à questão da realidade do espaço e do tempo,
que espaço e tempo são determinações pobres e superficiais ao e x tr e m o , e
por isso as coisas têm muito pouco nessas formas, e assim também e m s u a
perda — se aliás possível fosse — perderiam muito pouco. O pensamento
que conhece não se detém nessas formas: apreende as coisas em seu conceito,
que em si contém o espaço e o tempo como algo suprassumido. A s s im
como na natureza externa espaço e tempo, por meio da dialética — q u e
lhes é imanente — do conceito, se suprassumem a si mesmos para [s e r e m ]
a matéria (§ 2 6 1 ), como sua verdade, assim também a inteligência livre é a
dialética essente para si dessas formas do imediato “fora-um-do-outro".

§ 449
3o — A inteligência, enquanto é essa unidade concreta dos dois
m om entos, e isso im ediatam ente — [do m om ento] de ser interio­
rizada [erinnert] em si mesm a nesse material essente de m odo ex­
terior, e [do m om ento] de ser, em sua interiorização-em-si-mesma,
imersa no ser-fora de si —, é a intuição.

231
Adendo: A intuição não há que confundir-se com 9 representação pro­
priamente dita — a ser examinada somente mais tarde —, nem com a
consciência puramente fenomenológca já discutida.
Primeiro, no que toca à relação da intuição para com a representação,
uma tem em comum com a outra que nessas [duas] formas do espírito
o objeto tanto é separado de mim quanto é o meu. Mas, que o objeto
tenha o caráter do meu, isso na intuição está presente apenas em si; e
somente na representação [é que] está posto. Na intuição, predomina a
objetividade do conteúdo; Só quando faço a reflexão de que sou eu quem
tem a intuição, só então avanço até o ponto de vista da representação.
Mas, quanto â relação da intuição para com a consciência,, temos a
notar o que segue. No sentido mais amplo da palavra, jã se poderia dar
o nome de intuição à consciência imediata ou sensível\ considerada no
§ 418. Porém, caso esse nome deva ser tomado em sua significação pró­
pria, aliás como deve sê-lo de maneira racional, há que fazer-se, entre
essa consciência e a intuição, a distinção essencial de que a consciência
sensível, em uma certeza não mediatizada, totalmente abstrata de si mesma,
se refere à singularidade imediata do objeto, a qual incide em muitos lados,
fora-um-do-outro. Ao contrário, a intuição é uma consciência repleta da
certeza da razão, e cujo objeto tem a determinação de ser algo racional;
por conseguinte, não um singular, dilacerado em diversos lados dissociados
uns dos outros, mas sim uma totalidade, uma plenitude coesa de determi­
nações. Nesse sentido, Schelling falava antes de intuição intelectual Uma
intuição carente-de-espíntõ'; é uma consciência simplesmente sensível, que
permanece exterior ao objeto. Uma intuição cheia-de-espírito, verdadeira,
apreende ao contrário a substância autêntica do objeto. Um historiador ta­
lentoso, por exemplo, tem diante de si, em uma viva intuição, o todo das
situações e dos eventos a serem narrados por ele; ao contrário, quem não
possui talento para a exposição da história fica nas singularidades e com
isso negligencia o substancial. Insistiu-se, pois, com razão, para que todos
os ramos do saber, especialmente também na filosofia, se fale a partir da
intuição da Coisa. Para tanto é preciso que o homem se refira à Coisa
com o espírito, o coração e a alma — numa palavra, com sua totalidade
[Ganzheit] —, que se mantenha no centro da Coisa, e a deixe fazer [e
acontecer]. Só quando a intuição da substância no objeto está firmemente
na base do pensar [é que] se pode, sem sair da verdade, avançar até a
consideração do particular que nessa substância se enraíza; mas que, na
separação dela, toma-se palha insignificante. Ao contrário, se falta na sua
origem a intuição genuína do objeto, ou se de novo desaparece, então o
pensamento reflexivo se perde na consideração das multiformes determina-

232
ç õ c s c relações singulari/mlu» p r e s e n t e s no objeto: então o entendimento
separador despedaça o objeto — mesmo quando é este o ser vivo, uma
planta ou um animal — por suas categorias unilaterais, finitas, de c a u sa
e de efeito, de fim externo e de meio etc.; e dessa maneira n3o c h e g a ,
apesar de suas muitas sutilezas, a conceber a natureza concreta do objeto,
a cpqhecer o laço espiritual que mantém juntas todas as singularidades.
( Mas a necessidade [Notw.] de sair da simples intuição reside em que
a inteligência, segundo o seu conceito, é [um] conhecer, e a intuição, a o
contrário, ainda não é um saber cognoscitivo pois como tal não atinge o
desenvolvimento imanente da substância do objeto, mas antes se limita a o
apreender da substância não desdobrada, rodeada com o acessório do exterior
e do contingente.jfi intuição é, pois, apenas o começo do conhecimento.!
A essa sua posição, refere-se a sentença de Aristótelei de que todo o
conhecimento começa pelo espanto. Porque a razão subjetiva, enquanto
intuição, tem a certeza — embora apenas a certeza indeterminada — d e
reencontrar-se a si mesma no objeto, inicialmente afetado pela fo r m a
da irracionalidade; assim a Coisa lhe inspira espanto e respeito. M a s o
pensar filosófico deve elevar-se acima do ponto de vista do assombro. É
um completo erro acreditar que já se conhece verdadeiramente a C o is a
quando dela se tem uma intuição imediata. O conhecimento pleno s ó
pertence ao puro pensar da razão conceituante, só quem se elevou a e s s e
pensar possui uma intuição verdadeira, completamente determinada; n e le
a intuição constitui simplesmente a forma genuína em que seu c o n h e ­
cimento, plenamente desenvolvido, de novo se concentra. ^Na in tu iç ã o I1
imediata tenho, na verdade, a Coisa toda diante de mim; mas só n o
conhecimento, desenvolvido para todos os lados, [e] que retoma à fo r m a
da simples intuição, é que a Coisa se posta, ante o meu espírito, c o m o
uma totalidade sistemática, em si mesma articuladaSãLm geral, só o h o m e m
cultivado tem uma intuição liberada da massa 3o contingente, e q u ip a d a
com a abundância do racional. Um homem cultivado engenhoso, m e s m o
que não filosofe, pode apreender o essencial: o centro da Coisa em u m a
determinidade simples. Para isso, porém, é sempre necessário refletir. A s
pessoas imaginam muitas vezes que o poeta, como o artista em geral, d e v e
proceder simplesmente por intuição. Isso não é absolutamente o caso. U m
autêntico poeta, ao contrário, antes e durante a execução de sua obra, d e v e
meditar e refletir, só por esse caminho pode esperar que ele vá extrair o
coração ou a alma da Coisa de todas as exterioridades que os encobrem,
e, justamente assim, desenvolver organicamente sua intuição [de poeta].3

3. Aristóteles, Metafísica, 1,2, 982 b.

233
§ 450
Sobre esse próprio ser-fora-de-si, e contra ele, a inteligência dirige
sua atenção tam bém essencialmente. A inteligência é, nessa sua im e­
diatez, [tanto] o despertar para si mesma, [como] sua interiorização
em s i mesma\ assim é a intuição esse concreto, do material e dela
m esm a — o seu; de m odo que não necessita mais dessa im ediatez
e do encontrar do conteúdo.

Adendo: Do ponto de vista da pura intuição, estamos fora de nós na es-


pacialidade e na temporalidade; nessas duas formas do [ser] fora-um-do-outro”.
Aqui a inteligência está imersa no material exterior, [fez] um só com ele,
e não tem nenhum outro conteúdo do que o objeto intuídoTPor isso na
intuição podemos vir-a-ser extremamente não livres. Mas, como jã se notou
no Adendo ao § 448, a inteligência é a dialética, essente para si, daquele
imediato “fora-um-do-outro”.[Por isso o espírito põe a intuição como a sua,
a penetra, e dela fez algo interior, nela se interioriza, toma-se nela presente
a si mesmo, e portanto livre. Por meio desse adentrar-se a inteligência
eleva-se ao grau da representação^ O espírito que representa tem a intuição^
nele a intuição é suprassumida, não desaparecida; nem algo que apenaspassou. 1
Quando se feia de uma intuição [que foi] suprassumida em representação,
também a língua diz, pois, de modo totalmente correto: eu tenho visto isso.
Desse modo não se exprime um simples pretérito, mas antes, ao mesmo
tempo, o presente: o pretérito aqui é simplesmente relativo: só ocorre na
comparação da intuição imediata, com o que temos agora na representação.
Mas a palavra “ter” usada no perfeito [composto] tem muito propriamente
a significação do presente: o que “tenho visto” é algo que não simplesmente
tinha mas que ainda tenho — portanto algo presente em mim. Pode-se ver
nesse uso da palavra “ter” um signo universal da interioridade do espírito
moderno, que não reflete simplesmente em que o passado passou segundo
sua imediatez, mas também em que ainda está conservado no espírito.

2 o) A representação

§ 451
A representação, enquanto intuição rem em orada [erinnerte], é o
m eio-term o entre o “achar-se-determ inado” imediato da inteligência
e a inteligência em sua liberdade, o pensar. Para a inteligência a
representação é o seu, ainda com subjetividade unilateral; enquanto

234
esse “seu” ainda está condicionado pela imediatez, náo é, nele mes­
mo, o ser: () cam inho da inteligência nas representações consiste
tanto em interiorizar a im ediatez — em pôr-se intuidonante em s i
mesma — quanto em suprassum ir a subjetividade da interioridade,
e em extrusar-se dela [e] nela m esm a e em ser em s i mesma na ex­
terioridade própria dela. Mas, enquanto o representar com eça da
intuição e de seu m aterial achado, essa atividade está ainda afetada
pela diferença, e suas produções ainda são nela sínteses, que só no
pensar se tornam a im anência concreta do conceito.

Adendo: As diversas formas do espírito, que se situa no ponto de vista


da representação, costumam — ainda mais do que ocorre no grau anterior,
da inteligência — ser vistas como forças ou faculdades isoladas, indepen­
dentes umas das outras. Ao lado da faculdade-de-representação em geral,
fala-se da imaginação e da memória e considera-se, como algo perfeita­
mente resolvido, a autonomia recíproca dessas formas do espírito. Mas a
apreensão verdadeiramente filosófica consiste justamente em ser concebida
a conexão racional existente entre aquelas formas; em ser conhecido o
desenvolvimento orgânico, que nelas se produz, da inteligência.

Queremos agora indicar aqui de uma maneira geral e preliminar os


graus desse desenvolvimento, para facilitar uma vista geral dos mesmos.
Io) O primeiro desses graus chamamos rememoração [Erinnerung] no
sentido próprio da palavra segundo o qual consiste no evocar involuntário
de um conteúdo que já é o nosso, A rememoração forma o grau mais
abstrato da inteligência que se ativa em representações. Aqui, o con­
teúdo representado ainda está, ele próprio, como na intuição; nela recebe
sua confirmação, como, vice-versa, o conteúdo da intuição se confirma
na minha representação. Temos, por conseguinte, desse ponto de vista,
um conteúdo que não só é intuído como essente, mas ao mesmo tempo
rememorado, posto como o meu. Assim determinado, o conteúdo é o que
chamamos “imagem”.
2o) O segundo grau nessa esfera é a imaginação. Aqui entra em cena a
oposição entre meu conteúdo subjetivo ou representado e o conteúdo intuído
da Coisa, A imaginação elabora para si um conteúdo que lhe é próprio, ao
comportar-se [como] pensante em relação ao objeto intuído: desprende o
universal do mesmo e dã-lhe determinações que competem ao Eu. Dessa
maneira deixa a imaginação de ser uma rememoração simplesmente firm a i
e torna-se a rememoração que diz respeito ao conteúdo, que o universali­
za, e portanto cria representações universais. Porque nesse ponto de vista

235
reina a oposição entre o subjetivo e o objetivo, aqui a u n id a d e densas de-
terminações não pode ser imediata, como no grau da simples rememoração,
mas somente restabelecida. Esse restabelecimento ocorre de modo que se
submete o conteúdo exterior intuído ao conteúdo representado elevado ã
universalidade, e que se rebaixa a um signo desse último, o qual porém,
justamente por isso, é feito objetivo, exterior,; figurado.
3o) A memória é o terceiro grau da representação. Aqui, de um lado,
0 signo é rememorado, acolhido na inteligência; de outro lado, justamente
por isso, dã-se à inteligência a forma de algo exterior; mecânico, e por esse
caminho se produz uma unidade do subjetivo e do objetivo, que forma
a passagem ao pensar como ta l

1 — A rememoração

§ 452
C om o que rem em orando prim eiro a intuição, a inteligência põe
o conteúdo do sentimento em sua interioridade, em seu próprio espa­
ço e em seu próprio tempo. Assim, esse conteúdo é: I o) Imagem: é
libertado de sua imediatez primeira e singularidade abstrata diante
de outro, enquanto é acolhido na universalidade dõ Eu em geral.
A imagem não tem mais a determ inidade com pleta que a intuição
tem, e é arbitrária ou contingente, em geral isolada do lugar exte­
rior, do tem po e do contexto imediato em que se encontra.

Adendo: Já que a inteligência, segundo seu conceito, é a idealidade


(ou universalidade) infinita, essente para si, o espaço e o tempo da in­
teligência são o espaço universal e o tempo universal. Portanto, ao pôr
o conteúdo do sentimento na interioridade da inteligência, fazendo-o
assim representação, eu o desprendo da particularidade do tempo e do
espaço, à qual ele mesmo está preso em sua imediatez, e de que eu
também dependo na sensação e na intuição. Daí se segue, em primeiro
lugar, que, enquanto a presença imediata da Coisa é necessária para a
sensação e para a intuição, posso ao contrário, onde quer que eu esteja,
representar-me algo, mesmo o que está mais distante de mim segundo o
espaço externo e o tempo externo. Mas, em segundo lugar, resulta do que
foi dito acima que tudo o que acontece só adquire para nós duração por
sua recepção na inteligência representativa; [e] que, ao contrário, eventos
que não foram julgados dignos dessa recepção pela inteligência tomam-se
algo completamente passado. Contudo, o representado só ganha aquela

236
im o r ta lid a d e á c u s ta da ckrmm tfir m r d u H Ín jfiila rid u d e i m e d i a t a d o i n ­
tuído, determinada i i r m e m e n t e por todos os lados; a intuição s e o f u s c a
e se dissipa ao tornar-se imagem.
No que concerne ao tempo, pode-se ainda notar aqui, sobre o ca­
ráter subjetivo que recebe na representação, que o tempo se nos torna
airto na intuição quando intuímos muitas coisas; e, ao contrário, torna-sc
longo quando a falta de material dado nos força à consideração de nos­
sa subjetividade sem conteúdo; mas que, inversamente, na representação,
aqueles tempos em que estivemos ocupados de maneira multiforme nos
parecem longos, enquanto aqueles em que tivemos pouca ocupação nos
parecem curtos. Aqui, na recordação, nós temos nossa subjetividade, nossa
interioridade, ante os olhos, e determinamos a medida do tempo segundo
o interesse que ele teve para nós. Ali, na intuição, estamos imersos na
consideração da Coisa\ então o tempo nos parece curto, quando recebe
um preenchimento sempre variável, e, ao contrário, parece longo quando
sua uniformidade não é interrompida por nada.

§ 453
2°) A imagem é, de per si, passageira; e a própria inteligência
constitui, como atenção, o tempo e também o espaço — o “quando**
e o “onde” da imagem. Mas a inteligência não é só a consciência
e o ser-aí, porém, como tal, é o sujeito e o Em-si de suas determi­
nações; rememorada na inteligência, a imagem, que não mais existe,
é conservada inconscientemente.^_
Apreender a inteligência — como esse(çoço noturno em que
se conserva um mundo de imagens infinitamente numerosas,
sem que estejam na consciência^— é, de um lado, a exigência
universal de apreender o conceito enquanto concreto, como por
exemplo [aprender] o gérmen de modo a conter afimuitroamente,
em possibilidade virtual\ todas as determinidades, que só vêm à
existência no desenvolvimento da árvore. A incapacidade de
apreender esse universal, em si concreto, e todavia simples, é
que ocasionou o “boato” da conservação das representações
particulares em fibras e localizações particulares; [pois] o diverso
deveria essencialmente ter também apenas existência espacial
singularizada. Mas o gérmen só sai das determinidades existen­
tes [ao passar] para outra coisa: o gérmen para o fruto, para
o retomo à sua simplicidade, novamente para a existência do

237
ser-em-si. P o r é m a i n t e l i g ê n c i a é , c o m o ta l, a liv r e existência d o
ser-em-si que se rememora dentro de si em seu desenvolvimen­
to. Assim, há que apreender-se, de outro lado, a inteligência
como esse poço inconsciente, isto é, como o universal existente
em que o diverso ainda não está posto como discreto. E, na
verdade, esse Em-si é a primeira forma da universalidade, que
se oferece no representar.

Adendo:]^ imagem é o meu, pertence a mim; porém inicialmente não


tem ainda, além disso, nenhuma homogeneidade comigo, pois não está
ainda pensada, nem ainda elevada àfirm a da racionalidade', entre ela e mim
subsiste, antes, uma relação proveniente do ponto de vista da intuição,
não verdadeiramente livre, e segundo essa relação ey sou somente o in­
terior, mas a imagem é somente o exterior a mim. Tor isso, inicialmente,/'
não tenho ainda a potência plena sobre as imagens adormecidas no poço
de minha interioridade; não posso ainda evocá-las à vontade^ Ninguém
sabe que multidão infinita de imagens do passado nele dormitam: de
tempos em tempos despertam de modo contingente, mas não se pode,
como dizem, recordar-se delas, [^ssim, as imagens são “o nosso” apenas
de uma maneira formal^ \

§ 454
3 o) Tal imagem, conservada abstratamente, precisa para o seu
ser-aí de uma intuição que seja-aí: |a rememoração propriamente
dita é o relacionamento da imagem para com uma intuição, na
verdade enquanto subsunção da intuição singular imediata sob o
universal segundo a forma, sob a representação, que é o mesmo
conteúdo; de modo que a inteligência é interior a si mesma na
sensação determinada e na intuição dela, e a reconhece como o jã
seu, assim como, ao mesmo tempo, sabe sua imagem, de início só
interior, [mas] agora também como imagem imediata da intuição,
e como confirmada nessa intuição.
A imagem, que no poço da inteligência era só sua propriedade,
está agora em sua posse com a determinação da exterioridade. Está
assim posta, ao mesmo tempo, [como] diferenciável da intuição, e
separável da simples noite em que inicialmente estava submersa.
A inteligência é, desse modo, a potência que pode exteriorizar sua
propriedade e não precisar mais da intuição externa para a existên-

238
c i a dcBNU p r o p r i e d a d e n e la . E s s a s í n t e s e d a i m a g e m in t e r io r , c o m o
s c r - a í r e m e m o r a d o , é a representação p r o p r i a m e n t e d it a , e n q u a n t o o
in t e r i o r t e m t a m b é m n e l e a g o r a a d e t e r m i n a ç ã o d e p o d e r s e r posto
d i a n t e d a in t e l i g ê n c i a , d e t e r n e l a u m s e r - a í.

Adendoí Tomam-se propriedade efetiva nossa as imagens do passado,


que jazem escondidas na profundeza escura de nosso interior, pelo motivo
de se apresentarem ante a inteligência na luminosa figura plástica de uma
intuição que aí-está\ de igual conteúdo; e as reconhecemos, com a qjuda
dessa intuição presente, como intuições já tidas por nós. Assim sucede,
por exemplo, reconhecermos entre cem mil um homem, cuja imagem Já
tinha totalmente obscurecido em nosso espírito, logo que ele se apresenta
de novo à nossa vista. Assim, se tenho de conservar algo na rememoraçáo,
devo ter repetidas vezes sua intuição. Certamente no início a imagem nltí
é tanto despertada novamente por mim mesmo quanto o é, antes, pela
intuição imediata correspondente. Porém, mediante tal evocação frequente,
a imagem recebe em mim tão grande vivacidade e atualidade que nAo
preciso mais da intuição externa para dela me recordar. Por essa via, as
crianças chegam da intuição à rememoração. Quanto mais culto é o homem,
tanto mais vive ele não na intuição imediata mas — no meio de todas
as suas intuições — ao mesmo tempo nas rememorações, de modo a ver
pouco [que seja] completamente novo: para ele, o conteúdo substancial,
da maioria do que é novo, é antes algo já bem-conhecido. Igualmente,
um homem culto se contenta sobretudo com suas imagens, e raras vezes
sente a necessidade da intuição imediata. A gente curiosa, ao contrário,
corre sempre de novo onde hã alguma coisa para embasbacar-se.
i

-VAyjf !,vi ■ '■AÍ?


II — A imaginação

§ 455
Io) A inteligência ativa nessa posse é a imaginação reprodutora,
o surgir das imagens para fora da interioridade própria do Eu,
que agora é a potência [dominadora] delas. A relação primeira das
imagens é a que seu tempo-e-espaço exterior imediato conservado
tem com elas. Mas a imagem, no sujeito em que é conservada, tem
somente a individualidade na qual as determinações do seu conteú­
do estão entrelaçadas; ao contrário, sua concreção imediata, isto é,
inicialmente só espacial e temporal, que tem como Uno no intuir é,

239
ao contrário, dissolvida. () conteúdo reproduzido, enquanto perten­
cente à unidade idêntica consigo da inteligência, e posto para fora
de seu poço universal, tem uma representação universal[ que serve
de relação associativa das imagens, de representações que segundo
as várias circunstâncias são mais abstratas ou mais concretas.
As chamadas leis da associação das ideias têm tido um grande
interesse, particularmente no florescimento da psicologia em­
pírica, contemporâneo da decadência da filosofia. Primeiro,
não são ideias que se associam. Depois, essas maneiras de
relacionar-se não são leis, já precisamente pelo motivo de que
há tão numerosas leis sobre a mesma Coisa, por onde o que
tem lugar é antes o arbítrio e a contingência, o contrário de
uma lei: é contingente se o elemento de ligação é algo ima­
ginário, ou se é uma categoria de entendimento — igualdade
e desigualdade, razão e consequência etc. O ir-adiante nas
imagens e representações, segundo a imaginação associativa,
é em geral o jogo de um representar carente-de-pensamento,
em que a determinação da inteligência ainda é universalidade
formal em geral; mas o conteúdo é o dado nas imagens. Ima­
gem e representação — na medida em que se prescinde da
determinação-de-forma mais exata indicada — são diferentes
segundo o conteúdo; porque a primeira é a representação
sensivelmente mais concreta: [tal] representação — quer seja o
conteúdo algo imaginado, quer seja conceito ou ideia — tem em
geral o caráter, embora sendo algo pertencente à inteligência,
de ser segundo seu conteúdo [um] dado e imediato. O ser, o
“encontrar-se-determinado” da inteligência, está ainda aderente à
representação; e a universalidade, que aquele material recebe
mediante o representar, é ainda a universalidade abstrata. A
representação é o meio-termo no silogismo da elevação da in­
teligência: a ligação das duas significações da relação-a-si mesmo
— a saber, o ser e a universalidade que são determinados na
consciência como objeto e sujeito. A inteligência, mediante a
significação da universalidade, completa o achado\ e [completa]
o próprio, o interior, mediante a significação do ser — mas
[ser] posto por ela. (Sobre a diferença entre representações e
pensamentos, ver Introdução, § 20, nota.)

240
A abstração, que tem lugar na atividade representativa, pela
q u a l sâo produzidas a s representações universais — e a s repre­
sentações como tais já têm nelas a forma da universalidade —,
exprime-se muitas vezes como um “incidir-fora-uma-da-outra"
de muitas imagens semelhantes, e que deve dessa maneira s e r
concebível. Para que esse "incidir-fora-um-do-outro* não seja
totalmente o acaso, o sem-conceito, haveria que admitir uma
força-de-atração das imagens semelhantes, ou algo parecido, q u e
fosse ao mesmo tempo a potência negativa esmerilhando o [ q u e
fosse] ainda desigual nelas, um no outro. De fato, essa força é
a própria inteligência, o Eu a si mesmo idêntico, que por sua
rememoração lhes dá imediatamente universalidade, e subsume
a intuição singular sob a imagem, já feita interior (§ 453).

Adendo: Como jã indicamos antes no Adendo ao § 451, a imaginação


é o segundo grau-de-desenvolvimento da representação. A rmemoraçtki, A
primeira forma do representar, eleva-se à imaginação porque a inteligên­
cia, saindo do seu abstrato ser-dentro-de-si para a determinidadt, dissipa t
escuridão noturna que envolvia o tesouro de suas imagens, e a afugenta
pela luminosa clareza da presença.
Mas, por sua vez, a imaginação tem, em si mesma, três formas em
que se desdobra. Ela é, em geral o determinante das imagens.
[1] — Em primeiro lugar, contudo, ela não faz outra coisa além de
determinar as imagens a entrarem no ser-aí. E assim a imaginação apenas
reprodutora. Essa tem o caráter de uma atividade puramente form al
[2] — Em segundo lugar, porém, a imaginação não simplesmente evoca
de novo as imagens nela presentes, mas as relaciona umas com as outras; c
dessa maneira as eleva a representações universais. Desse ponto de vista,
a imaginação aparece, pois, como a atividade do associar das imagens.
[3] — O terceiro grau nessa esfera é aquele em que a inteligência
põe suas representações universais [como] idênticas com o particular da
imagem, dando-lhes assim um ser-aí imaginário. Esse ser-aí sensível tem
a dupla forma do símbolo e do signo; de modo que esse terceiro grau
compreende a fantasia simbolizante e a fantasia signifcante, [sendo que]
esta última forma a passagem para a memória.
[A] — A imaginação reprodutora. O primeiro [grau] é também o formal
do reproduzir das imagens. Na verdade, também puros pensamentos po­
dem ser reproduzidos, mas a imaginação não lida com eles, e sim apenas
com imagens. Contudo, a reprodução das imagens ocorre do lado da

241
imaginação com arbitrariedade e sem a ajuda de uma intuição imediata.
Assim, essa forma da inteligência representativa se distingue da simples
rememoração, què não é esse [agir] autoativo, mas precisa de uma intuição
presente e faz surgir, de maneira não arbitrária, as imagens.
— A imaginação associativa. E uma atividade superior ao simples
reproduzir: é o relacionar das imagens umas com as outras. O conteúdo das
imagens, por causa de sua imediatez ou sensibilidade, tem a forma da
finitude, da relação a Outro. Enquanto agora eu sou aqui em geral quem
determina ou quem põe, também ponho essa relação. Por meio dela, a
inteligência dã ãs imagens, em vez de seu laço objetivo, um laço subjetivo.
Mas este último tem, em parte, ainda a figura da exterioridade em relação
ao que é unido por meio dele. Tenho diante de mim, por exemplo, a ima­
gem de um objeto: a essa imagem liga-se, de modo totalmente exterior, a
imagem de pessoas com quem falei sobre esse objeto, ou que o possuem
etc. Com frequência é apenas o espaço e o tempo que fazem as imagens se
alinharem umas às outras. A conversação habitual em sociedade, na maior
parte do tempo, se tece de uma maneira muito exterior e casual, [indo]
de uma representação para outra. Só quando na conversa se tem um fim
determinado [é que] ela adquire uma coerência mais firme. Os diversos
humores da alma dão a todas as representações uma relação peculiar — os
alegres, uma relação alegre, os tristes, uma relação triste. Vale isso, ainda
mais, a propósito das paixões. Também a medida da inteligência produz
uma diversidade no relacionar das imagens: homens espirituosos, argutos
distinguem-se, a esse respeito, dos homens ordinários: o homem espirituoso
vai em busca de imagens tais que contenham algo de sólido e de profundo.
O dito espirituoso une representações que, embora situadas longe umas das
outras, têm de fato uma conexão interior. Também o jogo-de-palavras deve
situar-se nessa esfera: a paixão mais profunda pode abandonar-se a esse
jogo, pois um grande espírito sabe — mesmo na situação mais infeliz —
pôr tudo o que lhe sucede em relação com sua paixão.

§ 456
A associação das representações, portanto, há de compreender-se
também como subsunção das representações singulares sob uma
universal que constitui sua conexão. Contudo, a inteligência não é,
nela mesma, apenas forma universal, mas sua interioridade é uma
subjetividade em si mesma determinada,, concreta, de conteúdo próprio,
o qual deriva de um interesse qualquer, de um conceito essente-em-si
ou ideia; quanto se pode falar, antecipando, de tal conteúdo. A in-

242
teligêneia é o poder fqiie se exerce] sobre a provisflo das imagens
e representações que lhe pertencem, e assim 2 o) é livre conectar e
subsumir dessa provisão sob o seu conteúdo peculiar. Assim, nessa
provisão, a inteligência está determ inadam ente rem em orada dentro
de si mesma, e lhe introjeta este seu conteúdo: fa n ta sia,, imaginação
sim bolizante, alegorizante ou poética. Essas formações mais ou menos
concretas, individualizadas, são ainda sínteses, enquanto o material,
em que o conteúdo subjetivo se atribui um ser-aí da representação,
provém do achado da intuição.

Adendo: Já as imagens são mais universais que as intuições — têm no


entanto ainda um conteúdo sensivelmente-concreto, do qual eu sou o relacio­
namento com outro conteúdo que tal. Ao dirigir minha atenção para essa
relação, chego a representações universais, ou a representações no sentido
próprio da palavra Pois aquilo mediante o que as imagens se referem
umas às outras consiste justamente no que lhes é comum. Esse comum«
ou é qualquer lado particular do objeto, elevado à form a da universalidade
como por exemplo, na rosa, a cor vermelha,, ou o concretamente universal
o gênero\ na rosa a plantar, mas em todos os casos [esse comum é] uma
representação que se realiza pela dissolução (procedente da inteligência) da
conexão empírica das multiformes determinações do objeto. Na geração das
representações universais comporta-se, assim, a inteligência como autoatrva\
por isso é um erro, destituído-de-espírito, admitir que as representações
universais nascem sem participação do espírito, porque muitas imagens se­
melhantes recaem umas sobre as outras; que, por exemplo, a cor vermelha
da rosa ia encontrar-se com o vermelho de outras imagens que se acham
na minha cabeça, e assim forneceria a mim, simples espectador, a represen­
tação universal do vermelho. Decerto, o particular que pertence à imagem
é um dado; mas a decomposição da singularidade concreta e a forma da
universalidade que assim nasce vêm de mim, como foi notado.
Com frequência, diga-se de passagem, chamam-se conceitos [as] re­
presentações abstratas. A filosofia de Frieé consiste essencialmente em tais
representações. Quando se afirma que se chega por tal meio ao conheci­
mento da verdade, deve-se dizer que ocorre justamente o contrário, e que
por isso o homem sensato, mantendo-se firme no concreto das imagens,
rejeita com razão essa oca sabedoria-de-escola. Contudo, não temos de
discutir aqui mais amplamente esse ponto. Tampouco nos concerne aqui4

4. Jakob Friedrich Fries, 1773-1843. Escreveu Nova Crítica da Razão, 1807.

243
a constituição mais prensa do conteúdo, quer seja algo procedente do
exterior,i quer do racional, do jurídico, ético e religioso. Antes, trata-se aqui
somente, em geral\ da universalidade da representação. Desse ponto de
vista, temos a notar o que segue.
Na esfera subjetiva, em que aqui nos encontramos, a representação
universal é o interior,; e a imagem, ao contrário, o exterior. Essas duas de­
terminações, que aqui se contrapõem, inicialmente incidem ainda fora uma
da outra; são porém, em sua separação, algo unilateral. Falta à primeira
a exterioridade, a figuratividade; e [falta] à segunda o ser-elevado até a
expressão de um universal determinado. A verdade desses dois lados é,
pois, a sua unidade. Essa unidade, a figuração do universal e a universali­
zação da figura, se realiza precisamente porque a representação universal
não se une à imagem para [formar] um produto neutro — por assim
dizer, químico — mas se ativa e se confirma como a potência substancial
[que reina] sobre a imagem: submete-a a si, como algo acidental; faz-se
sua alma; nela, vem-a-ser para-si\ rememora-se, manifesta-se a si mesma.
Enquanto a inteligência produz essa unidade do universal e do particular;
do interior e do exterior, da representação e da intuição, e dessa maneira
restabelece a totalidade presente nesta última, como uma totalidade confir­
mada, no entanto a atividade representativa se implementa em si mesma,
na medida em que é imaginação produtora. Essa constitui o [princípio]
formal da arte, porque a arte expõe o verdadeiramente universal ou a
ideia na forma do ser-aí sensível, da imagem.

§ 457
N a fantasia, a inteligência é im plem entada nela m esm a com o
autointuição, de m odo que seu conteúdo, tirado dela mesma, tem
existência imaginária. Esse [caráter] imaginário de sua autointui­
ção é subjetivo; falta ainda o m om ento do essente. Mas nessa sua
unidade do conteúdo interior e do material a inteligência tam bém
retornou, em si, à relação idêntica consigo enquanto imediatez.
Assim com o a inteligência, enquanto razão, procede a apropriar-se
do im ediato que em si m esm a encontrou (§ 445, cf. § 455, nota),
isto é, a determiná-lo com o [um] universal, assim tam bém seu agir
enquanto razão (§ 438) consiste, [a partir] do ponto presente, em
determ inar com o essente o que nela se im plem entou com o autoin­
tuição concreta: quer dizer, [consiste em] fazer-se ela m esm a ser.
Coisa. Ativa nessa determinação, a inteligência está exteriorizando-se,
produzindo intuição: 3o) Fantasia produtora de signos.

244
A funtuniii 6 o centro em que o universal e o ser, o que é próprio
e o s e r encontrado, o interior e o exterior, são com pletam ente
elaborados em um só. As sínteses precedentes — da intuição,
da rem em oração etc. — são uniões dos mesm os m om entos,
mas são sínteses. Som ente na fantasia a inteligência não é
com o um poço indeterm inado e [como] o universal, mas
com o singularidade; quer dizer, com o subjetividade concreta
em que a relação a si é determ inada [de m odo] a que seja
tanto o ser quanto a universalidade. As formações da fantasia
são por toda a parte reconhecidas com o tais uniões do que é
próprio ou interior ao espírito e do intuitivo [Anschaulichen];
seu conteúdo ulteriorm ente determ inado pertence a outros
domínios. Aqui esse trabalho interno só deve ser apreendido
segundo aqueles m om entos abstratos. A fantasia, enquanto é
a atividade [produtora] dessa união, é razão; mas apenas a
razão form al, porquanto o conteúdo da fantasia é com o tal
indiferente, enquanto a razão com o tal determ ina tam bém o
conteúdo com o verdade.
H á ainda que pô r em evidência, de m odo particular, que en­
quanto a fantasia leva o conteúdo interior para a imagem e
para a intuição — e isso se expressa [ao dizer] que o determ ina
com o essente — tam bém não deve parecer chocante a expressão
de que a inteligência se faz essente; se faz Coisa, porque seu
conteúdo é ela própria, e tam bém [o é] a determ inação por
ela dada a esse conteúdo. A imagem produzida pela fantasia
só é intuitiva subjetivamente; no signo, ela acrescenta a intui-
tividade propriam ente dita; na m em ória mecânica, im plem enta
nela essa forma do ser.

Adendo: Como vimos no Adendo ao parágrafo anterior, na fantasia


constitui a representação universal o Pado] subjetivo, que se outorga uma
objetividade na imagem e assim se confirma. Contudo, essa confirmação
imediatamente ainda é, ela mesma, uma confirmação subjetiva, enquanto
a inteligência de início ainda respeita o conteúdo dado das imagens, por
ele se orienta na figuração imaginária de suas representações universais.
Desse modo chamamos fantasia simbolizante a atividade da inteligência,
que ainda é condicionada e só relatruamente livre. Ela não escolhe, para
expressão de suas representações universais, nenhum outro material sen-

245
nível u n ã o n cr a q u e le c u ja HÍ|<niÍicuvA<> autónoma (vrrvspond* a o c o n t e ú d o
u n iv e rs a l a s e r f ig u ra d o e m im a g e n s . A s s im , p o r e x e m p lo , u li u v a d e J ú ­
p i t e r é r e p r e s e n ta d a p e la á g u ia , p o is e s ta p a s s a p o r s e r fo rte .
A alegoria exprime mais o subjetivo, por meio de um todo de sin­
gularidades. A fantasia poética, finalmente, emprega decerto o material
mais livre que as artes plásticas; contudo, só pode escolher um material
sensível que seja adequado à ideia a representar.
Mas a inteligência avança necessariamente da confirmação subjetiva
presente no símbolo, e meâiatizada pela imagem, até a confirmação
oijetiva, essente em si e para si da representação universal. E que a for­
ma do ser-mediatizado dessa confirmação, dessa unidade do subjetivo e
do objetivo, se converte na forma da imediatez, porque o conteúdo da
representação universal a ser confirmado só se conclui consigo mesmo no
conteúdo da imagem que serve de símbolo. Através desse movimento
dialético, a representação universal chega assim a não necessitar mais
do conteúdo da imagem para sua confirmação, mas a ser confirmada
em si e para si mesma, portanto a valer imediatamente. Ora, enquanto
a representação universal, libertada do conteúdo da imagem, se tornou,
em um material exterior arbitrariamente escolhido por ela, algo intuível,
produziu assim o que se deve chamar signo; distinguindo, a rigor, do
símbolo. O signo deve considerar-se como algo de grande. Quando a
inteligência significou algo, levou a cabo o conteúdo da intuição, e deu
por alma ao material sensível uma significação que lhe é estranha. Assim,
por exemplo, um emblema nacional ou uma bandeira ou uma pedra tumular
significam uma coisa totalmente diversa do que imediatamente indicam.
A arbitrariedade, aqui evidenciada, da ligação entre o material sensível e
a representação universal tem por consequência necessária que se deve
primeiro aprender a significação dos signos. O que vale especialmente
para os signos linguísticos.

§ 458
Nessa unidade — que procede da inteligência — de um a repre­
sentação autónom a e de um a intuição, na verdade a matéria da última
é inicialmente algo recebido, algo imediato ou dado (por exemplo,
a cor do emblema etc.). Porém, nessa identidade a intuição não
vale com o representando positivamente e a si mesma, mas com o
representando alguma outra coisa. É um a im agem que recebeu em
si mesma, com o alma, uma representação autónoma: sua significação.
Essa intuição é o signo.

246
O signo é um a intuição imediata qualquer, que representa
um conteúdo totalm ente outro do que tem para si mesma:
[é] a pirâm ide, em que está transladada e conservada uma
alma alheia. O signo é diferente do símbolo, de um a intuição
cuja determ inidade própria,, segundo sua essência e conceito,
é mais ou menos o conteúdo que exprime com o símbolo; ao
contrário, no signo, com o tal, o conteúdo próprio da intuição
e aquele do qual é signo nada têm a ver um com o outro.
E nquanto signijicante, a inteligência demonstra, pois, um mais
livre-arbítrio, e soberania no uso da intuição do que [tem]
enquanto simbolizante.
H abitualm ente, o signo e a linguagem são introduzidos em
qualquer parte, com o apêndice na Psicologia ou tam bém na
Lógica, sem se ter pensado em sua necessidade e conexão no
sistema da atividade da inteligência. O verdadeiro lugar do
signo é o que foi motivado: a inteligência, que com o intuinte
engendra a forma do tem po e do espaço, mas que aparece
com o acolhendo o conteúdo sensível e form ando para si re­
presentações [a partir] desse material, agora de si m esm a dã a
suas representações autónom as um ser-aí determ inado, u tiliza
como coisa sua o espaço e o tem po preenchidos — a intuição
— cujo conteúdo imediato e peculiar elimina, e lhe dá outro
conteúdo por significação e alma. Essa atividade criadora de
signos pode ser cham ada especialm ente a m em ória produtora (a
M nem ósine inicialmente abstrata), enquanto a m em ória que na
vida ordinária é muitas vezes confundida com a rem em oração,
e tam bém com a representação e a imaginação, e em pregada
com o sinónim o delas, em geral só lida com signos.

§ 459
A intuição, enquanto é imediatam ente, antes de tudo, algo dado
e espacial, recebe, na m edida em que se utiliza com o um signo, a
determ inação essencial de ser apenas com o suprassumida. A inte­
ligência é essa sua negatividade; assim, a figura mais verdadeira da
intuição, que é um signo, é um ser-aí no tempo\ um desvanecer do
ser-aí enquanto é; e segundo sua determ inidade ulterior, externa e
psíquica, é um ser-posto pela inteligência, procedente de sua pró-

247
pria naturalidade (antropológica) — 6 o som, a exteriorização cabal
da interioridade que se faz conhecer. O som que se articula niais
para as representações determ inadas, a palavra e seu sistema, a
linguagem,, dão às sensações, intuições, representações um segundo
ser-aí, superior ao seu ser-aí imediato; e, um a existência que vigora
no reino da representação.
A linguagem só é aqui tom ada em consideração segundo a
determ inidade peculiar enquanto é o produto da inteligên­
cia — a de manifestar as representações da inteligência em
um elem ento exterior. Caso se devesse tratar da linguagem
de m aneira concreta, haveria de lem brar quanto ao seu ma­
terial (o lexicológico) o ponto de vista antropológico, mais
precisamente, o ponto de vista psicofisiológico (§ 401); para
a form a, (a gramática) antecipar o ponto de vista do enten­
dimento. Q uanto ao m aterial elementar da linguagem, de um
lado perdeu-se a representação de simples contingência; de
outro lado, limitou-se o princípio da imitação ao seu dom ínio
estreito, [ao dos] objetos que ressoam. Contudo, pode-se ainda
ouvir elogiar a língua alemã por sua riqueza, devido aos m uitos
term os particulares para sons particulares: rauschen [mugir],
sausen [assoviar], knarren [ranger] etc., dos quais se reuniriam
mais de cem: o capricho m om entâneo cria novos sons desses,
se lhe apraz. A bundância tal no sensível e no insignificante não
deve contar-se entre o que deve constituir a riqueza de um a
língua cultivada. O [que é] propriam ente elem entar mesmo,
não repousa tanto sobre um a simbólica que se refira a objetos
externos, com o sobre um a simbólica interna, a saber, a da ar­
ticulação antropológica, enquanto é, p o r assim dizer, um gesto
da exteriorização falante corporal. Assim se buscam para cada
vogal e consoante, com o para seus elem entos mais abstratos
(movimentos dos lábios, do paladar, da língua) e depois para
suas combinações, a significação característica. Mas esses surdos
com eços inconscientes são modificados tanto p o r circunstân­
cias exteriores com o por necessidades culturais ulteriores até
a invisibilidade e a insignificância, essencialmente p o r serem
eles mesmos, enquanto intuições sensíveis, rebaixados a signos
e assim sua significação original própria se deform a e apaga.

2 48
Porém, o [que há de] formal na língua é obra do entendim ento
que nela introjeta suas categorias; esse instinto lógico produz
o gramatical. O estudo das línguas que perm aneceram [como
eram] de origem, que só nos tem pos m odernos se com eçou a
conhecer profundam ente, m ostrou a respeito que elas contém
um a gram ática m uito elaborada no que é singular, e exprimem
diferenças que faltam ou foram apagadas nas línguas dos povos
mais cultivados. A língua dos povos mais cultivados parece
ter a gramática mais imperfeita; e a m esm a língua ter, em um
estado mais inculto de seu povo, um a gramática mais perfeita
que no estado mais culto (ver W. von H um boldt, Sobre o dual
[Berlim, 1828] I, 10,11).
A propósito da língua falada, enquanto é a língua original,
pode-se tam bém m encionar a língua escritor, contudo só de
passagem, neste ponto. Essa língua é simplesmente um d e­
senvolvimento ulterior no dom ínio particular da linguagem;
desenvolvimento que é ajudado por um a atividade exterior­
m ente prática. A língua escrita avança para o cam po do intuir
espacial imediato, no qual tom a e produz signos (§ 454). Mais
precisamente, a escrita hieroglípea designa as representações por
meio de figuras espaciais, e ao contrário a escrita alfabética
designa sons, que já são, eles mesmos, sinais. Ela se com põe,
portanto, de signos de signos, e de tal m odo que dissocia os
sinais concretos da língua falada, as palavras, em seus elementos
simples, e designa esses elementos.
L eibniz se deixou levar pelo seu entendim ento a sustentar como
m uito desejável um a língua escrita completa, form ada de m a­
neira hieroglífica, o que, decerto, parcialm ente se encontra
tam bém na escrita alfabética (como em nossos signos dos nú­
meros, dos planetas, dos elem entos químicos etc.). [Seria] com o
um a língua escrita universal para o comércio dos povos, e par­
ticularmente dos doutos. M as pode-se sustentar que o comércio
dos povos (o que foi talvez o caso nos fenícios, e atualmente
em Cantão — ver a Viagem de M acartney de Staunton5) suscitou,

5. Diário de viagem em que o diplomata Conde Macartney narrava sua missão na China.
(3 vols. traduzidos para o alemão de 1797 a 1799). Sir George Staunton editou o original.

249
ao contrário, a necessidade da escritura alfabética, e o seu
nascimento. A lém disso, não se pode pensar em u m a língua
hieroglífica abrangente, de todo acabada', os objetos sensíveis
são, na certa, capazes de signos que perm anecem fixos, mas
para os signos do espiritual o progresso da cultura intelectual,
o desenvolvimento lógico progressivo levam a maneiras-de-ver
m udadas a respeito de suas relações internas, e por isso sobre
sua natureza, de m odo que assim apareceria tam bém um a outra
determ inação hieroglífica. Isso já ocorre nos objetos sensíveis,
que seus sinais na língua falada, seus nom es são alterados com
frequência, com o por exemplo nos objetos da química e da
mineralogia. U m a vez que se esqueceu o que são os nomes
com o tais — a saber, exterioridades por si mesmas sem-sentido,
que só têm significação com o signos —, um a vez que se exige,
em lugar de nom es propriam ente ditos, a expressão de uma
espécie de definição, e até mesm o se form a tal definição ao
arbítrio e ao acaso, [nesse caso] a denom inação, isto é, só sua
com posição de signos, da sua determ inação genérica ou
de outras propriedades que devem ser características, m uda de
acordo com a diversidade de aspectos que se apreendem do
gênero, ou ainda de um a propriedade, que deva ser específica.
Só ao [caráter] estático da cultura espiritual chinesa [é que]
se ajusta a língua escrita hieroglífica desse povo: esse tipo de
língua escrita só pode, contudo, ser partilhado pelo reduzido
segm ento de um povo, que se m antém na posse exclusiva da
cultura espiritual.
A elaboração da língua falada está ligada ao mesm o tem po,
da m aneira mais estrita, com o hábito da escritura alfabética;
pela qual, somente, a língua falada ganha a determ inidade e
pureza de sua articulação. A imperfeição da língua falada chi­
nesa é notória: grande núm ero de seus vocábulos têm muitas
significações totalm ente diversas, até m esm o dez, ou vinte, de
m odo que no falar a diferença se faz notar simplesmente pela
entonação, intensidade, falar baixo ou gritar. Europeus que
com eçaram a falar chinês, antes de dom inar essas absurdas
finezas da acentuação, caem nos mais ridículos mal-entendidos.
A perfeição aqui c o n d iu t e no contrário do nparier sans accettí"
que se exige na Europa, com razão, para um falar cultivado.
Por causa da língua escrita hieroglífica, falta à língua falada
chinesa a determ inidade objetiva que se obtém na articulação
por meio da escritura alfabética.
A escritura alfabética é em si e para si mais inteligente: nela,
a palavra — [que é] o m odo, peculiar à inteligência, mais
digno para exteriorizar suas representações — é trazida à
consciência, constituída em objeto da reflexão. Nessa atividade
da inteligência com a palavra, esta é analisada; isto é, o signi­
ficar é reduzido a seus poucos elem entos simples (os gestos
primitivos do articular); são eles o sensível da palavra, levado
à form a da universalidade, e que adquire nessa m odalidade
elementar, ao m esm o tem po, plena determ inidade e pureza.
A escrita alfabética conserva por isso tam bém a vantagem da
língua falada, [pois,] naquela com o nesta, as representações
têm um nom e propriam ente dito: o nom e é o sinal simples
para a representação propriam ente dita — quer dizer, simples,
não dissolvida em suas determinações, e com posta a partir
delas. A língua hieroglífica não nasce da análise im ediata dos
signos sensíveis, com o a escrita alfabética, mas da análise pré­
via das representações; donde então facilmente se com preende
o pensam ento de que todas as representações poderiam ser
reconduzidas a seus elem entos — às determ inações lógicas
simples — de form a que a partir dos signos elem entares es­
colhidos para eles (como no chinês KUA o traço reto simples,
e o traço quebrado em duas partes) a língua hieroglífica seria
gerada por sua composição. Essa circunstância da significação
analítica das representações, na escrita hieroglífica, que levou
L eib n iz a tê-la por superior â escrita alfabética, é antes a que
contradiz a necessidade [Bediirfnis] fundam ental da língua
em geral: o nome. [Contradiz a necessidade] de ter, para a
representação imediata, que, por mais rico que possa ser seu
conteúdo abrangido dentro dela, esse conteúdo no nom e é simples
para o espírito; [é] tam bém um signo im ediato simples, que,
enquanto é um ser para si mesmo, nada dá a pensar: só tem
a determ inação de significar e de representar sensivelmente a
representação simples com o tal. A inteligência representativa
não faz apenas isto: tanto d e m o r a r a c n a simplicidade dai
representações, com o igualm ente recom pô-las a partir dos
m om entos mais abstratos nos quais foram analisadas; mas
tam bém o pensar resum e o conteúdo concreto, a partir da aná­
lise, na qual esse conteúdo se tornou um a ligação de muitas
determinações, na form a de um pensam ento simples. Para os
dois é preciso ter tam bém esses sinais simples em relação ao
significado; sinais que, constituídos de muitas letras ou sílabas,
e tam bém decom postos nelas, contudo não apresentam um a
ligação de muitas representações.
O que foi indicado constitui a determ inação fundam ental para
decidir sobre o valor das línguas escritas. E m seguida, resulta
tam bém que na escrita hieroglífica as relações concretas espi­
rituais estão necessariam ente em aranhadas e confusas, e além
disso sua análise — cujos prim eiros produtos têm igualm ente
de ser analisados de novo — parece possível do m odo mais
diverso e divergente. C ada divergência apresentada na análise
produziria um a outra form a do nom e escrito, assim com o
nos tem pos m odernos, segundo a observação anteriorm ente
feita, até no dom ínio sensível, o ácido clorídrico m udou seu
nom e de m uitos m odos. U m a escrita hieroglífica exigiria um a
filosofia igualm ente estática, com o o é a cultura chinesa em
geral.
D o que foi dito se segue ainda que aprender a ler e escrever uma
escrita alfabética deve considerar-se com o um meio de cultura
infinito, não bastante apreciado, já que conduz o espírito do
sensivelmente concreto à atenção para com o formal, à palavra
sonora e aos seus elem entos abstratos, e fàz algo essencial [que
é] fundar e deixar limpo no sujeito o solo da interioridade. O
hábito adquirido elimina tam bém mais tarde a peculiaridade da
escrita alfabética, de aparecer, no interesse da visão, com o um
desvio pela audibilidade para [alcançar] as representações; esse
hábito fàz [que a escrita alfabética seja] para nós um a escritura
hieroglífica, de m odo que, na sua utilização, não precisamos
ter diante de nós, na consciência, os sons. A o contrário, os
que têm pouco hábito de leitura pronunciam alto o que leem
para com preendê-lo em sua ressonância. Além disso, [ocorre]
que naquela prática, que transforma « escrita alfabética em hie­
róglifos, perm anece aquela capacidade cie abstração adquirida
pelo primeiro exercício: a leitura hieroglífica é para si mesma
um a leitura surda e um a escrita muda. Sem dúvida, o audível
ou temporal, e o visível ou espacial, têm, inicialmente, cada
um sua base própria, de igual valor; mas no caso da escritura
alfabética é som ente um a base, e isso segundo a justa relação
pela qual a língua visível se refere, som ente com o um signo,
à língua sonora: a inteligência exterioriza-se imediata e incon­
dicionalm ente pela palavra. A m ediação das representações,
pelo [ser] mais insensível dos sons, m ostra-se ademais como
a passagem seguinte da representação ao pensar — a memó­
ria — em sua essencialidade peculiar.

§ 460
O nome, enquanto ligação da intuição produzida pela inteli­
gência com seu significado, é antes de tudo um a produção singular
passageira; e a ligação da representação, enquanto algo interior,
com a intuição, enquanto algo exterior, é ela m esm a exterior. A
rem em oração dessa exterioridade é a memória.

III — A memória

§ 461
Com o memória, a inteligência percorre, com referência à in­
tuição da palavra, as mesmas atividades da rememoraçãq) que per­
corre enquanto representação em geral, com referência â primeira
intuição imediata (c£ §§ 451 ss.). I o — Fazendo [que seja] o seu,
aquela conexão que é o signo, eleva por essa rem em oração a li­
gação singular a um a ligação universal — quer dizer, perm anente
— em que o nom e e a significação estão objetivamente ligados
para ela, e faz [que seja] um a representação, a intuição que o nom e
inicialmente é, de m odo que o conteúdo, a significação e o signo
são identificados, são uma representação [só]; e o representar, em
sua interioridade concreta, é o conteúdo enquanto seu ser-aí: é a
m em ória que retém o nome.

253
Adendo: ConsiderumoK u memóriu «oh tris fbrmiut:
Io) da memória que conserva-os-nomes,
2 o) da memória reprodutora,
3 o) da memória mecânica.
A primeira forma da memória consiste em que conservamos o signi­
ficado dos nomes; em que somos capazes de recordar, nos signos falados,
as representações objetivamente ligadas com eles. Assim, ao ouvirmos ou
vermos uma palavra pertencente a uma língua estrangeira, sua significa­
ção [se toma] bem presente; mas não temos ainda, por isso, o poder
de produzir inversamente, para nossas representações, os signos falados
correspondentes daquele idioma: aprendemos a falar e a escrever uma
língua mais tarde do que aprendemos a entendê-la.

§ 462
O nome ê assim a Coisa tal com o ela está presente e tem validade
no reino da representação.
2o — A m em ória reprodutora tem e reconhece o nom e da
Coisa; e, com a Coisa, o nom e sem intuição e imagem. O nom e,
com o existência do conteúdo na inteligência, é a exterioridade da
inteligência nela mesma, e a interiorização [Erinnerung] do nome,
com o [sendo] a intuição po r ela produzida, é ao m esm o tem po a
extrusão [Entáusserung] na qual ela se põe no interior de si mes­
ma. A associação dos nom es particulares reside na significação das
determ inações da consciência que-sente, que representa ou pensa;
determ inações cuja série ela percorre em si mesma, enquanto cons­
ciência que-sente, etc.
N o nom e “leão” não precisamos nem da intuição de tal animal,
nem m esm o tam bém da imagem: mas o nom eKenquanto o
percebemos, é a representação simples sem imagem; É em nom es
que nós pensamos. > ,
A mnemónica dos antigos — h ã algum tem po reanimada, e de
novo, com justiça, esquecida — consiste em transform ar os
nom es em imagens, e assim rebaixar de novo a memória, em
imaginação. O lugar da força da m em ória ocupa-o um quadro
perm anente, consolidado na imaginação, de um a série de im a­
gens a que está ligado o texto a aprender de cor, a sequên­
cia de suas representações. N a heterogeneidade do conteúdo
dessas representações, e daquelas imagens perm anentes, com o

2 54
tam bém pela rapidez com que tem de ocorrer cwtu ligação, ela
nflo deve ocorrer flenão por conexõen insípidas, tolas, total-
niente contingentes N ão só o espírito é posto no suplício de
se atorm entar com instrum ento enlouquecido, mas [também]
o que decorou de tal maneira é por isso logo esquecido de
novo, enquanto aliás o m esm o quadro é utilizado para deco­
rar qualquer outra série de representações, e que, por isso, as
que antes lhe estavam ligadas são de novo apagadas. O que
é gravado m nem onicam ente não é com o o que se guarda na
memória, retido de cor, isto é, saído do íntim o, do poço pro­
fundo do Eu, e assim recitado; mas é lido, p or assim dizer, no
quadro da imaginação.
A m nem ónica está ligada aos preconceitos com uns que se têm
sobre a m em ória com referência à imaginação, com o se esta
fosse um a atividade superior, mais espiritual que a memória.
[Mas é] antes a mem ória [que] nada tem a ver com a imagem,
que é tom ada do ser-determ inado imediato, não espiritual da
inteligência: da intuição, mas com um ser-aí que é o produto
da inteligência mesma: com um tal aprender de cor [Auswen-
digen] que permanece encerrado no interior [Inwendige] da
inteligência, e que só é, dentro dela mesma, o seu lado voltado
para fora [auswendige] existente.

Adendo: A palavra encuanto sonora desaparece no tempo\ este as­


sim se mostra na palavra como negatividade abstrata, isto é, apenas
aniquilante. Mas a negatividade verdadeira, concreta do signo linguístico
é a inteligência, porque, po- ela, o signo linguístico é mudado de algQ
exterior em algo interior, e conservado nessa forma modificada. Assim as
palavras se tomam um ser-aí vivificante pelo pensamento. Esse ser-aí é
absolutamente necessário a nossos pensamentos. Só sabemos de nossos
pensamentos, só temos pensamentos determinados, efetivos, quando
lhes damos a forma da objetividade, do ser-distinto de nossa interioridade,
é na verdade, como uma exterioridade ta l que ao mesmo tempo leva
a marca da suprema intemridade. Um exterior tão interior é só o som
articulado, a palavra. Querer pensar sem palavras, como Mesmeib uma
vez tentou, aparece como uma desrazão, que tinha levado esse homem,

6. F. A . Mesmer, médico que pesquisou o “magnetismo animal”. Ver no Adendo ao § 406.

255
segundo afirniuçflo sua, quase à mania delirante. Mas é também ridículo
ver, no fato de estar o pensamento ligado à palavra, uma deficiência do
pensamento, e uma desgraça; pois, embora se pense que o inexprim ível
seja justamente o mais excelente, essa suposição, nutrida pela vaidade,
não tem o mínimo fundamento; porque o inexprimível, na verdade, é
somente algo turvo, fermentante, que só ganha clareza quando consegue
chegar à palavra. A palavra, portanto, dá ao pensamento seu mais digno
e mais verdadeiro ser-aí. Certamente, também se pode, sem compreender
a Coisa, preocupar-se com palavras. Isso porém não é culpa da palavra,
mas de um pensar falho, indeterminado, sem conteúdo. Assim como o
pensamento verdadeiro é a Coisa, assim também o é a palavra , quando é
empregada por um pensar verdadeiro. Por isso, enquanto a inteligência
se enche com a palavra, acolhe em si mesma a natureza da Coisa. Mas
essa acolhida tem ao mesmo tempo o sentido de que a inteligência assim
se faz algo coisificado [einem Sãchlichen], de modo que a subjetividade,
em sua diferença para com a Coisa, se tome algo totalmente vazio, um
depósito de palavras, carente-de-espírito; portanto, uma memória mecânica,.
Dessa maneira, o excesso (por assim dizer) de rememoração da palavra se
transforma na suprema extrusão da inteligência. Quanto mais familiar me
tomo com a significação da palavra, quanto mais assim a palavra está
reunida com minha interioridade, tanto mais a objetividade e, portanto,
a determinidade de sua significação podem desaparecer; tanto mais, por
conseguinte, a própria memória, ao mesmo tempo junto com a palavra,
pode tomar-se algo abandonado pelo espírito.

§ 463
3 o — Enquanto a conexão dos nom es reside na significação,
a ligação desta com o ser, com o nome, é ainda um a síntese; e
a inteligência, nessa sua exterioridade, não retornou para si de
m odo simples. Mas a inteligência e o universal, a verdade simples
de suas extrusões particulares e de seu apropriar levado a term o,
é o suprassumir daquela diferença entre a significação e o nome.
Essa suprem a rem em oração do representar é a suprem a extrusão
da inteligência em que ela se põe com o o ser, o espaço universal
dos nom es com o tais, isto é, de palavras carentes-de-sentido. [O]
Eu, que é esse ser abstrato, enquanto subjetividade é ao m esm o
tem po a potência [que se exerce] sobre os diversos nomes, o laço
vazio, que fixa em si m esm o e m antém em ordem fixa a série dos
nomes. Enquanto os nom es são apenas essentes, e a inteligência em

256
ui menina é aqui esse seu scr, ela é esa* potência com o subjetividade
totalm ente abstrata: a memória, que devido à exterioridade total em
que os term os dessas séries estão uns em relação aos outros, e [já
que] ela mesm a é essa exterioridade, em bora subjetiva, é denom i­
nada m ecânica (§ 195).
E notório que só se sabe corretam ente um texto de cor
quando não se tem [de pôr] nenhum sentido nas palavras;
o recitar do que se sabe decorado torna-se assim, por esse
motivo, sem-acento. O acento correto, que é introduzido, visa
ao sentido; todavia a significação — a representação — que
é evocada estorva a conexão m ecânica e confunde facilmente
a recitação. A faculdade de poder reter de cor séries de pa­
lavras em cuja conexão não existe nenhum entendim ento, ou
que já são, de p er si> carentes-de-sentido (uma série de nom es
próprios), é tão extrem am ente espantosa porque o espírito
essencialmente consiste em serju n to a s i mesmo: m as aqui ele
é enquanto extrusado nele mesmo: sua atividade é enquanto
um mecanismo. Porém, o espírito só é ju n to a s i mesmo com o
unidade da subjetividade e da objetividade, e aqui na m em ória
depois que na intuição está antes de tudo com o exterior, de
m odo a achar as determinações; e porque na representação
rem em ora dentro de si esse achado e faz dele o que é seu o
espírito se to m a com o memória, em si m esm o algo exterior,
de m odo que o [que é] seu parece com o algo que é achado.
U m dos m om entos do pensar, a objetividade; põe-se aqui com o
qualidade da própria inteligência nela. É fácil apreender a m e­
m ória com o um a atividade mecânica, com o um a atividade do
que não tem sentido, e aí ela é justificada possivelmente só
por sua utilidade, talvez por sua indispensabilidade para outros
fins e atividades do espírito. Assim, porém, se desconhece sua
significação própria, que a m em ória tem no espírito.

§ 464
O essente, enquanto nome, precisa de um Outro, da significação
da inteligência representativa, para ser a Coisa, a objetividade ver­
dadeira. A inteligência, enquanto m em ória mecânica, é em um só,
aquela mesm a objetividade exterior e a significação. É posta assim

257
com o a existência dessa identidade, quer dizer, é ativa para si mesma,
enquanto é essa identidade que é em si, com o razão. A memória, dessa
maneira, é a passagem para atividade do pensamento, que não tem
mais significação: isto é, o subjetivo não é algo diferente de sua ob­
jetividade, assim com o essa interioridade é, nela mesma, essente.
Jã nosso idiom a [alemão] dá à memória — da qual, falar com
desprezo, se tom ou um preconceito — um a posição elevada de
parentesco imediato com o pensamento [Gedàchtnis/Gedanke].
A juventude não tem po r acaso um a m em ória m elhor que os
velhos, e sua m em ória não é só utilizada por causa da utilidade,
mas a juventude tem boa m em ória porque não se com porta
ainda de m odo refletido, e sua m em ória se exerce intencio­
nalm ente ou não intencionalm ente para aplainar o solo de sua
interioridade [para que se torne] em puro ser, em puro espaço,
no qual a Coisa, o conteúdo essente em si, possa garantir-se e
explicitar-se sem a oposição contra um a interioridade subjetiva.
U m profundo talento está ligado habitualm ente na juventude
com um a boa memória. Mas tais indicações empíricas de nada
servem para conhecer o que a m em ória é nela mesma; é um
dos pontos até agora totalm ente descuidados, e de fato um
dos mais difíceis, na D outrina do Espírito, na sistematização
da inteligência, apreender a situação e significação da memória,
e conceber sua conexão orgânica com o pensar. A m em ória
com o tal é, ela mesma, o m odo apenas exterior, o m om ento
unilateral da existência do pensar; a passagem é, para nós ou
em si, a identidade da razão e do m odo da existência; essa
identidade fez que a razão exista então em um sujeito com o
atividade sua: assim, a m em ória é o pensar.

3 o) O pensar

§ 465
A inteligência é re-cognoscente\ conhece um a intuição imediata, na
m edida em que jã é a sua (§ 454); além disso, no nom e conhece
a Coisa (§ 462). Ora, para ela, o seu universal é na dupla significa­
ção do universal com o tal e do universal enquanto algo imediato

258
ou cnscnte. por conseguinte como o verdadeiro Universal, que é a
unidade de si mesmo que pervade seu O utro, o ser. Assim a inte­
ligência, para si mesma e nela mesma, é cognoscente. [1] Nela mesmat
é o universal; o seu produto, o pensamento, é a Coisa; identidade
simples do subjetivo e do objetivo. Ela sabe que o pensado é; e
que o que é, só é enquanto é pensam ento (ver § 5,21). [2] Para
si mesma: o pensar; para a inteligência, é ter pensamentos. O s pensa­
m entos são enquanto conteúdo e objeto da inteligência.

Adendo: O pensar é o terceiro e último grau principal do desenvolvi­


mento da inteligência, porque nele a unidade presente na intuição — uni­
dade imediata, essente em si — do subjetivo e do objetivo é restabelecida, a
partir da oposição desses dois lados, que resulta na representação como uma
unidade enriquecida por essa oposição; portanto restabelecida como essente
em si e para si: por causa disso, esse fim se recurva para trás [incidindo]
naquele começo. Assim, enquanto do ponto de vista da representação a uni­
dade do subjetivo e do objetivo, produzida em parte pela imaginação, e
em parte pela memória mecânica (embora nesta última eu faça violência
à mínha subjetividade), [essa unidade] permanece ainda algo subjetiva
ao contrário, no pensar ela recebe a forma de uma unidade tão objetiva
quanto subjetiva, jã que o pensamento sabe a si mesmo como a natureza
da Coisa. Os que nada entendem da filosofia põem sem dúvida as mãos
na cabeça quando ouvem a proposição: o pensar é o ser. No entanto, na
base de todo o nosso agir, está a pressuposição da unidade do pensar
e do ser. Fazemos essa pressuposição como seres racionais, como seres
pensantes. Contudo, há que distinguir bem se apenas somos pensantes,
ou se também nós nos sabemos como pensantes. O primeiro, nós o somos
em todas as circunstâncias; o último, ao contrário, só ocorre de maneira
completa quando nos elevamos ao puro pensar. Este conhece que só ele
mesmo — e não a sensação ou a representação — está em condições de
captar a verdade das coisas, e que por isso a afirmação de Epicuro, de
que “o [que é] sentido é o verdadeiro”, deve ser declarada uma perversão
total da natureza do espírito. Decerto, o pensar não deve ficar um pensar
abstrato, form al — pois esse despedaça o conteúdo da verdade —, mas
deve desenvolver-se em pensar concreto, em conhecimento conceituante.^

§ 466
M as o conhecim ento pensante é tam bém , antes de mais nada,
formal', a universalidade e seu ser, é a simples subjetividade da inte-

259
lig ê n e iu . O u p e n s a m e n t o s , a s s im , n fto s fio d e t e r m i n a d o s e m si e p a r u
si; n e m [ t a m p o u c o ] a s r e p r e s e n t a ç õ e s , r e m e m o r a d a s p a r a [ s e r e m ]
p e n s a m e n t o s , s ã o , n e s s a m e d id a , o c o n t e ú d o d a d o .
Adendo: O pensar sabe primeiro a unidade do subjetivo e do objetivo
como uma unidade totalmente abstrata, indeterminada, apenas certa: não
implementada, não verificada. Por isso, a determinidade do conteúdo racional
é ainda, para essa unidade, uma determinidade exterior, por conseguinte
dada: e o conhecimento é, pois, form al Mas, porque em si essa deter­
minidade está contida no conhecimento pensante, aquele formalismo o
contradiz, e por esse motivo é suprassumido pelo pensar.

§ 467
N este conteúdo, é o pensar: I o) entendimento fòrm alm ente idên­
tico, que elabora as representações rem em oradas, em gêneros, es­
pécies, leis, forças etc., de m odo geral em categorias, no sentido de
que só nessas formas de pensam ento o material teria a verdade de
seu ser. Enquanto, em si mesmo, negatividade infinita, é o pensar:
2o) essencialmente divisão [Diremption]; ju íz o que, no entanto, não
mais dissolve o conceito na oposição anterior de universalidade e
ser, mas o diferencia segundo as ligações peculiares do conceito;
e 3o) o pensar suprassume as determ inações-de-form a, e põe ao
m esm o tem po a identidade das diferenças: [é a] razão form al\ [o]
entendimento silogizante. A inteligência conhece enquanto pensante, e
na verdade
1 ) quando o entendim ento explica o singular [a partir] de suas
universalidades (das categorias) chama-se então conceituante;
2 ) quando explica com o um universal (gênero, espécie) no ju tzo \
nessas formas o conteúdo aparece com o dado;
3) no silogismo porém o entendim ento, a partir de si mesmo,
determ ina [o] conteúdo, ao suprassumir essa diferença de forma.
N o discernim ento da necessidade, desvanece a últim a im ediatez que
ainda adere ao pensar formal.
N a Lógica o pensar é só com o ele é em si, e a razão se de­
senvolve nesse elem ento sem-oposição. N a consciência, o pen­
sam ento encontra-se com o um grau (ver § 437, nota). Aqui
a razão é com o a verdade da oposição, com o se determ inara
no interior do espírito mesmo. O pensar se evidencia nessas

260
diversas partes da ciência sem pre de novo, porque elas só di­
ferem pelo elem ento e pela forma da oposição, mas o pensar
é esse centro — um só e o m esm o — ao qual as oposições
retornam com o à sua verdade.
Adendo: Antes de Kant, não se fazia entre nós nenhuma diferença
determinada entre entendimento e razão. Mas, se não se quer soçobrar na
consciência vulgar, que apaga grosseiramente as formas diferenciadas do
puro pensar, deve-se fixar a diferença entre entendimento e razão [de
modo] que, para a razão, o objeto é o determinado-em-si-e-para-st\ a iden­
tidade do conteúdo e da form a, do universal e do particular, ao contrário,
para o entendimento, o objeto se decompõe na forma e no conteúdo, no
universal e no particular, em um vazio Em-si e na determinidade que a ele
chega de fora; e assim, no pensar de entendimento, o conteúdo é indiferente
para com a forma, enquanto no conhecimento racional ou conceituante ele
produz sua forma a partir de si mesmo.
Mas, embora o entendimento tenha em si a falha hã pouco indicada,
é um momento necessário do pensar racional. Sua atividade consiste em
geral no abstrair Se ele separa então o contingente do essencial, está abso­
lutamente em seu direito, e aparece como o que deve ser em verdade.
Por isso chama-se a quem persegue um fim essencial, um homem de
entendimento. Sem entendimento, também nenhuma firmeza de caráter
é possível, porque ela requer que o homem fique firme em sua essencia-
lidade individual. Contudo, o entendimento também pode, inversamente,
dar a uma determinação unilateral a forma da universalidade, e assim
tomar-se o contrário do entendimento dotado do sentido do essencial,
[o contrário] do bom-senso.
O segundo momento do puro pensar é o julgar. A inteligência — que
como entendimento arranca umas das outras as diversas determinações abs­
tratas, imediatamente unidas na singularidade concreta do objeto, e as
separa do objeto — chega necessariamente primeiro, em seu progresso,
a relacionar o objeto com essas determinações universais de pensamento, e
assim a considerar o objeto como relação, como uma conexão objetiva,
como uma totalidade. Essa atividade da inteligência já se chama, com
frequência, conceber, mas erroneamente. Pois desse ponto de vista o objeto
é ainda apreendido como um dado, como algo dependente de um Outro,
condicionado por ele. As circunstâncias, que condicionam um fenômeno,
contam aqui ainda como existências autónomas. Por isso a identidade
dos fenômenos relacionados uns com os outros é ainda uma identida­
de simplesmente interna e, justamente por isso, simplesmente exterior. O

261
c o n c e it o , p o r ta n to , u in d u n ã o l e m o n tr a a q u i e m «uu figurtt p r ó p r ia , m u*
na forma da ncccssuíade pnvadaAe^amt etto.
Só no terceiro grau do p u r o pensai se conhece o conceito como tal.
Kssc grau apresenta assim o conceito propriamente dito. Aqui o universal
é conhecido como particularizando-se a si mesmo, e retomando-se da
particularidade na singularidade, ou, o que é o mesmo, o particular é
rebaixado, de sua autonomia, a um momento do conceito. Por conseguin­
te, o universal não é mais, aqui, uma forma exterior ao conteúdo, mas
a forma verdadeira, que produz o conteúdo a partir de si mesma — o
conceito da Coisa que se desenvolve a si mesmo. O pensar não tem,
por conseguinte, desse ponto de vista, nenhum outro conteúdo que a
sí mesmo, que suas próprias determinações, que constituem o conteúdo
imanente da forma; ele procura e encontra, no objeto, só a si mesmo. O
objeto, portanto, aqui só é diferente do pensar porque tem a forma do
ser, do subsistir-para-si-mesmo. Assim, o pensar está aqui em uma relação
perfeitamente livre para com o objeto.
Nesse pensar idêntico ao seu objeto, a inteligência alcança sua con­
sumação, sua meta; pois ela agora é de fato; em sua imediatez, o que
[antes] apenas devia ser: a verdade que se sabe, a raxão que se conhece a si
mesma. O saber constitui agora a subjetividade da razão, e a razão objeti­
va é posta como saber. Esse interpenetrar-se recíproco da subjetividade
pensante e da razão objetiva é o resultado final do desenvolvimento do
espírito teórico através dos graus anteriores ao puro pensar: o da intuição
e o da representação.

§ 468
A inteligência, que enquanto teórica se apropria da determ i-
nidade im ediata, está agora, depois de com pletada sua tom ada
de posse, em sua propriedade: pela última negação da imediatez, é
posto em si que para a inteligência o conteúdo é determ inado por
ela. O pensar, enquanto é o conceito livre, é então livre tam bém
segundo o conteúdo. A inteligência, sabendo-se com o determ inante
do conteúdo — que tanto é o seu quanto ele é determ inado com o
essente — , é [a] vontade.

Adendo: O puro pensar é, antes de mais nada, um comportamento


espontâneo, imerso na Coisa. Mas esse agir torna-se necessariamente
também objetivo para si mesmo. Jã que o conhecimento conceituante está
absolutamente junto a si mesmo no objeto, então deve reconhecer que

262
suas detcrminaçõe* «Ao detcrminaçõe» da Coisa, c que, invertmmentc, u*
determinações que vigoram objetrvamenk, us determinações essenks, sAn
determinações suas. Mediante a rrmemontfâo, através desse adentrar-se du
inteligência, esta se torna vontade. Para a consciência comum, essa pas­
sagem certamente nào está presente; para a representação, o pensamento
e a vontade incidem, antes, fora um do outro. Na verdade, porém, como
acima vimos, é o pensar que se determina a si mesmo para [ser] a vontade* e
o pensar permanece a substância da vontade, de modo que sem o pensar
nenhuma vontade pode haver, e o homem mais inculto só tem vontade
na medida em que pensou; ao contrário, o animal, porque não pensa,
também não pode ter vontade alguma.

b — O espírito prático

§ 469
O espírito, com o vontade, se sabe com o decídindo-se em AÍ
m esm o, e preenchendo-se de si m esm o. Esse ser-para-si preen­
chido, ou singularidade, constitui o lado da existência ou rm lidode
da id eia do espírito; enquanto vontade, entra o espírito ntt efetivi­
dade; enquanto saber, está no solo da universalidade do conceito.
O espírito, enquanto dá a si m esm o o conteúdo, e a vontade junto
a si, liv re em geral: este é seu conceito determ inado. Sua finltudc
consiste em seu form alism o', em que seu ser, preenchido por ittAO*
é a determ inidade abstrata, a sua em geral, não identificada com a
ra zã o desenvolvida. A determ inação da vontade essente em s i é levar
a liberdade à existência na vontade formal, e p o r isso o fim dessa
vontade é preencher-se com seu conceito, isto é, fazer da liberdade
sua determinidade, seu conteúdo e fim, com o [também] seu ser-aí.
Esse conceito, a liberdade, só é essencialmente enquanto pensar;
o cam inho da vontade — fazer-se espírito objetivo — consiste em
elevar-se à vontade pensante: em dar-se o conteúdo que só com o
vontade que-se-pensa ela pode ter.
A verdadeira liberdade, enquanto eticidade, é não ter a vontade
com o seu fim, [um] conteúdo subjetivo, isto é, egoísta, e sim
[um] conteúdo universal. Mas tal conteúdo só é no pensar e
pelo pensar: é nada menos que absurdo querer excluir o pensar
da eticidade, da religiosidade, da juridicidade etc.

263
Adendo: A inteligfnm mc d e m o n u t m u p u m n ó * c o m o [ s e n d o ] o e s p í r it o
c |u c n o objeto vai pam si mesmo; q u e n e le se rememora, c* q u e c o n h e c e m ui
interioridade como s e n d o o objetivo, O r u a v o n t a d e , in v e r s a m e n te , v e m a
d a r n a objetivação d e s u a interioridade, a in d a a f e t a d a p e la f o r m a d a s u b j e ti­
vidade. 'lemos contudo a q u i, n a e s f e r a do espírito subjetivo, d e s e g u i r e s s a
produção-da-exterioridade [Àusserlichmachung] somente até o ponto e m q u e
a inteligência querente se toma espírito objetivo, isto é, até onde o produto
da vontade deixa de ser simplesmente o gozo e começa a ser fato e ação,
O curso do desenvolvimento do espírito prático é então, de modo
geral, o seguinte.
Primeiro a vontade aparece na forma da imediatez\ ela não se pôs
ainda como inteligência que determina livre e objetivamente, mas apenas
se encontra como um tal determinar objetivo. Assim, a vontade é: 1) senti­
mento prático, tem um conteúdo singular e é ela mesma vontade subjetiva,
imediatamente singular, que na verdade, como se disse, se sente como
objetivamente determinante, mas ainda lhe falta o conteúdo, libertado
da forma da subjetividade verdadeiramente objetivo e universal em si e para
si. Por esse motivo, a vontade inicialmente só é livre em si, ou segundo
o seu conceito. Ao contrário, pertence à ideia da liberdade que a vontade
faça do seu conceito — [que é] a liberdade mesma — seu conteúdo ou fim.
Quando faz isso, ela se toma espírito objetivo, constrói para si um mundo
de sua liberdade, e dã, por conseguinte, ao seu conteúdo verdadeiro um
ser-aí autónomo. Mas a vontade só alcança essa meta ao elaborar sua
singularidade, ao desenvolver sua universalidade, essente apenas em si, em
um conteúdo universal em si e para si.
2) [A tenáênciá\. O passo seguinte nesse caminho, a vontade faz
quando, como tendência, avança até a concordância, que no sentimento
está somente dada, de sua determinidade interior com a objetividade;
concordância que deve ser posta só pela vontade.
3) [A felicidade]. O que vem depois consiste em que as tendências
particulares são subordinadas a um universal, é a felicidade. Mas, por ser
esse universal somente uma universalidade-de-reflexão, ele permanece assim
algo exterior ao particular das tendências, e só é referido a esse particular
pela vontade, singular, de modo totalmente abstrato: pelo arbítrio.
Tanto o universal indeterminado da felicidade como a particularidade
imediata das tendências e a singularidade abstrata do arbítrio são, em sua
exterioridade recíproca, algo não verdadeiro e por isso vêm a convergir
no universal concreto, na vontade querente [que é] o conceito da liberdade;
[nessa vontade,] como já foi notado, que é a meta do desenvolvimento
do espírito prático.

2 64
tf 470
() espírito prático, com o vontade formal ou imediata, contém
prim eiro um duplo dri>rr-xrr. Io) na oposição da detcrm inidudc
posta a partir dele, em contraste com o ser-determ inado m edia­
to que assim reaparece: [oposição] a seu ser-af e estado que na
consciência se desenvolve ao mesm o tem po em um a relação de
oposição a objetos externos. 2o) Essa prim eira autodeterm inação
não é, inicialmente, enquanto ela m esm a é imediata, elevada ã
universalidade do pensar; a qual, portanto, constitui tanto segundo
a form a — com o pode constituir segundo o conteúdo — em s i o
dever-ser em contraste com aquela autodeterm inação: uma oposição
que de início é só para nós.

I o) O sentimento prático

§ 471
O espírito prático tem nele sua autodeterm inação prim eiro de
m aneira imediata, portanto form alm ente. Desse m odo, ele se encontra
com o [sendo] em sua natureza interior [uma] singularidade deter­
minada. Assim, é sentimento prático. Aí ele tem — por ser em s i
um a subjetividade simplesmente idêntica com a razão — decerto
o conteúdo da razão, mas com o im ediatam ente singular e por ísno
tam bém com o um conteúdo natural' contingente e subjetivo, que tanto
se determ ina a partir da particularidade da necessidade [Bedurfnis]
da opinião etc., e da subjetividade que se põe com o universal para
si mesma; quanto pode, em si, ser adequada à razão.
Q uando se apela ao sentimento do direito, da moralidade, com o
da religião, que o hom em teria em si; a suas inclinações b e­
nevolentes etc., ao seu coração em geral — isto é, ao sujeito,
enquanto nele estão reunidos todos esses diversos sentim entos
práticos —, esse apelo possui o sentido correto: I o) de que
essas determinações são determinações imanentespróprias?, 2 o) de
que o sentimento, enquanto se opõe ao entendimento, pode ser a
totalidade, diante das abstrações unilaterais desse último. M as o
sentim ento pode igualmente ser unilateral\ inessencial, mau. O
racional\ que com o pensado é na figura da racionalidade, é o

265
m esm o conteúdo que tem o sentim ento prático bom, mas em
sua universalidade e necessidade [Notw.], em sua objetividade
e verdade.
Por esse motivo, de um lado é insensato acreditar que na pai­
sagem do sentim ento ao direito e ao dever se perderia em
conteúdo e em excelência; som ente essa passagem leva o sen­
tim ento à sua verdade. Igualmente insensato é ter a inteligência
por inútil, até m esm o nociva, ao sentimento, ao coração e â
vontade; a verdade e, o que é o mesmo, a nacionalidade efetiva»
do coração e da vontade, unicam ente podem ter lugar na w tb
versalidade da inteligência, não na singularidade do sentim ento
com o tal. Se os sentim entos são de espécie verdadeira, eles o
são por sua determinidade, isto é, por seu conteúdo; o que só
é verdadeiro na m edida em que o conteúdo é universal em si
mesmo, quer dizer, que tem por sua fonte o espírito pensan­
te, Para o entendim ento, a dificuldade consiste em libertar-se
da separação, entre as faculdades d a alma, um a vez que ela
foi feita arbitrariam ente: [entre] o sentim ento e o espírito
pensante; e em chegar à representação de que no hom em só
há uma razão, no sentimento, no querer e no pensar. U nida
a isso, encontra-se aí um a dificuldade, de que as ideias, que
pertencem unicam ente ao espírito pensante — Deus, o direito,
a eticidade — , tam bém podem ser sentidas. M as o sentim ento
não é outra coisa senão a forma d a singularidade imediata
peculiar ao sujeito, na qual pode ser posto aquele conteúdo
com o qualquer outro conteúdo objetivo a que a consciência
tam bém atribui objetividade.
Por outro lado é suspeito, e decerto m uito mais que isso,
aferrar-se ao sentim ento e ao coração contra a racionalidade
pensada, ao direito, ao dever, à lei; pois o que no sentim ento e
no coração há mais do que neles, é só a subjetividade particular,
a vaidade, e o arbítrio. Pela m esm a razão, não é conveniente,
na consideração científica dos sentim entos, interessar-se por
algo mais que po r sua form a,, e considerar seu conteúdo; pois
este, enquanto pensado, constitui antes as autodeterm inações
do espírito em sua universalidade e necessidade, os direitos
e os deveres. Para a consideração específica dos sentim entos

266
práticos, assim com o das in c lin a re s, só restariam os egoístas,
maus e ruins; pois só eles pertencem à singularidade que se fixa
contra o universal; seu conteúdo é o contrário do conteúdo
dos direitos e deveres, mas justam ente só em oposição a eles
obtém sua determ inidade precisa.

§ 472
O sentim ento prático contém o dever-ser. sua autodeterm inação
enquanto essente em si, referida a um a singularidade essente, que
só seria com o válida em sua conform idade com ela. Porque falta
ainda determ inação objetiva aos dois [lados] dessa imediatez, essa
relação, da necessidade [Bedúrfnis] ao ser-aí, é o sentimento totalm ente
subjetivo e superficial, do agradável ou desagradável
Prazer, alegria, dor etc., vergonha, remorso, satisfação etc, são,
por um a parte, som ente modificações do sentim ento prático
formal, de m odo geral; mas por outra parte são diversos por
seu conteúdo, que constitui a determ inidade do dever-ser.
A célebre questão da origem do m al no m undo surge do ponto
de vista do prático-formal, pelo m enos na m edida em que se
entende por mal, antes de tudo, som ente o desagradável e a
dor O mal não é outra coisa que a não conform idade do ser
ao dever-ser. Esse dever-ser tem muitas significações; e — por
terem os fin s contingentes tam bém a forma do dever-ser —
infinitamente múltiplas. Em relação a esses fins, o mal é só o
direito que se exerce na vaidade e nulidade da presunção dos
mesm os fins. Eles m esm os já são o mal. A finitude da vida e
do espírito incidem em seu ju ízo , em que têm o O utro separado
deles e ao m esm o tem po neles, com o seu negativo; assim são
com o a contradição que se cham a o mal. N o [que é] m orto
não há mal nem dor, porque o conceito, na natureza inorgânica,
não vem a opor-se a seu ser-aí, e na diferença não perm anece
ao mesm o tem po o seu sujeito. Essa diferenciação im anente
está presente já na vida, e ainda mais no espírito, e p o r isso
surge um dever-ser,; e essa negatividade, essa subjetividade, o
EU, a liberdade são o princípio do mal, e da dor. Jakob Bõhme
entendeu a “EU-dade” [Ichheit] com o a pena e o tormento \Q ual\,
e com o a fo n te [ Quelle] da natureza e do espírito.

267
Adendo: Embora a vontade tenha iu> sentimento prático a Ibrmn da
identidade simples consigo mesma, a diferença já está presente neNsn iden­
tidade; pois, na verdade, o sentimento prático se sabe de um lado como
autodeterminar-se objetivamente válido, como algo determinado em-si-e-para-si]
mas ao mesmo tempo, por outro lado, como determinado imediatamente, ou
de fora, como submetido à determinidade das afecções, que lhe é estranha.
A vontade que-sente é, pois, o comparar de seu ser-determinado imediato,
vindo de fora, com seu ser-determinado posto por sua própria natureza.
Já que este último tem a significação daquilo que deve ser, a vontade faz
à impressão a exigência de que esteja de acordo com ele. Esse acordo é
o agradável, o desacordo é o desagradável
Mas porque aquela determinidade interior, com a qual a impressão
está relacionada, é uma determinidade, ela mesma imediata, pertencente
à minha singularidade natural, ainda subjetiva, apenas sentida, o ju ízo que
se estabelece por aquela relação é somente um ju ízo totalmente superficial
e contingente. Por isso, nas coisas importantes, aparece como indiferente
no mais alto grau a circunstância de que algo me seja agradável ou
desagradável
O sentimento prático recebe, no entanto, ainda outras determinações
que as determinações superficiais acima mencionadas.
E que há, em segundo lugar, sentimentos que — por seu conteúdo
provir da intuição ou da representação — excedem em determinidade o
sentimento do agradável ou desagradável. Pertencem a essa classe de
sentimentos, por exemplo, o contentamento, a alegria, a esperança, o
medo, a angústia, a dor etc. A alegria consiste no sentimento do acordo
singular do meu ser-determinado-em-si-e-para-si com um evento singular,
uma Coisa ou pessoa. A satisfação, ao contrário, é mais um acordo dura­
douro, pacífico, sem intensidade. No contentamento, mostra-se um acordo
mais caloroso. O medo é o sentimento de meu Si, e ao mesmo tempo
de um mal que ameaça destruir meu sentimento-de-Si. No pavor, sinto o
desacordo súbito de algo exterior com meu positivo sentimento-de-Si.
Todos esses sentimentos carecem de conteúdo imanente, que pertença
à sua natureza própria', o conteúdo lhes vem de fora.
Enfim, uma terceira espécie de sentimento nasce por ser também aco­
lhido na vontade que-sente o conteúdo substancial, que deriva do pensar:
[o conteúdo] do jurídico, moral, ético, e religioso. Quando isso ocorre, temos
a ver com sentimentos que se diferenciam uns dos outros por seu conteú­
do peculiar; e por ele obtêm sua justificação. A essa classe pertencem a
vergonha e o remorso; pois ambos, em regra geral, têm uma base ética.
O remorso é o sentimento do desacordo de meu agir com meu dever.

2 68
ou, mesmo, só com mlnhu vantagem; cm todo caso, portanto, com
determinado em-si-c-puru si.
Mas, quando dissemos que os sentimentos por último mencionados
têm um conteúdo próprio seu, isso não pode ser entendido como se o
conteúdo jurídico, ético e religioso estivesse necessariamente no sentimen­
to. Que esse conteúdo não esteja inseparavelmente emaranhado com
o sentimento, vê-se ressaltar empiricamente [do fato] de que se pode
experimentar arrependimento até mesmo de uma boa ação. Também
não é de todo absolutamente necessário que eu, ao pôr minha ação em
relação com o dever, caia na agitação e no ardor do sentimento; posso,
melhor ainda, ajustar essa relação também na consciência representativa,
e assim dar-me por satisfeito, no que diz respeito à Coisa, com a calma
consideração.
Tampouco precisa o conteúdo penetrar no sentimento no caso da
segunda espécie, acima mencionada, de sentimentos. Um homem sensato,
um grande caráter, pode encontrar algo conforme à sua vontade sem
irromper no sentimento da alegria; e, inversamente, sofrer uma desgraça
sem abandonar-se ao sentimento da dor. Quem cai em tais sentimentos
está mais ou menos preso à frivolidade de ligar uma importância par­
ticular a que justamente ele — esse Eu particular — experimente uma
felicidade ou uma desgraça.

2°) A s tendências e o arbítrio

§ 473
O dever-ser prático é um juízo real. A conform idade im ediata,
apenas pré-encontrada, da determ inidade essente é, [em relação] à
necessidade [Bedúrfiiis], um a negação para a ^/© determ inação da
vontade, e não está conforme a ela. Para que a vontade, isto é,
a unidade em s i essente da universalidade e da determinidade, se
satisfaça — isto é, seja para si, deve ser posta por ela a conformida-
de de sua determ inação interior e do ser-aí. Segundo a forma do
conteúdo, a vontade prim eiram ente é ainda um a vontade natural,
im ediatam ente idêntica à sua determ inidade: [é] tendência e inclina­
ção. N a m edida em que a totalidade do espírito prático se põe em
um a determ inação singular, entre as m uitas determ inações lim itadas
postas com a oposição em geral, a vontade é paixão.

269
Adendo; No sentimento prático è contingente se a impressão imediata
está ou nao de acordo com a determinidade interior da vontade. Essa
contingência, esse ser-dependente de uma objetividade externa, contradiz a
vontade que se sabe como o determinado em-si-e-para-si, e que a objeti­
vidade está contida em sua subjetividade. Por isso essa vontade não pode
ficar em comparar sua determinidade imanente com algo exterior, e em
somente encontrar a concordância desses dois lados; mas precisa avançar
até pôr a objetividade como um momento de sua autodeterminação e assim
produzir, ela mesma, aquela concordância, a sua satisfação. Desse modo a
inteligência querente se desenvolve em tendência. É esta uma determinação
subjetiva do querer, que se dá, a si mesma, sua objetividade.
Deve-se distinguir a tendência do simples desejo. Como vimos no
§ 426, o desejo pertence à consciênáa-de-si, e por isso se situa no ponto
de vista da oposição ainda não superada, entre o subjetivo e o objetivo.
O desejo é algo singular e busca somente o singular para uma satisfação
singular; instantânea. Ao contrário, a tendência, por ser uma forma da
inteligência querente, deriva da oposição suprassumida do subjetivo e do
objetivo, e abrange uma série de satisfações — por conseguinte, algo total,
universal Ao mesmo tempo, porém, a tendência, enquanto derivando da
singularidade do sentimento prático e formando apenas a primeira negação
do mesmo, é ainda algo particular.: Por isso o homem — enquanto está
imerso nas tendências — aparece como não livre.

§ 474
As inclinações e as paixões têm por conteúdo as mesmas d e­
term inações que os sentim entos práticos, e também, de um lado,
têm por base a natureza racional do espírito; mas por outro lado,
enquanto pertencentes à vontade ainda subjetiva, singular, estão afe­
tadas de contingência, e se revelam, enquanto particulares, referir-se
ao indivíduo, e tam bém umas às outras, exteriormente; e, assim,
segundo um a necessidade [Notw.] sem-liberdade.
A paixão contém, em sua determinação, ser limitada a um a
particularidade da determ inação-do-querer, na qual afunda a
subjetividade toda do indivíduo qualquer que seja, aliás, o con­
teúdo daquela determinação. Mas, por causa desse [lado] formal,
a paixão não é nem boa nem má: essa form a só exprime que
o sujeito colocou todo o interesse vivo do seu espírito, de seu
talento, de seu caráter, de seu prazer, em um [só] conteúdo.
N ada de grande foi levado a term o sem paixão, nem pode ser

270
levado a termo nem ela. Só um a moralidade morta, ou mes-
mo, muitas vezes, hipócrita, se desencadeia contra a forma da
paixão enquanto tal.
Mas, quanto às inclinações, faz-se im ediatam ente a pergunta;
quais são boas e quais são más, e, mesmo, até que grau as
boas perm anecem boas e — jã que elas são particulares, em
relação mútua, e h á muitas delas — com o devem ao menos
limitar-se reciprocam ente, pois se encontram em um só su­
jeito e decerto não podem, segundo a experiência, ser todas
satisfeitas. C om essas múltiplas tendências, sucede o mesm o
que com as faculdades da alma, de que o espírito teórico
deve ser a coleção: um a coleção que agora é aum entada com
a multidão das tendências. A racionalidade form al da tendên­
cia e da inclinação consiste som ente em sua tendência geral
de não ser algo subjetivo, mas em suprassumir, por meio da
atividade do sujeito mesmo, a subjetividade; em ser realizada.
Sua verdadeira racionalidade não se pode evidenciar em um a
consideração [vinda] da reflexão exterior, que pressupõe d e­
term inações naturais autónomas e tendências imediatas^ e por
isso carece de um princípio e de um fim último para elas. É
porém a reflexão im anente do espírito mesmo, ir para além
de sua particularidade com o tam bém de sua imediatez natural
e dar ao seu conteúdo racionalidade e objetividade; onde elas
são, enquanto relações necessárias, direitos e deveres. E pois essa
objetivação que indica seu conteúdo, com o tam bém sua relação
recíproca: sua verdade em geral; com o Platão m ostrou que só
podia apresentar, com sentido verdadeiro, o que era a justiça
em si e para si (também enquanto ele abrangia sob o direito do
espírito toda a sua natureza) na figura objetiva da justiça, isto é,
na construção do Estado, enquanto [é] a vida ética.
[Expor] quais são as inclinações boas, racionais, e sua subordi­
nação, se transform a na apresentação das relações que produz
o espírito no desenvolver-se com o espírito objetivo — um d e­
senvolvimento em que o conteúdo da autodeterm inação perde a
contingência ou o arbítrio. Por isso, o tratam ento das tendên­
cias, inclinações e paixões segundo seu verdadeiro conteúdo é
essencialmente a teoria dos deveres jurídicos, morais e éticos.

271
• 47 »
O sujeito é atividade da §nlÍníiiyflo das tendências, da raciona­
lidade formal, a saber, da transposição da subjetividade do con­
teúdo — que nessa m edida é fim — para a objetividade em que
o sujeito se conclui consigo mesmo. O interesse [consiste em] que
— na medida em que o conteúdo da tendência, enquanto Coisa,
se diferencia dessa atividade [que é o sujeito] — a Coisa, que se
realizou, contenha o m om ento da singularidade subjetiva e de sua
atividade. Por conseguinte, nada se realiza sem interesse.
U m a ação é um a m eta do sujeito, e igualmente é sua atividade
que realiza essa meta; é só porque o sujeito está dessa manei­
ra [até] na m enos egoísta das ações, isto é, p o r meio de seu
interesse, que h á um agir em geral. D e um lado, se contrapõe
às tendências e paixões o devaneio insípido de um a felicidade
natural, pelo qual devem encontrar sua satisfação as necessi­
dades, sem a atividade do sujeito para produzir a adequação
da existência im ediata e de suas determ inações interiores. De
outra parte, se lhes contrapõe de m odo totalm ente geral o
dever pelo dever, a moralidade. M as tendências e paixão não
são outra coisa que a vitalidade do sujeito, segundo a qual ele
m esm o está na sua m eta e na realização desta. O ético diz
respeito ao conteúdo que com o tal é o universal\ algo inativo,
e tem no sujeito seu [elemento] ativante; o que é im anente a
esse sujeito e, o interesse, ao reivindicar toda a subjetividade
eficiente, é a paixão.
Adendo: Até mesmo na mais pura vontade, jurídica, ética e religiosa,
que tem por seu conteúdo somente seu conceito — [que é] a liberdade —,
reside ao mesmo tempo a singularização em um este, em um [ser] natural
Esse momento da singularidade deve obter, na realização, também as me­
tas mais objetivas: sua satisfação. Mas enquanto [sou] este indivíduo não
devo e não quero, na realização do fim, ir à ruína. Esse é meu interesse,
o qual não deve ser confundido com o egoísmo, porque este prefere seu
conteúdo particular ao conteúdo objetivo.

§ 476
A vontade, enquanto pensante e livre em si, distingue-se ela
mesm a da particularidade das tendências, e se coloca, enquanto

272
subjetividade simples do pensar, acima dc seu multiforme conteúdo:
assim 6 vontade reflexiva

§ 477
Desse modo, tal particularidade da tendência não é mais im e­
diata, mas só é a sua enquanto se conclui com ela e assim se dá
uma singularidade e efetividade determinadas. A vontade está no
nível de escolher entre inclinações, e é arbítrio.

§ 478
A vontade, com o arbítrio é livre para s i m esm a enquanto é
refletida sobre si com o a negatividade de seu autodeterm inar-se
apenas imediato. Contudo, na m edida em que o conteúdo em que
essa sua determ inidade formal se decide a [ser] efetividade não é
ainda nada mais que o conteúdo das tendências e inclinações, só é
efetiva com o vontade subjetiva e contingente. Enquanto é a contradição
de se efetivar em um a particularidade, que ao mesm o tem po para
ela é um a nulidade, e de ter um a satisfação nessa particularidade,
de que, ao m esm o tem po, está retirada, a vontade é antes de tudo
o processo da dispersão e do suprassumir de um a inclinação ou
prazer por outro; e da satisfação — que, tam bém , satisfação não
é — por uma outra, até o infinito. Mas a verdade das satisfações
particulares é a satisfação universal\ que a vontade pensante se dã
com o meta, enquanto felicidade.

3°) A felicidade

§ 479
Nessa representação, produzida pelo pensar reflexivo, de uma
satisfação universal, as tendências são postas, segundo sua particula­
ridade, com o negativas e devem ser sacrificadas, por um a parte, um a
à outra em vista daquele fim; por outra parte, diretam ente a ele,
total ou parcialmente. Sua limitação, de umas pelas outras, é, de um
lado, um a mescla de determ inação qualitativa e de determ inação
quantitativa; de outro lado, por ter a felicidade conteúdo afirm ativo
som ente nas tendências, nelas reside a decisão, e é o sentim ento e

273
o b e l-p ra z e r su bjetivo q u e d ev e fazer p e n d e r a b alan ça pura o n d e
p õ e a felicidade.

§ 480
A felicidade é a universalidade do conteúdo apenas representada,
abstrata, que som ente deve ser. M as a verdade da determ inidade
particular, que tanto é, com o é suprassumida, e da singularidade
abstrata do arbítrio, que na felicidade tanto se dã com o não se dá
um a meta, é a determ inidade universal do querer nele próprio, isto é,
seu autodeterm inar mesmo, a liberdade. O arbítrio, dessa maneira, é
a vontade, som ente enquanto é a pura subjetividade, que ao mesm o
tem po é pura e concreta por ter com o conteúdo e m eta som ente
aquela determ inidade infinita — a liberdade mesma. Nessa verdade
de sua autodeterm inação, onde conceito e objeto são idênticos, a
vontade é — vontade efetivam ente livre.

c — O espírito livre

§ 481
A vontade livre efetiva é a unidade do espírito teórico e do espírito
prático: vontade livre que é para s i mesma como vontade livre, enquanto
ela se suprassumiu o formalismo, a contingência e a limitação do
conteúdo prático rotineiro. Pelo suprassumir da mediação, que aí
estava contida, essa vontade é a singularidade im ediata, posta p o r si;
mas que ao m esm o tem po é depurada na determ inação universal,
na liberdade mesma. Essa determ inação universal, a vontade a tem
com o seu objeto e m eta enquanto ela se pensa, sabe esse conceito
seu, é vontade enquanto livre inteligência.

§ 482
O espírito que se sabe com o livre, e se quer com o esse seu
objeto — isto é, tem sua essência po r determ inação e p o r fim —,
é antes de tudo, em geral, a vontade racional ou a ideia em si,
p o rtanto som ente o conceito do espírito absoluto. E nquanto ideia
abstrata, por sua vez, a ideia só é existente na vontade imediata', é
o lado do ser-aí da razão, a vontade singular com o saber daquela

274
sua determ inação, que constitui seu conteúdo e fim, do qual ela 6
apenas atividade formal. A ideia aparece assim s6 na vontade que
é um a vontade finita, mas que é a atividade de desenvolvê-la e dc
pôr seu conteúdo desdobrando-se com o ser-aí, que com o ser-uí da
ideia é efetividade: [é este o] espírito objetivo.
N enhum a ideia se conhece que seja tão indeterminada, equívoca
e capaz dos maiores m al-entendidos, e por isso efetivamente
sujeita a eles, quanto a ideia da liberdade, e nenhum a é [ideia]
corrente com tão pouca consciência. Enquanto o espírito livre
é o espírito efetivo, os m al-entendidos a seu respeito são de
consequências práticas tão enorm es, que nada há que tenha
essa força irresistível — um a vez que os indivíduos e os povo»
captaram em sua representação o conceito abstrato da liberda­
de essente para si; precisam ente p or ser a liberdade a essência
própria do espírito, é isto enquanto sua efetividade mesma.
C ontinentes inteiros, a África e o O riente, não tiveram e ainda
não têm essa ideia; os gregos e os romanos, Platão e Aristóteles,
e tam bém os estoicos não a tiveram; ao contrário, sabiam so­
m ente que o hom em é efetivamente livre por nascença (como
cidadão ateniense, espartano etc.), ou pela força-de-caráter, pela
cultura, pela filosofia (o sábio é livre mesm o com o escravo
e em grilhões). Essa ideia veio ao m undo pelo cristianismo,
segundo o qual tem um valor infinito o indivíduo com o tal,
enquanto objeto e alvo do am or de Deus, [e] destinado a ter
com Deus enquanto espírito sua relação absoluta, habitar esse
espírito nele; isto é, que o hom em é em-si destinado à suprema
liberdade. Se na religião com o tal o hom em sabe a relação ao
espírito absoluto com o [sendo] sua essência, ele tem além disso
presente tam bém o espírito divino com o entrando na esfera da
existência mundanal com o a substância do Estado, da família
etc. Tanto essas relações são elaboradas por aquele espírito, e
constituídas com o ajustadas a ele, quanto se torna a disposição
da vida ética, m ediante tal existência, im anente ao Singular; c
ele então é livre efetivamente nessa esfera da existência parti­
cular, do sentim ento e do querer presentes.
Se o saber da ideia — isto é, do saber dos hom ens de que sua
essência, m eta e objeto é a liberdade — for especulativo, essa

275
ideia mesma com o tal é a efetividade dos homens: portanto, nâo
a ideia que eles têm, mas a ideia que eles são. Entre seus adep­
tos, o cristianismo fez [que fosse] sua efetividade, por exemplo,
não serem escravos: quando se fazia deles escravos, quando a
decisão sobre sua propriedade era entregue ao bel-prazer, não
às leis e tribunais, os cristãos achavam lesada a substância de
seu ser-aí. Esse querer da liberdade não é mais um a tendência
que exige sua satisfação, mas o caráter: a consciência espiritual
que se tom ou um ser sem tendências. Porém essa liberdade, que
tem o conteúdo e a m eta da liberdade, ela m esm a é antes de
tudo conceito, princípio do espírito e do coração, e se destina
a desenvolver-se em objetividade, em efetividade jurídica, ética
religiosa, com o tam bém científica.

276
p Segunda Seção
da filoso fia do T.spírito

O ESPÍRITO OBJETIVO
§ 483
O espírito objetivo é a ideia absoluta, mas essente apenas em
si; po r isso, enquanto está no terreno da finitude, sua racionalidade
efetiva conserva nela o lado do aparecer exterior. A vontade livre
tem im ediatam ente nela, antes de tudo, as diferenças, [a saber,]
que a liberdade é sua determ inação interna e sua m eta, e que se
refere a um a objetividade exterior pré-encontrada, que se cinde no
[elemento] antropológico das necessidades [Bedurfnisse] particula­
res, nas coisas naturais externas que são para a consciência, e na
relação de vontades singulares a vontades singulares, que são a
um a consciência-de-si delas com o diversas e particulares; esse lado
constitui o material exterior para o ser-aí da vontade.

§ 484
Mas a atividade finalística dessa vontade é realizar seu conceito
— a liberdade — no lado exteriorm ente objetivo, de m odo que esse
seja com o um m undo determ inado por aquela vontade, a ponto
de estar nele junto de si mesma, concluída consigo mesma, [e] o
conceito, assim, im plem entado em ideia. A liberdade, configurada
em efetividade de um m undo, recebe a form a da necessidade, cuja
conexão substancial é o sistema das determ inações da liberdade, e
cuja conexão fenomênica é com o a potência, o ser-reconhecido, isto
é, seu vigorar na consciência.

§ 485
Essa unidade da vontade racional com a vontade singular, que
é o elem ento imediato e próprio da ativação da primeira, constitui
efetividade simples da liberdade. Com o ela e seu conteúdo pertencem

279
ao pensar — e silo o que em si 6 [o] unrvm al, o conteúdo tem sua
verdadeira determ inidade som ente na forma da universalidade. Ao
ser posto nesta para a consciência da inteligência com a determ i­
nação de uma potência vigente, é a k i\ ao ser liberado [o mesmo
conteúdo] da im pureza e da contingência, que tem no sentim ento
prático e na tendência, e tam bém ao não ser mais na forma deles,
mas em sua universalidade, introjetado na vontade subjetiva com o
hábito, índole e caráter seus, ele é com o costume [ethos].

§ 486
Essa realidade em geral, com o ser-aí da vontade livre, é o direito
que não há de ser tom ado som ente com o o direito jurídico limi­
tado, mas com o abrangendo o ser-aí de todas as determ inações da
liberdade. Essas determinações, em relação à vontade subjetiva, na
qual têm — e só podem ter — seu ser-aí com o universais, são seus
deveres; enquanto essas determinações, com o hábito e disposição
nelas, são costume [ethos], O m esm o que é um direito é tam bém
um dever; e o que é um dever é tam bém um direito. Pois um ser-aí
só é um direito sobre o fundam ento da vontade livre substancial:
é o mesm o conteúdo que é dever em relação à vontade, a qual
se diferencia com o subjetiva e singular. E o m esm o conteúdo que
a consciência subjetiva reconhece com o dever, e que nela leva ao
ser-aí. A finitude da vontade objetiva é, dessa medida, a aparência
da diferença entre direitos e deveres.
N o campo do fenômeno, direito e dever são, antes de tudo,
correlatosr, de m odo que a um direito de m eu lado corresponde
um dever em um outro.. Mas, segundo o conceito, m eu direito
sobre um a Coisa não é simplesmente posse, porém com o pos­
se de um a pessoa é propriedade, um a posse de-direito; e é dever
possuir Coisas com o propriedade, isto é, ser com o pessoa; o que,
posto na relação do fenômeno, da relação a um a outra pessoa, se
desenvolve no dever do outro, de respeitar o meu direito. O dever
moral, em geral, é em mim, como sujeito livre, ao mesm o tem po
o direito de m inha vontade subjetiva, da m inha disposição. Mas,
no [plano] moral, apresenta-se a diferença que opõe um a deter­
minação do querer, apenas interna (disposição, intenção), que
tem seu ser-aí som ente em mim — e é só dever subjetivo — à

280
sua efetividade; e assim também uma contingência e imperfeição
que constitui a unilateralidade do ponto de vista simplesmente
moral. No [plano] ético, os dois alcançaram sua verdade, sua
absoluta unidade, ainda que também — enquanto estão no modo
da necessidade [Notw.] — direito e dever, através de mediação,
um ao outro retom am e se concluem [mutuamente].
Os direitos do pai-de-família sobre os m embros [que a com ­
põem] são deveres para com eles, tanto com o o dever de
obediência dos filhos é seu direito a serem educados para [se
tornarem ] hom ens livres. A jurisdição penal do governo, seus
direitos de administração etc. são ao mesm o tem po seus deve­
res de punir, de administrar etc.; com o tam bém as prestações
dos cidadãos em impostos, serviço militar etc. são deveres, e
igualmente seu direito à proteção de sua propriedade privada,
e da vida universal substancial em que têm suas raízes. Todo»
os fins da sociedade e do Estado são fins próprios dos [indi­
víduos] privados; mas a via da mediação, pela qual seus deve­
res lhes retornam com o exercício e gozo de direitos, produz
a aparência da diversidade em que vem a dar o m odo pelo
qual, na troca, o valor recebe figuras multiformes, em bora seja
o m esm o em si. Mas essencialmente vale que “quem não tem
direitos não tem deveres” e vice-versa.

Divisão

§ 487
A vontade livre é:
A — Primeiro, ela mesma, im ediata, e portanto, enquanto von­
tade singular, é a pessoa. O ser-aí que esta dã à sua liberdade é a
propriedade. O direito com o tal é o direito form al, abstrato',
B — Refletida sobre si mesma, de m odo que tem seu ser-aí
no interior de si, e por isso está determ inada ao m esm o tem po
com o [vontade] particular — [é] o direito da vontade subjetiva, a
moralidade,
C — A vontade substancial enquanto efetividade, conform e ao
seu conceito, no sujeito e totalidade da necessidade [Notw.] — [é]
a eticidade, na família, na sociedade civil e no Estado.

281
C om o já desenvolvi esta parte da filosofia em meus “Linea­
m entos do D ireito” (Berlim, 1821), posso expressar-me aqui mais
brevem ente do que a propósito das outras partes.
A
O DIREITO

a — Propriedade

§ 488
O espírito, na imediatez de sua liberdade essente para si mes­
ma, é singular; mas um singular que sabe sua singularidade com o
vontade absolutam ente livre; é pessoa, o saber-se dessa liberdade, o
qual enquanto em si abstrato e vazio [é um saber que] ainda não
tem nele m esm o sua particularidade e im plem entação, mas sim
em um a Coisa exterior. A nte a subjetividade da inteligência e do
arbítrio, essa Coisa é com o algo carente de vontade, sem direito,
e é transform ada dessa subjetividade em acidente seu, em esfera
exterior de sua liberdade: [é a] posse.

§ 489
O predicado do “m eu”, para si sim plesm ente prático, que a
Coisa recebe, m ediante o juízo da posse, antes de tudo na ocupa­
ção exterior, tem aqui porém a significação de que eu ponho nela
m inha vontade pessoal. Por meio dessa determ inação, a posse é
propriedade, ela, que com o posse é meio, m as com o ser-aí da per­
sonalidade é meta.

283
§ 490
Na propriedade, a pessoa se conclui ju n to consigo mesma. Mas
a Coisa é um a Coisa abstratam ente exterior, e eu nela sou abstrata­
m ente exterior. O retom o concreto de m im a m im na exterioridade,
é que eu, a infinita relação de mim a m im mesmo, sou enquanto
pessoa a repulsão m inha de m im mesmo, e tenho o ser-aí de m inha
personalidade, no ser de outras pessoas, na m inha relação a elas, e
no ser-reconhecido por elas; o que é recíproco.

§ 491
A Coisa é o meio-termo, através do qual se concluem os extremos,
as pessoas que no saber de sua identidade enquanto livres são ao
m esm o tem po subsistentes umas em relação às outras. M inha von­
tade tem para elas seu ser-aí cognoscfvel determinado na Coisa, pela
tom ada de posse corporal imediata, ou pela formação, ou tam bém
pela simples designação da Coisa.

§ 492
O lado contingente na propriedade é que eu coloque m inha
vontade nesta Coisa; nessa medida, m inha vontade é arbítrio, assim
que posso tanto colocar com o não colocar ali; e posso retirar ou
não retirar. Mas, enquanto m inha vontade reside em um a Coisa,
só eu m esm o posso retirã-la, e só com m inha vontade pode ela
passar para um outro, cuja propriedade tam bém só se torna com
sua vontade: [é o] contrato.

b — Contrato

§ 493
As duas vontades e seu acordo no contrato são, enquanto algo
interior, diferentes de sua realização, da execução. A exteriorização
relativamente ideal na estipulação contém o efetivo renunciar de um a
propriedade [por parte] de um a vontade, a passagem e a recepção
na outra vontade. O contrato é em si e para si vãlido, e não se to m a
válido só pela execução por um a ou po r outra vontade, o que em
si incluiria um regresso ao infinito, ou divisão infinita da Coisa, do

284
trabalho c do tempo, A exteriorização na estipulação 6 com pleta c
exaustiva. A interioridade da vontade que renuncia à propriedade,
c da vontade que a recebe, está no reino do representar; e a pala­
vra é nele ato e Coisa (§ 462), e na verdade ato plenam ente vâlido%
pois a vontade aqui não entra em consideração com o moral (se
tem intenção séria ou enganosa); é, antes, som ente vontade dirigida
a um a Coisa exterior.
Assim com o na estipulação o ser substancial do contrato se
distingue da execução, enquanto é a exteriorização real rebaixada
a consequência, assim também, por isso, na Coisa ou execução
é posta a diferença, de sua constituição específica imediata, para
com seu substancial para com o valor em que aquele qualitativo
se m uda em determ inidade quantitativa: um a propriedade tom a-se
assim comparável com um a outra e pode ser equiparada a qualquer
coisa totalm ente heterogénea qualitativamente. Assim é posta em
geral com o Coisa abstrata, universal.

§ 494
Assim com o na estipulação o substancial do contrato se diferencia
da execução, com o de [uma] exteriorização real, que é rebaixada a
[nível de] consequência, assim também, p o r isso, na Coisa ou na
execução se põe a diferença de sua constituição específica imediata
em relação ao substancial dela, ao valor,; em que aquele qualitativo
se transm uda em determ inidade quantitativa.
U m a propriedade torna-se desse m odo comparável com uma
outra e pode ser igualada com algo de to d o heterogéneo, qualita­
tivamente. Assim se põe em geral com o Coisa abstrata, universal.

§ 495
O contrato, enquanto acordo nascido do arbítrio, e [incidindo]
sobre um a Coisa contingente, contém ao m esm o tem po o ser-posto
da vontade acidental: essa tam bém não é conform e ao direito, e
assim produz um não-direito\ mas nem p o r isso o direito — que é
em si e para si — é suprimido, mas nasce apenas um a relação do
direito ao não-direito.

285
c — O dircilo contra o nflo-direito
8 496
O direito, com o ser-af da liberdade no exterior, recai em uma
pluralidade de relações para com esse exterior e para com as outras
pessoas (§§ 491, 493 ss.). Assim, há I o) Muitos títulos-dc-direito, entre
os quais, enquanto a propriedade é exclusivamente individual, tanto
do lado da pessoa quanto do da Coisa, somente um é. o direito\ mas,
porque eles se contrapõem,, são postos em conjunto como aparência do
direito em contraste com a qual se determina então o direito em si.

§ 497
Q uando em contraste com essa aparência, o único direito em
si, ainda em unidade imediata com os diversos títulos-de-direito, é
posto, querido e reconhecido com o afirmativo, a diversidade reside
som ente em que esta Coisa é a subsumida sob o direito pela vontade
particular destas pessoas: é o não-direito ingénuo. Esse não-direito é
um ju ízo negativo simples, que exprime o litígio c ivil para cuja con­
ciliação se exige um terceiro ju ízo , que enquanto o juízo do direito
em s i é sem interesse na Coisa, e é o poder de dar-se um ser-aí
em contraste com aquela aparência.

§ 498
2 o) Mas se a aparência do direito é querida com o tal contra o
direito-em-si pela vontade particular, que p o r isso se to m a má\ o
reconhecimento exterior do direito é separado do seu valor; e só aquele
é respeitado, enquanto este direito é lesado. Isso dá o não-direito
da impostura\ — [que é] o juízo infinito enquanto idêntico (§ 173)
— a relação formal conservada com abandono do conteúdo.

§ 499
3 o) Enfim, na verdade em que a vontade particular se opõe ao
direito-em-si na negação, tanto dele m esm o quanto de seu reco­
nhecim ento ou de sua aparência (o juízo negativam ente infinito
— § 173 — em que se nega tanto o gênero quanto a determ inida-
de particular, aqui o reconhecim ento fenomenal), ela é a vontade
violentam ente má, que com ete um crime.

286
§ 500
Tal ação, enquanto violação do direito, é em si e para si nula.
C om o vontade e ser pensante, o agente põe nele um a lei, mas que
é formal e só por ele reconhecida: um universal que vale para ele
e sob o qual, ao m esm o tem po, ele se subsumiu a si m esm o por
sua ação. A nulidade exposta dessa ação — a realização, de um a
só vez, dessa lei formal e do direito em si, antes de tudo por um a
vontade subjetiva singular — é a vingança, a qual, por proceder do
interesse de um a personalidade im ediata, particular; é ao m esm o
tem po um a nova violação, e assim p o r diante, a té o infinito. Esse
processo [até o infinito] se suprassume igualmente em um terceiro
juízo, que é destituído de interesse: na pena.

§ 501
O Mfazer-se-valer” do direito-em-si é mediatizado a) porque um a
vontade particular — o juiz — é conform e ao direito e tem inte­
resse em dirigir-se contra o crime (o que na vingança é antes de
tudo contingente): b) e pelo poder (de início tam bém contingente)
de [pôr em] execução, de negar a negação do direito posta pelo
criminoso. Essa negação do direito tem sua existência na vontade
do criminoso; a vingança ou a pena 1) visa portanto: à pessoa ou à
propriedade do criminoso; 2) e exerce coerção sobre ele. A coerção
encontra lugar nessa esfera do direito em geral, já [exercendo-se]
sobre a Coisa, no confisco [da mesma] e na afirmação deste con­
tra o confisco de outro, porque nessa esfera a vontade tem seu
ser-aí im ediatam ente em um a Coisa exterior (como tal ou com o
corporeidade), e só nela pode ser confiscada. M as a coerção não
é mais que possível, na m edida em que eu posso, enquanto livre,
retirar-m e de toda existência, m esm o do âm bito da existência da
vida. A coerção só é conform e ao direito enquanto é o suprassumir
de um a primeira coerção, imediata.

§ 502
Desenvolveu-se um a diferença entre o direito e a vontade subjetiva.
A realidade do direito, que a vontade pessoal se dá, prim eiro de
m odo imediato, m ostra-se m ediatizada pela vontade subjetiva — o

287
m om ento que dá ser-aí ao d i r d t n - e m si, ou ainda que d e l e se separa
e a ele se opõe. Inversamente, a vontade subjetiva, nessa abstração
de ser o poder [que se exerce] sobre o direito, é para si algo nulo;
só tem essencialmente verdade e realidade enquanto é, nela mesma,
com o ser-aí da vontade racional: [é isto a] moralidade.
A expressão “direito natural”, que foi corrente para a filosofia do
direito, encerra a ambiguidade [seguinte]: se é o direito enquanto
presente no modo natural imediato, ou se ele é visado tal com o
se determ ina pela natureza da Coisa, isto é, pelo conceito. O
primeiro sentido era o visado ordinariam ente outrora, de m odo
que se imaginou, ao m esm o tem po, um estado de natureza em
que devia vigorar o direito natural, é oposto a ele, o estado
da sociedade e do Estado que antes exigiria — e traria consi­
go — um a limitação da liberdade e um sacrifício de direitos
naturais. Mas, de fato, o direito e todas as suas determ inações
se fundam unicam ente na personalidade livre, em um a autodeter­
minação que é antes o contrário da determinação-de-natureza. Por
isso, o direito da natureza é o ser-aí da força, e o fazer-valer da
violência, e um estado-de-natureza é um ser-aí da força-bruta e
do não-direito, do qual nada m elhor se pôde dizer senão que
/ preciso sair dele. Ao contrário, a sociedade é antes o estado
em que som ente o direito tem sua efetividade: o que se tem
de sacrificar é justam ente o arbítrio e a força-bruta do estado
de natureza.

2 88
B

A MORALIDADE

§ 503
O indivíduo livre que é som ente pessoa no direito (imediato),
agora é determ inado com o sujeito — vontade refletida sobre si
mesma, de m odo que a determ inidade do querer em geral com o
ser-aí, nele seja com o a sua, diferente do ser-aí da liberdade em
um a Coisa exterior. Por m otivo de que a determ inidade da vontade
está assim posta no interior, a vontade ao m esm o tem po é com o
particular; e ocorrem suas particularizações ulteriores e as relações
delas umas com as outras. Por um lado, a determ inidade da vonta­
de é enquanto em s i essente — a da razão da vontade: é o jurídico
(e ético) em si — ; por outro lado, é enquanto ser-aí, presente na
exteriorização de fato, abandonando-se e entrando em relação com
ela. A vontade subjetiva é livre moralmente, na m edida em que essas
determ inações são interiorm ente postas como as suas, e queridas por
ela. Sua exteriorização de fato, com essa liberdade, é ação; em cuja
exterioridade som ente se reconhece com o o seu, e se deixa im putar
o que nela soube e quis em si mesma.
Essa liberdade subjetiva ou moral é principalm ente o que se
cham a liberdade, no sentido europeu. Graças ao direito dessa
liberdade, deve o hom em , em geral, possuir expressamente um a
noção da diferença entre o bem e o mal; as determinações, tanto
éticas com o morais, não devem reivindicar um a autoridade sobre

289
cie .somente com o lei» e preaeriçõea exteriores, ser cumpridas
por ele; mas ter em seu coração disposição, consciência, discer­
nimento etc., seu consentimento, seu reconhecimento, ou mesmo
sua fundamentação. A subjetividade da vontade é nela mesm a
seu fim por si mesmo, m om ento absolutam ente essencial.
O moral deve ser tom ado no sentido mais amplo, no qual não
se significa simplesmente o m oralm ente bom. “L e m oral”, na
língua francesa, é oposto ao “physique’ e significa o espiritual, o
intelectual em geral. M as aqui o m oral tem o sentido de um a
determinação-da-vontade, na m edida em que ela está no interior
da vontade em geral, e portanto abrange em si o propósito e
a intenção, assim com o m oralm ente mau.

a — O propósito
§ 504
Q uando a ação concerne im ediatam ente ao “ser-aC, o “m etf é
formal na m edida em que o ser-aí exterior é tam bém autónomo em
relação ao sujeito. Essa exterioridade pode perverter sua ação e trazer
à luz outra coisa, [diversa] da que estava colocada nela. Em bora
toda a mudança, com o tal\ que seja posta m ediante a atividade do
sujeito, seja ato de sujeito, nem por isso este a reconhece com o ação
sua, mas reconhece de fato som ente aquele ser~aí que residia em seu
saber e querer, que era seu propósito, com o o seu: com o sua culpa.

b — A intenção e o bem
§ 505
A ação tem: I o) conform e seu conteúdo em piricam ente concreto
um a multiformidade de lados e conexões particulares', o sujeito, quanto
à forma, deve ter sabido e querido a ação segundo sua determ inação
essencial, que abrange em si essas singularidades — [é o] direito da
intenção. O propósito concerne som ente ao ser-aí imediato, mas a
intenção concerne ao substancial e ao fim desse ser-aí. 2o) O su­
jeito tem igualmente o direito de que na ação a particularidade do
conteúdo não seja, segundo a matéria, um a particularidade exterior
a ele, mas que a própria particularidade do sujeito contenha suas

290
necessidades [BedUHhisseJ, interesses e fins, que reunidos igualmente
em um [só] fim, com o na felicidade (§ 479), constituem seu bem
— [é] o direito do bem. A felicidade é diferente do bem só porque
se representa com o um ser-aí imediato em geral, enquanto o bem
é representado com o justificado em referência à moralidade.

§ 506
Porém a essencialidade da intenção é antes de tudo a forma
abstrata da universalidade, e na ação em piricam ente concreta a
reflexão pode pôr nessa form a este e aquele lado particular, e assim
fazer dele essencialmente a intenção; ou limitar a ele a intenção, e
desse m odo a essencialidade visada da intenção e a essencialidade
verdadeira da ação podem pôr-se na m aior contradição (como um a
boa intenção em um crime). Igualmente, o bem -estar é abstrato e
pode pôr-se nisto ou naquilo; enquanto pertencente a este sujeito
é em geral algo particular.

c — O bem e o mal

§ 507
A verdade dessas particularidades e o concreto do seu forma­
lismo é o conteúdo da vontade universal\ essente em s i e para si, a
lei e a substância de toda a determ inidade, o bem em s i e para si\
portanto, o fim últim o absoluto do mundo, e o dever para o sujeito,
que deve ter o discernimento no bem, é fazer dele a [sua] intenção e
produzi-lo p o r sua atividade.

§ 508
M as o bem é, na verdade, o universal da vontade, nele m esm o
determ inado, e inclui em si a particularidade; contudo, na m edida
em que esta é, de início, ainda abstrata, nenhum princípio da d e­
term inação está presente: o determ inar surge tam bém fora daquele
universal e enquanto determ inar da vontade livre, essente para s i
perante o bem, aqui desponta a contradição mais profunda.
a) Por motivo do determ inar indeterm inado do bem, hã em gera
diversos bens e vários deveres cuja diversidade é dialética reciproca-
mente, e os leva à colisão. Ao m esm o tem po, devem estar de acordo

291
por caima da unidade do bem, c cada um, embora «cju um dever
particular, é absoluto com o dever e com o bem. O sujeito deve ser a
dialética que decide um a com binação de deveres com exclusão dos
outros, e portanto com [o] suprassumir desse valor absoluto.

§ 509
b) Para o sujeito, que no ser-aí de sua liberdade existe essen­
cialmente com o algo particular, seu interesse e seu bem em razão
desse ser-aí de sua liberdade devem ser fim essencial e, portanto,
dever. Mas, ao m esm o tem po, na m eta do bem, que é o [ser] não
particular mas som ente o universal da vontade, o interesse particular
não deve ser um m om ento. Em razão dessa autonom ia das duas
determ inações é tam bém contingente se elas se harm onizam . Porém,
devem harm onizar-se porque em geral o sujeito, com o Singular e
com o universal, é em s i uma identidade.
c) O sujeito, contudo, não só em seu ser-aí é algo particular em
geral; mas é tam bém um a forma de seu ser-aí ser certeza abstrata
de si mesm o, reflexão abstrata da liberdade sobre si mesma. Assim,
ele é diferente da razão da vontade, e capaz de fazer para si, do
universal mesmo, algo particular e por isso um a aparência. Assim,
o bem é posto com o algo contingente para o sujeito, que pode por
isso decidir-se por algo oposto ao bem: pode ser m au.

§ 510
A objetividade externa, igualmente depois de surgida a diferença
da vontade subjetiva (§ 503), constitui para si mesma, diante das
determ inações internas da vontade, o outro extrem o autónom o, um
m undo próprio. E, pois, contingente se ela está em acordo com os
fins subjetivos, se o bem se realiza nela, e se o m al — o fim [que é]
nulo em si e para si — é nulo nessa objetividade; além disso, se o
sujeito nela encontra seu [próprio] bem, e, mais precisamente, se o
sujeito bom vem a ser fe liz nela, e o sujeito mau, infeliz. Porém, ao
m esm o tem po, o m undo deve deixar realizar-se nele o essencial, a
boa ação, com o [deve] proporcionar ao sujeito bom a satisfação de
seu interesse particular, mas recusã-la ao sujeito mau\ assim com o
deve reduzir o mal mesmo a nada.

292
8 511
A contradição, de todos os lados, que exprime este dever-ser
multiforme — o ser absoluto, que contudo ao mesm o tem po não
é — contém a mais abstrata análise do espírito nele mesmo; seu
mais profundo adentrar-se em si das determ inações contraditórias
é apenas a certeza abstrata de si mesmo, e, para essa infinitude da
subjetividade, a vontade universal, o bem, direito e dever tanto são
com o não são; é ela que se sabe com o o que escolhe e o que de­
cide. Essa pura certeza de si mesmo, que se coloca em seu ápice,
aparece nas duas formas que passam im ediatam ente um a para a
outra: a forma da consciência imoral) e a do m al A primeira é a
vontade do bem, a qual, no entanto, nessa subjetividade pura é o
não-objetivo, o não universal, o indizível; é sobre ela que o sujeito
se sabe decidindo em sua singularidade. Mas o m al é esse mesm o
saber de sua singularidade com o o que decide, na m edida em que
não fica nessa abstração, porém se dã, em contraste com o bem,
o conteúdo de um interesse subjetivo.

§ 512
Esse ápice suprem o do fenôm eno da vontade, que se evaporou na
mais absoluta vaidade — um “ser-bom ” não objetivo, mas som ente
certo de si mesmo, e um a certeza de si m esm o na nulidade do
universal —, desm orona im ediatam ente em si. O mal\ enquanto é
a mais íntima reflexão sobre si da subjetividade em contraste com
o objetivo e universal, que para ela é aparência apenas, é o m esm o
que o bom sentimento do bem abstrato, que reserva para a subjetivi­
dade a determ inação desse bem — o parecer totalm ente abstrato, o
imediato perverter e aniquilar de si mesmo. O resultado, a verdade
desse parecer, é, segundo seu lado negativo, a absoluta nulidade
desse querer, que é para s i em contraste com o bem, com o é tam ­
bém a absoluta nulidade desse bem, que deve ser apenas abstrato;
segundo o lado afirmativo no conceito, esse parecer, que colapsa
em si mesmo, é a m esm a universalidade simples do querer, que é
o Bem. A subjetividade, nessa identidade sua com o bem, é som ente
a forma infinita, sua ativação e desenvolvimento: assim se abandona
o ponto de vista da simples relação recíproca dos dois m om entos,
e do dever-ser, e se passa à eticidade.

293
c
A ETICIDADE

§ 513
A eticidade é a plena realização do espírito objetivo, a verdade do
espírito subjetivo e do espírito objetivo mesmos. A unilateralidade
do espírito objetivo é, po r um a parte, ter sua liberdade im ediata­
mente na realidade, portanto no exterior, na Coisa, por outra parte,
no bem, enquanto é um universal abstrato. A unilateralidade do
espírito subjetivo é ser autodeterm inando-se em sua singularidade
interior, de maneira igualmente abstrata, em oposição ao universal.
A o serem suprassumidas essas unilateralidades, então a liberdade
subjetiva é com o vontade racional universal em si e para si, que tem
na consciência da subjetividade singular seu saber sobre si mesm a
e a disposição, assim com o tem ao m esm o tem po sua ativação e
efetividade imediata universal, com o costume [ethos]: [é] a liberdade
consciente-de-si, que se tornou natureza.

§ 514
A substância que se sabe livre, em que o dever-ser absoluto é
igualmente ser,; tem efetividade com o espírito de um povo. A divisão
abstrata desse espírito é a singularização em pessoas, de cuja auto­
nom ia é ele a potência e a necessidade [Notw.] interiores. Mas a
pessoa sabe, enquanto inteligência pensante, aquela substância com o

294
fiua própria essência, c nessa diiposiçAn deixa de ser acidente dela:
tem intuição dela com o seu fim último na efetividade, mas também
com o aquém atingido, assim com o o produz por sua atividade, porém
com o algo que, pelo contrário, é pura e simplesmente. Assim leva a
term o, sem a reflexão que escolhe, seu dever com o o seu, e com o
o essente; e nessa necessidade [Notw.] a pessoa tem a si mesma, e
a sua liberdade efetiva.

§ 515
Porque a substância é a unidade absoluta da singularidade e da
universalidade da liberdade, é assim a efetividade e a atividade de todo
o Singular, [que consiste] em ser e cuidar para si, [o que] está con­
dicionado tanto pelo Todo pressuposto em cuja conexão, somente,
existe, quanto tam bém por um a passagem para um produto universal.
A disposição dos indivíduos é o saber da substância e da identidade
de todos os seus interesses com o todo, e [o fato de] que os outros
Singulares não se sabem reciprocamente só nessa identidade e são
efetivos, é a confiança — a disposição interior verdadeira, ética.

§ 516
Os relacionam entos do Singular nas relações em que a subs­
tância se particulariza constituem os deveres éticos. A personalidade
ética, isto é, a subjetividade que é penetrada pela vida substancial,
é a virtude. Em relação à imediatez exterior, a um destino, a virtu ­
de é um relacionar-se com o ser com o algo não negativo, e assim
repousar tranquilam ente em si mesm o; em relação à objetividade
substancial — o todo da efetividade ética —, a virtude é, enquanto
confiança, agir intencional para com a mesma, e capacidade de
sacrificar-se por ela. E m relação â contingência das relações para
com os outros, a virtude é prim eiro justiça e depois inclinação
benévola; nessa esfera, assim com o em relação a sua própria exis­
tência e corporeidade, a individualidade exprime seu caráter, seu
tem peram ento etc., com o virtudes.

§ 517
A substância ética é:
a) enquanto espírito imediato ou natural — a fa m ilia \

295
b) n totalidade* relativa du* r e lu te s relativas dos indivíduos
uns com os outros, enquanto pessoas autónom as em uma
universalidade formal — a sociedade civil;
c) a substância consciente-de-si, enquanto espírito desenvolvido
em um a efetividade orgânica — a constituição do Estado.

a — A família

§ 518
O espírito ético, enquanto em sua imediate£, contém o m om ento
natural de que o indivíduo tem, em sua universalidade natural, no
gênero, seu ser-aí substancial — a relação dos sexos, mas elevada a
um a determ inação espiritual; — a união do am or e da disposição
da confiança; — o espírito, enquanto família, é espírito que-sente.

§ 519
1) A diferença dos sexos naturais aparece igualmente, ao mesm o
tem po, com o um a diferença da determ inação intelectual e ética.
Aqui as personalidades se unem, segundo sua singularidade exclusiva,
em uma só pessoa: a intimidade subjetiva, determ inada em unidade
substancial, faz dessa união um a relação ética — o matrimonio. A
intimidade substancial faz do m atrim ónio um vínculo indiviso de
pessoas — um matrimonio monogâmico — ; a união corporal é conse­
quência do vínculo estabelecido eticamente. A consequência ulterior
é a com unidade dos interesses pessoais e particulares.

§ 520
2) A propriedade da família com o uma só pessoa — e assim
tam bém a aquisição, o trabalho e a previdência — recebem um
interesse ético, por meio da comunidade, em relação à qual estão
igualmente os diversos indivíduos que constituem a família.

§ 521
A eticidade — ligada com a procriação natural dos filhos, posta
inicialmente com o originária (§ 519) na conclusão do m atrim ónio

296
— realiza-se no segundo nascimento dos filhon: na educação que
faz deles pessoas autónomas.

§ 522
3) Por essa autonomia, as crianças saem da vitalidade concreta
da família a que originariamente pertencem ; vieram a ser para si,
porém destinadas a fundar um a nova família efetiva com o essa. O
m atrim onio vai essencialmente à dissolução, pelo m om ento natu­
ra l que está contido nele, pela m orte dos esposos; mas tam bém a
intimidade, com o substancialidade que apenas sente, está subm e­
tida, em si, ao acaso e à caducidade. Segundo essa contingência,
encontram -se os m em bros da família, uns para com os outros, na
relação de pessoas; e só assim as determ inações jurídicas — o que
é em si alheio a esse laço — entram nela.

b — A sociedade civil
§ 523
A substância, enquanto espírito, particulariza-se abstratam ente
em muitas pessoas (a família é uma pessoa somente), em famílias
ou em Singulares, que em um a liberdade autónom a, e enquanto
particulares, são para si; ela perde, primeiro, sua determ inação ética
enquanto essas pessoas, com o tais, não têm em sua consciência e
por [sua] m eta a unidade absoluta, mas sua própria particularidade
e seu ser-para-si: [é] o sistema da atomística. Dessa maneira, a subs­
tância vem a ser apenas um a conexão universal, mediatizante, de
extremos autónom os e de seus interesses particulares; a totalidade,
desenvolvida em si mesma, dessa conexão é o Estado enquanto
sociedade civil, ou enquanto Estado exterior.

I o) O sistema das necessidades [Bediirfnisse]


§ 524
1 — A particularidade das pessoas com preende antes de tudo
em si m esm a suas necessidades. A possibilidade da satisfação põe-
se aqui na conexão social que é a riqueza universal, da qual todos
obtêm sua satisfação. A apropriação im ediata (§ 488) de objetos

297
externoN, com o de meio puni Imo, não encontra lugar, ou quase
não encontra, na situação em que esse ponto de vista da mediação
está realizado: os objetos são propriedade. Sua aquisição é condicio­
nada e mediatizada, de um lado, pela vontade dos possuidores, que,
com o vontade particular, tem por fim, condiciona e interm edeia a
satisfação das necessidades [Bedúrfhisse] diversamente determinadas,
assim como, de outro lado, pela sem pre renovada produção, através
do próprio trabalho, dos meios que se trocam : essa m ediação da
satisfação pelo trabalho de todos constitui a riqueza universal.

§ 525
2 — N a particularidade das necessidades [Bedurfhisse], a uni­
versalidade aparece antes de tudo, de m odo que o entendim ento
[as] diferencia nelas e assim reproduz a elas mesmas, com o tam bém
os meios para essas diferenças, e torna uns e outros sem pre mais
abstratos; essa singularização do conteúdo pela abstração dá a di­
visão do trabalho. O hábito dessa abstração no gozo, conhecim ento,
saber e conduta, constitui a cultura nessa esfera: a cultura formal,
de m odo geral.

§ 526
O trabalho, que por isso é ao m esm o tem po mais abstrato,
conduz de um lado, por sua uniformidade, à facilitação do traba­
lho e ao aum ento da produção; de outro lado, à limitação a uma
habilidade única, e assim à dependência mais incondicionada em
relação à conexão social. A habilidade m esm a tom a-se, dessa m a­
neira, mecânica e recebe a capacidade de deixar a máquina tom ar
o lugar do trabalho hum ano.

§ 527
3 — M as [o que] faz a diferença dos estamentos [é] a divisão
concreta da riqueza universal (que é tam bém um a tarefa universal)
entre as massas particulares determ inadas segundo os m om entos
do conceito, as quais possuem um a base peculiar de subsistência; e,
em conexão com isso, são os m odos correspondentes do trabalho,
de necessidades e de meios para sua satisfação, além disso, de fins
e interesses, com o tam bém da cultura e hábito do espírito. Nesses

298
estam entos se repartem os indivíduos conform e o talento natural,
a habilidade, arbítrio, acaso etc. Pertencendo a tal esfera fixa, d e­
terminada, têm eles sua existência efetiva, que com o existência é
essencialmente particular, e nela têm sua eticidade enquanto retidão,
seu ser-reconhecido e sua honra.
O nde está presente sociedade civil, e p o r isso Estado, apare­
cem os estam entos em sua diferença, pois a substância uni­
versal só existe com o viva na m edida em que se particulariza
organicamente: a história das Constituições é a história do
desenvolvimento desses estam entos das relações jurídicas dos
indivíduos para com eles, e desses estam entos uns para com
os outros, e para com seu centro.

§ 528
O [primeiro] estam ento, substancial, natural, tem no solo e chão
fértil um a riqueza natural e fixa; sua atividade recebe sua direção e
seu conteúdo m ediante as determ inações naturais, e sua eticidade
se funda sobre a fé e a confiança. O segundo estam ento, o [que é]
refletido, é assignado à riqueza da sociedade, ao elem ento colocado
na mediação, na representação e em um conjunto de contingências;
e o indivíduo é assignado à sua habilidade, talento, entendim ento,
e zelo subjetivos. O terceiro estamento, o [que é] pensante, tem por
tarefa sua os interesses universais; com o o segundo estado, tem um a
subsistência mediatizada pela habilidade própria, e com o o primeiro,
porém, um a subsistência garantida pelo todo da sociedade.

2 o) A administração da justiça

§ 529
O princípio da particularidade contingente, desenvolvido até [ser]
um sistema mediatizado pela necessidade natural e pelo livre-arbítrio,
até [ser] relações universais desse sistema, e um curso de necessi­
dade [Notw.] exterior, tem nele — enquanto é a determ inação, fixa
para si mesma, da liberdade — em prim eiro lugar o direito fo rm a l
1) A efetivação que com pete ao direito, nessa esfera da consciência
do entendim ento, é que ele seja, enquanto universal fixo, levado à

299
consciência, sabido e posto cm nuu determinidade, com o o que tem
vigência: [éj a lei.
() positivo das leis concerne som ente à sua forma de serem
com o vigentes e sabidas, em geral; com isso dá-se a possibilidade,
ao mesm o tempo, de que sejam sabidas por todos da maneira
exterior costumeira. O conteúdo pode ser, no caso, racional
em si; ou então irracional, e por isso injusto. M as enquanto
o direito, com o com preendido no ser-aí determ inado, é um
direito desenvolvido e seu conteúdo se analisa para ganhar
determinidade, essa análise recai, po r causa da finitude do m a­
terial, no progresso da m á infinitude: a determ inidade conclusiva
que é absolutam ente essencial e interrom pe esse progresso da
inefetividade só pode ser obtida, nessa esfera do finito, de um a
m aneira ligada com contingência e arbítrio: se o justo seriam 3
anos, 10 tãleres etc., ou som ente 2 anos e meio, ou 23/4 ou 24/5
etc., e assim por diante, até o infinito, não se deixa decidir de
maneira alguma pelo conceito, e, de fato, o mais im portante é
que se decida. Assim, o positivo entra em cena no direito com o
contingência e arbitrariedade, por si mesmo, mas só no termo
do determinar,; no lado do ser-aí exterior. E o que acontece, e o
que de si m esm o aconteceu desde sem pre em todas as legisla­
ções; só é preciso ter ali um a consciência determ inada contra
o fim suposto e o falatório, conform e os quais, segundo todos
os aspectos, a lei pode e deve ser determ inada pela razão ou
entendim ento jurídico, po r motivos m eram ente racionais ou do
entendim ento. E a ideia vazia de perfeição, criar tal expectativa
ou exigência na esfera do finito.
As pessoas para as quais as leis são na verdade um mal e
um a impiedade, e que têm com o estado-de-coisas autêntico o
governar e o ser-governado por am or natural, pela divindade
ou pela nobreza hereditárias, m ediante a fé e a confiança; mas
[que têm] o domínio das leis por um estado-de-coisas perverso
e injusto, [é que] desconhecem o feto de que a constelação
com o a m anada são governadas; e na verdade bem governadas,
conforme leis. Porém tais leis, nesses objetos, são apenas interio­
res, não para s i mesmas, não são leis com o leis postas [Gesetze
gesetze]. A o contrário, hom em é isto: saber sua lei; e por isso

300
nó pode obedecer vmludeinimcnte u uma lei tal que é «ubida;
assimcomo sua lei, nó enquanto C■sabida, pode ser uma leijuNtu,
embora segundo o conteúdo essencial deva ser contingência c
arbítrio; ou, ao menos, mesclada ou poluída por eles.
A mesm a exigência da perfeição vazia é utilizada para o con­
trário do acima [exposto], a saber, para [sustentar] a opinião
da impossibilidade ou inexequibilidade de um código de leia.
Aí entra em cena mais um erro de pensam ento, [que é] pór
em um a só classe tanto as determinações essenciais e universais
com o o porm enor particular. O material finito é determinável
progressivamente no m au infinito; mas essa progressão não é,
com o se representa por exemplo no espaço, um engendrar de
determ inações espaciais, da m esm a qualidade que os preceden­
tes, e sim um ir em frente em algo mais especial e cada vez
mais especial, m ediante a penetração do entendim ento analí­
tico que descobre novas diferenciações, que fazem necessárias
novas decisões. Se as determ inações dessa espécie recebem
igualmente o nom e de novas decisões ou de novas leis, então,
relativamente ao avançar desse desenvolvimento, decresce o
interesse e o conteúdo dessas determinações. Elas recaem no
interior de leis já subsistentes, substanciais, universais, como
melhorias em um chão, nas portas etc., no interior da casa, e,
ainda que sejam algo novo, não são um a casa. Se a legislação
de um estado inculto com eçou por determ inações singulares e
as aum entou sempre, segundo sua natureza, então no aum ento
progressivo dessa multidão nasce, ao contrário, a necessidade
[Bedúrfnis] de um código m ais simples, isto é, da reunião da­
quela multidão de singularidades em suas determ inações uni­
versais, [síntese] que convém ao entendim ento e à cultura de
um povo encontrar e saber exprimir: com o na Inglaterra essa
apreensão de singularidades em formas universais — que em
realidade m erecem unicam ente o nom e de leis — foi com e­
çada há pouco, segundo alguns aspectos, pelo ministro Peei1,

1. Sir Robert Peei\ Ministro do Interior (de 1821 a 1827), procedeu à reforma da lei penal
inglesa.

301
q u e p o r isso g a n h o u o «gradeei m e n to e m e sm o a a d m ir a d o
d e seus co n cid a d ã o s.

§ 530
2) A forma positiva das leis, de serem expressas e promulgadas
com o leis, é condição d a obrigatoriedade exterior em relação a elas,
enquanto com o leis do direito estrito só dizem respeito à vontade
abstrata (isto é, ela mesma, em si, exterior), não à vontade moral
ou ética. A subjetividade à qual tem direito essa vontade segundo
este lado, é aqui som ente o ser notório [essas leis]. Esse ser-aí
subjetivo, com o ser-aí do essente-em-si-e-para-si nessa esfera, do
direito, é ao m esm o tem po um ser-aí exteriorm ente objetivo, com o
validez e necessidade [Notw.] universal.
O jurídico da propriedade, e das ações-privadas sobre ela, recebe,
segundo a determ inação que o jurídico seja algo posto, reconhecido
e p or isso válido, m ediante as formalidades, sua garantia universal

§ 531
3) A necessidade [Notw.] à qual se determ ina o ser-aí objetivo,
obtém -na o jurídico na administração da justiça. O direito-em-si tem
de apresentar-se ao tribunal — ao direito individualizado — com o
demonstrado\ e aí o direito-em-si pode ser diferente do demonstrável.
O tribunal conhece e age no interesse do direito com o tal; retira-lhe
da existência sua contingência, e, especialmente, m uda essa existên­
cia, tal qual ela é enquanto vingança, em pena (§ 500).
A com paração das duas espécies, ou m elhor, m om entos, da
convicção do juiz a respeito do corpo-de-delito de um a ação
em relação ao réu, po r meio das simples circunstâncias e dos
testem unhos de outros, unicam ente; ou a partir da anexação,
exigida além disso, da confissão do réu, constitui o principal
na questão sobre o assim cham ado tribunal do júri. E um a
determ inação essencial que as duas partes constitutivas de
um a instrução judiciária — o juízo sobre o corpo de delito e
o juízo com o aplicação da lei ao m esm o — por serem em si
lados diversos sejam tam bém exercidas p o r Junções diversas.
Pela instituição mencionada, são até m esm o repartidas a co­
légios qualificados diversamente, um dos quais, expressamente,

302
não deve consistir em indivíduos que pertençam ao ram o
dos juízes oficiais. C onduzir essa diversidade de funções até a
essa separação nos tribunais, repousa mais em considerações
extraessenciais: o principal perm anece som ente o exercício
separado desses lados, em si diversos. O mais im portante é
se, da confissão do réu de um crime, se há de fazer, ou não,
a condição de um a sentença penal. A instituição do tribu­
nal do júri abstrai dessa condição. O que im porta é que a
certeza nesse cam po é totalm ente inseparável da verdade, a
confissão, no entanto, deve ser vista com o o ponto mais alto
do convencimento, que segundo sua natureza é subjetivo; p or
isso a decisão últim a dele depende; nesse ponto tem, pois, o
acusado um direito absoluto a que a prova seja conclusiva e
que convença os juízes. Incom pleto é esse m om ento por ser
um m om ento apenas; mais incom pleto ainda é o outro m o­
m ento, tom ado tam bém abstratam ente, de estabelecer provas
a partir de m eras circunstâncias e indícios; e os jurados são
essencialmente juízes, e pronunciam um julgam ento. E nquan­
to são rem etidos [os jurados] a tais provas objetivas — mas
ao m esm o tem po adm ite-se a certeza incompleta, na m edida
em que está som ente neles —, o tribunal do júri com porta a
mistura e a confusão (pertencentes a tem pos propriam ente
bárbaros) de provas objetivas e de um a convicção subjetiva,
assim chamada, “m oral”. E fácil declarar [as] penas extraordiná­
rias com o um contrassenso, e m elhor, é demasiado superficial
ficar chocado com seu simples nome. Segundo a Coisa, essa
determ inação contém a diferença do aduzir a prova objetiva,
com o m om ento ou sem o m om ento daquele convencim ento
absoluto, que reside na confissão [do réu].

§ 532
A administração da justiça tem a determ inação de ativar em
necessidade [Notw.] som ente o lado abstrato da liberdade da pessoa
na sociedade civil. M as essa ativação repousa, antes de tudo, na
subjetividade particular do juiz, não estando ainda presente aqui a
unidade necessária dessa mesm a subjetividade com o direito-em-si.
Inversamente, a necessidade [Notw.] cega do sistema das necessi-

303
d tu lc ti [B c d U r f m s a e j nflo sc «levou a in d a à consciência d o u n iv e r s a l,
n e m s e a t i v o u a in d a a p a r t ir d e la .

3°) A polícia e a corporação


§ 533
A adm inistração da justiça exclui dela m esm a o que nas ações e
interesses só pertence à particularidade, e abandona à contingência
tanto a ocorrência de crimes com o a consideração do bem-estar. Na
sociedade civil, a meta é a satisfação da necessidade [Bedúrfnis], e
na verdade, ao m esm o tem po, tratando-se de necessidade hum ana,
satisfazê-la de um a m aneira universal segura; isto é, a garantia dessa
satisfação. M as na m ecânica da necessidade [Notw.] da sociedade
está presente, da m aneira mais multiforme, a contingência dessa
satisfação, tanto a respeito da variabilidade das necessidades m es­
mas [Bediirfnisse], em que a opinião e o capricho subjetivo têm
grande parte, quanto por meio das localidades, das conexões de
um povo com outro, por erros e ilusões que se podem introduzir
nas partes singulares do m ecanism o todo, e são capazes de levá-
lo à desordem , com o tam bém particularm ente pela capacidade
condicionada do Singular, de tirar proveito para si dessa riqueza
universal. O curso dessa necessidade [Notw.] abandona as parti­
cularidades pelas quais é produzido, ao m esm o tem po tam bém
não contém para si o fim afirmativo da garantia da satisfação
dos Singulares, m as pode, em vista dessa satisfação, tanto lhe ser
conform e com o não, e os Singulares aqui são para si m esm os o
fim m oralm ente justificado.

§ 534
A consciência do fim essencial, o conhecim ento do m odo de
ação das potências e dos ingredientes variáveis, de que se com põe
aquela necessidade [Notw.], e a fixação daquele fim, nela e contra
ela, têm, de uma parte, com o concreto da sociedade civil, a rela­
ção de um a universalidade exterior, essa ordem enquanto potência
ativa é o Estado exterior, que enquanto se enraíza no que há de
superior, no Estado substancial, aparece com o polícía-do-Estado.

304
Par miro lado. o fim da universal idade substancial c de sua ativação
fica limitado nessa esfera da particularidade à tarefa de ramos e
interesses particulares: [é] a corporação em que o cidadão particular
encontra, com o hom em privado, a garantia de suas riquezas, assim
com o sai de seu interesse privado singular, e tem um a atividade
consciente para um fim relativamente universal, assim com o tem
sua eticidade nos deveres jurídicos e estamentais.

c — O Estado
§ 535
O Estado é a substância ética consciente-de-si,\ a união dos princí­
pios da família e da sociedade civil; a m esm a unidade que na família
está com o sentim ento do am or é sua essência; mas que, ao mesmo
tempo, m ediante o segundo princípio, do querer que-sabe e por si
m esm o atua, recebe a form a de universalidade [que é] sabida\ esta,
com o suas determ inações que se desenvolvem no saber, tem , para
o conteúdo e fim absoluto, a subjetividade que-sabe, isto é, quer
para si m esm a esse racional.

§ 536
O Estado é 1) prim eiro, sua configuração interior enquanto
desenvolvimento que se refere a si mesmo: o D ireito político inter­
no, ou a Constituição. 2) é [um] indivíduo particular, e assim em
relação com outros indivíduos particulares, o direito político externo,
3) mas esses espíritos particulares são apenas m om entos no desen­
volvimento da ideia universal do espírito em sua efetividade: [é] a
história m undial.

1°) Direito político interno


§ 537
A essência do estado é o universal em si e para si, o racional da
vontade; mas enquanto é sabendo-se e atuando é pura e simplesmente
subjetividade, e enquanto efetividade é um só indivíduo. Sua obra em
geral consiste, em relação ao extrem o da singularidade, enquanto é a
massa dos indivíduos, na dupla [tarefa]: [a] de uma parte, conservá-los

305
com o pessoas, e assim fazer do direito uma efetividade necessária e,
em seguida, prom over o seu bem, do qual cada um toma, primeiro,
cuidado por si mesmo, mas que tem um lado absolutamente univer­
sal, de proteger a família e a sociedade civil, [b] Mas, de outra parte\
reconduzir os dois \direito e bem próprio dos indivíduos] — assim
como toda a disposição e atividade do singular enquanto se esforça
por ser um centro para si mesm o — à vida da substância universal,
e nesse sentido, com o livre potência, causar prejuízo a essas esferas
subordinadas a ela, e conservã-las em imanência substancial.

§ 538
As leis exprim em as determ inações-de-conteúdo da liberdade
objetiva. 1) Primeiro, elas são limites para o sujeito imediato, [para]
seu arbítrio autónom o e interesse particular. 2) Segundo: elas são,
porém, fim último absoluto e a obra universal. Assim, são produzidas
por m eio das funções dos diversos estamentos — que a partir de sua
particularização geral se singularizam ainda mais — e p o r meio de
to d a a atividade e preocupação privada dos Singulares. 3) Terceiro,
as leis são a substância de seu querer, que aí é livre, e de sua dis­
posição; e assim são expostas com o costumes [ethos] vigentes.

§ 539
O Estado, com o espírito vivo, absolutam ente só é com o um
todo organizado, distinto em atividades particulares que, procedendo
do conceito único (embora não sabido com o conceito) da vontade
racional, produzem continuam ente esse to d o com o seu resultado.
A Constituição é essa articulação da potência do Estado. C ontém as
determ inações da m aneira com o a vontade racional, enquanto nos
indivíduos é som ente em si a vontade universal, pode, por um lado,
chegar à consciência e à inteligência de si mesma, e ser encontrada,,
e p o r outro lado, pela eficiência do governo e de seus ram os parti­
culares, pode ser posta em efetividade e aí preservada e protegida;
tanto contra sua subjetividade contingente com o contra a dos Sin­
gulares. E a justiça existente, enquanto é a efetividade da liberdade
no desenvolvimento de todas as suas determ inações racionais.
Liberdade e igualdade são as categorias simples nas quais com
frequência se resumiu o que deveria constituir a determ inação

306
fundamental, o fim último e o resultado da Constituição. Tanto
isso é verdade, tanto mais há o defeito de serem essas deter­
minações, antes de tudo, totalm ente abstratas: fixadas nessa
forma da abstração, são elas que não deixam realizar-se ou que
estorvam o concreto, isto é, um a Constituição ou governo em
geral. C om o Estado, entra em cena [a] desigualdade: a diferen­
ça entre poderes governantes e os governados, as autoridades,
magistraturas, presidências etc. O princípio consequente da
igualdade rejeita todas as diferenças, e assim não deixa subsistir
nenhum a espécie de ordenam ento estatal. Essas determinações,
sem dúvida, são as bases dessa esfera; mas, enquanto são as
mais abstratas, são tam bém as mais superficiais, e justam ente
por isso, facilmente, as determ inações mais correntes: interessa,
pois, considerá-las ainda um pouco mais de perto. Antes de
tudo, no que toca à igualdade, a proposição corrente de que
“todos os homens são iguais por natureza” encerra o m al-entendido
de confundir o natural com o conceito; deve-se dizer que por
natureza os hom ens são, antes, som ente desiguais. M as o conceito
da liberdade — com o inicialmente, sem outra determ inação
ou desenvolvimento, existe enquanto tal — é a subjetividade
abstrata, com o pessoa que é capaz de propriedade (§ 488);
essa única determ inação abstrata da personalidade constitui a
igualdade efetiva dos homens. M as que essa igualdade esteja
presente, que seja o homem — e não som ente alguns hom ens
com o na Grécia, Rom a etc. —, que se reconheça com o pes­
soa, e faça valer legalmente, eis algo que é tão pouco de
natureza,, que antes é só produto e resultado da consciência
do mais profundo princípio do espírito, e da universalidade e
avanço cultural dessa consciência. Q ue os cidadãos “são iguais
perante a lei” [isto] encerra um a alta verdade; mas que, assim
expressa, é um a tautologia; pois por ela só se exprime o estado
legal em geral: que as leis imperam. Mas, no que diz respeito
ao concreto, os cidadãos, fora da personalidade, só são iguais
diante da lei no que, aliás, são iguais fora da lei. Som ente a
igualdade, presente aliás casualmente, de qualquer m aneira que seja,
da riqueza, da idade, da força fisica, do talento, da habilidade
etc., ou ainda dos crimes etc., pode e deve, no concreto, fazer

307
capaz dc um igual tratamento perante a lei, com referência aos
impostos, deveres militares, «ccnso aos empregos públicos etc.,
à sanção penal etc. As leis mesmas, exceto no que concerne
àquele estreito círculo da personalidade, pressupõem situações
desiguais, e determ inam as com petências e os direitos desiguais
que daí resultam.
N o que toca à liberdade, ela é tom ada mais precisamente, de
um lado, no sentido negativo em oposição ao arbítrio alheio e
ao tratam ento fora-de-lei; de outro lado, no sentido afirmativo
da liberdade subjetiva. Mas é dada um a grande latitude a essa
liberdade, tanto para o próprio arbítrio e atividade em vista a
seus fins particulares quanto no que se refere à reivindicação
do discernim ento próprio, e da operosidade e participação nos
negócios universais. O utrora, os direitos legalmente determ i­
nados, tanto privados com o públicos, de um a nação, cidade
etc. chamavam-se “suas liberdades”. D e fato, toda lei verdadeira
é um a liberdade, pois ela contém um a determ inação racional
do espírito objetivo; portanto, um conteúdo da liberdade. Ao
contrário, nada se tornou mais corrente do que a representa­
ção de que cada um deveria lim itar sua liberdade em relação
à liberdade dos outros; e de que o Estado seria a condição
dessa limitação recíproca, e as leis seriam as limitações. Em tais
representações, a liberdade só é apreendida com o bel-prazer
e arbítrio contingentes.
Foi tam bém dito que os povos m odernos só eram capazes da
igualdade, ou que eram mais capazes dela que da liberdade, e
isso, na verdade, por nenhum a outra razão a não ser porque,
tratando-se de um a determ inação adm itida da liberdade (prin­
cipalm ente da participação de todos nos negócios e ações do
Estado), não se poderia contudo consegui-la na efetividade,
enquanto ela é mais racional e ao m esm o tem po mais poderosa
que as pressuposições abstratas. E preciso dizer, ao contrário,
que justam ente o mais alto desenvolvimento e aprim oram en-
to dos Estados m odernos produz na efetividade a suprema
desigualdade concreta dos indivíduos; e, em contrapartida, por
meio da racionalidade mais profunda das leis e da consolida­
ção da legalidade, realiza um a liberdade tanto m aior e mais
fundamentada, e pode permiti-la e tolerá-la. Já a diferenciação
superficial que reside nas palavras “liberdade” e “igualdade"
sugere que a primeira tende à desigualdade; mas, inversamente,
os conceitos correntes da liberdade só reconduzem à igualdade.
Porém, quanto mais ganha firmeza a liberdade, com o segurança
da propriedade, com o possibilidade de desenvolver e de fazer
valer seus talentos e boas qualidades pessoais etc., tanto mais
ela aparece com o algo que se entende por s i mesmo\ a consciência
e a apreciação da liberdade voltam-se então, sobretudo, para
seu sentido subjetivo. N o entanto, a liberdade da atividade que
se tenta por todos os lados, que se distribui a seu bel-prazer
entre interesses espirituais universais e pessoais, a independên­
cia da particularidade individual e tam bém a liberdade interior
em que o sujeito tem princípios, discernim ento e convicção
próprios, e por isso obtém autonom ia moral — essa mesm a
liberdade encerra, de um lado para si, o extremo aprim oram ento
da particularidade daquilo em que os hom ens são desiguais, e
se tornam mais desiguais ainda po r essa formação; p o r outra
parte, [essa liberdade subjetiva] som ente cresce sob a condição
daquela liberdade objetiva e só existe e pode crescer até essa
altura nos Estados m odernos. Se, com esse aprim oram ento da
particularidade, a m ultidão das necessidades e a dificuldade de
satisfazê-las, o raciocinar e o saber-mais e sua vaidade insatis­
feita crescem de m odo indefinível, isso pertence à particulari­
dade abandonada [a si mesma], e fica a seu critério engendrar
em sua esfera todas as com binações possíveis e acom odar-se
com elas. N a verdade, essa esfera é então, ao m esm o tem po,
o cam po das limitações, porque a liberdade está presa na
naturalidade, no bel-prazer e no arbítrio, e assim tem de se
limitar; e isso tam bém segundo a naturalidade, o bel-prazer e
o arbítrio dos outros, mas, principalm ente e essencialmente,
segundo a liberdade racional.
Mas no que concerne à liberdade política — quer dizer, no
sentido de um a participação formal, por parte da vontade e
da operosidade tam bém daqueles indivíduos que fazem dos
fins e negócios particulares da sociedade civil sua destinação
principal, nos assuntos públicos do Estado — tom ou-se, em

309
parte, usual nomear Constituição somente o lado do BttléP
que concerne u uirm tal participação daquele» indivíduos 110*
assunto» universais, e considerur um Estado cm que isso fl|P
ocorre formalmente, com o um Estado sem Constituição,
to a essa significação, deve-se antes de tudo dizer somente qU0
por Constituição deve-se entender a determ inação dos direitos»
isto é, das liberdades em geral, e a organização de sua efetivação»
e que a liberdade política só pode, em todo caso, formar UffUl
parte dela; disso se tratará nos parágrafos seguintes.

§ 540
A garantia de um a constituição, isto é, a necessidade [NotwJ df
que as leis sejam racionais e sua efetivação seja assegurada, reside
no espírito do conjunto do povo, a saber, na determ inidade segundo
a qual ele tem a consciência-de-si de sua razão (a religião é essa
consciência em sua substancialidade absoluta) e então, ao mesmo
tem po, na organização efetiva,, enquanto desenvolvimento daquele
princípio. A constituição pressupõe aquela consciência do espírito
e, inversamente, o espírito pressupõe a constituição, pois o espíri­
to efetivo mesm o tem a consciência determ inada de seus princípios
som ente enquanto estão presentes para ele com o existentes.
A questão: a quem, a que autoridade — e organizada de que
m odo — com pete fa zer uma Constituição, é a m esm a que esta:
quem tem de fazer o espírito de um povo. Se se separa a re­
presentação de um a constituição da do espírito, com o se ele
bem existisse ou tivesse existido sem possuir um a Constituição
à sua medida, tal opinião prova som ente a superficialidade do
pensam ento sobre a coerência do espírito, de sua consciên­
cia sobre si e de sua efetividade. O que assim se cham a fazer'
um a Constituição, em razão dessa inseparabilidade, nunca se
encontrou na história, tam pouco com o fa ze r um Código de
leis: um a Constituição só se desenvolveu a partir do espírito, em
identidade com o seu próprio desenvolvimento; e, ao m esm o
tem po com ele, percorreu os graus necessários e transformações
através do conceito. É o espírito im anente e a história — é
na verdade a história e som ente sua história — por quem as
Constituições são feitas e foram feitas.

310
8 Ml
A totalidade viva, a conservação, isto é, a produção constante do
Rstado em geral, e de sua Constituição, é o Governo. A organização
necessária naturalm ente é o nascim ento da fam ília e dos estamentos
da sociedade civil. O governo é a parte universal da Constituição,
isto é, a parte que tem por fim intencional a conservação dessas
partes, mas ao m esm o tem po apreende e põe em atividade os fins
universais do todo, que estão acima da determ inação da família e
da sociedade civil. A organização do G overno é igualmente sua
diferenciação em poderes, tais com o suas peculiaridades são deter­
minadas pelo conceito, mas que se com penetram , na subjetividade
do conceito, em um a unidade efetiva.
C om o as categorias do conceito que prim eiro [se apresentam ]
são as da universalidade e da singularidade, e sua relação é a da
subsunção da singularidade sob a universalidade, assim aconte­
ceu que, no Estado, poder legislativo e poder executivo tenham
sido diferenciados mas de tal m odo que o poder legislativo
existisse para si com o o absolutam ente suprem o, e o poder
executivo, por sua vez, se dividisse em poder governamental
ou administrativo, e em poder judiciário, conform e a aplicação
das leis [se fizesse] em assuntos universais ou em assuntos
privados. C onsiderou-se com o relação essencial a divisão
desses poderes no sentido de sua independência recíproca na
existência, porém com a conexão m encionada da subsunção
dos poderes do singular sob o p oder do universal. N ão se
podem desconhecer, nessas determ inações, os elem entos do
conceito; mas eles estão ligados pelo entendim ento em um a
relação irracional em lugar do “concluir-se-consigo-m esm o”
do espírito vivo. Q ue os assuntos dos interesses universais do
Estado, em sua diferença necessária, tam bém se organizem
separados uns dos outros, tal divisão é um m om ento absoluto
da profundeza e da efetividade da liberdade; pois ela só tem
profundeza na m edida em que desenvolveu suas diferenças
e chegou à sua existência. M as fazer da função legislativa (e
ainda mais com a representação de que certo m om ento se­
riam a fazer prim eiro um a C onstituição e leis fundam entais,
em um a situação em que se coloca um desenvolvim ento jã

311
qual, para hc poder participar itulívidualmente, a outra condido é
a preparação e a habilidade.

§ 544
A autoridade estamental im posta em um a participação de todos
os que pertencem à sociedade civil em geral, e nessa m edida são
pessoas privadas, no poder governamental, e na verdade na legislação,
isto é: no universal dos interesses que não concernem ao intervir
e ao atuar do Estado enquanto indivíduo (como a guerra e a paz)
e por isso não pertencem exclusivamente à natureza do poder do
príncipe. Em virtude dessa participação, a liberdade e a imaginação
subjetivas, e sua opinião universal, m ostram -se em um a eficiência
existente e gozam da satisfação de valer alguma coisa.
A classificação das constituições em democracia, aristocracia,,
monarquia indica ainda sempre, da m aneira mais determ inada,
sua diferença em relação ao poder do Estado. Devem ao m es­
m o tem po ser vistas com o configurações necessárias no curso
do desenvolvimento, portanto na história do Estado. Por esse
motivo, é superficial e insensato representã-las com o um objeto
da escolha. As formas puras de sua necessidade [Notw.] estão
suspensas, enquanto são finitas e transitórias, de um lado às
formas de sua degenerescência, oclocracia etc.; de outra parte,
às suas configurações anteriores transitórias. Essas duas formas
não se devem confundir com aquelas verdadeiras configura­
ções. Assim, eventualmente, por causa da semelhança, de que
a vontade de um só indivíduo está na cúpula do Estado, o
despotism o oriental pode ser abrangido sob o vago nom e de
monarquia, com o tam bém a m onarquia feudal, a que não se
pode negar mesm o o nome, em voga, de m onarquia consti­
tucional. A verdadeira diferença [que hã] entre essas formas
e a autêntica m onarquia repousa no conteúdo dos princípios
vigentes de direito, que têm no poder do Estado sua efetividade
e garantia. Esses princípios são os princípios desenvolvidos nas
esferas precedentes, da liberdade, da propriedade, e, em todo
caso, da liberdade pessoal, da sociedade civil, de sua indústria
e das Comunas, da atividade regular, dependente das leis, das
autoridades particulares.

314
A questão, que foi sobretudo discutida, é em que sentido
se há de com preender a participação das pessoas privadas
nos assuntos do Estado. Pois com o pessoas privadas devem
ser tom ados os m em bros das assembleias estamentais, quer
contem com o indivíduos para si, ou com o representantes de
muitos, ou do povo. Costum a-se cham ar povo o agregado das
pessoas privadas, mas, enquanto tal agregado, ele é o vulgo,
não o povo [vulgus, populus]; e sob esse respeito é o único
fim do Estado que um povo não chegue à existência, nem ao
poder, nem à ação enquanto um tal agregado. Tal situação de
um povo é um a situação de injustiça, de aeticidade, de irra­
cionalidade; nessa situação o povo seria som ente com o um a
potência informe, brutal, cega, com o o m ar agitado, elem en­
tar; o qual porém não se destrói a si mesmo, com o o faria o
povo enquanto elem ento espiritual. M uitas vezes se pôde ouvir
representar tal situação com o a da verdadeira liberdade. Para
que tenha um sentido entrar na questão da participação das
pessoas privadas nos assuntos universais, deve-se pressupor
não o irracional, mas um povo já organizado, isto é, no qual
jã está presente um poder governam ental. M as o interesse de
tal participação não se deve colocar nem na vantagem de um
discernim ento particular, em geral, que as pessoas privadas
deveriam possuir mais que os funcionários públicos — o que
ocorre é necessariam ente o contrário —, nem na vantagem
da boa vontade para o m aior bem universal — os m em bros
da sociedade civil são antes os que fazem de seu interesse
particular sua determ inação mais próxim a e, com o é o caso
sobretudo no Estado feudal, do interesse de sua corporação
privilegiada. Assim, por exemplo, na Inglaterra,, cuja constitui­
ção é vista com o a mais livre, porque as pessoas privadas têm
um a participação preponderante nos negócios do Estado, a
experiência m ostra que esse país, em legislação civil e penal,
no direito e na liberdade da propriedade, nas instituições em
prol da arte e da ciência etc., está no m aior atraso em relação
aos outros Estados cultivados da Europa; e que a liberdade
objetiva, isto é, o direito racional, ali está, antes, sacrificado
â liberdade formal e ao interesse privado particular (e isso,

315
menino em instituiçôe» e propriedades que devem ser consa­
gradas à Religião).
() interesse da participação das pessoas privadas nos as-
suntos públicos hã que pôr-se, de um lado, no sentim ento
mais concreto, e por isso mais prem ente, de necessidades
[Bedurfnisse] universais; mas, essencialm ente, no direito de
que o espírito da com unidade atinja tam bém a m anifestação
de um a vontade exteriormente universal, em um a operosidade
ordenada e expressa em favor da Coisa pública; e que, por
m eio dessa satisfação, tan to receba um a vivificação para
si m esm o quanto provoque tal vivificação nas autoridades
adm inistrativas, às quais é assim m antido na consciência
presente que, tanto com o tem deveres a exigir, tem tam bém
essencialm ente direitos diante de si. Os cidadãos form am no
Estado a m ultidão excessivam ente m aior — u m a m ultidão
de indivíduos que são reconhecidos com o pessoas. Por isso a
razão querente expõe neles sua exigência, enquanto são um a
pluralidade de [seres] livres, ou sua universalidade-de-reflexão:
sua efetividade lhes é proporcionada em um a participação
no poder do Estado. M as jã se fez notar, com o m om ento
da sociedade civil (§§ 527, 534), que os Singulares se elevam
da universalidade exterior à universalidade substancial, a sa­
ber, com o gênero particular, [são] os estamentos. E não é na
form a inorgânica de singulares com o tais (segundo o m odo
democrático da eleição) m as com o m om entos orgânicos, com o
estam entos, que acedem àquela participação: um poder ou
atividade no E stado nunca deve aparecer ou exercer-se em
figura informe, inorgânica, isto é, [derivada] do princípio da
pluralidade e da m ultidão.
As assembleias dos estam entos já foram erroneam ente de­
signadas com o o poder legislativo, considerando com o se só
constituíssem um ram o desse poder, no qual as autoridades
governamentais particulares têm parte essencial, e o poder do
príncipe tem a parte absoluta da decisão conclusiva. Aliás, além
disso, em um Estado cultivado o legislar pode ser apenas um
elaborar contínuo de leis existentes, e podem as leis, que se
dizem novas, ser só rem ates de detalhe e de particularidades
(ver § 529, nota), cujo conteúdo, pela prática dos tribunais já
foi preparado ou m esm o decidido previamente.
() que se cham a “lei de finanças” é, na m edida em que vem
para a cogestão dos estamentos, essencialmente um assunto-
de-govemo\ só im propriam ente se cham a um a lei, no sentido
geral que abarca um âmbito vasto, m esm o o âm bito total
dos meios exteriores do governo. As finanças concernem , por
sua natureza, som ente às necessidades [Bediirfnisse] variáveis
particulares, que sempre se produzem de novo, m esm o se se
referem ao [seu] complexo. Se a parte constitutiva principal
do que se necessita considerada com o perm anente — com o
ela, pois, tam bém é —, a determ inação a seu respeito teria
mais a natureza de um a lei; mas, para ser um a lei, deveria ser
dada um a vez por todas, e não sem pre de novo cada ano ou
depois de alguns anos. A parte variável\ segundo o tem po e as
circunstâncias, refere-se de fato à parte m enor do m ontante, e
a determ inação sobre ela tem tanto menos o caráter de uma
lei; e, contudo, só é e só pode ser essa pequena parte variável
que é disputável, e pode ser subm etida a um a determ inação
variável, anual, que assim leva falsamente o nom e pom poso de
aprtrvação do orçamento, isto é, do todo das finanças. U m a lei a
fazer por um ano e cada ano, evidencia-se com o inadequada,
m esm o para o sentido com um , enquanto esse distingue o
universal em si e para si com o conteúdo de um a verdadeira
lei, de um a universalidade-de-reflexão, que reúne apenas exte­
riorm ente algo múltiplo po r sua natureza. O nom e de um a lei
para a fixação anual do necessário em finanças serve apenas,
na pressuposta separação entre o poder legislativo e o poder
governamental, para sustentar a ilusão de que essa separação
efetivamente ocorre, e para encobrir que o poder legislativo está
ocupado com um assunto propriam ente de Governo, quando
decide sobre as finanças.
M as o interesse que se põe na com petência de consentir
sem pre de novo na lei orçam entária é que a assembleia dos
estam entos possui nela um m eio de pressão contra o governo,
e assim um a garantia contra a negação do direito e a violên­
cia. Esse interesse, de um lado, é um a aparência superficial,

317
e n q u a n t o a d i s p o n i b i l i d a d e f i n a n c e ir a n e c e s s á r i a à s u b s i s t ê n c i a
do Estado não pode e s t a r condicionada por quaisquer outras
circunstâncias; nem a subsistência do Estado pode ser posta
em dúvida anualm ente; com o tam pouco o G overno poderia
conceder e ordenar a organização da adm inistração da justiça,
por exemplo, sem pre som ente p o r um tem po limitado, para
se reservar um m eio de pressão contra as pessoas privadas,
na ameaça de suspender a atividade de tal instituição, e no
tem or de um em ergente estado-de-banditism o. Mas, de outro
lado, as representações de um a relação na qual poderia ser útil
e necessário te r em m ãos um m eio de pressão repousam em
parte na falsa representação de um a relação-contratual entre
o G overno e o povo; em parte, pressupõem a possibilidade
de um a tal divergência de espírito entre os dois, que nesse
caso não h ã mais que pensar em C onstituição e governo em
geral. Se se representa a possibilidade vazia de recorrer a
tal meio-de-pressão, com o vinda à existência, tal recurso seria
antes um a desorganização e dissolução do Estado, no qual
não se encontraria mais G overno algum, mas só partidos, e
a que só rem ediaria a violência e a opressão de u m partido
por outro. R epresentar-se a organização do E stado com o
um a simples constituição-de-entendim ento, isto é, com o o
m ecanism o de um equilíbrio de potências exteriores um as às
outras em seu interior, isso vai contra a ideia fundam ental do
que é um Estado.

§ 545
O Estado tem o lado, enfim, de ser a efetividade imediata de
um povo singular e naturalm ente determ inado. Enquanto indivíduo
singular, ele é exclusivo em relação aos outros indivíduos da m esm a
espécie. N o seu relacionamento, de uns com os outros, tem lugar o
arbitrário e a contingência, porque o universal do direito, em razão da
totalidade autónom a dessas pessoas, som ente deve ser entre elas, não
é efetivo. Essa independência faz do conflito entre elas um a relação
de violência, um estado de guerra,, para o qual a situação universal se
determ ina em vista do fim particular da conservação da autonom ia
do Estado perante os outros, em um estado de bravura.

318
§ 546
Essa situação m ostra a substância do Estado, em sua individua­
lidade que avança rum o à negatividade abstrata, com o a potência
em que a autonom ia particular dos Singulares e a situação de seu
ser-imerso no ser-aí exterior da posse, e na vida natural, se sente
com o algo nulo. A substância do Estado mediatiza a conservação da
substância universal pelo sacrifício (que ocorre em sua disposição)
desse ser-aí natural e particular; [sacrifício que consiste] em tom ar
vão o que é vão.

2 o) O direito político externo


§ 547
Pelo estado de guerra, põe-se em jogo a autonom ia dos Esta­
dos, e segundo um lado se efetua o reconhecim ento recíproco das
livres individualidades dos povos (§ 430), e pelos acordos de p a z,
que devem durar eternam ente, fixam-se tanto esse reconhecim ento
universal quanto as autorizações particulares que os povos se dão
uns aos outros. O direito político externo repousa, de um a parte,
nesses tratados positivos, mas nessa m edida contém só direitos a
que falta verdadeira efetividade (§ 545); de outra parte, [repousa]
sobre o que se cham a direito das gentes, cujo princípio universal é
o ser-reconhecido pressuposto dos Estados, e portanto limita suas
ações — que de outro m odo seriam ilimitadas — umas em rela­
ção às outras, de forma que fique a possibilidade da paz; [direito]
que tam bém distingue do Estado os indivíduos enquanto pessoas
privadas, e que de m odo geral repousa nos costumes [ethos].

3°) A história mundial


§ 548
O espírito-do-povo, determ inado, porque é efetivo, e [porque]
sua liberdade é enquanto natureza, tem segundo esse lado natural
o m om ento de um a determ inidade geográfica e climática. Ele está
no tempo e segundo o conteúdo tem essencialmente um princípio
particular,; assim com o tem de percorrer um desenvolvimento, por
isso determinado, de sua consciência e de sua efetividade: tem um a

319
história no interior de ní. Enquanto espírito limitado, nua autonom ia
0 algo subordinado; d e passa para a história m undial universal, cujos
acontecim entos são representados pela dialética dos espíritos parti­
culares dos povos, pelo tribunal do mundo.

§ 549
Esse m ovim ento é a via da libertação da substância espiritual,
o ato pelo qual o fim último absoluto do m undo nele se cumpre,
[pelo qual] o espírito que prim eiro só é essente em si, se eleva à
consciência e à consciência-de-si, e assim à revelação e â efetividade
de sua essência essente em si e para si, e se torna para si m esm o
o espírito exteriorm ente universal, o espirito-do-mundo. Enquanto esse
desenvolvimento é no tem po e no ser-aí, e por isso, enquanto his­
tória, seus m om entos e graus singulares são os espíritos-dos-povos;
cada um, com o espírito singular e natural em um a determ inidade
qualitativa, é determ inado para ocupar som ente um grau, e para só
cum prir uma tarefa do ato total.
Q ue na história se faça a pressuposição de um Jim essente
em si e para si, e de determ inações que dele se desenvolvem
segundo o conceito — é o que se cham a um a consideração
apriorística da história; e a filosofia é acusada de escrever his­
tória a priori. Sobre isso, e sobre a escritura da história em
geral, h á que fazer-se um a observação mais porm enorizada.
Q ue no fundam ento da história, e sem dúvida, essencialmente,
no fundam ento da história mundial, haja um fim últim o em si
e para si, e que este tenha sido e seja realizado efetivamente
nela — o plano da Providência —, que em geral haja razão
na história, isso deve ser estabelecido para si mesmo, filosofi­
cam ente; e assim com o necessário em si e para si. Censura, só
pode merecê-la pressupor representações ou pensam entos arbi­
trários, e querer encontrar e representar em conform idade com
eles os acontecim entos e os fatos. Mas, hoje em dia, fizeram-
se culpadas de tal m aneira apriorística de proceder sobretudo
pessoas que pretendem ser puros historiadores e ao mesm o
tem po se declaram, nas horas vagas, expressam ente contra o
filosofar, quer em geral, quer em história. Para eles, a filosofia
é um a vizinha incomoda, enquanto é oposta ao arbitrário e aos

320
palpite». Sem elhante [maneira de] escrever a história a p rim w z
propagou, âs vezes, de um lado donde menos se devia esperar,
principalm ente da filosofia, e mais na A lem anha que na Fran­
ça e na Inglaterra, onde a historiografia se depurou em uma
característica mais firme e mais madura. Fazer ficções, com o
a de um estado original e do seu povo original, que se teria
encontrado na posse do verdadeiro conhecim ento de Deus e
de todas as ciências; [como a] de povos-de-sacerdotes, e em
especial, por exemplo, de um a epopeia rom ana, que teria sido
a fonte de informações historicam ente válidas sobre a mais
antiga história de Rom a etc. — foi isso que entrou no lugar
das invenções pragmatistas das bases e conexões psicológicas,
e, ao que parece, se considera em um vasto círculo com o a
exigência de um a historiografia que haure nas fontes, erudita
e rica de espírito, incubar tais ocas representações, e a partir de
um douto entulho de circunstâncias exteriores longínquas, em
que pese a história mais atestada, combiná-las ousadam ente.
Se puserm os de lado esse tratam ento subjetivo da história,
a exigência propriam ente oposta, de que a história não seja
considerada segundo um fim objetivo, tem, ao total, o m esm o
sentido que a exigência, que parece ainda mais legítima, de
que o historiador proceda com im parcialidade. C ostum a-se
particularm ente fazer essa exigência à H istória da Filosofia,
enquanto nela não se deve m ostrar nenhum a inclinação em
favor de um a representação e opinião, com o um juiz não deve
ter um interesse particular po r nenhum a das duas partes em
conflito. N o caso de um juiz, adm ite-se ao mesm o tem po que
desem penharia sua função de m odo estúpido e m au se não
tivesse um interesse, e m esm o um interesse exclusivo, pelo
direito; se não o tivesse com o fim, e com o único fim, e se se
abstivesse de julgar. Essa exigência feita ao juiz, pode-se cham ar
parcialidade pelo direito, e sabe-se aqui m uito bem distingui-la
de um a parcialidade subjetiva. M as na imparcialidade exigida
do historiador essa diferença é apagada no falatório sisudo e
presunçoso, e se rejeitam os dois tipos de interesses, quando se
exige que o historiador não traga consigo nenhum determ inado
fim e parecer, segundo o qual selecionasse, dispusesse e avaliasse

321
oh a c o n t e c i m e n t o » , m a » q u e oh n a r r e j u s t a m e n t e n o m o d o - d e -
s c r - c o n t i n g e n t e c o m o o » c n c o n t r o u - a í , em s u a p a r t ic u la r id a d e
carente de relação e de pensam ento. N o máximo, concorda-se
que um a história deve ter um objeto, p o r exemplo Roma, seu
destino, ou a queda da grandeza do império rom ano. Basta um
pouco de reflexão para discernir que isso é o fim pressuposto
que está no fundam ento dos próprios acontecim entos, assim
com o do juízo sobre quais dentre eles têm importância; quer
dizer, um a relação, mais próxim a ou mais distante, com o fim.
U m a história sem tal fim, e sem tal juízo, seria apenas um flanar
idiota da representação; nem m esm o um conto para crianças,
pois até as crianças exigem nas narrativas um interesse, isto
é, um fim pelo menos dado a pressentir, e a relação que os
acontecim entos e ações têm com ele. N o ser-aí de um pcrvo,
o fim substancial é ser um Estado e, com o tal, conservar-se;
um povo sem form ação-de-Estado (uma nação com o tal) não
tem propriam ente história, assim com o os povos existiram
antes de sua form ação-de-Estado, e outros que existem ainda
agora com o nações selvagens. O que acontece a um povo, e
se passa no seu interior, tem, na sua relação ao Estado, sua
significação essencial; as simples particularidades dos indivíduos
são o mais distante que há desse objeto que pertence à história.
Se o espírito universal de um tem po em geral se imprime no
caráter dos indivíduos que se distinguem em um período; e
se tam bém suas particularidades são os meios mais distantes e
mais turvos, em que o espírito ainda desem penha um papel em
cores esbatidas; se mesmo, muitas vezes, singularidades de um
pequeno acontecim ento, de um a palavra, não exprimem um a
particularidade subjetiva, mas um tempo, [um] povo, [uma]
cultura; de m odo que escolher tais singularidades é a Coisa de
um historiador rico de espírito; ao contrário, a massa das outras
singularidades é um a m assa supérflua; p o r sua recoleção fiel,
os objetos dignos de história são abafados e obscurecidos: a
característica essencial do espírito e do seu tem po está sem pre
contida nos grandes eventos. H á um sentido justo em relegar
sem elhantes descrições do particular, e em recolher seus traços
ao romance (como os de W alter Scott e outros); há que ter-
r
se com o bom gosto unir os quadros da vitalidade particular,
inessencial, com um material inessencial, tal com o o rom ance
o tom a aos acontecim entos privados e paixões subjetivas. Mas,
no interesse do que se cham a verdade, entretecer as pequenezas
individuais do tem po e das pessoas com a representação dos
interesses universais, e não só contra o juízo e o gosto, mas
contra o conceito da verdade objetiva, no sentido de que só
o substancial é verdadeiro para o espírito, mas não a falta de
conteúdo das existências exteriores e contingências; e é perfei­
tam ente indiferente que tais insignificâncias sejam formalm ente
atestadas, ou, com o no romance, sejam imaginadas de m aneira
característica, e atribuídas a esse ou àquele nome, e circunstân­
cia. O interesse da biografia, para m encioná-la a esse propósito,
parece ser diretam ente contraposto a um fim universal; mas
ela m esm a tem por pano de fundo o m undo histórico, com o
qual o indivíduo está entrosado: m esm o o subjetivo-original,
o hum orístico etc. rem etem àquele conteúdo e realçam assim
seu interesse. C ontudo, o que é apenas emotivo tem um outro
solo e interesse que não a história.
A exigência da im parcialidade [feita] à história da filosofia — e
também, pode-se acrescentar, à história da religião em geral
de um lado, e, de outro, à história da Igreja — costum a
implicar, mais precisam ente ainda, a exclusão mais expressa
do pressuposto de um fim objetivo. Com o acim a o Estado
era designado com o a Coisa à qual o juízo devia referir os
acontecim entos na história política, assim a verdade devia ser
o objeto a que se tinham de referir os fatos e acontecim entos
singulares do espírito. Mas, antes, o que se faz é a pressuposi­
ção oposta, de que tais histórias só teriam fins subjetivos, isto
é, som ente opiniões e representações, não o objeto essente em
si e para si, a verdade; e isso pela simples razão de que não
há verdade alguma. Segundo essa hipótese, o interesse pela
verdade aparece igualmente com o um a parcialidade, no sen­
tido habitual, quer dizer, [como interesse por] por opiniões e
representações que [por serem] igualmente faltas-de-conteúdo
valem, em conjunto, po r indiferentes. A própria verdade his­
tórica tem assim o sentido som ente de exatidão, de exposição

323
c o r r e t a d o e x t e r i o r , Rém [ o u t r o ] j u l g a m e n t o a n f io d e r n o b r e
s u a e x a tid ã o m e s m a ; c o m o q u e s ó s e a d m ite m s im p le s m e n te
juízos qualitativos e quantitativos, mas não juízos [a respeito]
da necessidade [Notw.] e do conceito (ver nota aos §§ 172 e
178). De fato, porém , se na história política Rom a ou o Im­
pério alemão etc. são um objeto efetivo e verdadeiro, e são o
fim ao qual devem os outros fenôm enos referir-se, e ser por
ele apreciados, [e] assim, ainda mais na história universal, o
espírito universal mesm o, a consciência [que tem] de si e de
sua essência, é um objeto, um conteúdo verdadeiro e efetivo,
e um fim ao qual em si e por si servem todos os fenômenos;
de m odo que unicam ente através da relação a ele, isto é, por
meio do juízo no qual são subsumidos sob ele, e ele lhes inere,
[é que] têm seu valor e, mesmo, sua existência. Q ue na m archa
do espírito (e é o espírito que não apenas paira sobre a histó­
ria com o sobre as águas2, mas que tece [schw ebt/w ebt] nela
e é o único m ovente) a liberdade, isto é, o desenvolvimento
determ inado pelo conceito do espírito, seja o determ inante, e
que só o conceito do espírito seja para si m esm o o fim último,
ou, em outras palavras, que haja razão na história — isso por
um a parte vem a ser, pelo menos, um a crença plausível, mas
por outra é um conhecim ento da filosofa.

§ 550
Essa libertação do espírito, em que procede a alcançar-se a si
m esm o e a efetivar sua verdade, e a tarefa [de desempenhar-se]
disso são o direito suprem o e absoluto. A consciência-de-si de um
povo particular é portadora do grau de desenvolvimento desta vez
[alcançado] pelo espírito universal em seu ser-aí, e a efetividade
objetiva em que ele coloca sua vontade. Perante essa vontade ab­
soluta, a vontade dos outros espíritos-de-povos particulares e sem-
direito; aquele povo é o que dom ina o m undo; mas, igualmente, o
espírito progride para além de sua propriedade de cada vez, com o

2. Alusão a Génesis, 1,2.

324
além de um grau particular, e o abandona então à sua sorte e [ao
seu] tribunal.

§ 551
Enquanto tal tarefa de [produzir] efetividade aparece com o ação,
e por isso com o um a obra de Singulares, estes, em vista do conteú­
do substancial de seu trabalho, são instrumentos, e sua subjetividade
que é para eles [o] peculiar é a form a vazia da atividade. O que,
portanto, obtiveram para si mesmos, m ediante a parte individual
que tom aram na tarefa substancial preparada e determ inada sem
depender deles, é um a universalidade formal de representação sub­
jetiva: a glória,, que é sua remuneração.

§ 552
O espírito-do-povo encerra um a necessidade-de-natureza e está
em um ser-aí exterior (§ 483); a substância ética infinita em si é
um a substância ética particular e limitada para si (§§ 549 e 550), e
seu lado subjetivo é afetado de contingência: costum e inconsciente,
consciência do seu conteúdo com o de um conteúdo presente no
tem po, e em relação contra um a natureza e um m undo exterio­
res. Mas, na eticidade, é o espírito pensante que suprassume em si
m esm o a fmitude que possui enquanto espírito-de-um -povo em
seu Estado, e nos interesses tem porais deste, no sistema das leis e
dos costumes, e que se eleva ao saber de si em sua essencialidade
— saber que no entanto tem ele m esm o a limitação do espírito-
do-povo. Mas o espírito pensante da história do m undo, enquanto
ao mesm o tem po despe aquelas limitações dos espíritos-dos-povos
particulares, e sua própria m undanidade, apreende sua universali­
dade concreta e se eleva ao saber do espírito absoluto, com o [saber]
da verdade eternam ente efetiva, em que a razão que-sabe é livre
para si mesma, e a necessidade, a natureza e a história são só para
servir a revelação desse espírito, e vasos de sua glória.
N a Introdução à Lógica (ver sobretudo § 51, nota), falou-se
do [aspecto] formal da elevação do espírito a Deus. A propósi­
to do ponto de partida dessa evolução, Kant o apreendeu do
m odo mais correto, em geral, ao considerar a fé em Deus com o
procedendo da razão prática. Com efeito, o ponto de partida

325
contém implicitamente o conteúdo ou o material que constitui o
conteúdo do conceito de Deus. Mas o verdadeiro material con­
creto não é nem o ser (como na prova cosmológica) nem só a
atividade finaltstica (como na prova físico-teológica), e sim o es­
pírito, cuja determinação absoluta é a razão eficiente — isto é, o
conceito que determina e realiza a si mesmo —, a liberdade. Que
na exposição kantiana, por sua vez, seja rebaixada a um postulado,
a um simples dever-ser, essa elevação do espírito a Deus, a qual
se opera nessa determinação, [isso] é a distorção anteriormente
discutida [que consiste em] restabelecer com o verdadeira e válida
a oposição da finitude, cuja suprassunção em [direção à] verdade
é aquela elevação mesma [do espírito a Deus].
Sobre a mediação, que é um a elevação a Deus, antes se m os­
trou (§ 192; ver § 204, nota) que o m om ento da negação tem
de ser considerado especialmente, enquanto por meio dele é
depurado de sua finitude o conteúdo essencial do ponto de
partida, e assim se desprende livre. Esse m om ento, abstrato
na forma lógica, obteve agora sua mais concreta significação.
O finito, de que se parte aqui, é consciência-de-si ética real: a
negação pela qual eleva seu espírito à verdade, é a depuração
realizada efetivamente no m undo ético, de seu saber [retirando-o]
da opinião subjetiva, e a libertação de sua vontade do egoísmo
do desejo. A verdadeira religião e a verdadeira religiosidade só
derivam da eticidade, e são a eticidade pensante, isto é, que
se torna consciente da livre universalidade de sua essência
concreta. Só por ela, e a partir dela, a ideia de Deus é sabida
com o espírito livre; fora do espírito ético é, portanto, inútil
procurar verdadeira religião e religiosidade.
M as esse resultar m esm o assume ao m esm o tem po — com o
[ocorre] em toda a parte no especulativo — essa significação
de que o posto, de início, com o o sequente e o procedente,
é antes o prim eiro [prius] absoluto daquilo por que aparece
com o mediatizado; e aqui no espírito é tam bém sabido com o
sua verdade. Assim, é este o lugar de aprofundar a relação do
Estado e da religião, e de elucidar as categorias que estão em
voga a respeito. A consequência im ediata do anterior é que
a eticidade é o Estado reconduzido a seu interior substancial,

3 26
que o Estudo é o desenvolvimento e a efetivação da eticidade;
mas que a substancialidade da eticidade mesm a e do Estado é
a religião. Segundo essa relação, o Estado repousa na dispo­
sição ética, e esta na religiosa. Sendo a religião a consciência
da verdade absoluta, o que deve valer com o direito e justiça,
com o dever e lei, isto é, com o verdadeiro, no m undo da von­
tade livre, só pode valer enquanto tem parte naquela verdade,
está subsumido sob ela e resulta dela. Mas, para que o Ético
verdadeiro seja consequência da religião, requer-se que a re ­
ligião tenha o conteúdo verdadeiro, quer dizer, que a ideia de
Deus, sabida nela, seja a verdadeira. A eticidade é o espírito
divino com o habitando na consciência-de-si em sua presença
efetiva, enquanto presença de um povo e dos seus indivíduos:
essa consciência-de-si indo de sua efetividade empírica para
dentro de si, e levando sua verdade à consciência, tem em sua
crença e em sua consciência m oral som ente o que tem na certeza
de si mesma, em sua efetividade espiritual. Os dois [lados] são
inseparáveis: não pode haver dupla consciência moral, um a re ­
ligiosa, e um a ética, diferente dela pelo teo r e conteúdo. Mas
segundo a forma, isto é, para o pensar e saber — religião e
eticidade pertencem â inteligência e são um pensar e saber —,
com pete ao conteúdo religioso, enquanto é a verdade pura
essente para si, portanto suprema, a sanção da eticidade que
tem lugar na efetividade empírica; assim a religião é, para a
consciência-de-si, a base da eticidade e do Estado. É o enor­
m e erro de nosso tem po querer considerar esses inseparáveis
com o separáveis um do outro, e mesm o com o indiferentes um
ao outro. Assim, considerou-se a relação da religião para com
o Estado com o se este aliás jã existisse para si mesmo, e em
virtude de qualquer potência e força; e o religioso, com o o
subjetivo dos indivíduos, só tivesse de se acrescentar eventual­
m ente a ele, com o algo desejável, só para sua consolidação; ou
m esm o fosse indiferente, e a eticidade do Estado, isto é, direito
e constituição racionais, estivessem firmes para si em seu pró­
prio fundamento. N a inseparabilidade dos dois lados [que foi]
indicada, há interesse em fazer notar a separação que aparece
do lado da religião. Ela concerne prim eiro à form a, isto é, à

327
relação du consciônciil-de-iii uo conteúdo da verdade. Sendo
este a substância como espírito im anente da consciência-de-si
em sua efetividade, essa conseiência-de-si tem a certeza de si
m esm a nesse conteúdo, e é livre nele. M as a relação da não
liberdade pode ocorrer segundo a forma, em bora o conteúdo
em s i essente da religião seja o espírito absoluto. Essa grande
diferença, para citar o mais determ inado, se encontra dentro
da própria religião cristã, em que não é o elem ento natural que
form a o conteúdo de Deus; tal m om ento nem entra sequer
com o um m om ento em seu conteúdo, mas o conteúdo é Deus
que é sabido em espírito e em verdade. Contudo, na religião
católica, esse espírito é, na efetividade, contraposto rigidam ente
ao espírito consciente-de-si. Primeiro, na hóstia Deus é apre­
sentado à adoração com o coisa exterior (quando, ao contrário,
na Igreja luterana a hóstia com o tal é consagrada e elevada a
Deus presente nela, prim eiro e som ente na fruição, isto é, no
aniquilamento de sua exterioridade, e na fé , isto é, no espírito
ao m esm o tem po livre, certo de si mesmo). Dessa prim eira
e suprem a relação de exterioridade, decorrem todas as outras
relações exteriores, po r isso não livres, não espirituais e supersti­
ciosas; especialm ente um lacaito, que recebe o saber sobre a
verdade divina, com o tam bém a direção da vontade e da cons­
ciência de fora, e de um outro estado, que alcança, ele mesmo,
a posse daquele saber não de m aneira espiritual unicam ente,
mas precisa essencialmente para isso de um a consagração ex­
terior. Além disso, a m aneira de orar, que p or um lado se faz
m ovendo só os lábios para si, por outro lado é um m odo de
orar falto-de-espírito, nisso que o sujeito renuncia a dirigir-se
diretam ente a Deus, e reza a outros para que rezem [por ele];
a devoção que se dirige a imagens milagrosas, m esm o a ossos
[de relíquias], e a espera de milagres por seu meio; em geral, a
ju stiça por obras exteriores, um m érito que deve ser adquirido
por ações, e, mesm o, que pode ser transferido a outros etc.,
tudo isso prende o espírito sob um ser-fora-de-si pelo qual seu
conceito no mais íntim o é desconhecido e pervertido, e direi­
to e justiça, eticidade e consciência moral, responsabilidade e
dever são corrom pidos em sua raiz.
A tal princípio e a esse desenvolvimento da não liberdade do
espírito no [campo] religioso corresponde som ente um a legis­
lação e constituição da não liberdade no direito e na ética, e
um a situação de não juridicidade e não eticidade no Estado
efetivo. D e maneira coerente foi a religião católica tão alta­
m ente louvada, e ainda é muitas vezes louvada, com o a única
pela qual a solidez dos G overnos é assegurada — de fato,
G overnos tais, ligados a instituições que se fundam sobre a não
liberdade do espírito, que deve ser livre jurídica e eticamente;
isto é, [governos ligados] a instituições do não-direito, e a um
estado de corrupção ética e de barbárie. M as esses governos
não sabem que têm no fanatismo a potência terrível que não
se apresenta hostilm ente contra eles, só enquanto — e só com
a condição de — ficarem presos na escravidão do não-direito
e da imoralidade. Mas no espírito está ainda presente um a
outra potência: ante esse ser-fora-de-si, e [esse] ser-dilacerado,
a consciência se recolhe em sua livre efetividade interior; no
espírito dos governos e dos povos, desperta a sabedoria-dõ-
mundo, quer dizer, a sabedoria sobre o que é em si e para si
justo e racional na efetividade. C om razão cham a-se sabedoria-
do-mundo a produção do pensar, e, mais determ inadam ente, a
filosofia, porque o pensar torna presente a verdade do espírito,
introduz este no m undo e o liberta assim em sua efetividade
e nele mesmo.
C om isso, o conteúdo assume um a figura totalm ente diversa.
A não liberdade da form a, isto é, do saber e da subjetividade,
tem para o conteúdo ético a consequência de que a consciên­
cia-de-si é representada com o não im anente a esse conteúdo,
[e] que esse conteúdo está representado com o subtraído a ela,
de m odo que só deveria ser verdadeiro com o negativo em
relação à efetividade da consciência-de-si. Nessa não verdade,
o conteúdo ético chama-se algo santo. Mas, pelo introduzir-se
do espírito divino na efetividade, a libertação da efetividade
em direção dele — o que no m undo deve ser a santidade — é
reprimida, pela eticidade. E m lugar do voto de castidade, agora
só vale com o [sendo] o ético, o casamento, e por isso, com o
o que h á de mais alto nesse lado do hom em , a fa m ília . Em

329
lugar do voto de pobreza (a que corresponde, enredando-se
na contradição, o mérito de doar seu haver aos pobres, isto
é, o enriquecim ento destes), vale a atividade da autoaquisição
pelo entendim ento e zelo, e a retidão nesse com ércio e uso
da riqueza, a eticidade na sociedade civil. Em lugar do voto
de obediência, vale a obediência às leis e ãs instituições políticas
legais; obediência que é mesm o a verdadeira liberdade, porque
o Estado é a razão própria, a razão que se efetiva: a eticidade
no Estado. Só então o direito e a m oralidade podem estar
presentes. N ão basta que na religião esteja prescrito: “D a i a
César o que ê de César; e a Deus o que é de Deus”; pois se trata
precisam ente de determ inar o que é de César, isto é, o que
pertence ao G overno secular; é bastante notório tudo que G o­
verno secular se arrogou arbitrariamente, com o p o r seu lado
[o fez] o G overno espiritual. O espírito divino deve penetrar
de m odo im anente o [que é] m undano; assim, a sabedoria é
ali concreta e sua justificação determ inada nele mesm o. Mas
aquela imanência concreta são as configurações, jã indicadas,
da eticidade: a eticidade do casam ento contra a santidade do
celibato, a eticidade da riqueza e de sua aquisição contra a
santidade da pobreza e de sua ociosidade, a eticidade da obe­
diência consagrada ao direito do Estado contra a santidade
da obediência sem dever e sem direito, [que é] a escravidão
da consciência. C om a necessidade [Bediirfnis] do direito e
da eticidade, e do discernim ento da natureza livre do espírito,
aparece a desavença deles contra a religião da não liberdade.
D e nada serviria que as leis e a ordem pública fossem transfor­
m adas em um a organização racional do direito, se o princípio
da não liberdade não for abandonado na religião. Os dois
são incompatíveis entre eles: é um a representação tola querer
assinalar a ordem pública e ã religião um domínio separado,
na suposição de que sua diversidade se com portaria tranqui­
lamente, na relação de um term o para com o outro, e não
rebentaria em contradição e luta. Os princípios da liberdade
jurídica podem ser som ente abstratos e superficiais, e as institui­
ções políticas derivadas deles devem ser para si insustentáveis,
quando a sabedoria daqueles princípios desconhece a religião

330
a ponto de não saber que os princípios da razílo da efetiv
dade têm sua confirmação última e suprema na consciênci
religiosa, na subsunção da verdade absoluta pela consciêncii
Se, de qualquer m odo que isso ocorra — digamos, a priori —
surgisse um a legislação que tivesse por sua base os princípio
da razão, mas em contradição com a religião do pais, basead
nos princípios da não liberdade espiritual, então a vigência d
legislação reside nos indivíduos do governo com o tal, em tod
a adm inistração que se ramifica através de todas as classes;
som ente um a representação abstrata, vazia, simular com o po«
sível que os indivíduos só atuem conform e o sentido ou a !etr
da legislação, e não segundo o espírito de sua religião, em qu
residem sua consciência mais íntima, e sua obrigação suprem*
As leis aparecem, nessa oposição contra o que é declaradi
santo pela religião, com o algo feito pelos hom ens; mesm o fl
fossem sancionadas e exteriorm ente estabelecidas, não pode
riam oferecer resistência durável à contradição e aos ataque
do espírito religioso contra elas. Fracassariam assim tais leif
mesm o que seu conteúdo fosse verdadeiro, na consciência cuj<
espírito difere do espírito das leis e não as sanciona. Deve-fli
julgar um a insensatez dos tem pos m odernos m udar o sistemi
de um a eticidade corrompida, sua constituição e legislaçflc
sem a m udança da religião; ter feito um a revolução, sem umi
reforma; imaginar que, com a velha religião e suas santidaden
um a Constituição política a ela oposta poderia ter em si tran
quilidade e harmonia; e que por garantias externas, por exemplí
pelas assim-chamadas Câm aras e pelo poder dado a elas, d<
determ inar a lei orçam entaria (ver § 544 nota) etc., poder-se-ii
proporcionar estabilidade às leis. H á que considerar-se conru
simples expediente querer separar da religião os direitos e leis
na im potência em que se está de descer âs profundezas do es
pírito religioso e de elevá-lo — a ele m esm o — à sua verdade
Aquelas garantias são esteios apodrecidos diante da consciêncu
dos sujeitos que devem aplicar as leis, e inclusive as garantia!
mesmas; é antes a contradição suprema, a mais ímpia, querei
ligar e sujeitar a essa legislação a consciência religiosa, para t
qual a legislação secular é algo ímpio.

33!
Km Platão* tinha surgido, da maneira mais dcterminudu, o
conhecim ento da cisão aparecida em seu tem po entre a reli­
gião existente e a Constituição política, de uma parte; e, de
outra parte, as exigências mais profundas que a liberdade, ao
tornar-se então consciente de sua interioridade, fazia à religião
e à situação política. Platão formula o pensam ento de que a
verdadeira Constituição e vida política seriam fundadas mais
profundam ente na ideia, sobre os princípios em si e p o r si
universais e verdadeiros da justiça eterna. Saber e conhecer
esses princípios é, decerto, destinação e tarefa da filosofia. A
partir desse ponto de vista, Platão aduziu aquela passagem3
famosa — ou mal-afamada — em que faz afirmar p o r Socrates
este tem a de que filosofia e poder do Estado devem coincidir,
que a ideia seja a governante, se é que o infortúnio dos povos
tem de ver um fim. Platão teve aqui a representação determ i­
nada de que a ideia — que certam ente em si é o pensam ento
livre que se determ ina — tam bém só na form a do pensam ento
podia chegar à consciência; com o um conteúdo que, para ser
verdadeiro, deve evidenciar-se m m o à universalidade, e, em sua
forma mais abstrata, ser levado à consciência. Para com parar a
posição platónica, de m aneira mais determ inada, com o ponto
de vista em que o Estado é considerado aqui em relação com
a religião, é preciso recordar as diferenças conceituais que neste
ponto são essencialmente relevantes. Consiste a prim eira em
que nas coisas naturais a substância delas, o gênero, é distinta
de sua existência em que a substância é com o sujeito\ mas essa
existência subjetiva do gênero é, além disso, distinta da que
recebe o gênero — ou o universal em geral, desprendido como
ta l para si m esm o — naquele que representa, naquele que pensa.
Essa individualidade mais avançada, o solo d a existência livre
da substância universal, é o S i do espírito pensante. O con­
teúdo das coisas naturais não obtém por si m esm o a forma
da universalidade e essencialidade, e sua individualidade não
é, ela mesma, a form a, que é som ente o pensar subjetivo para
si, e que na filosofa dã existência para si àquele conteúdo uni-

3. Platão, República, V, 473 c-e.

332
v e r s a i. () conteúdo humano* a o c o n t r á r io , è liv r e e s p í r i t o m e s m o
e acede à existência em sua consciência-de-si. Esse conteúdo
absoluto, o espírito concreto em si mesmo, consiste justam en­
te em ter por seu conteúdo a forma, o pensar; Aristóteles se
elevou à altura da consciência pensante dessa determinação,
em seu conceito da enteléquia do pensar, que é v ó t i o l ; r f |ç
nof|oecoç4, acim a da ideia platónica (o gênero, o substancial).
M as o pensar em geral contém (e na verdade p o r causa d a
m esm a determ inação indicada) tanto o ser-para-si imediato d a
subjetividade com o a universalidade; e a verdadeira ideia d o
espírito, em si concreto, está tão essencialmente em um a dc
suas determ inações — [na] da consciência subjetiva — com o
está na outra, [na] da universalidade; e, em um a com o na o u t r a ,
é o mesm o conteúdo substancial. M as àquela form a pertencem
sentim ento, intuição, representação; e é, antes, necessário q u e
a consciência da ideia absoluta seja, quanto ao tem po, apreen­
dida prim eiro nessa figura e que em sua efetividade i m e d i a t a
exista prim eiro com o religião do que com o filosofia. Por s u a
vez, a filosofia só se desenvolve sobre a base da religião, assim
com o a filosofia grega veio mais tarde que a religião g r e g a , e
justam ente só atingiu ali sua plena realização ao apreender e
ao conceber, em sua essencialidade total determinada, o prin­
cípio do espírito que se manifesta prim eiro na religião. Mas
a filosofia grega só podia estabelecer-se em oposição à sua
religião; e a unidade do pensam ento, e a substancialidade da
ideia só podiam com portar-se hostilm ente contra o politeísmo
da fantasia, as jocosidades graciosas e frívolas dessas ficções
poéticas. A form a em sua verdade infinita, a subjetividade do
espírito, só se produziu prim eiro com o livre pensar subjetivo,
que não era ainda idêntico â substancialidade mesma, e por
isso não era ainda apreendido com o espírito absoluto. Assim,
a religião som ente pode aparecer purificada pelo pensam ento
puro, essente para si: pela filosofia; mas a form a imanente ao
substancial, que foi com batida por ela, era aquela fantasia poé­
tica. O Estado, que se desenvolve igualmente — porém mais

4. Aristóteles, M etafísica, XII, 9, 1074 b, 34.

333
c e d o que a f ilo s o f ia — a p a r tir du r e li g i ã o , m o s t r a n a e f e t i v i d a d e
c o m o corrupção a unilatem liáade que a id e ia , e m si v e r d a d e ir a ,
t e m n e la . Platão, que, e m c o m u m com todos os pensadores
contem porâneos seus, reconhecia essa corrupção da dem o­
cracia, e a falha m esm a de seu princípio, pôs em evidência
o substancial, mas não configurou em sua ideia de Estado a
forma infinita da subjetividade, que ainda estava oculta para
seu espírito; por isso seu Estado é, nele mesmo, sem a liber­
dade subjetiva [§ 503, nota; §§513 ss.]. A verdade, que devia
habitar o Estado, constituí-lo e dom inado, Platão, por esse
motivo, só a apreendeu sob a forma da verdade pensada, da
filosofia, e assim formulou aquela sentença que, enquanto os
filósofos não governarem nos Estados, ou os que no presente
se cham am reis e soberanos não filosofarem de maneira pro­
funda e abrangente, não haveria para os Estados libertação de
seus males nem tam pouco para o gênero hum ano, enquanto
a ideia de sua Constituição política não pudesse prosperar
em [sua] possibilidade e ver a luz do sol. N ão foi perm itido
a Platão poder avançar a ponto de dizer que, enquanto a
verdadeira religião não surgisse no m undo e não se tornasse
dom inante nos Estados, o princípio verdadeiro do Estado não
chegaria à efetividade. Mas, enquanto esse princípio não pôde
chegar ao pensam ento, não podia a ideia verdadeira do Es­
tado ser apreendida pelo pensam ento — a ideia da eticidade
substancial, com a qual é idêntica a liberdade da consciência
de si, essente para si. Só no princípio do espírito sabedor de
sua essência, do espírito em s i absolutam ente livre, e tendo sua
efetividade na atividade de sua libertação, é que está presente
a absoluta possibilidade e necessidade de que coincidam em
um só, o poder do Estado, religião e os princípios da filosofia,
e de que sc cum pra a reconciliação da efetividade, em geral,
com o espírito; do E stado com a consciência religiosa e,
igualmente, com o saber filosófico. Enquanto a subjetividade
essente para si é absolutam ente idêntica com a universalidade
substancial, a religião com o tal, assim com o o Estado com o
tal, enquanto formas em que existe o princípio, contém neles
a verdade absoluta de m odo que esta, enquanto é com o filo-
sofia, está d a mesma som ente em um a de suas formas. Mas
enquanto a religião, tam bém no desenvolvimento dela mesma,
desenvolve as diferenças contidas na ideia, (§ 566 ss.) então
o ser-aí pode — e mesm o deve — aparecer em seu prim eiro
m odo imediato, isto é, ele m esm o unilateral, e a existência da
religião ser corrom pida em exterioridade sensível e portanto,
além disso, em opressão da liberdade do espírito e subversão
da vida política. Mas o princípio contém a elasticidade infinita
da forma absoluta, [que consiste em] vencer a corrupção de
suas determinações de forma, e, através dela, do conteúdo, e
efetuar a reconciliação do espírito nele mesmo. Assim, final­
m ente o princípio da consciência religiosa e o da consciência
ética se tornam um só e o mesm o princípio na consciência
protestante — o espírito livre que se sabe em sua racionali­
dade e verdade. A constituição e a legislação, assim com o suas
aplicações, têm por conteúdo o princípio e o desenvolvimento
da eticidade, que procede e só pode proceder da verdade da
religião, verdade instituída com o seu princípio [da eticidade],
e assim som ente efetiva enquanto tal. A eticidade do Estado
e a espiritualidade religiosa do Estado são, desse m odo, para
si as firmes garantias recíprocas.

335
‘lerceira Seção
da ‘Tilosofia do ^Espírito

O ESPÍRITO ABSOLUTO
§ 553
(jO conceito do espírito tem sua realidade no espírito. Q ue essa
realidade esteja na identidade com aquele conceito com o o saber
da ideia absoluta implica o aspecto necessário de que a inteligên­
cia, em sua efetividade, seja em si livre, liberada em direção ao
seu conceito, para ser a digna figura deste. O espírito subjetivo
e o espírito objetivo devem-se ver com o o cam inho pelo qual se
aperfeiçoa esse aspecto da realidade ou da existênciaj

§ 554
O espírito absoluto é tanto a identidade eternam ente essente em
si quanto retornando e retornada a si mesma: é a substância una e
universal enquanto espiritual, o juízo [que a reparte] em s i mesm a
e em um saber, para o qual ela existe com o tal. A religião, com o
em conjunto pode ser designada essa esfera, há que considerar-se
tanto com o partindo do sujeito e encontrando-se nele quanto com o
partindo objetivamente do espírito absoluto, que está com o espírito
na sua comunidade.
Já se notou acima (§ 63, nota) que aqui e em geral a fé não se
opõe ao saber, mas, antes, [o] crer é um saber, e som ente uma
form a particular do saber. Se hoje em dia se sabe tão pouco
de Deus, e se fica em sua essência objetiva, mas se fala tanto
mais de religião, isto é, do habitar de Deus no lado subjetivo,
e se exige a religião, não a verdade enquanto tal, isso contém
pelo m enos esta determ inação correta: de que Deus, com o
espírito, deve ser apreendido em sua Com unidade.

339
* 355
A consciência subjetiva do espirito absoluto é essencialmente, em
si, processo; cuja unidade imediata c substancial é a /Ano testem unho
do espírito enquanto a certeza da verdade objetiva. A fé, que contém
ao mesmo tem po essa unidade imediata, e essa unidade enquanto
a relação daquelas determ inações diferentes, passou — na devoção,
no culto implícito ou explícito — para o processo de suprassumir
em libertação espiritual a oposição, de confirmar por essa m edia­
ção aquela primeira certeza, e em ganhar a determ inação concreta
ilaquela certeza, isto é, a reconciliação, a efetividade do espírito.

340
A
A ARTE

§ 556
[À figura desse saber enquanto imediata (o momento da finitude da
arte) por um lado é um dissociar-se, em uma obra de ser-aí exterior
comum, no sujeito que a produz e no sujeito que a contempla e v e ­
nera; por outro lado, é a intuição e representação concretas do espírito
em si absoluto como do ideal — da figura concreta nascida do espírito
subjetivo, na qual a imediatez natural, que é apenas um signo da ideia,
se transfigura em expressão desta, pelo espírito ficcional, de modo q u e
a figura nela não mostre, aliás, nada de outro; [é] a figura da beleza.)

§ 557
A exterioridade sensível no belo, a form a da im ediatez enquanto
tal, é ao m esm o tem po a determinidade-do-conteúdo, e o deus, com
sua determ inação espiritual, tem ao mesm o tem po ainda nele a
determ inação de um elem ento ou ser-aí natural. Ele contém a u n i
dade, com o se diz, da natureza e do espírito, quer dizer, a unidade
im ediata, a forma da intuição; por isso, não a unidade espiritual,
em que o natural seria posto som ente com o ideal, com o suprassu-
mido; e o conteúdo espiritual, só em relação consigo mesmo: não
é o espírito absoluto que entra nessa consciência. Segundo o lado
subjetivo, a com unidade é bem um a com unidade ética, porque

341
Niinc fum cfweneiu, como euplrltimt, c «uu «>nHciénciu-dc-HÍ c nu«
efetividade nela se elevaram ã lib erd ad e substancial, M as, afetada
pela im ediatez, a lib erd ad e d o sujeito é so m e n te co stu m e, sem a
infinita reflexão so b re si, sem a in terio rid ad e subjetiva da consciência
[m oral]; seg u n d o isso ta m b é m se d e term in a m , em d esen v o lv im en to
ulterior, a d ev o ção e o culto d a religião d a b ela arte.

§ 558
jà arte, p a ra as intuições a serem p ro d u zid as p o r ela, necessita
n ã o só de u m m aterial exterior dado, a q u e tam b ém p e rte n ce m as
im agens e rep resen taçõ es subjetivas, m as, p a ra a expressão d o c o n ­
te ú d o espiritual, [precisa] ta m b é m das form as dadas p ela n atu reza
q u a n to à sua significação que a arte deve pressen tir e p o ssu ir (ver
§ 4 1 1 ).jE n tre as configurações, a h u m a n a é a m ais alta e a verda­
deira, p o rq u e so m en te nela o espírito p o d e te r sua corporeidade,
e assim sua expressão contem plãvel.
C o m isso se rejeita o princípio d a im itação da natureza n a arte,
a respeito d o qual n e n h u m e n ten d im en to é possível c o m u m a
oposição tão abstrata; enq u an to o [ser] natural for to m ad o
apenas em sua exterioridade, n ão co m o form a natural rica-de-
sentido, característica e significando o espírito.

§ 559
O espírito absoluto não se pode explicitar em tal singularidade do
configurar: o espírito da bela arte é portanto um limitado espírito-de-
um -povo, cuja universalidade essente em si, ao avançar para a ulterior
determinação de sua riqueza, decom põe-se em um politeísmo inde­
terminado. C om a limitação essencial do conteúdo, a beleza em geral
tom a-se somente a penetração da intuição ou da imagem pelo espiritual;
tom a-se algo formal, de m odo que o conteúdo do pensam ento ou a
representação, assim com o o material que o pensam ento utiliza para
sua ficção, podem ser do mais diverso tipo, e mesm o do mais ines-
sendal, e contudo a obra pode ser algo belo, e um a obra de arte,

§ 560
A unilateralidade da im ediatez no ideal contém (§ 556) a unilatera-
lidade oposta: a de ser algo fe ito pelo artista. O sujeito é o fo rm a l da

342
atividade, c a ohm -de-arte é Acxprcmtflo do Dcun, aó quando nenhum
sinul de particu laridade subjetiva há nela, mas o conteúdo do deus
que a habita é concebido e gerado sem mescla, e não m anchado
pela contingência dela. Mas enquanto a liberdade só progride até
o pensar, a atividade preenchida com esse conteúdo imanente. A
inspiração , do artista, e com o um a potência a ele estranha, como
um “pathos” não livre, o p ro d u zir tem nele mesmo a forma de uma
imediatez natural,[ pertence ao gênio com o este sujeito particular,; e é,
ao m esm o tempo, um trabalho ocupado com entendim ento técnico e
com exterioridades mecânicas. A obra de arte é, portanto, igualmente
um a obra do livre-arbítrio, e o artista é o m estre do deus.

§ 561
Naquele ser-implementado, a reconciliação aparece assim como
começo, de forma que seria realizada de m odo imediato na cons-
ciência-de-si subjetiva, que é assim em si mesm a segura e serena,
sem a profundeza e sem consciência de sua oposição à essência
essente em si e para si. Para além da perfeição da beleza — que
ocorre em tal reconciliação — na arte clássica , situa-se a arte de
sublim idade , a arte sim bólica,, em que a configuração adequada à ideia
ainda não é encontrada, senão que o pensam ento é apresentado
com o indo além da figura e lutando com ela, com o um comporta­
m ento negativo para com essa figura, na qual ao m esm o tem po sc
esforça por introjetar-se. A significação — o conteúdo — mostra,
justam ente com isso, que ainda não alcançou a forma infinita, ainda
não é sabida e consciente-de-si com o espírito livre. O conteúdo 6
som ente com o o deus abstrato do pensar puro, ou um a tendência
para ele, que sem descanso nem reconciliação se espalha em todas
as figurações, enquanto não pode achar sua meta.

§ 562
Mas a outra maneira da inadequação da ideia e da configuração
é que a forma infinita, a subjetividade, não é, como naquele extremo,
apenas uma personalidade superficial, e sim o mais íntimo: e o deus não
é sabido como procurando simplesmente sua figura — ou satisfazendo-
se em figura externa — mas como encontrando somente a si em si

343
mamo. ílitndo-ae aiwim no ttplrítual unicamente sua figura adequada.
I)awe modo a arte — rom ântica — renuncia a mostrar o deus enquanto
tal na figura exterior e por meio da beleza: apresenta-o como con­
descendendo apenas fem manifestar-se] na aparição, e o divino como
intimidade na exterioridade, subtraindo-se a essa exterioridade, que pode
assim aparecer aqui como contingente quanto à sua significação.
A filosofia da religião tem de reconhecer a necessidade lógica
no progresso das determ inações da essência sabida com o ab­
soluto; determ inações a que corresponde, primeiro, o m odo do
culto assim como, em seguida, a consciência-de-si do m undo,
a consciência sobre o que seja a mais alta determ inação no
homem, e assim a natureza da eticidade de um povo, o princípio
do seu direito, de sua liberdade efetiva e de sua Constituição,
com o tam bém de sua arte e de sua ciência; [todas essas coisas]
correspondem ao princípio que constitui a substância de um a
religião. Q ue todos esses m om entos da efetividade de um povo
constituam uma só totalidade sistemática, e que um só espírito
os crie e configure, esse discernim ento reside no fundam ento
do discernim ento ulterior de que a história das religiões coin­
cide com a história do m undo.
A propósito da conexão estreita da arte com a religião, há
que fazer a observação mais precisa de que a bela arte só
pode pertencer àquelas religiões cujo princípio é a espirituali­
dade concreta tornada livre em si mesma, mas que não é ainda
a espiritualidade absoluta. Nas religiões em que a ideia ainda
não se tom ou manifesta e sabida em sua livre determinidade,
evidencia-se a necessidade [Bedúrfhis] de que a arte traga à
consciência, na intuição e na fantasia, a representação da essên­
cia; aliás, a arte é m esm o o único órgão em que o conteúdo
abstrato, em si nada claro, intrincado d e elem entos naturais
e espirituais, pode aspirar a elevar-se à consciência. M as essa
arte é falha; por ter um tão falho conteúdo, a forma é falha
tam bém ; com efeito, esse conteúdo é tal por não ter a forma
im anente nele. A exposição conserva um lado de falta de
gosto e de espírito, porque o interior m esm o é ainda afetado
pela falta de espírito, por isso não tem o poder de penetrar
livremente o exterior para [dar-lhe] significação e figuração. A

344
bela arte, ao contrário, tem por condição a consciêneiu-de-*i
do espírito livre, e com isso a consciência da mio autonom ia
do sensível e do simplesmente natural diante do espírito livre,
e faz do sensível e natural, totalm ente, apenas um a expressão
desse espírito: é a forma interior que só exterioriza a si mesma,
A isso se liga a consideração ulterior, mais elevada, de que o
surgimento da arte indica o declínio de um a religião ainda presa
a um a exterioridade sensível. A o m esm o tempo, parecendo dar
à religião a mais alta transfiguração, expressão e esplendor, a
arte a elevou acima de sua limitação. O gênio do artista e dos
espectadores, na sublime divindade cuja expressão é alcançada
pela obra de arte, está com o próprio espírito e sensação como
em casa, satisfeito e liberado: a intuição e a consciência do
espírito livre está proporcionada e conseguida. A bela arte,
de seu lado, efetuou o m esm o que a filosofia: a purificação
do espírito, da [sua] não liberdade. Aquela religião, em que a
necessidade [Bedurfnis] da bela arte se engendra prim eiro —
e justam ente po r este m otivo tem no seu princípio um além
sem-pensamento, e sensível: as imagens devotam ente veneradas
são os ídolos sem-beleza, com o talismãs milagrosos, que visam
a um a objetividade que está no além sem espírito; e relíquias
crestam o m esm o serviço, ou até melhor, que tais imagens.
[Mas as belas-artes são apenas um grau da libertação, não a
libertação suprem a mesma. A objetividade verdadeira — que
só está no elem ento do pensamento, em que só o espírito puro
é, para o espírito, a libertação com a veneração ao mesmo
tem po — falta tam bém no belo-sensível da obra de arte, ainda
mais naquela realidade sensível exterior, sem-beleza. ]

§ 563
A bela arte (como sua religião peculiar) tem seu futuro na rrll
gião verdadeira. O conteúdo limitado da ideia passa, cm si e para
si, para a universalidade idêntica à forma infinita; u intuição, o Ntther
imediato ligado ao sensível, passa para o saber que se mediutirtu a
si mesmo, para um ser-aí que é o saber, ele mesmo, no m x kè t» d*
m odo que o conteúdo da ideia tem po r princípio a determ inação da
inteligência livre, é enquanto espírito absoluto, é pura o espírito.

941
B

A RELIGIÃO REVELADA

§ 564
Está im plicado essencialm ente n o conceito da religião verdadeira,
isto é, da religião cujo conteúdo é o espírito absoluto, que ela seja
revelada, e em verdade revelada p o r Deus. C o m efeito, sendo o saber
o princípio pelo qual a substância é espírito, enquanto a form a infinita
essente para si é o autodeterm inante, o saber é pura e sim plesm ente
[o] m anifestar. O espírito só é espírito na m edida em que é para o
espírito; e na religião absoluta é o espírito absoluto que manifesta,
não mais seus m om entos abstratos, m as a si m esm o.
A antiga representação da Némesis, em que pelo entendim ento
ainda abstrato se apreendia o divino e sua atividade no m undo
som ente com o poder igualador que arrasaria o que h ã de alto
e de grande, Platão e Arístóteles opuseram que “D eus não é
im)ejosd\ Isso pode opor-se tam bém às novas asseverações se­
gundo as quais o hom em não poderia conhecer a Deus. Essas
asseverações — pois mais não são essas afirmações — são tanto
mais inconsequentes quando feitas no interior de u m a religião
que expressam ente se cham a a religião revelada; de m odo que,
segundo aquelas asseverações, seria antes a religião em que Deus
nada seria revelado, em que Deus não se teria revelado, e assim
seus adeptos seriam “os pagãos que de Deus nada sabem ”1.

1.1 Tessalonicenses, 4, 5 e 6.

346
Se n a religião se to m a a sério a palavra “D eus”, em geral,
pode-se e deve-se com eçar tam bém p o r D eus a determ inação,
o conteúdo e o princípio da religião; é, caso se lhe recuse o
revelar-se, só restaria, quanto ao seu conteúdo, atribuir-lhe
inveja. Mas, se absolutam ente a palavra “espíritow deve ter um
sentido, este contém o revelar de si mesm o.
Refletindo-se sobre a dificuldade do conhecim ento de Deus
com o espírito — conhecim ento este que não se p o d e conten­
tar mais com as representações simples da fé, senão que vai
adiante até o pensar: prim eiro até o entendim ento reflexivo,
m as que deve avançar até o pensar conceituante —, quase não
pode alguém espantar-se de que tantas pessoas, especialm ente
os teólogos, enquanto m ais solicitados a ocupar-se com essas
ideias, tenham caído no acom odar-se facilm ente com isso, e
aceitado d e tão b o a vontade o que se lhes prescrevia para
esse fim; o mais fácil de todos é o resultado indicado: de que
o hom em nada saberia de Deus. Requer-se um a especulação
aprofundada p ara apreender correta e determ inadam ente no
pensam ento o que é Deus com o espírito. A í se encontram
contidas, antes de tudo, as proposições: D eus é som ente D eus
enquanto ele sabe a si m esm o; seu saber-se é além disso sua
consciência-de-si no hom em , e o saber do h o m em sobre Deus:
saber que avança p ara o saber-se do h o m em em Deus. Ver
a elucidação profunda dessas proposições no escrito donde
foram extraídas: Aforism os sobre o saber e o não saber etc. de C.
F. G .... I, Berlim, 18292.

§ 565
r~~
jO espírito absoluto, tendo suprassum ido a im ediatez e a sen­
sibilidade da figura e do saber, é, segundo o conteúdo, o espírito
essente em si da natureza e do espírito; segundo a forma, é antes
de tudo para o saber subjetivo da representação.} Esta, de um lado,
d á autonom ia aos m om entos d o conteúdo do espírito absoluto e
faz deles pressuposições, uns p ara com os outros, e fenôm enos

2. C a r i F ried rich G óschef, A p h o rism e n u b e r N ic h tw isse n u n d a k m lu te s fV issen im V erh ã ltn isse


z u r c h ristlú b fM ( ila u b e n s e r k m n tn is —Berlim, 1829,

347
que se seguem uns aos outros, c uma concxflo do acontecer segundo as
determinações fin ita s da reflexão. l)e outro lado, tal forma de modo-
de-representação finito é tam bém suprassumida na fé no único
espírito, e na devoção do culto.

§ 566
Nesse separar, a form a se divide do conteúdo', e, na forma, os
diferentes m om entos do conceito se dividem em esferas particula­
res ou elem entos particulares, em cada um dos quais o conteúdo
absoluto se expõe: I o) enquanto conteúdo eterno, que perm anece
ju nto de si em sua manifestação; 2o) enquanto diferenciação entre a
essência eterna e sua manifestação, que p o r essa diferença se torna
o m undo fenomenal no qual entra o conteúdo; 3o) enquanto infi­
nito retorno e reconciliação do m undo extrusado, com a essência
eterna; o retornar, da m esm a essência, do fenôm eno para unidade
de sua plenitude.

§ 567
1) N o m om ento da universalidade, na esfera do puro pensamento
ou no elem ento abstrato da essência é, assim, o espírito absoluto
que prim eiro é o pressuposto; todavia, não é o que fica encerrado
[em si mesmo] mas sim Criador do céu e da terra, com o potência
substancial na determinação-de-reflexão da causalidade. Contudo,
nessa esfera eterna, antes gera só a s i mesmo com o seu Filho, per­
m anece em identidade originária com este diferente, enquanto essa
determ inação — de ser o diferenciado da essência universal — se
suprassume etem am ente, e po r essa m ediação da mediação, que se
suprassume, a primeira substância é essencialmente com o singulari­
dade concreta e subjetividade: é o espírito.

§ 568
2) M as no m om ento da particularidade do juízo essa essência
concreta eterna é o pressuposto, e seu m ovim ento é a criação do
fenôm eno, o desagregar-se do etern o m o m en to da m ediação,
do Filho único, na oposição autónoma, de um lado, do céu e da
terra, da natureza elem entar e concreta; e, de outro lado, do espírito
enquanto está na relação com ela; por isso, do espírito fin ito . Esse

348
[espírito fin ito ], com o o extrem o da negatividade essente em si, se
autonom iza co m o o mal; é tal extrem o por sua relação a um a
natureza q u e se lhe contrapõe, e, por sua própria naturalidade assim
posta, e s tá n ela enquanto pensante ao m esm o tem po voltado para
o E terno; m a s p o r isso em um a relação exterior.

§ 569
3) N o m o m e n to da singularidade enquanto tal, isto é, da subjeti­
vidade e d o conceito m esm o — enquanto são a oposição entre a
universalidade e a particularidade, que retornou ao seu fundam ento
idêntico — , apresenta-se: 1) com o pressuposição, a substância universal
que, a p a rtir de sua abstração, se efetivou na consciência-de-si singular,
como im ediatam ente idêntica â essência, naquele Filho, transferido da
esfera e te rn a à tem poralidade; e nesta o mal é suprassumido enquanto
m s i M as além disso essa existência imediata, e por isso sensível, do
absolutam ente concreto se põe no juízo e m orre na d o r da negatrvi-
dade, na qual é, com o subjetividade infinita, idêntica a si mesma, [e]
da qual, c o m o retomo absoluto e unidade universal da essencialidade
universal e da essencialidade singular, veio a ser para si m esm o: a
ideia do espírito etem o mas vivo, e presente no m undo.

§ 570
II) E ssa totalidade objetiva é a pressuposição essente em si, para
a im ediatez fin ita do sujeito singular; p o r isso essa totalidade é
primeiro, p ara ele, um Outro e algo intuído\ m as é a intuição da
verdade essente em s i Por m eio desse testem unho do espírito nele,
em razão de sua natureza imediata, o sujeito singular determ ina-se,
primeiro, com o o nulo e com o o mal; e em seguida — segundo
o exem plo de sua verdade, m ediante a crença na unidade, que ali
se realizou em st' da essencialidade universal e da essencialidade
singular — ele é tam bém o m ovim ento de se extrusar de sua
determ inidade-de-natureza e da vontade própria, e de se concluir
na dor da negatividade com aquele exem plo e seu E m -si e de se
conhecer com o reunido com a essência.
III) A essência, por essa m ediação, se pro d u z com o im anente
à consciência-de-si, e é a presença efetiva do espírito essente em
si e para si, com o espírito universal.

349
§ 571
Ksses três silogism os que constituem o silogismo único da
m ediação absoluta do espírito consigo m esm o são a revelação
desse espírito, a qual representa a vida dele no ciclo de figuras
concretas da representação. A partir do dispersar dessas figuras e
de seu suceder-se, tem poral e exteriormente, o desdobram ento da
m ediação se recolhe em seu resultado — o concluir-se do espírito
consigo mesm o — não só na simplicidade da fé e da devoção do
sentim ento, mas tam bém no pensar, em cuja simplicidade im anente
o desdobram ento tem igualmente expansão, [que é] porém sabida
com o conexão indivisível do espírito universal, simples e eterno
em si mesmo. Nessa form a da verdade, a verdade é o objeto da
filosofia.
Se o resultado, o espírito essente para si, em que toda a m e­
diação se suprassumiu, for tom ado em sentido apenas form al\
sem conteúdo, de m odo que, o espírito, ao m esm o tem po, não
é sabido com o essente em s i e desdobrando-se objetivamente,
então aquela subjetividade infinita é a consciência-de-si som ente
formal, que se sabe em si m esm a com o absoluta: a ironia,. A
ironia aniquila para si to d o o conteúdo objetivo, sabe fazer
dele um conteúdo vão, por isso ela m esm a é a carência-de-
conteúdo, e a vaidade que se dã assim, a partir de si mesma,
um conteúdo contingente e arbitrário com o determ inação; fica
por isso dona desse conteúdo, não está presa por ele, e, com a
segurança de se m anter no mais alto píncaro da religião e da
filosofia, antes recai no oco [do] arbítrio. Som ente enquanto
a pura form a infinita, a automanifestação essente ju n to a si,
depõe a unilateralidade do subjetivo em que está a vaidade do
pensar [é que] ela é o livre pensar, que tem sua determ inação
infinita ao mesm o tem po com o conteúdo absoluto, essente em
si e para si, e que o tem com o objeto no qual ela tam bém é
livre. O pensar, nessa medida, é, ele mesmo, som ente o formal
do conteúdo absoluto.

350
c
A FILOSOFIA

§ 572
[Essa ciência é a unidade da arte e da religião, enquanto o
m odo de intuição da arte, exterior quanto à forma, o seu produzir
subjetivo e o fracionar do conteúdo substancial em muitas figuras
autónom as são reunidos na totalidade da religião; e o dispersar-se
que se desdobra na representação da religião e a m ediação dos
[elementos] que se desdobram não só são recolhidos em um todo,
mas tam bém unidos na intuição espiritual simples, e elevados depois
ao pensar consciente~de-si Por isso esse saber é o conceito, conhecido
pelo pensam ento, da arte e da religião, em que o diverso no con­
teúdo é conhecido com o necessário, e esse necessário com o livre,

§ 573
Por conseguinte, a filosofia se determ ina de m odo a ser um
conhecim ento da necessidade do cojiteúdo da representação absolu­
ta, com o tam bém da necessidade das duas formas: de um lado, da
intuição imediata e de sua poesia, e da representação, que-pressupôe,
da revelação objetiva e exterior; de outro lado, primeiro, do adentrar-
em-si subjetivo, depois, do m ovim ento-para-fòra subjetivo, e do
identificar da f é com a pressuposição. Esse conhecim ento é, assim,
o reconhecimento desse conteúdo e de sua forma, e a libertação da

351
uni lateralidade das form as e a elevação delas à form a absoluta que
se determ ina a si m esm a para [ser] conteúdo, e perm anece idêntica
a ele, e nisso é o conhecim ento daquela necessidade essente em si
e para si. Esse m ovim ento, que é a filosofia, encontra-se já realizado
ao apreender n a conclusão o seu próprio conceito, isto é, só olha
para trás na direção do seu saber.
Poderia parecer que aqui é o lugar de tratar, em um a análise
determ inada, a relação da filo so fia com a religião. O que só im ­
porta é a diferença entre as formas do pensar especulativo e
as formas da representação e do entendim ento reflexivo. M as
é o percurso todo da filosofia, e da lógica em particular, que
não som ente deu a conhecer essa diferença, senão que tam bém
julgou, ou m elhor, deixou a natureza dela desenvolver-se e
julgar, nessas categorias mesmas. Som ente sobre o fundam ento
desse conhecim ento das formas se pode adquirir a convicção
verdadeira do que se tratava: de que o conteúdo d a filosofia
e o da religião é o m esm o — abstraindo do conteúdo mais
am plo da natureza externa e do espírito finito, que não recai
no âm bito da religião. M as a religião é a verdade para todos
os homens, a fé repousa no testemunho do espírito, que com o
testem unhante é o espírito no hom em . Esse testem unho, em
si substancial, se apreende, enquanto é im pelido a explicitar-se,
prim eiro naquela cultura que é, aliás, a d e sua consciência e
entendim ento m undanos; por isso, a verdade incide nas d e­
term inações e relações da finitude, em geral. Isso não im pede
que o espírito, m esm o no uso de representações sensíveis e das
categorias finitas do pensar, sustente contra elas seu conteúdo
— que enquanto religioso é essencialm ente especulativo — ,
lhes faça violência e seja inconsequente para com elas. Por meio
dessa inconsequência, o espírito corrige as falhas que elas têm;
po r isso, nada é mais fácil ao entendim ento do que m ostrar
contradições na exposição da fé e proporcionar triunfos a seu
princípio, à identidade formal. Se o espírito se abandona a essa
reflexão finita, que se tem cham ado razão e filosofia (raciona-
lismo), então ele finitiza o conteúdo religioso, e n a verdade o
aniquila. A religião tem então seu pleno direito d e defender-se
contra tal razão e filosofia, e de declarar-se sua inimiga. Mas é

352
outra coisa quando ele sc põe contra a razão conceituai e contra
a filosofia em geral, e tam bém determ inadam ente contra uma
filosofia cujo conteúdo é especulativo e, por isso, religioso. Tul
oposição repousa na falta de discernim ento quanto à natureza
da diferença indicada e do valor das formas espirituais em geral
e particularm ente das formas de pensam ento, assim com o, da
m aneira mais determinada, na falta de discernim ento quanto
à diferença entre o conteúdo e aquelas formas, que pode ser
o m esm o conteúdo em am bos [os casos]. Foi por causa da
form a que a filosofia experim entou censuras e acusações do
ponto de vista religioso; e, em sentido contrário, p or causa de
seu conteúdo especulativo [recebeu censuras] da parte de uma
assim-chamada filosofia, com o tam bém da parte de um a pie­
dade sem -conteúdo; para o ponto de vista religioso, a filosofia
teria nela demasiado pouco de Deus; para essa [visão contrária]»
ela teria Deus em excesso.
A acusação de ateísmo que outrora se fez muitas vezes à filosofia,
que haveria demasiado pouco de Deus nela, tom ou-se rara; nuu
tanto mais difundida é a acusação de panteísm o, de que teria
nela demasiado de Deus; a ponto de que isso não passa tanto
por um a acusação quanto por um fa to provado, ou m esm o que
não precisa de prova alguma, po r um fa to nu. E m particular a
piedade, que em sua piedosa elegância se crê, aliás, dispensada
de provar, de acordo com a oca filosofia-de-entendimento — à
qual quer ser tão oposta, mas na realidade repousa totalm ente
nessa cultura —, essa piedade se abandona à certeza de que a
filosofia e a doutrina do “tudo é um ”, ou panteísmo, — com o
fosse apenas a m enção de um a Coisa notória. Deve-se dizer
que teria honrado mais a piedade e a teologia m esm a acusar
um sistema filosófico — por exemplo, o espinosismo — de
ateísmo, em vez de panteísmo, em bora a prim eira acusação
pareça, à prim eira vista, mais dura e mais odiosa (ver § 71,
nota). A acusação de ateísmo pressupõe um a representação
determ inada de um Deus pleno de conteúdo, e surge então
porque a representação não reencontra nos conceitos filosóficos
as formas peculiares a que está ligada. É que a filosofia pode
decerto conhecer suas próprias formas nas categorias de m odo

353
religioso de representação, «Mim cromo »eu conteúdo próprio no
conteúdo religioso» c lhe fazer justiça; mas não inversamente,
pois o m odo religioso de representação não aplica a si m esm o
a crítica do pensam ento e não se conceitua; portanto, é exclu­
sivo em sua imediatez. A acusação de panteísmo, em vez de
ateísmo, contra a filosofia recai sobretudo na cultura moderna,
na nova piedade e na nova teologia, para a qual a filosofia tem
Deus em excesso, [e] tanto, que segundo sua afirmação Deus
deve ser tudo e tudo deve ser Deus. C om efeito, essa nova
teologia, que faz da religião um sentim ento subjetivo e nega
o conhecim ento da natureza de Deus, não guarda assim nada
mais que um Deus em geral, sem determ inações objetivas. Sem
interesse próprio pelo conceito concreto, preenchido, de Deus,
ela só considera tal conceito com o um interesse que outros
um a vez tiveram, e po r esse motivo trata o que pertence à
doutrina da natureza concreta de Deus, simplesmente com o
algo histórico. O D eus indeterm inado, pode-se encontrar em
todas as religiões; cada espécie de piedade (§ 72) — a indiana
para com macacos, vacas etc., ou para com o Dalai-Lama, a
egípcia para com os bois etc. — é sem pre veneração de um
objeto, que com todas as suas determ inações absurdas contém
tam bém a abstração do gênero, do Deus em geral. Se tal Deus
basta para aquela m aneira de ver, para que encontre Deus em
tudo o que se cham a religião, então deve, pelo menos, encontrar
tal Deus tam bém reconhecido na filosofia e não pode mais,
decerto, acusã-la de ateísmo, O abrandam ento da censura de
ateísmo na de panteísm o tem pois seu fundam ento som ente
na superficialidade da representação, em que essa brandura
para si rarefez e esvaziou Deus. Ora, enquanto tal representa­
ção se aferra à sua universalidade abstrata, fo ra d a qual recai
toda a determinidade, então além disso a determ inidade é
som ente o não divino, a existência m undana das coisas, que
assim perm anece em firm e substancialidade imperturbada. C om
tal pressuposição, tam bém na universalidade essente em s i e
para si\ que na filosofia se afirma de Deus, e em que o ser das
coisas exteriores não tem verdade alguma, fica-se, antes com o
depois, em que as coisas mundanas conservam, de fato,, o seu
ser e constituem o q u r há de determ inado nu universalidade
divina. Assim fiizcm, daquela universalidade, a universalida­
de que chamam panteística: que tudo — isto é, as coisas empíricas
sem distinção, as que se estimam mais altas, com o as ordiná­
rias — seja, possua substancialidade, e que esse ser das coisas
m undanas seja Deus. E só a própria ausência-de-pensam ento,
e um a falsificação dos conceitos que daí deriva, que produz a
representação e segurança sobre o panteísmo.
M as se os que dão um a filosofia qualquer p o r panteísm o nflo
são capazes nem têm vontade de discernir isso — pois é justa­
m ente o discernim ento de conceitos o que não querem — d e­
veriam eles, antes de tudo, som ente constatar com o fa to que
um jilósofo qualquer, ou um homem qualquer, atribui, na verdade,
a todas as coisas um a realidade essente em si e para si, uma
substancialidade, e as tenha considerado com o Deus; que tal
representação tenha vindo à cabeça de qualquer hom em — com
exceção deles mesmos. Esse fato, quero ainda ilustrar nesta
consideração esotérica: o que não pode dar-se de outro m odo
a não ser colocando os próprios fatos diante dos olhos.
Se querem os tom ar o panteísm o em sua figura poética, na mais
sublime, ou, se preferem, na mais crassa, é notório que para isso
se tem de ir ver nos poetas orientais, e as apresentações mais
amplas se encontram entre os indianos. E ntre a riqueza que a
esse respeito nos está acessível, escolho no Bhagavad-gftâ de
que dispom os da m aneira mais autêntica, e entre suas tiradas
desenvolvidas e repetidas à saciedade, algumas das passagens
mais eloquentes. N a décim a lição (em Schlegel, dístico 162)
Krishna diz de si mesm o: “Eu sou o sopro que habita no
corpo dos viventes; eu sou o princípio, o m eio dos viventes e
igualmente seu fim. E u sou entre os astros o sol radioso; en­
tre os signos planetários, a lua. Entre os livros santos, o livro
dos hinos; entre os sentidos, o sentido, o entendim ento dos
vivos etc. Entre os Rudrus, eu sou Çiva; M eru entre os cimos
das m ontanhas; entre as m ontanhas, o H im alaia etc.; entre os
animais, o leão etc.; entre as letras, sou o A; entre as estações,
a prim avera etc. E u sou a sem ente de todas as coisas; nada há
que seja sem m im etc. M esm o nessas descrições totalm ente

35S
sensíveis, Krishna (e nâo se deve pensar que além de Krishna
aqui haja ainda outro Deus, ou um Deus; com o acima declarou,
ele é Çiva, [e] tam bém Indra; assim se diz dele adiante — 1 Ia
Lição, dístico 15 — que nele estaria tam bém Brahma), Krishna
se dá som ente com o o que h á de m ais excelente em tudo, mas
não com o tudo\ em toda a parte se fàz a diferença entre exis­
tências exteriores, inessenciais, e um a existência essencial entre
elas, que é ele. Até quando, no início da passagem, se diz que
ele é o começo, o meio e o fim dos viventes, essa totalidade é
distinta dos próprios viventes enquanto existências singulares.
Assim não se pode ainda cham ar panteísm o [nem] mesm o tal
descrição que dilata am plam ente a divindade em sua existência;
antes, deve-se dizer apenas que o m undo empírico infinitamente
multiforme, e tudo, é reduzido a um a multidão mais limitada
de existências essenciais, a um politeísmo. M as já está no [texto]
citado que m esm o essas substancialidades tam bém não conser­
vam a autonomia, para poderem ser cham adas de deuses: que
mesmo Çiva, Indra se dissolvem no único Krishna.
A essa redução se chega expressam ente na descrição seguinte
(7a Lição, dísticos 7 ss.). Krishna diz: “Eu sou a origem do
mundo inteiro, e sua dissolução. N ada é mais excelente que
eu. A m im está suspenso o universo como, a um cordão, as
fileiras de pérolas. E u sou o gosto nas águas, o brilho no sol
e na lua, o nom e místico em todos os livros santos etc., a
vida em todos os viventes etc., a inteligência dos inteligentes,
a força dos fortes etc.” E acrescenta em seguida que o m undo
enganado por M aya (Schlegel: “magia”) — que tam bém não
é algo autónom o, mas som ente a sua M aya — pelas quali­
dades características, o m undo não o conhece, a ele que é o
mais alto, o imutável; que essa M aya é difícil de rom per, mas
os que têm parte nele a venceram etc. A representação se
resume depois na simples expressão [seguinte]: no term o de
muitas reencamações, diz Krishna, quem é dotado de ciência
avança ao meu encontro: Vasudiva [isto é, Krishna] é o tudo;
quem tem essa convicção, essa pessoa de nobres sentimentos,
é difícil de encontrar. O utros se voltam para outros deuses;
eu os recom penso segundo sua fé, mas a recom pensa de tais
pessoa» pouco Inteligentes é limitada. O» insensato» me têm
por visfvth a mim, o im ísfvcl, o im pem iveht tc." Este todo como
o qual Krishna st* exprime é tão pouco com o o uno deãtico e
a substância espinosista, o todo. Mas esse todo, a multiplicidade
sensível infinitamente múltipla do finito, é antes, em todas es­
sas representações, determ inado com o o acidental, que não ê
em si e para si, mas tem sua verdade na substância, no Uno;
que, diferente daquele acidental, som ente é o divino, e Deus,
A religião hindu vai, aliás, até a representação de Brahma, du
pura unidade do pensam ento em si mesmo, onde desaparece
tudo o que é empírico no m undo, com o tam bém aquelas
substancialidades mais próximas que se cham am deuses. Por
isso, Colebrokè e muitos outros determ inaram a religião indiana,
no essencial, com o monoteísmo. Das passagens citadas, ressaltu
que essa determ inação não é incorreta. Mas essa unidade de
Deus, e na verdade de Deus espiritual, é em si mesma tão
pouco concreta, por assim dizer, tão sem forças, que a religião
indiana é um a enorm e confusão, por ser ao m esm o tempo o
mais insensato politeísmo. Mas a idolatria do indiano miserável,
ao adorar o macaco ou outra coisa qualquer, nunca é aindu
mísera representação do panteísmo, de que tudo é Deus e Deus
é tudo. O m onoteísm o indiano é aliás um exemplo do pouco
que se ganhou com o simples monoteísm o, quando a ideia dc
I Deus não é determinada profúndam ente nela mesma. Pois aquela
unidade, na m edida em que é abstrata em si e, portanto, vazia,
suscita na verdade, ela mesma, que tenha fo ra dela, autónom o,
o concreto em geral — seja com o um a multidão de deuses, seja
com o singularidades empíricas m undanas. Aquele panteísm o
poder-se-ia m esm o cham ar de m odo consequente segundo a
representação superficial dele, ainda um m onoteísm o; porque,
I se segundo essa representação Deus é idêntico ao m undo, já
que só há um m undo, por isso nesse panteísm o também nó
há um Deus. A vazia unidade num érica talvez deva atribuir
se ao m undo, mas essa determ inação abstrata não apresenta

1. Henry Thomas Colebroke, 1756 a 1837. Fundador da Indologia. (Os Urdas ou sis Stifpit
das Escrituras dos Hindus, 1805).

357
além (Jíkso nenhum intemmc particular; ante», essa unidade
numérica consiste em ser, preciNamcnte, em seu conteúdo a
infinita pluralidade e m ulliíorm idade das finitudes, Porém,
aquela ilusão está com a unidade vazia que apenas possibilita
e provoca a m á representação de um panteísmo. Som ente na
representação, pairando no azul indeterm inado, do m undo
com o de um a coisa única, de fum] todo, talvez ele pudesse ser
visto com o associãvel com Deus; só desse m odo seria possível
que alguém sustentasse a opinião de que se acreditou que Deus
era o m undo. C om efeito, se o m undo fosse tom ado tal com o
é, com o [o] todo, com o a m ultidão infinita das existências
empíricas, certam ente não se teria sustentado sequer com o
possível que houvesse um panteísm o que tivesse afirmado de
tal conteúdo que ele era Deus.
Se se prefere, para voltar ainda um a vez ao fãtico, ver a cons­
ciência do Uno, não segundo a divisão indiana — de um a parte,
a unidade indeterm inada do pensar abstrato, e de outra parte
sua aplicação cansativa, que se torna m esm o ladainha, ao par­
ticular — e sim na mais bela pureza e sublimidade, deve-se ir
ver entre os m aom etanos. Quando, por exemplo, no excelente
Djelal ed-Din Rum i se ressalta a unidade da alma com o Uno,
[e] tam bém essa unidade enquanto amor, então essa unidade
espiritual é um a elevação acima do finito e do comum, um a
transfiguração do natural e do espiritual, em que justam ente
o exterior, o passageiro, do N atural imediato, assim com o do
Espiritual empírico e m undano, são eliminados e absorvidos2.

2. Não posso evitar, para uma representação mais precisa, citar aqui algumas passagens
que podem ao mesmo tempo dar uma representação mais precisa da arte admirável da tra­
dução de F. Ruckert, da qual são retiradas. [Nota do tradutor. Transcrevemos aqui a tradução
de Lívio Xavier (Enciclopédia das Ciências Filosóficas, São Paulo, 1936), a primeira tradu­
ção dessa obra para nossa língua, feita em excelente português].
III. Olhei para o alto, e em todos os espaços vi o Uno; e embaixo também vi na espuma
das ondas, o Uno; dentro do coração, bramia um mar, um espaço de mundos, sonhos
aos milhares, e em tudo vi o Uno; a terra, e a água, e o fogo, e o ar, fundiram-se no
Uno, temendo-se como se teme a força irresistível, ó Uno. A adoração dos corações,
entre terra e céu, em toda vida, não pode deixar de pulsar por ti, ó Uno.
V. Uma pobre apparenría tua é o Sol, e a minha luz tem origem na tua, ó Uno. Nos céus
que se movem aos teus pés como poeira, o meu ser é contudo o mesmo que o teu.
O céu se toma pó, e o pó se toma céu, mas com a tua essência permanece a minha

358
Abstenho-mc de multiplimr os exemplos de representações re­
ligiosas e poéticas que se costum am cham ar panteísticas. Quanto
às filosofias a que se deu precisam ente esse nome, por exemplo
a eleática ou a espinosista, já se lembrou antes (§ 50, nota) que
identificam tão pouco Deus com o m undo, e fazem tão pouco caso
do finito, que nessas filosofias esse todo, antes, não tem verdade
alguma, a ponto que elas teriam de chamar-se com mais exatidão
monoteísmos, e, em relação com a representação do mundo, como
acosmismos. N um máximo de exatidão seriam determ inadas como
os sistemas que apreendem o absoluto som ente com o a substância,

essencia, ó Uno. Como é que chegam a angustia do coração as palavra» de vidaque


atravessam os céus? Como é que se ocultam os raios de sol para brotar mal»lumlno*
sos nos rígidos envolucros das gemmas? Como é que da terra pútrida edalama pode
surgir a transfiguração das rosas? Como é que a gota, que a muda conchinhaboba, W
toma pérola radiosa ao sol? Coração, bracejes, embora entre as onda» dourada» em
chammas, onda e chamma são o mesmo: sê teu, sê puro.
XI. Direi como o homem foi plasmado de argilla: por que Deus lhe inspirou o sopro d#
amor. Direi porque gyram sempre os ceus: o throno dc Deus lhes deu o reflexo
do amor. Direi porque sopram os ventos matinaes; para espalhar dc novo as peta*
las do amor. Direi porque estende a Noite os seus véus sobre o mundo; ella consagra
uma promessa de amor. Tudo posso dizer-te, os enigmas do mundo crcadu, pula que
a solução de todos e o amor.
XV. A morte acaba toda angustia; e comtudo a vida treme diante da morte. Mas o comçio
treme diante do amor, como treme ao approximar-se a morte. Assimque o amor
desperta, o Eu, o déspota obscuro, se evapora. Deixa que à noite clle niorra; respira,
livre, a aurora!
Djelal ed-Din Rumi, poeta persa (1207-1273). [Hegel cita, modificando, excerto» da
tradução de Friedrich Ruckert, “Mewlana Dschelaleddin Rum i", cm I k u h t n b u t h d t t
Damen a u f das Jahr (821. Hegel prossegue a nota], Çíiicin nessapoesia, que se lança
acima do exterior e sensível, reconhecerá a representação prosaica que sc li»/ de um
denominado panteísmo e que antes rebaixa o divino ao exterior e sensível? As ricas
comunicações que em seu escrito “Florilégio da mística orientar tfo d u tk nos ilAdos
poemas de Djelal ed-Din e de outros são feitas justainente naquela prr»|K H llvn, Na
Introdução, Tholuck prova quão profundamente sua alma captou amística; lamttfm
determina, da maneira mais precisa, o caráter da mística oriental e, diante dela, o da
mística ocidental e cristã. Por diversas que sejam, elas têm cm coiuuiuatlcteiniluaçAn
de serem místicas. A ligação da mística com o que sc chama pantrlsmo, dl*ele (p 3).
contém a vitalidade interna da alma e do espírito, que consiste em aniquilar aquele
tudo exterior que é habitualmente atribuído ao panteísmo. Aliás, Tholuck se limita d
representação habitual, nada clara do panteísmo; uma discussão mais uprolunthnlu
dessa representação não tinha, de início para o ponto dc vista dn sentimento, (que
era o] do autor, nenhum interesse; mas vê-se o mesmo, tomado dc umsurpreendente
entusiasmo sob o efeito de uma mística que se pode chamar, nu cxprcssAohabllu»), lli-
teiramente panteística. No entanto, onde ele se põe a filosofar (pp. 12 m.) mAo «lipffN n
ponto de vista habitual da metafísica de entendimento e de suas categorias acfttkNMi

an«
Q uanto aos m odos de representação orientais, em particular m ao­
metanos, pode-se dizer ainda que o absoluto aparece com o o gênero
pura e simplesmente universal que habita as espécies, as existências,
mas de m odo que não lhes com pete nenhum a realidade efetiva.
O defeito do conjunto desses m odos de representação e sistemas
é de não avançar até a determ inação da substância com o sujeito e
com o espírito.
Esses m odos de representação e sistemas procedem da única
e com um necessidade [Bedúrfnis] de todas as filosofias, assim
com o de todas as religiões, de apreender um a representação de
Deus e, em seguida, da relação de Deus e do m undo. N a filosofia
se reconhece mais precisam ente que a partir da determ inação da
natureza de Deus se determ ina sua relação para com o m undo. O
entendim ento reflexivo com eça assim p o r registrar os m odos de
representação e os sistemas do sentimento, da fantasia e da espe­
culação que exprimem a conexão de Deus e do m undo; e, para ter
Deus puram ente na fé ou na consciência, ele é separado, enquanto
essência do fenômeno, com o o infinito do finito. Porém, segundo
essa separação, se apresentam tam bém a convicção da relação do
fenôm eno para com a essência, do finito para com o infinito etc., e
com ela a questão, agora reflexiva, sobre a natureza dessa relação.
É na forma da reflexão sobre ela que se situa toda a dificuldade da
Coisa. Essa relação é o que se cham a inconcebível p o r aqueles que
nada querem saber da natureza de Deus. N a conclusão da filosofia,
não é mais o lugar — ainda mais em um a consideração exotérica
— de gastar um a palavra sobre o que significa conceber; M as já que
com o apreender dessa relação estão ligadas a apreensão da ciência
em geral, e todas as acusações contra ela, então pode-se ainda lem ­
brar a propósito que — enquanto a filosofia tem, decerto, a ver-se
com a unidade em geral, não porém com a unidade abstrata, com
a m era identidade e com o Absoluto vazio, mas com a unidade
concreta (o conceito), e que em todo o seu curso só tem que ver-se
com essa unidade — cada degrau de sua m archa para a frente é
um a determinação peadiar dessa unidade concreta; e a mais profunda
e última das determinações da unidade é a do espírito absoluto.
Ora, dos que querem julgar da filosofia e pronunciar-se sobre ela,
seria de exigir que se encaixem nessas determinações du unidade e
se esforcem p o r lhes adquirir a noção; pelo m enos que saibam que
h á um a grande m ultidão dessas determ inações, e que entre elas h ã
um a grande diversidade. M as eles se m ostram ter tão pouco um a
noção a respeito, e m enos ainda um a preocupação com isso, que
antes, quando ouvem falar de unidade — e a relação contém , d e
entrada, unidade — , eles se atêm à unidade totalm ente abstrata,
indeterm inada e abstraem daquilo em que som ente incide to d o o
interesse, a saber, no m odo da determ inidade da unidade. Assim,
nada sabem enunciar sobre a filosofia, a não ser que sua identidade
é seu princípio e resultado, e que ela é o sistem a da identidade.
M antendo-se nesse pensam ento, sem -conceito, d a identidade, nada
com preenderam ju stam en te da identidade concreta, do conceito
e do conteúdo da filosofia, m as antes o que apreenderam foi seu
contrário. Procedem nesse cam po com o fazem no cam po da física
os físicos que igualm ente sabem m uito b em que têm diante de si
propriedades e m atérias sensíveis variadas — ou, ordinariam ente,
só m atérias (pois para eles as propriedades se m udam igualm ente
em matérias) — e que essas m atérias estão tam bém em relação
um as com as outras. Ora, a questão é saber de que espécie é essa
relação; e a peculiaridade e a diferença com pleta d e todas as coisas
naturais, inorgânicas e viventes, repousam som ente na determ inidade
diversa dessa unidade. Porém, em vez de conhecer essa unidade em
suas diversas determ inidades, a física ordinária (inclusive a química)
apreende apenas um a dessas determ inidades, a mais exterior, a pior,
a saber, a composição; som ente a aplica à série inteira das form ações
naturais, e to m a assim impossível com preender um a qualquer delas.
A quele panteísm o insípido deriva, assim, im ediatam ente daquela
insípida unidade: os que utilizam esse seu próprio p ro d u to para
acusação da filosofia retêm da consideração d a relação de Deus ao
m undo, que desta categoria, relação, a identidade é um m om ento,
m as tam bém só um momento, e na verdade o m o m ento da indeter-
m inidade. Ora, eles ficam nessa m etade de apreensão e asseguram,
de fato falsamente, que a filosofia afirm a a identidade de D eus e do
m undo; e enquanto para eles, ao m esm o tem po, os dois, o m undo
tanto com o Deus, têm firme substancialidade, eles descobrem que
na ideia filosófica D eus seria composto de D eus e do m undo; e essa
é a representação que eles fazem d o panteísm o e que atribuem â

.VH
filosofia. Os que em seu pensar, e apreender dos pensam entos, não
vão aJém de tais categorias, e a partir delas, que introduzem na
filosofia — onde nada existe desse tipo —, lhe arranjam sarna para
poder coçã-la, evitam todas as dificuldades que surgem no apreen­
der da relação de Deus para com o m undo, ao confessar que essa
relação contém para eles um a contradição, da qual nada entendem ;
portanto, devem deixar-se ficar na representação totalm ente indeterm i-
nada de tal relação, e igualmente de suas modalidades mais próximas:
po r exemplo, a onipresença, a providência etc. Nesse sentido, crer
não significa outra coisa que não querer avançar até um a repre­
sentação determ inada, não querer entrar ainda mais no conteúdo.
E consensual que hom ens e estam entos, de entendim ento inculto,
se contentem com representações indeterminadas. Mas, quando um
entendim ento cultivado e interesse [cultivado] para a consideração
reflexiva querem, no que é reconhecido com o interesse superior e o
[interesse] supremo, contentar-se com representações indeterminadas,
então é difícil distinguir se de fato o espírito to m a o conteúdo a
sério. M as se os que ficam presos àquele entendim ento árido acim a
aludido tom assem a sério, po r exemplo, a afirmação da onipresença
de Deus, no sentido em que fizessem presente sua crença em um a
representação determinada, em que dificuldade se enredaria a crença
que eles têm na realidade verdadeira das coisas sensíveis? N a certa,
não quereriam, com o Epicuro, fazer Deus habitar nos interstícios
das coisas, isto é, nos poros dos físicos, enquanto esses poros são
o negativo que deve existir ao lado do que é m aterialm ente real. Já
nesse “ao lado” teriam seu panteísm o da espacialidade — seu tudo
— determ inado com o o “fora-um -do-outro” do espaço. Porém, ao
atribuir a Deus um a eficiência sobre o espaço e no espaço preen­
chido, sobre o m undo e no m undo, na relação de Deus com eles,
teriam a infinita fragmentação da efetividade divina na materialidade
infinita, teriam a m ã representação que denom inam panteísm o ou
doutrina do “tudo-é-um ”, de fato só com o consequência necessária
de suas más representações de Deus e do m undo. C ontudo, coisas
tais com o a unidade ou identidade tão faladas, imputá-las à filosofia
é um tão grande descaso da justiça e d a verdade, que só poderia
fazer-se concebível pela dificuldade de p ô r na cabeça pensam entos e
conceitos, isto é, não a unidade abstrata, mas os m odos pluralm ente

36 2
configurados, de sua determinidade, Se as afirmaçfte» fàticas nfl<
postas, e se os fatos são pensam entos e conceitos, então é indis
pensável apreendê-los. Mas tam bém o cum prim ento dessa exigêncii
se tornou supérfluo, já que h á m uito se tornou um preconceit*
indiscutido de que a filosofia é panteísmo, sistema-da-identidadc
doutrina do “tudo é um ” — assim que quem não soubesse desm
fato seria tratado ou só com o ignorante de um a Coisa notória, 01
com o buscando escapatórias para um fim qualquer. Por causa dessi
coro, eu acreditei que devia explicar-me de m odo mais pormenor!
zado e exotérico sobre a inverdade externa e interna desse pretenst
fato; porque, sobre a apreensão exterior de conceitos com o simple
fatos, pela qual precisam ente os conceitos são convertidos em aei
contrário, só se pode falar prim eiro tam bém exotericamente. Mai
a consideração esotérica de Deus e da identidade, assim com o d<
conhecim ento e dos conceitos, é a própria filosofia.

§ 574
[Esse conceito da filosofia é a ideia que se pe?isa, a verdade qu<
sabe (§ 236): o lógico com a significação de ser a universalidade
verificada no conteúdo concreto com o em sua efetividade. Desse
m odo, a ciência retornou ao seu começo; e o lógico é assim sei
resultado', enquanto [é] o espiritual, que do julgar pressuponente, nc
qual o conceito era som ente em si, e o começo, algo imediato — se
elevou desse m odo ao seu puro princípio, ao m esm o tem po comc
ao seu elemento, a partir da aparição que nele tinha, nesse julgar.

§ 575
É esse aparecer que funda, antes de tudo, o desenvolvimentc
ulterior. A prim eira aparição é constituída pelo silogismo que tem c
lógico com o fundam ento, enquanto ponto de partida, e a naturezc
com o m eio-term o que conclui o espírito com o mesmo. Toma-s<
o lógico, natureza e a natureza, espírito. A natureza, que se situs
entre o espírito e sua essência, não os separa, decerto, em extremoí
de abstração finita, nem se separa deles para [ser] algo autónom o
que com o O utro só concluiria O utros; porque o silogismo é m
ideia, e a natureza essencialmente só é determ inada com o ponto*
de-passagem e m om ento negativo: ela é, em si, a ideia. M as a me-

363
tiiu v A o d o c o n c e i t o t e m u formft e x t e r i o r d o passar, c u c i ê n c i a , u
d o c u r so d a n e c e s s id a d e ; d e m o d o q u e s o m e n t e c m u m e x tr e m o
é p o s t a a li b e r d a d e d o c o n c e i t o , e n q u a n t o s e u c o n c l u i r - s e c o n s i g o
m esm o.

§ 576
[Essa aparição é suprassumida no segundo silogismo, porquanto
esse é já o ponto de vista do espírito mesmo, que é o mediati-
zante do processo: pressupõe a natureza e a conclui com o lógico. E
o silogismo da rejlexão espiritual na ideia: a ciência aparece com o
um conhecimento subjetivo que tem por fim a liberdade, e que é, ele
próprio, o cam inho de produzir-se a liberdade [a si mesma], j

§ 577
O terceiro silogismo é a ideia da filosofia, que tem a razão que
se sabe, o absolutam ente universal, por seu meio-termo que se cinde
em espírito e natureza,', que faz do espírito a pressuposição, enquanto
[é] o processo da atividade subjetiva da ideia, e faz da natureza o
extrem o universal, enquanto [é] o processo da ideia essente em
si, objetivamente. O julgar-se pelo qual a ideia se reparte nas duas
aparições (§§ 575-576) as determ ina com o manifestações suas (as
da razão que se sabe), e o que se reúne nela é que a natureza da
Coisa — o conceito — jé o que se m ove para a frente e se desen­
volve; e esse m ovim ento é igualmente a atividade do conhecim ento,
a ideia eterna essente em si e para si, que eternam ente se ativa,
engendra, e desfruta, com o espírito absoluto.!

364
A R lsnrrK L K S MKTAPHYSIK. XI. 7.
'II ôt voqou; f} ko£0’àutf|v, toú kcíB^ utò àpíaiou * Kai f|
p à lio ia , rou páÀiaia.
'Auiòv ôè voei ò vouç Katà peiáA.rnJ;iv tou vorirou. vorjtòí; yàp
yíveiai Giyyávíov Kai vocúv, tooie làuiòv voõç Kai voqióv • iò
yàp ôeKtiKÒv iou vor|iou Kai xf|ç otjoíaç, vouç. évepyel ôè exwt' '
woie tKelvo pâXÀov toútou, o ôokô. ó vouç Oelov exeiv ■ Kai
Getopía tò rjÔioiov Kai àpiaiov. ’E l oíjv outwç eu exeL> fyitlç
Tioie, ò Beòç àei, ©aupaoiòv • el ôè pâ/Uov, e n 0aup.aoi<OT*poi>
* eXeL toòe.
K ai Çwri Õè ye ímápxei. ti yàp vou èvépyeia, Çuyrj ■ éKflvoi;
õè T) êvépytLa • êvépyeLa Ôè f) Ka0’áuTT)v, èiceívou Çcoq àpíoxr) x«l
áiÔioç. (|)apèv õè iòv 0eòv elvaL Çtòov àiõLov, àpiaiov ■ gJot*
(coq Kai aiwv auvexqç Kai áiÕLOç úiTápxei tô> 0«3. T outo yàp 6
0eòç.

(Tradução Pe. José M achado)

Mas o pensamento, o segundo-si-mesmo, [é] a respeito do melhor


segundo-si: e o melhor [pensamento] a respeito do [que for] melhor.
A si mesma se pensa a razão na apreensão do pensável, pois ela se
toma pensável apreendendo e pensando, até [ser] o mesmo: a inteligência
e a [coisa] pensável,
pois o recipiente do pensável e da substância é a razão; mas a razão
opera quando o tem.
De tal modo [que] aquele [o pensável] é mais divino do que o que
a razão parece ter [como] o mais divino; e a contemplação é o mais
agradável e o ótimo.
Se pois, assim como nós às vezes, Deus sempre está bem [em tal
estado], [isso] é admirável. Se está mais, ainda é mais admirável; mas ele
está sempre assim.
Também vida lhe compete, pois o agir da razão [é] vida e de Deus
é a efetividade;
e a efetividade em si [subsistente] de Deus [é] vida ótima e eterna.
Declaramos que Deus é vivente, eterno, ótimo,
de modo que vida e duração contínua e eterna competem a Deus:
pois Deus é isto: [vida, eternidade].

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