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2006
1
Apresentação
Sumário
Sobre cultura(s) e seu lugar nas pesquisas sobre currículo escolar .................................... 59
Caracterização:
Objetivos:
Alguns pressupostos:
colocam em funcionamento o poder disciplinar. Nesse sentido, o currículo foi crucial para
que se constituísse, na Modernidade, um tipo especial de indivíduos (sujeitos
autogovernados) para um tipo especial de sociedade (disciplinar). De outro lado, num
âmbito mais coletivo, significa compreender o currículo como um conjunto de estratégias
que colocam em funcionamento o biopoder. Nesse sentido, o currículo também foi crucial,
na medida em que, organizando de modo muito detalhado a vida escolar, funcionou (e
ainda funciona...) como um facilitador ou canal aberto para as ações biopolíticas do Estado
moderno. Numa perspectiva foucaultiana, esses dois âmbitos não se excluem mas, ao
contrário, se articulam e se reforçam mutuamente.
Assumindo que —para o bem ou para o mal, queiramos ou não...— vive-se hoje o
esgotamento tanto das metanarrativas iluministas (no plano teórico) quanto das “formas de
vida” modernas (no plano existencial), o Grupo procura situar-se numa matriz de
inteligibilidade que combine aportes dos Estudos Foucaultianos com as vertentes teóricas
pós-estruturalistas dos Estudos Culturais. Com isso, estabelecem-se bases epistemológicas
que possibilitam melhor a descrição, a comprensão e a problematização dos fenômenos
educacionais nesse período de agudização das crises modernas e de transições do moderno
para o pós-moderno.
Transições:
Tal transição pode ser bem tematizada, por exemplo, quando se tomam, como foco
de análise, o currículo naquilo que ele promove e nos subjetiva, em termos espaciais e
temporais. Trata-se, assim, de examinar não apenas as novas configurações que o espaço e
o tempo vêm assumindo —no sentido de como ambos são percebidos, significados e
usados por nós—, mas de examinar também as relações entre as novas espacialidades e as
novas temporalidades, no sentido da aceleração nas velocidades da vida cotidiana. Já
conhecidas, porém pouco estudadas, essas novas configurações e novas relações são
imanentes a uma ampla gama de fenômenos, situações e processos em que estamos
inseridos; entre eles, citam-se o colapso espaço-temporal e a conseqüente presentificação,
o capitalismo avançado, o neoliberalismo, a volatilidade e o (conseqüente) descarte, a
fantasmagoria, o declínio dos Estados-nação, o avanço da lógica imperial, o desencaixe
5
etc. O papel do Currículo nessas configurações e relações —ainda como artefato a serviço
da biopolítica— são evidentes, principalmente quando se consideram os imperativos
curriculares que hoje são acriticamente tomados como naturais e desejáveis, como é o caso,
por exemplo, da flexibilização curricular, da transversalização temática e do apagamento
ou transposição das fronteiras disciplinares.
Todos os projetos de pesquisa ligados ao GEPCPós guardam uma maior ou menor
aproximação ao campo dos Estudos Culturais. Desse modo, questões relativas às
pedagogias culturais —aí incluído o entendimento de que (não sem algumas reservas...) se
pode falar em currículos culturais— estão no horizonte das discussões travadas no Grupo.
No mesmo sentido, atualmente estão em discussão os usos talvez um tanto alargados do(s)
conceito(s) de cultura, uma prática cada vez mais comum no campo dos Estudos de
Currículo. Para isso, os aportes trazidos por alguns autores no campo da Cultura e das
Filosofias da Prática e da Diferença, do Relativismo e do Pragmatismo —como é o caso,
por exemplo, de Terry Eagleton, David Harvey, Michel Foucault, Zygmunt Bauman,
Antonio Negri, Michael Hardt e Richard Rorty (para citar apenas os principais)— têm se
mostrado muito produtivos.
As produções:
Estão listados, abaixo, os títulos de alguns projetos de pesquisa já concluídos e
publicados ou em andamento no GEPCPós:
• “Desconstruções edificantes: uma análise da ordenação do espaço como elemento
do currículo”
• “A ordem do discurso ambiental”
• “Produzindo tempos, espaços, sujeitos: seriação escolar e governo dos corpos”
• “Biopolítica e a formação de professores”
• “Infâncias e maquinarias”
• “Dispositivos de disciplinamento dos corpos infantis em shopping centers”
• “Análise dos espaços e da interação como dispositivo educativo em museus”
• “Alteridade, normalização e subjetivação na escola”
• “A família na escola: uma aliança produtiva”
• “Cuidar e curar para governar: as campanhas de saúde na escola”
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Compõem o GEPCPós:
Alfredo Veiga-Neto — coordenador — (alfredoveiganeto@uol.com.br)
Carlos Ernesto Noguera Iolanda Montano dos Santos
Karla Saraiva Karyne Dias Coutinho
Maria Renata Alonso Mota Roberta Acorsi
Roseli Inês Hickmann Sandra de Oliveira
Viviane Klaus
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são vários, a saber: políticas curriculares e o tratamento por elas dados a diferentes culturas;
cultura escolar e suas implicações para os currículos e as aprendizagens; currículos (de
diferentes tipos e nível de ensino) e as culturas neles incluídas/excluídas; currículo e as
culturas rurais; currículo e cultura surda; currículo e cultura cega; currículo e cultura
juvenil; currículo e cultura infantil, currículo e as marcas culturais de gênero e de etnia.
Cabe destacar que muitas vezes cultura é “trabalhada” como uma marca da identidade dos
sujeitos. Isso fica evidente na variedade de palavras que acompanham a palavra cultura para
delimitar os objetos de estudos de nossas pesquisas.
Além disso, um número cada vez mais crescente de investigações do GECC vem
estudando diferentes artefatos tecnológicos e culturais escolares e não escolares, para os
quais cultura é também objeto de estudo importante. Essas pesquisas além de estudarem
livros didáticos, revistas educativas, cadernos escolares, planejamentos de professoras,
projetos de trabalhos das escolas, currículos escolares diversos, focalizam também as
chamadas pedagogias culturais de diferentes artefatos culturais tais como: mídia educativa,
literatura juvenil, cinema, jogos eletrônicos, programas televisivos, revistas em quadrinhos,
orkut etc. Nessas investigações as discussões sobre cultura têm sido absolutamente
necessárias e abundantemente utilizadas nas pesquisas desenvolvidas por membros do
GECC.
No que se refere ao(s) conceito(s) de cultura, seguindo a mesma pluralidade teórica e
conceitual que caracteriza as discussões sobre cultura no Brasil e no mundo, as pesquisas
desenvolvidas pelos membros do GECC têm utilizado diferentes abordagens, diferentes
referenciais teóricos e múltiplos conceitos. O que une os/as pesquisadores/as do Grupo,
certamente, não é o referencial teórico e nem os sentidos de cultura produzidos e ou usados
nas pesquisas por eles/as desenvolvidos/as. O ponto de união/articulação é a preocupação
em problematizar, investigar e compreender os temas currículos e culturas, suas relações,
suas significações e suas produções. As compreensões de cultura adotadas e ou produzidas,
no entanto, nas pesquisas já desenvolvidas e ou em desenvolvimento pelo grupo são
múltiplas. Cultura(s) é(são) compreendida(s) como:
1
A pesquisa possui apoio do CNPq, é coordenada por Marlucy Paraíso e conta com a participação de outras
pesquisadoras membros do GECC: Maria Carolina da Silva, Renata Medeiros e Clara Tatiana. Estão sendo
analisados todos os artigos publicados em sete periódicos de educação do país (Cadernos de Pesquisa,
Cadernos de Educação, Educação em Revista, Educação e Pesquisa, Educação e Sociedade, Educação e
Realidade e Revista Brasileira de Educação) nos últimos quinze anos que tenham em seus títulos e/ou
palavras-chave a palavra currículo e/ou cultura e todos os trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho (GT)
currículo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) nesse período.
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também outras categorias de análise para o campo e outros objetos de estudo. Em síntese,
foi uma abordagem que mudou nosso modo de compreender, pesquisar e fazer currículo e
que nos fez vivenciar um tempo de produção intelectual criativo, inventivo e vigoroso, que
estamos precisando retomar...
Referências Bibliográficas:
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso
tempo. Educação e Realidade. v. 22, n. 2. jul./dez. 1997. p. 15-46.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem
pós-moderna. In: SILVA, T. T. e MOREIRA, A F. (Orgs.). Territórios contestados.
Petrópolis: Vozes, 1995.
Doutorandas e Mestrandas
Shirlei Rezende Sales do Espírito Santo (Doutoranda da FAE/UFMG)
Heloísa R. Herneck (Doutoranda da Faculdade de Educação da UFSCar)
Rosani Siqueira (Mestranda na FAE/UFMG);
Maria Carolina da Silva (Mestranda na FAE/UFMG);
Daniela Amaral Silva Freitas (Mestranda na FAE/UFMG);
Karla Vignoli Viégas Barreira (Mestranda na Fae/UFMG)
Estudantes de Graduação:
Letícia Gonçalves Ribeiro (Graduanda da FAE/UFMG)
Daniela do Carmo Pereira (Graduanda da FAE/UFMG)
Renata Medeiros Ribeiro (Graduanda da FAE/UFMG)
Clara Tatiana (Graduanda da FAE/UFMG)
Juliana Prochnow (Graduanda da FAE/UFMG)
Danielle Carvalhar (Graduanda da FAE/UFMG)
*
Professora titular da Faculdade de Educação/UERJ, coordenadora Grupo de Pesquisa “As redes de conhecimentos em
educação e comunicação: questão de cidadania” e do Laboratório Educação e Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br)
**
Professor adjunto da Faculdade de Educação/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa “As redes de conhecimentos em
educação e comunicação: questão de cidadania”, do Laboratório Educação e Imagem, coordenando o sub-projeto
“Gibiteca Armando Sgarbi”.
***
Professora adjunta da Faculdade de Educação/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa “As redes de conhecimentos em
educação e comunicação: questão de cidadania”, do Laboratório Educação e Imagem, coordenando o sub-projeto
“Narrativas, memórias e imagens da diáspora: práticas culturais afro-brasileiras em escolas públicas do Rio de Janeiro e
seus praticantes”
****
Bolsista Prodoc/Capes na Faculdade de Educação/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa “As redes de conhecimentos
em educação e comunicação: questão de cidadania”, do Laboratório Educação e Imagem, coordenando o sub-projeto
“As redes de conhecimentos nas práticas culturais de sujeitos afro-descendentes: imagens, sons e práticas
educativas” (Maristela Gomes de Souza Guedes)
2
Cf Manguel (2001).
15
3
Esse modo de escrever tem a intensão de mostrar os limites que as dicotomias da modernidade traz às
necessidades de desenvolvimento das pesquisas nos/dos/com os cotidianos.
16
universidade para oferecer aos novos estudantes que pluralizam esse espaçotempo é
perguntar 1) o que estes praticantes de cotidianos trazem que modifica esses espaçostempos
curriculares/pedagógicos/culturais; 2) quais os modos pelos quais eles têm se apropriado da
cultura em geral, capturando os processos de negociação cultural presentes nas múltiplas
redes em que vivem – partindo do pressuposto de que todo conhecimento é sempre
mediado por artefatos culturais; 3) como eles vem se apropriando/criando/ressignificando o
que é posto à disposição deles no curso de tantos artefatos culturais, da proposta curricular
a recursos áudio-visuais. Nessa perspectiva,
o termo ‘cultura material’ não se opõe ao de ‘cultura imaterial’ ou ‘cultura
simbólica’. Insistimos na idéia de que os objetos fazem, também, ‘cultura’ e
que a relação que o homem mantém com eles participa de sua própria
constituição enquanto sujeito individual, social e cultural. Os objetos não são,
unicamente, a materialização de um sentido que será dado ‘a priori’ ou ‘a
posteriori’. (Julien e Warnier, 1999)
Nas pesquisas desenvolvidas, assim, vamos entendendo que os seres humanos, em
suas ações e para se comunicarem, estão carregados de valores que reproduzem,
transmitem, mas também criam, nos contatos que têm entre si e com toda a produção
técnica e artística. Assim, em um mesmo processo, vão consumindo o que lhes é imposto
pela cultura dominante, com os produtos técnicos colocados à disposição, e vão criando
modos de usar e conhecer o invento técnico, fazendo surgir tecnologias e possibilidades de
mudanças tanto dos artefatos culturais, como das técnicas de uso, como, ainda, dos
valores, significados e crenças, ou seja, da cultura em seus aspectos materiais e imateriais.
Buscar compreender, assim, o que se fabrica, o que se cria/transmite/reproduz nos
usos de tantos artefatos postos à disposição para o consumo tem sido possível incorporando
a idéia de redes de relações e de significados entre os tantos contextos cotidianos nos quais
vivemos, o que vai explicar tanto a indisciplina do uso (Certeau, 1994), como a
hibridização desses/nesses produtos (Canclini, 1995). Por isso, precisamos nos dedicar a
estudar as táticas dos praticantes (Certeau, 1994; et al, 1997) e as relações de comunicação
que os mesmos, como receptores (Martin-Barbero, 2000;1997;1995; e Rey, 2001),
estabelecem com os produtos colocados à disposição, entendendo-os, todos, como artefatos
culturais.
17
4
A autora cita, aqui, um trecho do livro Cultura no Plural, de Certeau (1992).
18
nas quais vivem: seja pela sua negação ou pela sua posse; seja em qualquer dos lados que
ocupemos em processos de exclusão ou de articulação; seja porque a conseguimos ver e
compreender, seja porque sequer a vemos ou imaginamos. Não se trata, assim, de viver
uma experiência que vai interessar, somente, aos afro-brasileiros, mas que tem a ver com
marcas incorporadas à vida de todos que vivem essa história.
Por outro lado, significa admitir, ainda, que a formação de todos, mesmo que não
esteja no que poderíamos chamar de ‘currículo declarado’5, tem a ver com essas questões –
elas estão presentes o tempo todo, em todos os espaçostempos dos currículos praticados,
quer possamos ver ou não sua presença, nas relações entre os diversos praticantes dos
currículos. Isso porque:
a cultura, seja na educação ou nas ciências sociais, é mais do que um conceito
acadêmico. Ela diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, à variabilidade
de formas de conceber o mundo, às particularidades e semelhanças construídas
pelos seres humanos ao longo do processo histórico e social. (...) [Assim] a
cultura negra pode ser vista como uma particularidade cultural construída
historicamente por um grupo étnico/racial específico, não de maneira isolada,
mas no contato com outros grupos e povos. Essa cultura faz-se presente no
modo de vida do brasileiro, seja qual for o seu pertencimento étnico. Todavia, a
sua predominância se dá entre os descendentes de africanos escravizados no
Brasil, ou seja, o segmento negro da população.(Gomes, 2003, p. 75 e 77).
Eis o que justifica o estudo dos processos de negociação cultural nestes contextos.
Para tanto temos incorporado em nossos estudos, a contribuição de autores - em particular,
Hall, 1997 e 2003; Appiah, 1997; Prudente, 2002; Pereira e Gomes, 2001; Barbosa, Silva e
Silvério, 2003, Gilroy, 2001, Sodré, 2000 - que nos tem permitido compreender tanto as
relações étnico-raciais no mundo contemporâneo nos chamados contextos pós-coloniais,
como especificamente essas mesmas relações no Brasil, historicamente.
Temos dado ainda especial atenção à produção cultural dos praticantes com os quais
trabalhamos, entendendo que em suas práticas curriculares surge toda a potência dessas
5
Aqueles processos que articulam tanto o que foi assumido institucionalmente, pelos organismos decisórios,
como o que vai sendo declarado, politicamente, pelos inúmeros praticantes do mesmo, como aquilo que é ou
que deveria ser.
19
Referências bibliográficas
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai – a África na filosofia da cultura. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1997.
BARBOSA, Lucia Maria de Assunção, SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e, e
SILVÉRIO, Valter Roberto (orgs). De preto a afro-descendente. SS. Carlos/SP:
EdEFSCar, 2003.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas – estrategias para entrar y salir de la
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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – as artes de fazer. Petrópolis: Vozes,
1994.
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CERTEAU, Michel de et alli. A invenção do cotidiano – 2. Morar, cozinhar. Petrópolis:
Vozes, 1997.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Rio de Janeiro: UCAM/CEAA/Editora 34, 2001.
20
GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. In COSTA, Marisa Vorraber (org)
Revista Brasileira de Educação – número especial: Cultura, culturas e educação. Rio
de Janeiro: ANPEd, mai-ago/2003, (23): 75 – 85.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso
tempo. Revista Educação & Realidade. Porto Alegre: UFRGS, vol. 22, 1997: 15-46.
HALL, Stuart. Da diáspora – identidades e mediações. Belo Horizonte: Editora UFMG;
Representação da UNESCO no Brasil (Humanitas), 2003.
JULIEN, Marie-Pierre et WARNIER, Jean-Pierre (orgs). Approches de la culture
matérielle – corps à corps avec l’objet. Paris: L’Harmattan, 1999.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. S. Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MARTIN-BARBERO, Jesús e REY, Germán. Os exercícios do ver – hegemonia audio-
visual e ficção televisa. S. Paulo: SENAC, 2001.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Novos regimes de visualidade e descentramentos culturais.
In FILÉ, Valter (org). Batuques, fragmentações e fluxos: zapeando pela linguagem
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_________________. Dos meios às mediações – comunicação, cultura e hegemonia. Rio
de Janeiro: Ed.UFRJ, 1997.
_________________. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em
comunicação social. In: SOUZA, Mauro Wilton (org.) Sujeito, o lado oculto do receptor.
São Paulo: Brasiliense, 1995: 39-68.
PEREIRA, Edimilson de Almeida e GOMES, Núbia Pereira de Magalhães. Ardis da
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PRUDENTE, Celso. Mãos negras – antropologia da arte negra. S. Paulo: Ed. Panorama,
2002.
SODRÉ, Muniz. Claros e escuros – Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 2000.
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Gostamos de pensar que a frase em epígrafe, com a qual Mia Couto inicia um de
seus livros, só poderia ter sido escrita por um autor “tropical”. A felicidade indolente e sem
motivo do personagem principal e narrador do livro parece só ser possível ao sul do
Equador. Como elogio de uma alegria natural, sem vínculo com os padrões de consumo, de
trabalho ou com os valores que a civilização “moderna” estabelece, ou como crítica
associada à incapacidade do exercício da vida madura, civilizada e responsável, a natureza
dos povos do “Sul” tem sido reconhecida assim, desde os primeiros contatos entre estes e a
“civilização ocidental”.
Dos padrões estéticos da arte erudita aos conceitos que definem as qualidades do
bom cidadão, as “tradições” culturais eurocêntricas têm legitimado sua superioridade social
através de direitos auto-outorgados de estabelecer o bonito e o feio, o certo e o errado, o
civilizado e o selvagem, ao longo da história da interação com o “novo mundo”. Na escola
não é diferente. Conteúdos e padrões de comportamento são definidos com base nos valores
fundadores da cultura ocidental erudita, tanto do ponto de vista dos saberes valorizados e
selecionados para compor as propostas pedagógicas, quanto no que se refere aos valores
morais e sociais que regem as normas disciplinares dominantes. Entretanto,
desdobramentos transformadores, criadores de culturas diferentes das matrizes de origem
também ocorreram. Crenças, valores, conceitos e produções culturais oriundas dos
processos de interação foram sendo gestadas ao longo de uma história de criação
simultânea de dominação e desigualdade e de novas culturas, dentro e fora da escola. E é
isso que vimos estudando no nosso grupo, em busca da desinvisibilização das práticas
sociais e culturais cotidianas que contribuem para a emancipação social e da possível
institucionalização ampliada destas.
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O que implica e significa falarmos da escola e sua cultura, nessa perspectiva? Que
sentido estamos, especificamente, atribuindo para essa discussão ao termo? Citando
Edward Hall, Vieira (1999: 112) sugere que tantos significados já se deu ao termo que não
fará diferença trazer mais algum . Num tom menos relativista que o transcrito, propomos
que se muito já se disse, muito ainda há para se dizer sobre o duo cultura e educação, visto
que mesmo sobre esses termos há um leque de possibilidades acessíveis por fontes
filosóficas, sociológicas, antropológicas ou pedagógicas.
Procurando em um dicionário de filosofia6 um significado para o termo que possa
ajudar a estabelecer uma linha da argumentação que interesse ao nosso debate, encontramos
as seguintes definições:
CULTURA (lat. cultura) 1. conceito que serve para designar tanto a
formação do espírito humano quanto de toda a personalidade do homem:
gosto, sensibilidade, inteligência.
2. Tesouro coletivo de saberes possuído pela humanidade ou por certas
civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental, etc.
3. Enquanto se opõe a natura (natureza), a cultura possui um duplo sentido
antropológico: a) é o conjunto das representações e dos comportamentos
adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o
conjunto histórica e geograficamente definido das instituições
características de determinada sociedade designando “não somente as
tradições artísticas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também
suas técnicas próprias , seus costumes políticos e os mil usos que
caracterizam a vida cotidiana” (Margaret Mead); b) é o processo dinâmico
de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se
impõem, em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais
propriamente ditos, seja pela difusão de informações em grande escala, a
todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação de massa.
Nesse sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de
uma população determinada, vale dizer, com todo esse conjunto de regras e
6
JAPIASSU, H. e MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de janeiro, Jorge Zahar Editor:
1991: 63.
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ainda que resistam os Olhares que não querem ver7 sua produção ordinária. Sobre esse
diálogo, nem sempre autorizado, Sgarbi (2001: 106) lembra que, em seu cotidiano, os
sujeitos da comunidade escolar produzem muito mais coisas do que apenas as que a escola
promove.
Assim, nos apropriando do pensamento certeauniano, acreditamos que há em cada
escola modos de saber investidos em maneiras de fazer que podem ser captados nas
práticas cotidianas e que essas ações guardam marcas da rede de subjetividades que cada
um de nós é (Santos, 1995), e vimos considerando que, para além da regulação implícita
nos currículos oficiais e na cultura escolar, circulam nas escolas saberes e valores passíveis
de serem incorporados às identidades individuais e coletivas da comunidade escolar. Nesta
produção cotidiana de sentidos e práticas residiria um modo próprio de significação e ação,
hábitos, costumes e valores em diálogo permanente com as redes de cada indivíduo pelos
sentidos atribuídos aos conteúdos curriculares, ideológicos, culturais e sociais que habitam
as escolas. É ao estudo dessas práticas culturais cotidianas nas/das escolas que nossas
pesquisas vêm se dedicando.
Para falar da cultura ordinária presente em cada escola e da identidade própria
conferida às subjetividades que nelas se enredam e, ainda, para vislumbrar em sua
existência a presença de espaços emancipatórios, tanto nos currículos como nas
subjetividades que neles também se produzem, é preciso um estudo do currículo e da
cultura no qual o sujeito não seja compreendido como mera subjetividade. Isto implica em
considerar que, mesmo que circulem nos currículos e na própria cultura escolar textos
culturais dotados de valores ancorados, ou a serviço, da dominação e da regulação,
povoando subjetivamente o espaço da ética, a organização complexa do sujeito o permite
produzir objetivamente sua realidade em ações/desejos estranhos a essa regulação.
Desse modo, nossos estudos vêm buscando afirmar que as formas culturais próprias
de a escola relacionar-se com a cultura apontam um padrão nesta relação que permite captar
relações de poder implícitas nos currículos e nas práticas. Há, por outro lado, indícios que
nos permitem considerar que a cultura ordinária praticada por cada escola, a partir de sua
identidade singular, não se reduz ao padrão comum a todas as escolas, pois nelas estão
7
A expressão no singular intitula o livro que conta a forte presença da cultura escolar como elemento
determinante das ações da prática institucional diante das contingências do cotidiano de uma escola. (TURA,
M.L.R, 2000)
26
diferentes lugares essa agenda se modifica, seja pela intensidade com que tais princípios se
expressam, seja pelo nível de associação desses discursos a outros (Ball, 1998). É a partir
da idéia de uma mistura de lógicas globais, locais e distantes, sempre recontextualizadas,
que o hibridismo se configura.
A incorporação da categoria hibridismo implica entender as políticas de currículo não
apenas como políticas de seleção, produção, distribuição e reprodução do conhecimento,
mas como políticas culturais, que visam a orientar determinados desenvolvimentos
simbólicos, obter consenso para uma dada ordem e/ou alcançar uma transformação social
almejada (García Canclini, 2001). Em uma perspectiva anti-hegemônica, desenvolver
políticas culturais implica favorecer a heterogeneidade e variedade de mensagens, que
podem ser lidas por diferentes sujeitos de diferentes formas, sem a pretensão de congelar
identidades. As orientações curriculares centralizadas, entretanto, tendem a projetar certas
identidades (Lopes, 2002) e a regular os sentidos das mesmas, ainda que não consigam
sempre as projeções e regulações almejadas. Cabe entender como esses processos de
desenvolvem, valendo-se da hibridização de tendências teóricas distintas, no âmbito dos
três contextos investigados por Ball (1994). (...)
García Canclini e suas análises da cultura estimulam a pensar que as coleções teóricas
com as quais usualmente o currículo é interpretado se dissolvem, produzindo associações
aparentemente contraditórias em nome de finalidades distintas daquelas entendidas como
originais. A cultura, que com Bernstein poderia ser pensada em termos de classificações de
categorias, identitariamente definidas por relações de poder, assume um caráter difuso, no
qual identidades e diferenças se mesclam e princípios de classificação não são mais
reconhecidos como tais. As descoleções, associadas às desterritorializações e
reterritorializações em espaços simbólicos e materiais, acabam por produzir os chamados
gêneros impuros, cuja impureza é conferida pela impossibilidade de classificá-los segundo
os modelos das antigas coleções curriculares classicamente definidas. (...) Ainda que
Canclini não focalize a discussão da ambivalência, ao afirmar que os poderes verticalizados
passam a ser entendidos como poderes oblíquos, pelos quais há descentramentos de poder,
aponta para a possibilidade de zonas de escape configuradas na nova cena cultural híbrida.
É por intermédio dos poderes oblíquos que ele espera poder compreender as situações de
29
Extrato 2 – fonte: Quem defende os PCN para o ensino médio? In: LOPES, Alice
Casimiro & MACEDO, Elizabeth (org.). Políticas de currículo em múltiplos contextos, Ed
Cortez, 2006.
Selecionar um corpo de saberes como capaz de compor uma cultura comum e
transmitir essa cultura implica interpretar tais saberes, associá-los a determinadas práticas e
instituições específicas e obrigatoriamente reconstruí-los, produzindo novas culturas. Ou
30
seja, o próprio processo de construir uma cultura entendida como comum produz uma
pluralidade cultural que nega a cultura comum.
Hall (1997) contribui para o entendimento desse processo ao sinalizar como cada
instituição e cada prática social engendram seu próprio universo de significados e práticas,
portanto, sua própria cultura. A clássica separação entre o material e o simbólico se
dissolve, não significando com isso a inexistência do material, mas o entendimento de que
toda prática social depende e tem relação com significados, depende de discursos que a
constituem como prática (Hall, 1997). A cultura é sempre plural e multifacetada,
constituída pelas diferentes formas segundo as quais a realidade é interpretada e pelas
diferentes realidades constituídas nessa interpretação. Por isso, em tempos de centralidade
da cultura, a questão da diferença também se torna central. Definir uma cultura como
comum é pretender uma homogeneidade que mascara e silencia as diferenças. Ao invés de
serem concebidas diferentes formas de significação do mundo, o projeto da cultura comum
busca impor uma única forma ou uma forma primordial de significação, como a mais certa,
mais correta e a única capaz de garantir as finalidades pretendidas, sejam elas democráticas
ou não.
Particularmente no que concerne ao currículo, é preciso considerar que já existem
diversos mecanismos sociais que regulam a cultura e contribuem para determinados
direcionamentos comuns. A formação de professores, os livros didáticos, a mídia, a
organização disciplinar são apenas alguns desses mecanismos pelos quais a regulação do
currículo se desenvolve. Instituir um currículo nacional implica o aprofundamento desses
processos de regulação, pois tal currículo, associado aos processos de avaliação
centralizada, passam a atuar sobre todos os demais mecanismos sociais já existentes e
tendem a promover a tentativa de colonização das práticas em uma dada direção. Embates
permanecem ocorrendo, híbridos culturais são construídos, como já discuti aqui, a
heterogeneidade permanece como marca do processo, porém um padrão como garantidor
de determinados fins passa a ser utilizado de forma a ampliar a regulação da cultura,
estabelecendo tal marco regulatório como desejável, apropriado e fundamental para a
produção do currículo nas escolas.
Na medida em que toda política de currículo é uma política cultural, tanto sua análise
a partir da derivação dos processos econômicos e de classe, nos quais o Estado está
inegavelmente engendrado, quanto seu deslocamento fetichizado dessas relações exclui
dimensões importantes das lutas sociais para dar sentido a algumas dinâmicas da cultura e,
particularmente, do conhecimento.
Com base na análise de Stuart Hall (2003) sobre os limites da concepção de ideologia
em Marx, considero produtivo afirmar a determinação em primeira instância da cultura pela
economia. A economia fornece um repertório de categorias culturais, delineando contornos
do pensamento, mas não define nem fixa os conteúdos particulares do pensamento de uma
classe ou grupo social. O Estado, no sentido ampliado analisado por Gramsci, ao engendrar
determinada estrutura econômica, associada ao modo de produção capitalista, não
determina os sentidos das políticas nem é capaz de saturar todo tecido social com sua
lógica, mas limita a matéria-prima do pensamento (Hall, 2003) e estabelece possíveis
sistemas de representação. Para o entendimento das políticas de currículo como políticas
culturais, tais sistemas de representação – o mercado, a produção, o consumo, a cultura
comum, o currículo nacional – precisam ser considerados, de forma a entender seus efeitos
discursivos, simultaneamente simbólicos e materiais.
A essa análise podemos associar o questionamento que Laclau e Mouffe (2001)
fazem da visão essencialista do papel da economia, e por conseqüência, das classes sociais
nas análises marxistas. Esses autores não abandonam as discussões teóricas marxistas, mas
buscam repensá-las à luz das relações sociais e dos processos históricos do século XX.
Defendem, então, que o espaço econômico é constituído politicamente, de forma
hegemônica, e a constituição dos sujeitos políticos não é conseqüência direta de suas
posições nas relações de produção, pois não são essas posições que garantem o
antagonismo desses sujeitos em relação ao capitalismo. Esse antagonismo pode ser
produzido por outras posições, como as de gênero ou raça, dependendo, portanto, de
dinâmicas contingentes. O desafio na constituição de uma nova hegemonia é construir
processos de articulação em que a identidade hegemônica não seja constituída a priori, de
fora do processo, e no qual uma dada particularidade possa assumir certo nível de
universalidade provisório e reversível.
32
Nesse sentido, Laclau e Mouffe afirmam existir uma disputa entre discursos que
constituem o Estado, mas nessa luta o discursivo não é visto apenas como superestrutural
ou referente ao campo das idéias. Trata-se de uma disputa pelas condições materiais
engendradas nesse discurso constituinte do antagonismo social. Um antagonismo que nunca
é superado, por ser inerente à atividade política democrática.
Referências
GARCÍA CANCLINI, Néstor, (2001). Definiciones en transición. Buenos Aires:
CLACSO. Disponível em: http://www.clacso.edu.ar/~libros/mato/canclini.pdf Acesso
em 30/04/2003.
HALL, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo.
Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 22, n. 2, jul/dez, p.15-46.
HALL, Stuart (2003). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte,
Editora UFMG.
LACLAU, Ernesto (1993). Poder y Representación.
LACLAU, Ernesto & MOUFFE, Chantal (2001). Hegemony and socialist strategy,
Londres, Verso.
33
O equilíbrio entre escola e cultura parece ser a tarefa mais atual do currículo, uma
vez que tal equilíbrio constitui uma das primeiras condições para a escola planejar a
atenção à diversidade educacional em todos os seus níveis. A compreensão da cultura
enquanto práxis, o significado de cultura como conjunto de práticas que conferem
determinados significados a indivíduos e grupos e, porque não dizer, à escola, insere-se no
propósito de oferecer uma possibilidade de análise do currículo escolar como prática
cultural.
Essa possibilidade vem sendo materializada no interior do/no Observatório de Cultura
Escolar e, para tanto, temos utilizado referenciais teórico-metodológicos que entendemos
responder nossa agenda de pesquisas, de estudos e de produções acadêmicas. Partimos da
análise da cultura escolar, pois ela tem nos permitido evidenciar as ligações profundas que
unem escola e cultura no todo sócio-histórico: a generalização da forma escolar (lugar
específico separado, baseado na objetivação-codificação-acumulação dos saberes), a
constituição do aluno médio, a progressiva autonomia das práticas, a generalização da
aprendizagem, e a construção de uma relação hierarquizada entre os iguais e os diferentes.
Essas ligações estão sendo organizadas como elementos constitutivos do currículo e, nesse,
sentido ele é uma seleção de cultura serve a uma sociedade ou a uma visão de como esta há
de ser, “a seleção considerada apropriada depende das forças dominantes de cada momento
e dos valores que historicamente se foram perfilando.” (GIMENO-SACRISTAN, 1998,
p.178)
Para aprofundarmos nossos estudos e pesquisas sobre cultura escolar temos nos
proposto, primeiramente, mapear com rigor o(s) conceito(s) de cultura, trazidos à tona pelas
áreas da Sociologia, da Antropologia, da História e dos Estudos Culturais, principalmente,
34
da/na área da Linguagem e da Literatura. Essa rigorosidade nos tem permitido diferentes
diálogos com a definição de cultura, na perspectiva de fugirmos da armadilha de
transformar ”escolar” em seu adjetivo.
Nesse sentido, não nos furtamos ao estabelecimento de diálogos entre os autores,
não no sentido de sustentação do conceito de cultura escolar, mas porque eles nos permitem
construir referências para a análise da cultura como a organização dos significados e dos
valores de determinados grupos sociais e como campo de confronto desses grupos, no qual
as práticas culturais só podem ser entendidas no interior do processo de valorização do
capital8.
Assim sendo, estabelecer diálogos entre diferentes autores não é uma prática
simples tão pouco fácil, pois manifestam por/em diversos olhares sobre a relação Cultura X
Sociedade. Williams, um dos investigadores da Sociologia da Cultura, argumenta que tal
dificuldade pode ser encarada de modo mais proveitoso como o resultado de “formas
precursoras de convergências de interesses”. Dentre essas formas, ele destaca duas
principais:
8
Segundo Bourdieu (1988), a destruição das bases econômicas e sociais das aquisições culturais
da humanidade, que se verifica nas sociedades neoliberais contemporâneas, tem, crescentemente,
subordinado a esfera cultural aos interesses econômicos, empresariais, burocráticos ou estatais
dominantes, tornando-a cada vez mais dependente desses mesmos interesses.
35
Como se pode observar, aqui há uma especial afirmação subliminar, qual seja, nem
toda produção cultural é uma produção ideológica, ou pelo menos, não deve ser vista assim,
mesmo que a generalização dos conceitos de ideologia e de cultura permita essa
aproximação: “Dizer que toda prática cultural é necessidade ‘ideológica’ não quer dizer
nada mais (...) senão que toda prática é significativa” (WILLIAMS, 1992, p. 28).
Essa idéia aponta para o entendimento da cultura como um sistema de significações
realizado, voltado a abrir “espaço para o estudo de instituições, práticas e obras
manifestamente significativas”, mas não apenas isso, como também para “por meio dessa
ênfase, estimular o estudo das relações entre essas e outras instituições, práticas e obras”
(WILLIAMS, 1992, p. 207-208).
Com Certeau (1998) encontramos algumas respostas para os estudos das relações
entre as instituições e as práticas, ao apontar a cultura como ciência prática do singular que
faz dos espaços público e privado um “lugar de vida possível”. Tal prática singular está
determinada pelos comportamentos, pelas instituições, pelas ideologias e pelos mitos que
compõem quadros de referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza uma
sociedade como diferente das outras. Práticas de pessoas comuns, isto é, maneiras de fazer
que, majoritárias na vida social, não aparecem muitas vezes senão a título de resistência ou
inércia em relação ao desenvolvimento da produção sócio-cultural.
Para aprofundarmos estudos sobre os quadros de referência de que fala Certeau
(1998), o colocamos para dialogar com Williams (1992) e Elias (1994). Este último entra
em nossa agenda a partir da sintetização dos termos kultur (germânico; usado para
simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade) e civilization (francês; refere-
se principalmente às realizações materiais de um povo) no vocabulário inglês Culture.
Segundo Elias (1994) a cultura pode ser objeto de estudo sistemático por se tratar de um
fenômeno natural que possui causas e regularidades, o que permite um estudo objetivo e
36
uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e sua
evolução, o que marca o caráter de aprendizagem da cultura. Nesse sentido, refere-se
basicamente a fatos intelectuais, artísticos, religiosos e, apresenta a tendência de traçar uma
linha divisória entre fatos religiosos e fatos políticos, econômicos e sociais.
Na tentativa de melhor entendermos esse caráter de aprendizagem da cultura,
chegamos ao conceito de cultura defendido por Geertz (1989), apreendido como o mais
semiótico deles, qual seja: “sistema entrelaçado de signos interpretáveis”. Esse autor não
concebe cultura como um poder, algo ao qual possam ser atribuídos casualmente os
acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos. Para tanto,
afirma que cultura é “um contexto, algo dentro do qual eles [acontecimentos sociais,
comportamentos, instituições, processos] podem ser descritos de forma inteligível – isto é,
descritos com densidade” (GEERTZ, 1989, p. 24).
Ao aproximarmos Elias (1994) e Geertz (1989) identificamos a ascendência de
Weber no pensamento dos autores, particularmente, no que se refere à interpretação de que
o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumindo a
cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do
significado.
Os resultados, ainda que iniciais, desse cruzamento encontram eco nas idéias de
Pérez-Gómez (2001), uma das referências na discussão da cultura escolar na sociedade
neoliberal, ao afirmar que a cultura requer interpretação mais do que explicação causal,
visto que ela é um fenômeno radicalmente interativo e hermenêutico. Para esse autor,
conhecê-la “é um empreendimento sem fim. O próprio fato de pensá-la e repensá-la, de
questioná-la ou compartilhá-la supõe seu enriquecimento e sua modificação. Seu caráter
reflexivo implica sua natureza cambiante, sua identidade autoconstrutiva, sua dimensão
criativa e poética” (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 15).
Para tanto, interrogamos o próprio conceito de cultura escolar no sentido de que
tome a solidez e elasticidade capazes de abrigar a complexidade das práticas sociais e dos
sentidos do/no/pelo currículo.
37
Pressupomos diante das reflexões acima, que o currículo está circundado pela idéia
de uma seleção da cultura, isto é, escolhas que se faz em amplo universo de possibilidades,
considerando a cultura como espaço em que significados se produzem.
No entanto, nosso foco de análise está em outra direção, o campo de cruzamento de
culturas no interior das escolas, no qual se estabelecem os acordos, se resolvem os
conflitos, se materializam as relações de poder, ou seja, a cultura escolar como componente
determinante do currículo e, não, como aferidora de autonomia às práticas.
Se a concepção de currículo corresponde às experiências pedagógicas em que a
escola e seus indivíduos arquitetam e restauraram os conhecimentos, se cabe a escola por
meio dos administradores, dos professores e dos alunos a participação ativa no processo de
planejamento e de desenvolvimento de tais experiências, é impossível a ocorrência do
desenvolvimento curricular, caso desconsideremos a existência de práticas singulares, ou a
cultura escolar.
9
De acordo com a diferenciação operada por Forquin (1993).
38
Referências
BOURDIEU, Pierre. Contre-feux. Paris: Liber Raison D’agir, 1988.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano (v.1 – Artes de Fazer). 4ª ed. Tradução:
Ephraim Ferreira Alves, 1998.
______. GIARD, Luce & MAYOL, Pierre. 1998. A invenção do cotidiano (v.2 – Morar,
cozinhar). Tradução: Ephraim Ferreira Alves e Lúcia Endlich Orth. Rio de Janeiro: Vozes,
1998.
CEVASCO, Maria Elisa. Sétima Lição – Diálogos Pertinentes: marxismo e cultura. IN:
______. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, pp. 119-
137.
EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. Lisboa: Temas e Debates, Colecção Memória do
Mundo, 2003.
ELIAS, Norbert. Da sociogênese dos conceitos de “civilização” e “cultura”. IN:_____. O
processo civilizador (vol 1). Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
FORQUIN, J. Claude. Escola e Cultura: a sociologia do conhecimento escolar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1993.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. São Paulo: LTC, 1989.
GIMENO-SACRISTAN, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre, RS:
ArtMed, 1998.
PERÉZ-GOMÉZ, A. I. A Cultura Escolar na sociedade neoliberal. Tradução: Ernani
Rosa. Porto alegre: Artmed Editora, 2001, Introdução.
WILLIAMS, R. Cultura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992.
39
10
A tal programa, intitulado Ouvindo vozes com a metalingüística de Mikhail Bakhtin: em busca de novas
compreensões acerca do ensino de química, interessa estabelecer uma rede de compreensões envolvendo os
processos de formação de professores (os agentes realizadores de currículos), de inovação curricular, de
justificação das práticas correntes e de sucesso e insucesso escolar, relacionados às concepções do que é um
saber legítimo e de quais são os objetivos da escolarização (conforme materializadas nos currículos).
11
Tomaz Tadeu da Silva elaborou um mapa dos estudos sobre currículo, desde sua gênese
nos anos vinte, onde aparecem três categorias de teorias do currículo, com base nos
conceitos que são enfatizados. As teorias tradicionais enfatizam “ensino, aprendizagem,
avaliação metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos”. As
teorias críticas enfatizam “ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social,
capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação,
currículo oculto e resistência”. Finalmente, as teorias pós-críticas enfatizam “identidade,
alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação,
cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo” (1999, p. 17).
12
Nosso intuito é contribuir para, como sugere Peter Fensham, superarmos a percepção da educação científica
“em um vácuo social e político” (1995, p. 411).
40
estabelecidas nas práticas e nos discursos, entre as culturas dos estudantes, de fora da escola
(cultura popular, cultura juvenil), e aquelas representadas pela instituição escolar (cultura
culta, cultura científica). Por conta disso, pensamos que nossas reflexões acerca do ensino
de Química precisam passar a enfatizar conceitos tais como os elencados acima. Os
conceitos de “vozes” e “polifonia”, dentre outros, habitantes da matriz analítico-conceitual
constituída por Mikhail Bakhtin, tomam a frente em nosso empreendimento investigativo.
OBJETIVO
13
Falemos um pouco do conceito de identidade, explicitando sumariamente o modo como o
concebemos no contexto de nossa ênfase em processos discursivos. Bakhtin escreveu:
“Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade”(1929/1981, p. 113). Dessa forma, podemos considerar, com base em Bakhtin,
que a palavra (o discurso, o texto) é o local onde se definem identidades que são sempre
41
estamos pressupondo, estaria relacionado à mútua negação aluno versus escola, podendo,
desse modo, ser considerado um atributo da identidade projetada para jovens das classes
populares (“indisciplinados”, “desinteressados”, “nem aí!”).
Cultura dominante
Cultura juvenil Cultura culta
Cultura popular Cultura escolar
Cultura cientifica
Santomé (1995) inclui as culturas juvenis no rol das “culturas negadas e silenciadas
no currículo” (p. 159), das “vozes ausentes na seleção da cultura escolar” (p. 161). Claude
Grignon, ao discutir as relações entre cultura dominante, multiculturalismo popular e
cultura escolar, enfatiza a ação monoculturalista da escola e ressalta o papel do ensino de
ciências e de matemática na “função de integração lógica desempenhada pela escola”:
Cultura escolar, cultura científica, cultura popular e cultura juvenil, dentre outras
“entidades” de nosso interesse, são vistas como “vozes”, diferentes perspectivas conceituais
e ideológicas, de acordo com o conceito de polifonia de Mikhail Bakhtin. Vejamos este e
outros conceitos centrais da estrutura metodológica proposta para o presente projeto.
43
Introdução
As atividades de pesquisa do Grupo de Estudos Interdisciplinaridade e Ciência do
sistema Terra como eixos pra o ensino básico perseguem o campo complementar em que
se cruza elementos microcurriculares e formação de professores. Persegue-se certas
referências que contribuem para orientar inovações curriculares coletivamente planejadas e
aplicadas por professores do ensino básico e, ao mesmo tempo, indicam trajetórias para
construir o currículo do programa de formação de professores (Beane, 2003; Apple, 1995;
Apple & Beane, 2003; Rodriguez & Garzón, 2003; Contreras, 1997; Gimeno & Pérez,
1998).
Busca-se orientar a reflexão de formadores de professores (pesquisadores da
universidade e assistentes técnicos de órgão da Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo) e dos próprios professores do sistema estadual de educação em torno dos problemas
de ensino e de aprendizagem que acham-se vinculados às múltiplas dimensões do processo
educativo (institucional, legal, histórico e sociológico).
O presente texto visa indicar quais trajetórias de pesquisa foram perseguidas, quais
foram seus principais resultados e como foram construídos em um processo de pesquisa
qualitativa realizado em cidade do interior do Estado de São Paulo.
Fundamentação teórica
A literatura sugere certa indefinição quanto ao conteúdo e abrangência do que deve
compor a formação de professores para capacitá-los para o ensino e pesquisa (Wilson,
44
2006). O que deve ser o padrão e o núcleo da formação de professores: experiência prática
e profunda dos problemas do ensino formal e não formal; ensino a distância e seus
possíveis papéis para educação; o saber de como usar experiências de campo ou projetos de
pesquisa curriculares para melhorar o ensino; domínio de tecnologias de informação para
trabalhar com alunos; ampla concepção histórica, teórica e empírica da educação e da
formação de professores; etc.? Diante de tais perguntas, poderíamos ser tentados a dizer
que os aspectos listados e, de fato, muitos outros, fazem parte do campo de trabalho do
professor e, portanto, seriam desejáveis para quaisquer pesquisadores sobre formação de
professores. Mesmo que restringíssemos ao que seria importante para formar pesquisadores
o desafio permaneceria; o bom pesquisador deve conhecer e ser capaz de usar distintas
metodologias de pesquisas e deve estar consciente da variedade de métodos que faz parte
da pesquisa disciplinar em educação.
Diante da dificuldade de construir uma proposta curricular de formação de
professores tão abrangente, a opção foi restringir o conhecimento a parcela do saber que foi
pobremente desenvolvida na formação inicial dos professores. Dessa maneira, é feita uma
clara opção em defesa da necessidade de incluir no processo educacional do ensino básico
conhecimento geológico: como o ciclo da água funciona ao longo do tempo geológico. É
importante assinalar que a decisão sobre a delimitação temática contou com a participação
e interferência dos próprios professores do sistema estadual.
A delimitação temática em torno do ciclo da água e do tempo geológico implicou
aproximar a pesquisa de debates sobre ensino e aprendizagem de temas da Ciência do
sistema Terra (Ben-Zvi-Assarf & Orion, 2005 a e b; Dickerson & Dawkins, 2004;
Shepardson et al., 2005; Orion & Kali, 2005)
A aproximação com os problemas do Ensino de ciências contribuiu para construir
uma parte dos indicadores de como a concepção dos professores muda ao longo do tempo.
Foram privilegiadas noções ambientais: a água, a natureza, a cidade, bem como de suas
inter-relações naturais e urbanas. O processo interativo propiciado pelo Grupo de Estudos
sugere algumas possibilidades de educação continuada para professores. Van Driel &
Verloop (2002), Greca & Moreira (2000), Harrison & Treagust (2000), Treagust et al.
(2002) servem tanto para construir indicadores de modelos mentais adotados pelos
professores para compreender o mundo, quanto para ensinar a seus alunos.
45
modificam seu trabalho em sala de aula. É uma importante mudança de atitude diante da
cidade e dos colegas (tanto os da mesma disciplina, quanto os de disciplinas distintas).
O envolvimento do professor para dominar o conteúdo específico e transmitir o
conhecimento produzido aos alunos é algo parcialmente ligado com o compromisso de
avançar o conhecimento dos alunos, algo intrinsecamente associado aos compromissos
pessoais e profissionais dos membros do Grupo de Estudos.
Quadro sinótico das pesquisas relativas ao Programa criado pelo Grupo de Estudos
Interdisciplinaridade e Ciência do sistema Terra como eixos pra o ensino básico
Discussão
O presente texto não explora detalhadamente quais são as razões que conduzem à
defesa de incluir conteúdos geológicos no ensino básico. Há motivos estratégicos quanto à
necessidade de conhecimento de como a Terra funciona para compreender os desafios
ambientais da sociedade científica e tecnológica; adicionalmente assinala-se a necessidade
de construir uma relação afetiva com o planeta; além disso, Geologia é uma ciência
hipotética, histórica e narrativa e o conhecimento dessa área pode ajudar a formar uma
atitude científica dos cidadãos. Autores que exploram os aspectos epistemológicos e
educacionais da Geologia servem de referência a esta abordagem: Frodeman, 2000;
Guimarães, 2004; Carneiro, Toledo & Almeida, 2004; Compiani, 2006).
As rupturas que foram operadas por meio do processo interativo propiciado pelo
Grupo de Estudos contribuem para mudar a concepção de planejamento e execução do
ensino: do trabalho individual, solitário e apoiado fundamentalmente no livro didático, o
professor passa a valorizar o planejamento coletivo inserido em um projeto pedagógico no
qual cruzam alvos de engajamento dos alunos e da comunidade em uma formação cidadã
dos alunos, inicia o uso de distintos materiais de apoio para preparar suas aulas (livros,
documentos históricos, memória de informantes da sociedade, fontes de órgãos públicos e
privados). Em conjunto trata-se de um engajamento do professor que contribui para
aumento da autonomia docente e, simultaneamente, altera a concepção de ensino e dos
alunos.
Nos elementos que compõem o ensino e a formação dos professores, o
conhecimento do assunto específico recebe especial ênfase no trabalho do Grupo de
Estudos. Observa-se interesse e engajamento dos professores no desenvolvimento de
tópicos específicos que possam dinamizar e aprofundar suas aulas – em grande parte isso
corresponde a necessidade de habilidades técnicas no domínio de instrumentos didáticos
49
(fato que se destaca devido a ausência desses conteúdos na formação inicial dos
professores). Dessa maneira, tópicos geológicos fazem parte do currículo construído junto
com os professores.
Outra parcela de instrumentos técnicos e políticos é delimitada pela inovação
curricular introduzida pelos professores em suas salas de aula. Estas põem a tona
dificuldades de ensino e aprendizagem anteriormente desprezadas ou simplesmente não
percebidas pelos professores.
O conhecimento geológico aplicado ao ambiente local ajuda a mudar a percepção
sobre como a água circula pela cidade e assinala as dificuldades dos alunos de compreender
o ciclo da água. Portanto, o professor do Grupo de Estudos pode tornar-se mais consciente
de sua atividade profissional e, ao mesmo tempo, modifica seu modelo de natureza, de ciclo
da água e de cidade.
Um alvo que articula a multiplicidade de ações pedagógicas e investigativas acha-se
em torno do projeto político e pedagógico de construir uma escola democrática e do papel
que é atribuído ao professor nesse processo de transformação do ambiente escolar. Adota-
se a perspectiva de que o professor deve ser um agente desse processo e, portanto, necessita
daqueles conhecimentos mencionados na introdução.
Referências
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APPLE, Michael W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe
e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 218p.
BEANE, James A. Integração curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo
sem Fronteiras, v.3, n.2, p.91-110, jul./dez. 2003.
BEANE, James A.; APPLE, Michael W. O argumento por escolas democráticas. In:
APPLE, Michael W.; BEANE, James A. (Orgs.). Escolas democráticas. São
Paulo: Cortez, 1997. p.9-43.
BEN-ZVI-ASSARAF, Orit; ORION, Nir. A study of junior high students’ perceptions of
water cycle. Journal of Geoscience Education, v. 53, n. 4, p. 366-373, September,
2005a.
50
procura entender o currículo nas suas conexões com a cultura musical dos sujeitos aluno e
professor da EPM e sua prática no bandão.
A rede cultural numa prática coral infantil: uma trajetória a partir do funk
O Projeto Sons e Músicas Daqui, desenvolvido no Coral do Colégio Santa Úrsula
(2º sem/2001), envolveu 34 crianças da 2ª à 8ª série. O funcionamento do cotidiano
pedagógico e curricular nesse grupo coral pode ser entendido pela lógica do rizoma e seu
princípio de mapa (Deleuze & Guattari, 1995). No ambiente de trabalho, produz-se uma
rede cultural tomada como sistema aberto. Ao tratar dessa rede cultural - matriz de
conteúdo (Sacristán, 1999) -, a educação deve facilitar o trânsito entre as culturas, partindo
de onde o aluno está, para ir a zonas da rede distantes de “seu território”, pois “ninguém -
indivíduos ou povos - é fruto apenas de si mesmo” (p.182).
No primeiro encontro do projeto o coro relaciona elementos presentes no universo
dos bairros dos integrantes do coral. Tendo em vista a montagem de um repertório que
represente esse universo, traçamos juntos uma matriz de currículo que serviria à trajetória
do grupo. Do plano previamente traçado pela regente constava partir da música Rosa, de
Pixinguinha, do repertório dos seresteiros do bairro. Contudo, o funk surge do grupo
instabilizando a lógica traçada. Diversas direções surgem: “Funk não é música”, “Então o
que é música?”, “Tem que ter melodia”, “Posso ter música só com ritmo?” “O funk é
música, mas é música ruim”, “O que é música ruim e música boa?”, “Eu gosto do ‘batidão’,
não da letra!” “A música que faz sucesso é aquela que está na televisão”, “Moda muda toda
hora para a gente comprar mais”.
No segundo encontro, procuramos instabilizar tais representações. O ambiente de
aula se dá numa troca de CDs, num intercâmbio de questões e hipóteses: “O Gilberto Gil
canta funk?”, “Parece samba...”, “O Gil faz musica pop? “(...) a Fernanda Abreu faz
funk?!”; “Quem é Luiz Melodia?”; “Isso é funk?”; “Isso é funk atual?”. Ao som do grupo
Funk como Le Gusta, é feito um improviso corporal/vocal. O plano do ensaio ganha outras
direções: música pop, música das rádios, capoeira (som de atabaques numa música de O
Bonde do Tigrão) e critérios sobre o que é ou não do bairro abriram outras questões. O funk
toma muitas formas na rede cultural e no mapa-cartografia, produz devires e faz acontecer
o currículo-coro pelos critérios do interessante, notável e importante, numa composição
coletiva. No terceiro encontro, o funk do Gil serve a uma audição conjunta, resultando num
56
Referências Bibliográficas:
CORAZZA, Sandra M. Diferença pura de um pós-currículo. In: LOPES, Alice; MACEDO,
Elizabeth (orgs). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. p. 103-
114.
DELEUZE, Gilles. O que as crianças dizem. In: ____. Crítica e clínica. SPaulo: ed. 34,
1997. p. 73-79.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Introdução: Rizoma. In: _________. Mil Platôs –
capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Rio de Janeiro: ed. 34, 1995. p. 11-37
JARDIM, Antônio. As escolas oficiais de música: um modelo conservatorial ultrapassado e
sem compromisso com a realidade cultural brasileira. Revista Plural, RioJaneiro, v.2,
p.105-112, 2002.
SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e Diversidade Cultural. In: SILVA, Tomaz T;
MOREIRA, Antonio F. (orgs.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. 6ed. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 82-113.
SACRISTÁN, J. Gimeno. Poderes Instáveis em Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999
58
“Ao mesmo tempo, no momento em que a escola perde suas forças próprias, uma
grande parte da opinião reclama dela a solução de dois dos mais graves
problemas da sociedade contemporânea: uma redefinição da cultura e a
integração da juventude.”
(M. De Certeau In: A Cultura no Plural)
14
Professora Doutora do Departamento de Ensino e Práticas Culturais da Faculdade de Educação da
UNICAMP; membro pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC);
integrante do Laboratório de Estudos de Currículo.
15
Chamo de grupo de orientação o conjunto de alunos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado
que estão ou estiveram sob minha orientação e que integram o trabalho colaborativo de pesquisa.
60
16
Como atualmente o grupo é integrado por várias professoras de química que atuam no ensino médio, o foco
das pesquisas relacionadas com disciplinas escolares é justamente relacionado com a área de docência das
pesquisadoras (a química).
63
Referências
BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico.1ª Edição Petrópolis: Ed. Vozes,
1996.
BRANDÃO, C.R. A Educação como Cultura. Edição revista e ampliada. Campinas:
Mercado de Letras, 2002.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Ministério da
Educação: Secretária da Educação Básica, 1999.
CARRERI, A.V. e ROSA, M.I.P. Reformas Curriculares e práticas pedagógicas –
investigando aproximações no ensino de química. Artigo completo publicado em CD-rom.
Anais do XIII Encontro Nacional de Ensino de Química. Campinas, 2006.
CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano: I.. artes de fazer. 9ª. Edição. Petrópolis: Vozes,
1994.
CERTEAU, M. A Cultura no Plural. 3ª. Edição. Campinas: Editora Papirus, 1995.
64
INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, julgo necessário esclarecer que não vejo o currículo como um
cenário em que as culturas lutam por legitimidade, um território contestado, mas como uma
prática cultural que envolve, ela mesma, a negociação de posições ambivalentes de controle
e resistência. O cultural não pode, na perspectiva que defendo, ser visto como fonte de
conflito entre diversas culturas, mas como práticas discriminatórias em que a diferença é
produzida. Isso significa tentar descrever o currículo como cultura, não uma cultura como
repertório partilhado de significados, mas como lugar de enunciação. Ou seja, não é
possível contemplar as culturas, seja numa perspectiva epistemológica seja do ponto de
vista moral, assim como não é possível selecioná-las para que façam parte do currículo. O
currículo é ele mesmo um híbrido, em que as culturas negociam com-a-diferença. (...)
Entendo ser mais promissor, do ponto de vista teórico, buscar pensar o currículo
como espaço-tempo de fronteira, permeado por relações interculturais e por um poder
oblíquo e contingente. A noção de fronteira tem sido utilizada pelo pós-colonialismo para
designar um espaço-tempo em que sujeitos, eles mesmos híbridos em seus pertencimentos
culturais, interagem produzindo novos híbridos que não podem ser entendidos como um
simples somatório de culturas de pertencimentos. Para Bhabha (2003), a noção de cultura
deve ser tomada numa perspectiva interativa como algo constantemente recomposto a partir
de uma ampla variedade de fontes num processo híbrido e fluido. É também nessa
perspectiva que julgo ser produtivo pensar o currículo.
Nesse sentido, o currículo seria um espaço-tempo de interação entre culturas. Usando a
terminologia de nossas coleções Modernas, em que as culturas são vistas como repertórios
partilhados de sentidos, poderíamos enumerar um sem número de culturas presentes no
currículo. Desde o que chamaríamos de princípios do Iluminismo, do mercado, da cultura
de massa até repertórios culturais diversos, dentre os quais freqüentemente destacamos
culturas locais. Mas estar na fronteira significa desconfiar dessas coleções e viver no limiar
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lugares culturais. Não podem ser concebidas com base numa oposição entre presença e
ausência absolutas. Seria mais produtivo, nesse sentido, pensar a diferença como algo que
não pode ser fixado de forma decisiva. Ainda que, em algumas situações, nossos projetos
pedagógicos mantenham a fantasia de um significado fixo, cabal, ele nunca será totalmente
apreensível. Vista a partir dessa noção, a negociação torna-se uma forma de subversão.
Uma temporalidade em que elementos antagônicos e até mesmo contraditórios se articulam
sem a perspectiva da superação, criando espaços de luta híbridos, nos quais polaridades
positivas ou negativas, ainda que relativas, não se justificam. Ou seja, na temporalidade da
negociação, não é possível pensar em sentidos fixos, primordiais, que reflitam objetos
políticos unitários e homogêneos. As categorias que têm alicerçado muitas de nossas lutas
políticas são, elas mesmas, um processo de tradução. Rearticulam os elementos que
supostamente as constituem, contestando os territórios definidos por cada uma para si.
Ao sustentar que essas categorias não implicam em posições fixadas num espectro
político claro, não estamos propondo o fim da atuação política, mas a necessidade de se
elaborar alternativas — políticas e teóricas — para um mundo contemporâneo. Um mundo
dominado por discursos globais e homogêneos, por hegemonias que não se admitem
transitórias. Nesse sentido, o “negociar na prática” exige mobilização política. A
argumentação pós-colonial de que toda cultura é híbrida e de que não há, na interação entre
culturas, a possibilidade de imposição absoluta não implica na desconsideração de
estratégias que visam à manutenção do poder colonial, tais como as destacadas no currículo
de ciências analisado. Ainda que não seja absoluto, e apenas por isso possa ser combatido,
o poder colonial nos exige uma articulação estratégica dos saberes de diferentes grupos
culturais sem que isso implique na contestação da singularidade da diferença. Estamos, por
enquanto, entendendo que uma agência pós-colonial no currículo necessita, como qualquer
outra, de uma fundamentação, mas não podemos esperar construir uma fundamentação
totalizada sob pena de estarmos quebrando o jogo hegemônico necessário a um processo
político democrático e realmente plural.
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17
Professora do Programa de pós-graduação da FE/UFRJ. Pesquisadora do NEC/UFRJ.
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Traços comuns do NEC na sua configuração atual: falar de “um lugar de fronteira”
Sobre apropriações...
De uma maneira geral o conceito de cultura tem aparecido nas nossas pesquisas
mais como categoria de análise para nomear, interpretar e explicar os objetos /sujeitos e
práticas investigados, do que como objeto de investigação. Dito de outra forma, se por um
lado, desde o início reconhecemos no nosso fazer pesquisa, o potencial heurístico das
implicações políticas e epistemológicas da incorporação do enfoque cultural, de outro, a
problematização do próprio conceito de cultura tal como é utilizado no nosso “fazer
pesquisa” é um desafio que começa apenas a ser enfrentado.
Desafio esse que por sinal, pressupõe que situemos nossa reflexão em um momento
anterior ou exterior à discussão da apropriação do conceito de cultura pelo campo do
currículo. Trata-se de pensar também em termos da própria trajetória histórica de
construção do conceito de cultura no campo da antropologia, marcada pelas lutas de
representação travadas entre as perspectivas teóricas universalistas (Tylor) e particularistas
(Boas) e seus desdobramentos até os dias atuais. Perceber igualmente a incorporação pelo
campo da Antropologia da própria crise paradigmática e a emergência e o desenvolvimento
de uma perspectiva interpretativista (Geertz) para ver o campo antropológico e as
implicações no que diz respeito ao significado atribuído ao conceito de cultura. Importa
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A idéia aqui é dar início a uma reflexão sobre as formas de apropriação do conceito
de cultura pelas pesquisas realizadas e em curso no NEC18 e que, de certa forma, permitem
delinear, esboçar uma perspectiva desse núcleo “para ver o campo do currículo”. Para tal,
utilizaremos trechos desses projetos de pesquisa com o intuito de mapear alguns traços ou
indícios que nos permitem perceber a forma como o conceito de cultura vem sendo
apropriado nesse grupo específico.
docente (2003) – Antonio Flavio Moreira (coordenador) e Regina Cunha; Currículo de Ciências:
iniciativas inovadoras nas décadas de 1950/60/70 (2005) – Marcia Serra Ferreira (coordenadora); A
história ensinada: saber escolar e saberes docentes em narrativas da história escolar (2005) – Ana
Maria Monteiro (coordenadora) ;Currículo de Historia. investigando sobre saberes aprendidos e
construções de sentido na Educação Básica (2005) – Carmen Teresa Gabriel (coordenadora).
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Assim, esta pesquisa permitiu verificar que estes professores produzem, dominam e
mobilizam saberes para ensinar o que ensinam. Estes saberes, temporais, plurais,
heterogêneos, personalizados e situados, configuram uma construção complexa, que
apresenta marcas de suas trajetórias de vida pessoal, da formação e da experiência
profissional, e que se realiza num contexto de autonomia relativa no qual interagem
outros sujeitos, saberes e práticas, integrantes da cultura escolar, e do contexto mais
amplo da sociedade onde se insere. (MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa,
Resumo da Tese de Doutorado. Ensino de História: entre saberes e práticas. Rio de
Janeiro.2002)
Uma outra modalidade de apropriação do termo “cultura escolar” está presente nas
pesquisas cuja ênfase está posta no viés epistemológico e tem como recorte privilegiado o
processo de construção do conhecimento escolar. Nessa perspectiva, esse termo tende a
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aparecer como sinônimo dos saberes, valores e atitudes que são produzidos e/ou
reelaborados nesse espaço específico e, como tal, carregam especificidades tanto de ordem
epistemológica como política. Nota-se que neste sentido, o conceito de cultura está
intimamente relacionado com o conceito de conhecimento, de leitura do mundo, e tende a
incorporar a tensão entre as perspectivas universalistas e particularistas intrínsecas à
emergência do conceito de cultura.
Este terceiro movimento de apropriação pode ser percebido nas linhas de pesquisas
do NEC que vem estreitando o diálogo com o paradigma interpretativista para a
significação do conceito de cultura, fazendo emergir a centralidade da linguagem na
construção de sentidos.
Referências
ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho: o cotidiano das escolas nas lógicas das redes
cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (Org.). Pesquisa no/do
cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 13-38.
ALVES et al. (Org.). Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2002.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
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